PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA BIODIREITO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: limites e possibilidades. Clayton Santos do Couto1 Natalia Branco Lopes Krawczun2 I. INTRODUÇÃO O presente projeto de iniciação científica analisa as principais imbricações ocorridas em decorrência da evolução na biotecnologia, tendo como instrumento de conformação o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A modernidade fez surgir uma série de questões relacionadas à vida, à morte, ao paciente terminal, à sexualidade, à reprodução humana, às tecnologias conceptivas, à paternidade, à maternidade, à filiação, ao patrimônio genético, à correção de defeitos físicos e hereditários, ao uso de material embrionário em pesquisas, à eugenia, às experiências farmacológicas e clínicas com seres humanos, ao equilíbrio do meio ambiente, à criação de seres transgênicos, à clonagem, ao transplante de órgãos e tecidos humanos, à transfusão de sangue, ao mapeamento sequencial do genoma humano, ao patenteamento da vida, à mudança de sexo, entre outras questões controversas, a maioria delas sem qualquer tipo de normatização específica em nosso direito. O Direito, em seu caráter dinâmico, não pode ficar de viés ante essa realidade, mas deve promover sua adequação aos novos fatores valorados juridicamente. Desse modo, a Bioética e o Biodireito devem promover o debate interdisciplinar acerca dos limites das relações biotecnológicas modernas, tendo, como principal parâmetro, a dignidade da pessoa humana. II. OBJETIVOS O presente projeto de iniciação científica tem como objetivo analisar a evolução e os reflexos sociais ocasionados em decorrências das modernas práticas biotecnológicas e 1 Mestrando em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Linha de Pesquisa Estado, Atividade Econômica e Desenvolvimento Sustentável. Especialista em Teoria e Prática do Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - campus Londrina. Advogado. E- mail: [email protected]. 2 Mestre em Educação pela UEL. Especialista em Metodologia da Ação Docente pela Especialista em Direito do Estado na área de concentração em Direito Constitucional pela UEL. promover debate científico acerca das relações jurídicas surgidas em decorrência dos procedimentos e práticas daí decorrentes, bem como a necessidade do estabelecimento de parâmetros para sua aplicação. A proposta de abordagem da temática a partir de uma proposta interdisciplinar busca desenvolver o pensamento crítico dos alunos e complementar a formação acadêmica. III. JUSTIFICATIVA Atualmente, mais que em qualquer tempo, vive-se uma era de profundas e rápidas transformações, que emergem de todas as esferas da sociedade e afetam radicalmente a ciência jurídica em todos os seus institutos e valores basilares. O campo da ciência e da tecnologia enfrenta um período de desenvolvimento sem precedentes. Todavia, o progresso da pesquisa nas ciências da vida e de suas aplicações tecnológicas, além de assegurar benefícios para a humanidade, trouxe também desafios e medos parra o homem e originou uma série de novas relações contratuais que, a despeito de melhorarem a qualidade da vida humana, acabaram por intervir na própria natureza biológica do indivíduo, suscitando questões éticas e jurídicas antes jamais pensadas. A desenfreada revolução biotecnológica obrigou à reflexão sobre os limites desses poderes, na moldagem da sociedade contemporânea, caracterizada pelo predomínio da ciência e da técnica. Não obstante, as questões atinentes à biotecnologia estão intimamente relacionadas à dignidade, ensejando desdobramentos que envolvem a intimidade, privacidade e os mais intangíveis sentimentos inerentes à pessoa humana. Por outro lado, é patente que os avanços tecnológicos na seara da medicina e da saúde fomentam a exploração econômica e expõem a necessidade da adoção de parâmetros para a configuração destas novas relações. As descobertas científicas desencadeadas nas últimas décadas contribuíram sobremaneira para a melhoria da saúde das espécies humana e para a valorização do ser humano em seus direitos, mas deixou à humanidade um legado repleto de dilemas éticojurídicos, resultado do surgimento de novas figuras jurídicas, tais como o avanço irreversível da biologia molecular e da engenharia genética, o Projeto Genoma Humano, a AIDS, as novas e poderosas intervenções terapêuticas, o incipiente mercado genético; o risco do eugenismo, a exploração do corpo humano, entre outras nuances. Os avanços tecnológicos na seara da medicina e da saúde, o anúncio de resultados fantásticos da biologia molecular e da engenharia genética, inclusive no meio ambiente, e as novas práticas biomédicas resultantes do descobrimento do DNA recombinante, contribuíram para o fomento à exploração econômica. O Biodireito, por se tratar de uma matéria necessariamente multidisciplinar, e por se preocupar com questões relacionadas à eticidade das atividades médico-científicas, e por se preocupar, também, em conformar a realidade jurídica com a realidade social, valendo-se da sociologia jurídica, deve servir de parâmetro para a conformação da biotecnologia, quer seja para autorizar, quer seja para proibir estas práticas. Deve ser ressaltado que a pesquisa cientifica tem como suporte irrenunciável o direito de liberdade de pesquisa, que, no ordenamento brasileiro, se considera subespécie do direito à liberdade em geral, concebido como o direito fundamental à liberdade de expressão e criação científica. Entretanto, o direito à liberdade à pesquisa não é absoluto, ou seja, encontra limitações nos direitos de personalidade, especialmente a dignidade da pessoa humana. Destarte, os direitos fundamentais do indivíduo constituem um limite intransponível para a liberdade de investigação, sem prejuízo, evidentemente, das manifestações que se exijam nas situações concretas (DENISE, 2008, p. 140). É pujante, diante de seu conteúdo axiológico, que as experiências científicas estejam coadunadas com o conceito filosófico da dignidade da pessoa humana.3 Para Jürgen Habermas (2012, p. 18), o conceito de dignidade humana está centrado na ideia de que tal fundamento é dobradiça conceitual que conecta “a moral do respeito, igual por cada um, com o direito positivo e com a legislação democrática de tal modo que, na sua cooperação sob circunstâncias históricas favoráveis, pode emergir uma ordem política fundamentada nos direitos humanos”. Neste contexto, Habermas conclui que “independentemente de seu conteúdo moral exclusivo, eles possuem a forma de direitos subjetivos positivos coercitivos que asseguram aos indivíduos um espaço de liberdade e pretensões”. Assim, os direitos humanos estão dispostos de modo que são concretizados pela via da legislação democrática, especificados caso a caso por meio da jurisprudência e impostos com sanções estatais. 3 O conceito de dignidade humana não consta nas declarações dos direitos humanos do século XVIII e nem nas codificações do século XIX, o que demonstra que o conceito de direitos humanos sobreveio antes do conceito da dignidade, bem como sua recepção pelo direito da virtude da qualidade do homem como ser de razão e reflexão, reconhecendo o valor individual do homem para as relações agora horizontais entre estes, sucedeu após o reconhecimnto de tais valores pela filosofia. (HABERMAS, 2012, p. 9-10 e 25). Pode-se afirmar, portanto, sem prejuízo das muitas variações existentes sobre o tema, que identifica-se um consenso razoável no sentido de se considerar a dignidade humana o fundamento e a justificação última dos direitos fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana se revela como norteador das relações envolvendo aspectos biotecnológicos, tais como o armazenamento de materiais biológicos, a relação médico-paciente, entre tantas outras práticas que são uma constante na contemporaneidade. Significa dizer que os princípios constitucionais devem servir de eixo conformador das questões de biodireito, afastando-se, destarte, a aplicação de técnicas contrárias à boa-fé, à dignidade da pessoa humana e que não atinjam um fim social. Neste contexto, é pujante a necessidade do Direito, em seu caráter dinâmico, de promover sua adequação aos novos fatores valorados juridicamente. Desse modo, a bioética e o biodireito não poderão ficar de viés ante essa realidade. IV. METODOLOGIA: A metodologia adotada para o desenvolvimento das pesquisas utilizará, principalmente, o método de pesquisa dedutivo, pautando-se por uma moldura analíticocritica. Para tanto, o estudo passa por uma verificação da importância das discussões das questões atinentes ao Biodireito sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, procura-se estabelecer os limites necessários e as possibilidades de desenvolvimento das diversas relações biotecnológicas. O grupo de iniciação científica se reunirá quinzenalmente, sob a coordenação dos professores Clayton Santos do Couto e Natalia Branco Lopes Krawczun, para a discussão de tema específico previamente apontado e de interesse geral de seus membros, tendo como ponto de partida o material bibliográfico indicado pelos coordenadores. Paralelamente aos encontros quinzenais, os membros do grupo, individualmente ou em dupla, desenvolverão pesquisas sobre temas específicos relacionados à temática do grupo, sob a orientação dos coordenadores. Os resultados das pesquisas deverão ser consolidados na forma de artigos científicos, papers, resumos expandidos, etc, de modo a viabilizar a publicação em revistas científicas relacionadas à temática abordada, bem como a apresentação em congressos e encontros científicos. O presente projeto de iniciação científica será ofertado, preferencialmente, aos alunos do curso de graduação em Direito da Faculdade Arthur Thomas. Todavia, com vistas a promover a interdisciplinaridade, a troca de conhecimento e a fomentar a pluralidade de opiniões, poderão ser aceitos como membros alunos de outros cursos de graduação ou de outras instituições de ensino que tenham interesse em contribuir para o desenvolvimento da pesquisa, a critério da coordenação. O debate e a troca de conhecimentos poderão ocorrer por meio virtual, através de redes sociais e grupos de discussão no portal eletrônico da Faculdade Arthur Thomas, priorizando a velocidade e acessibilidade da informação. Ao final de cada semestre, o grupo de iniciação científica encerrará os trabalhos com a realização do Seminário de Bioética e Biodireito da Faculdade Arthur Thomas, com espaço apropriado para a apresentação dos resultados obtidos nas pesquisas e a realização de palestras e conferências. Pretende-se, a partir da publicação e apresentação dos resultados obtidos, disseminar o conhecimento e fomentar a necessidade de se estabelecerem parâmetros éticos e jurídicos limitadores das relações biotecnológicas, contribuindo, destarte, para o desenvolvimento da sociedade. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. BARBOZA, Helena Heloísa. BARRETO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética. – Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. 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