Anais do X Encontro do CELSUL – Círculo de Estudos Linguísticos do Sul
UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Cascavel-PR | 24 a 26 de outubro de 2012 | ISSN 2178-7751
O HABITUS CULTURAL DE DARCY RIBEIRO EM LÍNGUA INGLESA: UM
ESTUDO DA TRADUÇÃO DE BRASILEIRISMOS TERMINOLÓGICOS
PRESENTES NA OBRA O POVO BRASILEIRO
Talita SERPA1
RESUMO: Com o objetivo de investigar a possível existência de um habitus, ou seja, de
padrões de ação que os indivíduos adquirem por meio de suas experiências e práticas
sociais, no âmbito da tradução de brasileirismos terminológicos na direção português ↔
inglês, analisamos um corpus paralelo da subárea de Antropologia da Civilização, composto
pela obra O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995), de autoria do
antropólogo Darcy Ribeiro e pela respectiva tradução, realizada por Gregory Rabassa. Para
tanto, apoiamo-nos nos Estudos da Tradução Baseados em Corpus (BAKER, 1993, 1995,
1996, 2000), na Linguística de Corpus (BERBER SARDINHA, 2000, 2004) e, em parte, na
Terminologia (BARROS, 2004; FAULSTICH, 2000) e na Sociologia da Tradução (SIMEONI,
2007; GOUANVIC, 2002, 2005). A metodologia utilizada requereu o uso do programa
WordSmith Tools, o qual nos proporcionou os recursos para o levantamento dos dados e
para a análise dos aspectos culturais e textuais. Quanto aos comportamentos tradutórios de
Rabassa, os resultados obtidos mostraram intensa variação vocabular na tradução de
brasileirismos, como em: “agregado”: hired hand, share-cropper, worker e household
servant. A recorrência ao uso desses recursos permitiu-nos verificar a possível formulação de
um habitus passível de ser estruturado para os Estudos da Tradução. O uso dos recursos
disponibilizados pela Linguística de Corpus contribuiu para a compreensão do papel
desempenhado pelos tradutores, por meio das diferentes escolhas lexicais com distintos
sentidos sociais, o que pode ser compreendido como uma tendência do habitus tradutório em
obras voltadas ao estudo da sociedade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Estudos da Tradução Baseados em Corpus; Brasileirismos
Terminológicos; Habitus Tradutório.
ABSTRACT: Intending to investigate the possible existence of an habitus, i.e., action patterns
which some individuals acquire through their experiences and social practices, related to the
translation of terminological brazilianisms from Portuguese into English, we analyzed a
parallel corpus of Social Anthropology of Civilization sub-area, composed by the work O
povo brasileiro: formação e sentido do Brasil (1995), written by the anthropologist Darcy
Ribeiro, as well as by its translation, performed by Gregory Rabassa With this aim, we used
the theories of Corpus-Based Translation Studies(BAKER, 1993, 1995, 1996, 2000), of
Corpus Linguistics (BERBER SARDINHA, 2000,2004) and, in part, of Terminology
(BARROS, 2004; FAULSTICH, 2000) and of Sociology of Translation (SIMEONI, 2007;
GOUANVIC, 2002, 2005). The methodology required the use of the program WordSmith
Tools, which has provided the resources for collection of data and for the observation of
cultural and textual aspects. Considering Rabassa’s translational behavior, the results
obtained from our corpus showed that the translator presented strong variation in the
translation of the brazilianisms, such as in : “agregado”: hired hand, share-cropper, worker
1
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Estadual Paulista - Câmpus
de São José do Rio Preto. Docente Titular da União das Faculdades dos Grandes Lagos – Câmpus de São José do
Rio Preto. [email protected].
1
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e household servant. Recurrence to use these features allowed us to verify the possible
formulation of a translational habitus that can be associated to Translation Studies. The use
of the resources provided by Corpus Linguistics contributed to the process of awareness of
the social role played by translators, through different lexical choices endowed with different
social meanings, which represent a trend in the translational behavior in works aimed to
study the formation of the "Brazilian people."
KEYWORDS: Corpus-Based Translation Studies; Terminological Brazilianisms;
Translational Habitus.
1 Introdução
As distintas subáreas das Ciências Sociais sempre estiveram preocupadas com a
possível compreensão das estruturas que mantêm os seres humanos organizados em
sociedade. Por diferentes vias, Antropologia, Ciência Política, Economia, Sociologia, etc.,
esta área consolidou-se em uma proposta teórico-metodológica autônoma, a qual se tornou
mais clara com publicações como as de Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max
Weber.
Dentro destas teorizações, as questões culturais, voltadas à formação das religiões,
tradições, mitos e cultos, assim como às formas de casamento, nomenclaturas de parentesco,
leis civis e sistemas de organização de poder, passaram a ser estudadas, especificamente, pela
Antropologia, permitindo aos pesquisadores descobrirem a dinâmica de certas construções
culturais, construções estas que, uma vez institucionalizadas, regulavam e davam sentido a
práticas sociais complexas. Os conjuntos de comportamentos orientariam as atividades
humanas de modo que os costumes agiriam como instituições e fontes de valor (MICELI,
et.al., 1989).
Por volta do início do século XX, os estudos antropológicos voltaram-se para a
delimitação das linhas estruturais das culturas e sociedades da América Latina e para a
difusão das proposições teóricas europeias nos países em desenvolvimento, promovendo a
elaboração de um trabalho científico interacional nas nações ameríndias. Com isso, houve um
processo tradutório intenso, com o objetivo de adequar os textos originais (TOs) às novas
necessidades contextuais de investigação, alterando não somente os elementos linguísticos,
mas também as relações entre os povos envolvidos e elevando a tradução a um caráter de ato
cultural.
Nesse âmbito, autores, como Snell-Hornby (1986) e Wolf (1995), propuseram que os
TOs, assim como os textos traduzidos (TTs), podem ser compreendidos como conteúdos
sociais que representam pontos de vista distintos para a conceituação de um conjunto de
costumes comum. A tradução assume-se enquanto textualização de valores culturais de
diferentes grupos humanos implícitos na linguagem; e o contato com povos e sociedades,
antes consideradas inferiores, leva à interação com novas práticas sociais.
No que concerne às Ciências Sociais, o papel do tradutor associa a mediação cultural a
um reconhecimento interpretativo do repertório cultural e social da Cultura Fonte e da Cultura
Meta. De maneira geral, a tarefa concentra-se nas mãos dos estudiosos da área, deixando de
lado fatores como a formação profissional do tradutor e o conhecimento das etapas de um
processo tradutório.
Quanto à pesquisa antropológica no Brasil, esta teve início com a criação do curso de
Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Escola de Sociologia e Política
(ESP), na década de 30. Nesta época, a pesquisa realizada no país permanecia baseada em
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investigações e teorias europeizadas e tinha por principal material os relatos históricos dos
grupos colonizadores, ainda escritos em línguas europeias.
Na contramão das perspectivas analíticas pré-concebidas e importadas, antropólogos
brasileiros, como Darcy Ribeiro, propuseram a elaboração de uma teoria que se concentrasse
na construção de uma avaliação das condições de promoção do processo civilizatório deste
país, livre da ação teórica precedente.
O autor trabalhar uma multiplicidade de papéis sociais de personagens brasileiros, o
que lhe permite concentrar a análise antropológica nacional em dois focos principais: a
questão dos índios e negros e a formação da identidade do povo brasileiro, criando assim uma
série de seis livros intitulada Antropologia da Civilização (doravante AC)2.
Darcy Ribeiro promove novos parâmetros, cria novos termos e recategoriza hipóteses
precedentes, adaptando-as à proposta de uma Antropologia Brasileira. Dessa maneira, o
estudioso procura trabalhar um conjunto de teorias que se desvencilha das traduções das
propostas metodológicas precedentes.
Meggers, arqueóloga e tradutora da primeira obra da série, atenta para o fato de que
Darcy realiza uma crítica ao evolucionismo cultural no que tange à postura eurocêntrica de
análise, a qual projetaria um ideal de sociedade como etapa final do percurso evolutivo
humano, baseado na experiência civilizadora europeia.
A teórica observa que,
[...] os melhores estudos sobre evolução cultural foram elaborados por
estudiosos europeus ou norte-americanos e, em virtude disso, corroboram,
implícita ou explicitamente, esse ponto de vista. Ribeiro, entretanto, não é
um produto da nossa tradição política ou acadêmica. É um cidadão do
chamado "terceiro mundo". Como tal, encara o desenvolvimento cultural sob
um prisma distinto e percebe nuances que para nós permanecem encobertas.
O fato de não compartilhar do nosso parcialismo não significa,
simplesmente, que ele seja imparcial. Todavia, os pontos focais de sua
análise que mais se contrapõem a nossas concepções não podem ser
rejeitados sob a alegação de preconceito. Não apenas porque suas
qualificações profissionais o recomendam à nossa atenção, mas, sobretudo,
porque só combinando outras perspectivas com a nossa própria poderemos
distinguir entre a verdade e a distorção e alcançar, finalmente, uma
compreensão realista do processo civilizatório. A conquista de tal percepção
é, sem qualquer dúvida, crucial para a existência humana sobre a Terra. 3
(Prefácio de MEGGERS, 1968, p.10; traduzido por Ribeiro, 1975, p.11).
2
As publicações compreendem os trabalhos: O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural (1968);
As Américas e a civilização (1970); Os índios e a civilização (1970); O dilema da América Latina (1971); Os
brasileiros (1972); e O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995).
3
The best known works on cultural evolution are the products of European or United States scholars, and as a
result they explicitly or implicitly support this view. Ribeiro, however, is not a product of the Euro-American
scholastic or political tradition, but a citizen of the "Third World." As such, he sees cultural development from a
different perspective and consequently notices things that remain hidden to us. This is not to say that he has no
bias simply because he does not share ours. Those points in his analysis that challenge our conceptions,
however, cannot be dismissed on the ground of prejudice, not only because his professional qualifications entitle
him to a respectful hearing, but because only by combining other perspectives with ours can we distinguish truth
from distortion and so ultimately arrive at real understanding of the civilizational process. Without any doubt,
the achievement of such understanding is crucial to man's continued habitation of the earth.
3
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Dentro desse quadro, o presente trabalho busca observar o comportamento linguístico 4
de um tradutor ao lidar com dificuldades oriundas do processo tradutório da principal obra de
AC, a qual apresenta como característica uma terminologia relacionada ao uso de
brasileirismos e de termos e expressões voltados para a compreensão da Cultura Brasileira.
Para tanto, apresentamos os resultados da pesquisa realizada a partir do TO em português O
povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995), e do TT para o inglês The Brazilian
People: formation and meaning of Brazil (2000), realizado por Gregory Rabassa.
Nesse sentido, partindo dos aspectos previamente mencionados, por meio da reflexão
sobre aproximações e distanciamentos na tradução para o inglês de termos simples,
expressões fixas e semifixas presentes nos corpora do TO e do TT, objetivamos desvendar,
com o auxílio da Linguística de Corpus (BERBER-SARDINHA, 2000, 2004), mecanismos de
reinterpretação cultural por meio da prática tradutória, principalmente no que diz respeito ao
conjunto léxico de brasileirismos terminológicos. Nesse sentido, valemo-nos, também, das
teorias postuladas pela Sociologia da Tradução (SIMEONI, 1998, 2007; TOURY, 1978, 1995,
1999; GOUANVIC, 1997, 1999, 2002, 2005), com o propósito de descobrir se há a
ocorrência de um habitus tradutório para a tradução intercultural de textos seminais de Darcy
Ribeiro.
2 Fundamentação Teórica
O presente trabalho tem por principal abordagem as proposições teóricometodológicas apresentadas por Baker (1993, 1995, 1996, 1999) para os Estudos da Tradução
Baseados em Corpus. De acordo com a autora, a investigação de TTs fundamenta-se nos
Estudos Descritivos da Tradução, com aporte, principalmente, nos estudos de Even-Zohar
(1978) e de Toury (1978). A teórica também faz uso das análises de Sinclair (1991), quanto
aos constructos teóricos da Linguística de Corpus.
Baker (1995) aponta que a análise de corpus constitui-se como uma rica fonte de
material descritivo-comparativo, a qual pode auxiliar na percepção de diferenças entre a
linguagem da tradução e a de textos originalmente escritos em uma dada língua. Nesse
sentido, compreende o conceito de corpus como
[...] um conjunto de textos naturais (em oposição a exemplos/sentenças),
organizados em formato eletrônico, passíveis de serem analisados,
preferencialmente, em forma automática ou semi-automática (em vez de
manualmente). 5 (BAKER, 1995, p.226; traduzido por Camargo, 2007, p.18).
É importante notar que a Linguística de Corpus auxilia na investigação de TTs por
configurar-se como um estudo de ordem empirista, o qual considera a linguagem como um
sistema probabilístico. Com isso, notamos que as Línguas Fonte (LF) e Meta (LM)
apresentam dada regularidade, o que permite que sejam mapeadas de acordo com os distintos
contextos de uso. Por conseguinte, no âmbito da tradução, é possível delinear, por meio da
análise de corpora, quais as condutas recorrentes no processo de transposição de uma língua a
outra. Isso significaria dizer que, como expõe Berber Sardinha (2004, p. 31), a linguagem é
padronizada e não um conjunto de escolhas aleatórias de indivíduos isolados.
4
Entende-se por comportamento linguísticos as escolhas léxico-semânticas e sintáticas adotadas pelos tradutores
na composição de seus TTs.
5
Corpus mean[s]any collection of running texts (as opposed to examples/sentences), held in electronic form and
analysable automatically or semi-automatically (rather than manually).
4
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Para a fundamentação de nosso trabalho também nos valemos de alguns pressupostos
da Terminologia, visto que suas teorias tendem a fornecer subsídios para a formulação de
material necessário à atividade tradutória, de maneira que os profissionais da área possam ter
acesso rápido aos termos apropriados nos mais diversos campos de produção técnicocientífica.
Sendo assim, observamos os termos especializados, entendidos como a “designação,
por meio de uma unidade linguística, de um conceito definido em uma língua de
especialidade” (ISO 1087, 1990, p.5, apud BARROS, 2004, p. 40). Compreendemos, ainda,
que “termos” caracterizam conceitos específicos de um domínio de especialidade. Quanto à
definição de “expressões fixas”, Baker (1992) considera que são expressões consagradas,
referentes a determinados tipos de texto, e que permitem pouca ou nenhuma variação. No
caso das expressões semifixas, Camargo (2005) aponta que apresentam maiores variações e
carregam consigo todo um contexto, podendo ser consideradas especificas de uma
determinada língua de especialidade.
No âmbito da construção terminológica na área das Ciências Sociais, Barros (2004)
acrescenta que cada povo recorta a realidade objetiva de maneira distinta e que as debilitações
conceituais das representações sociais são designadas por unidades lexicais que, consideradas
como signos de domínios específicos da atividade da comunidade sociocultural, podem ser
afirmadas como unidades terminológicas. No caso das pesquisas realizadas no Brasil, é
possível considerar o léxico de especialidade como sendo formado por dados brasileirismos,
os quais, de acordo com Coelho (2003), podem ser compreendidos como índices linguísticos
da identidade do povo brasileiro.
Para Faulstich (2004), algumas destas entidades linguístico-culturais assumem um
quadro conceitual que é mais de natureza terminológica do que de linguagem comum,
compondo os chamados brasileirismos terminológicos, os quais podem ser definidos como
“palavras, locuções e outra estrutura sintagmática criada e formada no Brasil, que tenha
significado autônomo e esteja encerrada num conceito de especialidade, que possibilite
reconhecer a área a que pertence” (FAULSTICH, 2004).
Dessa forma, no que concerne à tradução da produção teórica de Darcy Ribeiro,
verificamos que as questões sociais, presentes na utilização de brasileirismos, são relevantes
para a adequação de uma nova teoria social a um público alvo que faz uso da LM.
Acreditamos, ainda, que as escolhas terminológicas que os tradutores adotam, em seus
TTs, correspondem ao que Simeoni (1998, 2007) e Gouanvic (1997, 1999, 2002, 2005)
chamam de habitus tradutório, conceito cujas bases remontam a teoria sociológica de Pierre
Bourdieu (1972, 1980, 1982).
A proposta teórica concernente à tradução é a de que os tradutores são motivados por
determinados habitus pelos quais se inserem em campos de atuação distintos. De acordo com
Bourdieu (1972, 1980), entende-se por habitus um conhecimento adquirido em sociedade que
permite a regulação das práticas sociais de modo consciente. Esta consciência integra o
conjunto das disposições que constituem a competência para que os agentes (tradutores)
tenham acesso a estratégias adequadas e possam obter maiores possibilidades de lucro
(sucesso). O habitus é constituído, na realidade, por todas as medidas, padrões de ação ou
percepção que os indivíduos adquirem por meio de sua experiência social. Ao socializaremse, os homens incorporam maneiras de pensar, sentir e agir, que são sustentadas pelo coletivo.
Bourdieu (1972, 1980, 1982, 1984) considera que estas disposições são a fonte de práticas
futuras dos indivíduos.
Notamos que a ação tradutória pode ocorrer, portanto, no interior dos campos em que
é gerada pelos TOs, primeiramente, havendo uma atividade constante de adaptação,
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negociação e reinserção dos dados linguísticos e extra-linguísticos em um ciclo de cooperação
e desenvolvimento. Os tradutores são agentes envolvidos nestes procedimentos, de modo a
operarem e transformarem o processo tradutório por meio do trabalho de seus habitus.
O produto de uma tradução constitui uma vasta área de análise da interação social, o
que nos permite ampliar nosso ponto de vista sobre características e valores das sociedades de
partida e de chegada. Podemos identificar, por meio de um olhar sociológico, alguns
condicionantes sociais que delimitam o habitus tradutório contidos no léxico terminológico,
assim como reconhecer as estratégias de exposição de dados culturais em outras sociedades.
Neste âmbito, por meio da análise de corpus, é possível verificar as recorrências
lexicais e terminológicas como tendências à obediência das condutas tradutórias ou à
assimilação de um habitus reincidente que acaba sendo reconhecido pela observação do
produto, ou seja, o TT. A proposta de um padrão para a tradução de termos corrobora, por
conseguinte, a visão sociológica de que os tradutores assumem uma dada postura e que se
adequam a condutas semelhantes.
3 Material e Método
Para esta investigação, foi compilado um corpus principal paralelo, composto pela
obra: O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995), de autoria de Darcy
Ribeiro; e pela respectiva tradução para o inglês: The Brazilian People: formation and
meaning of Brazil (2000), realizada por Gregory Rabassa.
O levantamento dos dados foi realizado com a utilização das ferramentas Keywords e
Concord do software WordSmith Tools, as quais facilitam a compilação dos termos e
expressões, assim como de seus contextos de uso.
Para a extração de palavras-chave, que podem constituir os termos antropológicos
estudados, é necessário trabalhar com corpora de referência pelo menos cinco vezes maiores
que os corpora de estudo. Dessa forma, em português, utilizamos o corpus Lácio-Ref, um
corpus aberto e de referência do português contemporâneo do Projeto Lácio-Web, composto
de textos em português brasileiro, tendo como característica serem escritos respeitando a
norma culta. A taxonomia de gêneros do Lácio-Ref é composta por textos científicos, de
referência, informativos, jurídicos, prosa, poesia, drama, instrucionais e técnicoadministrativos (ALUÍSIO et. al., 2003).
Da mesma maneira, para extraímos as palavras-chave em inglês, empregamos, como
corpus de referência, o British National Corpus (BNC Sampler), composto por textos
originalmente escritos em inglês e desenvolvido pela parceria de membros da Oxford
University Press, Longman Group Ltd., Chambers Harrap, Oxford University Computing
Services, UCREL – Lancaster University e British Library Research and Development
Centre.
4 Análise dos resultados
Para a análise de um possível habitus tradutório para os brasileirismos terminológicos
no contexto de produção da obra O povo brasileiro, procedemos, a princípio, a compilação
das listas palavras-chave do TO. Entre as cem palavras-chave do corpus acima mencionado,
vinte revelaram-se, como possíveis brasileirismos, a saber: “brasilíndio”; “cabano”;
“caboclo”; “caipira”; “criolo”; “cunhadismo”; “eito”; “engenho”; “escravaria”; “gaúcho”;
“gentes”; “indiada”; “jesuítas”; “matuto”; “mulato”; “patronato”; “seringal”; “sertanejo”;
“sertão”; e “tupi”.
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Estes dados revelam uma tendência à utilização de termos voltados à descrição da
cultura nacional. Com isso, passamos a observar o processo tradutório de Rabassa, atentando
para sua disposição em propagar a linguagem darcyniana, por meio da variação lexical e do
empréstimo como possíveis opções de tradução. Dessa forma, entre as cem palavras-chave do
corpus do TT, verificamos as seguintes ocorrências de empréstimo: bandeirantes; cabano;
caboclo; caipira; cunhadismo; gaúcho; gringo; mameluco; matuto; quilombo; sertão; e tupi.
Ao gerarmos as listas de palavras-chave na LM, verificamos a reiteração e a aceitação
das proposições do TO. Rabassa associa um habitus do brasilianismo a sua compreensão de
habitus tradutório e coloca esses dois princípios acima da necessidade da padronização
terminológica, acentuando os valores sociais tão apreciados por Darcy Ribeiro em sua
Antropologia e ampliando as possibilidades de escolhas lexicais que vão, ao longo da obra em
língua inglesa, compondo os ambientes e agentes sociais para que a identificação do leitor
com essas “personagens” típicas e necessárias ao entendimento do conceito de Brasil fique
ainda mais próxima. A maior parte das palavras-chave não fica no campo da Antropologia,
mas sim, do brasilianismo, o que permite que trabalhemos com as noções e elementos de
condições sociais pesquisados pelo autor dentro da análise geral do texto, em virtude de
ocorrerem como parte importante da linguagem de especialidade do TO de Darcy Ribeiro.
É interessante notar, ainda, como a relação de variação de conceitos aparece de
maneira explícita no TT. Dessa forma, verificamos que, em sua produção tradutória, Rabassa
fornece, além da perspectiva de um comportamento brasileiro para a AC, a internalização ao
habitus tradutório da alternância vocabular para fins de constituição de conceituações e
ambientações sociais mais precisas.
Sendo assim, consideramos o processo de variação léxico-terminológica na tradução
de alguns termos encontrados no subcorpus do TO para a concretização do campo da AC e do
habitus tradutório que o acompanha. Abaixo, apresentamos o Quadro 1, com algumas das
ocorrências de variação na construção dos conceitos dos brasileirismos terminológicos:
Quadro 1: Lista de termos simples que apresentam variação na Tradução de Rabassa em
The Brazilian People
Brasileirismo
Primeira
Segunda opção
Terceira
Quarta
presentes em
opção de
de Tradução
opção de
opção de
OPB
Tradução
Tradução
Tradução
Boia-Fria
Migrant
Boia-Fria
Cold Leftover
Migrant
Worker
Field-Worker
Cangaço
Cangaço
Banditry
------------Chimarrão
Maté-Drinking
Gourd
Unsweetened
Mate
Mate
Jagunço
Jagunço
Thug
------------Senzala
Senzala
Slave Quarter
-------------
Verificamos, por exemplo, que, no âmbito da ideia de “cangaço” em LF, este termo
corresponde à configuração de uma situação de “banditismo”, “salteamento”, “criminalidade”
e “nomadismo” característicos de “comunidades mestiças” específicas do nordeste brasileiro.
Os membros destes núcleos humanos andavam sempre armados e em bandos. Viviam de
saques e assaltos, sendo sempre perseguidos pela polícia ou estando em disputa com grupos
semelhantes. Sua área de atuação inseria-se no Polígono das Secas, também chamado de
Cangaço Independente.
O “cangaço”, também caracterizado como “banditismo”, exclusivamente nordestino,
pode ser considerado atualmente como uma resposta à decadência do latifúndio semifeudal,
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de que era decorrência. Manifestava-se como rebelião primária contra a submissão do homem
do campo às condições de miséria impostas pelos grandes proprietários de terras.
Os primeiros grupos de cangaceiros apareceram no início do século XIX; porém, na
década de 30, com o avanço do processo de industrialização no sudeste do país, a abertura de
novas frentes de trabalho agrícola e a interrupção quase completa da imigração estrangeira
que intensificou a demanda por mão-de-obra nordestina, houve uma redução considerável dos
saques e roubos no agreste brasileiro.
No TT, Rabassa recupera parte importante do conceito de “cangaço” ao vinculá-lo à
ideia de banditry (banditismo). Esse termo caracteriza um tipo de deliquência comum às
sociedades rurais de cultura tradicional e consiste no aparecimento de bandos armados que
saqueiam, sequestram e assaltam viajantes, citadinos, representantes do Estado e das camadas
mais altas da sociedade. Invadem vilas, povoados e cidades, mas evitam atacar comunidades
rurais, as quais, muitas vezes, os ajudam e protegem, idealizando-os como heróis.
Ao ligar a concepção de “cangaço” aos preceitos do termo banditry, o tradutor
apresenta à Cultura Meta uma característica comum ao povo brasileiro, ou seja, a tendência
que os grupos necessitados possuem de considerar os “malandros” ou “bandidos sociais”
como salvadores e redentores dos padrões de cidadania nacional. Rabassa adequa-se à
teorização darcyniana e transpassa o papel de tradutor, adotando a postura de um defensor de
novas relações sociais.
O “banditismo” (banditry) aparece, também, nos contatos entre sociedade rurais e as
sociedades de tipo feudal ou aristocrático, onde uma minoria dominante de senhores, ou
nobres e mercadores, monopoliza a riqueza e explora duramente a população agrícola de
“servos”, “vassalos”, “meeiros”, “colonos” ou dependentes de qualquer natureza. Do ponto de
vista cultural, o “banditismo” pode ser encarado, por sua vez, por suas manifestações mais
recentes, como uma sobrevivência, um fóssil das sociedades arcaicas, encravado num
contexto tradicional ou moderno.
Dessa maneira, podemos depreender das escolhas de Rabassa que o tradutor
desenvolve um habitus inovador que, a partir da leitura do TT, tem a opção de também adotar
o uso de empréstimos auxiliados por explicitações do sentido. Esse comportamento se daria
não apenas no ambiente da Tradução, mas também em situações de adequação e análise de
fatores sociais que são desconhecidos às comunidades de chegada, como vimos com a
exposição das investigações em Sociologia da Tradução.
Os exemplos apresentados em nossa pesquisa mostram a maneira como a ordem social
nacional é trabalhada por Darcy Ribeiro e como as opções de tradução de Rabassa, muitas
vezes, podem desvelar fatores ocultos à própria leitura do TO. Conhecer o processo de
constituição do TT permite aos tradutores assumirem, por conseguinte, o supramencionado
habitus do brasilianismo, o qual lhes permitirá lidar melhor com os elementos da Cultura
Fonte e da Cultura Meta.
Rabassa evidencia primeiramente uma relação do brasileirismo terminológico com
alguns conceitos que lhe são próximos na LM e depois acrescenta, com empréstimos, os
valores culturais que vão sendo incorporados na sociedade de chegada e podem passar,
posteriormente, a constituir a terminologia da área. Em O povo brasileiro ocorre a
apresentação de uma nomenclatura de certa forma recente à língua de especialidade, a qual
coloca sob foco questões relacionadas à composição da identidade nacionalista na maior
nação da América Latina.
A partir dessas constatações, passamos a observar como o tradutor trabalha o uso
terminológico das expressões fixas e semifixas que se constituem enquanto brasileirismos,
considerando a variação que se estabeleceu no processo tradutório da subárea de AC. Abaixo,
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apresentamos o Quadro 2, com exemplos de expressões que sofreram variação na composição
terminológica dos brasileirismos no TT:
Quadro 2: Lista de expressões fixas e semifixas que apresentam variação na Tradução de
Rabassa em The Brazilian People
Expressões Fixas
Primeira opção de
Segunda opção de
Terceira opção
e Semifixas
Tradução
Tradução
de Tradução
Cultura Caipira
Backwoods Culture
Caipira Culture
------Lavrador/es
Matuto Farmworker/s
Rustic Farmworker/s
------Matuto/s
Negro/s Boçal/is
Black/s
Primitive Black/s
Boçal Black/s
Negro/s
Quilombo Black/s
Fugitive Black Slave/s
------Quilombola/s
Patronato
Sugar BossesRegime
Sugar Barons
Sugar Bosses
Açucareiro
Notamos que no TT as opções de recombinação entre as expressões, que podem
promover a constituição de conceitos um pouco distintos dos do TO, ocorrem com maior
frequência no plano dos adjetivos utilizados pelo tradutor. Esse dado permite-nos observar
que, em O povo brasileiro, os fatores sociais típicos da formação da nação constituem
categorias ou características, as quais sofrem mudanças de significação durante o processo
tradutório. Encontramos, assim, outro elemento de modificação do habitus tanto tradutório
quanto antropológico, pela consciência da repercussão dos novos conceitos sobre a linguagem
de especialidade.
Dessa forma, passamos a observar as alternações entre os vocábulos backwood e
caipira associados ao termo culture (“cultura”) no TT. Estes dois qualificadores são utilizados
por Rabassa em correspondência à expressão “cultura caipira”, apresentada por Darcy
Ribeiro.
Para compreendemos as significações que as expressões representam, faz-se
necessário conhecer o valor que o termo “cultura” (culture) assume para as Ciências Sociais.
É difícil estabelecer uma única definição para esse elemento extremamente importante para a
compreensão de qualquer sociedade. Para Kroeber e Kluckhohn (1952),
A cultura consiste em padrões explícitos e implícitos de comportamento e
para o comportamento, adquiridos e transmitidos por meio de símbolos, e
que constituem as realizações características de grupos humanos, inclusive
suas materializações em artefatos; a essência mesma da cultura consiste em
ideias tradicionais (i.e.,derivadas e selecionadas historicamente) e
especialmente nos valores vinculados a elas; os sistemas culturais podem,
por um lado, ser considerados produtos de ação e, por outro lado, elementos
condicionadores de ação posterior. (KROEBER; KLUCKHOHN, 1952,
p.181).
Estes teóricos observaram que, com o passar do tempo, as definições de “cultura”
proliferaram como conceito central da Antropologia. A definição clássica seguida pela
maioria dos cientistas sociais brasileiros é a de Boas (1930),
A cultura abrange todas as manifestações de hábitos sociais de uma
comunidade, as reações do indivíduo quando afetado pelos hábitos do grupo
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no qual vive e os produtos de atividades humanas quando determinadas por
esses hábitos. (BOAS, 1930, p.79).
No Dictionary of Anthropology (1961), culture é descrita como tudo que é transmitido
socialmente nas comunidades e sociedades, incluindo os padrões de comportamento artístico,
social, ideológico e religioso; assim como as técnicas para manipular o ambiente humano. O
termo “cultura” (culture) é geralmente utilizado para identificar “agrupamentos sociais” que
são menores que as “civilizações”.
Dessa forma, ao adicionar ao conceito o contexto da “sociedade caipira”, Darcy
Ribeiro restringe os comportamentos e padrões de “convivialidade” ao grupo social brasileiro,
evidenciando características estruturais da tradição, da história e das normas socioculturais
nacionais.
A ideia de “caipira”, no Brasil, vem do termo tupi Ka'apir ou Kaa - pira, que significa
"cortador de mato". Trata-se do nome que os índios guaianás, do interior paulista, deram aos
colonizadores brancos, assim como aos “negros”, “caboclos” e “mulatos” que adentraram o
país nas “expedições bandeirantes”, na condição de “escravos”.
Constitui também uma designação mais ampla, voltada aos habitantes das regiões
situadas principalmente no interior do sudeste e centro-oeste do país. Em oposição ao
“caipira”, encontramos a “gente da cidade” que vive nas regiões metropolitanas e os
“caiçaras” que constituem a população litorânea.
É interessante salientar que o núcleo original do “caipira” foi formado pela região do
Médio Tietê (SP), onde se consolidaram as primeiras “vilas” do Brasil Colônia, das quais
partiram as mais importantes “bandeiras” no desbravamento do interior.
Sendo isolados da relação direta com a “metrópole”, esses “assentamentos” geraram
uma cultura bastante peculiar e localizada, que preservava fatores de dominação colonialista
relacionados ao “tradicionalismo católico” e os atrelava a “superstições” e “folclores
indígenas”.
Para os leitores brasileiros, o tipo humano do “caipira” e sua “cultura” têm sua origem
no contato entre o colonizador branco, os índios nativos (“gentios da terra” ou “bugres”) e os
negros escravizados. Assim, segundo Cornélio Pires (1921) o “caipira” dividia-se em quatro
categorias, segundo suas “etnia”, cada uma delas com suas peculiaridades, a saber:
1) o caipira caboclo, descendente dos índios catequizados pelos jesuítas. Seu maior exemplo é
o Jeca Tatu, descrito na obra Urupês (1918) de Monteiro Lobato;
2) o caipira negro, descendente dos escravos. Foi imortalizado pelas figuras históricas da
“mãe-preta” e do “preto-velho”.
3) o caipira branco, descendente dos “bandeirantes”, uma “nobreza” decaída, orgulhosa do
sobrenome europeu, como por exemplo os Camargos, os Paes Leme, os Pires e os Prados. Este núcleo
é católico e miscigenou-se com o colono italiano. Compõe-se de pessoas pobres, mas que ainda
mantêm a propriedade de pequenos lotes de terras rurais, os chamados “sítios”.
4) o caipira mulato, descendente de africanos com europeus. Raramente visto como
proprietário. Para Pires (1921) trata-se do “mais vigoroso, altivo, [d]o mais independente e [d]o mais
patriota dos brasileiros”. Excessivamente cortês, galanteador para com as senhoras, jamais se humilha
diante do “patrão”. Apreciador de “sambas” e bailes, não se mistura com o “caboclo preto”.
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Para o mesmo autor, em sua obra Conversas ao Pé do Fogo (1921), existem ainda os
caipiras cafuzos6 e os caipiras caborés7, os quais são raros na região do interior paulista. Além
disso, existem diversas outras nomenclaturas pelas quais os “caipiras” podem ser descritos,
alguns exemplos são: “araruama”; “baiano”; “beira-corgo”; “beiradeiro”; “biriba”;
“botocudo”; “brocoió”; “caapora”; “caboclo”; “caburé”; “capiau”; “chapadeiro”; “curau”;
“curumba”; “jeca”; “mateiro”; “matuto”; “mixanga”; “pé-duro”; “pé-no-chão”; “roceiro”;
“sertanejo”; “sitiano”; “tabaréu”; e “urumbeba”.
No âmbito do TT de Rabassa, notamos que, em um primeiro momento, o tradutor
optou por relacionar a ideia de “caipira” ao território em que eles vivem, o backwoods. No
Oxford English Dictionary (1961), esse termo representa um lugar que está longe de qualquer
grande cidade ou da influência da vida moderna. Há também o conceito de backwoods man, o
qual se relaciona à pessoa que vive em uma região afastada da cidade, onde a população é
pequena e não tem muita instrução ou bons costumes.
Em LM, o trabalho tradutório parece relacionar o esquema estrutural que representa o
termo “cultura” primeiramente ao ambiente e ao espaço, desconsiderando os demais fatores
folclóricos, raciais e identitários que o vocábulo “caipira” denota.
Contudo, assim como com os termos simples, Rabassa procurou englobar as questões
sociais brasileiras com o empréstimo e incorporação de novas palavras ao vocabulário em
inglês. Nesse sentido, a constituição da identidade do “caipira” e da “cultura caipira” pode
estar associada ao termo hillbilly ou à expressão country people que significam,
respectivamente, pessoas que vivem em áreas montanhosas e costumam ser tidas como
estúpidas pelas populações urbanas, e pessoas que vivem no campo, em fazendas ou pequenas
propriedades de subsistência. Para os leitores do público alvo, por conseguinte, “caipira”
refere-se a um conjunto de habitantes rurais de áreas isoladas de alguns estados (no caso,
brasileiros), o qual apresenta baixa escolaridade e é visto de maneira depreciativa.
O que notamos é que no TO darcyniano, assim como na acepção do termo para os
leitores brasileiros, o conceito de “cultura caipira” traz consigo elementos de interpretação
positiva que remetem à identidade de um grupo e à “miscigenação” do povo brasileiro, a qual
é vista como parte indispensável para a compreensão da “etnicidade nacional” pelo autor. Em
LF, não encontramos, na definição do conceito, as ideias de ignorância e falta de
conhecimento. As diferenças são tratadas de modo afirmativo, condicionando a compreensão
do brasileiro para uma possível aceitação deste grupo e para um sutil apagamento das
distinções culturais, o que pode não acontecer ao leitor de LM, que reconhece as relações de
subjugação e dominância.
Ao recompor as noções de uma “cultura” que é compreendida somente pela nação
brasileira, Rabassa intercala dois conceitos que, na LM, evocam disputas territoriais,
preconceitos raciais e hierarquizações econômicas, os quais tenderam a ficar em um segundo
plano dentro da literatura antropológica produzida por Darcy Ribeiro.
Com a avaliação das variantes que recaem sobre a constituição terminológica de
expressões, notamos que, ao contrário do que ocorre com os termos simples, as alternâncias
de significação não ficam alocadas apenas em temas regionais ou em brasileirismos.
Nossa pesquisa em O povo brasileiro mostrou como tradições e costumes típicos dos
brasileiros, assim como atos e atores culturais, são importantes para a compreensão dos
estudos antropológicos elaborados por pesquisadores brasileiros. Notamos, ainda, que na
maior parte das ocorrências de usos de brasileirismos, o tradutor optou por manter a
6
Cafuzo é a designação dada, no Brasil, aos indivíduos resultantes da miscigenação entre índios e negros
africanos ou a seus descendentes.
7
Do Tupi: Mestiço de negro e índio. Pessoa trigueira, tirante a caboclo.
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constituição conceitual em LF, somando a esse trabalho o uso de termos e vocábulos da LM,
os quais servem como explicações ou simplificações das ideias contidas na Cultura Brasileira.
Podemos, dessa maneira, reconhecer o comportamento comum que constitui o habitus
tradutório da terminologia em AC, que pode ser elucidado sob a seguinte estrutura, no que se
refere aos termos:
Quadro 3: Estrutura do habitus tradutório para brasileirismos na obra The Brazilian People
EMPRÉSTIMO DO TERMO EM LF
ACOMPANHADO DO USO DE TERMOS
SEMELHANTES EM LM (ELEMENTO
ASSOCIATIVO –EXPLICATIVO)
Muitos dos exemplos referidos como brasileirismos são também palavras-chave de
nossa pesquisa; entretanto, alguns destes termos socialmente marcados apresentam baixa
frequência assim como baixa chavicidade, o que não nos impediu de analisá-los, visto que
constituem os núcleos lexicais de maior complexidade para o processo tradutório, auxiliam na
compreensão da teoria darcyniana e associam-se a termos recorrentes das Ciências Sociais
para formar expressões específicas que designam fatores típicos da nacionalidade brasileira,
como, por exemplo: “sociedade cabocla”  caboclo society; “população matuta”  matuto
population e “vilas coloniais gringas”  gringo colonial villages.
Tendo observado as regularidades comportamentais apresentadas por Rabassa,
formulamos uma estrutura, semelhante à elaborada para os termos simples, a qual mostra as
principais opções que constituem o habitus tradutório em AC, no âmbito das expressões fixas
e semifixas:
Quadro 4: Estrutura do habitus tradutório para expressões (brasileirismos) na obra The
Brazilian People
EMPRÉSTIMO DO TERMO EM LF SOB A
FORMA DE ADJETIVO
ACOMPANHADO PELO USO DE UM TERMO
COMUM ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS QUE SOFRE
ALTERAÇOES DE SENTIDO COM A SOMA DO
BRASILEIRISMO
Com a análise de algumas das expressões utilizadas em LF e de suas respectivas
traduções, notamos que o campo teórico desenvolvido por Darcy Ribeiro foi sendo
aprofundado e, com o tempo, aproximou-se de questões socioculturais específicas na
constituição da nacionalidade brasileira. Por conseguinte, consideramos que a elaboração do
léxico de especialidade da AC em português representou uma tendência a criar relações
identitárias entre a comunidade leitora e as proposições analíticas darcynianas. Como vimos
com o uso do termo “brasileiro”, assim também ocorre com os demais vocábulos relacionados
aos atores sociais nordestinos, sulinos, paulistas, etc., que auxiliaram na fundamentação da
sociedade atual. Compreendemos que o TO configura sua função social como sendo a de
proporcionar ao público brasileiro um conhecimento de si próprio que não seja atrelado à
visão do outro. Novamente, apontamos que, para Darcy Ribeiro, o maior objetivo da
Antropologia Brasileira era criar valores de reconhecimento nacional, coletividade e ação
mútua para o país.
No que concerne ao TT, por sua vez, verificamos a aproximação do léxico na
composição da linguagem de especialidade. Contudo, salientamos que, ao contrário do que
ocorre no TO, a teoria que se difunde na sociedade de chegada representa uma função
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explicativa do brasileiro e não condiciona uma leitura que identifica e engloba o leitor nas
conceituações do objeto de pesquisa. Para o público alvo da LM, trata-se de conhecer a leitura
de um povo “em desenvolvimento” pela ótica de seus próprios intelectuais, mas isso não
significa um atrelamento ou um reconhecimento de si na leitura das novas concepções
antropológicas. Acreditamos que, ainda que apresente o “brasileiro” de maneira bastante
semelhante nas escolhas de termos e expressões, utilizando, com frequência os empréstimos,
Rabassa proporciona, à comunidade receptora do TT, uma obra que se apresenta como um ato
social novo, um ato que estrutura e modela tanto as futuras investigações antropológicas
quanto a terminologia da área, que se enriquece com novos conceitos.
No entanto, é importante ressaltar que, ainda que a LM receba os termos e expressões
socialmente marcados e os “acolha” na terminologia da área, mantêm-se, como verificamos
em nossa pesquisa, variações de conceito, de modo que, na maioria das ocorrências, a
recepção da ideia de “brasileiro” precisa ser explicitada, além de apresentar noções culturais
distintas, como vimos no uso de “boia-fria”, “caipira” e “caboclo”, por exemplo.
5 Considerações Finais
Esta investigação, fundamentada nos Estudos da Tradução Baseados em Corpus
(BAKER, 1993, 1995, 1996), na Linguística de Corpus (BERBER SARDINHA, 2000, 2004,
2010; TOGNINI-BONELLI, 2001), na Sociologia da Tradução (TOURY, 1995; SIMEONI,
1998, 2007; GOUANVIC, 1995, 1999, 2002, 2005) e, em parte, na Terminologia (AUBERT,
1996; BARROS, 2004; KRIEGER & FINATTO, 2004), segue a proposta de um estudo
interdisciplinar desenvolvida por Camargo (2004, 2005, 2007) para a observação do processo
tradutório do conjunto léxico de especialidade da AC de Darcy Ribeiro para a língua inglesa
nas duas obras que compõem nosso corpus principal. Com o auxílio desta abordagem, foi
possível comparar, de modo empírico, os dados de formulação e variação terminológica e
social dos conceitos presentes nos TOs e nos TTs.
Verificamos, ainda, as possíveis alterações de sentido contidas nas escolhas lexicais de
autor e tradutor para brasileirismos terminológicos, como, por exemplo: “caipira”, “cangaço”,
“favela” e “jagunço”. Com isso, procuramos encontrar as bases formadoras para um habitus
tradutório comum e para uma conscientização do papel social do tradutor e do TT.
O sofware WordSmith Tools, por meio de suas ferramentas e utilitários, facilitou
consideravelmente a pesquisa de uma grande quantidade de dados, obtidos de maneira muito
mais rápida e precisa do que manualmente. As linhas de concordância serviram de apoio e
esclareceram dúvidas em relação à terminologia levantada, ao apresentarem os cotextos nos
quais os termos e expressões estão inseridos. As concordâncias também permitiram observar a
organização das palavras dentro dos sintagmas, favorecendo a análise de que os termos não
têm significado independentes, visto que seus elementos interrelacionam-se criando
especificidades próprias de acordo com o contexto de situação a que se aplicam na Cultura
Fonte ou na Cultura Meta.
Constatamos que as expressões fixas e semifixas são comumente formadas, por Darcy
Ribeiro, por meio da composição e associação entre termos em LF, como, por exemplo, em
“índio”  “índio missioneiro”  “índio missioneiro desvirilizado”. Verificamos que o
tradutor também recorre ao emprego de expressões produzidas da mesma forma, como, por
exemplo: Indian  missionary Indian  tame missionary Indian.
Como mencionado anteriormente, esses fatores favoreceram a observação de um
comportamento recorrente por parte dos tradutores, o qual nos levou a trabalhar as questões
sociais envolvidas no processo e no produto tradutório (TTs) por meio da verificação da
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variabilidade lexical das escolhas terminológicas dos tradutores com o auxílio da teoria e das
ferramentas da Linguística de Corpus.
Ao analisarmos estes elementos, notamos que a Tradução constitui-se enquanto ato
social, perpassando fatores linguísticos e atribuindo às palavras, e mais precisamente aos
termos, valores a serem negociados entre as comunidades de partida e de chegada.
Por fim, partindo da terminologização das ideologias sociais da AC, por meio da qual
Darcy Ribeiro propunha a constituição de uma investigação cultural nacionalista por
pesquisadores formados no país, observamos como seria possível formular um habitus para a
Antropologia Brasileira. Esperamos que os dados aqui apresentados possam fornecer
subsídios a professores, pesquisadores, tradutores, alunos de tradução, bem como
profissionais da área de Ciências Sociais, no sentido de promover a conscientização acerca
das diferenças socioculturais contidas no léxico de especialidade e, também, de oferecer
material de suporte para futuras traduções e para o desenvolvimento desta conduta recorrente
à prática tradutória.
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O HABITUS CULTURAL DE DARCY RIBEIRO EM LÍNGUA