ANAIS DO II ENCONTRO NACIONAL DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA
DO GRUPO INSTITUCIONAL DE PESQUISA EM DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS – GPDH
Universidade Estadual de Santa Cruz – Ilhéus/BA – 2011
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA VIOLAÇÃO AO PRINCIPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Ariene Bomfim Cerqueira1
Paula Carine Matos de Souza2
Guilhardes de Jesus Júnior3
RESUMO
Persistem, na sociedade, diferenças firmadas ideologicamente que legitimam os
abusos sofridos pelas mulheres ao longo dos tempos. Na antiguidade, às mulheres eram
concedidos ou negados direitos de acordo com visões de mundo próprias. Hoje, essa situação
tem sofrido mudanças a partir de uma conscientização sobre os direitos, promovendo a
igualdade entre homens e mulheres. Neste trabalho, foram analisados dados referentes aos
anos de 2009 e 2010, comparando os tipos de agressões frequentes, o número de
atendimentos, ocorrências registradas e inquéritos instaurados na DEAM e o número de
exames de corpo de delito efetuados no DPT, em Ilhéus. Assim, pode-se inferir, que mesmo
cientes da lei, muitas mulheres acabam, abdicando de uma punição aos agressores, por
analisarem fatores externos aos abusos, ou por dependerem destes, tornando-se cogente dizer
novas posturas, a fim de romper os esquemas de dominação que submetem às mulheres a
aceitação dos desmandos masculinos.
PALAVRAS CHAVE: Violência; gênero; direito; dignidade da pessoa humana
ABSTRACT
1
DCJUR/ Universidade Estadual de Santa Cruz/ Campus Soane Nazaré de Andrade, km 16 Rodovia
Ilhéus-Itabuna/ Ilhéus/ [email protected]/ Bolsista IC/FAPESB
2
DCJUR/ Universidade Estadual de Santa Cruz/ Campus Soane Nazaré de Andrade, km 16 Rodovia
Ilhéus-Itabuna/ Ilhéus/ [email protected]
3
Orientador, Mestre e Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente - UESC/PRODEMA,
Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz - Ilhéus/BA, coordenador do Projeto SER Mulher
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Persists, inequalities in Brazilian society, entrenched ideologically legitimizing the violence
suffered by many women. Since ancient times, there were different types of treatment for
women, giving them or denying them rights, from the historical-cultural conceptions of each
people. Currently, women and society as a whole have become aware of their rights and, over
time, have sought, especially through the implementation of the defense of human rights,
providing equal rights for men and women. In this study, we observed statistical data relating
to the first six months of the years 2009 and 2010, comparing the types of violence that
appear more frequently, the number of calls, incidents recorded and inquiries instituted Police
Special Assistance to Women - DEAM and the number of corpus delicti exams performed at
the Department of Technical Police - DPT, both in the city of Ilheus. It can be seen from the
analysis of these data, although aware that the protection gained from the law, many women
end up, for refusing an effective punishment to their attackers because they consider factors
external aggression, or in some way dependent on these. Thus, it is necessary to articulate
new positions in order to deconstruct prevailing ideologies about gender, so as to promote not
only the release of old hierarchies solidified, but the face needs arising from development of
society, without losing sight of the seeking solutions focused implementation of the principles
of respect for human dignity and equity.
KEY WORDS: Violence; gender; law; human dignity
INTRODUÇÃO
A lei 11.340/06, intitulada lei Maria da Penha, entrou em vigor em 21 de outubro de
2006 e mesmo após cinco anos de vigência ainda são notados altos índices de violência
doméstica contra a mulher ilheense.
A cidade de Ilhéus ainda guarda traços da sociedade agrária e coronelista, tais como o
patriarcalismo e o patrimonialismo. Mesmo com a derrocada do cacau na década de 80, que
em muito prejudicou a economia da região onde se localiza, e conseqüentemente alargamento
dos índices de pobreza, esses traços mantiveram-se na cultura local.
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Sabe-se que este sistema, tendo por base a ideologia machista de que o homem, sendo
o chefe da casa, pode todas as coisas, possibilitou a opressão do sexo feminino na região.
Entretanto, ainda observam-se atitudes típicas do patriarcalismo na cidade, principalmente
quanto à violência cometida no ambiente doméstico.
A partir de dados obtidos junto à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher –
DEAM/Ilhéus e do Departamento de Polícia Técnica – DPT/Ilhéus, pode-se notar os reflexos
da desigualdade de gênero presentes no Município, bem como o rompimento dessas formas
de pensamento tradicionais que submetiam às mulheres a aceitação dos desmandos
masculinos.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º consagrou como valor supremo de
condução de todos os demais direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana.
O conceito de dignidade da pessoa humana foi construído através dos tempos e
atribui-se ao pensamento estóico e ao cristianismo os primeiros registros do tema, que com o
passar dos tempos foi acrescido de contribuições importantes, entre elas as de São Tomás de
Aquino e de Kant.
O problema do estabelecimento deste conceito decorre de sua natureza complexa e
aberta, bem como as suas variações histórico-culturais, que acabaram por influenciar o
conceito atual, empregado nas diversas legislações contemporâneas.
De acordo com Sarlet (2011), a dignidade da pessoa humana representa uma qualidade
inerente ao ser humano, que o torna merecedor de apreço e estima pelos demais, de modo que,
acaba representando um complexo de direitos e deveres fundamentais, que tem por objetivo
maior, preservar uma existência digna, saudável, participativa e responsável pelas decisões e
destinos da coletividade.
O Código Civil de 1916, contrariamente ao Código Civil de 2002, possuía um teor
altamente patrimonialista, e por ter nascido sob influência do liberalismo, acabou trazendo um
viés individualista. Assim, com a superação destes valores, e com a adoção de outros,
notadamente a socialidade, a eticidade e a operabilidade, o novo código passou a observar os
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novos valores constitucionais, sobretudo o respeito aos direitos e garantias fundamentais
conforme asseveram Farias e Rosenvald (2010).
Destarte, pode-se conceber a dignidade da pessoa humana como forma de,
materialmente, garantir e unificar todos os direitos fundamentais, aos quais todos os direitos
do homem se conectam com maior ou menor intensidade.
Entretanto, vale salientar que embora seja essencial, e sirva de vetor para a
identificação de certos direitos fundamentais a exemplo, o direito à vida, à liberdade e
igualdade, esse princípio não é único, é tido como basilar, mas não exclusivo, para construir
um conceito de direitos fundamentais, conforme preconiza Cunha Jr. (2011).
Neste sentido, quando elaborou a regra do parágrafo 2º do art. 5º da Constituição da
República: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte.” O legislador permitiu considerar
fundamental outro direito que igualmente proteja a pessoa humana ainda que não esteja
contido, literalmente, na Carta Magna.
Desse modo e sem embargo, colocando como núcleo essencial a dignidade da pessoa
humana, podem os direitos fundamentais, atuarem em dimensões subjetivas e objetivas,
promovendo não só a interação entre os cidadãos e o Estado, como entre si, além de fixar e
organizar direitos civis, coletivos, sociais, econômicos e culturais.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER + INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO =
VIOLAÇÃO DE DIREITOS
Historicamente, entende-se que apenas por volta do final do século XIX e no início do
século XX, aconteceram algumas mudanças que permitiram incluir, mesmo que de forma
limitada, a mulher na esfera pública.
A ordem estabelecida, com suas relações de dominação, seus direitos e suas
imunidades, seus privilégios e suas injustiças, salvo uns poucos acidentes históricos,
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perpetua-se apesar de tudo tão facilmente, e que as condições de existência das mais
intoleráveis possam ser vistas como aceitáveis e ate mesmo naturais. (Bourdieu,
2007).
Entretanto, o tratamento dado às mulheres, no decorrer da história, era diferenciado
em decorrência das diversas culturas existentes. Exemplo disso, tem-se a mulher
mesopotâmica
cuja
atuação,
na
maioria
dos
povos
(com exceção da Babilônia, onde a mulher podia trabalhar na agricultura, na indústria e no
comércio, podendo até desenvolver atividades mais notórias como de escriba, sacerdotisa e
profetisa), restringia-se a atuação no seio da família, não tendo espaço na sociedade em geral,
além de estar subordinada ao costume e a legislação da época que dava ao marido
legitimidade para decidir sobre a vida ou a morte das mulheres.
Não havia a preocupação no sentido de que a violência doméstica não é
assunto doméstico, assunto privado, não pode ser visto como tabu, onde “não se
mete a colher”, mas, sim, de que está ocorrendo profundo desrespeito aos direitos
humanos fundamentais da mulher agredida, pela violação de sua integridade física e
psicológica, que deixou de ser, há muito tempo, um assunto de ordem privada. É,
sim, um problema social e inclusive considerado um problema com reflexos na
saúde pública. (Ritt, 2008)
No município de Ilhéus-BA, o patrimonialismo e o patriarcalismo manifestaram-se de
forma intensa, tendo em vista que, abalada economicamente pela queda da lavoura cacaueira
na década de 80, acabou por sofrer um aumento dos índices de pobreza, que realçou essas
características que foram perpassando as gerações e mantendo velhas ideologias sexistas.
Destarte, é simples notar que essa combinação de fatores acabou por beneficiar esse quadro
lamentável de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Nesse contexto, de acordo com Ritt (2008),
A mulher quando segue a pauta de comportamento da sociedade patriarcal é tratada
como a rainha do lar, mas quando não obedece as referidas pautas patriarcais,
entram em cena os chamados mecanismos de correção: que são os insultos,
espancamentos, estupros e homicídios. Assim, a violência entre cônjuges ou
companheiros constitui uma das fases da violência familiar que está relacionada com
os valores do mundo patriarcal.
A internalização e conseqüente reprodução desses valores e ideologias de dominação
masculina versus submissão feminina consolidaram esse modo de reconhecimento do outro e
que por este caráter histórico, torna-se algo tão difícil de ser desconstruído.
Com o advento da lei 11.340/06, todas as formas de violência doméstica e familiar
passaram a ser vistas como forma de violação de direitos e criaram-se mecanismos para
prevenir e coibir os agressores.
Entretanto, vê-se na prática, que mesmo após cinco anos de vigência ainda são
observados altos índices de violência doméstica contra a mulher, além disso, os efeitos
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conferidos com a execução desta lei não têm cumprido os efeitos previstos e esperados pelos
legisladores e pela população em geral.
A partir da apreciação de dados estatísticos obtidos junto a Delegacia Especial de
Atendimento a Mulher em situação de violência (DEAM) situado na cidade de Ilhéus,
verifica-se que as mulheres, mesmo possuindo a proteção jurídica prevista na Lei Maria da
Penha, muitas vezes optam por manter-se sobre o jugo de um agressor, chegando até mesmo a
não continuar em um processo contra este, como se nota claramente tal realidade no gráfico 1.
Gráfico 1 – Comparativo de atendimentos, ocorrências registradas e inquéritos instaurados na
DEAM/Ilhéus (2009-2010)
Fonte: Trabalho de campo – DEAM/ILHÉUS
Os motivos que causam o abandono do processo por essas vítimas são os mais
diversos, e vão desde dependência psicológica, até a vergonha de exporem sua intimidade.
Um importante motivo para a desistência das autoras seria a dependência financeira,
que conforme afirma Garcia (2010), acaba se tornando uma corrente difícil de ser quebrada,
em especial pelas mulheres de baixa renda, que não tem condições de sustentarem nem a si
próprias nem aos seus filhos, sem o auxilio do agressor.
Em seu primeiro capitulo, intitulado Das Medidas Integradas De Prevenção, tem-se
um dos assuntos mais importantes da lei 11340/06, que é a garantia de uma participação
conjunta de diversos órgãos das esferas, federal, estadual e municipal promovendo assim, uma
rede de atendimento voltada ao combate à violência doméstica, visto que os serviços
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oferecidos por estes às vitimas são de certo modo complementares, como preconiza a Lei
Maria da Penha (Lei 11.340/06) em seu art. 11 § I, II e V.
Além disso, a utilização de diferentes definições do fenômeno nas estatísticas
disponíveis, e a diversidade das fontes de são alguns dos fatores que dificultam uma melhor
eficácia das estimativas. Destarte, como podemos comprovar através da figura 2, ainda
existem ocorrências contra as mulheres (por volta de 9%) que não chegam ao conhecimento
da DEAM.
Figura 2 - Comparativo da Quantidade de Exames de Corpo de Delito Realizados pelo DPT nos
6 primeiros meses de 2010.
Fonte: Dados estatísticos do DPT/ Ilhéus.
O trabalho em rede aparece como ferramenta imprescindível no trabalho de
recuperação das mulheres vítimas de violência, e exige a inclusão de instituições e pessoas
que se movimentem na busca de melhor reconhecimento de suas causas, assim como de suas
soluções potenciais. Essa necessidade de organização torna-se essencial ao combate da
violência intrafamiliar e sua ineficácia compromete de modo negativo, o cotidiano aqui
destacado da violência doméstica contra a mulher.
A dignidade humana é valor imperativo e fundamento da República
Federativa do Brasil e representa, juntamente com os direitos fundamentais, a
própria razão de ser da Constituição Brasileira, pois o Estado é apenas meio para a
promoção e defesa do ser humano. É mais que um princípio, é norma, regra, valor
que não pode ser esquecido em nenhuma hipótese. É irrenunciável e os direitos
humanos decorrem do reconhecimento da dignidade do ser humano, e combater a
violência doméstica é uma das formas de garantir a dignidade da mulher. (Ritt,
2008)
Dessa forma, torna-se necessário que os órgãos responsáveis pela aplicação dos
mecanismos supracitados, tornem-se atuantes e envolvidos no trabalho de proporcionar as
vítimas de violência doméstica, o auxílio necessário para que possam quebrar esse ciclo
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vicioso que embora possa-se, presumir que ocorra com maior freqüência entre os pobres, em
virtude do estresse provocado por precárias condições de existência, baixos salários,
desemprego, independe de classes sociais.
A lei é clara e dispõe expressamente acerca do modo como devem atuar os
profissionais das mais diversas áreas, com o objetivo de criar uma rede de atendimento, que
contemple e auxilie, nos diversos aspectos da vida da vítima. Entretanto, esse quadro só tende
a mudar, mediante o abandono das velhas convicções que acabam por discriminar e
marginalizar esse grupo social.
Deste modo, faz-se imprescindível articular idéias alternativas no sentido de
desconstruir as ideologias vigentes sobre gênero, visando não apenas à libertação das velhas
hierarquias, mas ao enfrentamento das necessidades decorrentes do desenvolvimento das
sociedades e buscando soluções não apenas voltadas às especificidades femininas, mas
principalmente à concretização os ideais de equidade e respeito à dignidade da pessoa
humana.
CONCLUSÕES
Apesar de todas as conquistas resultantes da equiparação de direitos entre os sexos,
proporcionada pela Constituição Federal de 1988, a ideologia patriarcal ainda subsiste a todas
elas. A diversidade histórico-cultural é uma das razões da discriminação feminina, e,
principalmente, de sua dominação pelos homens que acabam por tornar a violência conjugal
um habito cotidiano, que legitimado pelo tempo, acaba conferindo ao homem, “poderes”
sobre sua mulher.
O princípio da dignidade da pessoa humana inspira a Constituição Federal de 1988, e
reafirma a necessidade de garantir a todos os cidadãos independentemente de sexo, crença ou
etnia o livre gozo dos direitos fundamentais, possuindo destarte, importância ímpar no
combate a violência doméstica.
A aplicação dos mecanismos listados pela lei 11.340/06 adquire essencialidade, visto
que, necessita-se proporcionar as vítimas de agressões condições mínimas para que
recuperem-se. Essa nova necessidade de organização torna-se essencial ao combate da
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violência intrafamiliar e sua ineficácia compromete de modo negativo, o cotidiano aqui
destacado da violência doméstica contra a mulher.
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