Darcy Ribeiro
Gaúchos e ladinos
Gaúchos e ladinos
Darcy Ribeiro
RIBEIRO, Darcy. Gaúchos e Ladinos. In:___. As Américas e as Civilizações. Petrópolis: Vozes,
1987.
Comentário: Ruben G. Oliven (UFRGS)
As Américas e as Civilizações
A sorte da parcela gaúcha da proto-etnia original rio-platense e paraguaia seria menos
espetacular, mas os levaria, por igual, ao extermínio.
Os primeiros núcleos gaúchos rio-platenses têm a mesma origem do neoguarani, enquanto
descendentes de colonizadores vindos de Assunção. Crescem, junto com o gado, naquelas
primeiras vilas famélicas da área buenarense, servindo aos poucos reinóis e aos criollos ricos,
orgulhosos de sua nobreza de estirpe ou de branquidade, mas não tanto que seus machos não se
fizessem também procriadores com quantas índias e mestiças pudessem. Afinal, esta gente
ibérica não podia ser fanaticamente branca e oposta à mestiçagem depois de séculos de mescla
com mouros e africanos, naquela fronteira avançada da África sobre a Europa, que é a península.
O próprio zelo expresso em muitos documentos seiscentistas por alcançar da Espanha o
"remédio" do casamento com algum espanhol para as filhas-família que envelheciam à míngua de
homem-bom, indica que seus irmãos se remediavam na terra, de preferência com as índias de
tronco guarani, que os primeiros colonizadores já encontraram nas ilhas e barrancas do Paraguai,
do Uruguai e do Prata. A estes contingentes originais se juntaram os missioneiros, afeitos à vida
pastoril mesmo antes da diáspora provocada pela destruição de seus refúgios jesuíticos. E, mais
tarde as matrizes formadas pela mestiçagem com os índios da margem oriental - Charrúa,
Minuano e outros - que, de coletores e caçadores seminômades, se fizeram cavaleiros e donos de
campos e do gado que nele se multiplicava, ao mesmo tempo que se guaranizavam. Seu domínio
em certas áreas era tão inconteste, que, em fins do século XVII, estes índios das "vaquerias del
mar" alcançaram um modus vivendi com os exploradores neoamericanos dos rebanhos, cobrando
direitos de coureada, e admitindo em suas tendas alguns fugitivos que entre eles se casavam e
procriavam gentes que seriam novos gaúchos.
Índios tribais e índios missioneiros, todos guaranizados, e seus mestiços agauchados, à
força de conviver em meio aos conflitos, se inter-influenciaram e miscigenaram profundamente.
Assim, o gaúcho deve ter aprendido o uso da boleadeira (corda de couro de duas a três pontas
terminadas em bolas de pedra também envolta em couro) com que o índio laçava a ema e que
passa a ser um dos principais instrumentos de caça ao gado alçado.
Originário de todas estas matrizes, o gaúcho é a contra-parte humana do pastoreio
selvagem dos pampas e dos campos rio-platenses. Vive a percorrer os campos em cavalgadas,
abatendo o "gado de ninguém" onde lhe apraz; carneando para churrasquear o que lhe apeteça e
tirando o couro para vender ao pulpero da campanha ou ao contrabandista. Às vezes engaja-se
como peão temporário para as vaquejadas livres destinadas a recoletar grandes quantidades de
couros, ou acampa nos latifúndios dos estancieiros ricos, pelo gosto do ofício do rodeio ou como
empresa esportiva. Sempre pode sair campo a fora, quando deseje, mantendo-se livre ou
somente preso como soldado por um vínculo pessoal de lealdade, mais como acólito do que como
servidor. Contrasta, por esta independência, com o camponês ladino que se deixa atar ao vilarejo
e à lavoura, ou que se faz peão de serviços subalternos das estâncias.
A luta aberta com o índio cavaleiro só se imporia com o raleamento dos rebanhos, com a
entrada dos brasileiros na disputa das vacas e dos couros, com a fixação de uma fronteira e com
os esforços de limitação do desfrute, segundo os interesses da oligarquia rural e do patriciado.
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Na primeira etapa do conflito se lançariam todos, ladinos e gaúchos, contra os índios.
Sucedem-se, então, os bandos que, tanto na Argentina como no Uruguai, percorrem os campos
para assaltar os toldos indígenas e dizimar grupos inteiros. Era preciso limpar os campos do
antigo ocupante humano para que neles melhor e mais controladamente crescesse o gado. O
índio reage e leva seus ataques a quantos núcleos pode, dificultando o acesso aos territórios mais
ermos e a vigilância das fronteiras. Alguns se associam aos brasileiros que descem do Rio
Grande para a Colônia do Sacramento - com que Portugal disputava à Espanha o domínio sobre a
área - ou que atravessam a fronteira para negociar couros e vacas por ferramentas e por armas.
A medida que a luta se encarniça, especializam-se uns e outros. Os ladinos organizam
tropas regulares e instalam fortins, nos pontos mais avançados, para garantir a ocupação dos
campos e dos pampas. Os índios, transformados por força da perseguição sistemática em bandos
arredios, enxotados para muito além da fronteira pastoril, dali partem em malones para atacar de
surpresa às estâncias avançadas, ao casario plantado no deserto ou às caravanas de carretas
que atravessavam os campos. É uma luta sem tréguas em que, um a um, vão sendo dizimados
todos os toldos, sem qualquer esforço de pacificação.
A ordenação legal da ocupação humana, regida por Buenos Aires e por Montevidéu,
processa-se através das concessões de glebas de 100, 200, 300 e até 500 léguas quadradas, aos
patrícios abonados, que se propunham ocupá-las. Na verdade, só muitas décadas depois serão
alcançados, parcial e até socialmente, os propósitos de ocupação efetiva e de fomento econômico
destas generosas doações. Elas operaram antes como um monopólio de terras que conduziria,
fatalmente, à apropriação do gado e à conscrição dos homens, pondo tudo a serviço dos que
controlavam as fontes oficiais do poder e o comércio da colônia. A contraparte desta apropriação
latifundiária era a fome de terras para uma população que era obrigada a concentrar-se em
núcleos confinados nos terrenos baldios, como ilhas humanas no mar do latifúndio.
A ordenação oligárquica, porém, só se cumpriria a longo prazo. Por muito tempo, a única
riqueza seria ainda, o gado alçado, selvático, que crescia livre na campanha, onde devia ser
caçado. Livre era o seu desfrute para quem o fosse buscar nos ermos onde se encontrava. E este
era o gaúcho.
Os couros eram negociados nas pulperias pelos poucos artigos mercantis que interessavam
ao gaúcho - o mate, o sal, os fósforos, a cana, o tabaco, os facões, os metais dos arreios e pouco
mais - ou nos ranchos dos estancieiros - comerciantes, indo ter, ao final, aos portos para a
exportação. Uma pequena parte pelo mecanismo aduaneiro do monopólio colonial e o lote
principal através do contrabando nos postos instalados, às dezenas, ao longo das estradas que
margeavam a costa ribeirinha e a costa atlântica.
Com a apropriação das terras, a população da campanha vai, aos poucos, aglutinando nas
imediações das pulperias que se disseminavam por todo o pampa, como pequenos núcleos
ordenadores. Algumas cresceram e ganharam fama por seu comércio ilícito e, também, pela
atração que oferecia a música e o baile, as carreiras de cavalo, o jogo de cartas e a presença das
chinas. Ao comércio e aos ranchos se acrescenta a capela. E assim vão surgindo,
paulatinamente, micronúcleos urbanos em competição com o latifúndio, sempre queixoso de que
espantavam o gado querenciado e o privavam das aguadas.
As regulamentações coloniais espanholas que disciplinavam estritamente a implantação de
vilas e cidades - estabelecendo a localização e a disposição do caseiro em torno da plaza, o
zoneamento agrícola visando o provimento da subsistência - quase nada valiam para estes
núcleos espontâneos encravados em terras privadas, pertencentes ao latifúndio que tudo
engolfava em seus domínios. Mais tarde surgem núcleos fundados por ordem expressa da Coroa,
com propósitos mais militares que econômicos, ou para amparar os colonos mandados de
Espanha e, sobretudo, para agregar a gente dispersa nos campos, coactando o gaúcho em suas
tropelias e impondo a autoridade e o domínio dos estancieiros.
Aquela "mina" de couro, de sebo e de carne que parecia inesgotável, explorada
desenfreada-mente pelo homem e dizimada pelos cães selvagens que se multiplicaram também
pela campanha alimentando-se de bezerros, acaba por minguar. Em meados do século XVIII a
diminuição do gado cimarrón das antigas "vaquerias del Mar" preocupa já, seriamente, às
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autoridades. Começam as providências para conduzir o restante às estâncias e para dar cabo dos
cães selvagens e famintos que atacavam já às reses das estâncias e impediam a criação de
ovelhas.
O gaúcho tem nestes últimos rodeios e na erradicação dos cães selvagens a derradeira
tarefa econômica que ainda o vincula ao sistema produtivo e o integra à sociedade global por lhe
assegurar um papel e um lugar nela. Juntando o gado cimarrón que se tornara propriedade dos
que se apropriaram das antigas terras devolutas, separadas as vacas que serviam para cria, podia
carnear as outras. Por pouco tempo.
No século XVIII, além do couro, do sebo e da gordura, inicia-se a exploração da carne para
o fabrico de jabá ou tasajo, que se exportava para a alimentação dos escravos antilhanos.
Surgem, depois, os saladeiros (1820) a disputar os rebanhos e a impor disciplina ao gaúcho que
já não poderia carnear uma rês onde lhe parecesse, para tirar o couro e comer um assado,
abandonando o restante. A carne se torna-ra a parte mais apreciada do gado.
Impossível seria impor pacificamente ao gaúcho, afeto a uma dieta de carne e chimarrão, o
jejum de seu principal alimento. A reação autodefensiva de continuar carneando para comer agora largando o couro que o denunciaria - transforma o gaúcho em "ladrão e jogador, soez e
bárbaro", por fazer o que sempre fizera. Para acabar com esta "praga dos campos", as
autoridades citadinas, mancomunadas com os proprietários das terras, decretam um regime de
vigilância que obriga todo indivíduo da campanha, que não seja proprietário, a colocar-se a
serviço de um patrão. Doravante, quem fosse encontrado nos campos, sem a competente
"papelada", estava sujeito aos rigores da lei. Assim, todos os gaúchos são declarados vadios,
sujeitos à prisão por transitar sem documentos ou ordem expressa de um juiz. Na efetivação do
novo regime, todo um serviço policial é montado na campanha para caçar "gaúchos-vagabundos",
a fim de condená-los a anos de serviço militar na fronteira, ou colocá-los compulsoriamente a
serviço dos estancieiros.
Assim, em conseqüência da redução do gado alçado, da apropriação da terra inteira pelos
afazendados e das novas formas de coação, marginaliza-se o gaúcho. Se lhe restava, doravante,
uma de suas funções sociais, a de combatente, que continuará exercendo nas últimas
montoneras (tropas de gaúchos em armas a mando de um caudilho) que convulsionariam a
campanha, por décadas, exprimindo a oposição das populações interioranas à dominação e à
exploração portenha e montevideana.
Estas lutas se seguem à independência, levando o antigo vice- reinado do Prata ao
fracionamento em várias províncias desgarradas por efeito da oposição de interesses entre o
patriciado de negociantes e funcionários das cidades-portos e as populações interioranas.
Visavam, essencialmente, quebrar o monopólio de importação ditado por Buenos Aires, assegurar
a livre navegação pelos rios Paraná, Uruguai e Paraguai, nacionalizar as aduanas cujas rendas só
beneficiavam aos portenhos e, mais tarde, a proteção às indústrias artesanais do interior,
arruinadas pelo livre-cambismo imposto pelos comerciantes; e, ainda, medidas de amparo aos
ladinos e gaúchos do campo, levados a extremos de penúria.
A melhor expressão do projeto do patriciado seria dada pelas correntes políticas que
alcançam o poder com Mitre, Sarmiento e Avellaneda, como planejadores de uma nova política
econômica. Esta se efetivaria mais tarde, depois de 1880, através de três procedimentos
mutuamente complementares. Primeiro, o aproveitamento das imensas disponibilidades de terras
fiscais para a venda ou a outorga maciça na forma de grandes propriedades, que permitiram
alargar enormemente as bases do sistema de fazendas. Segundo, pelo esforço de modernização
reflexa, através do livre-comércio e da injeção de capitais estrangeiros, principalmente ingleses
que possibilitaram a construção de ferrovias, sistemas de comunicação telegráfica, instalações
portuárias, as quais instrumentaram a implantação de uma economia especializada na exportação
de carne e de cereais. Terceiro, pela importação maciça de mão-de-obra estrangeira. Tal política
econômica, racional e persistente- mente conduzida, transmudaria, em poucas décadas, a
sociedade rio- platense, lhe asseguraria um intenso desenvolvimento, mas instalaria no exterior,
por sua dependência de capitais e mercados europeus, o comando dos destinos nacionais.
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Esse projeto, apesar de antinacional e antipopular, por seu caráter de empreendimento
estran-geiro em terras americanas, oposto aos interesses da etnia que se formara secularmente,
teve uma grandeza só comparável à façanha da conquista. Seus condutores se propuseram a
tarefa gigantesca. de refazer a face e o corpo da nação, inspirados por ideais europeus e pela
maior animosidade antigaúcha, sob o punho do imperialismo inglês e fundados num pacto do
patriciado urbano com a oligarquia territorial. Através do livre-cambismo e da concessão de
privilégios substituíram a dominação colonial espanhola de controle e exploração por novas
formas, mais sutis e eficazes, as quais transformaram as nações platinas em apêndices da
economia européia.
Sobrevivem, ainda hoje, nas divisões e diferenças entre partidos federalistas e unionistas e
em múltiplas expressões ideológicas, efeitos visíveis desta polarização entre políticos citadinos e
caudilhos, entre gaúchos e ladinos, entre ricos e pobres. Nas últimas décadas, porém, o patriciado
portenho e montevideano, vivendo já a outra oposição que contrapunha as antigas cepas nativas
às massas de imigrantes, mas composto, agora, mais de gringos que de criollos, procura exprimir
seu nacionalismo em nome de uma identificação com o gaúcho, ou seja, precisamente com
aquele que foi a principal vítima de sua expansão e domínio.
O certo é que os descendentes de imigrantes que agora compõem a quase totalidade da
população - já que o gaúcho apenas sobrevive nas zonas mais ermas ou nas camadas sociais
mais pobres - não conseguiram imprimir ainda sua marca à ideologia nacional. Os que ascendem,
procuram confundir-se na oligarquia patrícia, impregnando-se de sua visão do mundo e de sua
ideologia. Sua intelectualidade não plasmou, ainda, a imagem da nação como fruto dos avós
gringos, perdendo, a muito custo, o sentimento de inferioridade, face ao patriciado de velha
extração.
O quadro é infinitamente rico de nuanças revelando várias tendências discrepantes desta
caracterização sumária. Assim, por exemplo, Sarmiento, que faz dos Recuerdos de Provincia um
canto de nostalgia do velho mundo gaúcho, em sua obra política foi o mais exógeno dos
estadistas argentinos. Em carta a Mitre confessava:
"Tenho ódio à barbárie popular. A chusma e o povo gaúcho nos é hostil. Enquanto houver
um chiripá, não haverá cidadãos".
E depois pondera:
"São acaso as massas as únicas fontes do poder e da legitimidade?"
E responde solícito, diante de seu chefe político:
"Você terá a glória de restabelecer em toda a República o predomínio da classe culta,
anulando o levantamento das massas".
Esta seria a tarefa que se proporia ao assumir, pessoalmente, o poder presidencial.
Entretanto, mesmo sob o impacto desta carga emocional antipopular, Sarmiento não podia
deixar de ver os efeitos da ideologia que propugnava, ao dizer:
"Sejamos francos, apesar desta invasão universal da Europa sobre nós ser prejudicial e
ruinosa para o país, ela é útil para a civilização e para o comércio".
A alienação de Sarmiento, intoxicado pela literatura racista de seu tempo, exprime-se ainda
mais claramente numa carta em que, comentando uma colônia de emigrados da Califórnia que se
estava criando no Chaco, escreve:
"Pode ser a origem de um território e, um dia, de um estado ianque (com idioma e tudo).
Com este concurso genético melhorará nossa raça decaída1".
Juan Bautista Alberdi, que fora um das ideólogos do liberalismo e da europeização, tornase, mais tarde, o principal porta-voz da etnia gauchesca, ao aperceber-se de que a condenavam
ao extermínio em nome do progresso. A guerra contra o Paraguai, que o adverte para o processo
1
A citação de escritos de Sarmiento foi tirada de J. J. Hernández Arregui, 1963: 89/91
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de sucessão étnica que se levava a cabo, aglutinaria, porém, todas as forças numa mobilização
compulsória que tornaria impraticável, doravante, voltar atrás na política de desfiguração da
protonacionalidade.
A auto-imagem nacional que se vai definindo nestas áreas, em sua variante argentina e
uruguaia, continuará seguramente, valorizando o conteúdo integrativo do gaúcho. Menos, porém,
como ancestral comum, do que como o antigo senhor da terra, nostalgicamente recordado e
lamentado como vítima da "civilização". A medida que se reduza a dominância patrícia e
oligárquica tenderá a aflorar uma nova ideologia valorizadora da façanha imigratória e da
contribuição gringa que foi quem deu, afinal, às duas nações a forma e a figura que têm hoje, não
podendo ser ignorada ou disfarçada por muito tempo mais.
A melhor expressão da causa dos caudilhos foi Artigas, o grande líder dos interioranos. Um
viajante inglês, percorrendo a campanha uruguaia nos primeiros anos do século XIX, assim o
descreve:
"Que crês tu que eu vi? Pois ao Excelentíssimo Protetor da metade do Novo Mundo,
sentando sobre um crânio de novilho, junto a um fogo aceso no assoalho do rancho, comendo
carne de um assador e bebendo genebra em guampa"... Tinha cerca de 1.500 sequazes
andrajozos em seu acampamento, que atuavam na dupla Junção de infantes e ginetes2".
Assim deveriam vê-lo, também, todos os patrícios, imbuídos da ideologia liberal,
embasbacados diante de tudo que fosse europeu, especialmente inglês e saturados de complexo
de inferioridade étnico-nacional. Todavia, Artigas foi não só o mais intrépido dos lideres militares
que defendiam a causa das províncias, mas o ideólogo que viu com maior clareza as
possibilidades da nação-platense, ao propor-se instituir a Pátria Grande, e solucionar os
problemas com que se defrontava o povo humilde da campanha, através de uma reforma agrária.
Seus exércitos de chiripá e lanças se opunham às tropas oficiais fardadas à européia, como
o povo real se contrapunha ao povo refundido e europeizado, com que sonhavam Mitre e
Sarmiento. Sobre estes exércitos de mulambos, menos pelo combate do que por arranjos de
cúpula entre brasileiros, uruguaios e argentinos, presididos pelos ingleses a civilização mercantil
se implantaria soberana no Rio da Prata. Substituía-se, assim, a hegemonia espanhola pela
dominação inglesa, com pequenas alterações nos quadros intermediários do poder de Buenos
Aires e de Montevidéu.
O processo completa-se em 1880 com a plena institucionalização do regime constitucional
nos dois países, a subjugação de todas as províncias interioranas e a implantação do monopólio
da terra. Haviam caído as teses de Artigas e, com elas, as possibilidades ulteriores de
desenvolvimento capitalista pleno e de industrialização da área que só a criação de uma ampla
classe média rural, através do seu projeto de reforma, teria tornado possível.
2
J. P. e G. P. Robertson, apud A. J. Abelardo Ramos, 1959: 38.
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