viagem técnica
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O cultivo de vinhas na região do Douro
delimitar as melhores áreas de produção do vinho do Vale
ocorre há milhares de anos, apresentando vestígios até de
do Douro com sólidos marcos de granito, os Marcos de
épocas pré-históricas. Ao longo do tempo, o vinho forti-
Feitoria. Estava criada aquela que é considerada a primeira
ficado produzido na região sempre teve grande prestígio,
região demarcada de produção de vinhos em todo o mundo.
mas a designação “Vinho do Porto” foi adotada somente
na segunda metade do século XVII, para facilitar as expor-
do Porto, e também dos modernos e conceituados vinhos
tações. O Tratado de Methuen, assinado entre a Inglater-
Douro DOC, Wine Style esteve no Douro, a convite do
ra e Portugal em 1703, que dava tratamento preferencial
IVDP – Instituto dos Vinhos do Douro e Porto –, com o
ao vinho português em relação ao francês, retrata bem o
apoio do ICEP – Instituto de Comércio Exterior de Portu-
interesse por este vinho único. Um marco importante na
gal. Um diferencial desta viagem foi o contato estreito com
história do Douro ocorreu em 1756, quando foi instituída
enólogos e a oportunidade de respirar profundamente os
a “Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto
ares do Douro, pois tivemos o privilégio de ficar nas pró-
Douro” e, logo em seguida, o Marquês de Pombal mandou
prias Quintas, numa experiência realmente inesquecível
Para avaliar a situação atual da produção de Vinho
O Douro
No ano em que se comemoram 250 anos da criação
da região demarcada, o tradicional Douro exibe
invejável juventude e mostra sua nova face
por Arthur azevedo
fotos Arthur azevedo/divulgação
Pisa a pé e lagar
robótico da Symington.
O clássico e o moderno
lado a lado, para
produção de grandes
vinhos do Porto
Em Vila Nova de Gaia,
No Douro, perto
Na prova das barricas, tanto o Batuta quanto o Char-
com muito frescor), Redoma Branco 2005 (delicioso, mine-
antigos armazéns
das estrelas
me 2005 impressionaram pela fineza dos taninos e pelo
ral, com notas de carvalho, elegante e persistente) e Vertente
e novas tecnologias
e literalmente
frescor, raros de se encontrar em vinhos tintos tão jovens,
2004 (frutado, com aromas de chocolate e tostado, ainda um
no paraíso
ainda em fase embrionária. Luis nos disse que o objetivo
pouco tânico e bastante persistente). As preciosidades não de-
e calor civilizado, quando pudemos dar uma passada
De Vila Nova de Gaia fomos para o Douro, direto para
primordial da Niepoort é buscar frescor e equilíbrio, sem
cepcionaram. O Batuta 2004 veio em roupagem púrpura,
no acolhedor Solar do Vinho do Porto, um local de
a Niepoort, um dos ícones do Douro, não só por seus exce-
extrações excessivas, um pecado comum em outras empre-
muito escuro, com aromas sofisticados de frutas escuras em
vista privilegiada para o Rio Douro, onde o visitante
lentes Vinhos do Porto, em especial os Colheita, mas princi-
sas. Uma das técnicas empregadas é a maceração pós-fer-
geléia, chocolate e fino carvalho tostado, que evoluiu para café
pode degustar centenas de Vinhos do Porto, de dife-
palmente pelos modernos Douro DOC Batuta e Charme,
mentativa a frio, por dois meses, visando obter maior com-
torrado. Na boca, é concentrado, encorpado e equilibrado,
rentes estilos e produtores, fomos até Vila Nova de
hoje objetos de desejo de uma imensa legião de fãs. O enólo-
plexidade e mais concentração de sabores. Luis Seabra tem
com taninos finíssimos e longa persistência. Já o Charme
Gaia, para conhecer as instalações de um dos mais
go Luis Seabra nos esperava de copo e pipeta na mão, pron-
uma visão muito interessante sobre o tempo que um vinho
2004 é mais elegante que potente, com aromas complexos e
tradicionais produtores do Douro, a Messias.
to para uma prova de barrica das novas safras dos tintos da
deve permanecer nas barricas de carvalho. Para ele, “o
intensos e bom corpo. Em resumo, macio, longo e saboroso.
casa e de tanque, no caso dos brancos (Redoma e Tiara).
erro de muitos enólogos é retirar o vinho precocemente das
Depois de uma manhã esplendorosa, de céu azul
Os Portos da Nieepoort dispensam muitos comentários,
Degustação confirma
mas o Vintage 2005, em amostra de barrica, impressiona
potencial de
pela opulência e pela maciez. O já engarrafado Niepoort 10
envelhecimento
Years exibiu a habitual elegância, com aromas sutis de fru-
dos Colheitas
tas caramelizadas, equilíbrio perfeito e ótima persistência.
Na Messias, as grandes estrelas foram os vinhos da
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linha Porto Tawny, quando brilharam os Tawny 30
Symington aponta
anos e Tawny + de 40 anos, jóias lapidadas ao longo
os caminhos
dos anos em barricas de carvalho, onde o vinho sofreu
da modernidade
lento processo de oxidação, adquirindo complexos
aromas de frutas secas, especiarias e mel. No paladar,
dades da Família Symington, mostrou-nos como será o
estes vinhos são extremamente macios, longos e con-
futuro no Douro. Aqui estão instalados alguns dos mais
centrados. Os Colheitas foram um espetáculo à parte.
modernos equipamentos da região. Fizemos, inclusive,
Começamos com o caçulinha da turma, o Colheita
uma inédita prova de Vinhos do Porto produzidos com
1995 (engarrafado em 2006, após 11 anos em barrica),
técnicas diferentes, o que nos permitiu avaliar as qualida-
uma criança bem nutrida, que oferece aromas delica-
des de cada uma das técnicas.
dos de frutas caramelizadas, ótimo corpo, destacado
equilíbrio e longa persistência. Os irmãos mais velhos
com controle de temperatura e pisa por meio de enge-
vieram a seguir. Primeiro, o Messias Colheita 1982
Niepoort: elaboração
dos vinhos Douro DOC
– de cor âmbar intensa, repete o perfil aromático, com
Portos antigos
nas Caves Messias
A visita à Quinta da Cavadinha, uma das proprie-
O equipamento principal é o lagar de aço inoxidável,
Detalhe de azulejo
na Estação do Pinhão
nhosos equipamentos eletropneumáticos, que esmagam
as uvas com suavidade e eficiência, permitindo se obter
mais toques oxidativos e notas de tostado; o Colheita
Segundo nos explicou Luis, o Batuta é produzido a partir
barricas, quando o caráter de madeira ainda é muito
um mosto homogêneo, o que facilita a fermentação. To-
1967 prima pela maciez e concentração de sabores. Já
de uvas provenientes de vinhas muito velhas (algumas de pé-
acentuado. Isso dá ao vinho um excesso de madeira
dos os processos são controlados pelo operador, incluindo
o Colheita 1963 foi a grande atração da degustação,
franco – sem enxertia), com cerca de 70 anos, da Quinta do
quando for engarrafado. Se o vinho permanecer na
o enchimento e o esvaziamento do lagar, que dispõe de
revelando muita complexidade, aromas elegantes de
Carril, com boa porcentagem de Tinta Amarela. Os vinhe-
barrica por mais tempo, vai perder aos poucos o ca-
duplo controle de temperatura, quente e frio.
frutas secas envoltas em mel e sabor extraordinário,
dos da Quinta do Carril têm exposição norte, o que permite
ráter de madeira mais agressivo, afinando lentamente
evocando avelãs, e interminável persistência. Um vi-
maturação mais lenta, resultando em taninos muito finos. O
com o tempo”. Faz sentido e pudemos comprovar na
utiliza para a vinificação é um plunger, uma hélice rotativa
nho que mostra todo o potencial de envelhecimento
amadurecimento é feito em barricas de carvalho francês, 70
prática a veracidade das afirmações. Seabra reafirma
que se movimenta dentro de um tanque de aço inoxidável
dos Portos Colheitas, que merecem ser conhecidos
a 80% novas, por 20 a 22 meses. Já o Charme é produzido
a política da Niepoort, de não produzir vinhos em
com temperatura controlada, no sentido vertical, de baixo
por todos os apreciadores de Vinho do Porto. A título
numa vinícola situada no Vale de Mendiz, a partir de uvas
grande quantidade e sim com alta qualidade.
para cima e vice-versa, movendo as massas sólidas.
de informação, o Colheita 1947 é o mais antigo que
provenientes de vinhas velhas, com passagem em barricas de
Na degustação dos vinhos engarrafados, um desfile de
Na prova, testamos o mesmo mosto, vinificado de
a Messias dispõe e o mais novo é o Colheita 1995.
carvalho francês, quase 100% novas, por 12 a 14 meses.
primeira, começando com o Tiara 2005 (mineral, frutado,
três formas diferentes: lagar tradicional com pisa a
Outro equipamento muito interessante que a Symington
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pé, lagar robótico e tanque com plunger. O resultado não
poderia ter sido mais interessante. As diferenças são muito evidentes no aroma, mas pouco perceptíveis na boca.
Quinta do Noval, aqui se produz
um dos ícones do Douro.
Página ao lado - Taylor’s, em Vila Nova
de Gaia: uma grande atração é o restaurante
Barão de Fladgate, que tem uma das mais
lindas vistas da cidade do Porto
O vinho do tanque com plunger é intensamente aromáti-
Quinta do Noval
co, ressaltando o caráter floral; e o do lagar tradicional
mostra porque é um
o menos aromático dos três, mostrando que, num futu-
ícone do Douro
ro muito próximo, esta prática será abolida. Segundo o
pessoal da Symington, “a pisa no lagar robótico simula
mentos de nossa curta passagem pelo Douro. Sonho de
com perfeição a pisa a pé no lagar tradicional, com a
consumo de qualquer enófilo que tenha um mínimo de in-
vantagem de se conseguir um perfeito controle da tem-
formação, a Quinta do Noval impressiona pela imponência
peratura de fermentação, um dos problemas mais críti-
de seus seculares vinhedos, pela beleza de suas instalações
cos do método tradicional, além da consistência do pro-
e, acima de tudo, pela fineza e elegância de seus vinhos,
cesso, que será rigorosamente igual para todo o lote de
que estabelecem um novo patamar de qualidade para os
uvas”. O investimento não é pequeno, cerca de € 30.000
vinhos Douro DOC e Porto.
a peça móvel que faz a pisa e cerca de € 20.000 cada um
dos lagares basculantes onde se faz a pisa.
dos pelo enólogo Antonio Agrellos fazem todo a amadure-
Na degustação na Symington, os destaques foram o
cimento em madeira na própria Quinta, o que permite um
Warre´s Otima 20 Years, um belíssimo Porto Tawny,
acompanhamento mais preciso de todo o processo. A empre-
delicado e sutil, e o potente Quinta do Vesúvio Vinta-
sa não tem mais nenhum armazém em Vila Nova de Gaia.
ge 2003, de aromas complexos de melaço, chocolate e
tostado, muito encorpado e longo.
perfeita sintonia entre o tradicional e o moderno, começan-
A visita ao Noval foi sem dúvida um dos melhores mo-
Produzidos integralmente no Douro, os vinhos elabora-
A parte de vinificação da Quinta do Noval mostra uma
do pelos impressionantes lagares de granito, com pisa robótica de alta precisão e
perfeito controle de temperatura, obtido pelo uso de trocadores de calor, por onde
circula o mosto que está sendo fermentado, sempre que for necessário. Os tonéis e
barricas de carvalho estão armazenados em local que dispõe de controle de temperatura e umidade, permitindo que o vinho receba toda a atenção necessária.
Na degustação pudemos comprovar o quanto esses cuidados extremos são impor-
tantes para se obter vinhos que são a síntese da perfeição. Começamos com os Douro
DOC, em duas versões, ambas com produção reduzida e alta qualidade. O Cedro do
Noval 2004, produzido com uvas provenientes da Quinta do Noval e de outras propriedades da empresa, é o vinho de entrada de gama. É feito com as uvas Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca, e passa 12 meses em barricas de carvalho francês, de
segundo uso. Rubi, com reflexos púrpuras, de boa intensidade, tem aromas de amoras
e ameixas maduras e de chocolate. Macio e concentrado, tem bom equilíbrio e longa
persistência. Já o Quinta do Noval 2004 é produzido apenas com uvas da Quinta, o
que torna a sua disponibilidade ainda menor, quase um ítem de colecionador. Aqui as
uvas são a Touriga Nacional, Tinto Cão e Touriga Franca, com passagem em barricas quase
100% novas, de carvalho francês. Sofisticado e complexo, o vinho tem no equilíbrio e
na textura dos taninos suas maiores virtudes. Encorpado na medida certa, saboroso e
muito longo, é um vinho que honra as tradições da Quinta do Noval.
Na linha dos Portos, uma seqüência de tirar o fôlego. Para começar, o Noval
Port LBV 2000, engarrafado em 2006, é puro prazer. Com deliciosos aromas de
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fruta em compota, melaço de cana e chocolate, doçura equilibrada, é extremamente macio, com taninos sedosos e longa persistência. É certamente o padrãoouro para este estilo, cada vez mais valorizado, de Vinho do Porto.
Os Noval Tawny não ficam atrás. O Noval Tawny Port 10 Years Old tem no
aroma ainda um restinho de frutas maduras, mescladas a frutas secas, com paladar
equilibrado. É elegante, longo e com textura sedosa. Já o Noval Tawny 20 Years
é de uma complexidade difícil de definir, com aromas de frutas secas envoltas em
mel e especiarias, sabor marcante e longo, muito macio e equilibrado. Coisa séria.
Na linha de Portos Vintage, a Noval tem três opções diferentes. A mais econô-
mica, o Porto Sinval, marca criada para ter um pouco mais de volume, é vendido por preços muito competitivos; e as duas versões do Quinta do Noval Port, o
ícone Noval Nacional e o Vintage clássico.
Provamos o Sinval Vintage 2003, muito agradável e concentrado, com tani-
nos muito finos, boa acidez e retroolfato delicioso. O Noval Vintage Port 2003
veio a seguir e mostrou força, com cor púrpura impenetrável (tem a uva Souzão na
fórmula), aromas ainda reticentes, com presença de frutas e toques florais. Na boca
é impecável, com perfeito equilíbrio, taninos de extraordinária qualidade, macio,
concentrado, longo e saboroso. Ainda uma criança, deve ter evolução espetacular.
O Noval Port Vintage 2004 é uma aposta certa, pois neste ano não foi produzido o Noval Nacional e as uvas foram direcionadas para a produção da versão
clássica. Monolítico e muito concentrado, o Noval 2004 tem frutas muito maduras
Graham’s Quinta dos Malvedos,
Um dos belíssimos vinhedos do Douro
Tonéis e barricas da Casa Ferreira (Sogrape),
um dos mais tradicionais produtores do Douro
no aroma, chocolate e tostado, corpo pleno, muita concen-
sante quando o assunto é Vinho do Porto. A conclusão foi
tração e longo final. Ainda não está sendo comercializado.
inevitável. Trata-se realmente de vinhos muito especiais e
O fecho de ouro veio com o Quinta do Noval Vinta-
que estão num patamar muito acima de tudo o que se pro-
ge Nacional 2003, produzido com uvas das videiras de pé-
duz hoje no Douro. Sem receio de cometer uma heresia e
franco da propriedade, pré-phylloxera, velhas senhoras de
sem ofensas a ninguém, poderíamos dizer que, guardadas
muito respeito. Negro e impenetrável na cor, exibe aromas
as devidas proporções, a Quinta do Noval é o “Yquem do
complexos e profundos, com toques de melaço, especiarias,
Douro” e certamente um dos vinhos que todo enófilo tem
chocolate amargo, tostado, um movimento sinfônico ain-
a obrigação de experimentar antes de morrer.
da em lenta evolução. Na boca é inacreditável: antológica
concentração, equilíbrio perfeito, longo, untuoso, taninos
Agradecimentos
a
Ca r o l i n a
a
Ca r l o s
Lousinha
Soares
( ICE P ) ,
(IVDP),
ao
nosso
e
gentil,
maduros e, acreditem, já acessível em sua mais tenra infân-
m oto r i sta
cia, algo impensável para um Vintage deste pedigree.
e a todos os produtores, que tão bem nos
r e c e b e r a m e m s u as Qu i ntas .
Uma constatação curiosa logo após a degustação: foi
Pa u lo ,
competente
a primeira vez que não consegui perceber o álcool em ne-
Arthur Azevedo é editor de Wine Style
nhum dos vinhos degustados na Noval, algo muito interes-
e p r e s i d e n t e d a A BS - S P .
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O DOurO - Instituto dos Vinhos do Douro e Porto