PERSPECTIVAS GERATIVAS PARA A COMPLEMENTAÇÃO
NOMINAL EM PORTUGUÊS BRASILEIRO
MOREIRA, Tiago – PUCPR
[email protected]
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho aborda a complementação nominal em PB sob um enfoque Gerativista, baseado
na Teoria dos Papéis Temáticos e na Teoria do Caso. A escolha deste tema deve-se a
disparidades encontradas entre o que a NGB (Norma Gramatical Brasileira) classifica como
“correto” e o que é praticado na norma culta atual. São buscadas respostas para algumas
questões como o porquê da presença da preposição antecedendo o complemento, sua origem e
razões para o apagamento diante de orações desenvolvidas completivas nominais. Foi
efetuado um breve levantamento em livros didáticos de língua portuguesa aprovados pelo
PNLEM/2009 (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio) e em compêndios
gramaticais utilizados para a composição da matriz gramatical de tais obras didáticas, com o
objetivo de verificar a forma como é abordado este tema. Uma pequena seleção de sentenças
provenientes de jornais e arquivos do VARPORT (Projeto Variação do Português) compôs o
corpus de análise, o qual evidencia que o padrão culto atual do PB utiliza orações completivas
nominais desenvolvidas em vários contextos sem intermediação da preposição. Esse fato,
apesar de destoar do preconizado pela NGB, é coerente com as regras internas ao português,
regras estas que são comuns às línguas naturais. Esta última evidência confirma o componente
gerativo transformacional da teoria que embasa a abordagem feita neste estudo. A relevância
deste estudo reside na contribuição que o enfoque gerativo proporciona para o modo como
fatos gramaticais são trabalhados e abordados em sala de aula, ou seja, o professor de língua
portuguesa, de posse de conhecimentos da perspectiva gerativista, pode explicar para os
alunos a lógica imanente aos usos feitos da língua.
Palavras-chave: Teoria do Caso. Papéis temáticos. Sintaxe gerativa.
Introdução
A complementação nominal normalmente é tida como um fenômeno bastante simples
de ser entendido, pois, numa visão mais simplista, basta identificar um nome “incompleto” e
verificar o que lhe completa a significação. Na escola, aprende-se que este fenômeno sintático
se dá por meio da intermediação de uma preposição, ou seja, para haver complementação
9877
nominal é necessária a existência de um nome incompleto e de uma preposição encabeçando
o respectivo complemento. Quando se consulta uma gramática tradicional do português
(Evanildo Bechara, Celso Cunha & Lindley Cyntra, Celso Pedro Luft, por exemplo) percebese que o requisito básico apontado para haver a complementação é a presença de uma
preposição.
Todavia, ao se observar alguns enunciados, produzidos contemporaneamente, é
perceptível o fato de que quando se efetua a complementação de um nome por meio de uma
oração, a preposição, na maioria dos casos, não aparece na estrutura sentencial. Por exemplo:
(1)
Eu tenho certeza que o melhor trote seria que todos os que fossem aptos
passassem por um hemocentro e fizessem doação de sangue.
(Gazeta do Povo – 25/02, p. 03)
(2)
“[...] a necessidade que ele tem para emagrecer é grande [...]”
(arquivos do VARPORT)
Será que estamos diante de uma mudança linguística? Ou há erro por parte da
abordagem feita pela Gramática Normativa?
A explicação para o fenômeno existente nas sentenças (01) e (02) deve ser buscada em
algumas teorias apresentadas pela Gramática Gerativa e aplicadas na análise de fenômenos
sintáticos da atualidade: a Teoria Temática e a Teoria do Caso (LOBATO, 1986; MIOTO,
2007).
O objetivo deste estudo é abordar uma particularidade da complementação: o uso de
preposição. Não simplesmente abordar quando ela é utilizada ou quando não, mas tentar
formular uma explicação para um fato particular: o uso da preposição em determinados
contextos e sua dispensa em outros, considerando o mesmo núcleo predicador, conforme
exemplificado abaixo:
(a) Ana gosta de Carlos
(c) Ana gosta de que Carlos use roupa clara
(b) * Ana gosta (O) Carlos
(d) Ana gosta (O) que Carlos use roupa clara
Temos o predicador gostar e ele é empregado em contextos sintáticos diferentes: em
(a) e (b) como complemento deste predicador há um SP (Sintagma Preposicional) (ou PP (do
inglês Prepositional Phase), de acordo com a Teoria Gerativa), já em (c) e (d) há uma oração
(CP (Sintagma Complementizador, do Inglês Complementizer Phrase), de acordo com a
Teoria Gerativa).
9878
É perceptível que nas duas primeiras sentenças a preposição é indispensável, ou seja,
sem a presença deste elemento a sentença torna-se agramatical (b). Já nas duas sentenças
seguintes a presença ou a ausência da preposição não constitui (ou parece não constituir)
condição para a gramaticalidade ou agramaticalidade da sentença. A presença ou a ausência
denota a formalidade da oração, ou seja, confere a ela um caráter mais ou menos formal.
A abordagem aqui proposta tem como parâmetro a Gramática Gerativa, mais
especificamente a Teoria X-barra e os questionamentos norteadores da pesquisa são: por que a
exigência de preposição entre o complemento nominal e seu respectivo nome predicador?
Qual a função desempenhada por esse elemento de ligação? Há restrições impostas pelo nome
quanto à sua complementação? Para essas questões serão buscadas explicações ao longo deste
presente estudo.
Desenvolvimento
O Gerativismo e a Teoria X-Barra
Gerativismo, corrente de estudos linguísticos proposta por Noam Chomsky, busca
determinar os elementos comuns às línguas e os princípios universais que as regem.
A teoria X-Barra é uma parte do programa Gerativista que vai estudar a estruturação
das sentenças demonstrando que elas são formadas a partir de relações lógicas e da associação
entre constituintes menores, que, quando associados, formam a estrutura maior - a sentença
Os Papéis Theta
A noção dos Papéis Temáticos (ou Papéis Theta) corresponde a uma noção semântica
relativa aos DPs que compõem a sentença. A determinação dos Papéis Temáticos relaciona-se
diretamente com a propriedade de s-seleção (seleção semântica); esta propriedade, além de ser
a responsável pela atribuição dos Papéis Temáticos, mantém relação com a seleção
argumental operada por núcleos lexicais.
Teoria do Caso
A Teoria do Caso, conforme concebida por Chomsky, remete à tradição clássica
(tradição latina). Chomsky estabelece que é atribuído Caso a DPs para que estes sejam
9879
pronunciados na estrutura sentencial. A diferença existente entre os Casos Latinos e o que
acontece no português, por exemplo, está no fato de que naquela língua o caso era
morfológico, ou seja, dependendo da função sintática desempenhada pelo vocábulo na
sentença, este tinha uma terminação específica
Tabela 1 – caso morfológico X Caso Abstrato
Tabela 2 – Atribuidores do Caso Abstrato
Relação entre a Teoria Theta e a Teoria do Caso
Contrastando-se as posições temáticas com as casuais, percebe-se que não há uma
relação biunívoca entre elas, ou seja, nem sempre uma posição casual corresponde a uma
posição temática (figura 1), todavia ambos os processos são complementares, pois
[...] para ser licenciado numa sentença, um DP tem que ter papel θ e, se for
pronunciado, tem que ter Caso [...] um DP tem que pertencer a uma cadeia marcada
por um papel θ e um Caso. A falta de qualquer dessas duas propriedades inviabiliza
a ocorrência de um DP numa sentença (MIOTO, 2007: 192)
9880
Assim é de fundamental importância reconhecer que estes dois fenômenos são bastante
importantes nas línguas naturais, e que somente por meio da atuação dessas duas teorias é que
sentenças gramaticais serão produzidas e DPs licenciados para tornarem-se gramaticais na
estrutura sentencial.
Figura 1 – Posições casuais, temáticas e argumentais
Fonte: MIOTO, 2007:183
[+A] e [-A] – posições argumentais e não-argumentais; [+θ] e [-θ] – posições temáticas e nãotemáticas e [+K] e [-K] – posições temáticas e não-temáticas
A complementação em PB
Dentro da língua portuguesa há palavras transitivas, termos cuja significação é
incompleta, ou seja, palavras que, para transmitirem uma idéia, necessitam de um
complemento (um termo, ou oração) que lhe complete a significação, a esses termos, de
significação incompleta, dá-se o nome de termo transitivo. Esta denominação é dada em
contraste às palavras intransitivas, que são aquelas que têm significação plena em si.
Em português, podem-se considerar como palavras transitivas alguns nomes e alguns
verbos, contudo, o maior enfoque quando se fala da transitividade é para os verbos, ou seja,
normalmente quando se cita a propriedade da transitividade, vem-nos à mente a categoria
gramatical dos verbos, contudo categorias nominais (como substantivos, adjetivos e
9881
advérbios) também podem exigir complementos. Perini (2006) caracteriza esse enfoque
tradicional dado à classe dos verbos:
Ainda não foi realizado, que eu saiba, um estudo detalhado da transitividade
nominal, comparável aos que existem para a transitividade verbal. (PERINI,
2006:173).
A análise tradicional não limita a transitividade aos verbos; considera-se também
que certas palavras de outras classes – substantivos, adjetivos e advérbios – podem
exigir ou recusar a presença de certos termos. (PERINI, 2006:173).
Da GT para o livro didático: um percurso com pedras no caminho
Parte dos livros didáticos de língua portuguesa, material que acompanha o estudante
em seu cotidiano escolar e serve de base para muitos docentes, parece não estar pautada na
explicação dos fenômenos linguísticos e no desenvolvimento da capacidade reflexiva dos
estudantes.
Muitos autores (para não falar a maioria) compõem a matriz gramatical de suas obras
pautados em Gramáticas Tradicionais (GT) da língua portuguesa. Há algo de errado com isso?
A resposta seria não se tais autores observassem com atenção a forma como as GTs tratam os
assuntos, observando e analisando, reflexivamente, além da caracterização e definição dos
conceitos gramaticais, também as notas de rodapé e as exceções que estas trazem. Esses
elementos, na maioria dos casos, não são considerados e o que os livros didáticos contêm é a
simplificação, a padronização de conceitos, excluindo ou ignorando os adendos que as GTs
trazem.
[...] a gramática tradicional aponta questões importantes sobre o funcionamento da
língua, acumuladas ao longo de muitos anos. No entanto, muitas dessas observações
sobre a língua não resultam numa reformulação profunda do conceito ou da regra. O
gramático prefere manter a regra intacta, e apresentar essas observações sob a forma
de comentários, notas, etc. Nos livros didáticos, [...] essas questões, [...]
comentários, observações, notas de rodapé, exceções, [...], que aparecem
secundariamente no texto da gramática tradicional, são apagadas. (DIAS, 2008:12728)
Partindo-se desse pressuposto, de que a maioria dos livros didáticos tende a praticar
certa forma de “generalização” em conceitos e definições, é premente observar como livros
didáticos tratam da complementação nominal. Para isso foram selecionados dois exemplares
9882
de livros didáticos, constantes no PNLEM/2009 (Português – Volume Único, de João
Domingues Maia e Português – Ensino Médio, de José de Nicola), e verificou-se como é feita
a exposição e explicação sobre a complementação nominal. Paralelo a isso foi efetuado um
levantamento nos compêndios gramaticais, que embasaram a composição dos livros (Nova
Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha & Lindley Cintra, e Lições de
português pela análise sintática, de Evanildo Bechara.), para verificar como a mesma questão
é tratada, exemplificada.
Análise comparativa
O fato de os livros didáticos estarem presentes na sala de aula, fazerem parte do dia-adia dos estudantes e serem o principal auxiliar dos professores na condução de aulas e de
explicações, remete ao pensamento de que as lições gramaticais ali contidas primem (ou
devessem primar) pela explicação e pela fundamentação dos conceitos no uso feito da
linguagem no cotidiano, em situações formais e coloquiais efetivas, reais. Todavia, a análise
das duas obras, aprovadas pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) e que compuseram a
lista dos livros indicados ao PNLEM/2009, não mostrou esse pressuposto.
Era esperado que a parte destinada à complementação nominal explicitasse a
possibilidade de esta função gramatical, quando sob a forma oracional, poder ser empregada
sem a regência da preposição. Contudo, apenas uma das obras consultadas suscitou a
possibilidade de haver esta alternância quanto ao uso preposicional. Embora possua este
avanço, nenhuma das obras consultadas explica o porquê de a preposição anteceder o
complemento na forma de sintagma nominal e a possibilidade de uso ou não perante uma
oração.
Em Português – Volume Único, de João Domingues Maia, a parte destinada à
abordagem e estudo da complementação nominal restringe-se a apenas citar que:
Não são apenas os verbos que podem necessitar de complemento. Um substantivo,
um adjetivo ou um advérbio também podem exigi-lo. Observe:
Tenho necessidade...
Necessidade de quê? [...]
Tenho necessidade de afeto [...]
Observe que o complemento nominal liga-se ao substantivo, ao adjetivo ou ao
advérbio por intermédio de uma preposição. (MAIA, 2008:361)
9883
Há uma simples menção à complementação, mas nenhuma explicação para tal
fenômeno é tecida ou efetuada, por exemplo, quais critérios norteiam a complementação ou
não de um nome? Como fará o aluno para identificar e separar os nomes que requerem o
complemento dos que não o fazem? Isso faz com que esse assunto ganhe uma subjetividade
exacerbada, pois, pelo que deixam tais obras transparecer, não há critérios sólidos para
identificar se um nome requer ou não a presença de um complemento.
Na caracterização das sentenças substantivas completivas nominais, novamente o
autor peca em não citar a possibilidade de estas virem sem a presença da preposição,
menciona o autor: “Subordinada substantiva completiva nominal – funciona como
complemento da oração principal: Temos necessidade de que todos compareçam” (MAIA,
2008:390)
Em momento algum cita, o autor, a possibilidade de haver orações completivas
nominais desenvolvidas nas quais não há a presença da preposição, ou seja, o livro didático
não dá conta de explicar o mecanismo subjacente ao fenômeno da complementação nominal e
nem o fato de haver sentenças que fogem à regra padrão.
Já em Português – Ensino Médio (vol. 01), de José de Nicola, a questão é tratada com
uma maior profundidade, pois além de caracterizar o complemento nominal, opondo-o ao
complemento verbal, o autor procede a uma ligeira lista de critérios, os quais auxiliam o
estudante a diferenciar o complemento nominal do adjunto adnominal. Contudo, mesmo
possuindo este diferencial, não efetua, o autor, uma explicação calcada no uso da língua, e que
valide sua exposição. Simplesmente descreve-se a função gramatical sem apontar uma relação
entre ela e o uso que o aluno encontra no dia-a-dia.
[...] alguns nomes (é o caso de alguns substantivos, adjetivos e advérbios) não
apresentam sentido completo, necessitando de complemento que, por oposição ao
complemento verbal, é chamado de complemento nominal e apresenta-se sempre
antecedido de preposição (NICOLA, V. 1, 2008:100)
Outra coisa para ser destacada é a generalização feita pela definição “[...] apresenta-se
sempre antecedido de preposição”. Essa generalização acaba por gerar uma incoerência, pois
por ocasião da caracterização da oração completiva nominal, o autor assim registra: “Oração
subordinada substantiva completiva nominal – exerce a função de complemento nominal.
Normalmente, é regida de preposição” (NICOLA, V. 3, 2008:95)
9884
O emprego do termo “normalmente” abre a possibilidade de haver orações
completivas nominais nas quais a preposição não aparece. Isso pode parecer um avanço, ou
seja, o livro didático registrar a existência da ausência de preposição quando o complemento é
oracional, todavia ao mesmo tempo em que é inovação, essa “brecha” gera incoerência, pois
se a oração exerce a função de complemento nominal e este, conforme caracterizado
anteriormente, é “[...] sempre antecedido de preposição”, como pode a oração poder ocorrer
sem esse elemento?
Seria o caso de haver uma revisão do conceito de complemento nominal,
estabelecendo uma ressalva, ou uma observação, avisando ao aluno sobre o emprego
obrigatório da preposição quando o complemento é um sintagma nominal e o emprego
facultativo quando se tem o complemento sob a forma de uma oração. Com essa observação
ter-se-ia uma obra em que o estudante encontraria respaldo e aplicabilidade para a teoria e
para o fenômeno gramatical com o qual está trabalhando.
Na obra de José de Nicola, para compor a seção referente aos tópicos gramaticais, o
autor baseou seus estudos, dentre outros livros, na Nova Gramática do Português
Contemporâneo, de Celso Cunha & Lindley Cintra. Neste compêndio gramatical, é somente
feita a caracterização do complemento nominal, e não é explicado o porquê de seu uso ou
então qual o motivo da presença da preposição: “O complemento nominal vem, como
dissemos, ligado por preposição ao substantivo, ao adjetivo ou ao advérbio cujo sentido
integra ou limita.” (CUNHA & CINTRA, 2000:135)
Convém destacar novamente a preocupação da gramática tradicional em simplesmente
descrever o fenômeno, seja ele sintático ou semântico, não observando sua explicação ou a
vinculação deste fenômeno com a realidade. A definição apresentada por Cunha & Cintra
deixa vários pontos a serem questionados, como por exemplo:
1) Em que sentido o complemento nominal limita o significado do substantivo a que se
refere?
2) Em quais contextos a palavra que tem o seu sentido completado ou integrado
encerra ‘uma idéia de relação e o complemento é o objeto desta relação’?
3) Formalmente, qual o papel desempenhado pelo complemento?
4) Todos os nomes requerem a presença de um complemento?
Depois de feita a explicação do que é complemento e a respectiva exemplificação, os
autores incluem duas observações, das quais a que merece destaque é a segunda, que afirma:
9885
2. Convém ter presente que o nome cujo sentido o complemento nominal integra
corresponde, geralmente, a um verbo transitivo de radical semelhante:
Amor da pátria............................................................ Amar a pátria
Ódio aos injustos........................................................ Odiar aos injustos (CUNHA &
CINTRA, 2000, p. 136)
A observação, ainda que pertinente, deixa espaço para possíveis casos em que o nome
“incompleto” não remeta a um verbo transitivo, como é o caso das complementações de
adjetivos e de advérbios. Observe a sentença abaixo:
Tenho certeza de que ainda estou com sede
O nome certeza não corresponde a um verbo, mas sim a um adjetivo – certo – o que evidencia o fato de
que nem sempre o nome que necessita de complemento corresponde a um verbo intransitivo.
Quando os autores se propõem a estudar as orações completivas nominais, apenas
citam que elas “exercem a função de complemento nominal” (CUNHA & CINTRA, 2000, p.
585), restringem-se a citar esse fato e não efetuam uma explicação mais detalhada ou
elucidativa sobre essa estrutura da língua.
Outra obra utilizada para a composição dos livros didáticos foi Lições de português
pela análise sintática, de Evanildo Bechara. Novamente, a abordagem feita é bastante
superficial e o autor sequer retoma estudos mais aprofundados para caracterizar a
complementação nominal. Em momento algum cita, ele, a importância dos papéis temáticos
na determinação do complemento ou então a Teoria do Caso. Ele prende-se novamente ao
emprego da preposição e à nomenclatura gramatical.
Representação arbórea de sentenças
As sentenças das línguas naturais possuem, basicamente, quatro diferentes níveis, a saber: PF
(Phonetic Form) – que corresponde à forma fonética; FF (Logical Form) – forma lógica; SS
(Surface-structure) – estrutura superficial e, por fim, a DS (Deep-structure) – estrutura
profunda da sentença. Pode-se representar esses níveis por meio do seguinte diagrama:]
9886
Figura 2 – Níveis da Sentença
Fonte: MIOTO, 2007:26
Tomando-se como exemplo a sentença “Os torcedores tinham confiança no técnico”
verifica-se que é no nível (DS) que acontece a atribuição dos papéis temáticos aos DPs
componentes da sentença. O predicado confiança (ter confiança = confiar) é que atribui os
papéis temáticos: de experienciador para o primeiro DP, “os torcedores”, e de objeto estativo
para o DP “o técnico”, segundo a classificação de Jackendoff1.
Partindo-se para o nível SS, haverão alguns movimentos internos na estrutura
sentencial e, após estes movimentos, haverá, por fim a atribuição de Caso para os DPs.
Nível IP – Tempo – atribui Caso Nominativo ao DP
Nível VP – Verbo – atribui Caso Acusativo ao DP
Nível PP – Preposição – atribui Caso Oblíquo ao DP
Figura 3 – Representação Arbórea da sentença “Os torcedores tinham confiança no técnico”
1
1972, apud Márcia Cansado, 2005, p. 113.
9887
No nível SS, a atribuição de Caso ocorrerá. O nível IP atribuirá Caso Nominativo ao
DP “Os torcedores”; o VP, Caso Acusativo ao DP “confiança”; e a preposição (ou nível PP)
atribuirá Caso Oblíquo ao DP “o técnico”. Dadas essas atribuições, a sentença torna-se
gramatical, ou seja, ao ser pronunciada é interpretada por qualquer falante.
Caso a preposição não fosse empregada, haveria a infração a uma das Regras de
Atribuição do Caso, a saber:
Regras de Atribuição de Caso
Atribuir a um SN:
- o caso nominativo se ele for regido por TEMPO,
- o caso objetivo se ele for regido por V,
- o caso oblíquo se ele for regido por P
Filtro dos Casos
*SN, se SN tem conteúdo fonético e não tem Caso (LOBATO, 1986, p. 451
A sentença “*Os torcedores tinham confiança técnico”, infringe a regra de atribuição
do Caso, pois há um DP sem Caso, isso torna a sentença agramatical, já que DP ou NP não
são atribuidores de Caso e, também, porque um NP não pode atribuir Caso a outro NP.
DP torna a sentença
agramatical, pois está sem
atribuição de Caso
Figura 3 – Representação Arbórea da sentença “*Os torcedores tinham confiança técnico”
Outro fator que torna agramatical a sentença acima representada é a infração ao Filtro
do Caso, segundo o qual: “*[DP] se DP é pronunciado e não pertence a uma cadeia marcada
com Caso” e “Todo DP pronunciado pertence a uma cadeia com Caso” (MIOTO, 2007:176)
9888
Quando se tem uma oração, uma sentença desenvolvida efetuando a complementação
de um nome, a presença da preposição não se faz necessária, já que, ao invés de um DP, temse um CP, que não requer a presença da preposição. Mioto et. all. (2007), assim caracterizam
esta forma de complementação:
Note que se o complemento de uma categoria [+N] for um CP, a preposição não é
requerida nas sentenças do PB, como vemos em (i):
(i)
a. O medo que a inflação dispare paralisa os negócios.
b. Ele fica preocupado que ela saia sozinha (MIOTO, 2007, p. 182)
Considerações finais
A prescrição contida na NGB e reproduzida nos livros didáticos não explica os
motivos da presença do elemento prepositivo antecedendo o complemento. Outra deficiência
constatada quando se contrasta o que os compêndios gramaticais trazem como “regra” e o que
é empregado pela norma culta atual, são os casos de complementação de nomes transitivos
por orações e estas empregadas sem a regência de preposição.
Conforme apresentado, as teorias que explicam o porquê de a complementação
apresentar os contornos (atuais) traçados no presente estudo são a Teoria do Caso e a Teoria
dos Papéis Temáticos. Ambas atuam nos níveis de formulação sentencial, DS e SS
respectivamente, e promovem a geração de sentenças gramaticais. Se alguma não for
aplicada, seu respectivo filtro impedirá a formação de um enunciado gramatical.
A compreensão deste ciclo de regras é possível porque se considera o Componente
Transformacional da Gramática Gerativa. Este componente sugere que, para um enunciado
ser gramatical, há um conjunto de regras que nele atuam, as quais, ciclicamente transformam
estruturas tornando-as gramaticais. Além disso, a Gramática Gerativa postula a existência de
princípios gerais e comuns a todas as línguas naturais encontradas na sociedade, asim,
segundo a teoria de Regência e Ligação, todas as línguas naturais obedecem aos mesmos
princípios, característicos da faculdade da linguagem humana. Estes princípios são
parametrizados para cada língua humana
Fica claro, portanto, que para uma efetiva compreensão da estrutura linguística de uma
determinada língua natural, ou então para a explicação de fenômenos sintáticos e enunciados
produzidos, é relevante considerar a perspectiva gerativa dos estudos linguísticos, pois esta
9889
corrente linguística, na atualidade, é a que apresenta maior coerência e melhor fundamentação
teórica.
Outra conclusão observada é que um efetivo ensino de língua materna a ser
desenvolvido em escolas requer que o mesmo seja calcado na pesquisa, reflexão e análise de
dados/enunciados produzidos nas várias normas da língua. Isso, logicamente, exigirá um
aprimoramento de professores para que estes desenvolvam nos alunos a capacidade de
reflexão e possam responder de modo coerente dúvidas e questionamentos dos discentes.
Essa transformação trará, em seu bojo, grandes mudanças no ensino de língua
materna: a “decoreba” será substituída pela reflexão, a monotonia das aulas de gramática pela
dinamicidade da análise de enunciados atuais, e a falsa lógica contida na NGB e nos livros
didáticos será substituída pela compreensão da lógica envolvida no processo de formulação de
enunciados pelos falantes.
Para finalizar, cito uma observação feita por Evanildo Bechara em sua Moderna
Gramática Portuguesa: “Os gramáticos ainda não aceitaram a operação mental, apesar da
insistência com que penetra na linguagem das pessoas cultas.” (BECHARA; 2006, p. 567)
Essa observação encerra coerentemente a discussão promovida, pois evidencia o
caráter normativo assumido pela NGB e a morosidade para algo ser mudado ou adequado aos
padrões adotados, empregados pela norma culta contemporaneamente.
REFERÊNCIAS
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna,
2006
CANÇADO, Márcia. Manual
Horizonte: Ed. UFMG, 2005.
de semântica: noções
básicas
e exercícios.
Belo
CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo.
2000.
DUARTE, Fábio Bonfim Caso, Função sintática e Papéis Temáticos
<http://www.letras.ufmg.br/fbonfim/publicacoes/Caso,%20Funcao%20Sintatica%20e%20Pap
eis%20Tematicos.pdf,> acesso em 10/02/09, às 15h54min
GAZETA DO POVO. Curitiba, Ed. 28.965, Ano 91. 25 de fevereiro de 2009
LOBATO, Lúcia Maria Pinheiro. Sintaxe Gerativa do Português: Da Teoria Padrão à
Teoria da Regência e Ligação,. Belo Horizonte: Vigília, 1986
9890
LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. 2. ed. - revista e atualizada. São
Paulo: Globo, 2002
MIOTO, Carlos et all. Manual de Sintaxe. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2000.
PERINI, Mario. Gramática Descritiva do Português. 4 ed. São Paulo: Ática, 2006.
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