Os dois lados das finanças: quem paga e quem recebe juros
Já percebeu que tudo, tudo mesmo, envolve alguma quantia de dinheiro? Uma
música do Silvio Brito diz: "tem que pagar pra nascer, tem que pagar pra viver,
tem que pagar pra morrer".
Mas o que fazer para não faltar dinheiro em nenhuma fase de sua vida?
Primeiro, precisamos compreender como as finanças permeiam os diferentes
momentos de nossas vidas.
Deixadas de lado atrocidades como o trabalho infantil, situação de muitas
crianças, desde o nascimento até a infância, somos incapazes de gerar renda.
Dentro da normalidade de uma sociedade civilizada, toda a infância e grande
parte da vida de um jovem são destinadas a consumir recursos sem que se
produza nada ou produzindo muito pouco frente ao que é demandado.
As finanças dessa fase podem ser encapsuladas na seguinte fórmula:
demandas pessoais = receitas de provedores. Os provedores são os pais, os
familiares ou mesmo o governo e entidades que cuidam de crianças e jovens
carentes.
Na juventude, existe uma demanda chamada "educação formal", que irá
preparar o indivíduo para ser independente dos provedores. Ou seja, preparálo para o trabalho remunerado. Nesse estágio, a fórmula que nos mostra o
fluxo de finanças pessoais deveria ser a seguinte: receita de trabalho =
demandas pessoais.
Perceba que as demandas do indivíduo passaram para o outro lado da fórmula
e que outros provedores sumiram da mesma. Isso ocorre quando, e somente
quando, o indivíduo se torna independente de seus pais ou de quem quer que
seja. Concordo que a mudança é paulatina e não abrupta na maior parte dos
casos. E assim deve ser. Os laços, suavemente, são cortados e o filhote deixa
o ninho.
Já independente, as finanças saudáveis de um indivíduo devem agregar outro
tipo de receita. A receita de juros. Com isso, temos a seguinte fórmula para as
finanças pessoais dos que enriquecem: receita de trabalho + receita de juros =
demandas pessoais. Veja que as demandas pessoais correspondem a tudo
aquilo que consome dinheiro, em maior ou menor quantidade, sendo o
necessário ou o supérfluo.
Ao final da vida, voltaremos a não mais trabalhar. Acredito que poucos sonham
morrer em seus escritórios ou consultórios. Portanto, para abdicar da receita do
trabalho, seu patrimônio deve ser grande o suficiente para que a receita de
juros supere suas demandas pessoais na terceira idade.
Nessa fase, é de se esperar que a fórmula - considerando os idosos que
fizeram sua lição de casa em educação financeira - fique assim: receita de
juros = demandas pessoais. Ou seja, não é preciso mais trabalhar de forma
remunerada para manter o mesmo padrão de vida.
O que mostrei até aqui é o mundo perfeito. No entanto, existe um mundo
financeiro mais realista e cruel. Dados oficiais mostram que somente 1% dos
aposentados no Brasil alcança a condição de manterem-se inativos e com o
mesmo padrão de consumo de quando trabalhavam.
A chave para a mudança é manter os juros do lado das receitas, evitando que
se tornem mais uma demanda. Ao consumir um refrigerador, imóvel,
automóvel, ou qualquer produto pagando em x "parcelas que cabem no bolso",
você pagará juros e sua fórmula fica da seguinte maneira: receita de trabalho =
demandas pessoais + despesas de juros.
Veja que pagar juros não é uma demanda natural do indivíduo como beber
água, alimentar-se ou viver sob um teto digno. Pagar juros é uma escolha,
diga-se tão ruim quanto consumir drogas ou comer ou beber em demasia.
Ao escolher qualquer crediário, você trabalhará mais para pagar nova despesa
(dos juros) ou terá menos para suas demandas pessoais - uma vez que sua
renda não aumentou.
Trocando em miúdos, se você anda de carro, por que paga pelo carro com
juros? Os juros levarão seus filhos à escola? Se você conserva seus alimentos
na geladeira, por que pagar pela geladeira com juros? Os juros deixarão sua
cerveja mais gelada?
O mundo das finanças é dividido em dois lados. O lado dos que pagam juros e
o lado dos que recebem juros em suas aplicações financeiras. Decidir em qual
lado ficar é a escolha que fará toda a diferença.
Mauro Calil – Educador financeiro e autor do livro "A receita do bolo". Artigo
publicado no jornal Valor Econômico em 04/05/2011.
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