A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 1 TEMA: A relevância do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito das relações privadas, em virtude da Teoria da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais e do Direito civil-constitucional. Autoria: Myrelle Martins Mota Santiago Profª Drª Clara Angélica Gonçalves Dias RESUMO O presente artigo faz uma reflexão acerca da solidez do princípio da dignidade da pessoa humana nas relações jurídicas privadas, mediante a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, teoria que resguarda e impõe tal fundamento constitucional. Por força de uma sociedade prolixa, fruto de profundas alterações sociais e econômicas, o excesso de poder, antes restrito ao vínculo subordinativo Estado- particular, passou a ser frequente também no vínculo coordenativo particular-particular, existindo nessas relações privadas a violação de direitos fundamentais. Sendo assim, fez-se necessária a aplicação direta dos direitos fundamentais nessas relações horizontais (ainda que protegidas pela autonomia privada e pela livre-iniciativa) em respeito à dignidade da pessoa humana. Esse influxo dos valores fundamentais nas relações recíprocas ganha força devido a uma nova metodologia jurídica conhecida como Direito Civil-constitucional, consequência inevitável de um Estado Social. O texto se ampara em uma breve construção jurisprudencial abalizada na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, tendência constante no mundo civilista brasileiro. REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 PALAVRAS CHAVES: 2 dignidade da pessoa humana, eficácia horizontal, direito civil-constitucional. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 2. REVISÃO DA LITERATURA 3. METODOLOGIA 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5. CONCLUSÕES 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 3 1. INTRODUÇÃO A Carta Magna detém uma supremacia hierárquica dentro do ordenamento jurídico. Tal Lei Máxima goza de um poder axiológico refletido nos seus princípios norteadores, quais sejam a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial, que incitaram a interpenetração do Direito Privado e do Direito Público. Diante dessa perspectiva, entende-se que os princípios fundamentais constitucionais devem ser honrados em virtude da proteção do bem-estar da pessoa humana, interferindo na esfera privadamediante a eficácia horizontal dos direitos e garantias fundamentais- sempre que o princípio matriz da dignidade da pessoa humana for ferido. Dessa maneira, aufere-se que a metodologia do Direito civil-constitucional de analisar o Direito Privado à luz da Constituição tem como escopo primordial resguardar a suprema satisfação da pessoa humana. A Constituição de 1988 conseguiu fixar parâmetros fundamentais interpretativos para todo o sistema jurídico, destarte, redefiniu os espaços do direito público e do direito privado, corroborando a existência da interpenetração dessas esferas jurídicas e da superação de uma dicotomia estanque nascida em berço romano. Em face de um Estado protetor da universalidade dos indivíduos, aquilo que for vantagem para o cidadão é também vantagem para o Estado, e vice-versa. Nessa previsão, colhe-se que o fim social é único, e as normas REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 4 de direito privado, apesar de condizerem aos interesses convenientes a indivíduos coordenados em uma relação jurídica, devem primordialmente atender ao escopo de justiça. Há interesse público na regulação das relações privadas materialmente desiguais. Maria Helena Diniz (1997) brilhantemente expõe: “Esse critério da utilidade ou interesse visado pela norma é falho, porque não se pode afirmar, com segurança, se o interesse protegido é do Estado ou dos indivíduos, pois nenhuma norma atinge apenas o interesse do Estado ou o do particular”. Logo, na conjectura de um Estado Democrático e Social e, por força de uma Constituição que busca a justiça material, o que é particular reflete no que é público e, sempre, o interesse social deve ser visado e posto acima do individual. Com profundas alterações sociais, reflexos de uma sociedade maculada pela Segunda Guerra Mundial, o Direito assume uma postura essencialmente protetiva do princípio da dignidade da pessoa humana, e faz-se necessário um estreitamento entre o direito comum e a realidade social. Nessa esteira, expressa-se uma nova disciplina; o Direito Civil-constitucional, que dá suporte à atuação iluminadora das regras constitucionais no âmbito das relações privadas, em virtude de fundar-se em uma visão unitária do sistema. De acordo com as sábias palavras de Paulo Lôbo: “deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com frequência (e ainda ocorre)”. Nessa perspectiva de constitucionalização civil, as relações jurídicas privadas, apesar de estribarem-se nos princípios da autonomia privada e da livre-iniciativa, devem, primitivamente, obediência ao princípio gerador de todos os direitos fundamentais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Quando tal princípio matriz for ferido, o Estado Democrático deve interferir no campo jurídico particular, para que sua aplicabilidade seja realizada, garantindo equilíbrio, justiça e respeito ao fundamento constitucional. Essa interferência instrui-se pela Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, defendida pela maioria da doutrina brasileira, que é um reflexo da consonância entre tal princípio matriarcal, com a máxima efetividade dos direitos fundamentais, dispositivo amparado no § 1º do Art. 5º da Constituição Federal. 2. REVISÃO DA LITERATURA REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 5 Tentar-se-á demonstrar nesse item a perspectiva constitucional e doutrinária da dignidade da pessoa humana; como a convicção majoritária do Direito Civil-constitucional se apresenta; e exposições sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. À luz do inciso III do artigo 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988, a dignidade da pessoa humana se apresenta como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III - a dignidade da pessoa humana; A dignidade da pessoa humana é o grande norte do ordenamento jurídico brasileiro. Sua abrangência é tamanha que se apresenta como um fundamento legal impedido de alcançar uma conceituação fixa, pois possui contornos tão vastos que, se fosse definido, haveria uma relativização de seu alcance. Para tanto, Ingo Wolfgang Sarlet (2006) perfilha tal entendimento: "Costuma apontar-se corretamente para a circunstância de que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui uma categoria axiológica aberta, sendo inadequado conceituá-lo de maneira fixista.” É pacificado na doutrina que tal princípio mor condiz a um valor que dá unidade ao conjunto de direitos fundamentais, servindo de aplicação, interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico, de maneira a garantir-lhe coerência. Daniel Sarmento (2006) corrobora: "o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico (...) o princípio em questão é o que confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional, que repousa na ideia de respeito irrestrito ao ser humano – razão última do Direito e do Estado". REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 6 A Carta Magna de 1988 atribuiu à dignidade humana a categoria de princípio matriz, pois através dele instituiu os direitos e garantias fundamentais elencados, protegendo assim todos os atributos que são inerentes à pessoa humana, como a vida, a liberdade, a igualdade, o trabalho, a saúde, a educação, a propriedade, entre outros. Segundo Sarlet (2006), a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional. Por isso, grande parte da doutrina enxerga esse princípio como o de maior hierarquia. Para ele, o princípio da dignidade humana impõe limites à atuação do Estado, tendo como objetivo impedir a violação da dignidade pessoal. Essa violação implica ao Estado ter como meta permanente, a proteção, promoção e realização da vida com dignidade para todos. E, como tarefa, esse princípio impõe ao Estado o dever de respeito e proteção, assim como a obrigação de promover diretrizes caso surjam obstáculos que impeçam as pessoas de viverem dignamente. Ainda, de acordo com o brioso autor, tanto o Estado, como a comunidade, entidades privadas e os particulares estão diretamente vinculados ao princípio da dignidade humana. Esse princípio, impõe condutas de efetivação e proteção da dignidade da pessoa, seja em âmbito particular ou público. José Afonso da Silva (2007) expõe que “se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da república, da federação, do país, da democracia e do direito”. Desse modo, o douto constitucionalista consagra a dignidade da pessoa humana como um alicerce da ordem jurídica democrática e justa que caracteriza o Estado Democrático de Direito. A dignidade da pessoa humana é valor constitucional que, em um Estado Democrático de Direito, deve ser visto como arma crucial para a defesa de qualquer direito violado, ainda que possua caráter vago, impreciso. Luís Roberto Barroso (2006) preleciona que “os princípios tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 7 direta e imediata”. Desse modo, é entendido que os princípios não são inertes diante de situações concretas, mas se valem da técnica de ponderação. No entanto, o fundamento constitucional da dignidade é pressuposto de imponderabilidade. Ora, qualquer direito, qualquer norma proporciona como seu intratexto a dignidade da pessoa humana. Nesse caso, a técnica da ponderação de valores, ou ponderação de interesses, que procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos, perde sua atuação, pois diante do fundamento contido no Art. 1 º, III, da Constituição Federal nenhum outro princípio consegue sobrepujança. Para Barroso(2006), a dignidade da pessoa humana ainda vive, no Brasil e no mundo, um momento de elaboração doutrinária e de busca de maior densidade jurídica. Procura-se estabelecer os contornos de uma objetividade possível, que permita ao princípio transitar de sua dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais. Diante desse posicionamento, é importante salutar a predisposição do Artigo 5º, §1º da Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. A própria Constituição Federal é clara quanto ao poder de objetividade que possuem as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Ainda que o constituinte brasileiro tenha sido omisso quanto aos âmbitos do direito que são vinculados a essa determinação normativa, deve ser de fácil entendimento que a aplicabilidade dos direitos fundamentais possui uma hermenêutica extensiva, abarcando, desse modo, as relações públicas e as relações privadas. O Artigo 5º existe para dar equilíbrio aos vínculos, sejam eles estatais ou REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 8 particulares. Assim, o posicionamento de Barroso, que acredita ser a dignidade da pessoa humana um princípio com pouca objetividade, não encontra embasamento diante de tal norma constitucional. Nesse sentido, Daniel Sarmento (2006) defende que a Constituição de 88 tem como primeiro objetivo fundamental da República, “construir uma sociedade livre, justa e solidária ( Art. 3º, I, CF) e que não se ilude com a miragem liberal de que é o Estado o único adversário dos direitos humanos.” Logo, a aplicabilidade dos direitos fundamentais deve ter ingerência nas relações privadas sempre que houver exploração da parte hipossuficiente. Os não vulneráveis também atacam a dignidade alheia quando estão a defender seus interesses particulares. Na concepção de Barroso (2006), a Carta de 1988 impôs-se como uma Constituição normativa, dando ao princípio da dignidade da pessoa humana, hoje, uma potencialidade que nele não se vislumbrava há muitos anos. Sua postura em relação ao teor desse princípio foi alterada, pois, antes, apresentava ceticismo em relação à sua utilidade na concretização dos direitos fundamentais, devido à sua baixa densidade jurídica. Em suas palavras: “o princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. (...) Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar”. Barroso (2006) cita Luiz Edson Fachin: “A presente tese defende a existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores.” Tal citação, enfatiza o poder de preferência contido no fundamento constitucional da dignidade humana. Este fundamento é insuperável; é imponderável. REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 9 O ilustríssimo jurista expõe ainda que, no Brasil, o princípio tem sido fundamento de decisões importantes superadoras do legalismo estrito. E, diante da potencialidade da interpretação constitucional, há a possibilidade de um conflito entre uma específica incidência da norma e um valor constitucionalmente protegido. Fala ainda que, hipóteses podem ocorrer em que uma regra, cujo relato em tese seja perfeitamente compatível com a Constituição, produza em relação a uma dada situação concreta um efeito inconstitucional. Neste caso, deve-se paralisar a eficácia da regra, em nome do valor ou princípio constitucional vulnerado. Assim, se um dado preceito produzir, in concreto, um efeito antiisonômico ou atentatório à dignidade da pessoa humana, não deverá ser aplicado. Barroso (2008) ainda preleciona: “a dignidade humana impõe limites e atuações positivas ao Estado, no atendimento das necessidades vitais básicas, expressando-se em diferentes dimensões. (...) o princípio promove uma despatrimonialização e uma repersonalização do direito civil”. O princípio da dignidade da pessoa humana se apresenta significativamente na história do Constitucionalismo brasileiro com o advento da Constituição de 1988. Essa aparição expressa do “super-princípio” constitucional sustenta um Estado social e democrático na perspectiva do Neoconstitucionalismo, um contraponto ao Positivismo exacerbado e simplório quanto à expectativa de concretização dos direitos fundamentais. Por conseguinte, é cristalino o panorama em que o novo Direito Constitucional tem como pilares principais os direitos fundamentais, reflexos máximos de um Estado Democrático Social de Direito consistente. A principal característica desse movimento democrático pós-positivo reside, justamente, na positivação e na concretização dos direitos fundamentais listados pelo ordenamento jurídico. Assim sendo, a Constituição cidadã põe de lado o seu caráter simplesmente retórico para ser mais efetiva no enfoque do seu poder axiológico, assumindo o papel de norma jurídica central e imperativa, sobretudo no que diz respeito à promoção da dignidade da pessoa humana e dos seus fundamentos decorrentes. Os valores constitucionais passam a ser REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 10 materializados por força de uma teoria da justiça que comporta a garantia de condições dignas mínimas na sociedade em geral. Essa onda de redemocratização ganhou força especialmente após a Segunda Guerra Mundial, quando os valores constitucionais passaram a ser intimamente ligados à ideia da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, atingindo um patamar internacional. Nessa perspectiva de maior realce dos direitos fundamentais como princípios basilares do ordenamento jurídico, erige-se a dimensão objetiva dos direitos fundamentais fenômeno diante do qual, tais direitos expandem-se para todo o direito positivo, influenciando por completo o ordenamento jurídico, e transcendem o subjetivismo. Essa postura de objetividade fundamental do Estado, de acordo com Gilmar Mendes (2011): “legitima até restrições aos direitos subjetivos individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais em favor dos seus próprios titulares ou de outros bens constitucionalmente valiosos”. Dessa maneira, o Estado Democrático atua como protetor desses direitos máximos contra violações provindas até mesmo dos particulares. O citado mestre ainda afirma: “a dimensão objetiva dos direitos fundamentais cobra a adoção de providências, quer materiais, quer jurídicas, de resguardo dos bens protegidos. Isso corrobora a assertiva de que a dimensão objetiva interfere na dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, neste caso atribuindo-lhe reforço de efetividade”. Na mesma direção, Daniel Sarmento (2006) corrobora que: “a dimensão objetiva expande os direitos fundamentais para o âmbito das relações privadas, permitindo que estes transcendam o domínio das relações entre cidadão e Estado, às quais estavam confinados pela teoria liberal clássica. Reconhece-se então que tais direitos limitam a autonomia dos atores privados e protegem a pessoa humana da opressão exercida pelos poderes sociais não estatais, difusamente presentes na sociedade contemporânea”. A objetividade que figura o Estado Democrático de Direito funda-se então no princípiomatriz da dignidade da pessoa humana e explicita a eficácia irradiante dos direitos fundamentais, evidenciando o poder diretivo de tais princípios quando da análise e aplicação REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 11 das normas referentes aos diversos ramos do Direito, e mais, ensaia a perspectiva da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, excussão que diz respeito à aplicação desses direitos na esfera privada e no âmbito das relações particulares. Ora, a função da dimensão objetiva não seria perturbar as liberdades individuais, mas, tão somente, proteger a dignidade da pessoa humana, em face de interesses contrastantes da coletividade. Sendo assim, como os direitos fundamentais são dotados de uma eficácia irradiante, e ainda, de um panorama de auto-aplicabilidade por força de um sistema constitucional que absorveu valores morais e políticos, nada obsta o influxo preponderante dos direitos fundamentais nas próprias relações jurídicas particulares, como defende o Ministro citado. Com a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, fica evidente que o interesse privado reside no interesse público, sendo essa mais uma ferramenta que prescinde a atuação do Estado nos negócios jurídicos. Destarte, o mundo particular deve girar tendo em vista o bem comum e a satisfação dos pilares constitucionais supremos provenientes do princípio máximo da dignidade da pessoa humana. A tendência jurídica preponderante é o desenvolvimento de uma acentuada interferência do direito constitucional em relações jurídicas disciplinadas no Código Civil, situação salientada pela Carta de 88 que é o fundamento axiológico nas estruturas particulares. O direito comum não mais se finaliza em um Código Cível hermético, ganha uma nova roupagem, sendo inequívoco o fenômeno da “constitucionalização do Direito Civil”, em que, importantes institutos do âmbito privado, fincam suas estruturas mestras na Lex Fundamentalis. Porquanto, os direitos fundamentais, primordialmente, tinham como escopo proteger o indivíduo do Estado, hodiernamente, objetivam a proteção contra outros particulares e, além disso, impulsionaram o surgimento de um Estado prestativo diante das necessidades do indivíduo. Esses direitos, apesar das mudanças e transformações históricas, conseguem resguardar sua força motriz, seu intratexto: a dignidade da pessoa humana. É importante ressaltar que, o tolhimento de certa autonomia, caráter regente das relações jurídicas particulares, não transforma tais relações, em vínculos puramente públicos. O direito de família, o direito do consumidor, dentre outros, continuam a ter características de REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 12 coordenação entre seus particulares, são ainda relações jurídicas privadas, pois, o que acontece não é a perda de sua natureza estritamente civil, contudo, tão somente, uma consonância indispensável com o arcabouço principiológico constitucional. Os fundamentos constitucionais elevam o âmbito cível para a consecução do Estado Democrático de Direito e desvalorizam o individualismo perante o interesse coletivo. Com tantas transformações sociais ocorridas, principalmente, no final do Século XX, e refletidas na positivação de uma Constituição imbuída de novos valores sociais, políticos e morais, fez-se importante uma restauração do Direito Civil, o que se espelha no fenômeno de Constitucionalização da esfera privada, uma manifestação que detém, como aspecto primordial, a aplicação direta dos direitos fundamentais. O Código de Beviláqua foi reformulado, mas mesmo trazendo em suas disposições alterações significantes e compatíveis com valores éticos e sociais revelados pela experiência legislativa e jurisprudencial, necessitou e, necessita de uma interpretação e aplicação voltada para os ditames axiológicos constitucionais, suas cláusulas gerais muitas vezes são insuficientes. Com diversas alterações na ordem social, por face de uma globalização que tende a criar pólos econômicos fortes e fracos, as relações particulares se desequilibram o que incita a violação dos direitos fundamentais. Nessa conjectura o Estado Social Democrático não pode ficar inerte diante da insuficiência de um Código Civil rígido e hermético, que se baseia na autonomia privada e na livre-iniciativa; faz-se imprescindível a defesa do princípio da dignidade da pessoa humana, quando o excesso de poder de um dos particulares viola a dignidade do outro. No entanto, como alude Paulo Lôbo (2008), o processo de constitucionalização do direito civil enfrenta certa resistência proporcionada pelas correntes civilistas mais tradicionais, uma característica mais presente em países como Itália e Alemanha. Essa visão obsoleta, não é a favor da interlocução do Direito Constitucional com o Direito Civil, e defende um afastamento contínuo desses ramos jurídicos. A não aceitação desse processo reside no temor de um sistema privado-normativo banalizado e sem importância própria, por estar intimamente vinculado ao Direito Constitucional. Para estes civilistas, as matérias que dizem REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 13 respeito ao âmbito privado, para terem força jurídica, devem ser próprias, e somente suscetíveis de tratamento constitucional quando de maneira excepcional e supletiva. Tal posicionamento inverte a ordem de uma hermenêutica digna, pois esquece que a viga basilar de qualquer ordenamento é o seu arcabouço principiológico, com fundamentos que informam e conformam a lei, ou seja, uma Lei Máxima. Eles criam certa hierarquia para a análise de conflitos jurídicos particulares: primeiro a lei, depois os costumes e por último os princípios, com base no Art. 4 º da LICC. O ilustríssimo mestre, Gustavo Tepedino (2000) sustenta que há um equívoco nessa concepção, ainda hoje difusamente adotada, pois relega a norma constitucional a elemento de integração subsidiária, aplicável apenas na ausência de norma ordinária específica e após terem sido frustradas as tentativas, pelo intérprete, de fazer uso de analogia e de regra consuetudinária. Para ele, trata-se de uma verdadeira subversão hermenêutica. O jurista italiano Natalino Irti, foi um dos civilistas conservadores que se decepcionou com a instabilidade político-constitucional, após defender a descodificação (o surgimento de múltiplos sistemas civis). Em sua visão, o Código Civil consegue passar mais estabilidade, pois as leis especiais mostram-se efêmeras e pobres. Esse posicionamento posterior de Irti, avesso a uma situação civil descentralizada, contudo, não se refletiu no Brasil, quando, paralelamente a uma descodificação do Direito Civil, um novo código foi promulgado, diferentemente do que se passou na Itália. Segundo Paulo Lôbo (2008), o Código Civil do Brasil foi perdendo sua característica de centro fundamental do âmbito do direito privado, em virtude do surgimento de leis específicas formadoras de microssistemas autônomos, como o direito do consumidor, o direito de família, o direito da criança e do adolescente, que passaram a dialogar mais profundamente com a Constituição, o novo centro do sistema jurídico privado. Nesse diapasão, Barroso (2008) afirma que: “a fase atual é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como o filtro pelo qual se deve ler o direito em geral. É nesse ambiente que se dá a virada axiológica do direito civil, tanto pela vinda de normas de direito civil para a Constituição como, sobretudo, pela ida da REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 14 Constituição para a interpretação do direito civil, impondo um novo conjunto de valores e princípios, que incluem: (i) a função social da propriedade e contrato; (ii) a proteção do consumidor, com o reconhecimento de sua vulnerabilidade; (iii) a igualdade entre os cônjuges; (iv) a igualdade entre os filhos; (v) a boa-fé objetiva; (vi) o equilíbrio contratual.” Porquanto, os princípios constitucionais ganharam força normativa e ficou definida a supremacia material-axiológica da Constituição de 88 nas relações privadas. A necessidade de uma hermenêutica complexa entre o Código Civil e a Lex fundamentalis, pode ser entendida quando Canotilho, juntamente com Vital Moreira, corroboram: “A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo”. Logo, o Direito Civil não pode fugir da interpretação e da aplicabilidade constitucional, sendo insuperável o poder do Estado para agir em face do interesse coletivo e da garantia do espaço público de afirmação da dignidade da pessoa humana. Na lição de Barroso (2008), “os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional”. Diante dessa perspectiva, em conformidade com o douto jurista, ocorreu a transformação axiológica do direito civil: normas civilistas são incorporadas na Constituição Federal de 88, bem como a própria é utilizada na interpretação civilista do direito, o que estabelece um novo arcabouço de valores e princípios. Dentre eles destacam-se a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual, a função social da propriedade e do contrato,e a proteção do consumidor. É através dessa transformação que o princípio da dignidade da pessoa humana se impõe como gerador de limites e de atuações positivas para o Estado. A nova roupagem do direito civil enseja, veemente, a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas. Paulo Lôbo, em seu trabalho apresentado no Congresso Internacional de Direito Civil do Rio de Janeiro em 2006, realizou uma brilhante discussão acerca do tema, colocando em voga a importância da constitucionalização do Direito Civil brasileiro. Em sua visão, pelo REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 15 fato de o sistema jurídico brasileiro ter-se fundado na valorização da legalidade restrita romano-germânica, houve um privilégio para a conduta hermenêutica simplificada da subsunção dos fatos à hipótese normativa, na estrutura formal ou deôntica rígida. Como os princípios são rebeldes a essa subsunção, ficaram relegados à função supletiva e de reforço teórico, o que contribuiu para o distanciamento do Direito Civil das normas constitucionais. Ainda segundo o ilustre doutor, o Código Civil de 1916 possuía uma postura de repulsão aos princípios como fonte normativa, refletindo o individualismo e liberalismo jurídico que bloqueavam a consciência ética e moral dos juristas mesmo para a boa-fé objetiva e a equidade. O legislador do Código de Beviláqua afastava os princípios pelo temor à intervenção qualitativa do Poder Judiciário na resolução dos conflitos entre os privados, inclusive a revisão judicial dos negócios jurídicos, consequentemente do Estado, o que era inadmissível no Estado liberal. Havia uma atitude resistente às mudanças sociais, que contaminava os civilistas e, por derivação, a jurisprudência. Não houve alteração, mesmo quando partes importantes do direito privado foram subtraídas do Código Civil para serem disciplinadas por legislações especiais, mais dinâmicas e com forte natureza principiológica. Em plano mais avançado, os microssistemas jurídicos são caracterizados, exatamente, pela franca opção pelos princípios. O renomado jurista expõe ainda que o Código Civil de 2002, em uma postura diferente, rendeu-se aos princípios, compatibilizando-se ao paradigma do Estado Social. Isso ficou reconhecido, verbi gratia, pelo artigo 421 do Código, que imprimiu ao contrato a função social e não apenas a função de auto regulação de interesses individuais, significando profundo redirecionamento da aplicação do direito civil. Logo a liberdade contratual é, sim, garantida, mas condicionada à realização da função social, um dos meios de concretização da justiça que deve permear toda atividade econômica, de acordo com o artigo 170 da Constituição Federal. Na mesma linearidade, Gustavo Tepedino (2000) se manifesta a respeito do tema e alude: “No caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora não seja simples, parece facilitada pela compreensão, mais e mais difusa, do papel dos princípios REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 16 constitucionais nas relações de direito privado, sendo certo que doutrina e jurisprudência tem reconhecido o caráter normativo de princípios como o da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, aos quais se tem assegurado eficácia imediata nas relações de direito civil. Consolida-se o entendimento de que a reunificação do sistema, em termos interpretativos, só pode ser compreendida com a atribuição de papel proeminente e central da Constituição”. Corrobora-se assim a relevância da interpretação do Código Civil, ensejada pela Constituição Democrática de 88. Com a utilização dos princípios como fonte normativa do Código Civil, os argumentos contrários dos civilistas tradicionais foram realimentados. Havia um imenso receio do “ativismo judicial” dos magistrados e um temor quanto ao risco da quebra dos contratos. Esses receios e riscos, segundo Paulo Lôbo, são injustificáveis, pois os juízes brasileiros estão lidando razoavelmente com os modelos abertos da interpretação, que incluem não apenas os princípios, mas as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados. Ora, a ductilidade dos princípios permite alcançar com mais eficiência a adaptação às mudanças sociais. O que se deve visar, com o influxo dos princípios no âmbito das relações privadas, é a quebra do discurso pelo cumprimento dos contratos, que impede a revisão judicial e mascara os interesses dos poderes econômicos que se valem das condições gerais dos contratos de adesão para impor o que mais lhe for conveniente em detrimento de partes juridicamente vulneráveis. Logo, a autonomia da vontade, trilha um direcionamento norteado pelas partes privilegiadas que compõem o contrato, o que desequilibra os negócios jurídicos particulares, e claro, tende a ferir a dignidade humana, por atingir a esfera jurídica do hipossuficiente. O douto jurista continua uma linearidade expositiva acerca do Direito Civil-constitucional e preleciona que, com a disseminação dos princípios jurídicos, notadamente os de natureza constitucional, uma importante discussão agitou a doutrina estrangeira, acerca de sua aplicabilidade imediata, com repercussões no Brasil. Na Alemanha, surgiram as primeiras indagações sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, se estes seriam oponíveis por um particular diretamente a outro particular. Várias correntes se formaram: REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 17 uma primeira defendia que não seria possível estender a eficácia dos direitos fundamentais a terceiros particulares; outra tratava que seria possível com a eficácia imediata, mas devendo a pretensão ser deduzida contra o Estado, em virtude dos deveres de proteção dos direitos fundamentais do particular em face da violação por outro particular; a última defendia a possibilidade de pretensão de um particular contra outro, de modo direto e imediato, sem a mediação do Estado. No Brasil, prevalece a aplicabilidade imediata dos princípios mesmo em relação jurídica de coordenação, o que é garantido por norma expressa constitucional de acordo com o artigo 5º, §1º: “As norma definidoras de direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”. Como não houve qualquer restrição feita pela Constituição, aufere-se que a aplicação imediata dos direitos fundamentais pode ser imputada de particular contra particular, sem a interposição do Estado. Esse é o caminho seguido pela doutrina brasileira do Direito CivilConstitucional, em extrema consonância com o interesse mor do Estado Democrático de Direito. De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet (2006) :”Se, portanto, todas as normas constitucionais sempre são dotadas de um mínimo de eficácia, no caso dos direitos fundamentais, à luz do significado outorgado ao art.5°, §1°, de nossa Lei Fundamental, pode afirmar-se que aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficácia possível, outorgando-lhes, neste sentido, efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, já que não há como desconsiderar a circunstância de que a presunção da aplicabilidade imediata e plena eficácia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui, em verdade, um dos esteios de sua fundamentalidade formal no âmbito da Constituição.” Como o douto jurista Paulo Lôbo (2008) já havia exposto, paralelamente ao cenário de desenvoltura do Direito Civil-constitucional, se desenvolve uma corrente teórica chamada de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, uma das mais influentes facetas da constitucionalização do direito privado. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais tem REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 18 sua origem na Alemanha, sob a denominação de Drittwirkung, em meados do século passado, de acordo com Barroso (2006). Com o passar do tempo, ficou perceptível que o Estado não era o único vilão aos direitos dos indivíduos, mas também, os particulares poderiam causar, eventualmente, ameaças a tais direitos. Ingo Sarlet (2006) explica que: “(...) os direitos fundamentais alcançavam sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, no Estado social de Direito, não apenas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas também a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra os poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçadas”. Hodiernamente, é translúcido que os grupos privados são detentores de poderes ideológicos, econômicos e políticos. Daniel Sarmento (2006), analisando essa perspectiva social ensina que: “(…) Numa sociedade desigual como a brasileira, com baixo nível de mobilização política, onde o Estado sempre esteve privatizado, eis que instrumentalizado em prol dos interesses privados das elites, o processo descrito encerra graves riscos. Teme-se que o Estado se torne flexível para alguns, mas que continue muito duro com os outros; que a administração seja consensual para os que têm algum poder, mas imperativa e fria para os que não têm poder nenhum”. Nesse mesmo diapasão de desenvolvimento da sociedade, Sarlet (2006) enfatiza que:“Os direitos fundamentais exprimem determinados valores que o Estado não apenas deve respeitar, mas também promover e proteger, valores esses que, de outra parte, alcançam uma irradiação por todo o ordenamento jurídico – público e privado – razão pela qual de há muito os direitos fundamentais deixaram de poder ser conceituados como sendo direitos subjetivos públicos, isto é, direitos oponíveis pelos seus titulares (particulares) apenas em relação ao Estado”. O ilustre jurista ainda expõe que: “Os direitos fundamentais são concebidos como princípios supremos do ordenamento jurídico, não só na relação do indivíduo com o poder público, REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 19 atuando em forma imperativa. Afetam, também, a relação recíproca dos atores jurídicos particulares e limitam sua autonomia privada, regendo-se, então, como normas de defesa da liberdade e, ao mesmo tempo, como mandados de atualização e deveres de proteção para o Estado.” Teorias foram desenvolvidas para tentar explicar o funcionamento dos direitos fundamentais nas relações privadas.Valendo-se dos ensinamentos de Ingo Sarlet (2006) é sabido que, primeiramente, destaca-se a teoria da eficácia direta ou imediata.Para os seguidores dessa teoria, os direitos fundamentais detêm uma perspectiva de direitos subjetivos constitucionais, e vinculam diretamente os particulares em suas relações jurídicas privadas, mesmo condicionando e restringindo o exercício da autonomia da vontade. Para essa corrente, não há necessidade de mediação estatal, tanto legislativa, como judicial, para que as pretensões constitucionais possam ter aplicação nas relações jurídicas travadas entre os particulares. Nas palavras de Sarlet (2006), essa teoria preleciona que: “Uma vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais encontra respaldo no argumento de acordo com o qual, em virtude de os direitos fundamentais constituírem normas de valor válidas para toda a ordem jurídica (princípio da unidade da ordem jurídica) e da força normativa da Constituição, não se pode aceitar que o direito privado venha a formar uma espécie de gueto à margem da ordem constitucional.” Essa corrente, liderada por Nipperdey e Leisner sofreu inúmeras críticas, principalmente porque a norma contida no § 1º do Art. 5º da CF, não vincula expressamente os particulares à aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Destarte, não ficou positivado os destinatários das obrigações decorrentes de tal norma constitucional fundamental, como encontra-se explícito na constituição lusitana. A outra teoria é conhecida por eficácia indireta ou mediata, e tem como paradigma as formulações do publicista Dürig, como expõe Sarlet (2006), este ainda assevera que, para esse posicionamento:” os direitos fundamentais- precipuamente os direitos de defesa contra o Estado- apenas poderiam ser aplicados no âmbito das relações entre particulares após um REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 20 processo de transmutação, caracterizado pela aplicação, interpretação e integração das cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado à luz dos direitos fundamentais, falando-se, nesse sentido, de uma recepção dos direitos fundamentais pelo direito privado.” Essa corrente ganhou destaque quando foi adotada no caso Luth. A decisão tomada pelo Tribunal Constitucional Alemão teve grande importância, uma vez que os direitos fundamentais começaram a ser aplicados no âmbito do direito privado. Jane Reis, valendo-se do pensamento de Alexy, alude que:” a teoria da eficácia mediata afirma que a dimensão objetiva e valorativa dos direitos não acarreta sua incidência direta nas relações privadas, mas apenas implica a necessidade de que sejam levados em conta pelo Estado na criação legislativa ou na interpretação do direito privado”. Os mediatistas acreditam que a eficácia direta no âmbito das relações entre particulares acabaria por gerar uma estatização do direito privado e um virtual esvaziamento da autonomia privada. Portanto, nessa perspectiva, a aplicabilidade dos direitos fundamentais deve ser atenuada. Por fim, há também que se destacar a Teoria da Negação, ou State Action. Nas palavras de Jane Reis(2006) : “Nos Estados Unidos, a jurisprudência se mantém presa à concepção liberal de que os direitos individuais são oponíveis apenas ao Estado, sendo infesa à ideia de aplicação das liberdades constitucionais no âmbito das relações privadas.(...) Como regra, a jurisprudência norte-americana só admite a invocação dos preceitos constitucionais concernentes a direitos e liberdades constitucionais nos casos em que se identifique uma ação estatal ( state action). Assim, em princípio, um particular não deve obediência à cláusula constitucional do “equal protection” , podendo, por exemplo, praticar discriminações raciais no âmbito de sua vida privada.” Para essa corrente, de berço norte-americano, os direitos fundamentais só deveriam ser aplicados naquelas relações em que o Poder Público estava presente. Ou seja, apenas haveria violação a tais pretensões por meio de uma ação estatal. Este posicionamento possibilita uma maior prevalência da autonomia privada; e os seus adeptos, somente aceitam a REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 21 vinculação direta dos particulares quando estes estão exercendo atividades públicas, o que mostra certa dilação do conceito de “poder público”. Diante das teorias expostas acima que tentam explicar a aplicação dos direitos fundamentais nas relações jurídicas estabelecidas entre particulares e os seus efeitos; Sarlet (2006) preleciona que “(...) também na esfera privada ocorrem situações de desigualdades geradas pelo exercício de um maior ou menor poder social, razão pela qual não podem ser toleradas discriminações ou agressões à liberdade individual que atentem contra o conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais, zelando-se, de qualquer modo, pelo equilíbrio entre estes valores e os princípios da autonomia privada e da liberdade negocial e geral, que, por sua vez, não podem ser completamente destruídos”. O ilustre jurista alude nesse diapasão: “Ainda neste contexto, sustentou-se, acertadamente, que em qualquer caso e independentemente do modo pelo qual se dá a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais (isto é, se de forma imediata ou mediata), se verifica, entre as normas constitucionais e o direito privado, não o estabelecimento de um abismo, mas uma relação pautada por um contínuo fluir, de tal sorte que, ao aplicar-se uma norma de direito privado, também se está a aplicar a própria Constituição”. 3. METODOLOGIA Com o objetivo de analisar o efeito da observância do fundamento principiológico da dignidade da pessoa humana dentro das relações jurídicas privadas, em detrimento de uma ciência civilista hermética, os métodos científicos utilizados no presente trabalho baseiam-se em uma pesquisa aprofundada e criteriosa acerca do tema, mediante livros, posicionamentos doutrinários, legislações constitucional e infraconstitucional, bem como na investigação de situações cotidianas refletidas em aparatos jurisprudenciais que guardam compatibilidade com o escopo do referido texto. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO É importante salutar que, para a consecução dos resultados, foi de extrema importância a mescla de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, tendo por base a investigação em textos discursivos, e em decisões brilhantes de tribunais brasileiros. REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 22 No final do século XIX, o jurista e filósofo Georg Jellinek desenvolveu a Teoria dos 4 status do indivíduo perante o Estado, uma sistematização clássica como maneira de explicitar a atuação dos direitos e garantias fundamentais. Têm o indivíduo status passivo (status subjectioni ) através do qual subordina-se perante o Estado sendo detentor de deveres, ativo (status activus civitates ) para influenciar na formação da vontade do Estado, negativo ( status libertatis ) em que vale-se da sua esfera de liberdade diante do Poder Público, e positivo ( status civitates ) possuindo o direito de exigir que o Estado atue positivamente em seu favor. Reside nessa positividade emanante do indivíduo em presença do Estado, uma progressão proporcional com a Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, porquanto esta defende uma postura Estatal interferente nas relações puramente privadas, a todos os momentos –ou na maioria deles- da contrariedade do princípio-matriz da dignidade da pessoa humana, tendo por fundamento a dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Na esfera civil, alguns doutrinadores defendem com veemência o princípio da autonomia da vontade nos contratos, recusando a aplicação dos direitos nessas relações jurídicas por considerarem que o Estado estaria exercendo, de certa maneira, um dirigismo contratual, fragilizando a autonomia privada, que já estaria limitada pelas cláusulas gerais que defendem a boa-fé objetiva e a função social do contrato encontrados nos Artigos 420 e 421 do Código Civil. No entanto, a maioria dos civilistas brasileiros opta pela eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou drittwirkung, na perspectiva de uma hermenêutica constitucional complexa. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais teve como berço a Alemanha, devido a uma decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão, que ficou conhecido como o caso Lüth, em 1958. O caso diz respeito ao presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Erich Lüth, que estimulava protestos e boicotes contra o filme, Amada Imortal, dirigido por Veit Harlan, pois esta cineasta já havia pertencido ao regime nazista e era adepta da ideologia da supremacia racial ariana.O filme tinha cunho notoriamente anti-semita. A partir de uma decisão de primeira instância proferida pelo Tribunal de Justiça de Hamburgo, foi ordenado que Lüth e os demais suspendessem tais condutas, uma vez que violava o §826 do BGB (Código Civil alemão): "Quem, de forma atentatória aos bons costumes, infligir dano a REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 23 outrem, está obrigado a reparar os danos causados". Luth ingressou com um recurso fundado no princípio da liberdade de expressão, alegando que a interpretação das cláusulas gerais de direito civil não podem ser interpretadas em descompasso com os valores constitucionalmente protegidos, valendo-se com tal brilhante defesa, da aplicabilidade direta dos direitos fundamentais, o que ficou conhecido como Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e que foi acolhida pelo Tribunal Constitucional Alemão. Entendeu a Corte que o Tribunal Estadual desconsiderou o significado do direito fundamental de Luth (liberdade de expressão e informação) no âmbito das relações jurídico-privadas, no momento em que ele se contrapôs a interesses de outros particulares. Esse caso foi um marco para o processo de constitucionalização do direito, o que também pontua a superação da rigidez da dualidade público-privado. No Brasil, a aplicabilidade imediata dos princípios e dos direitos fundamentais nas relações privadas é uma experiência bem sucedida na jurisprudência dos tribunais . O leading case sobre o assunto é o caso de um membro da União Brasileira de Compositores, vinculado ao ECAD, excluído sem direito ao contraditório e a ampla defesa. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reintegrou o associado e, em ato posterior, o STF negou provimento ao recurso extraordinário interposto contra esse acórdão do Tribunal, por entender que os direitos fundamentais devem ser aplicados diretamente, obrigando a observância de princípios fundamentais básicos, como o direito ao contraditório e a ampla defesa. Ou seja, o estatuto social e a legislação civil perderam repercussão em face da Constituição. O RE 201819-RJ é referência jurisprudencial quando direitos fundamentais sofrem tolhimento. Sua ementa consiste: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 24 não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. Constituição II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações fundamentais.Constituição III. SOCIEDADE privadas, em tema de liberdades CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 25 qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). Direitos autorais 5º LIVLV CF/88 IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (201819 RJ, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 10/10/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577). Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e negou provimento ao recurso extraordinário. Foram vencidos a Senhora Ministra-Relatora e o Senhor Ministro Carlos Velloso, que lhe davam provimento. O acórdão foi redigido pelo eminente Ministro Gilmar Mendes. São inúmeras as decisões optantes pela aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais por intermédio da Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. Através de uma pesquisa aprofundada acerca do tema, algumas jurisprudências se encaixam ao escopo do presente artigo. Tais decisões serão expostas a título de enriquecimento e fundamentação do assunto. 1) APELAÇÃO CÍVEL - TRATAMENTO MÉDICO COM REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO COMPLEXO - CÂNCER NO RIM - PLANO DE SAÚDE CASSEMS - PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA - APLICAÇÃO DO CDC - COBERTURA CONTRATUALMENTE AJUSTADA - OBRIGATORIEDADE DE DISPONIBILIZAÇÃO E CUSTEAMENTO DIREITO À SAÚDE - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - AÇÃO PROCEDENTE SENTENÇA CONFIRMADA - RECURSO NÃO PROVIDO.CDC REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 26 Incidem as normas do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de plano de saúde, ainda que referidas operadoras não tenha fins lucrativos, como é o caso da Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato Grosso do Sul (Cassems). A dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, encontra sua expressão máxima no direito à vida, consagrado no caput do art. 5º da CF, que se irradia, consequentemente, a vários outros dispositivos constitucionais, e é de observância obrigatória não só na relação entre cidadãos e Poder Público, mas também entre particulares, o que caracteriza a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais. (16332 MS 2012.016332-3, Relator: Des. Marco André Nogueira Hanson, Data de Julgamento: 26/06/2012, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04/07/2012) 2) DIREITO CIVIL. ASSOCIAÇÃO DE MAÇONS. EDIÇÃO DE ATO PUNITIVO EM INOBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE, DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INVALIDADE DO ATO. DIVULGAÇÃO DE PUNIÇÃO PERANTE A COMUNIDADE MAÇÔNICA. DANO MORAL CONFIGURADO. I. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS TÊM EFICÁCIA HORIZONTAL, OU SEJA, IMPÕEM-SE, TAMBÉM, AOS PARTICULARES, OS QUAIS, NO TRATO DA VIDA CIVIL, DEVEM OBSERVAR REGRAS MÍNIMAS DE RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. II. VERIFICADO QUE O RECORRENTE FOI POSTERIORMENTE PUNIDO COM FUNDAMENTO EM REGRA CRIADA À SUPOSTA INFRAÇÃO COMETIDA, IMPERIOSO RECONHECER-SE A INVALIDADE DO ATO QUE FORMALIZOU A SUA PUNIÇÃO, MORMENTE QUANDO SUA APLICAÇÃO SE DEU SEM OBSERVÂNCIA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, SUBTRAINDO-SE O DIREITO DE AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO DO RECORRENTE.III. CONFIGURA DANO MORAL A APLICAÇÃO E DIVULGAÇÃO DA PENALIDADE APLICADA AO RECORRENTE, CONSIDERADO INJUSTAMENTE COMO "PESSOA INDESEJÁVEL" PERANTE A COMUNIDADE MAÇÔNICA. REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 27 O relator alude em seu digníssimo voto: “É cediço que o surgimento da ideia de direitos fundamentais da pessoa humana surgiu em um contexto político de garantias mínimas do cidadão frente ao poderio estatal. Contudo, com a evolução da hermenêutica constitucional, a doutrina e jurisprudência pátrias atentaram para a importância da observância desses mesmos direitos nas relações particulares: trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Na nova compreensão interpretativa dos direitos fundamentais, portanto, impõe-se, não somente, que o Estado respeite as prerrogativas conferidas aos cidadãos, mas que os próprios particulares observem regras jurídicas mínimas para respeitar, em última instância, a dignidade da pessoa humana. É certo, outrossim, que o fato de a recorrida ter criado regras específicas para a sua associação não a exime de respeitar a legislação pátria”. (20060710239707 DF , Relator: HECTOR VALVERDE SANTANA, Data de Julgamento: 14/08/2007, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 05/09/2007 Pág. : 128) 3) DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CAUTELAR DE CAUÇÃO C/C PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE HIPOTECA E SUSTAÇÃO DE PROTESTO - BEM DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA CUJO VALOR EXCEDE O DA DÍVIDA - SUBSTITUIÇÃO POR COISAS MÓVEIS FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS - BOA-FÉ OBJETIVA - EQUILÍBRIO MATERIAL ENTRE AS PRESTAÇÕES - RELATIVIZAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA - EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.I - No Brasil, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (§ 1º, do art. 5º, da CF/88). Essa norma destina-se tanto ao poder público (legislador, órgãos administrativos, juízes e tribunais), quanto aos cidadãos, que, no âmbito de regulamentação de sua autonomia privada, devem igualmente respeito às posições jurídicas emanadas da Constituição. Trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.§ 1º5ºCF/88Constituição II - Com o Código Civil de 2002, o princípio da autonomia privada, REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 28 representado pelo brocardo pacta sunt servanda, tem sido cada vez mais relativizado, cedendo espaço aos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade em sentido amplo, que têm assentado as bases do que se convencionou chamar de Direito Civil Constitucional.Código Civil. III - Pelo princípio do equilíbrio material entre as prestações, previsto no novo Código Civil, preserva-se a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, sendo que comete ato ilícito, violando o dever de lealdade, o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e pela boa-fé.novo Código Civil. IV - O princípio da retroatividade justificada permite a intervenção do Judiciário no conteúdo material do contrato, para, objetivando salvaguardar os preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos pelo Código Civil para assegurar a função social do contrato, decretar a sua nulidade, mesmo quando preenchidas as exigências de validade do negócio jurídico, constantes do art. 104, do CC/02, bem como não haja qualquer defeito ou outra circunstância aparente que gere a sua invalidade .(parágrafo único, do art. 2.035, do CC/02)Código Civil104CC/02V - Não obstante seja válida a dívida, que é a obrigação principal, nula é a cláusula acessória de garantia hipotecária que impõe onerosidade excessiva ao devedor quando este possui bens suficientes para garantir essa dívida, porque tal disposição fere os princípios do equilíbrio material entre as prestações e da boa-fé objetiva, desvirtuando, em consequência, a função social do contrato.VI - Apelação conhecida e improvida. Unânime. (249952006 MA , Relator: ANILDES DE JESUS BERNARDES CHAVES CRUZ, Data de Julgamento: 06/05/2008, CAXIAS) 4) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. INTELIGÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CR, ART. 14, DO CDC E SÚMULA 341 DO STF. TUTELA ANTECIPADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. PENSÃO DEFERIDA COMO INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO NÃO SE CONFUNDE COM PENSÃO ALIMENTÍCIA DECORRENTE DE VÍNCULOS FAMILIARES. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 29 PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, INC III). EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RECURSO CONHECIDO, PORÉM IMPROVIDO À UNANIMIDADE.37§ 6ºCR14CDC273CPCCF1ºIII O relator assevera em seu relatório :” (...) De outro lado, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação encontra-se estampado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inc. III), além da dependência econômica dos filhos em relação à mãe falecida, que é presumida. Vale lembrar que, no caso em apreço, aplica-se a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a aplicação nas relações entre particulares. Revela-se, nesse cotejo, farta a jurisprudência acerca da incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Nesse sentido, o STF, em julgamento do Recurso Extraordinário nº 201.819/RJ, relatado pelo Min. Gilmar Mendes, pela Segunda Turma (...). É mister, pois, manter-se o pensionamento mensal deferido no Juízo de origem, em razão de se tratar de medida prudente que atende ao princípio da dignidade humana, visto que é razoável que sejam mantidas as condições mínimas de subsistência dos filhos que restaram desamparados, também, afetivamente, com a perda de sua mãe (...)”. (200930044372 PA 2009300-44372, Relator: CLAUDIO AUGUSTO MONTALVAO DAS NEVES, Data de Julgamento: 09/11/2009, Data de Publicação: 11/11/2009). 5) DISPENSA ARBITRÁRIA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAIS. ISONOMIA. FUNÇÃO EFICÁCIA SOCIAL DA HORIZONTAL EMPRESA. DOS DIREITOS DISCRIMINAÇÃO PRESUMIDA. DANO MORAL DEVIDO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO C. TST. Em que pese não haver, relativamente aos portadores do vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, norma garantidora de estabilidade no emprego, o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro consagra uma gama de princípios garantidores de direitos fundamentais, dos quais destacam-se, enquanto corolários dos demais, o fundamento da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, cuja a força normativa horizontal REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 30 obriga a empresa, que também possui função social. Assim, ao se deparar com empregado soropositivo, a empresa assume múnus público de manter-lhe o vínculo empregatício, cujo valor social garante-lhe a dignidade humana, sob pena de discriminação presumida, à exceção de justa causa. Recurso ordinário conhecido e improvido. (36003520085070032 CE 0003600-3520085070032, Relator: JOSÉ ANTONIO PARENTE DA SILVA, Data de Julgamento: 29/11/2010, TURMA 1, Data de Publicação: 07/12/2010 DEJT) 6) DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. TERAPIA CONSIDERADA EXPERIMENTAL PELO PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA (DIREITO FUNDAMENTAL). SEGURADO PORTADOR DE DMRI - DOENÇA MACULAR RELACIONADA À IDADE, CUJO TRATAMENTO INDICADO CONSISTE EM TERAPIA FOTODINÂMICA COM APLICAÇÃO DA SUBSTÂNCIA VERTEPORFINA. NEGATIVA DE ASSISTÊNCIA SOB A ALEGAÇÃO DE QUE A TERAPIA INDICADA E O MEDICAMENTO VISUDYNE POSSUEM CARÁTER EXPERIMENTAL E NÃO TÊM PREVISÃO DE COBERTURA. NA PONDERAÇÃO ENTRE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, NA SUA EXPRESSÃO DIREITO À VIDA, E DO RISCO SECURITÁRIO, CONSUBSTANCIADO NA COBERTURA DE TRATAMENTO TIDO POR EXPERIMENTAL, DEVE PREVALECER A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, MORMENTE PORQUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, EM SEU ART. 1º, III, ERIGIU-A A FUNDAMENTO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. MAIS A MAIS, ANDOU MUITO BEM O MAGISTRADO A QUO AO RESSALTAR QUE AS RELAÇÕES JURÍDICAS HAVIDAS ENTRE PARTICULARES SUJEITAM-SE À EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. NESSE SENTIDO, INCLUSIVE, PRECIOSA LIÇÃO DE ANTONIO E. PEREZ LUÑO, IN LOS DERECHOS FUNDAMENTALES, 8ª EDICIÓN, REIMPRESIÓN 2005 - MADRID: EDITORIAL TECNOS, 2005, P. 22: EN SU DIMENSIÓN SUBJETIVA, LOS DERECHOS FUNDAMENTALES DETERMINAN EL ESTATUTO JURÍDICO DE LOS CIUDADANOS, LO MISMO EM SUS RELACIONES CON EL ESTADO QUE EN SUS REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 31 RELACIONES ENTRE SI. TALES DERECHOS TIENDEN, POR TANTO, A TUTELAR LA LIBERTAD, AUTONOMÍA Y SEGURIDAD DE LA PERSONA NO SOLO FRENTE AL PODER, SINO TAMBIÉN FRENTE A LOS DEMÁS MIEMBROS DEL CUERPO SOCIAL.CONSTITUIÇÃO FEDERAL1ºIII Em seu voto, profere o digníssimo relator: ”Este Relator já teve oportunidade de decidir que, entre a defesa da vida - e da própria dignidade humana - e o interesse econômico da prestadora de serviços de plano de saúde, o Direito ampara o primeiro bem jurídico que se encontraria, caso contrário, sob sério risco de dano irreparável e irreversível (AGI n. 2002.00.2.005306-8).” (231342520078070007 DF 0023134-25.2007.807.0007, Relator: WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, Data de Julgamento: 04/02/2009, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 02/03/2009, DJ-e Pág. 87). Tais exposições jurisprudenciais só evidenciam o que o presente trabalho discorre: a tendência de constitucionalização do Direito Civil, que se vale da ferramenta da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. 5. CONCLUSÕES A sociedade é organizada e disciplinada por intermédio do direito, em um panorama jurídico existente para alimentar uma ordem social. Essa ordem social condiz ao alcance do escopo primordial do aparato jurídico: a justiça. Diante de tantas transformações sociais, o direito não pode ficar estanque, inerte, contudo deve acompanhar o ritmo da sociedade, força viva que influi efetivamente para a construção do fundamento máximo do ordenamento jurídico, a Constituição Federal. Assim, a Carta Magna democrática foi erigida sobre as necessidades de seus cidadãos, e absorveu de fato os valores que a sociedade conseguiu veicular para servir de fundamento ou base social. Tais valores são os princípios, nortes supremos para a busca da justiça em qualquer ramo do direito- seja ele de natureza pública ou privada- que não podem ser ouvidados por critérios obsoletos que dividem as esferas jurídicas em compartimentos estanques. REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 32 Se levada em conta a vida cotidiana, aufere-se que as matérias jurídicas mais presentes nas relações jurídicas diárias são o Direito Constitucional e o Direito Civil. Afinal, há pessoas humanas, em virtude da característica de sujeito de direito e de deveres civis e, cidadãos diariamente, por serem tutelados pelos direitos fundamentais. Destarte, a aproximação desses dois ramos acaba sendo automática, excluindo-se o discurso tradicionalista de alguns civilistas, que acreditam no isolamento do âmbito privado, do âmbito público, por acreditarem que o Código comum, da vida civil, guarda em si próprio uma função práticooperacional, livre de qualquer outro apoio jurídico. Porquanto, com o presente trabalho, fica-se cristalino o entrelaçamento entre o Direito Civil e o Direito Constitucional, principalmente (mas não unicamente), para o resguardo da dignidade da pessoa humana em face de relações privadas abusivas. Quando da existência de um desequilíbrio na relação de coordenação entre os particulares, pode o Estado avivar para si o poder de intervir, para que a parte mais vulnerável seja preservada de condições abusivas. Esse influxo nas relações particulares, como visto, foi permitido graças à teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, que defende a oponibilidade erga omnes dos direitos fundamentais, válidos em qualquer esfera do direito material e que amplia a atuação do magistrado na busca da justiça social. Para a consecução da justiça material, os direitos fundamentais devem sim amparar as pessoas que se relacionam sob o véu da autonomia da vontade e da livre iniciativa; invadindo sempre que necessário, a esfera particular, que como ficou explícito, reside na esfera pública. A horizontalização dos direitos fundamentais independe de regulação em legislação infraconstitucional, e condiz à aplicação imediata dos direitos fundamentais, como base no princípio interpretativo constitucional da máxima efetividade dos direitos fundamentais, somado ao Art. 5 º,§ 1 º da Constituição Federal. Ora, não apenas o Estado infringe tais direitos, mas também os particulares em suas relações. Logo, com o deslocamento do núcleo do Direito Privado para a seara do constitucionalismo, concretizou-se a dimensão objetiva dos direitos fundamentais e REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 33 consagrou-se o princípio da dignidade da pessoa humana como “pedra de toque” da normatividade privada, numa perspectiva de fazer valer um Estado Democrático de Direito. Os códigos apresentam-se insuficientes, diante da exigibilidade hodierna constitucional. E nas palavras de Paulo Bonavides: “Ontem os Códigos, hoje as Constituições. A revanche da Grécia contra Roma”. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROSO, Luiz Roberto. A nova interpretação constitucional, ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. BARROSO, Luiz Roberto. A Constitucionalização do Direito e o Direito Civil. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). 1. ed. São Paulo : Atlas, 2008. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. rev. atual. São Paulo. Malheiros Editores, 2003. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução a ciência do direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). 1. ed. São Paulo : Atlas, 2008. MENDES, Gilmar Ferreira; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo, 2006. Editora Saraiva. REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br A RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ÂMBITO ISSN ELETRÔNICO 2176-9818 34 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2006. REIDESE, Aracaju, Ano II, Edição 07/2013, p.01 a 32 Fev/2013 | www.reidese.com.br