O PODER TEM COR: A IMPLEMENTAÇÃO DA PRODUÇÃO DA COCHONILHA NO IMPÉRIO PORTUGUÊS SETECENTISTA1 Pamella Sue Zaroski2 Resumo: O século XVIII foi marcado em Portugal pela propagação de um conhecimento científico que em grande medida visava solucionar os problemas econômicos que o reino vinha enfrentando. Dessa forma, o Império Português passou a incentivar a implantação de novas espécies naturais, como por exemplo, a cultura da cochonilha, um inseto produtor de um corante carmim, e que era comercializado pelos espanhóis por um alto custo na Europa. Este ensaio visa apresentar de forma breve, como se deu a implementação da cochonilha no Império Português, analisando o plano sistematizado por Dom Rodrigo de Souza Coutinho sobre as reformas econômicas e a relação destas propostas com o envio do jovem naturalista Hipólito José da Costa aos Estados Unidos. Palavras – chave: Império Português. Cochonilhas. Urumbebas. Hipólito da Costa. Abstract: The eighteenth century was marked by Portugal in spreading scientific knowledge largely aimed at solving the economic problems that the kingdom was facing. Thus, the Portuguese empire began to encourage the deployment of new natural species, such as the culture of cochineal, an insect producer of a carmine dye, which was marketed by the Spaniards by a high cost in Europe. This essay aims to present briefly, how was the implementation of cochineal in the Portuguese Empire, analyzing the plan systematized by Don Rodrigo de Souza Coutinho on economic reforms and the relationship of these proposals by sending the young naturalist Hipólito José da Costa to the United States. Keywords: Mealybugs. Urumbebas. Hipólito da Costa. Portuguese Empire. 1 Recebido em 11/10/2013. Aprovado em 15/11/2013. Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, integrada à linha de pesquisa Espaço e Sociabilidades. Possui graduação em História – Licenciatura Plena pela Unicentro. Email: [email protected]. 2 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor O século XVIII foi marcado em Portugal pela propagação de um conhecimento científico, que em grande medida visava solucionar os problemas econômicos que o reino vinha enfrentando. As ideias iluministas difundidas no Império neste contexto, pregavam um utilitarismo que defendia que a natureza não deveria ser compreendida apenas enquanto uma criação divina, mas sim que ela possuía um caráter eminentemente prático e que o homem deveria conhecê-la e utilizar suas propriedades naturais para o desenvolvimento econômico do reino. Nesse sentido Portugal passou a incentivar a criação de uma rede de informações sustentada por diversos indivíduos envolvidos na administração imperial, que deveriam auxiliar o Império a aprimorar os conhecimentos científicos sobre seus domínios territoriais. Diante disso, a cultura da cochonilha, um inseto produtor de um corante carmim, e que era comercializado pelos espanhóis por um alto custo na Europa, passou a ser cobiçado em Portugal. Buscando acirrar a concorrência entre as Coroas Ibéricas, Portugal elaborou diversas estratégias para implementar esta cultura nas terras brasileiras. Vice-reis, governadores de província, religiosos, cientistas e viajantes naturalistas passaram a contribuir com as iniciativas reais, através da publicação de obras científicas, do incentivo das produções do corante, e da obtenção do maior número de informações sobre esta espécie. Este artigo visa apresentar de forma breve, como se deu a implementação da cochonilha no Império Português, analisando o plano sistematizado por Dom Rodrigo de Souza Coutinho sobre as reformas econômicas e a relação destas propostas com o envio do jovem naturalista Hipólito José da Costa aos Estados Unidos, no aprimoramento das informações sobre a cochonilha. O Império Português vivenciou na segunda metade do século XVIII uma série de modificações políticas, econômicas e institucionais que buscavam em grande medida solucionar problemas práticos do reino. A economia portuguesa neste contexto, estava fortemente debilitada devido ao grande número de importações, inclusive em gêneros de subsistência e a diminuição de plantações de cereais, como o trigo, que contribuíam para aumentar a dependência de Portugal com países estrangeiros (FERRAZ, 2008, p. 15). A crescente concorrência com outros Estados Europeus como Espanha, Inglaterra e França, por exemplo, Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski demonstrava aos ministros e autoridades a necessidade de adotar novas estratégias políticas que possibilitassem um avanço econômico. A propagação de ideais iluministas difundidos em toda a Europa, e incorporados em Portugal através das “reformas pombalinas” promoveu um novo olhar para a natureza que deixava de ser concebida apenas enquanto criação divina, mas passou a ser vista como um instrumento de potencialidade capaz de auxiliar no desenvolvimento econômico do reino. Através de uma metodologia empírica, intelectuais iluministas demonstraram que a natureza tinha um caráter prático e que o homem deveria conhecê-la e utilizar em seu próprio benefício. Para a historiadora Lorelai Kury (2004) existia um interesse do Império Português em reconhecer os limites físicos de sua soberania e as potencialidades econômicas de seus domínios, visando recuperar o poder econômico que possuíra por séculos e almejando o progresso. Conhecer cientificamente as principais colônias e suas propriedades naturais era mais do que uma inovação do saber científico, foi uma preocupação do Estado em utilizar esse saber de modo prático, visando um desenvolvimento econômico, no qual Portugal já estava parcialmente debilitado. Portugal precisava superar o desconhecido, que era tido como um sinal de atraso e, nesse intuito passou a incentivar a criação de uma rede de informações que auxiliasse a aprimorar os conhecimentos sobre seus domínios territoriais. Para a historiadora Ângela Domingues (2001) a criação e sustentação dessa rede demonstrava uma estratégia da coroa portuguesa, em cooptar todos os indivíduos envolvidos na administração imperial para auxiliar o reino a coletar informações de interesse cientifico. Incentivados pela coroa portuguesa funcionários, cientistas, ministros, soldados, militares, degredados, eclesiásticos auxiliaram a ampliar o conhecimento sobre as potencialidades ultramarinas. Além dos funcionários enviados pela coroa, contava-se com a colaboração de ameríndios, africanos e asiáticos, esses nativos tinham um amplo conhecimento sobre a natureza dos territórios que habitavam, dominando não apenas suas propriedades naturais, mas também a sua utilização, podendo informar aos funcionários reais potencialidades que sozinhos dificilmente descobririam. 331 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor Outra importante iniciativa promovida pela Coroa Portuguesa foi o incentivo e o financiamento às viagens naturalistas. Definidas pela historiografia como viagens filosóficas, estas expedições possuíam um caráter cientifico e poderiam ser realizadas por um naturalista ou uma equipe de cientistas, reunindo botânicos, pintores, naturalistas, químicos, etc. Os jovens cientistas lusitanos enviados nessas expedições eram, em sua grande maioria, estudantes recémformados pela Universidade de Coimbra, e após concluírem seus cursos eram enviados para diferentes domínios do Império, a fim de observar, catalogar e descrever todas as potencialidades que avistassem. Suas observações deveriam ser remetidas à Coroa através de relatos de viagem que informassem todos os caminhos da expedição, além de outros elementos que não restringiam-se a forma textual, como cartas geográficas e topográficas; desenhos de animais e plantas; paisagens que retratassem a natureza exótica; sementes de culturas coletadas, entre outros. Ao enviar esses naturalistas para diferentes locais do Império a Coroa buscava obter o máximo de informações minuciosas sobre as potencialidades do reino. Predominava uma concepção iluminista, a qual apontava que o conhecimento deveria ter um caráter eminentemente prático e que, portanto essas informações coletadas não deveriam ficar restritas apenas a gabinetes científicos mais atingir toda a estrutura do Império Português, desde a metrópole até os sertões brasileiros. Buscava-se acima de tudo a descoberta de novas culturas e novos métodos de plantio, que pudessem ser adaptadas e produzidas em grande escala na colônia brasileira, e desenvolvessem uma rentabilidade econômica para o reino. Nesta busca pela implementação de novas culturas, os portugueses acabaram desenvolvendo uma predileção pela cochonilha produtora de uma pigmentação carmim que era utilizada no tingimento de tecidos e comercializado por um alto valor no mercado europeu. Segundo Márcia Helena Ferraz, a cochonilha é um inseto que se prolifera na planta urumbeba, classificava por Lineu como uma variedade de cactus opuntia, o macho é o voador, enquanto que a fêmea fixa-se na planta, onde cresce e se reproduz, em um ciclo de dura aproximadamente dois meses. O processo de obtenção do corante poderia variar Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski entre dois métodos, o primeiro consistia em varrer com pinceis para uma vasilha ou pano todas as fêmeas que já tivessem atingido a fase adulta e submergi-las em água quente por dois ou três minutos, e em seguida seca-las ao sol, ou também através do processo de torrefação onde os insetos poderiam ser jogados ao fogo ou passadas a ferro, contudo esse segundo método era pouco utilizado por acreditarse que a obtenção do corante poderia ser menor (FERRAZ, 2007). A cultura da cochonilha começou a ser produzida em 1523, quando os espanhóis observaram que os nativos indígenas do México utilizavam o inseto para "pintarem suas casas e seus algodões" e informaram a corte sobre a beleza e utilidade do corante. As autoridades interessaram-se em investir nesta produção e passaram a promover a multiplicação do inseto, tal iniciativa rendeu à Espanha um monopólio comercial que perdurou por quase trezentos anos e que invejava diversos outros Estados Europeus, incluindo Portugal. A cochonilha, ou figueira do Inferno como definiam os portugueses, integrava o rol de corantes que se buscou incrementar na economia lusitana. Com a escassez dos métodos de extração do corante carmim pela árvore do pau-brasil, a Coroa passou a observar outros métodos de obtenção, e nesse sentido a cochonilha passou a ser valorizada. Segundo Cecília Maria Whestphalen (1979), no Brasil Meridional, as primeiras tentativas de implementação da cochonilha datam de 1782 quando o vice-rei, o 2º marquês do Lavradio prescreveu instruções determinando que os moradores de Santa Catarina e Rio Grande do Sul iniciassem a plantação de urumbebas na região. Em Santa Catarina tais ordens foram cumpridas com certa facilidade, sendo implementadas nos governos de Francisco de Souza e Pedro Antônio, sofrendo uma interrupção durante as invasões espanholas, mas sendo retomada em 1786, no governo de José Pereira Pinto. Contudo, no Rio Grande do Sul a produção da cochonilha foi relativamente inferior se comparada a Santa Catarina, e encontrou fatores agravantes que atrapalharam na implantação desta cultura. As exigências técnicas apresentadas pela Coroa e o atraso dos pagamentos aos produtores do inseto, devido a falta de verbas disponíveis nos cofres do governo constituiam um fator desestimulante para as autoridades da capitania. Além disso, um dos principais motivos apontados pelos governadores era o desconhecimento dos métodos de preparo do corante. 333 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor Em um ofício de 1782, endereçado ao governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral, o vice-rei Vasconcellos e Souza demonstra descontentamento por até aquele momento não ter recebido notícias sobre a cultura dos urumbebas naquela região. Em outro ofício endereçado ao vice-rei, Cabral aponta que uma das principais razões para tal fato, é que embora houvesse inúmeras terras onde os urumbebas eram cultivados, desconhecia-se seu método de preparo. de tal sorte que algumas fazendas não têm outro gênero de cerca, sendo este um dos melhores que se tem descoberto, e, a qual em poucos anos se faz impermeável; ignora-se, porém, inteiramente o método de tirar utilidade desta planta, não obstante se lhe perceber principalmente nas mais antigas, suficientemente quantidade da referida cochonilha. (CABRAL, 1782, p.?) Cabe aqui destacar que no Paraná, Comarca da Capitania de São Paulo a cultura da cochonilha e urumbeba era vista com grande importância. De tal forma, que nas Listas de ordenanças da vila, no item relativo a descrever as propriedades dos fogos recenseados eram indicados as quantidades de pés de urumbebas que cada família possuía. Percebendo as dificuldades encontradas na implementação da cochonilha, as autoridades lusitanas mobilizavam diversos indivíduos envolvidos na administração colonial para aprimorar seus conhecimentos sobre o inseto. Nesse sentido surgem novas tentativas de incremento da produção, agora coordenadas pelo vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza, que buscava promover a plantação de urumbebas no Rio de Janeiro. Contudo a falta de insetos na região levava a necessidade de remetê-los do Rio Grande do Sul, processo que acabava por prejudicar a produção e não solucionava a escassez dos insetos. Além das tentativas de implantação dos vice-reis, outros indivíduos buscaram solucionar os problemas da produção do corante, como por exemplo, José Saldanha, um funcionário real, que participava da demarcação de limites na América Meridional e produziu um estudo intitulado "Reflexão sobre o método de aumentar a produção da cochonilha nesta Capitania do Rio Grande do Sul. No ano de 1799" onde aponta que os urumbebas eram cultivados nos povoados muito mais abundantes do que as cultivadas no campo. Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski Tendo em vista a forte propagação em Portugal, de um conhecimento científico neste momento é evidente que obras deste cunho começaram a ser produzidas sobre a cochonilha. Exemplo disto é a instrução emitida por Ferreira (1778) para o marquês de Angeja, onde ele descreve minuciosamente o que era o inseto, como se parecia, e onde poderia ser produzida. Em 1789, Joaquim de Amorin Castro, um naturalista baiano que havia estudado na Universidade de Coimbra, produziu uma obra esclarecedora sobre a urumbeba e sua utilidades, intitulada Historia Natural do Brasil segundo o sistema de Linnêo com descrições de alguns animais e observações sobre a cochonilha (CRUZ, 2009). Contudo, dentre as diversas observações científicas lusitanas sobre a cultura da cochonilha destacamos uma em específico, a realizada pelo naturalista Hipólito da Costa em sua expedição pelos Estados Unidos e México nos anos de 1798 e 1799. Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça foi um entre os tantos jovens coimbrões que participaram das viagens filosóficas. Nascido na Colônia de Sacramento, uma possessão portuguesa, era filho do Alferes Félix José da Costa e de D. Ana Pereira da Costa Mendonça, membros de aristocracia local. Após concluir seus estudos iniciais no Brasil, mudou-se para Portugal para estudar Leis, Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra, que nesse contexto já havia passado pela reforma pombalina. Já formado recebeu a incumbência de estudar assuntos referentes à agricultura e hidráulica dos Estados Unidos, em suas observações deveria ater-se principalmente a prática de novas culturas, como o tabaco, o algodão, o linho cânhamo, e, sobretudo ao cultivo da cochonilha produzida no México. Analisar esta expedição auxilia a compreender a ampla dimensão que as estratégias portuguesas alcançaram. Ao enviar Hipólito da Costa para os Estados Unidos, um território que não pertencia aos domínios lusitanos, a Coroa objetivava adquirir conhecimento sobre novas culturas e novas técnicas agrícolas que pudessem modernizar sua produção. A economia estadunidense desse período possuía fortes influências tecnológicas vindas da ex-metrópole inglesa, que já vivenciava as transformações advindas da Revolução Industrial e poderia possuir técnicas que os portugueses desconhecessem. Além disso, o território para qual ele é enviado faz divisa com o México, e tal fator poderia contribuir para que Costa 335 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor tivesse acesso as plantações espanholas da urumbeba, verificasse se elas diferenciavam-se das brasileiras e observa-se como elas eram preparadas. Essas informações que eram de certa forma desconhecidas na Europa seriam de suma importância para a concorrência que Portugal visava. A expedição de Hipólito da Costa também demonstra que o Império Português não limitou-se a enviar estes jovens naturalistas para expedições restritas a parte brasileira do Império, nem tão pouco aos domínios lusitanos. Segundo Cruz (2009) é de extrema importância que os historiadores ao analisar as expedições realizadas pelos cientistas coimbrões, não se restrinjam a atuação destes naturalistas apenas aos territórios brasileiros. Pois ao fazer isso, acabam-se minimizando a dimensão alcançada pelas viagens filosóficas, que extrapolou os limites da colônia do Brasil Outro historiador que defende a importância de estudar a expedição de Hipólito da Costa para compreender as reais dimensões das estratégias portuguesas é o historiador norte americano Neil Safier. Segundo ele o estudo das ciências luso-brasileiras do período joanino não deve restringir-se aos eventos ocorridos em terras brasileiras, e que os historiadores ao abordarem estes temas devem "enxergar espaços maiores cujas fronteiras, às vezes, são mais amplas e sobretudo mais complexas do que a historiografia tradicional normalmente leva em consideração" (SAFIER apud KURY; GESTEIRA, 2012, p. 10). Outro aspecto notável da expedição de Costa é a relação desta viagem com um plano sistemático de reformas econômicas idealizadas pelo Ministro Dom Rodrigo de Souza Coutinho. A época da viagem de Hipólito da Costa, Coutinho havia assumido há pouco tempo o cargo de Ministro dos Negócios e Domínios Ultramarinos. Em setembro de 1796 o ministro foi convocado a deixar o cargo de embaixador português da Sardenha para formular e aplicar algumas reformas que já estavam sendo elaboradas por Luiz Pinto Coutinho, que até então era o responsável pelos assuntos coloniais. Ao assumir o cargo, Coutinho apresentou a Junta de Ministros do Estado um discurso onde elaborava um plano sistemático de reformas na administração dos assuntos da Fazenda e do Império Português. No discurso elaborado pelo ministro, a necessidade de conhecer as principais culturas agrícolas existentes na natureza é Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski ressaltada e entre os principais intuitos reformistas que D. Rodrigo de Souza Coutinho procuraria empreender destaca-se a tentativa de naturalizar no Brasil todos os produtos que pudessem ser extraídos de outros países, tais como o algodão, o café, o linho, o índigo, e a cochonilha. Segundo o historiador Kenneth Maxwell, o discurso é apresentado pela primeira vez somente em 1798, após três anos de estudo e planejamento sobre as práticas econômicas portuguesas, e fora produzido baseado nas evidências, recomendações e informações práticas obtidas por pesquisas produzidas por um grupo seleto de estudantes brasileiros coimbrões que Dom Rodrigo havia selecionado (DIAS, 2007). As reformas econômicas sistematizadas por Dom Rodrigo em seu discurso articulavam-se à expedição de Hipólito da Costa através da instrução de viagem que o ministro emitiu para o naturalista. A menos de 20 dias de o viajante embarcar na corveta norte americano Willian, que partia de Lisboa rumo à Filadélfia, Dom Rodrigo de Souza Coutinho endereçou-lhe uma instrução de viagem, um documento de cunho essencialmente diplomático, dando ordens expressas sobre indivíduos e autoridades que o naturalista deveria estabelecer contato nos Estados Unidos. A instrução também determinava que o naturalista dedicasse especial atenção às novas espécies agrícolas da região, observando atentamente os métodos de utilização e os valores comerciais. Coutinho determinou que o naturalista além de descrevê-las em um diário de viagem, remetesse para a Coroa, se possível fosse, as suas sementes. Entre estas espécies solicitadas pelo ministro, é a cochonilha que mais lhe interessa. deve V. Mcê. procurar de acordo e auxiliado pelo nosso Ministro passar ao México e usando aí de suma moderação e modo, e disfarçando o grande objeto que o leva aos Domínios Espanhóis, deve V. Mcê. procurar instruir-se a trazer as melhores memórias: sobre a qualidade de inseto, cujo germe forma a cochonilha, e verificar se é o mesmo que nós temos no Rio de Janeiro e em Santa Catarina ( XAVIER, 1997, p. 43-45. ) Analisando o plano de reformas entregue à Junta de Ministros com a instrução de viagem encaminhada a Hipólito da Costa é possível notar que assim como outros ministros e autoridades portuguesas, Coutinho buscava solucionar os problemas práticos do reino, e nesse sentido o envio de um jovem naturalista 337 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor instruído auxiliaria a aprimorar os conhecimentos sobre dadas culturas que Portugal buscava implementar em sua economia, especialmente a cochonilha. As observações de Hipólito da Costa sobre esta cultura teriam uma importância prática para o plano que o ministro estava traçando, pois ao percorrer os territórios espanhóis o naturalista poderia coletar informações que auxiliassem na implementação desta cultura no Brasil, encontrar respostas para as dúvidas que os lusitanos possuíam sobre o inseto, além de descobrir se ambas as Coroas Ibéricas cultivavam o mesmo tipo de cochonilha, e se seria cabível para Portugal tentar travar uma concorrência comercial. A historiadora Tânia Dias corrobora com a ideia de que a viagem de Hipólito da Costa foi pensada dentro de um plano econômico maior que Dom Rodrigo e outros ministros estavam traçando. Para ela, após Coutinho tomar conhecimento, através da leitura de relatórios solicitados às mesas de inspeção da precariedade das técnicas agrícolas praticadas no Império, percebeu a real necessidade de modernizar a economia portuguesa, e para tanto adotou medidas prioritárias que são expressas tanto no plano de reformas quanto nas instruções encaminhadas ao naturalista. Ela defende que a viagem de Costa, foi elaborado com um cunho explicitamente técnico, e preocupado com uma aplicação imediata e rentável para o reino, o qual buscava aperfeiçoar, dinamizar e diversificar a economia colonial, buscando conquistar novos mercados e recuperar um certo prestígio que havia perdido. Diante disso, gostaria de destacar que a expedição de um jovem naturalista português para os Estados Unidos da América, não deve de forma alguma ser considerada como um evento isolado e pouco expressivo. Compreender desta forma a viagem, significa diminuir a capacidade política e administrativa portuguesa dos setecentos. Embora não seja possível comprovar, podemos apontar o fato de ter sido Hipólito da Costa, e não qualquer outro estudante de Coimbra enviado nesta expedição, não foi uma escolha aleatória de Dom Rodrigo. O naturalista era originário de uma região vizinha ao Rio Grande do Sul, província que sofria problemas com a implementação da cultura da cochonilha. Desta maneira, o que busca-se neste ensaio não é enaltecer a figura de Dom Rodrigo de Souza Coutinho, enquanto um indivíduo que sozinho planejou e enviou o estudante Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski coimbrão em uma expedição naturalista, mas sim ressaltar a perspicácia do Império Português, que diante de um quadro econômico problemático mobilizou diversos sujeitos envolvidos na administração lusitana para cooptarem em suas estratégias políticas. Outro indivíduo que esteve envolvido nas estratégias políticas lusitanas e contribuiu para enviar Hipólito da Costa em sua expedição, foi o frei José Mariano da Conceição Veloso. Das duas instruções de viagem que o naturalista teria recebido, uma dela teria sido produzida por Veloso. A instrução que permaneceu inédita até 2008, sendo publicada por Safier (2008) consistia de uma carta, um documento informal, se comparado à instrução que o Ministro do Ultramar lhe enviou. Em sua carta, frei Veloso elaborou um pequeno manual de observação dividido nos três reinos da natureza que Hipólito da Costa deveria estudar, destacando a importância de observar e descrever a respeito de novas espécies culturais tais como; o algodão, os pinheiros americanos, as vinhas ou ainda o uso que os americanos faziam dos Búfalos. Frei Veloso passou a atuar em Portugal nas últimas décadas do século XVIII, quando fora encarregado pelo vice-rei, marquês do Lavradio, de coletar espécies de plantas que seriam utilizadas para o Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda. Também trabalhou como diretor durante dois anos (1799-1801), da Casa Literária Arco do Cego um empreendimento editorial que buscava facilitar a publicação de obras de cunho científico em Portugal. Além disso, foi membro da Academia de Ciências de Portugal, onde participou do projeto de edição de um inventário ictiológico, juntamente com o naturalista italiano Domenicco Vandelli, onde ambos buscavam estudar a História Natural dos domínios portugueses. Muito embora Veloso não tivesse formação universitária, possuía uma especial predileção pelos estudos de História Natural, chegando até mesmo a ministrar o ensino das disciplinas de geometria e de História Natural. Entre as suas produções intelectuais destacam-se as obras “Floræ Fluminensis” e “O Fazendeiro do Brasil”. A predileção de Veloso pelos estudos referentes a História Natural, fez com que o frei compartilhasse das mesmas preocupações que as autoridades portuguesas, e procurasse demonstrar em seus estudos a necessidade e importância do aprimoramento das técnicas agrícolas e da implementação de 339 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor novas culturas. Contudo dentre as diversas espécies naturais que ocuparam a atenção de Veloso, a que aqui mais nos interessa são suas considerações sobre a cultura da cochonilha. Os primeiros estudos do frei sobre esta cultura datam possivelmente de 1799, quando já ocupava o cargo de diretor de Arco do Cego, e publicou a memória intitulada “Memoria sobre a cultura do urumbeba, e sobre a criação da cochonilha extraída por M. Bertholet das observações feitas em Guaxaca por M. Thiery de Menonville” (BERTHOLLET, 1798). O documento trata-se da tradução de um extrato em francês de C. L Bertholet publicado em 1790 nos Annales de Chimie, sobre as observações de seu conterrâneo Thiery de Menonville sobre a cultura da cochonilha. Menonville foi um botânico frânces que em 1777, entrou ocultamente em Vera Cruz e Oaxaca (México), a fim de aprender todas as etapas da produção do corante e obter sementes do urumbeba. As observações do botânico tiveram uma boa repercussão na França que publicou duas de suas produções, além de influenciar outros autores a estudar a cochonilha, como é o caso de C. L. Bertholet. No entanto, o que aqui nos importa é compreender o interesse de Frei Veloso sobre estas observações. A Memória publicada por Veloso constitui em dois trechos, o primeiro escrito pelo próprio frei e o segundo tratando-se de um extrato da obra de Bertholet. Nas páginas de autoria de Veloso ficam expressas suas intenções com a publicação daquela obra, ou seja, o de incentivar a iniciativa que visava implantar a cultura do urumbeba e do inseto da cochonilha nas terras tupiniquins. Para ele, o Império Português deveria investir nesta cultura, que além de possuir um alto valor comercial era produzida pelos espanhóis em condições climáticas similares as que existiam no Brasil. Destaca ainda, que tal memória deveria ser espalhada pelo Brasil e particularmente pelos povos da beira mar que possuíam terrenos arenosos e que possibilitariam a implantação da cultura. são para o Mexico huma riqueza mais segura que as suas minas de prata; pois se dão muitos paizes, em que este metal abunda, e só o Mexico produz a Cochonilha. Se as latitudes são as mesmas, porque não rivalizarmos aquella rica producção? Isto será devido aos cuidados de V. Alteza Real ( VELOSO, 1800, p. 6). Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski Ao analisar a Memória publicada por Veloso, percebe-se que assim como outros indivíduos envolvidos, direta ou indiretamente na administração portuguesa, contribuíam para a formação de uma rede de informações, que buscava a propagação de um conhecimento científico, cada qual da maneira que mais lhe coubesse. Enquanto os ministros incumbiam-se de elaborar planos políticoadministrativos dentro dos âmbitos da Corte Portuguesa, indivíduos localizados nas franjas do Império cooptavam os agricultores locais para desenvolverem novos processos de produção e novas espécies. Dentro de gabinetes científicos ilustrados estudavam, analisavam e publicavam obras de cunho intelectual. Mas mais do que isso, estes portugueses não se restringiam apenas aos seus gabinetes, mas trocavam informações e conhecimento com outros sujeitos de outros impérios, desconstruindo a concepção de que o Iluminismo tardio português era desconexo com os outros iluminismos europeus. Nessa vasta rede de informações os viajantes naturalistas portugueses ocupavam uma responsabilidade importante, pois eram eles que se aventuravam em territórios inóspitos e desconhecidos a fim de observar na prática, na natureza local as propriedades naturais que teriam uma aplicação prática para o reino. As experiências por eles vivenciadas, não teriam significância se os conhecimentos adquiridos ao longo da expedição não servissem para um plano maior, e se não fossem registrados em relatos de viagem, que possibilitassem para aqueles que por diversas razões não haviam saído de Portugal pudessem compreender e estudar as diversas espécies existentes na natureza. Hipólito da Costa ciente da responsabilidade que lhe fora incumbida procurou em sua expedição obter o máximo de informações detalhadas que auxiliasse no conhecimento do reino sobre o território visitado. Mesmo quando esteve distante dos domínios espanhóis procurou dar cumprimento às instruções de Dom Rodrigo sobre o cultivo da cultura de cochonilha, buscando através de jornais ou de outras botânicas informações sobre o inseto. E após quase um ano percorrendo os arredores de Nova York e Filadélfia partiu sem a permissão do ministro espanhol para o México, a fim de realizar observações sobre o inseto, e comparar se os espanhóis cultivavam as mesmas espécies existentes no Brasil. 341 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor Sendo assim, após o ministro espanhol negar-lhe um passaporte para ele viajar pelas colônias espanholas existentes no Golfo do México, partiu ocultamente para o México, disfarçando-se em um navio americano que seguia rumo à Puerto-Falso. Lá durante quatorze dias, analisou a cultura da cochonilha espanhola, e pode observar que havia muitas semelhanças entre a espécie cultivada pelos espanhóis com a existente no Brasil. Analisou também o modo de preparo usado e a utilidade econômica que a cultura traria para o Império Português. Na Memória remetida a Dom Rodrigo, o naturalista demonstra conhecer a iniciativa portuguesa, de fazer concorrência com o monopólio espanhol e, destaca que não só seria possível fazêla como o lucro em Portugal poderia ser maior. Quanto à utilidade que a cultura desta planta nos pode dar se infere bem no alto preço que a cochonilha tem nos mercados da Europa, e cuido que todo o outro governo que não fosse o espanhol tiraria dessa cultura imensa vantagem (...) Além do mau modo por que a cultura e fabrico da cochonilha é administrada, o governo espanhol tem aumentado por muitas vezes os pesados direitos de exportação, que esta droga paga; o que me faz supor que se nós obtivermos cultivá-la, os espanhóis não poderão de modo algum concorrer conosco nos mercados da Europa ( PEREIRA, 1858, p. 351). Alguns autores apontam que as observações realizadas por Hipólito da Costa a respeito da cochonilha, pouco contribuíram para o conhecimento da espécie, tendo em vista que muito do que ele aborda em seus diários, frei Veloso já havia pontuado na memória publicada, além do fato de que as espécies do inseto coletadas pelo viajante acabaram morrendo antes mesmo de chegar a Portugal. Contudo, defendemos que apesar de suas observações sobre a cochonilha possuírem uma importância relativa, sua expedição por outro lado foi primordial para as estratégias lusitanas que estavam sendo travadas naquele contexto. Costa era um representante do império português em um território onde pouco se conhecia, mas que uma vez explorado muito se poderia obter. Além disso, outras pesquisas, como a realizada pela historiadora Cecília Westhphalen apontam que a produção da cochonilha no Brasil foi efêmera e pouco representou para a economia portuguesa. Porém analisar a praticidade que esta estratégia alcançou em Portugal, e os resultados obtidos ou não com sua implantação não foi os objetivos deste ensaio, mas sim o de demonstrar como o Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski império português, constituía nos setecentos, uma estrutura complexa e multifacetada, que em períodos de problemas econômicos ou políticos soube arquitetar estratégias que visavam o bem comum. FONTES BERTHOLLET, Claude-Louis, 1748-1822. Memoria sobre a cultura da Urumbeba e sobre criação da Cochonilha / extrahida por M. Bertholet das Observações feitas em Guaxaca por M. Thiery de Menonville ; e copiada do V tomo dos Annaes de Chymica... por Fr. José Marianno da Conceição Velloso. Lisboa: na Of. de Simão Thaddeo Ferreira, 1799. COUTINHO, Rodrigo de Souza. Para Hipólito José da Costa. In: XAVIER, Paulo. Hipólito José da Costa: um observador econômico na América. Porto Alegre: IEL: Fundo Nacional da Cultura, 1997 p. 43-45 PEREIRA, Hipólito da Costa. “Diário da minha viagem para Filadélfia” (1798 – 1799). 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2004. _______________________. Memória sobre a viagem aos Estados Unidos em 1798. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. v. XXI. Rio de Janeiro: 1858, p. 351 e sgts. REFERÊNCIAS CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da; PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Ciência, identidade e quotidiano. Alguns aspectos da presença de estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra, na conjuntura final do período colonial. Revista de História da Sociedade e da Cultura, v. 9, 2009, p. 205 – 228. 343 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. O poder tem cor CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da. Verdades por mim vistas e observadas, Oxalá foram fábulas sonhadas. Cientistas brasileiros do setecentos, uma leitura auto-etnográfica. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2004 (Tese de Doutorado). ________________________________; PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Ciência, identidade e quotidiano. Alguns aspectos da presença de estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra, na conjuntura final do período colonial. Revista de História da Sociedade e da Cultura, v.9, 2009, p. 205 – 228. DOMINGUES, Ângela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império Português, em finais do setecentos. História, Ciências, Saúde. Rio de Janeiro, v.08 (suplemento) p. 823838, 2001. DIAS, Tânia. A escrita diária de uma “viagem de instrução”. Escritos - Revista do Centro de Pesquisa da Casa Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2007, ano I. n. 1 p. 1742. FERRAZ, Márcia Helena Mendes. As ciências em Portugal e no Brasil (1772 – 1822): o texto conflituoso da química. São Paulo: HUITEC, 2008. ________________________________. A rota dos Estudos sobre a cochonilha em Portugal e no Brasil no século XIX: caminhos desencontrados. Química Nova. São Paulo, 2007, Assuntos Gerais, 1032-1037. FERREIRA, José Henrique. Instrução, 23 de novembro de 1778. Rio de Janeiro: Biblioteca Naciona, Seção de Manuscritos, II 35, 30, 2. Extraído do texto de Cecília Whesthpalen já referenciado. Existe uma versão microfilmada do texto de José Ferreira, que foi organizado pelo Arquivo Nacional em 1999, ver em: ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Coordenação de Documentos Escritos. Seção de Arquivos Privados. Fundo Marquês do Lavradio: inventário/ Arquivos Nacional. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. Pamella Sue Zaroski SAFIER, Neil. Instruções e Impressões Transimperiais: Hipólito da Costa, Conçeição Veloso e a Ciência Joanina. In: KURY, Lorelay; GESTEIRA, Heloisa (Org.). Ensaios de história das ciências no Brasil: das Luzes à nação independete. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2012. WHESTPHALEN, Maria Cecília. Urumbebas e Cochonilhas do Brasil Meridional. Estudos Brasileiros, vol. 4, n. 8. Curitiba, 1979, p. 223 – 235. 345 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 329-345.