PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Estratégias materiais e espacialidade: uma Arqueologia da
Paisagem do Tropeirismo nos Campos de Cima da Serra/RS
Dissertação de Mestrado apresentada
como requisito parcial e último para
obtenção do grau de Mestre em
História na área de concentração em
História das Sociedades Ibéricas e
Americanas.
Versão
revisada
e
corrigida
após
ser
defendida
e
aprovada em 09 de janeiro de 2006.
ADRIANA FRAGA DA SILVA
Porto Alegre, janeiro de 2006.
Banca examinadora
Dr. Arno A. KERN (Orientador) – PPGH/PUCRS
Dr. Klaus Hilbert – PPGH/PUCRS
Dra. Beatriz Valladão Thiesen - FURG
2
“A viagem pode ser breve ou demorada,
instantânea ou de longa duração, delimitada ou
interminável, passada, presente ou futura.
Também pode ser peregrina, mercantil ou
conquistadora, tanto quanto turística,
missionária ou aventurosa. Pode ser filosófica,
artística ou científica. Em geral, a viagem
compreende várias significações e conotações,
simultâneas, complementares ou mesmo
contraditórias. São muitas as formas de
viagens reais ou imaginárias, demarcando
momentos ou épocas mais ou menos notáveis
de vida de indivíduos, famílias, grupos,
coletividades, povos, tribos, clãs, nações,
nacionalidades, culturas e civilizações. São
muitos os que buscam o desconhecido, e
experiência insuspeitada, a surpresa da
novidade, a tensão escondida nas outras
formas de ser, sentir, agir, realizar, lutar,
pensar ou imaginar. Toda viagem se destina a
ultrapassar fronteiras, tanto dissolvendo-as
como recriando-as. Ao mesmo tempo que
demarca diferenças, singularidades ou
alteridades, demarca semelhanças,
continuidades, ressonâncias. Tanto singulariza
como universaliza”.
Octavio Ianni
Dedico esta dissertação aos moradores
dos Campos de Cima da Serra e
aos que por lá seguem seus caminhos.
3
Resumo
Na busca de mecanismos de expansão de território e para exploração do
gado das Vacarias localizadas no sul da América, algumas estradas foram abertas
no século XVIII e meados do XIX. No entanto, com a abertura destas rotas, por
onde seguiu um intenso fluxo de tropeiros, novos elementos foram introduzidos na
paisagem. Busco através da arqueologia da paisagem, outras possibilidades
interpretativas para a paisagem arqueológica do tropeirismo nos Campos de Cima
da Serra. Procuro mostrar os processos de ocupação e domínio do espaço através
de estratégias materiais que acabaram por conformar diferentes espacialidades e
constituir novas paisagens compostas por elementos concretos e simbólicos de
domínio e controle do espaço, das pessoas e dos movimentos.
Palavras-chave: espaço, espacialidade, paisagem, arqueologia, tropeirismo.
Abstract
In the 18th century and at the beginning of 19th century some roads were
opened in order to find mechanisms for territory expansion and cattle exploitation
in the Vacarias located in South of America. Nevertheless, with the opening of those
routes, through which an intense flood of cattle drivers passed, new elements were
introduced to the landscape. Through the archaeology of the landscape, I search for
other interpretative possibilities to the archaeological landscape of cattle driver's
way in the Campos de Cima da Serra. In this thesis I intend to show the settlement
process and the domain of the space through material strategies that ended up
conforming different spatiality and constituting new landscapes made up of
concrete and symbolic elements of the domain and control of the space, as well as
the people and the movements.
Key-words: space, spatiality, landscape, archaeology, "tropeirismo" (cattle driver's
way)
4
Agradecimentos
A todos que caminharam comigo pelas longas estradas que
segui durante a elaboração deste trabalho. Devo a estes grandes
companheiros de viagem a base sólida e aconchegante que encontrei
para continuar seguindo outros caminhos.
Ao CNPq pela bolsa de estudos que viabilizou este trabalho.
Ao PPGH-PUCRS, professores e colegas, pelo espaço disponível
para discussões e abertura de novos horizontes.
À secretária do Pós-Graduação, Carla Helena, pela amizade e
por sua disposição em resolver os problemas da vida acadêmica de
todos os pós-graduandos.
À minha SUPER mãe e amiga, Eni Fraga da Silva, não há espaço
para tantos agradecimentos. Nem utilizando todas as páginas e
dicionários do mundo, conseguiria escrever ou encontrar as palavras
exatas para dizer o quanto sou grata à esta forte mulher. A quem
devo tudo que aprendi de mais nobre.
Ao Sérgio Viegas, pelo carinho e por cuidar da nossa Eni.
Ao Daniel, meu irmão, e a Claúdia, por terem nos presenteado
com a doce Mariana.
À minha segunda família, a equipe do NUPARq / UFRGS, com
quem tenho convivido, mais que intensamente, durante os últimos
sete anos. Agradeço pela amizade e apoio de Carolina Aveline,
Clarisse Jacques, João Saldanha, Leonardo Napp, Mariana Cabral,
Vanderlise Barão e aos agregados do NUPARq: Gerson Fraga e Edison
Cruxen.
Aos demais membros desta prole, aos quais devo especiais
agradecimentos: à Zeli Company pela ajuda nos trabalho de campo e
grande amizade; a Mateus Lovato, pelo auxílio nas prospecções; ao
amigo Rodrigo Angrizani, por acompanhar-me em grande parte desta
5
jornada, por dirigir a Kombi do NUPARq durante o trabalho de campo
e pelas, sempre bem vindas, críticas ao trabalho.
À
matriarca
da
família
NUPARq:
Sílvia
M.
Copé,
por
disponibilizar todo o material e estrutura necessária para a realização
do trabalho de campo, por ensinar-me a viver a arqueologia, pela
confiança e amizade.
Ao amigo André L. Jacobus, por te dado os primeiros “passos
arqueológicos” no estudo do tropeirismo no RS.
A mais que amiga Natália Pietra, pelo ombro sempre disponível.
Ao amigo Lenadro Boeira, pelos “retoques” das imagens e
elaboração das capas.
À comunidade de Bom Jesus e aos funcionários da SMEC, sou
grata pela sempre maravilhosa acolhida e receptividade.
Ao Ari Igino Palma Velho, proprietário da Fazenda do Costa, e
seus caseiros (Ni e André) agradeço a ótima hospedagem e amizade.
À família Suzim, Sra. Neli e Sr. Altamiro, pelo livre acesso e
receptividade que me deram em sua fazenda e pelos cuidados que
dedicam às ruínas do Registro de Santa Vitória.
À Gessira e Claudio Borges, proprietários da Fazenda do Cilho,
pelas informações fornecidas.
À historiadora Lucila Sgarbi dos Santos e Sr. Enor (o tio Noi),
pelas hospedagens no “cafofo dos tatuzinhos”, por todo o apoio,
incentivo, informações e estrutura que sempre me ofereceram para o
desenvolvimento deste projeto. E, ao mais importante de tudo, meu
mais sincero agradecimento pelo grande laço de amizade que
construímos nestes últimos anos.
À professora Lisète Dias de Oliveira, por apresentar-me o
tropeirismo como tema de pesquisa.
Aos estagiários do AHRGS, pela paciência e boa vontade que
tiveram durante o período em que lá pesquisei.
6
À colega Ana L. Herberts, pelo interminável troca-troca de
bibliografia, mapas históricos e outras fontes, durante este último
semestre.
Ao professor Moacir Flores, pelas muitas dúvidas esclarecidas.
Ao Prof. Regis Lahn, por disponibilizar material e equipamento
do Laboratório de Tratamento de Imagem e Geoprocessamento da
PUCRS.
Ao
geógrafo
Roger
L.
L.
Santos,
pela
ajuda
no
geoprocessamento.
Ao orientador, Prof. Arno A. Kern, pela confiança e amizade.
Ao amado Artur, com muito carinho, por encher de alegria e
colorido os caminhos que juntos percorremos. Por seu constante
incentivo, paciência e “empurrões” nos momentos de bloqueio
intelectual.
E, àqueles que por ventura tenha esquecido de mencionar o
nome, saibam que estes agradecimentos são apenas uma construção
materializada em uma folha de papel. No entanto, há outros espaços
na memória de bons momentos, onde todos estão devidamente
homenageados. Sintam-se abraçados e recebam os meus mais
sinceros agradecimentos.
7
Sumário
Apresentação..................................................................
Capítulo 1
1. Pensando e repensando o espaço...................................
1.1 – Espaço, espacialidade e paisagem. Para uma
Arqueologia da Paisagem.......................................
Capítulo 2
2. Ocupação indígena e formação das Vacarias....................
2.1 – A ocupação indígena da região..................................
2.2 – A formação das Vacarias: novos elementos de
paisagem e diferentes atrativos econômicos...............
Capítulo 3
3. Demanda do gado sulino e a abertura de estradas............
3.1 - Emerge um novo mercado consumidor........................
3.2 – Os caminhos que cruzam o Sul..................................
3.2.1 – O Caminho da Praia..............................................
3.2.2 – O Caminho dos Conventos.....................................
3.2.3 – O Caminho das Tropas...........................................
Capítulo 4
4. Estratégias materiais: uso e domínio do espaço................
4.1 - O Pouso..................................................................
4.2 – A Venda.................................................................
4.3 – Os Currais..............................................................
4.4 – Os Corredores.........................................................
4.5 – Os Registros...........................................................
4.5.1 – O Registro de Viamão............................................
4.5.2 – O Registro de Santa Vitória....................................
4.5.3 – Por dentro dos Registros........................................
4.5.3.1 – Entrando no Registro de Santa Vitória...................
4.5.3.2 – Entrando no Registro do Pontão...........................
4.6 – Campos de Cima da Serra. Campos de Tensão............
Ao fim da viagem.............................................................
Referências Bibliográficas..................................................
Anexos...........................................................................
Pág.
14
22
29
38
39
49
64
64
69
69
81
94
106
107
114
121
131
139
144
146
160
161
166
173
183
186
201
8
Índice de Figuras
Pág.
1. Mapa do Continente da Colônia do Sacramento Rio Grande
de São Pedro the a Ilha de Santa Catarina. Com detalhe do
Caminho da Praia............................................................... 75
2. Planta de acampamento com indicação do caminho que
segue do Rio Grande a São Paulo......................................... 77
3. Planta do Continente do Rio Grande de Antônio Inácio Roiz
de Córdoba, 1780.............................................................. 79
4. Detalhe do mapa de José Quiroga indicando o Caminho dos
Conventos e as variantes de acesso aos Campos de Cima da
Serra................................................................................
5. Demonstração do caminho que vai de Viamão the a Cidade
de S. Paulo.......................................................................
6. Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX................................
7. Pouso de Tropas. Goulart, 1961.......................................
8. Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX................................
9. Planta do Acampamento das Duas Primeiras Divizoens
Espanhola e Portuguesa da Demarcação de Limites da América
Meridional Junto as Margens do Arroio Chuy em Fevereiro de
1784. Detalhe de potreiro...................................................
10. Modelo de uma taipa em pedra.......................................
11. Detalhe de um curral construído no século XIX. Bom Jesus,
RS..........................................................................
12. Detalhe de um curral construído no século XX. Bom Jesus,
RS...................................................................................
13. Bloco com marcas de retiradas e lasca de encaixe. Detalhe
de
estrutura
de
um
corredor.
Bom
Jesus,
RS....................................................................................
14. Detalhe interno de uma taipa de pedra. Bom Jesus, RS.....
15. Aquarela Hermann Rudolf Wendroth, 1852.......................
16. Curral com reparos compostos de argamassa e cimento.
Bom Jesus, RS...................................................................
17. Esquema gráfico de um fosso para a estrutura de um
curral de vala....................................................................
18. Vista panorâmica de um corredor de tropas. Bom Jesus,
RS...................................................................................
19. Afloramento aproveitado na continuidade da lateral de um
corredor. Bom Jesus, RS.....................................................
20. Corredor envolvendo uma área alagadiça. Bom Jesus, RS..
21. Estrada atual que segue no interior de um corredor. Bom
98
100
111
113
113
123
124
125
126
126
127
128
129
130
131
134
135
136
9
Jesus, RS..........................................................................
22. Mapa Isométrico. Adaptado de Weber, Hasenack &
Ferreira, 2004. LTIG-PUCRS, 2005....................................... 138
23. Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de
Santa Catharina tirado dos Planos dados em 1781 para a
instrucão dos Comissarios da Demarcacão do Sul, dezenhado e
acrescentado com varias notas instructivas sobre o mesmo
Plano por Joze Correa Rangel de Bulhoens Ajudante de
Infant.ra con exercicio de Engnrº.1780. De José Correia
Rangel Bulhões..................................................................
24. Mapa que indica a localização do Registro de São Jorge das
Lages em 1791/1792....................................................
25. Mappa Plano Descriptivo do Porlongo de Cazas que
afazerão no Registo de Sta. Vitória, 1833..............................
26. Planta do Quartel de Policia e Caza da Collectoria no Passo
do Pontão da Freg.a da Vacr.a 1850......................................
27. Mapa de las Missiones de la Compañía de Jesús, de José
Quiroga. 1749………………………………………………………………………………
151
153
163
168
218
Capa principal e abertura de capítulos:
Leandro Boeira - Strat Design
www.strat.com.br
[email protected]
10
Lista de Abreviaturas
AESP – Arquivo do Estado de São Paulo
AHRGS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
ArPa – Arqueologia da Paisagem
CF – Códice Fazenda
CNPq
–
Conselho
Nacional
de
Desenvolvimento
Científico
e
Tecnológico
FOP – Fundo Obras Públicas
LTIG – Laboratório de Tratamento de Imagem e Geoprocessamento
MARSUL – Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul
NUPARq – Núcleo de Pesquisa Arqueológica
PPGH – Programa de Pós-Graduação em História
PRONAPA – Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas
PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
RIHGRS – Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Sul
SENATRO – Seminário Nacional Sobre Tropeirismo
SMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UHE - Usina Hidroelétrica
11
Apenas um convite
Nestes dois últimos anos, mais do que em períodos anteriores,
literalmente,
percorri
caminhos,
busquei
estradas
e
espaços
vivenciados. Estivessem estes em papeis, nas paisagens ou nas
lembranças daqueles que vivem nos Campos de Cima da Serra/RS.
Agora te convido a andar comigo. A caminhar por estradas que
já foram trilhadas. Caminhos que tiveram um significado particular
em um determinado tempo. Um tempo que já passou. Um significado
que talvez jamais consigamos alcançar. Mas, que está lá guardado transformado, mantido ou (re)elaborado - em algum lugar do
passado e nas ações e memórias dos agentes históricos.
Convido-te
a
uma
viagem
criada
através
das
minhas
perspectivas e vivências. Que parte de particulares observações,
compressões e sentimentos que vivenciei ao pesquisar documentos,
realizar leituras, observar imagens, espaços e paisagens.
Para esta viagem não necessitaremos de mochilas, malas,
bilhetes de passagem, carros, barracas ou reservas em hotéis.
Apenas sente-se em seu lugar confortável e leve somente seus
pensamentos. Será com eles que me acompanhará.
Pois bem, a hora de partir chegou. Me acompanhas nesta
tropeada?
12
13
Apresentação
Uma das preocupações de um pesquisador é mostrar ao leitor
que seu trabalho aponta um possível caminho interpretativo. Para
isso, é necessário apresentar os passos que constituíram a rota
seguida,
desde
a
elaboração
e
escolha
de
procedimento
metodológicos e teóricos até a concretização do texto.
Neste trabalho, os procedimentos metodológicos e as escolhas
teóricas serão o guia desta viagem e indicarão um rumo a seguir,
como um norte, apontado por uma bússola magnética. Mesmo
acreditando nos instrumentos escolhidos, outros poderão dizer que
seguir a direção indicada pela bússola pode não ter sido a melhor
opção. No entanto, são estas diferentes opiniões que mantém o ir e
vir, na busca de outras rotas possíveis.
É isto que apresento nesta dissertação. Um caminho que
escolhi, para tentar buscar outras formas de ver, ler, compreender,
sentir e analisar o tropeirismo: suas implicações na construção de
espaços e de paisagens sociabilizados e vivenciados de diferentes
formas e sentidos por cada agente e período.
Barbara
W.
Tuchman
aponta
que
o
ato
de
produzir
conhecimento,
“... tem uma sedução interminável;
escrever é trabalho pesado. É preciso
sentar-se
numa
cadeira,
pensar
e
transformar o pensamento em frases
legíveis, atraentes, interessantes, que
tenham sentido e que façam o leitor
prosseguir.
É
trabalhoso,
lento,
por
vezes penoso, por vezes uma agonia.
14
Significa
reorganizar,
acrescentar,
provoca
cortar,
uma
rever,
reescrever.
animação,
quase
Mas
um
êxtase, um momento no Olimpo. Em
suma, é um ato de criação” (TUCHMAN,
1991:13).
É justamente este ato de criação que fascina a todos que se
dedicam à pesquisa, a produção de conhecimento e ao desejo de
saciar sua curiosidade. Um conhecimento que seja fonte para
reflexão, que fomente questionamentos e que extrapole os moldes
tradicionais que, por vez ou outra, ainda se fazem presentes na
ciência.
O tema sobre o qual busco um caminho interpretativo é o
tropeirismo1, e como objeto as transformações do espaço durante a
abertura de caminhos, a posse e a ocupação de território, no século
XVIII e meados do XIX, nos Campos de Cima da Serra / RS2. Procuro
compreender, através da Arqueologia da Paisagem (ArPa), as
implicações
resultantes
deste
processo
de
(re)construção,
transformação e (re)significação do espaço, destacando as tensões
geradas em diferentes momentos e situações.
Tal objeto envolve outras estruturas3 que, além dos caminhos,
de uma forma ou de outra, fizeram parte desta atividade na região:
fazendas, locais de pouso, posto de pedágio e guardas, vendas, etc.
Mas, ainda há outros motivos que me levam a tal escolha, que
nada mais são do que justificativas e razões para a existência deste
trabalho. O primeiro foi a possibilidade de investigar, a partir de um
viés arqueológico, um tema que há muito tem sido pesquisado por
1
Entendido aqui como tropeirismo o fluxo de homens, transportando não somente
gado e produtos em lombo de mulas, a serem comercializados, mas também idéias
e costumes, configura o que conhecemos e denominamos como tropeirismo.
2
Tenho como área piloto o atual município de Bom Jesus/RS.
3
Como estrutura compreendo os elementos concretos inseridos no espaço.
15
historiadores,
arquitetos,
economistas
e
mais
recentemente
geógrafos.
A segunda justificativa é a forte ligação da população dos
Campos de Cima da Serra / RS com o tropeirismo. Tema que é
motivo de orgulho e de muitas das histórias e estórias que nos foram
contadas e recontadas por alguns moradores do município de Bom
Jesus.
Minha aproximação com a comunidade iniciou em fevereiro de
1999, quando uma equipe do NUPARq / UFRGS4 deu inicio a
pesquisas em sítios arqueológicos naquele município. Durante estes
anos, a equipe conquistou muitas amizades e intimidade com a
cidade e seus moradores.
Assim, não foi difícil envolver-me com essa temática. Ao passo
que, cada vez mais, fui interessando-me pela forma como o espaço
fora organizado e modificado para a viabilização da atividade
tropeirística;
pela
maneira
como
os
sujeitos
constróem
sua
espacialidade e sua paisagem; como atribuem a estas um sentido
sócio-cultural e como criam referências no espaço, as quais adquirem
diferentes significados.
A arqueologia, como uma ciência social, deseja ultrapassar as
abordagens funcionalistas e a simples busca pelo onde e quando
determinados grupos desenvolveram suas mais diversas atividades.
Almeja aproximar-se dos sujeitos
e interpretar o sentido dos
vestígios analisados em um complexo contexto num determinado
espaço e tempo. Cientes, é claro, de que este sentido jamais será
alcançado em sua totalidade, apenas tentamos nos aproximar deste,
através de nossas construções particulares. Buscando, cada um fazer
a sua viagem ao passado, por diferentes caminhos que nos levam as
mais diversas interpretações.
A terceira motivação para o desenvolvimento desta pesquisa
surgiu com a sensação do lugar e do tempo, ou melhor, o crescente
4
Equipe e núcleo de pesquisa coordenados pela arqueóloga Sílvia M. Copé.
16
entusiasmo pelo trabalho e suas possibilidades. Entusiasmo que
cresce ao percorrer a área, localizar vestígios e vasculhar arquivos,
em busca de pistas e evidências de um tempo passado. Um tempo
remoto onde sujeitos transformaram, vivenciaram o espaço e deram
a este um sentido social que ficou lá, em algum lugar do passado.
Além disso, a relevância deste tema, para a historiografia riograndense, também justifica este trabalho. Ao longo das pesquisas,
percebi que o conhecimento produzido acerca do tropeirismo está
fortemente vinculado ao que a historiadora Ieda Gutfreind (1992)
identifica como corrente lusitana5 e suas implicações no estudo das
origens do povoamento do Rio Grande do Sul. Percebe-se aí que os
estudiosos apontam o tropeirismo, e a abertura de rotas, como
fatores de integração do então Continente de São Pedro às demais
áreas da colônia portuguesa.
No entanto, analisando autores de países vizinhos, nota-se que
esta atividade não ficou limitada ao espaço luso-colonial. Este
movimento
de
ir
e
vir
de
tropeiros6
integrou
econômica
e
5
Ieda Gutfreind desenvolveu o trabalho aqui comentado como tese de doutorado,
defendida na Universidade de São Paulo. Parte do princípio de que a historiografia é
um produto social intimamente integrado a um determinado momento histórico.
Desta forma, a autora procurou dividir os autores em duas correntes
historiográficas, a lusitana e a platina, baseada em aspectos como: origem do Rio
Grande do Sul e suas relações com o Brasil; relações com o Prata; interpretação da
Revolução Farroupilha (se movimento separatista ou federalista); as Missões
Jesuíticas (se estavam sendo vistas como parte da história do RS ou do então
território espanhol) e a identidade o Gaúcho (em relação a seus congêneres
uruguaio e argentino).
6
Neste trabalho, não utilizo os termos tropeiros e condutores de tropas de forma
distinta. Para alguns autores, os primeiros são os proprietários dos animais e de
outros produtos conduzidos. E, que não necessariamente envolviam-se nesta
prática de translado. Eram os homens de negócio, os donos do capital. Como
condutores de tropas, apontam aqueles que praticam a tropeada. Sujeitos que
guiavam o gado ou transportavam outros produtos em lombos de animais, pêlos
mais diversos caminhos, atingindo as mais variadas regiões. No entanto, tanto na
bibliografia, quanto na documentação estes termos, por vezes, se confundem e o
conceito se homogeneiza. Optei por não distinguir os termos, exceto em casos onde
claramente tenha encontrado tal diferenciação na fonte estudada. Neste estudo de
caso o mais relevante é a ação do sujeito no espaço, interessando-me o fato deste
sujeito (com as variadas denominações) ser um transeunte, configurar, utilizar e
concretizar caminhos. Criando uma espacialidade e paisagem específica para cada
momento e grupo. Para melhor compreender os diferentes designativos
empregados ver: HAMEISTER, 2002: 59-70 e FLORES, 1998: 88.
17
culturalmente uma região muito mais ampla. Pretendo não fechar a
abordagem
espacial
em
limites
que,
apesar
de
questionados,
continuam sendo estabelecidos pela historiografia. Não considero os
antigos caminhos como vetores de ligação somente entre áreas da
América Portuguesa, mas sim a partir de uma perspectiva histórica
(temporal/espacial) mais ampla.
Procuro não afastar-me das noções de contexto regional para
compreender o que representou esta atividade, a espacialidade e a
paisagem por ela gerada, em uma área que ainda permanece social e
culturalmente integrada: a região platina7. Mesmo que, para isso,
tenha realizado um recorte espacial arbitrário (uma área piloto), de
forma a viabilizar o trabalho.
Após esta breve apresentação do tema, do objeto de pesquisa e
das justificativas e/ou motivos que me levaram a iniciar esta
caminhada, é necessário mostrar o roteiro desta viagem que te
convidei a acompanhar-me.
No primeiro capítulo, Pensando e Repensando o Espaço,
apresento algumas premissas teóricas e metodológicas. São escolhas
particulares que vem, pouco a pouco, sendo lapidadas, num
constante repensar indissociado do ato da pesquisa e da elaboração
do texto. Por este motivo, não caracterizo como um capítulo fechado,
pois, as idéias aqui apresentadas são constantemente retomadas no
decorrer do trabalho. No entanto, indico alguns conceitos chave para
o desenvolvimento desta pesquisa, como: espaço, espacialidade e
paisagem. Aproximando a Arqueologia de outros campos do saber,
busquei algumas ferramentas conceituais, através das quais segui um
caminho, entre os tantos outros possíveis, para chegar a uma
arqueologia da paisagem.
7
Compreendida como a ampla área de alcance da Bacia do Rio da Prata, com seus
grandes tributários, os rios Paraná, Paraguai e Uruguai (REICHEL & GUTFREIND,
1996: 13; OSÓRIO, 1990: 19).
18
No segundo capítulo, tentando compreender o espaço em suas
múltiplas variáveis, destaco no tópico 2.1, A ocupação indígena da
região, que as incursões brancas sobre este território não se deram
em um vazio. Havia, antes da chegada do colonizador, outras
espacialidades sendo vivenciadas e constantemente (re)elaboradas
por diferentes grupos e indivíduos. É sobre a paisagem criada por
estas ocupações que uma diferente espacialidade foi inserida a partir
da introdução do gado na região, como aponto no tópico 2.2, A
formação das Vacarias: novos elementos de paisagem e diferentes
atrativos econômicos.
A possibilidade de exploração destas grandes reservas de gado
fez da região sul um grande atrativo aos interesses coloniais. No
capítulo 3, Demanda do gado sulino e a abertura de estradas, aponto
no primeiro tópico o crescente mercado consumidor nas regiões
mineradoras. Os possíveis ganhos com o abastecimento de outras
áreas coloniais e a possibilidade de expandir seus domínios dirigiram
os olhares da administração colonial portuguesa para a estremadura
da América. Dentre as muitas ações efetivadas para a ocupação e
aportuguesamento deste espaço, destaco a abertura de estradas, as
quais serão tratadas no item Os caminhos que cruzam o Sul.
No quarto capítulo apresento algumas estruturas de apoio,
construídas junto às estradas, as quais ofereciam aos transeuntes
outros espaços vinculados aos caminhos em diferentes escalas e
intensidade, como: os locais de pouso; currais; corredores;
vendas. Espaços onde os tropeiros podiam, além de abastecer a
tropa com novos mantimentos, trocar ferraduras e comprar milho
para os animais tropeados, desfrutar de um momento de descanso
e convívio com seus pares.
Entretanto, não foram apenas as estruturas instaladas e/ou
mantidas por particulares, que movimentaram o espaço através do
tráfego de tropeiros. A Coroa, por sua vez, também encontrou meios
19
de confortar seus cofres com a instalação de postos de registro e
arrecadação tributária em pontos estratégicos.
A
construção
destes
novos
elementos
representa
uma
estratégia material de uso e ocupação do espaço, que atribuiu a este
um novo sentido, ou seja, criou uma diferente espacialidade. Calcada
em relações de domínio e subordinação, esta espacialidade gerou
uma paisagem caracterizada como um campo de forças, onde
diferentes interesses estavam representados.
Feita esta pequena apresentação do que encontrarás nas
próximas páginas, espero ao final deste trabalho ter deixado algumas
sementes que ao germinarem permitam questionar se o rumo
escolhido foi o mais adequado para o desenvolvimento do que aqui
apresento. E que tenha contribuído para que os caminhos já
conhecidos sejam questionados e que outros sejam constantemente
elaborados.
20
21
“No debemos preocuparmos con que
una obra permanesca tal cual es,
pero sí que ella deje semillas
que hagam nacer otras cosas”.
Joan Miró
1 - Pensando e repensando o espaço
Ao propor uma pesquisa que tem como método investigativo a
ArPa deve-se estar ciente que tal escolha envolve uma série de
conceitos oriundos do outras áreas do conhecimento, como por
exemplo: a Geografia, a História e a Sociologia. Estes conceitos,
como o de espaço, tempo e paisagem, modificam-se freqüentemente
de acordo com a matriz teórica que os origina e o contexto no qual
estão inseridos e foram elaborados.
Em um primeiro momento, pode-se dizer que o pensamento
clássico da modernidade8 apresentou o tempo como primordial
perante o espaço. Ao primeiro, foram reservadas as características de
dinâmico, vivo, dialético e fecundo.
O espaço foi apresentado como um palco, morto, inerte. Um
pano de fundo, fixo e estático, onde o homem desenvolveu suas
atividades e o explorou através da racionalidade instrumental. Desta
8
A modernidade clássica é compreendida como o triunfo da razão (objetiva ou
instrumental), onde todas as formas de dualismo são rejeitadas ao propor uma
ruptura total com o tradicional, o antigo. Por isso, a modernidade foi apresentada
como uma idéia de revolução. “Esta concepção clássica..., tem como tema central a
identificação do ator social com suas obras, sua produção, seja pelo triunfo da
razão científica e técnica ou pelas respostas trazidas racionalmente pela sociedade
às necessidades e aos desejos dos indivíduos” (TOURAINE, 1998: 37). Esta idéia de
modernidade perdeu forças, e a mesma passou a ser compreendida como algo bem
mais complexo. Onde foi possível perceber a separação entre o mundo objetivo e o
mundo subjetivo.
22
forma, “el espacio pasó a ser reaccionario y el tiempo, en cambio,
progresivo” (CRIADO BOADO, 1993: 15).
Como conseqüência desta dissociação entre tempo e espaço,
instalou-se a “miséria espacial”. Esta miséria não foi diagnosticada
somente nas ciências ditas sociais, mas também nas biológicas. Nas
quais a evolução foi, em um primeiro momento, mostrada como uma
sucessão
temporal,
uma
linha
de
tempo
evolutiva
(CRIADO
BOADO,1991: 10).
Entretanto, foi no início da idade moderna que o mundo, ainda
em parte desconhecido, deveria ser explorado. Neste instante, as
aspirações expressas através da modernidade foi o de conhecer
novas áreas e obter novos domínios geometricamente traçados. Junto
a este anseio surge uma diferente concepção geográfica, na qual
conforme Santos,
“Maquiavel se funde a Copérnico. Além
da contemporaneidade, ambos lutam
contra o mundo feudal e da mesma
maneira que o primeiro rompe com as
determinações divinas na construção
do poder, fluidificando as fronteiras
para
permitir
a
própria
guerra
–
conquistas e perdas que se expressam
no jogo de conjunturas efetivas -, o
segundo dá fluidez ao planeta, obriganos a um deslocamento na leitura, à
geração de uma concepção de espaço
matemático – e, portanto, ideal para o
entendimento do fenômeno" (SANTOS,
2002: 82).
A partir deste novo modo de ver o mundo o sujeito adquiriu
uma diferente consciência de estar no espaço. O qual ele passou a
controlar,
através
do
desenvolvimento
tecnológico
e
científico
23
específico. Nas sociedades ocidentais modernas foram elaboradas
formas de domínio e a distribuição de pessoas no espaço, onde mapa
cumpriu uma tarefa de investigação, exame e governo.
Logo, no mundo burguês, que neste contexto emergia, as
relações
foram
fundadas
na
dominação,
na
subordinação
de
populações e espaços e na acumulação do excedente produtivo.
Assim, aquela antiga criatura oriunda de um ato divino, transformouse em criador e passou a fazer parte de um mundo compreendido
como seu.
Conforme Santos (2002), pode-se afirmar que as categorias
centrais da modernidade foram o espaço e o tempo, “desmistificados”
e
“remistificados”.
Despidas
de
características
divinas,
estas
categorias, passam a ser “matematizadas” geometricamente9. O
espaço racionalizado foi representado como finito, mensurável e real,
características que fizeram deste algo a ser dividido, distribuído,
dominado, comercializado, etc. Este “espacio construido de acuerdo
con la racionalidad se puede definir como funcionalista, empírico y
moderno” (CRIADO BOADO, 1991: 08).
O espaço, moderno, foi compreendido como matriz natural. Um
cenário onde a história se apresentou com o passar do tempo, uma
simples superfície para ação humana. Nesta concepção, sujeito e
ação foram dissociados. Como resultante, evento, tempo e espaço
foram conceitual e fisicamente desvinculados.
Dissociado das relações de poder e dominação, desvinculado
dos sujeitos e suas ações, o espaço asséptico proporcionou um
quadro uniforme para qualquer contexto analisado. Desta maneira, o
espaço do Paleolítico, por exemplo, seria o mesmo que o espaço
elaborado no capitalismo tardio (TILLEY, 1994: 09).
9
A percepção moderna, do espaço nasceu no campo da arte, na esfera da pintura.
Fruto da invenção técnica da perspectiva e do ponto de fuga. “E nasce colada á
geometrização da confecção do quadro, através do artifício de uma tela de
quadrícula interposta entre o modelo e a tela orientada a transposição e a simetria
da pintura" (HISSA, 2002: 09).
24
Entretanto, a consciência do estar e viver um determinado
espaço passou por constantes modificações no seio da própria
modernidade10. Em síntese, o espaço e o tempo da maneira como os
concebemos hoje,
“...
são
criada
a
sistematização
pelas
e
simbólica
através
transformações
advindas
desenvolvimento
da
burguesa.
e
Produto
das
do
sociedade
condição
do
processo, o que pensamos ser espaço e
tempo são, na verdade, as ferramentas
que possuímos para sistematizar a
nossa
relação
maneira
como
com
hoje
o
mundo
ele
se
da
nos
apresenta” (SANTOS, 2002: 29).
Entenda-se então que o espaço, o tempo e, consequentemente,
a ação de sujeitos não são categorias estáticas, mas sim, relacionas
de forma dialética. As concepções de espaço, ação e tempo podem
ser
compreendidas
como
instrumentos
que
constantemente
(re)elaboramos, (re)significamos e utilizamos para transformar,
vivenciar e compreender o mundo em determinado tempo e espaço.
Por isso, o espaço é carregado de valores. No entanto, a
subtração
dos
significados
humanos
faz
deste
uma
categoria
homogeneizada. Na sociedade contemporânea, em alguns casos, se
10
A modernidade foi um movimento de “destruição renovadora”, decomposição e
unificação, um movimento que se autocriticou, recriou e teve a capacidade de
criticar sua própria origem. No entanto, não rompeu definitivamente com o
tradicional, o antigo, mas os trouxe para um outro momento, com diferentes
intencionalidades e modos de ver o mundo. Por isso, a concepção clássica da
modernidade foi repensada por muitos cientistas sociais. Os quais não mais a
conceberam como uma forma revolucionária de ruptura total. Liberto das culpas
que o pensamento religioso lhe impunha, o sujeito moderno pode unir prazeres do
corpo e da alma, ser sensível e ao mesmo tempo inteligente e hábil (TOURAINE,
1998). “O moderno é um ponto móvel: continuidade e descontinuidade" (HISSA,
2002: 62).
25
aponta a perda de significado das paisagens, construções e lugares,
uma vez que, o espaço criado para o mercado, por exemplo, é
apresentado como utilitário e racional. Um espaço desacralizado,
distanciado
das
pessoas,
dos
mitos
e
da
história
onde,
pretensamente, tudo pode ser controlado e explorado.
Para Relph, paradoxalmente, as paisagens modernas são
desumanizadas, perderam sentido e significado, pelo excesso de
humanização. No entanto, até mesmo esta dessacralização do espaço
apresenta sua função e sentido de ser. Está carregada de significados
e intencionalidades políticas, econômicas e sociais (RELPH, 1981 apud
TILLEY, 1994).
Para Le Goff (1987: 230-231), este espaço “é o lugar onde se
joga a história, o território das jogadas”. De maneira que,
“... o funcionamento de uma sociedade
inscreve-se no espaço e no tempo,
num espaço e um tempo ligados, e é
artificialmente que separamos o espaço
e
o
tempo
materiais
tomados
e
como
como
dados
elementos
concebidos e imaginados” (LE GOFF,
1987: 216).
Esta nova concepção e conceitualização que emergiu da própria
capacidade de autocrítica da modernidade, buscou entender o
homem no tempo e no espaço. O espaço passou a ser compreendido
como uma construção social, que segundo Lefebvre,
“... não é um objeto científico, afastado
da ideologia e da política; sempre foi
político e estratégico. Se o espaço tem
uma
aparência
indiferença
em
de
neutralidade
relação
a
e
seus
conteúdos e, desse modo, parece ser
'puramente'
formal,
a
epítome
da
26
abstração racional, é precisamente por
ter sido ocupado e usado, e por já ter
sido o foco de processos passados cujos
vestígios nem sempre são evidentes na
paisagem. O espaço foi formado e
moldado
a
partir
de
elementos
históricos e naturais, mas esse foi um
processo político. O espaço é político e
ideológico. É um produto literalmente
repleto de ideologias" (Lefebvre,1976b:
31 apud SOJA, 1989: 102).
O
espaço,
como
construção
sociocultural,
dotado
de
significados, a partir desta perspectiva, é abordado de forma
indissociada de duas facetas: a “natural” e a “social”. Para Tilley
(1994), esta nova visão teve inicio na compreensão do espaço como
um meio para a ação humana. No entanto, este também se
apresenta envolvido e é parte das ações, sendo socialmente
construído ou produzido por diferentes grupos, em diferentes lugares
ao mesmo tempo.
“Isto
é,
não
espaços.
construções
centrados
existe
Estes
espaço
espaços,
sociais,
em
são
relação
e
sim
como
sempre
às
ações
humanas e estão sempre relacionados à
reprodução ou mudança porque sua
constituição tem lugar como parte da
práxis diária ou atividades práticas de
indivíduos ou grupos no mundo. Eles
são significativamente constituídos pela
ação humana. Os espaços humanizados
são meio é resultado de ação, restrição
e
possibilidade
(...)
Construído
27
socialmente,
o
espaço
combina
a
cognição, o físico e o emocional dentro
de algo que pode ser reproduzido, mas,
está sempre aberto para transformação
e mudança. Isto está acima de todo
contexto
constituído,
configurações
provendo
particulares
envolvimento
e
para
construção
o
de
significados" (TILLEY, 1994: 11-12)11.
A
concepção
cartográfica
também
foi
modificada
para
representação destes espaços apontados por Tilley. Esta diferente
postura
teórica
percebe
que
cada
indivíduo
tem
sua
própria
concepção mental do espaço, o interpreta e interage com este
conforme
sua
idade,
sexo,
condição
social,
nível
intelectual,
interesses e motivações que o levam a perceber o mundo e a
(re)significar seu espaço conforme seu meio12 (CASTAÑEDA, 1991:
22). Por isso, considero as representações cartográficas, em mapas
ou em textos onde espaços são descritos, como formas particulares
de representação do espaço, de um espaço experimentado pelo
autor.
Até então apresentei as diferentes interpretações e concepções
do espaço, como categoria de análise e conceito constituído e
(re)elaborado em diferentes momentos. No entanto, é necessário
fazer uma distinção conceitual entre o que apresento como espaço,
espacialidade e paisagem.
11
Tradução (livre) da autora.
Como “meio” aponto o contexto vivenciado e experimentado pelo sujeito.
Envolvendo aspectos geográficos, políticos, religiosos, econômicos, sociais,
culturais, etc.
12
28
1.1
- Espaço, Espacialidade e Paisagem
Para uma Arqueologia da Paisagem
Conforme venho apontando, o espaço não será, neste trabalho,
abordado como um pano de fundo estático, um simples receptáculo
ou cenário para apresentação de atores, ou seja, dissociado das
ações humanas. Mas sim, como meio e resultado de/para tais ações,
como
componente
destas.
Evidentemente
certas
características
geográficas de um determinado espaço tem reflexos nas ações do
homem sobre este. Entretanto, não devem ser compreendidas por
um viés determinista e de cunho somente funcionalista.
O espaço como inerente às ações e socialmente construído, é,
conforme mostrou Le Goff (1987), repleto de significados. Entretanto,
encontra-se, neste aspecto uma linha muito tênue, mas significativa,
entre os conceitos de espaço e espacialidade.
Enquanto o espaço foi apresentado como meio e produto
das/para ações13 humanas, como espacialidade entendo os processos
de construção social e o sentido dado ao espaço. Todos os
significados que são atribuídos a este em diferentes (ou não)
contextos e tempos, por diversos grupos ou sujeito14. O espaço
socialmente elaborado configura a espacialidade15. Então,
“... é necessário começar deixando tão
clara quanto possível a distinção entre
o espaço per se, o espaço como um
dado contextual, e a espacialidade de
13
Aqui compreendidas como experiências, condutas e posturas de sujeitos e
grupos.
14
Utilizo o termo “ou não”, ligado a contexto e tempo, para indicar que em um
mesmo tempo, espaço e, até mesmo, num único grupo, diferentes sentidos podem
ser atribuídos ao espaço de acordo com as particulares visões de cada indivíduo.
15
Termo que Soja utiliza por não existir uma expressão em inglês que seja
“amplamente usada e aceita para transmitir a qualidade intrinsecamente social do
espaço organizado, sobretudo uma vez que as expressões ‘espaço social’ e
‘geografia humana’ se tornaram muito obscuras, com sentidos múltiplos e amiúde
incompatíveis” (SOJA, 1993: 101, nota 3). Por isso, também adoto este termo, pois
mesmo apresentando a palavra espaço seguida de adjetivações (social, político,
cultural, histórico) ainda evocará uma imagem física, geométrica e matematizada
deste (SOJA, 1993).
29
base
social,
o
espaço
criado
da
organização e da produção sociais (...)
o
espaço
em
primordialmente
si
pode
dado,
ser
mas
a
organização e o sentido do espaço são
produtos
da
transformação
translação,
e
das
da
experiências
sociais” (SOJA, 1993: 101).
Se antes apontei um limite muito tênue entre os dois primeiros
conceitos, notar-se-á que é também muito fina a linha que separa o
que compreendo como espacialidade, daquilo que apontarei como
paisagem. Na verdade, espaço, espacialidade e paisagem estão
amplamente relacionados. São verdadeiramente inseparáveis para a
proposta interpretativa que desenvolvo nesta dissertação. Como uma
construção sócio-cultural constituída por significados com sentidos
particulares
a
cada
indivíduo
ou
grupo,
afirma-se
que,
a
espacialidade, não está dissociada de aspectos e processos naturais,
sociais e históricos. Assim como, a paisagem também não o está.
Este entrelaçamento de processos a serem considerados, faz da
paisagem um palimpsesto. E é a partir desta perspectiva que a
apresento. Como a superposição de elementos concretos ou não, de
diferentes
significados
e
sentidos,
configurantes
de
diversas
espacialidades, sobre o mesmo espaço. Uma paisagem engloba
elementos do passado, do presente e de projeções e perspectivas de
futuro. Para Miltom Santos a paisagem é
“... onde, mediante acumulações e
substituições, a ação das diferentes
gerações
se
superpõe.
O
espaço
constitui a matriz sobre a qual as
novas
ações
substituem
as
ações
passadas. É ele, portanto, presente,
30
porque passado e futuro” (SANTOS,
1997: 84).
Se neste exato momento olhar-mos através da janela mais
próxima,
avistaremos
elementos
que
tiveram
sua
história
e
significado em um período passado16, e que fizeram parte da
espacialidade que determinado sujeito ou grupo vivenciaram e
elaboraram. Naquele passado, esta espacialidade fez parte de uma
paisagem diferente da que hoje vemos.
Continuando
elementos
nossa
foram
observação,
inseridos
neste
perceberemos
espaço,
ali
que
outros
implantados
em
diferentes períodos. Poderemos, no instante desta observação,
lembrar que a vizinha ao lado planeja reformar sua casa e pinta-la de
uma outra cor.
Todos estes elementos, incluindo os planos da vizinha, fazem
parte, mesmo aqueles de um passado distante, da paisagem que hoje
vemos. Desta maneira como paisagem compreendo um acúmulo
desigual e combinado de espacialidades pretéritas, presentes e com
projeções de futuro.
É
necessário
deixar
claro
que,
para
esta
proposta
interpretativa, independente do período abordado, a espacialidade e a
paisagem não são definidas, construídas ou desenhadas pelas ações
de um único grupo. Da mesma forma, se pode dizer que um grupo
não impõe sozinho, ou por si só, suas ações, seus sentidos e sua
espacialidade sobre o espaço.
A convivência de diferentes grupos e indivíduos em uma mesma
área, as tensões e negociações constantes e necessárias deste
convívio, geram uma paisagem que não apresenta as características
particulares de uma só parcialidade. Tampouco o mesmo sentido e
significado
para
cada
grupo
ou
indivíduo.
A
espacialidade
e,
consequentemente, a paisagem resultante, conterá elementos e
significados de quantos forem os atores e grupos envolvidos neste
16
Construções antigas, ruas, locais de ritos, etc.
31
espaço. Gerando uma paisagem e uma espacialidade únicas, que só
tem e adquirem sentido naquele espaço, em um determinado tempo.
A paisagem e a espacialidade, para este estudo de caso, são
abordados como a resultante da ocupação de dois grupos
17
em uma
mesma área. Por isso, é interessante destacar como Bourdieu
descreve o espaço social. Para este autor o espaço social é apontado
com um campo. Isto é,
“... como um campo de forças, cuja
necessidade se impõe aos agentes que
nele se encontram envolvidos, e como
um campo de lutas, no interior do qual
os agentes se enfrentam, com meios e
fins diferenciados conforme sua posição
na
estrutura
do
campo
de
forças,
contribuindo assim para a conservação
ou
a
transformação
da
estrutura”
(BOURDIEU, 2005:50).
Estes
campos
podem
designar
campo
político,
campo
econômico, campo cultural e quantos outros houver presentes ou
forem necessários abordar em um determinado estudo. A modificação
destes, por conflitos e tensões dos agentes envolvidos, mantém ou
transforma a ordem vigente. Desta forma, a paisagem pode ser, além
de um palimpsesto, considerada também como um campo, mas um
campo de poder. Que Bourdieu apresenta da seguinte forma:
“... não é um campo como os outros:
ele é o espaço das relações de força
entre os diferentes tipos de capital (...);
isto
é,
especialmente
quando
os
17
Refiro-me a sociedade colonial e indo-colonial. Divido este complexo universo em
dois pólos para, neste ponto do trabalho, melhor explicar o caminho escolhido para
abordar o tema. No entanto, sabe-se que estas divisões são por demais
generalizantes e homogeneizadoras, por trás destas há uma ampla e complexa
rede de relações e formas de ocupação do espaço.
32
equilíbrios estabelecidos no interior do
campo,
entre
especificadamente
instâncias
encarregadas
da
reprodução do campo de poder, são
ameaçados” (BOURDIEU, 2005: 51)18.
Ou seja, a idéia de campo de poder aponta um espaço comum,
alvo de diferentes interesses, repleto de tensões e relações de força
entre os grupos envolvidos, numa situação de domínio-resistência,
um
espaço
de
relações
sociais
permeado
de
hierarquizações
(QUIROGA 1999:275).
Os conflitos e as negociações, entre distintos grupos sobre o
espaço variam de acordo com os interesses dos agentes. É através
das ações destes que o estudo da paisagem, como “una construcción
social, da cuenta de los actores sociales, sus conductas y sus
actividades, y de las relaciones dinámicas entre ellos y su entorno
físico, en un contexto histórico específico” (BAYÓN y PULPIO,
2003:346), torna-se enriquecedor.
Esta espacialidade de domínio, como denomina Quiroga (1999),
se expressa, entre outros, na arquitetura e na localização e
organização dos diferentes tipos de assentamentos e estruturas.
Estas estratégias matérias de uso do espaço, a partir da estruturação
de novos elementos na paisagem, apontam também à existência de
um controle simbólico da área. Entretanto, não são somente nestas
expressões
materiais
que
se
constituem
a
espacialidade
e
a
paisagem.
A paisagem também é elaborada sem que, necessariamente,
alterações morfológicas ou estruturais concretas tenham ocorrido em
alguns de seus componentes. Neste sentido, um elemento do relevo,
um rio, uma árvore, uma pedra, configuram tanto quanto uma ruína,
um caminho, etc, uma paisagem (ENDERE e CURTONI, 2003:279).
18
Este capital, a que se refere Bourdieu, pode ser: capital financeiro, capital
cultural, capital político, capital bélico. E tantas outras “moedas para barganha” que
um grupo pode apresentar como vantagens para se impor a outro.
33
No momento em que um sujeito ou grupo nomeia um lugar ou
qualquer elemento da natureza, este também passa a fazer parte da
espacialidade e, consequentemente, da paisagem. Desta forma, os
nomes também criam as paisagens e podem ser compreendidas
através das ações humanas, mesmo que não materializadas, sobre
um espaço (TILLEY, 1994: 18-19).
A paisagem arqueológica investigada neste trabalho foi formada
a partir do movimento de tropeiros nos Campos de Cima da Serra.
Refere-se aquela elaborada desde século XVIII, quando na busca pelo
gado das vacarias (Pinhais e del Mar) caminhos (estradas) foram
abertos. Os quais podem ser caracterizados como as artérias que
alimentaram o mercado colonial e conseqüentemente conectaram a
região sul da América Portuguesa ao espaço platino como um todo.
Impulsionaram novas frentes de ocupação da terra, de colonização e
de controle do espaço e da espacialidade indígena.
Diante disso, conforme propõe Criado Boado (1999), abordo
uma ArPa que aponta o espaço em três dimensões: o espaço físico
(meio natural, uma realidade dada); o espaço social (seguindo as
idéias
de
Soja:
espacialidade);
o
espaço
pensado
(simbólico,
ideológico, a aplicação de uma ordem imaginada). Por tanto,
compreendo a ArPa como um método investigativo, através do qual,
se busca entender e aproximar-se dos processos de culturalização do
espaço através do tempo e pelas ações humanas, considerando as
mais variáveis facetas, contextos e o entrelaçamento das três
dimensões do espaço.
Se anteriormente a geografia foi herdeira do espaço, a história
do tempo e à arqueologia cabiam os vestígios materiais do passado,
como três áreas de conhecimento que estavam dissociadas. Nos
últimos 30 anos, estas áreas vêm se aproximando um pouco mais. A
geografia deixou de analisar o espaço somente como uma matriz
ambiental. A história mostrou o tempo e o espaço em relações
dialéticas, per si e entre si. E, posteriormente, apontou que os
34
processos sociais não só tem uma dimensão espacial, como são e
estão no espaço.
Neste
novo
contexto
de
produção
de
conhecimento,
a
arqueologia19, espacial por excelência, mesmo chegando um pouco
mais
tarde
nestas
discussões,
questionou
as
abordagens
funcionalistas e passou a conceber o espaço como criação humana.
Como um produto social, fruto de relações sociais e repletos de
significados.
A interpretação do espaço como algo que é mais movimentado
que estático, mais plasticidade que fronteira, implica em admitir a
complexidade e a dificuldade do estabelecimento de fronteiras
objetivas
“... e, indiretamente, de acolher o
significado
de
espaço
como
exclusivamente abrigo do tempo e de
movimentos. Diante disso, deve-se ler
que os processos temporais e históricos
não se dão sobre o espaço, mas
através dele. Reconhecer isto é admitir
a dinâmica espacial em seu conteúdo e
ainda conduzir a reflexão no sentido de
reavaliar posições como a que projeta
a aniquilação do espaço pelo tempo"
(HISSA, 2002: 292).
Constantemente elaboradas, reavaliadas, (re) significadas tais
posições, ou posturas teóricas e metodológicas, refletiram no
desenvolvimento da ciência dita social como um todo.
19
Refiro-me a Arqueologia Brasileira, visto que na América do norte e em alguns
países europeus a mais de trinta anos as abordagens funcionalistas e descritivas do
espaço já estavam sendo questionadas e novas possibilidades de análise e
interpretação surgiam.
35
Diante
destes
constantes
pensar,
repensar,
compreender
e
estabelecer conceitos, busquei um método investigativo que
possibilitasse abordar a paisagem considerando suas complexas
variáveis, no intuito de extrapolar abordagens de cunho econômico
e funcionalista. Não às deixando de lado, mas agregando a estas
outro olhar sobre o objeto de estudo. De forma que outras facetas
tornam-se visíveis e consideradas dentro de um todo político,
econômico, social, cultural e espacial.
Poderia escolher entre muitas das ArPa existentes, ou entre a
intitulada Arqueologia Espacial20, um caminho a seguir. No entanto,
aponto como possível caminho a ArPa que aqui apresentei, a qual
parte de uma escolha particular. Desejando que tal escolha deixe
sementes pelo caminho percorrido, possibilite o desbravamento de
novos rumos e outros questionamentos, num constante repensar.
20
Sobre as diversas arqueologias que dedicam-se ao estudo de espaços ver
BARCELOS, 2000. pp. 45-53 . Ali o autor apresenta uma revisão das diversas
correntes de abordagem da dita Arqueologia espacial e da paisagem.
36
37
2 – Ocupação indígena e formação das Vacarias
A ocupação colonial, nos Campos de Cima da Serra, se deu
sobre um espaço já ocupado. Os primeiros moradores daqueles
campos construíram espacialidades e paisagens particulares, sobre as
quais novos elementos e diferentes significados foram atribuídos a
partir da introdução do gado naquele espaço. É este o elemento
primordial dos processos que aqui procuro compreender, pois, na
busca pela exploração das vacarias, alguns caminhos foram abertos e
terras ocupadas, como estratégias para manter a posse do território e
garantir a exploração e comercialização do gado que se espalhou pela
região.
A expansão colonial tangenciou os Campos de Cima da Serra
em diferentes momentos e direcionamentos. No entanto, dois grupos
demonstraram interesses por esta região, os missionários jesuítas e
os colonizadores portugueses. Apesar disso, pode-se considerar a
formação da Vacaria de los Piñares como uma das primeiras
inserções espanholas sobre uma paisagem configurada somente por
elementos indígenas.
Schwartz aponta que
“...
os
interesses
paulistas
e
as
tradicionais21
atividades
suscitaram
naturalmente o apoio oficial ao avanço
português
em
direção
a
discutida
fronteira com a América espanhola.
Tanto os paulistas quanto seus rivais
tradicionais, os jesuítas espanhóis do
21
Autor aponta como atividade tradicional, ou básica, dos paulistas a caça ao índio
e as incursões de reconhecimento.
38
Paraguai,
haviam
desbravamento
e
se
envolvido
povoamento
no
das
terras que ficam ao sul de São Vicente”
(SCHWARTZ, 1999: 391).
Destes interesses, emergiu um campo de tensões onde por um
lado estiveram os jesuítas à serviço de Espanha que, envolvidos nas
aspirações expansionistas desta, pretendiam a evangelização de
grupos guarani na região noroeste e nos vales dos rios Caí, Jacuí,
Taquarí, etc. Por outro, posteriormente, se concretizou a presença
lusa, a qual teve como principais pontas de lança a fundação de
Colônia do Sacramento (1680), Laguna (1684) e do Forte/presídio
Jesus Maria José na Barra do Rio Grande (1737) como forma de
ocupar as terras meridionais.
Neste contexto, a região dos Campos de Cima da Serra formou
uma espécie de bolsão, o qual foi tardiamente foco das intenções
coloniais. Os interesses convergiram, sobre aquele espaço, como
forças centrípetas fomentadas pela busca do gado, posse e ocupação
de uma terra que, posteriormente, ficou sob administração lusa.
(FERREIRA, 2001; FLORES, 1998; HAMEISTER, 2002; OSÓRIO,
1999).
2.1 – A ocupação indígena da região
Alguns autores
apresentaram, a partir de uma perspectiva
eurocêntrica, não somente a região dos Campos de Cima da serra,
mas todas as áreas em que o projeto de expansão colonial lançou
seus tentáculos, como uma terra de ninguém. Este termo expressa
basicamente dois diferentes sentidos: o primeiro como um espaço
sem qualquer organização e administração política e econômica
estruturada. No entanto, não deixava de considerar os grupos
indígenas que por ali circulavam ou habitavam, como, por exemplo,
aponta Guilhermino César:
39
“... desde o descobrimento até 173722,
fora o Rio Grande, uma espécie de
‘terra de ninguém’ – quer dizer: índios,
missionários, aventureiros de Portugal
e
Espanha,
bandeirantes
paulistas,
todos se atritavam sem encontrar uma
cultura que fosse o seu denominador
comum” (CESAR, 1981: 109).
O segundo sentido designou terra de ninguém, como um
espaço sem ocupação branca23, povoado somente por indígenas. Os
quais,
apresentados
como
selvagens,
não representavam
uma
ocupação humana na região. A partir da visão do colonizador, estas
populações careciam de pensamento racional e foram apresentadas
como um elemento da fauna, assim como onças, pumas e tantos
outros bichos do mato.
Este segundo sentido foi vinculado aos denominados Bugres, ou
melhor, o gentio que ocupava a região dos Campos de Cima da
Serra24. Mabilde (1983)25 referia-se aos Bugres para diferenciá-los
dos Guaranis da seguinte forma:
“...
os
indígenas
selvagens
que
habitavam as matas da província do
Rio Grande do Sul são conhecidos entre
22
O autor se refere a 1737 como um marco, pois foi neste ano que o Forte/Presídio
Jesus Maria José foi fundado (CESAR, 1970: 72). Conforme Piccolo, juntamente
com a primeira fase missioneira (1626 com fundação de São Nicolau até 1641 com
a batalha de M’bororé) e a distribuição de sesmarias (desde 1732), a fundação do
Forte/Presídio na Barra do Rio Grande e mais ao sul, no Chuí, do Forte de São
Miguel, constituem alguns dos momentos fundadores do que veio a configurar o Rio
Grande do Sul (PICCOLO, 2000). Em outro trabalho, a autora também destaca,
dentre estes momentos fundadores, as diferentes iniciativas e preocupações de
uma ocupação que envolveu interesses públicos e privados (PICCOLO, 2001).
23
Branca no sentido de não indígena. Refere-se a europeus ou aqueles de
descendência européia.
24
Conforme Ignácio Schmiz S.J., “este grupo no começo da colonização, é
denominado Guaianá, na maior parte do século XIX de coroado ou bugre, a partir
do fim desse século de Kaingáng” (SCHMITZ, 1993:196).
25
Engenheiro Belga que trabalhou nas colônias e na abertura de estradas, durante
o século XIX.
40
nós pelo nome de bugres. Este parece
ser o nome guerreiro que se tem dado
para
diferençá-los
dos
indígenas
guaranis que, na época das conquistas
do
território
pelos
europeus,
não
procuravam a vida florestal como os
que chamamos de bugres” (MABILDE,
1983:07).
Esta diferenciação, em outros autores, não se expressou
somente na denominação, mas também nas características que o
branco delegou aos indígenas.
Enquanto
os
Guarani
foram
representados
como
mais
desenvolvidos culturalmente, os grupos de fala Jê, ocupantes do
planalto
meridional
(os
Bugres)
foram
apresentados
como
os
moradores do mato, hostis ao colonizador e inimigos dos guarani
(KERN, 1994: 93). Guilhermino César, afirma que esta população não
deixou heranças culturais aos gaúchos como fizeram os Guarani, os
Charrua e os Minuano. Para este autor
“... as demais tribus26 não se fizeram
notar por hábitos ou costumes e
crenças tão peculiares. Entretanto,
opuseram-se de algum modo à fixação
dos colonos alemães e italianos em
algumas zonas da Encosta da Serra.
Tangidos
pela
civilização,
refluíram
para as matas do Alto Uruguai, para a
região florestal de Lagoa vermelha”
(CESAR, 1970:25. Grifo meu.).
Em
suma,
estas
ocupações
foram
subestimadas,
e
representadas como feras irracionais, inferiores dentre os demais
grupos indígenas e que, em muitos momentos, significavam um
26
Referindo-se aos não Guarani, Charrua ou Minuano.
41
obstáculo ao projeto expansionista colonial. Esta foi também a forma
como os viajantes que cruzaram os Campos de Cima da Serra, no
século XIX, apresentaram estes indígenas. Um destes foi Nicolau
Dreys, autor da seguinte referencia:
“... os Guaianás que freqüentavam os
campos da Vacaria, acima da serra,
ainda existem nas mesmas paragens,
escondidos
nos
extensos
matos
da
vizinhança, onde saem inospidamente
para hostilizar os brancos” (DREYS,
1961: 155).
Entretanto, considerar esta área como uma terra de ninguém
(administrativamente) ou como um vazio (sem ocupação humana)
fez parte do discurso encontrado na documentação da época e na
historiografia. Discurso este, que configurou uma forma de justificar a
ocupação de uma área que, ao “não pertencer a ninguém”,
encontrar-se-ia livre para ser apropriada. Foi este discurso ocidental
moderno, o qual pressupõe e propõe a construção de um espaço de
progresso, lucrativo e racional, que viabilizou e justificou a efetivação
do processo expansionista sobre a região dos Campos de Cima da
Serra e tantas outras.
No entanto, mesmo que aqui eu não discuta as diferentes
maneiras que cada corrente da arqueologia apresentou os grupos
indígenas27, deve-se considerar que trabalhos arqueológicos vêm, há
mais de 40 anos, mostrando que a região sul da América portuguesa
esteve longe de ser um absoluto vazio. Tanto no sentido de não
haver ninguém fisicamente sobre aquele espaço, quanto em não
existir práticas políticas e econômicas nas áreas ocupadas. Trabalhos
mais recentes apontam uma região alvo de diferentes interesses e
Cabral apresenta uma interessante análise sobre os discursos científicos criados
por arqueólogos que seguem diferentes vertentes teóricas e metodológicas. A
análise da autora busca compreender como estes pesquisadores representaram os
indígenas em seus trabalhos (CABRAL, 2005: 12-35).
27
42
com redes de relações sociais, ocupação e construção de espaços e
paisagens bastante complexas28.
Pode-se dizer que, desde os anos 60, pesquisas arqueológicas
são desenvolvidas na região do planalto através do PRONAPA29,
programa que teve como um dos objetivos verificar a distribuição
geográfica
de
correspondentes.
vestígios
Para
isso,
arqueológicos
adotaram
e
modelos
as
cronologias
explicativos
já
utilizados por arqueólogos histórico-culturalistas de outros países.
Nestes
trabalhos
foram
elaboradas
tradições
e
fases
arqueológicas, através das quais explicaram a distribuição, difusão e
evolução de elementos em sistemas de ocupação apresentados de
forma homogeneizada. Estas fases e tradições foram instituídas a
partir da presença ou ausência de determinado vestígio arqueológico,
o fóssil guia, que poderia ser uma ponta de projétil, um biface
bumerangóide, uma cerâmica de determinadas características, etc30.
No entanto, não é objetivo deste trabalho discutir tais questões,
apenas as destaco brevemente para justificar que não indico os
ocupantes dos Campos de Cima da Serra, mais precisamente da área
do atual município de Bom Jesus, como os Taquara, numa referência
a uma das tradições arqueológicas estabelecidas durante os anos 60.
Este debate já se faz desgastado. Utilizar uma designação
referente a atributos arqueológicos para designar um grupo sócio
cultural de forma direta é extremamente complicado e por vezes
Copé et al, tratam da variabilidade de sítios no município de Pinhal da Serra/RS,
também localizado nos Campos de Cima da Serra. Os autores questionam a
problemática de assentamentos na região e procuram novas propostas
interpretativas (COPÉ et al, 2002). Saldanha, em recente dissertação de mestrado,
mostra a complexidade envolvida e a ser considerada ao analisar estes grupos e
assentamentos. O autor também apresenta uma revisão crítica das arqueologias
efetivadas até então na região, e do fardo conceitual que estas deixaram como
herança aos pesquisadores atuais. Também deixa claro que a ocupação da região
envolve uma realidade social muito mais complexa do que até então alguns
pesquisadores têm apresentado, representado ou julgado ser (SALDANHA, 2005).
29
Para objetivos, metodologia e outros detalhes deste programa ver DIAS (1994;
1995).
30
Dias, em um capítulo de sua dissertação de mestrado, faz uma revisão crítica
sobre a elaboração e a utilização de tradições e fases nos estudos arqueológicos
(DIAS, 1994).
28
43
injustificável. Os apresentarei simplesmente como grupos indígenas
estabelecidos na região, grupos de fala Jê, os quais receberam as
mais diversas denominações31 e que não constituíram um grupo
único32.
Não tenho como objetivo discutir amplamente a ocupação deste
espaço por estes grupos33, mas sim apontar brevemente alguns
elementos desta ocupação, os quais ainda permanecem na paisagem
e no imaginário local.
Em
um
primeiro
momento
se
faz
necessário
afirmar
categoricamente que os espaços e as paisagens criados por grupos
indígenas não são estáticos34. Além disso, trata-se de um contexto
multiétnico, onde o espaço foi constantemente (re)elaborado e
(re)significado
a
partir
de
uma
dinâmica
espacial/territorial
e
temporal caracterizada por cada grupo que vivenciou a região35.
Sendo assim, é necessário apontar as diversas evidências deixadas
por estes grupos e considerar os componentes destas espacialidades
passadas, ainda presentes na paisagem atual.
Os elementos mais evidentes na paisagem, remanescentes
destas antigas ocupações, são as estruturas subterrâneas, ou buracos
de bugre como também são popularmente conhecidos. Tratam-se de
estruturas escavadas, de formato circular ou semicircular (o que é
31
Conforme já fora esclarecido na nota 24.
Laroque explica estas diversas denominações como representações construídas
pelos brancos, como uma forma geral de se referir aos indígenas desta região. Este
autor aponta a origem de algumas das designações e o fato destes não
constituírem um único grupo. Neste sentido, o autor destaca as diversas lideranças
indígenas existentes durante o século XIX, demonstrando a grande diversidade de
interesses e alianças realizadas entre estes e destes com o colonizador branco
(LAROQUE, 2000).
33
Para este particular ver: REIS, 2002; SALDANHA, 2005; SCHMITZ (org), 2002.
34
Como aquele cenário ou pano de fundo ao qual fiz referência no primeiro capítulo
da dissertação.
35
Para melhor entender este processo é interessante ver o trabalho de Curtoni, no
qual o autor trata de diferentes percepções e representações da paisagem e de que
forma estas estão vinculadas à identidade social. Ou seja, como as pessoas
percebem e representam a paisagem, através do tempo, criando vínculos que as
aproximam ou afastam de determinados lugares. Como estudo de caso, Curtoni
analisa a ocupação de alguns grupos indígenas, durante o século XIX, na região
ocidental do pampa argentino (CURTONI, 2000).
32
44
muito variável), que foram cobertas com algum tipo de fibra vegetal.
Esta cobertura era sustentada por uma rede de esteios menores ao
redor da estrutura e um esteio central de maior porte. O diâmetro e a
profundidade também variam de um caso a outro e, ao que tudo
indica, eram utilizadas como espaço doméstico e de sociabilidade
(COPÉ e SALDANHA, 2002; KERN, 1989 e 1994; REIS, 2002;
SALDANHA, 2005; SCHMITZ, 2002).
Durante a construção de tais estruturas um grande volume de
terra era movimentado. Este sedimento, em alguns casos foi utilizado
para aterrar o entorno da construção ou deixado nas proximidades,
formando os denominados montículos. Em Bom Jesus, sob a
coordenação da arqueóloga Sílvia M. Copé, no sítio RS-AN-03,
escavou-se uma estrutura monticular, onde foi possível compreender
as etapas construtivas da estrutura subterrânea, uma vez que, a
estratigrafia apresentada no montículo é justamente o inverso da
identificada na estrutura subterrânea (COPÉ e SALDANHA, 2002).
Abaixo
deste
montículo,
junto
ao
solo
original,
foram
encontrados vestígios de uma grande queimada, a qual Copé e
Saldanha (2002) interpretam como associada a prática de limpeza de
terreno para a viabilização da construção.
Kern também faz
referência a esta prática, no entanto sugere que estes sejam
estruturas tumulares, o que para o caso de Bom Jesus não se
confirma36. O autor sugere que
“... a derrubada de árvores e a limpeza
das árvores, as escavações das casas,
a construção dos montículos tumulares,
são trabalhos que exigem um quadro
36
Na região hoje correspondente ao município de Bom Jesus (RS) e imediações,
não foram localizadas enterramento deste tipo. Ao que tudo indica, naquela área os
restos mortais eram depositados em abrigos sob rocha, como é o caso do sítio
localizado na região do matemático, próxima ao Rio das Antas, neste mesmo
município. No entanto, como mostra Saldanha (2005) vestígios de cremação foram
escavados em outra área do planalto (município de Pinhal da Serra, RS). Estes
vestígios estavam localizados sobre um manto de argila, abaixo de um pequeno
montículo situado ao centro de uma estrutura entaipada.
45
complexo e variado de convicções,
visões
de
terminam
mundo,
se
e
crenças
materializando
que
nestas
estruturas em terra” (KERN, 1994: 93).
E, são estas convicções, visões de mundo e maneiras de agir sobre e
vivenciar
o
espaço
que
fazem
destas
ocupações
processos
extremamente dinâmicos. E que, de certa forma, são atualmente
representados na paisagem e no imaginário local.
Dentre as tantas evidencias que despertam o imaginário
popular, estão as denominadas estruturas entaipadas ou dançadores,
como são conhecidas popularmente. Trata-se de áreas de dimensões
variadas delimitadas por uma linha de terra (um aterro de baixa
altura), utilizadas para fins ritualísticos ou festivos37.
Entretanto, no planalto meridional existe uma gama variada de
sítios líticos, cerâmicos ou lito-cerâmicos, que não apresentam
estruturas com grande complexidade construtiva. No entanto, como
sugere
Copé,
é
interessante
repensar
o
que
as
pesquisas
arqueológicas têm afirmado sobre estas ocupações (COPÉ et al,
2002).
Até
então,
por
muitos
arqueólogos,
estes
sítios
foram
apontados como elementos de diferentes tradições arqueológicas, de
acordo com o material associado. Porém, estes mesmos podem ter
feito parte da espacialidade de um grupo ocupante e construtor de
estruturas que envolveram uma complexa movimentação de terra
para sua elaboração.
Apontar
relacionados
estes
a
sítios
outras
a
tradições
céu
ou
aberto
fases
como
é
uma
diretamente
das
tantas
alternativas possíveis. Mas, uma alternativa que simplifica uma
complexa ocupação, estruturação e uso do espaço; que minimiza um
problema aparentemente muito maior e complexo do que até então
37
Ver na nota anterior a referência ao trabalho de Saldanha, 2005. E para uma
breve apresentação ver Kern, 1994: 92-93.
46
foi tratado. Logo, a questão da distribuição e organização espacial, da
funcionalidade e da contemporaneidade dos assentamentos devem
ser revistas por outros olhos, considerando o espaço natural e o
espaço como produto social (COPÉ et al, 2002).
Kern também chama atenção para a variabilidade de sítios e
destaca uma possível unidade dentro da grande variabilidade. O autor
aponta que
“...
diversos
grupos
aparentados
coexistiam no planalto, instalados em
suas aldeias de casas subterrâneas,
evidenciando aspectos culturais locais
(...). Mesmo quando subdividimos esse
imenso
espaço,
levando
em
conta
pequenas variações nas técnicas de
elaboração da cerâmica, devemos ter
em mente que o conjunto dos dados
arqueológicos conhecidos nos sugere
uma
unicidade
cultural
com
algumas
tradições
importante,
milenares
coexistindo de maneira simultânea com
as
inovações
modernizadoras
do
processo de neolitização local” (KERN,
1994: 97).
Desta maneira, com este breve panorama tive como objetivo
mostrar a inadequação da expressão terra de ninguém em qualquer
dos sentidos apontados anteriormente. Entretanto,
“... a informação sobre o modo de vida
e a história da população Guaianá do
começo da colônia é quase nula porque
nem os bandeirantes paulistas parecem
ter tido maiores contatos com eles, a
pesar de passarem por seu território
47
para alcançar as reduções do Tape,
nem
os
missionários
portugueses.
Estes fizeram algumas tentativas de
missão,
mas
fracassaram
e
abandonaram a empresa” (SCHMITZ,
1993:196).
O que aconteceu com estes grupos nos primeiros dois séculos
pós 1500, ainda permanece pouco conhecido, no entanto no século
XIX:
“... eles vão ser notados quando a
colonização feita pelos fazendeiros nos
campos altos e os alemães nas matas
da encosta do Planalto entram em seu
território e passam a considerá-los um
estorvo para a ocupação efetiva do
território” (SCHMITZ, 1993:196).
Com as frentes de ocupação foram concretizadas estratégias
materiais de domínio do espaço e subordinação das sociedades
indígenas, nas quais a lógica de ocupação e sentido do espaço (a
espacialidade) foi quebrada com a inserção dos novos elementos e de
uma
outra
espacialidade,
que
configurou
uma
paisagem
com
diferente sentido.
Por isso, apresento em linhas gerais, no tópico seguinte, o
processo de inserção do gado na região sul a partir da formação das
vacarias, para mostrar um dos momentos de transformação da
paisagem sulina através de elementos inseridos pelo europeu, o
gado. O qual representou um atrativo a portugueses e espanhóis que
passavam a freqüentar a região dos Campos de Cima da Serra em
busca desta riqueza.
48
2.2 – A formação das Vacarias: novos elementos de paisagem
e diferentes atrativos econômicos
Com o objetivo de apontar o processo de exploração das
Vacarias não somente em moldes econômicos e funcionais, mas
considerando as relações do homem com o espaço e os frutos da
terra38, busco, a partir da introdução e da exploração do gado,
compreender a diferente espacialidade e a paisagem resultante. As
quais foram constituídas com a inserção de novos agentes e
elementos naquele espaço.
Por isso, faz-se necessário apontar a origem do produto
transladado pelos tropeiros: o gado. Bem como, algumas das tantas
possíveis linhas explicativas sobre a formação da Vacaria del Mar e da
Vacaria de los Piñares, as quais representaram reservas de gado que
fomentaram um forte movimento exploratório e ocupacional em
direção a estremadura meridional da América.
A região sul da América, em um primeiro momento, não
despertou
grandes
interesses
dentre
os
projetos
da
Coroa
Portuguesa. Até meados do século XVII, a área que veio a configurar
posteriormente o Continente do Rio Grande de São Pedro, ofereceu
somente preocupações com limites fronteiriços e poucos atrativos
para a exploração econômica e ocupação do solo. (PICCOLO, 2000;
PESAVENTO, 1994; HAMEISTER, 2002).
No entanto, com a possibilidade de exploração das grandes
reservas de gado, os interesses metropolitanos dirigiram-se para esta
região. Novas rotas foram sendo traçadas no intuito de abastecer
internamente a colônia e incrementar o mercado externo com couros,
língua, charque e outros produtos oriundos do gado, tanto por via
marítima quanto por via terrestre (FLORES, 1998). Estas rotas
tiveram como objetivo escoar os produtos e ampliar e rede de ligação
entre determinados pontos de suma importância para a garantia de
38
Faço uso desta expressão, também utilizada por Garavaglia (1998) para referirme às reservas de gado formadas na região platina como produtos da terra.
49
posse e exploração da região. Mas, como estas reservas de gado se
formaram?
Muitas e controversas são as idéias apontadas para explicar a
introdução do gado na região platina, que variam de acordo com a
corrente historiográfica. No entanto, ao que parece, este debate
alcançou maior projeção através das tentativas de estabelecer a
origem do gado da Vacaria del Mar. A discussão se dava em torno
dos responsáveis pela introdução do gado. Sendo assim, as diferentes
visões apresentavam distintas origens, as quais poderiam ser através
da ação de colonos estabelecidos nas cidades espanholas, jesuítas e
guaranis das primeiras reduções do séc. XVII, ou portugueses através
dos contatos com a região de Assunção.
Alguns
pesquisadores
preocuparam-se
tão
somente
em
demonstrar quem introduziu este gado e em que momento, sem uma
preocupação com possíveis origens; outros se dedicaram a apontar
os primeiros introdutores de gado vacum naquela região. Há também
trabalhos que desejaram afirmar uma origem única para os rebanhos
(CESAR, 1970; PORTO, 1954; VELHINHO, 1964).
Alguns autores apontam a formação desta vacaria a partir de
duas proveniências, a primeira de São Vicente, quando algumas
cabeças de gado foram levadas a Assunção (sete vacas e um touro)
em 1555, pelos irmãos Cipião e Vicente de Góis. A Segunda procura
definir que a origem deu-se a partir de algumas cabeças de gado
trazidas do Vice Reino do Peru durante a segunda fundação de
Buenos Aires.
Quanto ao gado procedente de São Vicente, fato conhecido
como as sete vacas de Gaete em função do nome do peão que,
segundo a lenda39, as conduziu até Assunção (PORTO, 1954), existem
algumas controvérsias. Para Bruxel (1960) parece impossível que
somente sete vacas e um touro tenham originado tal vacaria. Fica
Utilizo o termo lenda para destacar uma questão que, apesar de parecer
secundária, ocupou grande espaço no debate historiográfico.
39
50
evidente que este autor não afirma a unicidade do rebanho. Ou seja,
procura afirmar a múltipla origem deste gado sem apontar a
supremacia de uma nacionalidade ou outra, como fator originário.
Uma vez que, as divisas nacionais sequer existiam, as fronteiras
coloniais
eram
pouco
precisas
e
extremamente
maleáveis
e
permeáveis e tampouco as vacas, os touros, o gado cavalar, o muar
ou de outro tipo qualquer reivindicavam alguma nacionalidade.
Nesta
busca
pelas
origens,
os
pesquisadores
seguiram
correntes historiográficas diferentes, onde alguns associam a este
processo
certos
sentimentos
patrióticos.
Tais
trabalhos
se
apresentam, conforme definiu Gutfreind (1992), basicamente, em
duas matrizes: a matriz platina e a matriz lusitana40. Como matriz
platina, a autora apresenta aquela que enfatiza as relações com a
região platina.
Como matriz lusitana a autora refere-se aquela que minimiza as
aproximações com tal região, bem como, afirma a supremacia
cultural lusa. Apresentando então um Rio Grande luso em sua origem
e brasileiro em seus sentimentos. Entretanto, ambas as correntes
historiográficas buscaram definir a origem e a natureza da sociedade
gaúcha.
Dentre os autores analisados por Gutfreind, e buscando
algumas obras que trataram da introdução do gado e origem das
vacarias, aponto Aurélio Porto como um autor que manteve uma
imagem do gaúcho criada ainda no século XIX, apesar de pretender
identificar a região sul com as demais áreas do Brasil. Sustentou uma
idéia mitificada do Rio Grande e do Gaúcho, “criando a imagem da
fronteira, da zona da campanha, e do tipo social que aí se
desenvolveu, dedicado às lides pastoris” (Gutfreind, 1992: 50).
Para Porto, foi no trato com o gado que o gaúcho adquiriu suas
características tradicionais. Em torno destes animais, vistos como
40
Sobre o desenvolvimento deste trabalho e os critérios utilizados pela autora para
estabelecer esta divisão ver nota 05.
51
elemento
que
exerceu
função
civilizadora,
segundo
o
autor,
desenvolveu-se o processo de ocupação e exploração da região sul
(Porto, 1954: 231-232).
Porto procura mostrar, através de uma grande quantidade de
documentos, o debate existente sobre as possíveis e diferentes
origens do gado na região platina. Mas em uma idéia ele finca pé, ou
seja, assume, e procura demonstrar com as fontes trabalhadas, que
podem ter existido cabeças de gado introduzidas por súditos da Coroa
Espanhola, mas é o gado oriundo de São Vicente o responsável pela
extensa vacaria encontrada nesta região. O autor escreve que:
“... o gado que os Jesuítas introduzem,
em 1634, no território que se estende
a Oriente do rio Uruguai, procede, em
suas
origens
rebanhos
de
primitivas,
São
Vicente,
dos
aí
introduzidos um século precisamente
antes, por ordem do donatário dessa
capitania Martim Afonso de Sousa”
(Porto, 1954: 243. Grifo meu.).
Buscando afirmar a origem deste gado como vicentino, Aurélio
Porto reforça:
“... o gado vicentino, que recebera uma
pequena
peruano,
mescla
um
século
de
sangue
precisamente
(1534-1634) depois de entrar em São
Vicente, atravessa o Uruguai e, mais
tarde, fechando o périplo secular de
sua marcha civilizadora, encontra-se
com seus irmãos de origem e sobe
novamente o planalto levado pelos
paulistas até as feiras tradicionais de
52
Sorocaba” (Porto, 1954: 265. Grifos
meus.).
Apontando o gado sulino como o elemento civilizador e de origem
vicentina, Porto procura negar influências do gado oriundo do Peru
neste rebanho. Em alguns momentos da leitura de sua obra tem-se a
sensação de que o gado é o único agente social deste processo, um
agente movido por sentimentos nacionais, como transparece no
trecho transcrito acima41.
Enquanto Porto buscou comprovar, de forma determinista, que
todas as ações humanas foram guiadas em função do gado
transladado neste espaço, sendo este um agente que seguiu, na
visão do autor, uma marcha civilizadora, Arnaldo Bruxel (1960)
apresentou suas explicações com razões menos nacionalistas. Este
autor tratou de discutir três pontos básicos, os quais constituiriam um
único processo: o fato, a primazia (quem foi o primeiro) e a
unicidade. Neste último ponto, o autor discute a origem única ou não
do rebanho da Vacaria del Mar.
No
prólogo
do
texto,
esclarece
seu
posicionamento
historiográfico, opinando que:
“... o homem nesta parte do mundo,
durante
parte
séculos
a
pegada
acentuamos
grande
seguia
do
em
boi.
expressamente
parte’,
porque
grande
Mas
‘em
não
comungamos na idéias exagerada
Buscando o contexto da obra de Porto, Gutfreind (1992) aponta que no pós 1920
inicia o discurso da matriz lusitana. A qual se diferencia da platina na maneira de
relacionar o RS com o Império (e a República) e com o Prata. A autora mostra que,
a partir de 1920, o estado assume um compromisso com a construção da história.
Na verdade, a partir desta década buscou-se “aproximar” o Rio Grande ao Brasil,
em um contexto de luta pela hegemonia nacional e legitimação de poder. Para isto,
mostrou-se necessário legitimar a identidade brasileira deste estado sulino. Aurélio
Porto inseriu-se neste contexto quando escreveu sobre a introdução do gado,
afirmando a origem vicentina destes animais, em que pese sua opinião sobre a
pequena e insignificante miscigenação com o gado peruano.
41
53
dos que pensam que tudo dependia
do
gado.
Havia
muitos
outros
motivos nas ações dos homens, que
tiveram que ver com a antiga Banda
Oriental”
(Bruxel,
1960:
05.
Grifo
meu.).
Claro está que o autor se afasta de afirmações deterministas,
dizendo não ser as lides com o gado o fator único e determinante das
ações humanas. Apresenta, também, um posicionamento mais
cauteloso, se comparado ao de Aurélio Porto, quando trata das
possíveis origens do gado na antiga Banda Oriental42.
Em Bruxel (1960) encontram-se as mesmas possíveis origens
para o gado que formou a Vacaria del Mar. Contudo, este autor não
atribui uma nacionalidade especifica para estes animais, tendendo a
concordar com uma miscigenação de gado oriundo de diferentes
regiões.
Para discutir a introdução do gado na Banda Oriental, apresenta
três teses: a dos espanhóis, a dos índios e missionários e a dos
portugueses. Na segunda destaca-se um aspecto interessante de sua
obra, ao designar os índios e missionários da Companhia de Jesus
como um dos introdutores de gado na Banda Oriental.
Nesta
tese
Bruxel
atribui
ao
índio
uma
parcela
de
responsabilidade por esta faceta. Sendo uns dos poucos autores que,
em alguns momentos, apresenta estes como sujeitos sociais, não
atribuindo
somente
aos
missionários
os
méritos
sobre
a
movimentação destes animais.
Espanhóis, índios e missionários, e portugueses, reivindicaram
o direito de exploração da Vacaria del Mar. Todos é claro, tentaram
comprovar a primazia sobre o fato de terem introduzido lá esta
Como Banda Oriental o autor aponta os atuais territórios do Uruguai e do Estado
do Rio Grande do Sul.
42
54
riqueza. Bruxel explora cada um dos relatos e outras fontes que
tratam desta questão, a fim de expor os argumentos utilizados pelas
três teses, verificando onde, em cada uma delas, as fragilidades e
contradições aparecem.
A tese, denominada por Bruxel “dos espanhóis” parte da
afirmativa de que foi Hernandarias43 quem introduziu, na Banda
Oriental do Uruguai, 50 cabeças de gado vacum em 1611 e, outras
50 em 1617. Resumidamente, esta tese, ainda hoje, é apresentada
da seguinte forma:
“Luego de recorrer el territorio actual del
Uruguay
44
durante unos seis meses, se
dirigió a Buenos Aires, desde donde
comunicó
al
Rey
observaciones
de
España
que
las
efectuara;
describiendo las tierras al este del río
Uruguay
como
muy
buenas,
y
recomendando que fueran pobladas con
ganados con lo que, consideraba, en
pocos
años
prosperarían
abundantemente.
recomendación
Siguiendo
que
remitiera
la
al
Rey,
pocos años después Hernandarias volvió
a
viajar
a
la
“Banda
Oriental”
transportando una importante tropa de
ganado
vacuno,
que
liberó
en
su
territorio, con lo cual se dió origen a lo
que
constituyó
una
gran
riqueza
43
Hernán Arias de Saavedra, conhecido como Hernandarias, descendente de
colonizadores espanhóis, nascido em Asunción, foi designado governador do Rio da
Prata em três períodos: entre 1597 e 1599, entre 1602 e 1609 e, finalmente, entre
1615 e 1618.
44
Durante seu segundo mandato, Hernandarias dirigiu uma expedição para
reconhecimento da costa do Rio Uruguai até o Rio da Prata, quando em 1607
alcança a desembocadura do rio que desde então fora denominado Santa Lucía.
55
ganadera; cuya explotación fue una de
las
razones
importantes
determinantes
procesos
de
históricos
los
que
culminaron en la efectiva colonización del
territorio uruguayo, que había quedado
despoblado por parte de los españoles”45.
Sobre a segunda tese, a qual se atribui aos índios e
missionários a responsabilidade pela introdução de rebanhos na
Banda Oriental, Bruxel aponta que “os índios com os padres
lançaram gado vacum entre 1630 e 1636” (BRUXEL, 1960: 162). No
entanto, em função das constantes investidas bandeirantes sobre as
reduções jesuíticas, em busca de mão-de-obra indígena no século
XVII, missionários e índios abandonaram o território no qual estavam
estabelecidos. Nesse contexto, o gado vacum deixado para trás
reproduziu-se livremente, formando a chamada Vacaria del Mar. Esta
parece ser a tese mais aceita por vários pesquisadores e, como
coloca Pesavento, neste processo “estava lançado o fundamento
econômico básico de apropriação da terra gaúcha: a preia do gado
xucro” (PESAVENTO, 1994:9).
A terceira tese aponta os portugueses como responsáveis pela
formação de tal vacaria. Ao que tudo indica, durante o governo de
Salvador Correa de Sá e Benavides46, os portugueses teriam levado
gado de São Vicente para Laguna. Para Bruxel,
“... pode ser também que levassem
algum gado para soltar em Colônia,
ainda que isto seria quase um absurdo.
Pois
na
primeira
fundação
nada
45
Em:www.escuela.digital.com.uy/biografias/hernandarias.htm
acessado em 08/agosto/2005.
46
Salvador Correia de Sá e Benavides foi Capitão-Mor e Governador do Rio de
Janeiro, com poderes, jurisdição e alçada nas Repartições do Sul e Capitanias delas,
Almirante das ditas Repartições, e Administrador das Minas de S. Paulo (Em:
http://rco2000.sites.uol.com.br/gp.htm acessado em 01/outubro/2005).
56
tinham.
sucessivas
Depois
nas
reocupações
não
tinham
oficialmente
campo para tal. E seria absurdo levar
tão longe gado quando havia milhares
de
cabeças,
bastante
perto”
47
(BRUXEL, 1960:152-153).
Além do mais, tanto para Bruxel, quanto para Porto a tese de que
Salvador Correa de Sá e Benavides tenha lançado gado nesta região,
não se sustenta nas fontes históricas conhecidas.
Entretanto, parece mais plausível a idéia de que foram os
guaranis e os jesuítas os responsáveis pela formação da maior parte
da Vacaria del Mar. Deve-se considerar o fato de que, ao contrário
das ações de jesuítas e indígenas, os quais levaram rebanhos para a
Banda
Oriental
com
o
objetivo
de
que
estes
procriassem
e
garantissem o abastecimento dos povoados, os espanhóis e os
portugueses não lançaram gado na região com a finalidade de
obterem frutos permanentes. É evidente que não se pode descartar
que alguns contingentes de gado tenham sido introduzidos por outros
grupos ou sujeitos, como afirmam as outras teses, mas fica claro que
cada uma delas foi apresentada e apropriada de forma a legitimar o
direito à exploração de tais animais.
Entre o final do século XVII e o início do século XVIII, formouse uma outra grande concentração de gado. Esta concentração, que
ficaria conhecida como Vacaria de los Pinares, deu-se no contexto do
retorno dos guaranis e jesuítas ao Tape. Se muitas discussões houve
sobre a origem do gado na Vacaria del Mar, parece haver um
consenso no fato de serem os indígenas e os padres da Companhia
de Jesus os responsáveis pela introdução destes animais na Vacaria
de los Pinares.
47
Colônia do Sacramento foi fundada em 1680, neste período, provavelmente, os
indígenas e os missionários já teriam um rebanho significativo na região.
57
Enquanto ocorria o abate indiscriminado do rebanho da Vacaria
del Mar, os missionários que estavam retornando ao território do
Tape desde 1682, estabeleceram sete novas reduções, as quais
somadas à outras vinte e três localizadas entre os rios Uruguai,
Paraná e Paraguai formavam um conjunto integrado de trinta
reduções de guaranis. No contexto do estabelecimento de novas
reduções, o abastecimento de gado crescia em importância e os
jesuítas passaram a almejar a formação de uma reserva de rebanhos
em uma área mais segura do que os campos abertos da campanha
da Banda Oriental. No final do século XVII, a região de los Pinares já
era visitada com freqüência pelos guaranis das reduções da margem
ocidental do Rio Uruguai (DE MASY, 1989:178). Carbonell De Masy
defende a hipótese de que a concentração de gado na região de los
Pinares tenha iniciado em 1701, durante a campanha de cerco a
Colônia do Sacramento pelas milícias de guaranis. Segundo este
autor, 1.400 cabeças de gado teriam sido retiradas da estância de
Yapeyú pelos padres Gilles Staes e José Brassanelli. Uma parte deste
montante teria sido deixada nos Pinares pelo padre Staes. Em 1705,
o padre Silvestre González fez uma descrição desta região e suas
condições para o desenvolvimento da nova Vacaria:
“...no tiene que hacer esta vaquería,
con la bondad en un todo, con la de
Pinares, así en los pastos, como en las
aguadas, como en las rinconadas, en el
camino y en la cerca, y en la comodid;
y también en la comodid de hacer vacas
y el poder ver desde luego adonde las
hay. Algo más fría sí es que está,
porque es tierra más alta, pero mucho
58
más amena”48 (apud DE MASY, 1989:
179).
Algumas reduções como San Lourenço, San Luis e San Miguel
parecem haver realizado grandes retiradas de animais desta Vacaria.
Diante disto, o Provincial dos jesuítas determinou, em 1715, a
interrupção da exploração de gado de los Pinares e a introdução de
40.000 cabeças por parte das reduções que haviam se beneficiado
anteriormente, sendo que as demais deveriam aportar outras 40.000.
Segundo De Masy, isto constituiria uma re-fundação da Vacaria e los
Pinares. A preocupação com esta reserva de gado se justificaria pelas
constantes investidas de espanhóis e portugueses na Vacaria del Mar,
a qual não apresentava condições de controle e defesa por parte dos
guaranis das reduções (DE MASY, 1989: 182. nt.71).
A reprodução do gado, controlando o abate dos rebanhos que
iam sendo levados à região missioneira, garantira parte do sustento
das reduções e a formação de um grande rebanho. A cada povoado
foi assinalada uma determinada quantidade de animais, e cabia a
estes estabelecer invernadas em campos seguros como forma de
garantir a reprodução.
A mola propulsora para o lançamento de uma das atividades
básicas da economia sulina em períodos posteriores, estava sendo
formada. Em realidade, os Jesuítas criaram deliberadamente nas
vacarias uma espécie de poupança a ser explorada. Contudo, o
acesso exclusivo a estes rebanhos não pode ser garantido. De forma
que, muitos foram os beneficiados com a captura destes animais.
Pode-se dizer que o gado daquele momento representou o ouro de
um futuro não muito distante. “Uma riqueza sem par, esperando o
momento certo e os homens capazes a explorá-la e pô-la em
Diario del viaje que hacen a la Vaquería del Mar el P. Juan María Pampeyo y el
Hno. Silvestre González. Museo Histórico Nacional, tomo 194, Montevidéo. In: DE
MASY, 1989: 179, nt 60.
48
59
movimento para outras regiões que necessitassem” (HAMEISTER,
2002: 28).
Juntas, as Vacarias del Mar e do los Pinares representavam um
atrativo para aqueles que pretendiam explorar o comércio do gado e
seus derivados. Gradualmente, iniciaram-se atividades portuguesas
na região visando apropriar-se do gado sulino e estabelecer relações
comerciais com outras áreas do Brasil.
Moacir
Flores
(1998)
apresenta
três
fases
para
o
desenvolvimento deste comércio na colônia portuguesa. Na primeira
o consumo de gado esteve ligado à economia agro-açucareira, pois
desde 1614 há referências às feiras de gado realizadas na Bahia49
(FLORES, 1994: 11).
Para este estudo as mais representativas são a segunda e
terceira fases identificadas pelo autor. A Segunda relaciona-se com a
descoberta de ouro nas Gerais, ocorrida no início do século XVIII
(FLORES, 1994: 14-15). Em função da proibição da criação de gado e
da plantação de alimentos na região mineradora, o gado caçado
(preado) na região sul e as mulas destinadas ao transporte de cargas
tornaram-se uma importante fonte de abastecimento.
A terceira fase ocorreu na segunda metade do século XVIII,
onde já era bastante significativo o número de fazendas dedicadas à
criação de gado e a existência de feiras para a comercialização deste
gênero (FLORES, 1998: 15-16). Apontaria também para a segunda e
a terceira fases a utilização e comercialização de produtos oriundos
do abate do gado vacum, como língua, couro, tendões, chifres e
Schuwartz aponta que a região as margens do Rio São Francisco “... foi
desbravada na década de 1590, com a ajuda de expedições contra índios
patrocinadas pelo governo. Os fazendeiros de gado, alguns deles também
agricultores ou relacionados com famílias de agricultores e seus vaqueiros
empurraram seu gado para além de ambas as margens do rio São Francisco, de
modo que, em torno de 1640, havia na região mais de dois mil currais”. O
desenvolvimento da pecuária nesta região foi tão grandioso que nas primeiras
décadas do século XVIII havia na região nordeste mais de 1.300.000 cabeças de
gado, rebanho este que cobria praticamente todas as necessidades das indústrias
locais, de açúcar e de fumo, com gado em pé e produtos oriundos destes
(SCHWARTZ, 1999: 379).
49
60
sebo, os quais rendiam bons lucros à coroa portuguesa no comércio
interno colonial e nos mercados europeus.
O incremento destas atividades comerciais intensificou-se ao
longo do século XVIII e teve início a abertura de rotas no intuito de
explorar, de forma mais intensa, esta riqueza. Neste processo foi
importante a ocupação do território para garantir a posse de terras
próximas a tal recurso e manter rotas seguras para o trânsito dos
semoventes. A captura e o translado destes animais aproximou
economicamente a estremadura da América portuguesa ao restante
da colônia e ao espaço platino como um todo, através do comércio de
gado.
Assim, pouco a pouco foi incrementada a atividade pecuária na
região, a qual teve como ponto de partida a prea do gado xucro
oriundo dos rebanhos das vacarias. A formação da Vacaria de los
Pinares representou a inserção espanhola sobre um espaço até então
indígena, o qual não havia despertado muitos interesses dentre os
portugueses. Como afirma Guilhermino César, esta vacaria
“... estava muito mais ao alcance das
Missões paraguaias que dos lagunenses
e dos paulistas. Estes últimos só muito
mais tarde é que puderam extrair a
riqueza ganadeira dos Campos de Cima
da Serra, dada à falta de caminhos,
nas regiões alpestres da Serra Geral,
por onde teriam de passar as tropas
vindas do sul (...). Só no segundo
decênio do século XVIII foi que essa
região começou a ser palmilhada por
gente de São Paulo e da Laguna –
tropeiros,
empenhados
em
conduzir
gado vacum, muar e cavalar para as
61
populações e as recém descobertas
Minas Gerais” (CESAR, 1970: 77).
Até o momento da formação desta reserva de gado, os Campos
de Cima da Serra, representavam um espaço a ser desbravado pela
frente de ocupação lusa. Apesar de ter sido rota de passagem para
algumas incursões bandeirantes (JAEGER, 1940: 33), continuou como
um sertão50 pouco comentado na documentação.
Entretanto, a
investida lusa sobre este espaço se concretizaria, entre outras ações,
com a abertura de rotas que possibilitaram o escoamento do gado.
A partir da abertura destes caminhos foi dado início ao processo
ocupacional gerando muitas tensões nesta região. Tanto a abertura
de estradas quanto o estabelecimento de fazendas, representaram a
inserção de novas estruturas de poder e de outra dinâmica econômica
frente às populações autóctones.
Para melhor desenvolver estes últimos pontos apresentados,
no capítulo seguinte aponto o emergente mercado mineiro e a
abertura de rotas comerciais. As quais além de constituírem meios
para
o
desenvolvimento
econômico
dos
agentes
coloniais
portugueses, configuraram elementos de paisagem carregados de
um expressivo poder simbólico.
50
Sertão no sentido de pouco conhecido, ainda por ser explorado.
62
63
“Mas os caminhos do mundo não estão traçados.
Ainda que haja muitos desenhados nas cartografias,
emaranhados nos atlas, todo viajante busca abrir
caminho novo, desvendar o desconhecido,
alcançar a surpresa ou o deslumbramento.
A rigor, cada viajante abre seu caminho, não
só quando desbrava o desconhecido, mas inclusive
quando redesenha o conhecido”.
Octavio Ianni
3 – Demanda do gado do Sul e a abertura de estradas
3.1 - Emerge um novo mercado consumidor
Durante o século XVIII a atividade dos bandeirantes continuou
pelo interior do espaço colonial luso, maximizada pelo objetivo de
confirmar as chamadas áreas de mineração (RUSSEL-WOOD, 1999).
Se em um primeiro momento a descoberta de ouro gerou impacto
positivo aos administradores coloniais, posteriormente, os problemas
e as preocupações começaram a surgir.
Ao legitimar áreas de mineração como São Paulo, Minas Gerais,
Cuiabá, Mato grosso, Goiás e as comarcas de Jacobina, Rio das
Contas e Minas Novas de Araçuaí na Bahia51, as redes de comércio
colonial foram modificadas. A linha tradicional de oferta e de procura
foi abalada, pois entrou em cena um mercado altamente competitivo
51
Russel-Wood (1999) apresenta uma interessante contextualização do ciclo do
ouro nestas regiões, entre 1690 e 1750. O autor aponta minuciosamente a
descoberta e as conseqüências em cada uma das “áreas mineradoras”, tanto em
contexto local, quanto colonial e metropolitano. Analisa igualmente o destino dos
lucros gerados pela exploração deste minério na economia colonial e metropolitana,
as mudanças administrativas e fiscais instauradas e as alterações sociais geradas
na corrida pelo ouro.
64
em função da demanda das populações mineradoras (RUSSELLWOOD, 1999: 476).
Para os fazendeiros das áreas costeiras ficava cada vez mais
difícil competir, no momento da compra de mão-de-obra escrava,
com os mineradores. Estes últimos ofereciam valores mais altos e, ao
contrário dos primeiros, pagavam no ato da compra em dinheiro ou
ouro, o que prejudicou a produtividade de alguns núcleos agrícolas
em função da falta braços nas lavouras. Além disso, a exploração
aurífera tornou-se um grande atrativo para a população (oriunda dos
mais variados setores) que almejavam alguma riqueza ou para
aqueles que buscavam apenas a sobrevivência (RUSSELL-WOOD,
1999).
Desta forma, um significativo contingente populacional lançouse à corrida pelo ouro. Como aponta Zemella,
“...
a
notícia
despertava
provocava
delírio!
A
de
cada
novas
novas
descoberta
ambições
investidas.
fortuna
ao
Era
alcance
e
o
de
quantos tivessem coragem e forças
físicas para escalar as montanhas que
vedavam o acesso ao solo mineiro. Daí
o formidável rush para as Gerais”
(ZEMELLA, 1990:40).
Em contradição com a grande riqueza explorada, as regiões
mineradoras vivenciaram a mais absoluta carência por produtos de
primeira necessidade, como gêneros alimentícios (RUSSELL-WOOD,
1999). Como destaca Zemella (1990), em pouco tempo:
“... aquele rush em direção às minas
gerais se transformou em calamidade
pública. Tantos foram os ambiciosos
que correram em busca do ouro que
surgiu o perigo de despovoar-se o
65
Reino. Também as cidades litorâneas
do Brasil viram-se diante da mesma
ameaça. Seus habitantes emigraram
para as Gerais e elas ficaram quase
desertas e mesmo indefesas, porque
até os soldados desertaram, fascinados
pela promessa de riqueza fácil nas
regiões
de
além-Mantiqueira
(ZEMELLA, 1990:47).
Este boom populacional teve como resultado o significativo
aumento na procura e consumo dos mais variados produtos. Por isso,
conforme aponta Cláudia Chaves (1995: 147) ao se referir as Minas
Gerais, o comércio colonial na região mineradora, constituiu um
negócio bem sortido. Segundo a autora havia ali, durante o século
XVIII, um espaço importante e lucrativo tanto para produtos
importados como louças, tecidos, ferramentas, mobiliário, queijos,
azeites, etc, quanto para os gêneros coloniais (os frutos da terra),
como alimentos, gado vacum, muar e outros de pequeno e médio
porte (porcos, galinhas, patos, etc). No comércio de importação ou
no comércio local foram tropeiros, comboieiros, boiadeiros, mascates
e comerciantes de toda a sorte os responsáveis pelo surgimento de
outras redes de distribuição, a partir da abertura de novos caminhos
e da criação de novos mercados (CHAVES, 1995; ZEMELLA, 1990).
Neste contexto, os paulistas usaram e abusaram das redes de
comércio já formadas ou por eles criadas e fomentadas, através das
quais buscaram consumidores na região mineradora. Trilharam
caminhos num constante ir e vir para suprir o abastecimento das
minas e aumentar seus lucros. No entanto, estes homens se
diferenciavam “... por isso mesmo daqueles que, levados pela febre
do ouro, apenas pensavam na ida e não na volta” (ZEMELLA, 1990:
57).
66
Os
paulistas
atraídos
por
grandes lucros
aumentaram
a
produção, com o intuito de fornecer produtos à população mineradora
e buscaram em regiões distantes os gêneros que eles mesmos não
produziam. O que incluía o transporte e a comercialização do gado
sulino, pois não tendo:
“... bastante gado bovino para fornecer
às minas, foram estabelecer currais e
criar grossas boiadas nos campos de
Paranaguá e Curitiba. Mas ainda, não
tendo muares em número suficiente
para
transportar
as
cargas
que
demandavam as Gerais, nem podendo
fornecer
as
bestas
necessárias
aos
trabalhos das lavras e ao transporte do
ouro,
foram
buscá-los
nos
descampados sulinos, nas planícies do
Rio Grande do Sul, Uruguai, territórios
Correntino e Entrerriano” (ZEMELLA,
1990: 60).
Ao contrário dos produtos importados citados por Chaves
(1995), o gado oriundo da região de Corrientes, Entre Rios, Santa Fé
e Banda Oriental do Uruguai não necessariamente configuraram um
comércio
de
importação,
se
considerar-mos
que
as
fronteiras
coloniais nesta região não eram precisas52. Neste sentido, Zemella
atesta que:
52
Estas relações comerciais, por muitos autores, têm sido apontadas somente
como vetores de integração do sul com outras áreas da colônia portuguesa, sem
que as relações com o espaço platino, como um todo, sejam devidamente
analisadas. Não afirmo que estas rotas não tenham contribuído para “aproximar”
áreas da América portuguesa. No entanto, deve-se considerar a movimentação de
tropeiros hispano-americanos no Rio Grande e de paulistas, lagunistas e outros
súditos da Coroa portuguesa em território espanhol, num intenso ir e vir. Por isso,
merece destaque as importantes, fortes e largas relações do sul português com
outras áreas do império espanhol. Uma aproximação que algumas correntes
historiográficas negaram.
67
“... não se pode precisar até onde tal
comércio
era
nacional
e
onde
começava a ser externo. É que nessa
época as áreas da bacia do prata não
estavam totalmente definidas, quanto
à
nacionalidade.
Durante
o
século
XVIII, muitas pendências e mesmo
guerras se trataram entre Portugal e
Espanha, pela posse da áreas platinas
contestadas. (...) Além do mais, a base
desse comércio era o contrabando”
(ZEMELLA, 1990: 91)53.
É nesse contexto, no mercado interno colonial, que a região sul
da América Portuguesa e outras áreas platinas aproximaram-se ainda
mais, como fornecedoras de um dos produtos que as regiões
mineradoras
gêneros,
necessitavam.
inúmeras
administração
rotas
colonial
Para
foram
viabilizar
o
estabelecidas
enxergaram,
na
translado
e
região
os
destes
olhos
platina,
da
novas
possibilidades de lucros, de expansão territorial e de estabelecimento
de fronteiras. Conforme comenta Rodrigues:
“... com isso, a fronteira começa a
movimentar-se, levando para o sul o
colono
português,
o
lagunista,
o
paulista, e provavelmente o encontro
entre estes e o selvagem solto ou
reduzido, que era só o que existia
naquele
território.
A
terra
dos
53
Sobre o comércio ilegal de muar Gil (2002) apresenta a importância desta prática
comercial nas fronteiras do Rio Grande e Rio Pardo. Aponta as estratégias
desenvolvidas pelos contrabandistas, as relações destes com o restante da
sociedade e os suportes encontrados no governo, entre 1760 e 1810. O trabalho
trás importantes elementos para reflexão sobre esta prática comercial entendida
por alguns como ilícita e por outros como um movimento comercial como outro
qualquer.
68
minuanos,
guaianás
charruas,
e
tapes
guaranis,
reduzidos
vai
chamar-se o Continente de São Pedro
do Rio Grande. Uma enorme área de
terra
livre54
oportunidades
oferecia
de
novas
aproveitamento
econômico. Com essa linha movendose, começava também o efetivo e
rápido aportuguesamento do território”
(RODRIGUES, 1986:30. Grifo meu.).
Este processo de aportuguesamento do território deu-se em
momentos como: a fundação da Colônia do Sacramento (1680); a
construção da Fortaleza de Santa Teresa (1762), a fundação de
Laguna (1684); a concessão de sesmarias (1732); a construção do
Forte de São Miguel no Chuí (1734)55; do Forte/Presídio Jesus Maria
José na barra do Rio Grande (1737) e, na abertura de rotas para
escoamento do gado e produtos oriundos destes animais56. O tópico
seguinte trata justamente destas estradas.
3.2 – Os caminhos que cruzam o Sul
3.2.1 – O Caminho da Praia
Descrito por Domingos da Filgueira em 1703, este caminho
seguia da Colônia do Sacramento a Vila de Laguna pela faixa
litorânea dos atuais territórios do Uruguai, Rio Grande do Sul e parte
do Estado de Santa Catarina. Em “Roteiro por onde se deve governar
54
Apesar de Rodrigues apontar uma interessante perspectiva sobre a movimentação
e o estabelecimento da fronteira, percebe-se aqui a persistência de uma visão
perigosa e eurocêntrica na utilização de termos como terra livre ou terra de
ninguém. Além disso, o autor aponta, de forma generalizada todos os indígenas
como reduzidos, o que de fato sabe-se que não ocorreu.
55
A construção deste forte iniciou, pelos espanhóis, em 1734 e foi tomado pelos
portugueses em 1737.
56
Três rotas foram significativas neste período: O Caminho da Praia (1703), A
Estrada dos Conventos (1727), o caminho das Tropas (1732).
69
quem sair por terra da Colônia do Sacramento para Rio de Janeiro ou
Vila de Santos”57, Filgueira descreve um caminho que percorreu,
segundo ele, sem muitos percalços.
Neste roteiro o autor menciona dados geográficos e outros
referentes aos recursos de caça e coleta. Comenta a necessidade de
se fazer balsas para cruzar determinadas áreas, e indica as fontes e o
tipo de matéria prima a ser coletada para a confecção de tais
embarcações. No entanto, não faz referência a povoações indígenas
ou de novos colonos, entre a Lagoa de Castilhos e Laguna.
Para Guilhermino César, mesmo tendo sido trilhado por
Filgueira 23 anos após a fundação da Colônia do Sacramento, o litoral
rio-grandense ainda seguia despovoado. “O roteiro de Domingos da
Filgueira é uma prova disto: não menciona uma só povoação que
estivesse situada entre a Lagoa de Castilhos e a Vila de laguna”
(CÉSAR, 1981: 55).
Talvez por este motivo o roteiro seja rico em referências à
fauna
local,
pois
não
havendo
estruturas
para
obtenção
de
mantimentos (fazendas, pousos, vendas, etc.) a subsistência era
garantida por gêneros alimentícios transportados pelos viandantes e
pela atividade de caça. Como descreve o autor:
“... de Castilhos para adiante não
faltam porcos, cervos e veados pelas
campanhas. Aos cervos se deve atirar
com bala; aos porcos e veados basta
munição grossa. Também não faltam
pássaros
pela
praia.
(...)
Pelas
margens do Rio Grande há muita caça
de porcos e outros animais e pássaros
que
se
podem
provimento.
Com
matar
esta
e
fazer
prevenção
nunca faltou carne, nem se soube que
57
Está publicado em CÉSAR, 1981: 55-60 e também em anexo a NETTO, s/d.
70
cousa
foi
fome,
que
outros
experimentam por culpa sua” (apud
CÉSAR, 1981: 60).
Se por um lado esta rica fauna oferecia ótima fonte de
proteínas, por outro alguns cuidados deveriam se tomados pelos
futuros transeuntes da rota, principalmente no que diz respeito aos
ataques de onças. Aponta o autor que:
“... saindo da povoação da Colônia se
buscará o caminho do norte, que por
vinte e três dias se seguirá, e andarão
dois a dois com as espingardas
sempre
na
mão
e
prontas
por
causa das onças, passando a noite
em quartos e cuidadosa vigia com
fogo
ao
pé.
(...)
Em
todo
este
caminho é conveniente não penetrar
o mato mais do que para apanhar
caça” (apud CÉSAR, 1981: 57. Grifos
meus.).
Além dos cuidados e informações necessárias à subsistência
indicadas pelo autor, em todo o roteiro se percebe a preocupação
deste
em
descrever,
mesmo
que
de
forma
sucinta,
alguns
referenciais geográficos de suma importância aos futuros viajantes.
Além destes, Domingos da Filgueira deixou, ao longo do caminho,
elementos que indicavam sua passagem por aquele espaço, os quais
poderiam ser utilizados como balizas de direcionamento por outros
viandantes. No roteiro, estes dados foram apresentados da seguinte
maneira:
“De Castilhos até o Rio Grande se
gastam quatro dias, e tanto que se
tiverem andando três ou quatro de
Castilhos, se avista um lago que vai
71
costeando a costa e vai fazer barra
no Rio Grande. Chegando à dita barra
rio acima, obra de meia légua por
baixo da dita lagoa, faz a barra onde
se vê uma cruz que tem a era do
tempo em que nós passamos e
abaixo tem o ponto onde nós fizemos
boa aguada que é acima da barra do
rio Grande meia légua” (apud CÉSAR,
1981: 58. Grifos meus.).
As indicações em léguas das distâncias percorridas seguem
acompanhadas da quantidade de dias necessários para percorrer
determinado trecho, como uma forma de mostrar o nível de
dificuldade encontrado. Quanto mais tempo gasto para andar por um
trajeto,
maiores
podem
ter
sido
as
dificuldades
geográficas,
climáticas ou de outra natureza, encontradas para cruzá-lo. Filgueira
percorreu todo o caminho em quatro meses, entretanto aponta que
setenta dias são necessários para seguir de Colônia a Laguna:
“Nesta viagem gastei da Colônia até
Castilhos vinte e quatro dias; destes ao
Rio
grande
dezesseis;
deste
ao
povoado trinta, que por todos são
setenta, todos de jornada. E os que
faltaram para os quatro meses, que me
demorei, estivemos em ranchos pelas
muitas chuvas nos impedirem de seguir
jornada” (apud CÉSAR, 1981: 59).
Domingos da Filgueira descreveu tanto acidentes geográficos
marcantes e muito visíveis na paisagem, como os Morros de Santa
Marta, quanto outros muito sutis, os quais somente um caminhante
bem preparado e atento toma como referência e faz destes, parte de
72
um caminho a seguir. O autor aponta que ao cruzar o rio Araranguá
passando uma pequena lagoa:
“... se acha rasto de gado, e povoado,
que
dista
do
último
três
dias
de
jornada andando pouco; na primeira
ponta de pedra que se avistar junto
da praia, a que chamam os morros
de Santa Marta, se entrará para
dentro, e pelo rasto do gado se vai
dar ao povoado e logo se acharão
cavalos e ovelhas do capitão Domingos
de Brito, que é o povoador desta terra”
(apud CÉSAR, 1981: 59. Grifos meus.).
O fato de pegadas de gado no campo serem utilizadas como
orientação, indica uma forte intimidade com o espaço. Intimidade, no
sentido de percepção, neste caso visual, de todos os aspectos que
possam ajudar no deslocamento como referências que balizam o
caminho. E isto parece não ter faltado a Domingos da Filgueira, como
transparece em seu roteiro.
O Caminho da Praia, que em toponímias atuais “seguia pelo
litoral cruzava o Chuí, o canal do Rio Grande, o Mampituba, entrava
em Santa Catarina, passava pelo rio Araranguá, Tubarão, Itajaí até
São Francisco do Sul, onde pegava o Caminho dos Ambrósios,
dirigindo-se a Curitiba” (FLORES, 1998: 32), tem partes de seu
trajeto representadas em alguns mapas que aponto a seguir.
Na figura 1, mostro um mapa confeccionado na década de
1750. Os trabalhos que deram origem a este documento, foram
efetivados durante a expedição demarcadora de limites entre as duas
Coroas
Ibéricas,
em
que
Alexandre
de
Gusmão
atuou
como
Secretário de Estado junto aos interesses da Coroa Portuguesa.
Foram nomeadas duas comissões mistas, com membros de ambas as
73
Coroas, para realizar os trabalhos na região sul e na região norte
(GUERREIRO, 1999).
Para comissão que demarcou a região sul, as atividades
iniciaram em 1752, os interesses lusos estavam representados sob a
chefia do Governador e Capitão Geral Gomes Freire de Andrade e
posteriormente de José Custódio de Sá e Faria, enquanto a comitiva
correspondente aos interesses de Espanha esteve coordenada por
Gaspar Tello e Espinosa (Marquês de Valdelirios). No entanto, os
trabalhos foram interrompidos em 1753, em função da Guerra
Guaranítica58, e retomados em 1758. Em julho de 1759, estava
finalizada a primeira parte desta tarefa, ou seja, até a foz do Ibicuí
(que deságua no Uruguai). Logo em seguida foi dado início a segunda
jornada, finalizada em novembro de 1759 acima de Salto Grande, no
Paraná (GUERREIRO, 1999).
O resultado de todos estes anos de trabalho foi o “Mappa do
Continente da Colônia do Sacramento, Rio Grande de S. Pedro the a
Ilha de S. Catharina com a linha divizoria da arraya ajustadora do
tratado de Limittes celebrado entre as Coroas de Portugual e Castela
em o anno de MDCCL” (GUERREIRO, 1999: 27). Que apresenta a
linha demarcatória de limites (em vermelho), entretanto, destaca-se
o caminho percorrido pela expedição (em preto). A comissão
demarcadora aponta apenas uma parte do Caminho da Praia, desde
Sto. Domingos Suriano (próximo à confluência dos Rios Negro e
Uruguai) até as proximidades da Barra do Rio Grande, onde a
expedição seguiu para a região das missões.
58
Sobre a Guerra Guaranítica e a expedição da Comissão Demarcadora ver também
GOLIN, 1997; 2004.
74
Figura 1
75
O mapa apresenta também a localidade de Viamão, Aldeia dos
Anjos e Triunfo, sem que o registro ou Guarda Velha de Viamão
esteja representado. Igualmente, a região da Vacaria ou Campos de
Cima da Serra não foi apontada no mapa. Nota-se ainda, que o Rio
das Antas, o Rio Pelotas e seus principais tributários não estão
representados. Estas ausências mostram a função deste mapa e a
preocupação de seus executores, ou seja, detalhar as áreas por onde
seguia a linha do tratado de limites.
No
entanto,
o
caminho
apresentado
entre
Colônia
do
Sacramento e a Barra do Rio Grande transcorre por uma área rica em
detalhes como: localidades, hidrografia e relevo. No detalhe da figura
1 apresento um fragmento deste mapa que é interessante de ser
observado, uma vez que as representações cartográficas elaboradas
por portugueses, em meados do século XVIII e início do XIX,
raramente representam os caminhos abaixo da Barra do Rio Grande
ou para além do Chuí.
Esta rota foi apontada por alguns pesquisadores como natural,
não configurando um caminho a ser aberto, na medida em que
consideraram a faixa litorânea um espaço naturalmente trafegável.
No entanto, o fato de ter andado, descrito, atribuído significados,
apontado marcos e balizas, relacionando-se com o espaço percorrido,
faz de Domingos da Filgueira e dos demais que por lá transitaram os
criadores de um caminho, os quais fizeram desta “praia lavada”59 um
caminho a seguir, uma rota traçada.
A segunda figura corresponde a “Planta do Acampamento das
Duas Primeiras Divizoens Espanhola e Portuguesa da Demarcação de
Limites da América Meridional Junto as Margens do Arroio Chuy em
Fevereiro
de
1784”
(GIRALDO,
1999:
69).
Nota-se
que
os
acampamentos foram estabelecidos junto ao “caminho que vem do
Rio da Prata para Rio Grande”.
59
Ver também comentários de HAMEISTER, 2002: 37 apud CABRAL, 1976: 148.
76
Planta de acampamento com indicação do caminho que segue do
Rio Grande a São Paulo.
Figura 2
Na figura 1 pode ser identificado o local deste acampamento,
junto ao “R. Chuí”, onde está indicado o caminho seguido pela
expedição demarcadora. A representação deste caminho, na figura 2,
a diferencia dos mapas onde as estradas são apresentadas como
linhas pontilhadas. Na planta do acampamento o caminho é formado
por duas linhas contínuas paralelas, trata-se de uma estrada larga e
plana.
Dois podem ser os motivos para este tipo de representação. O
primeiro em função das inúmeras carretas, desenhadas em vermelho,
que por este trecho circularam. O segundo, por de se tratar de uma
representação em menor escala, o que possibilitou que a largura
deste caminho fosse representada.
77
Já na “Planta do Continente do Rio Grande” de Antônio Inácio
Roiz de Córdoba, elaborada em 178060 (Figura 3), o autor teve como
objetivo apresentar os limites do Rio Grande com as terras de
Espanha e a Capitânia de São Paulo. O único caminho indicado no
mapa foi o Caminho da Praia, representado por uma linha vermelha
pontilhada que segue desde Castilhos Grandes até a Barra do
Araranguá, trajeto não representado na figura 1, sobre o qual o autor
indica inúmeras localidades.
60
GUIMARÃES & SCLIAR, S/D: anexo.
78
Figura 3
79
A partir do que até aqui foi posto, as rotas abordadas nesta
análise, seguindo a proposta de Ana Cristina Sousa (1995), serão
compreendidas como artefatos, ou seja, como elementos inseridos na
paisagem, os quais não configuram apenas produtos da ação
humana, tampouco uma simples linha de ligação entre um ponto e
outro. Mas sim, como elementos que representam um espaço de
movimento, criado e experimentado socialmente, como vetores de
relações sociais, econômicas e culturais (JACOBUS, 2000; SOUSA,
1995).
Se o fato de seguir novos rumos e abrir possíveis caminhos,
teve como um dos objetivos, alcançar mais além e expandir a área de
fronteira, pode-se dizer que o roteiro do caminho percorrido por
Domingos da Filgueira cumpriu seu papel. Uma vez que depois deste
outras incursões sucederam sobre esta rota, incluindo as de
demarcação de fronteira, de abertura de outras estradas e variantes
para comércio de variados tipos de gado (vacum, cavalar, muar).
No entanto, pode-se dizer que este caminho não poupou os
transeuntes de alguns percalços, encontrados durante a travessia dos
rios Mampituba e Tramandaí, dos Taimbés e das serranias de
Araranguá e Morros de Sta. Marta. Por onde:
“...
deviam
as
tropas
alcançar
o
planalto, rumo aos campos de Curitiba
e Sorocaba, por trilhos sinuosos e
alcantilhados, quase impraticáveis, que
dificultavam enormemente a condução
das animálias” (CÉSAR, 1970:93).
Buscando uma nova alternativa de trânsito, que possibilitasse
um translado mais seguro e tranqüilo para tropeiros e tropas
conduzidas, foi proposta a abertura do denominado Caminho dos
Conventos.
80
3.2.2 – O Caminho dos Conventos
Em fevereiro de 1728 o Sargento-mor da Cavalaria, Francisco
de Souza e Faria, partiu da Vila de Laguna, pelo litoral, ao encontro
do Rio Araranguá a fim de dar início aos trabalhos na nova rota que
seria por ele traçada. O Caminho dos Conventos ou Estrada de Sousa
e Faria teve como ponto inicial o Morro dos Conventos, passando
pelos Campos de Cima da Serra até chegar a Curitiba. No entanto, o
projeto de encontrar uma rota alternativa, que evitasse maiores
desgastes aos animais e menores distâncias a serem percorridas, foi
proposto antes da empreitada de Souza e Faria.
Bartolomeu Pais de Abreu enviou, em 23 de maio de 1720, uma
carta a El-Rei na qual, em troca de algumas mercês61, propunha-se a
abrir uma nova rota. Abaixo segue transcrito um longo trecho deste
documento, onde seu autor destaca as vantagens de um novo
caminho:
“... toda esta campanha do Rio Grande
para adiante produz gados Vacuns e
cavalares
em
muita
quantidade,
sem mais utilidade para a real coroa de
Vossa Magestade que alguma coirama
fabricada na mesma Colônia; e se não
pode
conseguir
maiores
conveniências com a saída destes
por falta de caminhos de terra, que
pela
costa
não
permitem
as
cercanias, matas e baías do mar; e
só
terá
lugar
extração
abrindo-se
caminhada pelo interior de sertão (...).
Esta
diligência
seguem-se
61
Como: “isenção de impostos, por nove anos, sobre os animais que pela estrada
fizesse transitar; patente de capitão-mor do distrito do Rio Grande e de guarda-mor
das minas que se viesse a descobrir” (CÉSAR, 1970: 94).
81
povoarem-se as terras e aumentarse a real fazenda no contrato dos
dízimos,
nos
direitos
dos
mesmos
animais extraídos; no das passagens
dos rios que ficam perto sertão a
dentro; descobrindo-se minas de ouro
ou prata, ou pedras preciosas, que
todo este vão do sertão em si oculta”
(apud
GOULART,
1961:
206-207.
Grifos meus.).
A coroa aceitou sua proposta, no entanto não foi Bartolomeu
Pais de Abreu quem concretizou a abertura deste novo caminho, pois
pouco tempo depois de solicitar mercês mudou-se para Cuiabá
(GOULART, 1961: 209). Mas, na opinião do Conselho Ultramarino, a
abertura desta rota permanecia como um negócio interessante e é
nesse contexto que o nome de Francisco Souza e Faria foi sugerido
(HAMEISTER, 2002: 104).
O então Governador de São Paulo, Antônio Caldeira da Silva
Pimentel, ciente da importância de abrir esta rota, solicitou os
serviços de Souza e Faria destacando que este tinha
“... inteligência pela experiência que
tem
daquelas
Campanhas
até
a
Colônia, conhecimento e amizade
com
os
índios
comerciado
com
(como
quem
fazem
tem
algumas
pessoas e ainda Castelhanos que com
eles conduzem gados e cavalgaduras a
Vila de Laguna) de onde por não
haver caminho se não transporta
mais partes desta Capitania onde se
faz necessário: hei por bem ordenar
como por esta Ordeno ao dito Francisco
82
Souza Faria possa abrir o caminho
pela
paragem
que
achar
mais
conveniente, possível e fácil para
por ele se poder conduzir gados e
cavalgaduras para os Campos Gerais
de Curitiba” (apud GOULART, 1961:
210. Grifos meus.).
No “Registro do Regimento que leva para o Rio Grande o
Sargento-Mor Francisco de Souza Faria para a abertura do caminho
que vai fazer” (apud GOULART, 1961: 210-213)62, constam algumas
ordens e prerrogativas que recebeu Souza e Faria. Dentre elas o
direito de requerer ferramentas, mantimentos, armamentos, gados e
recrutar gente nas Vilas por onde passasse, para acompanhá-lo
(GOULART, 1961; HAMEISTER: 2002: 105)63.
Ao chegar à Laguna, a fim de dar início à diligência, a tarefa de
Souza e Faria tornou-se muito mais complexa do que aparentemente
se apresentou. Os moradores desta vila e seu Capitão-Mor, Francisco
de Brito Peixoto, mostraram certa má vontade em auxiliar Souza e
Faria nos preparativos de sua investida para a abertura desta rota.
O
desvio
do
antigo
caminho
litorâneo
para
um
novo,
interiorano, conforme Hameister (2002: 106), excluía algumas
comunidades dos lucros provenientes da intensa movimentação de
semoventes. Quanto mais distantes das grandes rotas de circulação
estivessem, menor o acesso aos lucros do comércio e menos
valorizadas seriam as propriedades, pelas maiores distancias a serem
percorridas
para
insatisfação
de
escoamento
alguns,
foi
da
produção.
manifestada
Esta
através
situação
de
de
algumas
62
Fonte utilizada pelo autor: Documentos Interessantes, Vol. XVI, parte I, pág. 29.
Hameister (2002: 104-105) aponta uma mudança significativa na origem dos
investimentos utilizados para a abertura deste caminho. Se Bartolomeu Pais de
Abreu teve seu requerimento aceito garantindo que realizaria a abertura com seus
recursos próprios, Souza e Faria teve todos os custos pagos pela provedoria.
63
83
sabotagens e obstáculos gerados para dificultar ao máximo a
diligência de Souza e Faria (HAMEISTER, 2002).
Diante disso, alguns interessados na abertura desta rota
partiram em socorro a diligência. “Conhecedores da força e das
fraquezas dos lagunistas, estes homens, os “particulares” da Colônia
do Sacramento, se uniram ao esforço de Souza e Faria” (HAMEISTER,
2002: 106). E dentre estes estava Cristóvão Pereira de Abreu, quem
posteriormente melhorou o Caminho dos Conventos e criou um atalho
pelos campos de Viamão.
Sobre a abertura do Caminho dos Conventos, é importante
destacar a existência de algumas notícias práticas que foram dadas
ao
Padre
Diogo
Soares64.
Duas
destas
nos
interessam
neste
momento, a primeira, de fevereiro de 1738, foi enviada ao padre
matemático por Francisco de Souza e Faria65. A segunda datada de
março daquele mesmo ano, foi enviada à Diogo Soares pelo piloto
José Ignácio66, o qual acompanhou Souza e Faria em toda a
diligência. Apesar de tratarem do mesmo percurso, cada autor
64
Sob proposta do Concelho Ultramarino, D. João V solicitou a confecção do “Novo
Atlas do Brasil”, que configurou “a primeira grande medida oficial para traçar, de
forma sistemática, a cartografia do território brasileiro, não apenas na região
costeira, mas também do interior da Colônia” (GUERREIRO, 1999:25). Para esta
tarefa, foram enviados ao Brasil, em 1730, os padres matemáticos da Companhia
de Jesus, Diogo Soares e Domingos Capasi. Este último, italiano, faleceu em São
Paulo no ano de 1736, no entanto Diogo Soares, português, deu continuidade ao
trabalho, e faleceu em Goiás em 1748 (GERREIRO, 1999).
65
FARIA, Francisco de Souza. Do novo caminho que se descobriu das Campanhas
do Rio Grande, e Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no Ano de
1727 por ordem do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira
Pimentel – 1ª Prática – Dada ao R.P.M. Diogo Soares, pelo Sargento-Mor da
Cavalaria Francisco de Souza e Faria, primeiro descobridor, e abridor do dito
caminho. Fevereiro/1738. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de
Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002.
Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/souzaefaria.pdf. Acessado em
25/03/2005.
66
INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu das campanhas do rio Grande,
e a Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no Ano de 1727 por ordem
do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 2ª
Prática- Dada ao P. M. Diogo Soares sobre a abertura do novo caminho pelo piloto
José Inácio, que foi e acompanhou em todo ele ao mesmo Sargento-Mor Francisco
de Souza e Faria. Março/1738. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório
de Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002.
Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/joseinacio.pdf. Acessado em
25/03/2005.
84
descreve o seu caminho percorrido, de forma que diferentes aspectos
são destacados em cada uma das notícias.
Percebe-se que Francisco Souza e Faria, aponta lugares
denominados por ele, ou seja, locais que receberam denominação
durante a jornada. Também descreve, embora de forma sucinta,
alguns acidentes geográficos e cruzes que encontraram ou instalaram
ao longo do caminho, os quais foram utilizados como referenciais
para futuros deslocamentos. O piloto José Inácio, por sua vez,
produziu uma notícia prática mais técnica, com importantes e mais
detalhadas informações geográficas.
Nas descrições de Souza e Faria transparecem o trabalho de
alguém a serviço da coroa. Como primeiro descobridor do caminho,
este sujeito atribuiu a esta rota sentidos que não representam apenas
a presença lusa nesta região, mas sim o própria conquista de um
espaço. Conforme aponta o autor ao seguir viagem depois de passar
pelos campos da vacaria67
“... arrumado sempre a serra do mar, e
pouco mais de 7 léguas de caminho
achei uma cruz feita de pinho e este
letreiro nela ‘Maries 16 de Dezembro
de 1727 pipe Capitolo Marcos Omopo’.
Descida a Cruz e adorada com toda
a veneração, lhe mandei tirar o
título, e lhe pus este outro – Viva
El-Rei de Portugal D. João o 5, ano
de 1729”68 (Grifo meu.).
Ao (re)nomear elementos, Souza e Faria criou novos lugares e
referenciais de direcionamento. Buscou no itinerário de antigos
67
Nas notícias práticas Souza e Faria descreve estes campos da seguinte forma:
“Subida a serra dei logo em campos e pastos admiráveis, e neles imensidade de
gado, tirado da nova Colônia e lançado naquele sítio pelos Tapes das aldeias dos P.
P. Jesuítas no ano de 1712”.
68
FARIA, Francisco de Souza. Do novo caminho que se descobriu..., op cit.
85
viandantes, elementos de referência para sua localização e procurou
locais já conhecidos e nomeados. Conforme ele mesmo escreveu
“... passando algumas restingas de
mato dei um outro campo mais alto, e
alegre, de onde avistei um morro, que
pelo roteiro que levava dos antigos
sertanistas julguei ser o rico e
sempre procurado morro do Tayó,
e o mesmo pareceu ao meu Piloto”69
(Grifo meu.).
Mesmo tendo existido um tempo em que, como disse o Coronel
Aureliano Buendia, “o mundo era tão recente que muitas coisas
careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o
dedo”70,
a
humanidade
sempre
vivenciou
espaços
através
da
percepção dos lugares. Para Tilley (1994) o sujeito está imerso em
um mundo de lugares, no qual a imaginação geográfica aponta para a
compreensão e significação destes, que passam a fazer parte da
experiência
inseridos
humana.
em
um
Estes
lugares,
contexto
após
sócio-cultural,
serem
elaborados
configuraram
e
uma
espacialidade e, por conseguinte, tornam-se elementos de uma
paisagem socialmente construída e experimentada.
Desta vivência e experimentação da paisagem o sujeito
desenvolve
diferentes
formas
de
referir-se
ou
ligar-se
a
um
determinado lugar, no qual se manifestam afeições (topofilia) ou
aversões (topofobia) (TILLEY, 1994: 15-16; CURTONI, 2000). Desta
forma, os lugares representam muito mais do que locações, pois para
cada sujeito ou grupo terá um sentido e uma razão de existência.
Em sua diligência, Souza e Faria, fez desta rota um elemento
de paisagem dotado de diferentes significados. Este elemento estava
69
Idem.
O Coronel Buendia é um dos personagens de MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem
Anos de Solidão. 2002. p. 7. 52ª edição.
70
86
permeado de novos lugares, essenciais para o direcionamento.
Aponta o autor que “... seguindo rio abaixo dei com pastos
admiráveis duma e outra parte do rio, pelo passar 15 vezes, lhe pus
o nome de Passaquinze, e tornando a procurar o morro do
Biribao, que era a nossa balisa do caminho”71. Estas balizas
certamente foram utilizadas posteriormente por outros transeuntes,
os quais (re)criaram lugares, geraram e perceberam uma outra
paisagem, mesmo que se movimentando sobre o mesmo espaço e
seguindo a mesma rota. No entanto, Souza e Faria aponta outras
referências novas:
“Deste sítio a que demos o nome de
Cruz dos Tapes, segui viagem sempre
a serra, e a pouco mais de quarto de
léguas demos com um rio com mato
duma e outra parte, a que chamei o
Rio dos Porcos (...). Passado este Rio
segui caminho 6 léguas ao nordeste,
em que achei um sítio em uma lomba
que chamei a Boa Vista, aqui se fez
uma grande rancharia, que depois
chamaram Tajucas, e destas é que
Cristóvão Pereira d’Abreu, dali a dois
anos,
entrando
comigo
ao
mesmo
caminho, fez nele um atalho que agora
tem”72.
Desta forma, a atribuição de nomes dá ao lugar um significado.
Como pode ser visto no trecho da notícia prática transcrito acima, os
nomes e a experimentação do espaço transformam elementos
naturais em algo histórico e socialmente experimentado. “De forma
fundamental, nomes criam paisagens” (TILLEY, 1994: 18-19).
71
72
FARIA, Francisco de Souza. Do novo caminho que se descobriu..., op cit.
Idem (Grifos meus.).
87
A notícia prática dada ao padre matemático Diogo Soares pelo
piloto José Inácio, como já apontei, se diferencia daquela escrita por
Souza e Faria. Como piloto da diligência sua descrição é mais técnica,
preocupou-se com as indicações corretas de toponímia e localizações
precisas dos acidentes geográficos, o que proporcionou outras
possibilidades interpretativas. Transcrevo a seguir um trecho desta
notícia prática, onde se percebe não somente a intenção do autor em
apresentar as descrições e nomes de lugares a serem encontrados,
mas também a preocupação, de um técnico, em indicar as distâncias
e direções de acordo com os pontos cardeais:
“Passando
o
rio
das
Antas
nos
avizinhamos mais à Serra subindo e
descendo
grandes
morros,
até
darmos em um campo que chamam
de retirada: terá este pouco menos de
légua de comprido, e em partes meia
de largo; deste campo seguimos ao
Nordeste afastando-nos da Serra, e
pouco mais de duas léguas nos
demos no rio da vaca com 4 braças de
largo,
e
de
fundo
só
2
palmos:
seguimos o mesmo rio, que corre ao
poente”73.
Além desta minuciosa descrição, José Inácio chamou atenção
para algumas advertências úteis ao direcionamento de futuros
transeuntes:
“...
na
travessia
desta
primeira
e
segunda passagem do ribeirão dos
Cavalos, adonde vieram dois ribeirões
que correm para a Serra, ambos de
lajes, reparem que o morro que
73
INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu..., op cit (Grifos meus.).
88
deles se avista a Loesnoroeste, e
tendo o tempo claro não é o Taió,
mas o Berimbau (...) olhando-se de
longe para ela74 parece que se
divide do morro do Beribau, mas é
engano, porque toda é a mesma: tem
ao pé seus campestres, e capões, e
para mais conhecença alguns pés de
Butiás grandes”75.
Estas referências apontadas pelo autor, sugerindo que o
transeunte repare em determinado acidente geográfico, olhe para um
determinado lado ou reconheça os butiazeiros também exigem
intimidade com o espaço, como já comentei no tópico anterior, além
disso, remetem ao que Tilley (1994) denomina de espaço perceptivo
e espaço existencial. O primeiro diz respeito ao espaço percebido e
encontrado por indivíduos em sua prática diária. Está relacionado as
percepção individuais das distâncias e direções, dos objetos naturais
e criações culturais. “Este espaço é sempre relativo e qualitativo, é o
âmbito das intencionalidades individuais, do emocional, envolve
sentimentos (lugares lembrados e lugares de importância objetiva)”
(TILLEY, 1994:16).
O espaço existencial, por sua vez, está relacionado com o
perceptivo, mas refere-se ao espaço construído nas experiências
concretas de indivíduos socializados em um grupo.
“Sua significância transcende o âmbito
pessoal e forma uma base para o
espaço
perceptivo.
É
um
processo
contínuo de produção e reprodução
através dos movimentos e atividades
de membros do grupo. (...) Os lugares
74
75
“Ela” fazendo referência a uma serra que denominaram “Serra do Engano”.
INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu..., op cit. (Grifo meu.)
89
no espaço existencial são fontes para a
construção
dos
significados
e
das
intenções sociais” (TILLEY, 1994: 1617).
Em várias passagens do texto de José Inácio, encontram-se
indicações para que, ao seguir o caminho indicado, se olhe em
determinada direção, e para caminhar até o lugar “tal” onde se avista
um acidente geográfico marcante. Além destas, o autor comparou e
associou formas topográficas com utensílios de seu dia a dia: “... e
olhando dela para parte do Sueste do feitio de uma cela: fica a dita
lomba no mato do São João”76.
Estas representações de lugares e formas de movimentar o
corpo no espaço são criadas através da percepção77 do caminhante
sobre aquele espaço. É através das condutas e da experimentação do
entorno que os sujeitos deixam transparecer suas idéias e maneiras
de ver e viver a paisagem de outros grupos ou a sua. Neste sentido,
como destaca Curtoni, “… es importante resaltar que la percepción no
se observa por sí misma directamente, sino que lo observado son las
reacciones y respuestas sensoriales originadas de ella (conductas)”
(CURTONI, 2000: 117).
No texto de José Inácio é clara a relação do indivíduo com a
paisagem, seus escritos indicam ao leitor uma forma de agir sobre o
mundo, uma resposta sensorial a experiência vivida naquele entorno
por aquele sujeito. Transparece uma conduta a seguir, visando o
direcionamento indicado a futuros transeuntes.
Visconde de Taunay (1962), no romance Inocência, através de
um personagem, também aponta as referencias e condutas de um
viajante em relação ao espaço. Percebe-se que as condutas daquele
76
Idem (Grifo meu.).
Percepção como forma de empregar os sentidos do corpo (visão, audição, tato) a
fim de superar a distância entre o sujeito e o espaço que o circunda. Tilley aponta
outra variedade de meios para superar tal distância como: “... ações corporais e
movimentos, intencionalidade, emoção e consciência depositados em sistemas de
crença e tomadas de decisões, lembranças e avaliação" (TILLEY, 1994: 14).
77
90
sujeito estão relacionadas às marcas da estrada78 e a elementos de
destaque, ou melhor, pontos visíveis na paisagem como: árvores,
capões de mato, morros altos, etc.
O sertanejo, personagem de Taunay, após acordar e seguir
para mais uma jornada de viagem parece não ter percebido grandes
diferenças entre a paisagem que percorreu no dia anterior e a que
trilhou ao despertar o novo dia, como narra o autor:
“Nada
lhe
parece
mudado
no
firmamento: as nuvens de si para si
parecem as mesmas. Dá-lhe o sol,
quando muito, os pontos cardeais, e a
terra
só
quando
particular,
lhe
prende
algum
atenção,
sinal
pode
mais
servir-lhe
de
marco miliário na estrada que vai
trilhando.
- Bom! Exclama em voz alta e alegre
ao
avistar
agigantado
algum
ou
uma
madeiro
disposição
especial de terras, lá está peúva
grande... Cheguei ao Barranco Alto.
Até ao pouso de Jacaré há quatro
léguas bem puxadas.
E, olhando para o sol, conclui:
- Daqui a três horas estou batendo
fogo” (TAUNAY, 1962: 16-17. Grifos
meus.).
O texto de Taunay (1962), apesar de ser um romance, trás
exemplos interessantes que auxiliam a pensar na conduta, na ação,
na relação entre sujeito e paisagem e nestes espaços perceptivos e
78
Como também destaquei nos comentários que tangem o roteiro de Domingos da
Filgueira, quando este sujeito fornece como referência do caminho o rasto do gado.
91
existenciais colocados por Tilley (1994). Percebe-se, no romance, que
todas as condutas do personagem, assim como dos autores das
notícias práticas que mencionei, dão-se como reações e respostas
sensoriais, neste caso através da visão, ao que está sendo percebido
ao seu redor. As percepções da visão tornam-se tão importantes,
para o direcionamento daquele ser, que outros sentidos apresentamse menosprezados em detrimento desta. Como aponta Taunay em
sua narrativa:
“É-lhe indiferente o urro da onça.
Só por demais repara nas muitas
pegadas, que em todos os sentidos
ficam
marcadas
na
areia
da
estrada.
-
Que
bichão!
Murmura
ele
contemplando um ...” (TAUNAY, 1962:
17. Grifo meu.).
Também se pode falar em espaços perceptivos e existenciais ao
analisar as notícias práticas de Souza e Faria, uma vez que este cria e
recria lugares que ao mesmo tempo tem importância objetiva e
marcam simbolicamente o domínio da Coroa portuguesa sobre o
espaço,
como
no
exemplo
da
Cruz
dos
Tapes
apontada
anteriormente. Seu relato deixa transparecer suas intencionalidades
individuais, como alguém a serviço de El-Rei. Ao passo que José
Inácio demonstra suas preocupações como piloto da expedição,
alguém com uma base técnica de conhecimentos geográficos.
Apesar da grande experiência de José Inácio como piloto e das
inúmeras qualidades e capacidades de Souza e Faria para realizarem
a abertura da nova estrada, o Caminho dos Conventos não foi
concluído em função da oposição demonstrada pelos moradores da
Vila de Laguna, Santos e outras. Como escreveu Cristóvão Pereira de
92
Abreu, na terceira notícia prática dada ao padre matemático Diogo
Soares79:
“... a esta diligência foram sempre
opostos vários moradores das Vilas de
Santos,
Parnaguá
e
Curitiba
e
da
mesma sorte os da Vila de Laguna e de
Sta. Catarina, estes porque vivendo
retirados, ou por crimes, ou por outros
iguais
motivos,
obediência
justiça,
como
nem
receosos
abertura
do
régulos
temor
de
sem
algum
que
novo
de
com
a
caminho
perderiam as suas liberdades, o
fizeram
impossível;
a
aqueles
porque sendo senhores de algumas
limitadas
fazendas
que
há
nos
campos de Coritiba, temiam ficar
com
muito
menos
valor,
e
por
seguirem a sua opinião publicando com
arestos falsos de Paulistas antigos a
serem aqueles sertões impraticáveis,
querendo também persuadir-nos que
sendo aquelas terras confinantes com
as
Aldeias
dos
padres
castelhanos
79
ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu das campanhas do Rio
Grande, e Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no ano de 1727 por
ordem do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel.
3a Prática- Dada pelo Coronel Cristóvão Pereira de Abreu sobre o mesmo caminho
ao R.P.M. Diogo Soares. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de
Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002.
Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/crispereira_3.pdf. Acessado em
25/03/2005.
93
poderíamos
ser
invadidos
pelos
Genelas aldeados”80.
Como apontei, Cristóvão Pereira de Abreu e outros homens da
Colônia do Sacramento partiram em auxilio a diligência de Souza e
Faria. Desta forma, o caminho foi finalizado e por ele começaram a
passar cavalgaduras e tropas de gado vacum guiadas por castelhanos
ou por tropeiros de diferentes áreas da América Portuguesa. No
entanto, em 1730, Cristóvão Pereira finalizou a retificação do traçado
desta rota com um atalho que partia dos campos de Viamão e seguia
para Campos de Cima da Serra. Este novo trajeto ficou conhecido
como Caminho das Tropas.
3.2.3 – Caminho das Tropas
Esta rota também recebeu, dentre outros, os designativos de:
Caminho de Cristóvão Pereira, Estrada Real, Estrada ViamãoSorocaba, Estrada do Sertão. No entanto, utilizo a nomenclatura
Caminho das Tropas, por ser este o termo mais recorrente nas fontes
consultadas.
Partindo de Sacramento, em 1727, Cristóvão Pereira de
Abreu81, também conhecido apenas como Cristóvão Pereira, chegou a
São Paulo em 1730. Esta viagem, que inaugurou o caminho aberto
por Souza e Faria, foi apontada por Hameister como “misto de
desbravamento e comboio com finalidade de comércio de animais”
(HAMEISTER, 2002: 131), pois tanto Cristóvão Pereira, quanto os
demais homens que o acompanharam, levaram tropas de gado
arrebanhado nas campinas do Sul a fim de comercializá-las em outras
capitânias.
80
Idem (grifo meu).
Sobre as relações pessoais e de negócios estabelecidas por Cristóvão Pereira de
Abreu ver Hameister, 2002. A autora utiliza a biografia e o jogo de relacionamentos
políticos e comerciais deste homem, como fio condutor para compreender as
modificações e o estabelecimento de novas redes de poder e comércio no espaço
colonial.
81
94
Entretanto, foi Cristóvão Pereira quem ficou a frente das
melhorias
realizadas
no
caminho
aberto
pelos
primeiros
descobridores, como se referira a Souza e Faria. Abriu rotas
alternativas por terrenos menos acidentados e construiu pontes,
segundo ele mesmo afirmou:
“...
concluí
gastando
nela
[sua
diligência] treze meses, e apontando
em partes com o caminho ou picada
dos novos descobridores: cheguei a
Curitiba,
deixando-o
na
última
perfeição com estivas, canoas em rios,
e mais de 300 pontes, de sorte que em
menos de um mês gente escoteira a pé
podia passar todo o em que gastei
13”82.
Desta maneira, o caminho aberto por Cristóvão Pereira foi
estabelecido como uma alternativa aos trechos mais dificultosos do
Caminho de Souza e Faria. Esta rota poupava os transeuntes e os
animais tropeados do desgaste provocado na subida da Serra, pelo
vale do Araranguá, na região dos Morros dos Conventos.
Este caminho partia de Viamão, seguia rumo ao norte até
alcançar os Campos da Vacaria onde então cruzava o atual Rio
Pelotas. Posteriormente, seguia em direção aos Campos de Lages e
aos Campos Curitibanos e transpunha os rios Negro e Iguaçu, até os
Campos Gerais de Curitiba.
Sobre as necessidades deste desvio traçado nos Campos de
Viamão, Cristóvão Pereira aponta que:
“... mandei ver, e examinar logo o
caminho dos primeiros descobridores, e
vendo que a pouca mais distância
tornava
82
a
entrar
em
grandes
ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu..., op cit.
95
asperezas,
por
se
encontrar
sempre a serra, e que precisamente
dava uma grande volta pelo rumo que
levava,
determinei
buscar
outros
entrando mais pela campanha”83.
No mapa elaborado pelo Padre José Quiroga84, em 1749,
intitulado “Mapa de las Missiones de la Compañía de Jesus”
(FURLONG, 1936: lâmina XVI), estão representadas, na subida da
serra, as tais asperezas que Cristóvão Pereira faz referência. Na
figura 4 apresento um fragmento deste mapa, o qual aponta três
rotas abertas pelos portugueses85. A primeira indicada como “Camino
primero de los portugueses” refere-se à rota aberta a partir dos
Conventos, por Souza e Faria. Inicia onde Quiroga aponta a latitude
31º, próximo a um rio, provavelmente o Araraguá, seguindo em
direção a oeste, subindo a serra e cruzando o Rio Vruguaymiri que
corresponde ao atual Rio Pelotas.
O “Segundo camino que abriron los portugueses” parte dos
Campos de Viamão, onde no mapa encontra-se a referência “Sto.
Antº” e segue paralelo as ditas asperezas encontrando o primeiro
caminho antes da travessia do Rio Pelotas.
E por fim, a terceira variante denominada “Camino tercero que
abriron los portugueses el año de 1743” segue dos campos de
Viamão aos Campos de Cima da Serra, praticamente em uma linha
reta de norte a sul. Ruschel (1999) sugere que a segunda e a terceira
rotas representam duas variantes do caminho que ligara Santo
83
Idem (Grifo meu.).
O padre José Quiroga era espanhol, da cidade de Fabal, na Galícia. Antes de
entrar para a Companhia de Jesus, estudou na Escola Naval da Espanha, adquirindo
experiência em navegação e cartografia. Em 1745, foi destinado a Província
Jesuítica do Paraguai para integrar uma expedição de exploração pela costa do
Atlântico ao sul do Rio da Prata. Também foi professor na Universidade de Córdoba
e acompanhou a Comissão Demarcadora do Tratado de Madri, em 1753.
Permaneceu na região platina até a expulsão dos jesuítas, em 1767. Ver:
FURLONG, 1930.
85
RUSCHEL (1999) analisa este mapa e as rotas nele representadas com o apoio de
alguns roteiros e de um mapa elaborado pelo Padre Diogo Soares.
84
96
Antônio da Patrulha ao Rio Pelotas. Sendo o último caminho apontado
pelo autor como correspondente a atual RS 110.
Neste mapa, considerando que o objetivo do Padre Quiroga era
representar as Missões do território espanhol, a região do planalto,
correspondente a uma área ocupada por Portugal, não foi tão
detalhada quanto a Banda Oriental. Além de a projeção estar fora de
proporção,
com
representações
exceção
da
rede
do
Rio
Pelotas,
hidrográfica.
poucas
Entretanto
o
são
as
mapa
é
interessante por apontar as duas variantes do caminho que partem
dos Campos de Viamão e as difíceis asperezas a serem ultrapassadas,
sobre as quais Souza e Faria traçou a rota de acesso aos Campos de
Cima da Serra86.
86
No anexo 3 segue uma cópia completa do mapa de José Quiroga.
97
Detalhe do mapa de José Quiroga indicando o Caminho dos
Conventos e as variantes de acesso aos Campos de Cima da Serra.
Figura 4
98
Na figura 5 apresento o mapa intitulado “Demonstração do
caminho que vai de Viamão the a Cidade de S. Paulo” (SANTOS, et
al., 1995: contra capa)87 que, segundo Jacobus (1997), é de autoria
de José Custódio de Sà e Faria, elaborado por volta de 1766. Neste,
pode-se observar que o autor representa o Caminho das Tropas e
ricos detalhes hidrográficos. No entanto não há muitas indicações
topográficas, exceto em toponímias de lugares como: as Torres e os
Morros de santa Marta.
O autor representou vilas, povoados e postos de registro
instalados ao longo desta rota. Na legenda do mapa encontram-se
também alguns pontos recomendados à instalação de novas vilas. A
letra “D”, localizada entre o Rio das Antas e o Rio pelotas indica um
destes pontos, justamente nas proximidades de onde foi estabelecida
cidade de Bom Jesus.
Estes locais indicados para futuras instalações correspondem ao
planejamento de estratégias materiais que concretizariam a intenção
de ocupação da área. O mapa apresenta a projeção de um espaço
pensado,
de
uma
espacialidade
idealizada
que
indicava
seus
primeiros traços.
Além do caminho que segue de Viamão para São Paulo, nota-se
logo acima do Rio das Antas, próximo á referência “D”, a indicação de
uma outra rota: “Caminho para as Missões do Uruguai”.
Como já
apontei, os índios Guaranis e os Missionários da Companhia de Jesus
introduziram na região dos Campos de Cima da Serra, algumas
cabeças de gado vacum das quais se originou a Vacaria de los
Pinãres. Este caminho pode representar alguns dos tantos trajetos
percorridos pelos indígenas em função da busca e do trato do gado
da Vacaria.
87
Esta representação também pode ser encontrada em Jacobus, 1997: 134.
99
Mapa com o caminho aberto por Cristóvão Pereira de Abreu e
possíveis lugares para fundação de vilas.
Figura 5
100
Cristóvão Pereira faz referências aos perigos de encontrar índios
nos Campos de Vacaria e aponta o uso da força bélica como uma
solução para suplantar possíveis conflitos:
“Porque o afetado temor, que nos
querem introduzir os apaixonados
de sermos invadidos pelos Tapes,
se não pode recear em nenhum
tempo,
assim
garganta
por
pela
onde
estreita
sabemos
entrarão naquelas terras, com 50
armas se lhe pode cortar o passo:
como
por
ser
aquela
nação
tão
traidora, como cobarde, incapaz de por
si só combaterem com outra alguma,
como há poucos anos se viu nas
diferenças
que
tiveram
com
os
Paragaes que bastaram só 500 destes
para passar à espada 4000 para mais
Tapes”
88
.
No trecho transcrito acima, percebe-se que o autor não acredita
que as investidas indígenas significavam algum empecilho ao trânsito
pelo caminho por ele aberto, tampouco aos planos de maiores
arrecadações e povoamento que estavam sendo implantados pela
Coroa. Como atesta Cristóvão Pereira:
“... parece indigno de vir à imaginação,
que por temor de semelhante gente
haja Sua Majestade se deixar usurpar
os seus domínios, e perder as grandes
inconveniências, que pelo dito caminho
88
ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu..., op cit (Grifo meu.).
101
podem resultar à Sua Real Fazenda e
vassalos”89.
Além de apontar os possíveis lucros para os vassalos e a Real
Fazenda, também destacou os mais de 10 mil cruzados que esta
última lucrou com os animais por ele conduzidos na primeira viagem
por este caminho. Ganhos que cresceram consideravelmente com o
povoamento e o conseqüente aumento de cobranças de taxas. No
entanto,
este
caminho
foi
sendo
paulatinamente
abandonado
conforme era intensificado o comércio e o transporte de animais na
região missioneira.
Nicolau Dreys (1961) descreve como encontrou o Caminho das
Tropas, nos Campos de Viamão, em 1820, destaca o abandono desta
rota e a utilização de uma nova via de acesso para as Missões:
“... em outro tempo, principiava ali um
caminho aberto pelo qual se penetrava
até os campos de cima da serra, e que
eram freqüentados pelos mercadores
de animais que desciam da serra e
voltavam com as tropas pelo mesmo
caminho;
porém,
logo
que
as
estâncias, compreendidas entre a serra
e a Lagoa dos Patos, se acharam
exauridas,
e
que
o
comércio
se
encaminhou para as estâncias de O.,
os negociantes mudaram de estrada,
procurando encurtá-la por uma linha
oblíqua que vai agora terminar-se na
Bôca
do
Monte,
ou
Santa
Maria;
todavia o caminho ainda existe;
por êle se pode subir a serra, mas
não passa já de uma picada, ou pelo
89
Idem.
102
menos assim o achamos em 1820”
(DREYS, 1961: 91. Grifo meu.).
A estas rotas atribui-se funções históricas que transcendem o
simples transporte de gado. Com o passar dos tempos e as
crescentes atividades dos tropeiros, estas antigas estradas foram
essenciais para a colonização das regiões por onde seguiu o trafego
tropeirístico. Colonização esta que, para a Coroa portuguesa, foi
sinônimo de posse do território (SANTOS & SILVA, 2003). Esta
ocupação foi intensificada por volta da terceira década do século
XVIII, quando a Coroa lusitana distribui terras (sesmarias e datas)
principalmente as militares por serviços prestados (PESAVENTO,
1994).
Por isso, a exploração dos rebanhos das vacarias (del Mar e de
los Piñares) não pode ser compreendida somente por reflexões
fechadas em análises de cunho econômico/comercial. Não afirmo que
estas
abordagens
não
sejam
importantes,
acredito
que
são
indispensáveis. Mas, não se justifica pensar este complexo contexto e
processo histórico sem considerar outros aspectos, uma vez que as
atividades de prea e transporte do gado possibilitaram a dinamização
de um fluxo sócio-cultural bastante intenso. O qual fomentou a
constante transformação de um espaço por onde trafegavam não só o
gado, mas também sujeitos que carregavam suas idéias, sua cultura,
seu trabalho, seu cotidiano e sua espacialidade, contribuindo assim
para a construção do que chamamos de tropeirismo.
Além disso, a atividade tropeirística não aproximou somente o
Rio Grande às demais áreas da América Portuguesa, mas também os
vínculos com a colônia espanhola foram enriquecidos. Sobre este
vínculo
Nietto
chama
atenção,
dos
demais
pesquisadores,
ao
comentar o tropeirismo na República Oriental do Uruguai:
“… aquí, hasta ahora, todos miramos a
las mulas y miramos lo que se llevaba
para Sorocaba. Pero no contamos que
103
los troperos que ibam para mi país, no
iban con las manos vacías. Iban con
mulas, sí, pero las mulas iban cargadas
de
contrabando
(...).
Entonces,
tengamos cuidado que el camino de los
troperos no es en un solo sentido. Es un
trillo o camino que debemos saber se
fija en un sentido de ida y vuelta”
(NIETTO, 2000: 89).
Mesmo que se analise um só movimento, em direção às feiras
de gado de Sorocaba, é interessante compreender um espaço platino
integrado. Considerando que grande parte do gado arrebanhado nas
vacarias provinha de uma região que, ao menos teoricamente até
175090, pertenceu a Corroa Espanhola. Além disso, podem ser
mencionadas algumas regiões que foram consideradas “pólos” de
fornecimento de muar durante os séculos XVII e XVIII, como Entre
Rios, Santa Fé e Corrientes. Assim, é preciso recolocar o tropeirimo
em sua dimensão espacial pretérita, num momento em que a região
platina vivenciava um período de fronteiras móveis e as relações
econômicas do Brasil meridional não se limitavam ao eixo minerador
de Minas Gerais, Goiás e Matogrosso.
90
Em 1750 foi firmado o Tratado de Madrid, que previa a permuta de territórios
entre as coroas ibéricas. Nele, estava prevista a entrega da Colônia de Sacramento,
pertencente a Portugal, em troca das reduções jesuíticas da Banda Oriental do Rio
Uruguai. Este tratado, embora anulado em 1761, trouxe várias conseqüências para
as relações entre o Brasil meridional e as possessões espanholas no Rio da Prata.
104
105
“A imobilidade me faz pensar em
grandes espaços onde acontecem
movimentos que não tem fim”.
Joan Miró
4 – Estratégias materiais: uso e domínio do espaço
A abertura de estradas na região sul, durante o século XVIII,
teve grandes repercussões no contexto econômico colonial. No
entanto, estas rotas não bastaram por si mesmas, foram necessárias
algumas
estruturas
de
apoio
como
pousos,
vendas,
currais,
corredores e, para benefício dos cofres da administração colonial, os
Registros.
Nestas estruturas, oferecidas por terceiros, ou elaboradas pelos
próprios tropeiros, como os pousos ao relento, se constituíram
diversificadas formas de convívio entre os transeuntes e destes com a
população fixada ao longo das rotas. Laura de Mello e Souza aponta
uma dúbia relação entre os ocupantes destas estruturas e os
caminhos. Para estes a estrada representava uma fonte de renda ao
mesmo tempo em que os expunha aos outros, ou seja, os tornava
vulneráveis a constante presença de estranhos e desconhecidos
(SOUZA, 1995: 72).
Neste sentido as porções de terras concedidas ao longo destas
rotas, cumpriam um duplo papel: garantiam a ocupação do território
e mantinham a estrutura básica para abastecimento dos transeuntes,
através da qual se dava a estruturação de laços comerciais entre
vendeiros, fazendeiros, tropeiros e viajantes em geral, “visando
tornar viável o fluxo comercial” (SOUSA, 1995: 71). Tanto a
concessão de terras, quanto a abertura das estradas e as estruturas
106
de apoio, configuram estratégias materiais de organização, uso e
domínio do espaço que estava sendo ocupado.
4.1 - O Pouso
Num espaço cedido numa fazenda, ao relento ou em meio a um
capão de mato; num galpão; ou num rancho sem paredes coberto de
palhas, os pousos apresentaram como função primordial o abrigo
para descanso depois de uma jornada de tropeada. Local onde os
tropeiros
descarregavam
os
animais,
acendiam
uma
fogueira,
preparavam uma refeição e improvisavam um aconchego para
dormir. Mesmo em propriedades particulares, por vezes, estes
espaços foram oferecidos gratuitamente. Esta foi uma estratégia
adotada por fazendeiros ou donos de vendas, que faziam do pouso
“elementos de atração numa estrutura de comércio local” (SOUSA,
1995: 75).
Richard Burton (1941)91 apresentou o pouso, o rancho, as
vendas e as hospedarias como elementos de uma linha evolutiva,
onde os últimos foram representados como mais modernos que os
primeiros. Para este autor o pouso é o ponto inicial desta progressão,
descrito como
“... mero terreno para acampar, em
que o proprietário consente que os
tropeiros dem água aos seus burros ou
os amarre aos mourões. No primeiro
quarto do corrente século os viajantes
eram freqüentemente condenados a
passar
noites
“à
la
belle
ètoile”
nestes germens de acomodações que
se
tornaram
hoje
aldeias
e
vilas
91
Richard Burton, explorador e diplomata britânico, esteve no Brasil entre 1765 e
1768, exercendo o cargo de Cônsul em Santos. Viajou pelo Rio de janeiro e
Província de Minas Gerais, realizando expedições pelo Rio São Francisco,
permanecendo ainda uma temporada na Guerra do Paraguai.
107
populosas” (BURTON, 1941: 177. Grifo
do autor.).
A Segunda fase, estabelecida por Burton (1941) é o rancho, o
qual associa ao:
“... Bungalow de Viajantes”, faltando
porém, leito, cadeira, mesa, e ainda os
bandidos
salteadores.
essencialmente
num
Consiste
longo
telheiro
coberto tendo à frente, às vezes, uma
varanda de postes de madeira ou
pilastras de tijolo; outras vezes tem as
paredes
exteriores
e
ainda
compartimentos internos de adobe de
taipa92, ou barro e trançado de galhos”
(BURTON, 1941: 177. Grifo do autor.).
Independentemente da estrutura existente, se ao relento, em
ranchos,
em
espaços
alugados ou
emprestados
em
fazendas,
considero que os locais escolhidos para pernoite ou descanso
configuram um pouso. Um lugar onde os tropeiros
“... descarregam; os animais vagueiam
livremente pelo pasto, enquanto os
patrões fazem uma fogueira, penduram
a chaleira, à maneira cigana, em um
tripé de madeira e estendem no chão
como camas, o couro que protege as
cargas, improvisam um dormitório
com divisões paralelas feitas com
92
Nota do autor: “o “pisé” da Bretanha e o “puddle” da Inglaterra que se encontra
do Devonshire Via Dahome e Sindh, etc, até a Austrália. O modo de faze-lo é
quase o mesmo em toda a parte. Não descreverei pois o processo. Quando o Barro
é grosso e contém pequenos fragmentos de quartzo forma uma boa parede. É
preciso sempre, porém, para que seja, como se diz, bem coberto e pisado, ser
munido de grandes gateiras para protege-lo da chuva, e de uma fundação de pedra
ou tijolo para evitar que a umidade do solo destrua a base da parede” (BURTON,
1941:177, nt 08).
108
cestos bem tecidos93 e albardas”
(BURTON, 1941: 177-178. Grifo meu.).
Ao mesmo tempo em que representou um lugar para descanso,
o pouso configurou um momento. Instante de convívio entre os
tropeiros com refeições comuns, roda de conversas animadas ao som
de uma viola e jogos de carta. Era no pouso que o tropeiro
improvisava um espaço e um momento onde buscava aspectos do
ambiente doméstico, como o dormitório improvisado citado por
Richard Burton.
No entanto, o aumento do fluxo nestes caminhos não esteve
proporcionalmente relacionado à instalação de novos pousos. Por esta
razão, locais que ofereciam infra-estrutura básica, para descanso e
alimentação
de
animais
e
tropeiros,
eram
ocupados
concomitantemente por mais de uma tropa, onde eram vivenciados
momentos lúdicos e de relações sociais. Saint-Hilaire descreve a
ocupação simultânea de um pouso por diferentes tropas:
“... o mais jovem da tropa vai buscar
água e lenha, ascende o fogo, arma em
redor
três
bastões
que
se
unem
superiormente, amarra-os, e suspende
um caldeirão na tripeça, onde põe a
cozinhar o feijão preto destinado ao
almoço do dia seguinte. Os tropeiros
das diversas caravanas se aproximam
uns dos outros, põem-se a conversar,
relatar
suas
amorosas,
e,
viagens
às
e
vezes,
aventuras
um
deles
93
Nota do autor: “O Jacá é feito de casca de bambú cortado e comprimido. É um
paralelogramo achatado contendo sacas de café ou sal, ajustando-se à cangalha. A
bruaca é couro de boi amaciado dentro d’água , ajustado e cosido dentro de uma
caixa rude com tampa, e deixado a secar, tornando-se duro como pau. A palavra é
escrita por antigos escritores Boroacas, pelos modernos Bruacas e Broacas. O
Principe Max (II, 365) prefere “boroacas, sacos de couro de boi endurecido”
(BRUTON, 1941: 178, nt. 09).
109
encanta
o
trabalho
dos
vizinhos
tocando guitarra e cantando algumas
dessas arias brasileiras que têm tanta
graça
e
doçura”
(SAINT-HILAIRE,
1941: 70-71).
Diante o intenso convívio em grupo, onde o espaço privado era
praticamente inexistente, estes viandantes criaram espaços íntimos–
particulares. “Tendo por leito os arreios dos cavalos envoltos em
pelegos, por travesseiros os lombilhos, por cobertores os ponchos”
(SOUZA, 1995: 60), elaboraram instantes e espaços individuais nos
quais presenteavam o corpo com algumas horas de sono.
No sul da América Portuguesa os tropeiros pernoitavam, quase
sempre ao relento. Souza mostrou que estes homens, apesar de
estarem sempre distantes de seus lares, não deixavam de levar
consigo as preocupações deste ambiente privado.
“As tropas de muares e cavalares que
vinham do Sul dormiam muitas vezes
ao relento, batendo estacas à beira de
algum córrego a fim de, nelas, amarrar
os animais (...). Levando cozinheiro,
que preparava carne-seca com feijão,
os camaradas se juntavam à noite para
fumar, conversar e arriscar alguma
cantoria, havendo os que, cheios de
cuidado, escreviam bilhetes para casa,
às vezes para descompor um filho
rebelde” (SOUZA, 1995: 63).
110
Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX.
Figura 6
Poucos pousos existiram entre o Rio Pelotas e o Rio das Antas,
região de interesse direto desta pesquisa. No entanto, pode–se dizer
que esta carência se estende a área compreendida entre o Rio dos
Sinos e o Rio Pelotas. A falta de acomodações aos tropeiros foi
comentada
por
Jacobus
(1997:
126-129,
2000:
72-75),
que
comparou três roteiros e um mapa, de diferentes períodos. O
primeiro conhecido como “Roteiro de 1745”94; o segundo é o
“Itinerário da Cidade de São Paulo para o Continente de Viamão feito
por um prático”, datado de 1773 (AESP, 1901: 56-60 apud JACOBUS,
1997, 2000); a terceira fonte acompanha um ofício datado de
21/10/1775 e é intitulada “Transito por onde hão de marchar as
companhias da cavallaria de Voluntários Reaes de S. Paulo para o
exercito do Rio Grande do Sul” (AESP, 1903: 38-42 apud JACOBUS,
Partes deste roteiro foram publicadas e comentadas por: RUSCHEL, 1995, 1999;
BARROSO, 1995.
94
111
1997, 2000). E, por último o autor agrega a sua análise um mapa
provavelmente elaborado em 176695.
Com base nestas quatro fontes Jacobus criou um quadro onde
mostra que entre 1745 e 1775 houve um aumento significativo de
pousos. No entanto, entre o Rio das Antas e o Rio Pelotas o mesmo
não ocorreu. No primeiro roteiro todos os pousos são indicados em
campo aberto, exceto no denominado Rancho do Matemático, que
pela nomenclatura pode indicar a existência de tal estrutura. No
itinerário de 1773 há referência a fazendas de gado nos Campos da
Vacaria, antes do Rio das Antas em direção ao Rio Pelotas, onde os
pousos foram apontados como “incertos”, ou sem muitos comentários
agregados, como na indicação da Fazenda do Menino Diabo, entre o
Rio Camisas e o Tainhas, apontada como: “algum pouso” (JACOBUS,
1997: 129).
Na região dos Campos de Cima da Serra o pouso foi
estabelecido por longo tempo ao relento. Esta área esteve desprovida
de estruturas mais elaboradas e o tropeiro contava apenas com a
hospedagem inserta em algumas fazendas de gado. No entanto, após
a instalação do Registro de Santa Vitória, na confluência do Rio dos
Touros com o Rio Pelotas, em 1772, provavelmente um rancho tenha
sido instalado.
Este posto de arrecadação tributária sofreu uma reforma por
volta de 1833. No orçamento feito para a obra foi mencionada a
construção de uma estrutura para pouso dos tropeiros, visando o
menor gasto possível. Miguel Gonçalvez dos Santos, responsável por
tal reforma apontou que “... pode-se economizar alguma coisa nos
gêneros telha e tijolo, porque feito que seja o rancho para os
tropeiros que deve supor seja coberto de capins sobre
esteios...” (AHRGS, FOP, 01, 1833).
95
Cópia apresentada na figura 5.
112
Pouso de Tropas. Goulart, 1961.
Figura 7
Pouso de tropas. Goulart, 1961.
Figura 7
Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX
Figura 8
Pouso de tropas. Rugendas, séc. XIX.
Figura 8
113
4.2 – A Venda
A venda pode ser caracterizada como espaço de comércio, onde
“a atribuição de domínio público mostra-se evidente” (SOUSA, 1995:
80).
Mas,
também
representou
um
espaço
de
convívio
e
confraternização entre aqueles que bebiam, jogavam e conversavam
em seu interior.
Por outro lado, em meio a estes momentos de integração entre
representantes
de
diferentes
segmentos
da
sociedade
que
freqüentavam a venda, esta estrutura abrigou um espaço de
privacidade localizado atrás do balcão. Era um ambiente de acesso
restrito, ligado à residência da família do vendeiro, a partir do qual
ele exercia, além de suas atividades comerciais, o controle sobre o
acesso ao espaço privado. Para Sousa
“... o balcão atua como uma barreira
física
entre
os
domínios
público
e
“privado”, a partir de onde o vendeiro,
apesar
de
estar
sob
o
olhar
dos
demais, já atua com um sentido de
privacidade, não permitindo o acesso
de
estranhos,
mesmo
porque,
em
muitas situações, esta parte da venda
se
comunica
diretamente
com
sua
residência” (SOUSA, 1995: 80).
Burton comenta estes diferentes ambientes e alguns gestos de
formalidade entre vendeiro e freguês descrevendo que a venda
“...
às
vezes
é
dividida
em
duas
seções, uma para os secos e outra para
os molhados. Um balcão sobre o qual
pende uma balança rude divide-a no
comprimento. Entre este e a porta
estão tamboretes caixotes ou tinas
invertidas. O freguês tira o chapéu
114
para
o
proprietário
e
é
então
convidado a se sentar. A parte por
de
traz
do
balcão
é
um
lugar
sagrado que conduz ao gineceu”
(BURTON, 1941:178. Grifos meus.).
O espaço atrás do balcão configurava um ambiente de diferente
significado, porém complementar ao espaço público. Era um espaço
feminino, puramente doméstico, familiar, no qual poucos entravam
sem ser convidado.
A venda, para Burton, depois do rancho, é a terceira fase
evolutiva das estruturas para apoio aos tropeiros e viajantes. Em
seus apontamentos, sempre comparativos, o autor a apresenta
como:
“... a pulperia das colônias hispanoamericanas,
o
empório
da
aldeia
inglesa combinado com a mercearia e a
hospedaria. Vende tudo, desde cabeças
de
alho,
prateleiras
doces
de
e
velas
madeira
(...).
rude
As
estão
carregadas de canecas, vasilhas, e
outras
louças,
e,
dois
lados,
de
garrafas cheias e vazias, de pé ou
deitadas. Pelo chão estão caixas de sal,
barriletes de açúcar grosso e feijão,
uma caixa ou duas de milho, mantas
de toucinho, a popular carne seca, uma
corda de fumo preto enrolada num pau
e latas e garrafões do parati local. A
mercadoria consiste em chapéus de
chuva, ferraduras, chapéus, cinturões,
garruchas, espingardas, munições e
armarinho; realmente tudo que pode
115
ser necessário aos homens e mulheres
do campo” (BURTON, 1941: 178-179.
Grifos do autor.).
Estrategicamente, estas sortidas casas de comércio eram
instaladas junto aos locais destinados ao descanso dos tropeiros e
viajantes, em pontos de passagem de rios, ou junto aos postos de
pedágios. A instalação de lojas já estava prevista nos contratos
arrematados da Coroa por particulares.
Nos contratos de arrematação dos Registros há uma cláusula
que previa a instalação de lojas, a qual Osório (2001: 123) aponta
como uma outra “forma de maximização dos lucros utilizada pelos
contratadores”. No contrato de passagens de animais pelos Registros
de Viamão e Santa Vitória, para o período entre 1773 e 1775,
arrematado por Bernardo Gomes Costa e seus sócios, Anacleto Elias
da Fonseca e Miguel de Alvarenga Braga, todos homens da praça do
Rio de Janeiro, na cláusula 10 consta a referência a instalação de
vendas:
“... em cujos registros poderão ele
contratador
e
seus
sócios
e
administradores ter lojas de fazenda
para servirem as tropas e peões por
ser assim preciso para a cultura deste
comércio e conservação deste contrato
tudo na forma com que se estabeleceu
na primeira rematação a na que se fez
nesta junta no ano de 1771” (AHRGS,
CF
1244,
folha
58v.
Documento
01/Anexo 1).
Entretanto, as referências ao estabelecimento de casas de
comércio junto aos postos de pedágio foram localizadas somente nos
sucessivos
contratos
arrematados.
Não
se
encontrou
qualquer
indicativo de que vendas tenham realmente sido instaladas junto aos
116
Registros
de
Viamão
ou
de
Santa
Vitória.
O
que
indica
a
comercialização de secos e molhados nas fazendas que ofereciam
algum pouso.
Especificamente na área correspondente ao atual município de
Bom Jesus, entre o Rio das Antas e o Rio Pelotas, não foram
encontradas referências sobre este tipo de estabelecimento, exceto a
que indica, sem maiores detalhes, “4 vendas de molhados” no distrito
de Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria, em 1830 (VELHO, AHRGS,
FOP, 01, 1830)96. Entretanto, se obteve duas informações orais que
indicam a existência de casas de comércio de secos e molhados: nas
margens do Rio das Antas, próximo ao passo do Gabriel e na
propriedade da família Finger, na estrada para São José dos
Ausentes. Ambas as informações remetem a assentamentos datados
da primeira metade do século XX.
O primeiro foi localizado em abril de 2003, quando a equipe do
NUPArq/UFRGS prospectou uma área na propriedade de Adão Huff97.
Este senhor levou-nos ao Passo do Gabriel onde, segundo ele, havia
um galpão destinado ao pouso dos tropeiros e uma venda, que
funcionaram nas primeiras décadas do século XX associados à
existência de uma pequena balsa para cruzar o rio. Ainda podem ser
observados os piquetes utilizados para fixar as amarrações do cabo
que a prendia às margens do Rio das Antas e próximo ao passo é
visível, em meio ao mato, alguns fragmentos de taipas de pedra.
Prospectamos a área junto ao passo e, além dos vestígios das
taipas que marcavam o caminho a ser seguido logo que o rio fosse
cruzado, localizamos fragmentos da cerâmica arqueologicamente
denominada Taquara98. Não foi encontrado qualquer indício das
O autor desta fonte descreve o distrito de Vacaria com indicação de caça, rios e
arroios. Relata a existência de 4 mendigos, a falta de charqueadas e de produção
de erva-mate, os problemas relacionados ao Vigário local e as dimensões do
distrito.
97
Prospecção realizada sob coordenação da arqueóloga Sílvia M. Copé, durante os
trabalhos de pesquisa para sua tese de doutorado.
98
Sítio denominado “Arroio Barreiro”, GPS: 0549588/6813392.
96
117
estruturas do pouso e da venda. O que pode ser possível com a
realização de algumas sondagens.
Em janeiro de 2005, no trabalho de campo realizado para esta
investigação, contatou-se a família Finger (Sra. Nice e Sr. Sebastião
Finger), os quais são proprietários de uma pequena parte da área que
formava a Sesmaria dos Ausentes (uma das primeiras porções de
terras doadas na região). A casa e os currais para trato do gado
foram construídos na década de 1940, pois, quando a propriedade foi
comprada da família Velho, não havia nenhuma construção.
Segundo dona Nice Finger, na parte da frente da residência,
onde hoje existem quartos, funcionava uma bodega que vendia secos
e molhados e, ao lado desta, onde atualmente existe um galpão,
havia um espaço para pouso dos tropeiros. Com estas estruturas a
família Finger atendia a população local no abastecimento de secos e
molhados, e os tropeiros que seguiam pela rota que liga Bom Jesus a
Faxinal Preto / SC e a São José dos Ausentes / RS99, os quais
contrabandeavam cachaça ou transportavam gado e outros gêneros
comercializáveis. O pai de dona Nice abastecia a bodega, que
segundo ela “era muito sortida”, com mantimentos trazidos de Santa
Catarina, em lombo de mula.
A existência desta casa de comércio é uma importante
referência
para
análises
comparativas,
mesmo
entre
períodos
cronologicamente distintos. Uma vez que, nem só de gado e de
relações comerciais com distantes mercados (como a feira de
Sorocaba) viveram os moradores, os tropeiros, os mascates e outros
tantos que circulavam por esta região. Esta venda e a rota na qual
estava instalada permite que se pense em outras possibilidades de
trabalho.
Estas estruturas apontam um terreno fértil para pesquisas
sobre redes e relações comerciais que visavam o abastecimento da
99
São José dos Ausentes até março de 1992 pertenceu ao município de Bom Jesus,
quando então foi emancipado.
118
população local, a partir da circulação e comercialização dos frutos da
terra. Mesmo que estas evidências remetam para contextos históricos
mais
recentes,
pode-se
apontar
algumas
permanências
na
organização dos espaços.
A informação do pouso e da venda nas margens do Rio das
Antas indica algumas reflexões sobre a localização estrategicamente
conjunta destes dois tipos de assentamentos. Segundo Sousa (1995),
as vendas estavam “freqüentemente associadas aos ranchos”, os
quais “atuaram como pólos de atração e produção de relações
sociais”.
Desta
forma,
oferecendo
hospedagem
gratuita,
consequentemente, os lucros da venda seriam incrementados. SaintHilaire comenta os lucros gerados na vendas junto aos pousos:
“São os habitantes, cujas terras estão
próximas
à
estrada,
que
o
fazem
construir. Não se paga hospedagem,
mas ao pé do rancho há uma venda
em que o proprietário vende o
milho que serve de alimento aos
animais dos itinerantes; indenizase assim amplamente da despesa
que fez para levantar o rancho”
(SAINT-HILAIRE, 1941: 69. Grifo do
meu.).
Entretanto, algumas estratégias foram desenvolvidas para
aumentar o tempo de permanência do hospede no pouso, bem como
os lucros advindos de seu consumo.
“Os
sesmeiros
que
tinham
terras
atravessadas por caminhos deveriam
conservá-las;
entretanto,
faziam,
deixando
que
estado
lastimável
e
nunca
ficassem
o
em
ocasionassem
verdadeiras tragédias no tempo das
119
águas
(...).
Para
não
se
verem
totalmente prejudicados, sem alimárias
e
sem
cargas,
(...),
os
tropeiros
paravam nos pousos. Podiam, então,
recorrer a ferradores, estrategicamente
instalados
junto
caminhos
mais
também
se
às
vendas
percorridos,
vendia
milho
dos
onde
para
os
animais” (SOUZA, 1995: 64-65).
Este pequeno estratagema de donos de vendas e pousos, com a
falta
de
manutenção
das
estadas,
obrigava
os
tropeiros
a
hospedarem-se por mais tempo. Mesmo que o pouso fosse oferecido
como um regalo, os transeuntes se viam obrigados a consumir na
venda.
Além da instalação conjunta de vendas e rancho para tropeiros,
estas casas de comércio, por vezes, também ofereciam pouso a
outros viandantes. Burton descreve que “a venda tem geralmente um
quarto em que os estranhos são hospedados, com uma grande
gamela100 para as abluções, um catre de madeira, uma mesa de pés
compridos e um banco baixo” (BURTON, 1941: 179).
A venda dos Finger também traz elementos de permanência na
organização do espaço interno e externo à venda. O espaço privado,
ocupado pela família estava diretamente ligado ao ambiente público
da bodega. Segundo dona Nice, o que os separava era um balcão que
dividia a venda ao meio. Este elemento ao mesmo tempo em que
resguardava os produtos que não poderiam estar ao alcance direto de
todos, geralmente aqueles de maior valor, limitava o acesso ao
espaço de convívio familiar dos Finger. Era o balcão e os cuidados do
100
Nota do autor: “A gamela é um prato concavo aberto em alguma madeira macia
geralmente a gameleira (Ficos doliaria), às vezes de seis ou sete pés de
circunferência. V. Cap. 21 sec 2 para melhor noticia sobre este objeto popular. Nas
casas, há de várias formas, redondas, quadradas e oblongas, profundas e razas.
Muito me lembraram os pratos que vi em Harrar na África Oriental” (BURTON,
1941: 149. nt. 11).
120
pai de dona Nice que mantinham os olhares e os movimentos dos
fregueses longe do ambiente privado.
O espaço reservado ao pouso dos tropeiros, ao lado da casa,
era oferecido gratuitamente, desde que consumissem produtos da
venda. No entanto não havia estrutura para hospedagem, cabia aos
tropeiros montar seu próprio acampamento ao relento.
A permanência nas práticas de organização dos elementos no
espaço interno e externo à venda, a grande variedade de gêneros
comercializados e a relação desta com o espaço, ainda pode ser
observada em algumas localidades do interior ou em alguns bairros
periféricos
de
organização
grandes
das
centros
estruturas
urbanos.
faz
das
Esta
vendas
continuidade
na
estabelecimentos
tradicionais de convívio e produção de relações sociais nos mais
diferentes espaços urbanos e rurais.
4.3 – Os Currais
Mangueiras, currais, cercados, potreiros, os designativos variam
tanto quanto as técnicas construtivas e as formas destas estruturas
destinadas ao trato e resguardo de animais. Em cada região
encontram-se diferentes denominações, funções e matéria-prima
utilizada na construção destes associados com diversos elementos.
Rubens Neis indica a existência de currais junto aos postos de
pedágio (Registros), onde “além dos currais para os cavalos
pertencentes à guarda, havia outros para descanso dos animais em
trânsito,
e
os
havia
para
apreensão
de
animais
conduzidos
indevidamente” (NEIS, 1975: 72). A pesar de não indicar a matériaprima utilizada para construção destas estruturas no Registro de
Viamão, o autor aponta a função: guardar os animais. Contudo, estas
estruturas não eram utilizadas apenas para a proteção dos animais.
Nicolau Dreys descreveu currais construídos nas planícies entre
Jaguarão e Montevidéo com a finalidade de proteger os viajantes:
121
“...
nesses
desertos
temos
achado
mesmo alguns currais de paus a
pique, edificados de propósito pela
providência pública para o viajante
poder se fechar à noite, a fim de se
resguardar com sua comitiva da
voracidade
do
tigre”
(DREYS,
1961:91. Grifos meus.).
Os
currais
apontados
por
Dreys
desempenhavam
dupla
funcionalidade: como local protegido para pouso e como curral para
os cavalos e outros animais utilizados pelos transeuntes.
Na “Planta do Acampamento das Duas Primeiras Divizoens
Espanhola e Portuguesa da Demarcação de Limites da América
Meridional Junto as Margens do Arroio Chuy em Fevereiro de 1784”
(GIRALDO, 1999: 69)101, foi representado um “potreiro” para guardar
o gado utilizado como montaria, tração das carretas e alimentação
das divisões.
101
Na figura 2 apresento esta imagem na íntegra.
122
Detalhe da planta do acampamento indicando um potreiro.
Figura 9
A técnica utilizada para construção deste curral consistiu na
limpeza de uma clareira em meio à vegetação, junto do arroio Chuí. A
representação também indica duas aberturas: uma para entrada e
saída
do
curral
e
outra
como
acesso
ao
arroio,
garantindo
abastecimento de água para os animais. Diferente deste e dos currais
de pau-a-pique apontados por Dreys, nos Campos de Cima da Serra
os currais, também conhecidos como mangueiras, eram construídos
em pedra.
Algumas fontes indicam a abundância desta matéria prima na
região. O engenheiro das Colônias Alfonse Mabilde em relatório de
1850, onde trata das obras do Registro do Pontão, apontou que “há
de ser os pateos calçados de pedra, o que com facilidade pode fazerse visto as pedras serem abundantes neste lugar, e boas para este
fim” (MABILDE, AHRGS, FOP 01). Anos antes, o responsável pela
reforma da estrutura do Registro de Santa Vitória, Miguel Gonçalves
dos Santos, indicou que “... posto que haja muita pedra, falta-lhe cal,
material este que faz em Santa Vitória (...) servindo-se com tudo de
pedra para os alicerces” (SANTOS, AHRGS, FOP 05, folhas 02-03).
123
A construção destas estruturas em pedra, ao mesmo tempo em
que significava o aproveitamento da matéria-prima abundante na
região, apontava para a atividade relacionada ao preparo dos
campos, sobre os quais se encontram nódulos e blocos de basalto
dispersos em superfície. As pedras recolhidas durante a limpeza
eram, e ainda o são, aproveitadas na construção das taipas102 que
formam as mangueiras, e cercados de todo o tipo.
A
técnica
utilizada
para
construção
em
taipa
de
pedra
permanece a mesma há mais de um século. O que varia de uma
estrutura para outra, independente do período construtivo, é o
tamanho dos blocos e das pedras de encaixe utilizadas. A base mais
larga, composta por blocos maiores, e o topo mais estreito,
constituído de pedras menores garantem a estabilidade. As medidas
variam bastante, em média a base tem entre 1m e 1.60m de largura
e o topo entre 0,70m a pouco mais de 1m, a altura mede entre
1.20m e 1.80m103. O arquiteto Nery Silva esquematizou estrutura de
uma taipa.
Modelo de uma taipa em pedra.
In: SILVA, 2004:103.
Figura 10
102
“Taipa” é como regionalmente são denominadas as construções em pedra,
formadas a partir de blocos sobrepostos, com encaixe de rejunte seco.
Atualmente, alguns taipeiros (aquele que constrói taipas), utilizam argamassa com
cimento para rejunte das pedras.
103
Estas medidas estão baseadas nos dados coletados em campo, no município de
Bom Jesus, em janeiro de 2005 (SILVA, 2005. Datiloscrito).
124
Nota-se, na figura 10, que os blocos de pedra representados
são arredondados e sem qualquer tipo de preparo (lascamento)
anterior a sua deposição na taipa. Entretanto, nos trabalho de campo,
se observou que além de bons taipeiros os construtores destes
currais também eram lascadores.
Na Fazenda do Cilho, em Bom Jesus, encontram-se currais em
taipa
construídos
em
dois
momentos
diferentes.
Segundo
informações dos proprietários, Jacira e Cláudio Borges, a taipa
composta por blocos de basalto com poucos indícios de lascamento e
encaixes aparentemente mais brutos foi construída em meados do
século XIX (Ilustração 11). Enquanto outra, formada por grandes
blocos encaixados com lascas ou blocos menores repletos de marcas
de retiradas, foi construída no do século XX (Ilustração 12).
A primeira, apesar de aparentemente mais rude e menos
sólida, raramente necessita de reparos. Já os currais construídos mais
recentemente, segundo Jacira Borges, até mesmo com a queda de
raios distantes tem sua estrutura abalada, sendo necessários reparos
constantes.
Detalhe
um
de
curral
construído no
século XIX.
Bom Jesus,RS
Figura 11
125
Detalhe de um
curral
construído
no
século XIX.
Bom Jesus, RS.
Bom Jesus, RS.
Figura 12
Estas informações não necessariamente indicam que todos os
currais construídos em taipas de pedra, com pouco material lascado,
correspondem ao século XIX ou períodos mais recuados. Na figura 13
observa-se uma taipa que compõe um corredor, construído segundo
informações de moradores, em meados do século XIX. Além de lascas
de basalto nos encaixes, há indícios, junto à estrutura, de blocos com
marcas de retirada e muitas lascas de refugo.
Bloco com marcas de retiradas
e lasca de encaixe.
Detalhe de estrutura de um
corredor.
Bom Jesus, RS.
Figura 13
126
Em partes desmoronadas deste mesmo corredor se observou
que,
apesar
do
material
ser
lascado,
a
estrutura
montada
correspondia à mesma que Nery Silva (2004:103) representou, ou
seja, base larga e topo mais estreito. Enquanto na estrutura interna
(figura 14) as paredes são formadas por blocos maiores e o interior
por pequenos blocos, o que torna a construção mais estável.
Detalhe
interno
de uma taipa de
pedra.
Bom Jesus, RS.
Figura 14
Uma
outra
técnica
e
matéria-prima
foram
aplicadas
na
construção dos currais de madeira. A madeira utilizada varia
dependendo
da
disponibilidade
de
matéria-prima,
enquanto
a
estrutura pode ser composta por moirões com furos que os
atravessam
por
diferentes
alturas,
dependendo
dos
intervalos
desejados entre as varas ou tábuas colocadas nestas perfurações, as
quais ligam os moirões.
127
Aquarela Hermann Rudolf Wendroth, 1852.104
Figura 15
Atualmente, quase todas as fazendas utilizam este tipo de
estrutura, por demandar menores custos e menos tempo para
construção. No entanto, em Bom Jesus, muitas propriedades mantêm
as estruturas em taipa de pedra ou continuam construindo-as. Na
Fazenda
da
Guarda,
os
proprietários
conservam
as
antigas
mangueiras construídas no século XIX, no entanto, com o passar do
tempo e a necessidade de reparos, agregaram novos materiais, como
a argamassa e o cimento.
104
In: FLORES, 1998: 33.
128
Curral com reparos compostos de argamassa e cimento.
Bom Jesus, RS.
Figura 16
Dentre as diferentes técnicas construtivas empregadas em
currais, o arquiteto Neri Silva (2004) registrou a utilização de
estruturas construídas a partir de valas cavadas no solo, em algumas
fazendas do Planalto Médio gaúcho. Trata-se de uma espécie de
trincheira,
de
diferentes
formatos
(circular,
quadrada,
oval,
retangular, etc.), junto a qual “... existindo uma linha de pedra reta,
que fazia o costado105 para que o gado pudesse ser recolhido na
mangueira” (SILVA, 2004:100).
Além disso, o autor aponta que as construções das mangueiras
de vala remetem a um período anterior as de pedra. No entanto,
deve-se ter cuidado ao atribuir cronologias evolutivas que tomam
como referencia o que o pesquisador julga ser uma construção
simples ou complexa. É necessário que, antes deste tipo de
afirmativa, sejam verificados os materiais disponíveis na região, o
Segundo o autor costado é: “ajuda no reponte do gado” (SILVA, 2004: 225), ou
seja, auxilio na condução destes para dentro da mangueira.
105
129
tipo de terreno e as características culturais representadas na
arquitetura local. E, a partir destas prerrogativas pode-se inferir se
consiste em técnicas construtivas que remetem a períodos mais
recuados, ou às escolhas dos construtores por questões culturais ou
de recursos disponíveis.
Esquema gráfico de um fosso para a estrutura de um curral de vala
Figura 17
Os currais localizados junto às fazendas, de uma maneira geral
eram utilizados para o trato e resguardo do gado, no entanto, como
apontou Dreys (1961: 91) o homem também fez uso destes, como
abrigo em campo aberto. Estas estruturas de materiais, formas e
técnicas construtivas muito diversas são elementos constantes na
paisagem rural.
Construída como suporte de trabalho ao peão da fazenda e ao
tropeiro que deixava o gado em descanso, era a existência desta
estrutura que garantia a segurança dos animais, no momento de
pouso dos condutores. Por outro lado, serviam também como forma
de evitar que os animais em trânsito, levados pelos tropeiros,
acabassem se misturando ao gado das fazendas particulares por onde
os caminhos passavam. Nas fazendas, além de um espaço de
trabalho, indicavam um local de convívio social a cada momento em
130
que os peões reuniam-se para a lida com o gado. Além disso, como
ainda ocorre nos Campos de Cima da Serra, o trabalho em torno das
mangueiras, principalmente em taipa de pedra, originou um tipo de
mão-de-obra extremamente especializado: o taipeiro.
4.4 – Os Corredores
Estas construções, comuns na região dos Campos de Cima da
Serra/RS,
Campos
de
Lages/RS
e
Planalto
Paranaense/PR,
constituíam um caminho a seguir, uma rota delimitada por duas
linhas paralelas que ainda hoje marcam imponentemente a paisagem
dos
espaços
onde
foram
estruturadas.
Em
Bom
Jesus
foram
localizados alguns trechos destes corredores construídos em taipa de
pedra com rejunte seco.
Vista panorâmica de um corredor de tropas. Bom Jesus, RS.
Figura 18
Durante as prospecções percebeu-se a ausência de corredores
em determinados áreas. O motivo é incerto. No entanto, algumas
inferências puderam ser feitas depois de tê-los percorrido: por um
lado, estas estruturas foram instaladas em áreas de campo aberto,
131
para auxiliar na condução de animais em locais onde não existem
barreiras naturais para evitar a dispersão do gado. Por outro, a
presença de corredores, construídos provavelmente em meados do
século XIX106, cruzando propriedades particulares garantia que tropas
não fossem conduzidas sobre os campos e as plantações das
fazendas.
Ao mesmo tempo em que limitava a área de transito, sem causar
prejuízos em pastagens, plantações, e não permitindo que o gado
conduzido fosse misturado com o dos fazendeiros, estes corredores
significaram o disciplinamento na conduta de movimentação do
transeunte. Ou seja, configuraram uma estrutura de poder que
representava a imposição de um caminho oficial107, no qual a não
existência de aberturas laterais fazia com que, uma vez dentro do
corredor, os tropeiros seguissem por este até o seu final. Além disso,
estas estruturas exercem um forte condicionamento sobre o olhar do
transeunte.
Durante o caminhamento, inconscientemente, olha-se sempre à
frente, na direção escolhida para o deslocamento. As duas linhas
paralelas que limitam as laterais, por vezes, induziam também o
olhar da equipe que prospectava. Além de experimentar a sensação
do lugar, os objetivos da prospecção foram perceber outros aspectos
não menos importantes.
Buscou-se, identificar a técnica de construção, as fontes de
matéria-prima e os recursos naturais utilizados para manutenção do
gado e dos tropeiros. Procurou-se também compreender a inserção
destes elementos na paisagem, verificando as escolhas topográficas e
Não foram encontradas quaisquer referências em bibliografia, ou fontes
primárias, sobre a construção destas estruturas. A indicação de que foram
construídas por volta de 1850, foi apontada (em informação oral) pela historiadora
Lucila Sgarbi dos Santos, moradora de Bom Jesus. Esta pesquisadora chegou a esta
provável data através das histórias que ouvia de seu avô, que foi tropeiro, de seu
pai e através das muitas entrevistas que realizou com moradores de diferentes
faixas etárias.
107
Uma rota que, ao menos teoricamente, deveria ser seguida por todos, sem que
descaminhos fossem percorridos.
106
132
o trajeto das estradas atuais, as quais, em alguns pontos, seguem
sobre o leito dos antigos caminhos.
A técnica construtiva empregada nestes corredores foi a mesma
utilizada na estruturação das mangueiras (currais). Trata-se de uma
construção em taipa de pedra com rejunte seco, de base larga
medindo em média 1m de largura, e topo mais estreito, com medidas
entre 0,60m e 0,70m. Enquanto a largura do corredor apresenta as
maiores variações entre 13m e 46m, a altura mede entre 1m e
1,50m.
O Basalto que aflora nos campos foi utilizado como matéria
prima e, assim como na construção dos currais, alguns blocos
necessitaram de preparo prévio. Localizou-se muitas lascas ou blocos
menores, resultantes da atividade de lascamento. Além disso, dentro
ou próximo aos corredores há lascas de refugo, oriundas da
preparação de blocos e das lascas de encaixe que compuseram a
estrutura.
Um outro aspecto importante na estruturação destes corredores
é a possibilidade de inclusão de elementos presentes na superfície do
campo na composição da própria estrutura, como o que se pode
observar no corredor localizado na atual Fazenda do Costa. Na figura
19 nota-se uma rocha localizada junto a um afloramento situado na
parte interna do corredor, onde há indícios de lascamento para
obtenção
de
matéria-prima.
Percebe-se
que
o
alinhamento
longitudinal da rocha foi utilizado no traçado da taipa.
133
Afloramento aproveitado na continuidade da lateral de um
corredor. Bom Jesus, RS.
Figura 19
Além de um elemento natural como componente da estrutura,
outros recursos utilizados foram observados durante o trabalho de
campo. A região dos Campos de Cima da Serra oferece muitas
alternativas topográficas para percorrer o terreno por áreas menos
inclinadas. No entanto, um outro aspecto parece também ter
influenciado na escolha dos locais de passagem: a disponibilidade de
água.
Considerando que estas estruturas não apresentam aberturas
laterais os recursos hídricos eram explorados naqueles pontos onde
os corredores cruzavam por áreas alagadas ou pequenos córregos.
Na figura 20 verifica-se um corredor localizado na atual Fazenda
Conceição. Percebe-se que, mesmo existindo outras alternativas de
passagem, uma grande abertura na estrutura foi construída de forma
que o corredor parece abraçar a área de terreno alagadiço.
Além da disponibilidade de água, as escolhas por passagem em
terrenos de média ou baixa encosta, como forma de evitar o transito
134
por grandes aclives e o desgaste físico dos animais conduzidos,
também foi um dos fatores importantes para a definição das rotas.
Afora este tipo de relevo, as áreas mais planas em pontos de maior
altitude também foram cortadas por corredores.
Corredor envolvendo uma área alagadiça. Bom Jesus, RS
Figura 20
O fato de algumas das estradas hoje utilizadas seguirem por
antigos caminhos não é exclusividade desta região. Conforme Nietto,
no Uruguai: “... esos caminos de ganados o caminos de troperos han
determinado en mi país algunas de lo que fueron posteriormente las
principales rutas nacionales” (NIETTO, 2000: 89). Na figura 21
observa-se um longo trecho de corredor, dentro do qual segue uma
estrada municipal de Bom Jesus.
135
Estrada atual que segue no interior de um corredor. Bom Jesus,
RS.
Figura 21
Localizar
partes
de
antigos
caminhos
onde
estes
estão
representados por estruturas evidentes na paisagem permite a
localização precisa das antigas estradas. Porém, o mesmo não ocorre
em áreas onde não há corredores estruturados. Para estas a
alternativa é, através dos aspectos observados nas escolhas dos
locais de passagem dos corredores ou nas estradas atuais, buscar
prováveis locais de passagem.
Assim, seguindo a viabilidade topográfica de passagem pelo
terreno, os trajetos das rotas atuais e as fontes de abastecimento de
água, pode se chegar a inferências sobre possíveis vias de trânsito. É
o que propõe Vilariño (2003), em seus estudos no “caminho dos
Arrieros” na Galícia.
136
Através da idéia de zona de transito, sugerida por Criado Boado
(1999), Vilariño aponta que ao buscar os possíveis locais de
passagem:
“… podemos optar por seguir la mejor
línea de tránsito posible, etendiendo a
la orografia y las condiciones de drenaje
del terreno. Haciéndolo así coincidido
con el ocorrido original del camino. En
última instancia lo que hacemos es
substituir el concepto de camino
como
realidad
reconocible
a
unicamente
partir
de
las
estruturas, visibles o enterradas,
por
la
de
zona
de
transito”
(VILARIÑO, 2003: 17. Grifo meu.).
Na tentativa de identificar as zonas de transito, selecionei uma
área próxima ao Registro de Santa Vitória, por onde cruzaram
antigos caminhos, e seguem rotas hoje utilizadas. Após a escolha
do quadrante envolvente, os corredores e as estradas atuais foram
georeferenciados e sobrepostos ao mapa isométrico da área. O
resultado do geoprocessamento está representado na figura 22.
137
Mapa Isométrico. Adaptado de Weber, Hasenack & Ferreira, 2004.
LTIG-PUCRS, 2005.
Figura 22
De acordo com o que foi observado em campo, os antigos
caminhos (em vermelho) seguem por áreas mais altas e planas,
desviando de cursos d’água muito caudalosos. Ao cruzar estes
dados com as estradas atuais (em cinza), seguindo a declividade
do terreno, se observa possíveis continuidades entre as antigas
rotas e estas. No entanto, a hipótese de que a construção dos
corredores ocorreu somente em área de campo aberto, deve ser
repensada.
No centro da imagem está representado o corredor localizado
na fazenda do Costa por onde, segundo Seu Gaspar, morador de
Bom Jesus que tropeou até poucos anos atrás, as tropas seguiam
para Coxilha Rica, na direção do Registro de Santa Vitória, ou para
Vacaria, a oeste. O caminho trilhado até esta última cruzava uma
área topograficamente mais plana, no entanto eram percorridos
longos trechos em campo aberto, sem corredores, até a Fazenda
da Ronda onde pousavam antes de continuar a viagem para
Vacaria.
138
Pode-se inferir, para este quadrante envolvente, que os
corredores representam uma iniciativa particular de controle e
disciplinamento de passagem em propriedades privadas. Além
disso, as zonas de transito foram identificadas nas áreas mais
claras da imagem, ou seja, junto ou próximas às estradas atuais,
seguindo
por
maiores
altitudes
e
terrenos
topograficamente
regulares.
4.5
- Registros
Estruturas instaladas em quase todas as regiões da América
Portuguesa, os registros, tiveram como função a arrecadação de
pedágios108 e o controle de viajantes que por eles passavam.
Também conhecidos como contagem, neles eram cobrados tributos
pelos animais conduzidos por tropeiros. Construídos ao longo de
estradas, não foram uma novidade no século XVIII, pois:
“... alguns já haviam sido estabelecidos
na “saída” das minas e nos portos,
para fiscalizar a cobrança do quinto e
para combater o contrabando de gado
que vinha da Bahia, logo nos primeiros
anos da corrida do ouro” (GODOY,
2005).
Saint-Hilaire relata sua passagem por alguns registros localizados
em um dos caminhos de ligação entre Rio de Janeiro e Minas Gerais:
“... achamo-nos à margem do Parahyba, em frente ao registro, nome
que se dá aos lugares em que se pagam os direitos devidos ao Estado
e se pedem os passaportes...” (SAINTE-HILAIRE, 1941:66). Neste
pequeno trecho, há outro aspecto importante além da função de um
registro: sua localização.
“Registros dos “Meios Direitos da Casa Doada”, distribuídos ao logo da estrada do
Rio Grande do Sul a São Paulo, para cobrar essa contribuição, que incidia
exclusivamente sobre animais” (GODOY, 2005).
108
139
Estrategicamente, estes postos foram instalados “numa estrada
regular, em um “vão de serra”, “fecho de morros” ou desfiladeiros,
próximo a um curso de água, que além de assegurar o abastecimento
da repartição...” (GODOY, 2005) dificultava e inibia o trânsito
daqueles que não desejavam pagar os tributos à Coroa, restringindo
o contrabando. No entanto, mesmo como estrutura funcional para a
cobrança de tributos reais, alguns destes postos também se
destinavam ao registro dos que transitavam. Como também narra
Saint-Hilaire:
“Chegamos
a
outra
margem
do
Rio
Parahyba apresentamos nossos papeis ao
comandante do registro, que nos recebeu
com cortesia. Confia-se, geralmente, esse
posto a um tenente que tem sob suas
ordens um destacamento de quatro a dez
homens pertencentes à Província do Rio de
Janeiro.
O
visto
nos
passaportes
é
a
principal função do comandante do registro;
mas não é em suas mãos que se deixa a
importância do pedágio, e sim mais além,
no
registro
do
Parahybuna”
(SAINTE-
HILAIRE, 1914: 66).
As tropas que saiam do sul em direção a capitania de São
Paulo, ao pagarem os tributos referentes a cada animal (vacum,
cavalar ou muar), no Registro de Viamão, recebiam uma guia onde
constava a quantidade de animais conduzidos e valor pago. Nos
demais postos de controle por onde passavam cabia ao condutor da
tropa mostrar o recibo ao provedor (administrador) do registro, quem
conferia se outros animais haviam sido agregados à tropa. Por vezes,
na falta de moeda corrente, o tropeiro recebia o documento com a
quantidade de animais transportados, os quais eram conferidos nos
demais postos de passagem, e respectivas taxas eram pagas ao
140
chegarem à Sorocaba, com os rendimentos das vendas dos animais
(FLORES, 1998; NEIS, 1975; AHRGS, 1977: 123-124).
Por desempenhar função de controle de contrabando e da
circulação de desertores e devedores era necessária a presença de
militares nos registros (NEIS, 1975:72; FLORES, 1998: 62). Cabia a
coroa enviar os soldados e comandantes que compunham a guarda,
como se encontrava previsto, respectivamente, nas cláusulas 4 e 7
do contrato de arrematação dos registros de Santa Vitória e
Viamão109.
“Que por conta delle contratador serão
todas
as
despesas
feitas
na
arrematação deste contrato e somente
por conta da Real Fazenda se pagarão
os ordenados dos officiais nomeados
por Sua Magestade que tiverem cartas
alvaras ou provizoins suas (...) Que se
lhe darão os soldados necessarios para
guarda dos Registos como atualmente
se
esta
praticando
e
para
acompanharem ao caixa quando for
estabelecer algum Registo de novo ou
as cobrançaz” (AHRGS, CF 1244, folha
58r - 58v).
A guarda, tinha como função vigiar e bloquear os caminhos
clandestinos (GODOY, 2005), apreender animais contrabandeados e
prender contrabandistas e outros que circulavam ilegalmente. Ao
administrador
do
registro
cabia
garantir
o
desempenho
deste
controle, a partir do bom cumprimento de algumas instruções:
“Deve ter grande cuidado não passem
pelo
registo
nenhuma
109
animaes
tanto
de
coalidade
cavalares
como
Este contrato está transcrito no documento 01/ anexo1.
141
muares,
e
vacum
sem
que
se
apresente guias desta Provedoria da
Fazenda. Deve ter cuidado não passem
animaes por fora do dito registo por
alguma picada que esteja feita ou
novamente fação, e tendo noticia de
algum
extravio
ou
descaminho
mandará seguir pelos soldados de sua
guarda
os
que
tiver
noticia
(...).
submethellos a minha ordem presos a
cadeia
publica
mandando
animais
deste
fazer
que
continente
aprehenção
se
forem
dos
achados”
(AHRGS, CF 1243, folha 68r).
Além da Guarda, era necessária a contratação de trabalhadores
que compunham a estrutura administrativa do registro, como por
exemplo, o administrador (ou provedor) e o contador (FLORES, 1998:
62; GODOY, 2005). Considerando que os direitos de cobrança nestes
postos eram arrematados, cabia aos contratadores nomear toda a
gama de cargos necessários para cumprir a cobrança e manter os
registros em funcionamento, como foi estabelecido nos contratos de
arrematação.
“... poderão elle contratador e seus
sócios
(...)
escrivains
necessarioz
e
nomear
feitores
aos
quais
meirinhos
que
julgarem
se
passarão
provimentos pella junta da Fazenda
desta cidade ou pello Provedor da
Fazenda do Rio Grande sendo pagos de
seus
ordenados
a
custa
delle
contratador e seus socios” (AHRGS, CF,
1244, folha 58r – 58v).
142
A maioria dos arrematadores dos contratos de cobranças era
composta por comerciantes do Rio de Janeiro, ainda que muitos
fossem nascidos em Portugal, como aponta Osório (2001: 117). São
estes os “homens de grosso trato” ou “homens de grossa aventura”,
como denomina Fragoso (1998), os quais expandiam e diversificavam
seus negócios, nas mais diversas áreas da América Portuguesa e
além mar (HAMEISTER, 2002).
Os contratos arrematados, em geral por três anos, constituíram
formas importantes de ligações comerciais entre o Rio Grande do Sul
e a região sudeste (OSÓRIO, 1999: 2001). Além disso, “a delegação
da competência fiscal a particulares (um negociante ou uma
sociedade deles) oferecia vantagens à Coroa, como a execução e
fiscalização da cobrança de impostos por territórios geograficamente
vastos e dispersos” (OSÓRIO, 2001: 110).
Além da conveniente situação gerada pela Coroa ao manter
ocupadas e administradas áreas distantes do centro administrativo
através
da
arrematação
arrematadores
também
de
contratos
recebiam
de
algumas
cobrança110,
vantagens.
os
Estes
negociantes tinham outras possibilidades de aumentar seus ganhos
para além da diferença entre o valor determinado a ser pago pelo
contrato à Coroa e o montante arrecadado com a cobrança dos
tributos. Além de poder expandir seus negócios com a concomitante
arrematação de diferentes tipos de contratos, beneficiavam-se
através da cláusula dos contratos que permitia abertura de vendas e
lojas, as quais potencializavam as chances de maiores lucros
(OSÓRIO, 2001).
A historiadora Helen Osório analisou as elites econômicas do século XVIII
(homens de grosso trato) e a arrematação dos contratos reais no Rio Grande do
Sul. Além dos contratos de arrematação dos Registros outros três também foram
analisados pela autora: os contratos de arrecadação dos dízimos, o do quinto dos
couros e gado em pé e o do munício de tropas. “Enquanto os contratos dos dízimos
e dos direitos de passagem existiam em toda América portuguesa, os dois outros
eram específicos do sul” (OSÓRIO, 2001: 111).
110
143
Feito estes comentários iniciais sobre função, localização e
contratos de arrematação dos registros ainda restam algumas
considerações a cerca da estrutura construtiva destes. Apresentarei
alguns comentários e inferências a cerca de alguns Registros
construídos na área correspondente ao atual Estado do Rio Grande do
Sul, no século XVIII e meados do XIX.
4.5.1 – O Registro de Viamão
O Registro de Viamão foi cadastrado como sítio Arqueológico111
por Eurico T. Miller em 1965, durante as atividades do PRONAPA.
Naquele momento foram realizadas duas coletas da cultura material
localizada em superfície e três poços de sondagem, onde foi
encontrada cerâmica e material ósseo. Estas evidências materiais
levaram Miller a supor que se tratava de um sítio pré-colonial com
posterior ocupação colonial, no entanto, pouco depois, seguindo
informações orais, constatou que o sítio cadastrado correspondia a
um antigo pedágio e guarda (JACOBUS, 1997: 45-46). Três décadas
depois foi posto em atividade um outro projeto cuja área abrangia o
sítio RS-S-263.
Em 1995 teve início o projeto PASAP, coordenado pelo
arqueólogo André L. Jacobus. Neste mesmo ano, uma escavação foi
realizada no Registro de Viamão com o III Sítio Escola Internacional,
coordenado pelo Dr. Klaus Hilbert / PUCRS. O material proveniente
destas duas intervenções arqueológicas e os dados obtidos com o
desenvolvimento do PASAP foram utilizados por Jacobus para
elaboração de sua dissertação de mestrado.
Concluído em 1996 na PUCRS, o trabalho de Jacobus (1997)
teve como objeto de estudo o sítio Registro de Viamão. Além de
apresentar importantes reflexões a respeito da denominada cerâmica
Monjolo,
associada
à
tradição
arqueológica
Neobrasileira,
este
RS-S-263 (Guarda Velha2 ou Registro de Viamão). O material arqueológico
proveniente deste sítio está sob guarda do MARSUL.
111
144
pesquisador despertou uma série de possibilidades de pesquisas
sobre tropeirismo. Sua dissertação concretizou o único trabalho de
maior
fôlego
realizado
até
então
que,
através
de
um
viés
arqueológico, propôs o estudo de uma estrutura relacionada ao
tropeirismo no Rio Grande do Sul.
Na documentação se encontra outros designativos para o posto
de arrecadação estudado por Jacobus: Guarda de Viamão, Guarda
Velha de Viamão, Patrulha, Registro da Patrulha, Registro da Serra e
outros. No entanto, assim como aquele autor, neste trabalho uso a
denominação Registro de Viamão por ser a mais recorrente.
Localizado às margens do Rio dos Sinos, no atual município de
Santo Antônio da Patrulha, não se tem informações muito precisas a
respeito do período de sua instalação. Sabe-se, segundo Jacobus
(1997), que a guarda foi instalada entre 1737 e meados de 1738 e
que suas funções, como Registro, foram instauradas a partir de 1739
(JACOBUS, 1995: 123; AHRGS, 1777: 122). Quanto aos contratos, no
período entre 1772 e 1808, os direitos de cobrança de pedágio neste
registro foram arrematados em conjunto com o Registro de Santa
Vitória.
Assim, a partir daquele último ano não houve cobrança de
taxas no Registro de Viamão, pois o mesmo estava sendo desativado,
e os contratos seguintes continham apenas os direitos de cobrança no
Registro de Santa Vitória. Os motivos de sua extinção estão
relacionados ao abandono do Caminho das Tropas e ao crescente
movimento em direção a região missioneira (BARROSO, 1979;
DREYS, 1961: 91; JACOBUS, 1995; TRINDADE, 1992). Entretanto, foi
em função da instalação da Guarda e Registro de Viamão que teve
origem o povoamento da região do atual município de Santo Antônio
da Patrulha (BARROSO, 1979; JACOBUS, 1997; NEIS, 1975).
Sobre as estruturas construtivas que compõe os registros,
algumas fontes apontam como sendo formados pelos prédios do
registro, onde ocorria a arrecadação (casa do registro); a residência
145
do comandante e o quartel dos soldados. Além destes, indicam
também a existência de um racho para tropeiros e de um complexo
de currais para abrigar os animais da guarda, para acomodar os
animais que seriam contabilizados e para a apreensão daqueles que
estavam sendo indevidamente conduzidos (GODOY, 2005; JACOBUS,
1997: 31; NEIS, 1975: 72).
Este modelo de organização e estruturação do espaço de
funcionamento de um registro, apontado por alguns autores, parece
corresponder, dentre os registros aqui comentados, somente ao
Registro de Viamão. A existência de espaços distintos para registro e
para a guarda não corresponde a alguns casos particulares.
Outras diferenças entre estes postos estão relacionadas à
matéria-prima e a técnica construtiva empregadas. Com base na
pesquisa das fontes escritas e no material construtivo encontrado
durante as escavações, Jacobus aponta que as construções que
faziam parte do registro foram estruturadas a partir da técnica de
pau-a-pique: “tanto as massas de barro queimadas como estes
cilindros, associados às perfurações evidenciadas, certamente fazem
parte de estruturas habitacionais de pau-a-pique” (JACOBUS, 1997:
58).
4.5.2 – O Registro de Santa Vitória
Pesquisas arqueológicas envolvendo o sítio Registro de Santa
Vitória (RS-PQ-18) iniciaram em 1998 no projeto “Povoamento dos
Campos de Cima da Serra, Bom Jesus/São José dos Ausentes/RS”,
sob coordenação das arqueólogas Sílvia M. Copé e Liséte D. de
Oliveira
(COPÉ
&
OLIVEIRA,
1998).
Entretanto,
desde
2003
desenvolvo o projeto denominado “Espaço, Sociedade e Cotidiano:
uma aproximação ao tropeirismo através da Arqueologia, Bom
Jesus/RS” (SILVA, 2004) no qual retomei, com licença do IPHAN e
apoio institucional do NUPArq/UFRGS, o levantamento dos sítios
arqueológicos relacionados a atividade tropeirística em Bom Jesus. Do
146
desenvolvimento deste trabalho surgiu o sub-projeto “Para uma
interpretação da paisagem arqueológica do tropeirismo em Bom
Jesus/RS”, que dá origem a esta dissertação de mestrado. Além dos
dados obtidos nesta pesquisa pude contar com o material produzido,
em 2004, pela equipe do NUPArq/UFRGS, a cerca do levantamento
arqueológico realizado na área a ser construída a Usina Hidroelétrica
Pai Querê (COPÉ, 2004). Tal obra, se concretizada, impactará a área
onde se encontra a ruína do Registro de Santa Vitória, na confluência
do Rio dos Touros e do Rio Pelotas.
De acordo com as fontes analisadas Santa Vitória foi construído
em 1772, pois deste mesmo ano data o registro de uma portaria que
trata do envio de um oficial e um picador ao novo registro (AHRGS,
CF 1244, folha 21v, Registro Geral da Fazenda 1771-1780)112. Outra
fonte aponta a solicitação de pagamento a um grupo composto por
carpinteiros e outros trabalhadores empregados na construção dos
quartéis e demais necessidades no Registro de Santa Vitória em Cima
da Serra, em junho de 1772 (AHRGS, CF 1244, folhas 26v-27v,
Registro Geral da Fazenda 1771-1780)113.
Entretanto, somente em dezembro deste mesmo ano foi
arrematado o primeiro contrato para cobrança de passagem no
Registro de Santa Vitória. Nesta ocasião foi concedido a Bernardo
Gomes Costa (comerciante da praça do Rio de Janeiro) e seus sócios,
por três anos a contar a partir de 1º de janeiro de 1773, os direitos
de cobrança pela passagem de animais nos dois registros: Viamão e
Santa Vitória (AHRGS, CF 1244, folhas 56v-60r)114.
Para o ano de 1776 estava prevista a arrematação de um novo
contrato, como de fato ocorreu. Manoel de Araújo Gomes, também
comerciante carioca, e seus sócios, arremataram pelo período de seis
anos (1776-1781) os direitos de cobrança de passagem de animais
nestes dois postos. No entanto, o arrematante, com o intuito de
112
113
114
Transcrito no documento 02/anexo 1.
Transcrito no documento 03/anexo 1.
Transcrito no documento 01/anexo 1.
147
aumentar as arrecadações, solicitou a transferencia do Registro de
Santa Vitória para as margens do Rio Canoas e, em contra partida,
ofereceu à Coroa um valor adicional ao contrato por ele e seus sócios
arrematado.
“... o rematante Manoel de Araujo
Gomes, e dise que tendo requerido
a esta junta permitice que o registo
que se achava estabelecido no rio
das Pelotas se mudace para o das
Canoas ao pê das Lagens, e que
sendo ouvida a junta do Rio Grande
informará
ser
conveniente
comprehender
gados
de
alguãs
que
se
e
fazendas
não
pagam
por
de
os
direitos, por ficarem de fora do registo
do rio Pelotas, e atendendo a mayor
realidade
percebe
que
na
elle
mudança
rematante
dice
que
offerecia para a Real fazenda mais
dusentos mil reis pelos seis annos
de sua rematação, vindo por este
modo
a
ser
preço
total
com
que
ofereceu no acto da rematação vinte
contos duzentos e cincoenta mil reis
livres para a Real” (AHRGS, CF 1244,
folha 135r. Grifos meus.).
Por vezes se afirmou que o registro havia sido desativado e
inaugurado um novo em Lages, mas, como aponta a fonte citada
acima, Santa Vitória foi apenas transferido. Além disso, é curioso
observar que no auto de arrematação (AHRGS, CF 1244, folhas 133v135V) o nome “Registro de São Jorge do Rio das Canoas” é
148
apresentado tanto quanto o designativo “Registro de Santa Vitória”,
referindo-se a mesma instituição arrecadadora.
“...
o
contrato
das
passagens
de
animais pelos registos de Viamão, e
de S. Jorge do Rio das Canoas, por
tempo
de
seiz
annos...
o
capitão
Manoel de Araujo Gomes, homem de
negocio da Praça desta cidade, o que
dice que elle lançava para sy e seus
socios e capitam Manoel Antonio de
Araujo, e o doutor Lourenço Ferreira
Ribeiro no contrato das passagens dos
animaez pelos registos de Viamão e
Santa Vitoria no Continente do Rio
Grande pelos seis annos de mil sete
centos setenta e seiz a mil sete centos
oitenta e hum a quantia de vinte
contos cincoenta mil reis livres p a
Fazenda
Real...
não
só
pelo
que
pertence ao Registo de Viamão que já
existia
antigamente
mas
pelo
que
pertence ao registo de Santa Vitoria
que
se
mandou
estabelecer
denovo, a saber, por que pertence
ao Registo de Viamão” (AHRGS, CF
1244, folha 133v. Grifos Meus.).
A partir destas fontes pode-se inferir que a estrutura construída
para o funcionamento do Registro de Santa Vitória, na confluência
dos rios Pelotas e Touros foi mantida inativa entre 1776 e 1781. Mas,
como órgão coletor de impostos sobre o transito de animais
permaneceu ativo, porém em outra localização.
149
A transferência deste posto gerou uma polêmica sobre a
fronteira e a jurisdição administrativa entre as capitanias de São
Paulo e Rio Grande. Além dos valores correspondentes ao pagamento
do contrato de arrematação serem pagos na Junta da Fazenda do Rio
Grande, o Rio Canoas passou a configurar a fronteira entre as
capitanias. Os campos entre este e o Rio Pelotas em realidade
pertenceriam ao Rio Grande, como indicou Antônio Inácio Roiz de
Córdoba, no mapa elaborado em 1780 (figura 3): “... estes campos
que estão pela Capitânia de São Paulo pertencem ao Contimente do
Rio Grande”. No mesmo mapa, nas margens do Rio das Canoas, está
localizada a Guarda do Registro de São Jorge.
Diante das reclamações dos administradores paulistas, em
1781, o Registro de Santa Vitória foi novamente estabelecido na
estrutura localizada às margens do Rio Pelotas, rio que desde então
definiu a linha divisória entre as capitanias (PAUWELS S. J., 1926115;
AHRGS, CF 1245, folha 5r-5v116). No mapa elaborado por José
Correia
Rangel
de
Bulhões,
em
1781,
“Plano
topografico
do
continente do Rio Grande e da Ilha de Santa Catharina” (figura
23)117, o autor representa o limite restabelecido entre as capitanias,
indicando o Rio Pelotas como: “Rio das Pelotas que divide o governo
do Rio Grande do São Paulo” e na margem direita deste, o Registro
de Santa Vitória: “Guarda do Registro [ilegível] ao Governo do Rio
Grande”. Bulhões também cartografa os caminhos comentados no
capítulo três, além de outros que seguem para diferentes pontos da
Capitânia.
Padre Pauwels S. J. realizou um detalhado levantamento de fontes que tratam da
divisa entre RS e SC e apontou as querelas a respeito desta fronteira nas regiões
do planalto e do litoral.
116
Transcrito no documento 04 / anexo 1.
117
Mapa Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de Santa
Catharina tirado dos Planos dados em 1781 para a instrucão dos Comissarios da
Demarcacão do Sul, dezenhado e acrescentado com varias notas instructivas sobre
o mesmo Plano por Joze Correa Rangel de Bulhoens Ajudante de Infant.ra con
exercicio de Engnrº.1780. Escala [ca. 1:1000000], Hum Grao Dividido em 18
Legoas = [10,70 cm]. De José Correia Rangel Bulhões. Disponível em
http://purl.pt/853. Acessado em 23 de outubro de 2005.
115
150
Figura 23
151
Em setembro de 1781 é Manuel de Araújo Gomes e seus sócios
que mais uma vez arrematam o contrato correspondente aos
Registros de Santa Vitória e Viamão para o triênio seguinte (17821784), pelo valor de dez contos duzentos e vinte e cinco mil reis
(AHRGS, CF 1245, folhas 26v-29r). No entanto, a retomada das
cobranças no Rio Pelotas não correspondeu, necessariamente, a
desativação da estrutura construída as margens do Rio Canoas.
O Registro de São Jorge do Rio das Canoas, ou São Jorge das
Lages como também era conhecido, possivelmente manteve as
funções de fiscalização e cobrança pela passagem de animais após
1781, como indicam algumas fontes. No entanto, a arrematação de
futuros contratos e os valores arrecadados com estes foram, desde
então,
administrados
pela
Capitania
de
São
Paulo.
Conforme
determinou a Rainha de Portugal através do Vice-Rei: “Pelo que vos
ordena que pela parte que os toica façaez executar o que se
determina a dita Provizão deixando a Junta da Capitania de São Paulo
fazer a arrematação dos Direitos daquelle Registo...” (AHRGS, CF
1245, folha 5v).
Além disso, há outra fonte através da qual se pode inferir que
este posto permaneceu em funcionamento, se trata de um mapa da
Capitania de São Paulo, elaborado entre 1791 e 1792, no qual o
“Registro de São Jorge das Lages” foi representado118 (figura 24119).
118
Talvez estas dúvidas, quanto ao período de funcionamento do Registro de São
Jorge do Rio das Canoas e sua função, após 1781, sejam esclarecidas após
pesquisas nos contratos arrematados na Capitania de São Paulo. Pois, para fins
desta dissertação pesquisei somente as fontes existentes no AHRGS. Jacobus indica
duas fontes que tratam dos contratos referentes aos triênios 1783-1785 e 17861788 para o “novo Registro do Rio das Canoas”. (AESP, 1901: 98 e 138 apud
JACOBUS; 1997: 19-20).
119
In: BRÜGGEMANN, 2004. Datiloscrito.
152
Mapa que indica a localização do Registro de São Jorge das Lages em
1791/1792.
Figura 24
Entretanto, além dos direitos fiscais e territoriais de uma ou
outra capitania, outros fatores também contribuíram para a retomada
das atividades na estrutura localizada as margens do Rio Pelotas. A
guarda
que
prestava
serviços
no
Registro
de
Santa
Vitória
acompanhou a transferência e também se estabeleceu no Rio Canoas.
Diante das investidas realizadas, desde 1779, por grupos
indígenas em algumas fazendas dos Campos de Cima da Serra e do
pequeno contingente militar presente na região (DUARTE, 1940;
1944; 1945), em novembro de 1780, o governador Sebastião Xavier
da Veiga Cabral enviou um ofício ao Vice-rei. Neste, aponta para o
153
problema dos limites entre a capitania de São Paulo e o Rio Grande
de São Pedro, novamente fixado no Rio Pelotas e a necessidade de
uma guarda no local, não somente para garantir as arrecadações
reais, mas também para auxiliar na proteção dos moradores da
Vacaria contra o “gentio” que continuava ameaçando-os (BARRETO,
1973:362 apud JACOBUS, 1997:20).
Restabelecido em seu local de origem, o Registro de Santa
Vitória foi sucessivamente arrematado em conjunto com Registro de
Viamão por contratos trienais ou anuais (“ano solto”), de valores
diversificados, até dezembro de 1808, último ano de funcionamento
do Registro de Viamão como estação arrecadatória de tributos
cobrados pela passagem de animais. No entanto, poucos foram os
contratos não arrematados por negociantes da praça do Rio de
Janeiro120.
Alguns trabalhos indicam que as cobranças de pedágios por
animais conduzidos no Registro de Santa Vitória foram desativadas
em 1848, permanecendo apenas como estação de controle e registro
de passagem de pessoas até última década do século XIX. Apontam
também que, neste mesmo ano, outro posto foi fundado na
confluência dos rios Pelotas e Canoas, denominado Registro do
Pontão, o qual oficializava um novo caminho que, de forma
clandestina, já era percorrido por tropeiros e comerciantes de todo
gênero que desejavam acessar a oferta de gado na região missioneira
(BARROSO, 1979; JACOBUS, 1997; OLIVEIRA et al, 2002). Jacobus
indica, mais precisamente, que o Registro de Santa Vitória foi
transferido antes de 08/03/1848. “Pois nesta data a Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul era informada da remoção para o
passo do Pontão, na confluência dos rios Pelotas e Canoas”
(JACOBUS, 1997: 19-20).
No anexo 2 segue um quadro com referências a alguns destes contratos. Todos
estão disponíveis para consulta nos Códices da Fazenda do AHRGS.
120
154
Entretanto, a partir dos relatórios existentes no AHRGS / FOP
se afirma que em 1850 as obras do Registro do Pontão ainda não
estavam finalizadas e o Registro de Santa Vitória continuava
arrecadando
tributos,
os
quais
deveriam
ser
enviados
ao
administrador da obra para cobrir as despesas da construção. É
Mabilde quem explica, em um de seus relatórios, os motivos do
atraso das obras e os contratempos ocorridos entre o administrador
da construção do Registro do Pontão e o coletor do Registro de Santa
Vitória. O longo trecho de seu relato que segue transcrito abaixo
elucida a difícil situação gerada naquele contexto.
“Além destes atrazos motivados por
circunstancias
necessárias
e
indispensáveis121 para poder conseguir
a
edificação
n´este
tão
apropriado
lugar, do quartel em construção, não
possa deixar passar sob silencio os
atrazos que tão voluntariamente de
cazo pensado forão motivados por
caprixos por não me servir de outro
termo talvez mais proprio e talvez mais
acertado o atual collector de Sta
Vitoria, que segundo as ordens de
V.
Ex
ª
era
mensalmente
obrigado
com
a
suprir
dinheiro
o
administrador destas obras.
O referido Collector Domingos Antonio
da Costa Guimarães assaz [...] pelo
que me consta por pessoas fidedignas
Nas folhas 5 e 6, desta mesma fonte, Mabilde aponta outros fatores que
contribuíram para o atraso da obra, como: limpeza e preparo de terreno,
construção de ranchos para trabalhadores, picadas para entrada no mato em busca
de madeiras de qualidade, construção de carretões para o transporte das madeiras,
fabricação e queima de telhas, roças, currais para abrigo do gado destinado a
subsistência dos trabalhadores, etc.
121
155
da
Vacaria,
achou-se
bastante
incommodado de não poder continuar a
dispor mensalmente de certas quantias
das
que
recebeo
de
Direitos
Provinciais, para com ellas continuar a
amortizar sua divida... - O resultado de
seus negocios particulares, fez que o
collector procurasse todos os meios de
encomodar
Antonio
o
administrador
Moraes
Dutra,
João
faltando-lhe
com dinheiro para suas despesas da
obra, e retardando continuamente, e
athé hoje em dia a entrega das
quantias que tem ordem de lhe dar
mensalmente,
ajudando-lhe
sempre
que o dinheiro que na collectora
tinha recebido, o tinha remetido a
Tezouraria
entanto
da
que
o
Provincia,
no
contrariio
era
fisicamente sabido – O administrador
não tendo com que pagar no fim do
mez
seus
trabalhadores,
estes
negarão-se a continuar no serviço e
retiravão-se athé que tinhão recebido
seus salariamentos, e assim por varias
vezes
aconteceu
tendo-se,
segundo
pude ver no livro dos assentos dos
trabalhadores, passando o mez inteiro
de agosto sem que se fizesse aqui o
menor
serviço
por
não
haver
trabalhadores, que se tinhão retirado
por
falta
de
pagamentos,
e
estes
156
convencidos, segundo o collector os
dizia
que
o
Administrador
tinha
recebido d´elle dinheiro para os pagar
e que em lugar de os pagar o tinha
despendido
em
as
cujos
seus
particulares!
Heis Exmo. Senhor o
procedimento
do
Colletor
de
Sta.
Vitória, ... procurão todos os meios os
mais escandalosos para não somente
desacreditar o administrador para com
V. Exa., mas tambem para com os
trabalhadores, afim de ver se assim
impedem a continuação da obra, e
fazer crêr que aquelles atrazos sejão
proveniente do mesmo Administrador”.
(MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento
672, folhas 05-07. Grifos meus.).
O ano exato em que as cobranças passaram a ser realizadas no
Pontão é desconhecido. No entanto, claro está que o Registro de
Santa Vitória permaneceu como órgão coletor por alguns anos além
de 1848, ao menos até o segundo semestre de 1850. Como informou
o administrador, nomeado em maio de 1850, Estevão Malaquias Paes
de Figueiredo, a obra do Pontão deveria ser finalizada com recursos
daquela coletoria, para evitar os constantes atrasos e problemas com
o envio de verbas:
“... consequentemente rogo a V. Exa. a
vista do que tenho ponderado haja de
dar providencias a que as quantias
q´eu for percizando para as dispesas
desta óbra, depois de gasto o saldo
que
existe,
seram
dados
pela
collectoria deste lugar, afim de que
157
não soffra a obra alguma parada
por
falte
não
pagamentos
(FIGUEIREDO,
haver
dinheiro
dos
trabalhadores”
AHRGS,
FOP
para
05,
documento 639. Grifo meu.).
Entretanto, em dezembro de 1851, conforme o relatório do
Lopes Almeida Henriques Botelho Mello (Brigadeiro graduado e chefe
dos engenheiros civis) o prédio deste novo posto ainda não estava
concluído (MELLO, AHRGS, POP 06). Mas, desta data ainda incerta
até 1856 o Registro do Pontão foi o “que mais recursos arrecadou
para a província. A partir de 1857 entrou em declínio” (PERIN, 2000:
175).
Independente
de
datas
de
inicio
de
funcionamento
ou
desativação de um posto ou outro, é importante sublinhar que o novo
caminho seguido em direção à região missioneira, conhecido como
“Vereda das Missões”, marca o início de uma nova fase caracterizada
pela “corrida para o oeste” do estado. Desde que o território das
Missões foi incorporado ao Rio Grande (1801), a coroa tentava,
através de diversas medidas, a ocupação e abertura de rotas nesta
região (BARROSO, 1979: 66-67).
A abertura da picada de acesso ao passo do Pontão reduziria
em alguns dias o tempo necessário para percorrer a distância da
região das Missões ao Rio Uruguai. Como aponta Roderjan: “o rio é
atravessado por um passo localizado abaixo da confluência de todos
os outros rios, evitando as freqüentes inundações e asperezas, da
estrada que segue por Lages” (RODERJAN, 2000:80). Trata-se de
uma rota de melhor transito, devido aos menores declives do terreno,
se comparada ao trajeto até então percorrido do Registro de Santa
Vitória em direção a Lages.
Diante do que até então foi exposto, se afirma que a existência
destes postos pode ser compreendida para muito além de sua
funcionalidade. Na verdade, os registros constituíram um lugar de
158
controle, domínio e estruturação do espaço. Através da concretização
destes postos, bem como pelas ações daqueles que os administravam
ou neles prestavam serviços, é que a paisagem, da qual estas
estruturas faziam parte, representava as intenções políticas e
econômicas de um projeto colonial calcado no domínio e controle
sobre o deslocamento de pessoas e produtos.
Esta relação de domínio transparece tanto nos interesses de
particulares, como o caso do pedido para a transferência do Registro
de Santa Vitória para o Rio Canoas, quanto no que concerne aos
interesses administrativos e de controle do espaço ocupado pela
Coroa portuguesa. Os interesses metropolitanos visaram instituir uma
ordem a custas de uma relação de domínio sobre o espaço,
concretizada a partir da presença das guardas e dos registros, frente
aos que de uma forma ou outra hostilizavam os planos.
No entanto, mesmo diante da construção de tantas estratégias
materiais para controle e ordenação de movimentos sobre o espaço e
das instruções enviadas aos administradores dos registros, ou em
cláusulas dos contratos assinados pelos arrematantes, houve aqueles
que
encontraram
rotas
alternativas,
dentro
de
um
espaço
teoricamente bem fiscalizado.
“A propósito de contrabandos, não é
ocioso dizer que acima e abaixo do
passo de Santa Vitória é costume de
certos
tempos
para
cá
passarem
animais por contrabando; eu, na minha
puerícia, passei o passo de cima sem
ser sentido da guarda de Sta. Vitória
(em 1793). O passo de cima é assaz
conhecido122,
o
de
baixo
só
os
espertalhões têm dele cabal notícia;
122
Autor se refere ao Passo do Inferno, utilizado desde a abertura do Caminho dos
Conventos.
159
um e outro ficam a pouca distância da
Guarda” (AHGRS, 1983: 60).
Os
descaminhos,
como
eram
conhecidas
as
rotas
de
contrabando, por vezes ocorriam sob as barbas dos funcionários e da
guarda dos registros, fazendo desta prática, o contrabando, uma
atividade comum e praticada até mesmo por aqueles que deveriam
controlá-lo. Esta larga distância existente entre o que as fontes
oficiais indicam e o que de fato pode ter ocorrido está bem elucidada
no trecho transcrito acima do relatório enviado ao Presidente da
Província, em outubro de 1838, por Antônio Manuel Corrêa da
Câmara.
4.5.3 – Por dentro dos Registros
Como brevemente sinalizei no tópico “4.5.1 – O Registro de
Viamão”, os autores que indicam as construções de vários prédios
destinados ao abrigo das diferentes tarefas desempenhadas e dos
trabalhadores que residiam num registro (GODOY, 2005; JACOBUS,
1997: 31), apontam para um modelo de estrutura funcional que não
corresponde de forma generalizada a todos os postos estabelecidos
no Rio Grande do Sul, durante os séculos XVIII e meados do XIX.
Alguns espaços, como área para guarda, área para coletoria e currais,
constituem a estrutura básica e necessária a qualquer posto de
registro. No entanto, a forma como estes postos foram espacialmente
organizados exige uma análise particular a cada um.
Antes de estabelecer modelos gerais de construção, além dos
fatores contextuais que apontam a necessidade da obra, sua função e
as características geográficas dos locais escolhidos para construção,
devem ser considerados alguns aspectos particulares de cada posto,
tais como: os recursos locais utilizados como fonte de material
construtivo; estruturas de apoio à construção e ao funcionamento do
registro, as dimensões e organização dos espaços internos dos
160
postos; etc. Estes diferentes aspectos fazem de cada registro uma
estrutura particular e única.
Para compreender as características particulares e a inserção
destas estruturas naquela espacialidade vivenciada no passado,
busco com a comparação de duas plantas baixas (SANTOS, AHRGS,
FOP 01; FIGUEIREDO, AHRGS, FOP 05) uma aproximação com a
organização do espaço interno do Registro de Santa Vitória e do
Registro do Pontão. A primeira (figura 25)123, elaborada em meados
de 1833, representa um projeto de reconstrução de uma estrutura já
existente. Por outro lado, a planta correspondente ao Registro do
Pontão (figura 26), datada de maio de 1850, indica seu primeiro
projeto construtivo.
Ambas
as
fontes
representam
projetos,
ou
seja,
a
intencionalidade de concretização daquela estrutura representada no
papel. Sabe-se também que pode haver grandes distâncias entre o
projeto e o que realmente foi materializado. Entretanto, a análise das
plantas é um ponto de partida importante e muito frutífero para
elaboração de algumas inferências sobre a organização interna e para
os
questionamentos
a
serem
feitos
em
futuras
intervenções
arqueológicas.
4.5.3.1 – Entrando no Registro de Santa Vitória
Godoy, ao realizar um estudo sobre as alfândegas no Brasil,
indica a estrutura dos registros da seguinte maneira: “... os prédios
consistiam na ‘casa do registro’, nas residências do fiel e do
administrador, no quartel dos solados, num rancho para os tropeiros
contribuintes e num curral para os animais” (GODY, 2005. Grifo
meu.). Todos os espaços apontados pelo autor, remetem a estrutura
básica de qualquer posto de arrecadação sobre passagem de animais
no Brasil colonial, no entanto, a referência a prédios (no plural) não
123
“Mappa Plano Descriptivo do Porlongo de Cazas que afazerão no Registo de Sta.
Vitória”, 1833. O texto que acompanha a planta está transcrito no documento
05/anexo 1.
161
corresponde a alguns casos particulares, como por exemplo, no
Registro de Santa Vitória.
Em outros trabalhos apontei a provável existência de prédios
distintos para coletoria e guarda (SILVA, 2001; 2004). No entanto,
após as prospecções e sondagens realizadas na área da Usina
Hidroelétrica Pai-Querê (COPÉ, 2004), esta opinião foi revista.
Naquele trabalho, fracionamos a área de entorno da ruína do registro
em linhas paralelas distantes 100m uma da outra. Em cada um
destes transects, a cada 100m, foi realizada uma sondagem, mas
nada foi localizado. Se por um lado, naquele momento, nossas
expectativas de encontrar outras evidências arqueológicas foram
frustradas e muitos questionamentos surgiram, por outro lado, pouco
tempo depois foi localizada, no AHRGS, a planta baixa deste posto,
surgindo assim uma possível explicação para a ausência de prédios
distintos para guarda e coletoria.
162
Figura 25
163
Nota-se que um único prédio abriga duas áreas com funções
distintas: a da guarda e a de coletoria. Porém, apesar de comporem
uma única estrutura, não há ligações internas entre estes dois
espaços, existe uma parede contínua que os separa.
No entanto, esta separação entre o setor militar e o setor fiscal
não é a única observada. Nos períodos em que os direitos de
cobrança foram arrematados para negociantes a parede contínua
também dividia o setor particular, ocupado e administrado pelos
funcionários
contratados
pelo
arrematante,
do
setor
público,
gerenciado pelos funcionários da Coroa.
Alguns espaços, em ambos os setores, necessitavam de maior
segurança
e
tinham
acesso
restrito
ao
responsável
por
sua
organização e manutenção, como o cofre e a sala de armas. Ao
primeiro, o único acesso se dava pela porta que o ligava ao escritório,
enquanto que na sala de armas não havia outras aberturas além da
porta exatamente em frente à alcova do comandante.
No setor da guarda, tanto na parte frontal quanto aos fundos,
há portas de acesso aos espaços 1,2 e 3, e outras de acesso aos
espaços 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10. A existência de diferentes aberturas de
acesso externo para um único setor indica uma divisão entre o
espaço de trabalho (quartel) e o espaço doméstico (casa do
comandante). Além disso, a indicação de duas cozinhas (3 e 9), uma
geral do quartel e outra reservada para a área doméstica do
comandante e do escrivão, apontam para a provável hierarquização
de acordo com a patente militar, para utilização dos espaços de
refeição.
No que diz respeito ao setor administrativo (a coletoria),
algumas inferências a respeito da organização interna dos espaços
podem ser feitas. Neste, também se observa a subdivisão entre o
mundo do trabalho e o doméstico. Os espaços 11 e 12 correspondem
ao espaço de trabalho burocrático do registro, enquanto 13, 14, 15,
16, 17, 18, 19 e 20 estão relacionados ao ambiente de convívio
164
doméstico. As indicações de duas portas de acesso no frontal também
apontam para esta subdivisão setorial, enquanto a referencia a uma
única porta aos fundos reforça a necessidade de isolamento da “casa
do cofre”, espaço acessível a poucos.
Quanto à matéria-prima a ser utilizada na construção, esta
fonte indica que a técnica construtiva empregada nas casas de Cima
da Serra é o pau-a-pique com cobertura de telhas, ao invés de capim,
em função do perigo de incêndios. No entanto, o autor sugere para o
Registro de Santa Vitória, a utilização de tijolos nas paredes e
ladrilhos do piso, por serem mais duráveis. Mas aponta para a
necessidade de um formo para queima das telhas e dos tijolos, pois
não estava certo de que nas imediações do Registro de Santa Vitória
existisse algum (SANTOS, AHRGS, FOP 01)124.
Além do prédio do registro, o autor aponta para a construção
de outra estrutura, destinada ao pouso dos tropeiros. Sugere que,
para economizar no valor orçado, o pouso fosse construído com
esteios de madeira coberto de capim. Obra de custos mais baixos,
elaborada a partir de matéria-prima captada nas imediações do
registro, bem como as pedras utilizadas para os alicerces, como
aponta o autor: “Quanto a pedra para os alicerces, é tanta em
qualquer parte há. Do mesmo respeito a madeira, pois os capões de
pinheiro são imensos” (SANTOS, AHRGS, FOP 01).
Esta
fonte
encontramos
parece
outras
esclarecer
estruturas
o
motivo
arquitetônicas
pelo
qual
não
durante
as
prospecções. E, se o rancho para os tropeiros foi construído em
madeira e capim, material bastante perecível, para localizá-lo será
necessário abrir poços teste em intervalos menores do que a cada
100m como realizado. Talvez assim sejam encontras evidências do
negativo da estrutura, vestígios de fogueira, etc.
Se por um lado, para os questionamentos a respeito dos
distintos prédios para a guarda e coletoria foi indicada uma possíveis
124
Transcrito no documento 05/anexo 1.
165
respostas, por outro, para a existência de evidências das casas dos
soldados e outros moradores da região do Passo de Santa Vitória, a
lacuna permanece. Em 1838, durante a Revolução Farroupilha (18351845) Santa Vitória encontrava-se sob controle de forças farrapas.
Neste ano o Coronel José Mariano de Matos escreveu ao também
Coronel David Canabarro. Entre outras informações a respeito do
front nos Campos de Cima da Serra, fez referências às famílias que
viviam em Santa Vitória: “Hoje faço seguir ordem para que as
famílias e forças que existem no Passo de Santa Vitória e no de
Lagedo do Costa marchem para as imediações do lugar em que V. As.
se acha ...” (AHRGS, 1991: 271).
Somente novos trabalhos de campo poderão trazer outros
subsídios explicativos para preencher esta lacuna. A área até então
prospectada corresponde a que será diretamente impactada pelo
reservatório da UHE. Trata-se de uma área de pequena extensão e
grande declividade. Para realmente confirmar a existência ou não
destas casas deve-se prospectar uma área mais ampla e menos
íngreme.
No entanto, além da ruína do prédio da guarda e coletoria,
outras construções se fazem evidentes no entorno do registro. Há
grandes currais na atual Fazenda da Guarda, na margem direita do
Rio dos Touros (já apontados no tópico 4.3 deste capítulo) e na
margem direita do Rio Pelotas, município de Lages/SC, onde, além
dos currais, há um corredor calçado com basalto.
4.5.3.2 – Entrando no Registro do Pontão
Assim como o Registro de Santa Vitória, a estrutura projetada
para o Pontão (figura 26) abriga, num único prédio, dois setores de
distintas funções: o militar (de polícia) e o da coletoria. Apesar das
aberturas (portas e janelas) ao pátio geral estabelecerem ligações
externas entre estes dois setores, não há aberturas de comunicação
interna, mas sim uma parede contínua que os separa.
166
As portas de comunicação com o exterior estão localizadas no
frontal de acesso ao pátio geral; aos fundos existem unicamente as
janelas dos quartéis. Em todos os espaços há janelas, exceto nas
cozinhas do setor militar, na prisão e na “arrecadação da polícia”.
Nestes dois últimos, a ausência deste tipo de abertura se justifica por
constituírem espaços que, por questões de segurança, são mais
isolados e afastados dos olhares não autorizados.
No setor destinado à coletoria há dois espaços com portas de
acesso externo no frontal, o gabinete e a coletoria, que configuram o
ambiente de trabalho. Formando o ambiente doméstico, mais
reservado, há duas alcovas e uma cozinha sem portas de acesso
externo, exceto através do pátio.
Da mesma forma, no setor militar se observa duas áreas: área
doméstica e de trabalho. No entanto, ao contrário da coletoria, onde
existem portas internas que ligam os dois ambientes, neste há uma
parede contínua, junto às cozinhas, que os isola. Mas, outras divisões
também são percebidas nos espaços internos deste setor, os quais
foram organizados segundo hierarquias militares. Por esta lógica, não
apenas os quartéis estão diferenciados, mas também os pátios, as
cozinhas e as áreas domésticas de comandantes e subalternos. Entre
estas últimas não há acesso interno, a única ligação se dá através
dos respectivos pátios.
167
Figura 26
168
Além destas inferências sobre a organização interna dos
espaços deste prédio, outros aspectos desta construção podem ser
destacados a partir do relatório elaborado por Mabilde. Esta fonte traz
alguns comentários a respeito do local escolhido para a instalação do
Registro, a matéria-prima utilizada e a construção de estruturas de
apoio à obra. Quanto à escolha do local o engenheiro o aponta como
o
mais
apropriado
devido
características
topográficas
e
disponibilidade de água.
“... Fui examinar todos os lugares
aonde o Rio Canoas vem desaguar no
Rio Pelotas e d’onde este toma o nome
de Uruguay, e não achei hum só lugar
por ser hum serro mui escarpado que
se prolonga pela costa do mencionado
rio e sobe ambas as margens, aonde
não
há
possibilidade
de
edificar-se
huma caza – Além disto o lugar aonde
actualmente
está
se
edificando
o
quartel hé o único que achei aonde há
fontes d’agua, o que não se mostra
logo que se afasta do centro deste
mesmo lugar para se aproximar do
Rio.”
(MABILDE,
AHRGS,
FOP
05,
documento 672, folha 08).
A matéria-prima empregada na construção foi extraída na
própria região. Foram utilizados diferentes tipos de madeira, de
acordo com sua aplicação nos diversos elementos da edificação que
foi coberta com telhas. Para as calçadas e pátios, para evitar
lamaçais em dias chuvosos, Mabilde sugere o calçamento de pedra,
matéria-prima abundante na região.
“... As madeiras que se empregou na
obra, são mui boas e bem escolhidas,
169
apropriadas aos varios lugares que
ocupão.
(...)
cabriuva,
os
esteios
são
guarapiapunha,
vermelha,
e
aroeira
de
anjica
preta,
tudo
madeira bem apropriada e de muita
duração estando enterradas no chão,
como são os esteios. = As linhas e
mais
madeiramento de
cobertura
são
de
cima
pinho
e
de
araucaria,
menos as thesouras que são de louro
preto. = As portas e janelas são de
cedro
vermelho
e
de
louro
preto,
madeira geralmente empregadas para
isso... A forrar achava muito bom e
pouco
dispendioso,
e
a
obra
he
merecedora disto = Quando assoalhar,
poderia-se nisto haver no lugar muito
bom [...], se tudo o edifício ladrilhado
com tijoleiras de palmo em quadro com
trez ou quatro polegadas de espessura,
e oque achava muita necessidade, há
de ser os pateos calçados de pedra, o
que com facilidade pode fazer-se visto
as pedras serem abundantes neste
lugar, e boas para este fim = Como os
aterros são de barro vermelho e o
terreno
dos
qualidade,
pateos
qualquer
da
mesma
chuva,
n’elles
forma pantanos, e mui principalmente
no pateo geral que fica no centro do
edifício,
logo
cavallos
em
que
sobre
tempo
elle
de
pisa
chuva
170
(MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento
672, folhas 2 - 3).
Mabilde descreve o local escolhido pelo administrador para
construção do registro como “hum faxinal quasi intransitavel, que foi
precizo rossar, queimar e limpar”. Os primeiros passos na construção
de uma nova espacialidade, naquele local, foram dadas nas ações
iniciais, ou seja, desde o preparo do terreno, com a derrubada do
mato, queima, etc. Mas, Mabilde ainda aponta todas os estruturas de
apoio que foram necessárias, conforme o longo trecho de seu
relatório que segue transcrito abaixo:
“...
foi
precizo
fazer
ranxos
para
acomodar os trabalhadores, carretões
para a condução das madeiras dos
mattos
para
fora,
couzas
e
mais
aranjos para a fabricação de telhas,
abrir numerosas picadas nos matos e
n´hum disso intransitável cujas picadas
algumas
excederão
de
legua
de
extensã, e isto para poder tirar dos
matos as madeiras falqueijadas para a
obra em construção. = Para não perder
o tempo proprio para a plantação, fuilhe em virtude as ordens de V. Ex ª
fazer derrubada da matta para fazer
roças, cujas roças tem huma area
supperficial
de
75,710
braças
quadradas, plantadas com 15 alqueires
de
planta,
feijão
e
milho
para
o
suprimento de seus trabalhadores. Fez
huma grande mangueira para o costeio
do
gado
governo
comprado
e
para
por
conta
municio
do
dos
171
trabalhadores,
foi
precizo
cerca
e
potreiros para os mesmos animais,
tendo sempre, e athé hoje em dia há
precizo ter sempre gente empregada
nos rodeos a fim de evitar estravios de
animais” (MABILDE, AHRGS, FOP 05,
documento 672, folhas 5 – 6 ).
Como pode ser observado, o local escolhido para construção
passou por grandes transformações. Para viabilizar a estruturação do
Registro do Pontão, além da limpeza e preparo do terreno, outras
estruturas foram necessárias tanto para hospedagem e alimentação
dos trabalhadores, quanto para transporte e exploração de matériaprima. A inserção no espaço, de elementos de apoio à obra
transformou a paisagem ao estruturarem uma outra espacialidade, ao
darem um novo sentido, função e destino àquele espaço.
Ao comparar a organização interna destes dois postos de
mesma função se questiona a aplicação de modelos construtivos
generalizantes. Mesmo que, em ambos os registros, os prédios
tenham abrigado dois setores de distintas funções (militar e coletoria)
e que nestes podem ser identificadas áreas que correspondem a
diferentes
ambientes
(doméstico
e
de
trabalho),
há
algumas
diferenças a serem apontadas.
O Registro do pontão apresenta no setor militar, espaços
organizados por uma hierarquização bastante definida. Talvez por
abrigar um contigente maior de militares, a área destinada a este
setor corresponde a praticamente ¾ da área a ser construída.
Enquanto no Registro de Santa Vitória cada setor ocupava uma
metade do prédio.
Além destas distinções, ligadas à organização dos espaços, há
também
diferenças
em
relação
à
matéria
prima
utilizada
na
construção. Miguel Santos, ao informar o orçamento da obra do
Registro Santa Vitória e preocupado com a durabilidade do material
172
empregado, propõe que as paredes sejam de tijolos, material de
custo
mais
elevado.
No
entanto,
em
contrapartida
indica
a
possibilidade de economizarem com o material empregado no rancho
dos tropeiros e mão-de-obra. Para esta última ele sugere que os
próprios soldados sejam empregados na obra.
No Registro do Pontão as paredes e o assoalho foram
estruturados em madeira. Porém, conforme Mello aponta em seu
relatório, as paredes externas deveriam ser de tijolos, já que na
região não há barro de qualidade para empregar em estruturas de
pau-a-pique. Mas, como o projeto estava sendo concretizado em
madeira, o engenheiro, preocupado com a conservação da estrutura,
ressalta a necessidade de pinturas periódicas. Além disso, ao
contrário do Santa Vitória, a obra do Pontão desprendeu demasiados
gastos
com
a
construção
das
estruturas
de
apoio
para
sua
viabilização e com as despesas de pagamento e alimentação do
trabalhadores (MELLO, AHRGS, FOP 06).
4.6 - Campos de Cima de Serra. Campos de Tensões.
A instalação e organização dos registros, o estabelecimento de
outras estruturas como: vendas, currais, corredores e locais de
pouso, correspondem a estratégias materiais de uma diferente
espacialidade, a qual representava os interesses de uma frente de
ocupação constituída tanto de espaços de movimento quanto de
fixação.
A
paisagem
gerada
com
a
agregação
desta
nova
espacialidade naquela região, também foi constituída por tensões e
negociações entre a população indígena e os novos ocupantes. Por
isso, a paisagem pode ser compreendida como um “campo de tensão”
onde se apresentam diferentes e conflitantes interesses sobre um
determinado espaço constantemente modificado.
Os conflitos e as negociações geradas entre distintos grupos
sobre o espaço, variam de acordo com os interesses dos agentes.
Independente do período que aqui apontei, tem-se, por um lado, os
173
novos exploradores e ocupantes da região. Os quais se estabeleciam
em estancias e fazendas como forma possível e segura para manter a
posse da terra e a criação, transporte e comercialização de animais e
outros produtos. Cabia a estes também, ao proteger as terras então
ocupadas, manter o inimigo longe. O que neste caso, para a
administração, significava garantir a posse e estabelecer a fronteira
frente aos espanhóis.
Por outro lado, têm-se as populações indígenas locais. Para
estas, o interesse sobre aquele espaço consistia em permanecer e
manter sua área de ocupação e garantir a subsistência do grupo. As
situações
tensas
e
de
negociações
aparecem
justamente
no
desequilíbrio de forças e nesta assimetria de interesses.
Os novos ocupantes, com uso da força e tentativas de
negociações, desejavam manter os indígenas afastados, ou inseri-los
na nova ordem que se estabelecia. Diante disso, é perceptível na
documentação
consultada,
que
estes
grupos
indígenas
não
constituíam, aos olhos dos administradores, um grupo inimigo
propriamente dito, mas sim um obstáculo a ser ultrapassado. Um
obstáculo como qualquer outro elemento da natureza, como um
terreno de difícil travessia ou como as feras que habitavam os matos
(onças, pumas, etc.) e que importunavam a tranqüilidade dos novos
ocupantes.
Desde meados do século XVIII, inúmeras investidas indígenas
foram realizadas sobre as fazendas estabelecidas nos campos de
Vacaria. Aos novos moradores restou, como única alternativa,
afastarem-se, ao menos temporariamente, das terras que haviam
ocupado. Em 1779, índios guaranis invadiram terras ocupadas na
região conhecida como “fundos da Vacaria” (região dos atuais
municípios de Lagoa Vermelha, Barracão). Segundo Duarte “os
invasores danificaram propriedades, dizimaram rebanhos bovinos e
sacrificaram várias pessoas das fazendas assoladas” (DUARTE,
1940: 329). Mesmo antes desta “irrupção de índios” (Duarte,
174
1940;
1944;
confrontavam
1945)
aqueles
outras
que
populações
aos
poucos
não
foram
guaranis,
já
adentrando
e
transformando seus espaços.
No entanto, o conflito com os guaranis envolveu outras questões.
Não se tratou unicamente de um atrito entre a frente de ocupação,
representante dos interesses luso-brasileiros e de particulares
associados a estes, e os indígenas, mas também representou mais
um capítulo da tensão sempre presente nas áreas de fronteira
entre as duas coroas ibéricas.
Desde o tratado de 1777 (Santo Ildefonso), na região dos “fundos
da Vacaria” esteve estabelecido o limite entre as possessões das
duas coroas. Em represália aos assaltos dos índios, mais de 70
destes foram mortos pelos novos ocupantes da região. No entanto,
o Vice-rei do Prata argumentou que as vítimas eram “vassalos de
Sua Majestade Católica” e exigiu explicações ao Vice-Rei do Brasil.
Sebastião da Veiga Cabral, em resposta a correspondência do ViceRei do Brasil, Luiz de Vasconcelos referia-se: “... a prova mais
decisiva da desordem acima expressada, a qual envolve nada
menos que o risco imediato de perder hua das importantes
Fronteiras deste Continente” (apud DUARTE, 1940: 330). Para os
espanhóis estes afrontes correspondiam a respostas às inserções
portuguesas no território missioneiro. Para os lusos, por sua vez,
fazer com que estes indígenas recuassem garantiria a posse de um
espaço que pouco a pouco vinham ocupando.
Diante destas tensas situações, alguns dos novos ocupantes
abandonaram as terras. Entre 1777 e 1780 quatorze fazendas
foram desocupadas e em 1781 outras oito (OLIVEIRA; 1996: 3739). As ameaças àqueles que desejavam a ocupação e posse de
uma terra que muito ainda tinha por se explorar não cessaram
naquele século. Até meados do século XIX, na região dos Campos
de Cima da Serra foram constantes as reclamações sobre as
175
investidas indígenas, os quais tinham seu espaço a cada momento
mais reduzido. No longo trecho transcrito a seguir pode-se
observar como Nicolau Dreys, em 1822, relatou esta situação:
“... A 16 léguas, mais ou menos, do
registro de Santa Vitória..., principia
uma floresta bastante densa, dividida
em
duas
porções
quase
contínuas,
denominadas: Mato Português e Mato
Castelhano:
ainda
que
a
extensão
dêsses matos, em que passa a estrada
geral,
permita
atravessar
cada
um
dêles no curto espaço de um dia,
todavia o viajante não se aproxima
dêles sem receio... o certo é que
sinistros acontecimentos, reproduzidos
de tempos em tempos, e quase sempre
no mesmo lugar, como que abonam
êsse receio de por êles transitar: êsses
matos, lançados como duas penínsulas
de altos vegetais através das campinas
ermas do Uruguai Superior, servem
como de reduto aos indígenas, para
virem ao encontro dos habitantes; e
como infelizmente é raro que êles não
tenham
que
sofrer
algumas
hostilidades na fronteira externa que
ocupam
a
Itapetininga,
nossa
na
vizinhança,
Província
de
desde
São
Paulo, até as faldas da Cordilheira, na
Província do Rio Grande, escolheram
êsse lugar para teatro de represálias:
ali o viajante isolado ou improvidente
176
corre iminentemente o risco de ser
acometido, e quase sempre o número
triunfa da mais porfiada resistência;
dizemos
também
o
número,
a
podemos
coragem;
dizer
pois
de reconhecer-se que o terror das
armas de fogo não produzia já sobre o
ânimo do selvagem aquela comoção do
espanto que precipitava a sua fuga;
agora esperam imóveis a descarga, e
como sabem que, depois de dar fogo,
preciso é tornar a carregar aproveitamse do silêncio instantâneo do trovão
europeu,
para
correrem
sôbre
o
inimigo, e substituir a luta da força
física” (DREYS, 1961: 68-69).
O sucesso do projeto ocupacional se deu pelo incentivo dos
administradores ao poder privado e coercivo. Através da posse do
território firmada nos pedidos e nas concessões de terras; pela
abertura de rotas que estabelecem ligações entre os diversos espaços
ocupados; pelo uso da força e pelo estabelecimento de fronteiras e
limites. Os atritos ocorridos, em meados do século XVIII, durante a
abertura da picada do Pontão e a construção daquele Registro,
também apontam para uma situação de constantes negociações.
Mabilde narra a preocupação do administrador da obra em
manter os indígenas afastados ou em convívio tranqüilo. Entretanto,
para a realização deste desejo, algo deveria ser oferecido aos
indígenas em troca da continuidade “pacífica” do processo de
ocupação, o que não significava a ausência de certas tensões. O
poder de barganha do administrador estava no fornecimento de
comida (basicamente farinha, feijão, milho e carne) e alguns
ponchos. No entanto, esta relação de troca chegou ao limite no
177
momento em que os trabalhadores da obra encontraram-se sem
alimentos e agasalhos, por terem dado tudo o que tinham ao
“gentio”. Momento que detalhadamente descreveu Mabilde:
“... tendo sido bastante encommodado
no serviço da picada que estou abrindo
por ordem de V. Ex ª por motivo dos
Bugres, que em numero de mais de
duzentos, tem
saido
n’esta Picada,
resolvi-me à officiar ao Senhor Joaquim
Antonio de Moraes Dutra administrador
das obra do Pontão a quem V. Ex ª em
officio de 07 de novembro de 1849
ordenou
que
fizesse
as
despezas
necessarias para com o sustento dos
Bugres e procurar pelos meios a seu
alcançe de ver se os acostuma ao
trabalho, e a viverem aldeados... Em
virtude às recommendações que V. Ex
ª me fez para evitar o quanto me for
possível não repelir os Bugres pela
força,
logo
que
com
elles
me
encontrasse n’este sertão, tenho athé
agora podido conseguir a mantelos, e
evitar
que
nos
fizesse
alguma
desordem, e isto pude conseguir em
dando-lhes roupas, carne e farinha,
porem não me he possível continuar a
fazelo, porque a maior parte da minha
gente já esta em falta de roupa por
terem dada [...] aos Bugres, aquella
que podiam dispenssar e assim evitar
desordem ... Como não me é possivel
178
continuar a dar roupas e menos ainda
mantimento,
foi
o
motivo
que
lembrando-me da ordem que V. Ex ª
tinha dado ao referido Dutra, officiei ao
mesmo ... para determinar o que me
resta à fazer, vendo-me neste caso
obrigado a afastar-me das ordens que
tive a honra de receber verbalmente de
V. Exª e attacar os Bugres e desalojalos d’aqui se assim poder conseguir à
faze-lo afim de evitar os continuados
empedimentos”
(MABILDE,
AHRGS,
FOP 05, documento 674).
Nesta relação, o poder de força coercitiva utilizado pelos
indígenas, de certa maneira garantia a subsistência do grupo em um
espaço cada vez mais reduzido e alterado pela instalação de
estruturas que demonstravam claramente qual seria a ordem vigente
em um futuro muito próximo. E este futuro já se fazia presente
quando
indígenas
milícias
e
foram
constituídas
encaminhar
aqueles
para
repelir
as
agressões
que
“voluntariamente”
se
submetessem aos aldeamentos (AHRGS, CF 0514). As notícias
enviadas
por
Mabilde,
aos
seus
superiores,
apontam
as
transformações ocorridas naquele espaço, cujo fruto é uma paisagem
que agradava aos olhos do projeto ocupacional:
“Depois que V. Exa. mandou edificar no
lugar
escolhido
pelo
administrador
Joaquim Antônio de Morais Dutra, tem
este lugar mudado inteiramente de
aspecto. De medonho e perigoso –
sirvo
por
causa
dos
respectivos
ataques que faziam os Bugres, o que
obrigava os tropeiros e viajantes a
179
estar toda noite alerta, e cuidando dos
animais
afim
de
evitar
estravios,
roubos e assassinios que os Bugres
praticavão logo que qualquer descuido
dos tropeiros os permitte pratica-los,
este ligar, digo tornou-se sizonho, e o
movimento da pequena população já
existente
n’este
lugar
o
mudou
interamente de façeo”125 (MABILDE,
AHRGS, FOP 05, documento 672, folha
14).
As novas estruturas de poder concretas e simbólicas, expressadas
por diferentes tipos de assentamentos, tais como fazendas, postos
de tributo, guardas, casas de comércio e redes de caminhos, de
uma forma ou outra, objetivaram disciplinar o uso do espaço,
recuar e estabelecer novas e claras fronteiras. Estes novos
elementos caracterizaram uma espacialidade que não se sobrepôs,
fazendo desaparecer elementos de paisagens passadas, mas sim
mesclou-se com diferente intensidade, em diferentes momentos, a
espacialidade local, formando uma nova paisagem. Como relata
Mabilde:
“... dos bugres só resta os vestigios
do tempo que para cá tinham suas
reuniões e allojamentos, tendo-se
estes
retirados
para
lugares
mais
centraes = Hoje (e Deus permitte que
assim continue) a maior segurança há
para viandante e tropeiros, que agora
vem pousar no meio de huma pequena
A pequena população a qual Mabilde se refere é a Capela do Pontão, povoado
localizado a poucas léguas do registro que em 1851 contava com um total de 96
moradores.
125
180
povoação que há cousa de hum anno
esas
mattas
habitados
virgens
pelos
e
Bugres”
faxinais
(MABILDE,
AHRGS, FOP 05, documento 672, folha
14. Grifo meu.).
Os projetos de colonização organizaram os espaços ocupados a
partir da dominação de lugares e pessoas. Conforme Quiroga (1999)
a inserção de novos elementos na paisagem expressa a organização
deste espaço controlado, de uma espacialidade de domínio calcada na
elaboração de estratégias materiais de uso do espaço. Desta forma,
os caminhos e todas as estruturas a eles relacionadas conformaram
um conjunto de estratégias materiais que serviram aos interesses da
expansão portuguesa rumo ao sul. O resultado foi a constituição de
uma nova espacialidade que plasmou-se sobre uma paisagem,
alterando,
transformando,
espacialidades
indígenas
reorganizando
anteriores.
e
Como
imbricando-se
todo
processo
com
de
movimento do e sobre o espaço, este também não esteve livre de
tensões. Mas igualmente, conheceu momentos de negociações
visando uma acomodação das forças em disputa.
181
182
“À medida que viaja, o viajante de desenraíza,
solta, liberta. Pode lançar-se pelos caminhos e
pela imaginação, atravessar fronteiras e
dissolver barreiras, inventar diferenças e
imaginar similaridades. A sua imaginação
voa longe, defronta-se com o desconhecido,
que pode ser exôtico, surpreendente,
maravilhoso, ou insólito, absurdo, terrificante.
Tanto se perde como se encontra, ao mesmo
tempo que se reafirma e modifica. No
curso da viagem há sempre alguma transfiguração,
de tal modo que aquele que parte não é
nunca o mesmo que regressa”.
Octavio Ianni
Ao fim da viagem
Considerações Finais
Ao longo desta dissertação busquei espaços elaborados e
vivenciados socialmente, em distintos contextos por diferentes grupos
ou indivíduos, a fim de compreender a paisagem arqueológica do
tropeirismo nos Campos de Cima da Serra. Olhando para trás se
observa a rota que percorreste comigo nesta viagem, um caminho
interpretativo construído por escolhas particulares, através das quais
procurei entender os processos que originaram e deram sentidos a
diferentes espacialidades sobre um mesmo espaço. Agora, chegando
ao final desta viagem, olhando à frente vejo que o caminho continua.
O término deste roteiro não coincide com o final da estrada.
A estrada que segue a frente parece não ter fim, acredito que
nunca terá, pois quanto mais se caminha outros possíveis trajetos
são descobertos. Há muito chão a ser percorrido nos estudos do
tropeirismo e suas implicações no processo de ocupação, organização
183
e exploração do espaço colonial. Neste trabalho procurei mostrar que
as reservas de gado criadas no sul da América configuraram a
elaboração de uma nova espacialidade e consequentemente de uma
diferente
paisagem.
No
entanto,
estas
transformações
e
(re)significações do espaço não se deram sobre um vazio, uma “terra
de ninguém”, apontei que houve uma espacialidade construída,
vivenciada e constantemente transformada por grupos indígenas que
ocupavam os Campos de Cima da Serra.
Mas, não foi somente a formação das Vacarias que deu
diferentes faces a paisagem desta região. Com a emergência de um
mercado consumidor, nas áreas mineradoras, aumentava a demanda
pelo gado vacum e muar abundantes no sul da América. No entanto,
para exploração das Vacarias e transporte do gado algumas rotas
foram abertas. Procurei, ao comentar três rotas que cruzaram a
região sul, compreender estes espaços de movimento como novos
elementos de uma espacialidade que deixava transparecer suas
principais
características:
um
espaço
socialmente
elaborado,
conhecido, nomeado e experimentado através do qual surgia uma
nova paisagem.
Tentei deixar claro que a abertura destas rotas representou o
aparecimento de uma espacialidade de domínio e organização do
espaço, das pessoas e dos movimentos. O projeto expansionista
colonial indicava, com a abertura de novos caminhos, seu múltiplo
interesse: expandir o espaço ocupado e efetivar a posse do território
e o controle sobre sua exploração. Para isto algumas estratégias
materiais
de
uso,
domínio
e
organização
dos
espaços
foram
implementadas.
Apontei as estruturas de apoio aos tropeiros, localizadas ao
longo das estradas, como as estratégias materiais empregadas. Estes
novos elementos da paisagem como: estradas, fazendas, locais de
pouso, currais, corredores e registros, garantiram a expansão da área
ocupada e seu gerenciamento. No entanto, a paisagem resultante da
184
elaboração desta nova espacialidade de domínio contém elementos
de espacialidades pretéritas e de futuro, de uma ordem ainda
imaginada. O desequilíbrio, fruto do desenvolvimento desigual e
combinado destas diferentes espacialidades, resulta de divergentes
interesses sobre um único espaço, fazendo da paisagem um campo
de forças, no qual emergiram tensões e conflitos entre os diferentes
sujeitos e grupos envolvidos.
Busquei apresentar o caminho que segui na busca por uma
arqueologia da paisagem, para compreender as estratégias materiais
formadoras de uma diferente espacialidade, através da qual procurei
interpretar outras formas e sentidos em ver, compreender e viver o
espaço e o tropeirismo. Agora, quais são os caminhos que apontam
para o futuro? De certa forma, este trabalho permite pensar que uma
aproximação mais conseqüente da arqueologia da paisagem do
tropeirismo passa,
forçosamente, por um aprofundamento dos
levantamentos documentais. Estes, combinados a uma ampliação das
áreas prospectadas poderão indicar novos rumos para a interpretação
do espaço constituído a partir dos processos históricos aqui referidos.
Para tanto, as porteiras estão abertas, e as escolhas dos caminhos
serão tantas quantas forem as questões levadas na bagagem.
185
Referências Bibliográficas
Fontes Primárias Impressas ou Digitalizadas
ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu das
campanhas do Rio Grande, e Nova Colônia do Sacramento para a
Vila de Curitiba no ano de 1727 por ordem do Governador e
General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 3a
Prática- Dada pelo Coronel Cristóvão Pereira de Abreu sobre o
mesmo caminho ao R.P.M. Diogo Soares. In: Notícias Práticas.
Biblioteca
Virtual,
Laboratório
de
Pesquisa
em
História
Social/IFCH/UFRJ, 2002.
Disponível
em
http://www.liphis.com/bibliovirtual/crispereira_3.pdf.
acessado
em 25/03/2005.
ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Anais. Porto Alegre:
IEL/AHRGS, 1977. V.1.
ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Anais. Porto Alegre:
IEL/AHRGS, 1983. V.6.
ARQUIVO HISTÓRICO DO RI GRANDE DO SUL. Anais. Porto Alegre:
1991. V.10.
BURTON, Richard F. Viagens aos Planaltos do Brasil (1868). São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. Tomo
COUTINHO, André R. Memória dos serviços do Mestre-de-campo
André Ribeiro Coutinho, no governo do Rio Grande de São Pedro,
dirigida a Gomes Freire de Andrade- 1740. In: Memória.
Biblioteca
Virtual,
Laboratório
de
Pesquisa
em
História
Social/IFCH/UFRJ, 2002.
Disponível
em
http://www.liphis.com/bibliovirtual/ribeirocoutinho.pdf. acessado
em 25/03/2005.
DREYS, Nicolau. Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São
Pedro do Sul. Porto Alegre: IEL, 1961.
186
FARIA, Francisco de S. Do novo caminho que se descobriu das
campanhas do Rio Grande, e a Nova Colônia do Sacramento para
a Vila de Curitiba no Ano de 1727 por ordem do Governador e
General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 1a
Prática- Dada ao R. P. M. Diogo Soares, pelo Sargento-Mor da
Cavalaria Francisco de Souza e Faria, primeiro abridor do dito
caminho. Fevereiro/1738. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual,
Laboratório de Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002.
Disponível
em
http://www.liphis.com/bibliovirtual/souzaefaria.pdf. acessado em
25/03/2005.
INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu das campanhas do
rio Grande, e a Nova Colônia do Sacramento para a Vila de
Curitiba no Ano de 1727 por ordem do Governador e General de
São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 2ª Prática- Dada
ao P. M. Diogo Soares sobre a abertura do novo caminho pelo
piloto José Inácio, que foi e acompanhou em todo ele ao mesmo
Sargento-Mor Francisco de Souza e Faria. Março/1738. In:
Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de Pesquisa em
História Social/IFCH/UFRJ, 2002.
Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/joseinacio.pdf.
acessado em 25/03/2005.
SAINT-HILAIRE, Augusto de. Viagem pelas Províncias de Rio de
Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1938. Tomo I.
Fontes Primárias Manuscritas
187
ARQUIVO
HISTÓRICO
DO
RIO
GRANDE
DO
SUL,
Códice
Fazenda 0514.
- “Livro primeiro de assentamento de oficiais e praças das campanhas
de guardas nacionais destinadas a repelir as agressões indígenas” 1852.
ARQUIVO
HISTÓRICO
DO
RIO
GRANDE
DO
SUL,
Códice
Fazenda 1243.
- “Registo de uma instrução dada a Domingues Simom Marques
provedor do registo da Serra do qual o seu teor é o seguinte” 24/04/1767 (folhas 68r-69r).
ARQUIVO
HISTÓRICO
DO
RIO
GRANDE
DO
SUL,
Códice
Fazenda 1244
-
“Registo de huma Portaria do Sr, tenente Coronel Gov. para se
registrarem dois capitulos de uma carta do Ilmo e Excelentissimo
Sr, Marquez Vice Rey datada a 11 de janeiro de 1772. Sobre o
official q. ha de ir para o novo Registo e o Picador de Regimento
dos Dragoens” (folha 21v, Registro Geral da Fazenda 1771-1780).
-
“Registo
de
huma
Feria
de
oficiais
de
carpinteiro
e
mais
trabalhadores q trabalharão na fatura doa coarteis e mais precizos
do novo estabelecimento do registo de Santa Victoria em Sima da
Serra” (folhas 26v - 27v, Registo Geral da Fazenda 1771-1780).
- “Registo de uma ordem do tribunal da Junta da Real Fazenda da
Capital do Rio de Janeiro com o teor de arrematação e condições
como a mesma foi rematado o contrato das passagens dos animais
pelo Registo de Viamão e Santa Vitoria deste Continente” - 17731775 (folhas 56v-60r).
-
“Registo de huma petição e despacho por onde demandão
registrar o auto de rematação e condiçoiz com que foi rematado ao
capitão Manoel de Araujo Gomes e Compª o contrato das
passagens de animais pelos registos de Viamão, e de S. Jorge do
Rio das Canoas, por tempo de seiz annos” (folhas 133v - 135V).
188
ARQUIVO HISTORICO DO RIO GRANDE DO SUL, Códice
Fazenda 1245
-
“Registo de huma Provizão da Junta da Real Fazenda do Rio de
Janeiro dirigida ao Senhor Brigadeiro Governador Sebastião Xavier
da Veyga Cabral da Camara, respeito ao registo de São Jorge das
Lages pertencer a capitania de São Paulo e ficar pertencendo esta
capitania como dantes até o Santa Victoria” – 1780 (folhas 5r-5v).
-
“Registo de huma Provizão da Junta da Real Fazenda do Rio de
Janeiro e auto de arrematação na mesma fez o capitão Manoel
Gomes de Araujo e seus sócios do contrato das passagens pelos
registos de Viamão e Santa Vitória pelos trez annos de 1782 a
1784 por preço de 10:225$000 além da propina para obra pia e
muniçoenz” (folhas 26v-29r).
ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL, Fundo Obras
Públicas 01.
- VELHO, Antonio Manoel. “Esclarecimento” - 01/06/1830.
- SANTOS, Miguel Gonçalves dos. “Mapa Plano e descriptivo do
porlogo de cazas que afazerão no Registro de Sta. Victoria” 07/06/1833.
ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL, Fundo Obras
Públicas 05.
-
MABILDE, Alphonse. “Confidencial- Obras do Quartel do pontão e
Picada
do
pontão
ao
Passo
d´Esperança”
-
18/04/1850.
Documentos: 672- relatório das obras; 673,674,674 a – cópia;
675,675 a
- Nota de pagamentos; 675 b – relação dos
trabalhadores da picada; 675 c– nota de despesa, recibos de 1 a
25; 675 d - contrato para transporte de viveres; 676,676 a –
relação de pagamentos, recibo de 1 a 61; 677,678,678 a – lista
dos moradores da capela do pontão; 678b alistamento da
população da Lagoa Vermelha 679; 680 – receita da composição
da pólvora .
189
-
FIGUEIREDO, Estevão Malaquias Paes de. Quartel e casa da
Coletoria do Pontão Ofício e Planta – 31/05/1850. Documentos:
639a – “Planta do quartel da Polícia e caza da collectoria no Passo
do Pontão da Freguesia de Vacaria”; 639 – ofício.
ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL, Fundo Obras
Públicas 06.
- MELLO, Lopes de Almeida Henriques Botelho. “Serviço a fazer para
concluir o Barracão do Pontão” – 28/12/1851.
Bibliografia Citada (obras impressas e digitais)
BARCELOS, Artur. H. F. Espaço e Arqueologia nas Missões Jesuíticas.
Porto Alegre: EDIPUCRS. Coleção Arqueologia, 2000. V.7
BARROSO, Vera. L. M. Santo Antônio da Patrulha: vínculo, expansão,
isolamento (1803–1889). Dissertação de Mestrado em História.
Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, 1979.
________. O Caminho do “Sertão”: da integração ao isolamento. In:
SANTOS, Lucila S., et al (org). Bom Jesus e o tropeirismo no
Brasil Meridional. Porto Alegre: Edições EST, 1995. pp. 37-44.
BAYÓN, Cristina y PUPIO, Alejandra. La construcción del paisaje en el
sudoeste
Bonaerense
(1865-1879):
una
perspectiva
arqueológica. In: MANDRINI, Raúl J. y PAZ, Carlos D. Las
fornteras hispanocriollas del mundo indígena latinoamericano en
los siglos XVIII-XIX. Buenos Aires: Universidad Nacional del Sur
y Instituto de Estudios Historico-Sociales de la UNCPBA. 2003.
pp.345-374.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas sobre a teoria da ação. São Paulo:
Editora Papirus, 2005 [1996].
BRÜGGEMANN, Adelson A. Ao poente da Serra Geral: a abertura de
um caminho entre as Capitanias de Santa Catarina e São Paulo
190
no final do século XVIII. Monografia. Florianópolis: UFSC, 2004.
Datiloscrito.
BRUXEL, Arnaldo. O Gado na Antiga Banda Oriental do Uruguai.
Partes I e II. In: Pesquisas. Porto Alegre: Instituto Anchietano de
pesquisas, 1960. N. 13 e 14.
CABRAL, Mariana P. Sobre coisas, lugares e pessoas: uma prática
interpretativa na arqueologia de caçadores coletores no Sul do
Brasil. Dissertação de Mestrado em História. Porto Alegre:
Pontifícia
Universidade
Católica
do
Rio
Grande
do
Sul,
ago/2005.
CASTAÑEDA, Gustavo C. Consolidación teórica y conceptual de la
cartografía
contemporânea.
In:
Cuadernos
de
Geografía.
Facultad de Ciencias Humanas, Departamento de Geografia,
Universidad Nacional de Columbia. Bogotá: ICEFES, 1991. V.III.
Nº 1. pp 21-26.
CESAR, Guilhermino. Primeiros Cronistas do Rio Grande do Sul 16051801. Porto Alegre: EDURGS, 1981. 2 ed.
________. História do rio Grande do Sul – período colonial. Porto
Alegre: Edições Globo, 1970.
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Um negócio bem sortido: as
mercadorias do comércio colonial mineiro. In: FRAGOSO, João e
FLORENTINO, Manolo (editores). Cadernos LIPHIS 2. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1995. pp. 147-168. Também disponível em
http://www.liphis.com/bibliovirtual/caderno2.pdf. Acessado em
29/03/2005.
COPÉ, Sílvia M. & OLIVEIRA, Lizete. D. Projeto o Povoamento dos
Campos de Cima da Serra: Bom Jesus São José dos Ausentes.
1998. Datiloscrito.
________, et al. Contribuições para a pré-história do planalto: estudo
da variabilidade de sítios arqueológicos de Pinhal da Serra, RS.
In: Pesquisas. São Leopoldo: Unisinos/IAP, 2002. N. 58. pp.
121-138.
191
________ e SALDANHA, João D. M. Em busca de um sistema de
assentamento para o planalto Sul Riograndense: escavações no
sítio RS-AN-03, Bom Jesus, RS. In: Pesquisas. São Leopoldo:
Unisinos/IAP, 2002. N. 58. pp.107-120.
________ (org). Levantamento Arqueológico na Área Diretamente
Afetada
da
UHE
Pai
Querê,
SC/RS.
Relatório
Final
01:
Levantamento Arqueológico da margem esquerda do rio Pelotas,
RS. Florianópolis: Consórcio Pai Querê, UFRGS/IFCH/NUPARq,
Scientia Ambiental, jun. 2004.
CRIADO
BOADO,
reconstrucción
Felipe.
Construcción
arqueológica
del
social
paisaje.
del
In:
espacio
Boletín
y
de
Antropología Americana. Diciembre, 1991. n. 24. pp. 05-29.
________. Límites y posibilidades de la arqueología del paisaje. In:
SPAL – Revista de Prehistoria y Arqueología de la Universidad de
Sevilla. Sevilla: Secretariado de Publicaciones de la Universidad
de Sevilla, 1993. pp. 09-49.
________. Del terreno al espacio: Planteamientos y perspectivas
para
la
Arqueología
convenciones
en
del
Paisaje.
Arqueología
del
In:
CAPA
Paisage).
(Criterios
Santiago
y
de
Compostela: Grupo de Investigación en Arqueología del Paisaje,
Universidad de Santiago de Compostela, 1999. N. 6.
CURTONI,
Rafael
Pedro.
La
percepción
del
paisaje
y
la
la
representación de la identidad social en la región pampeana
occidental (Argentina). In: Garcia, Camila Gianotti (org). TAPA
(Trabalhos en Arqueoloxía da Paisaxe). Santiago de Compostela:
Laboratorio de Patromonio, Paleoambiente e Paisaxe. Instituto de
Investigaciones
Tecnolóxicas,
Universidade
de
Santiago
de
Compostela, 2000. N19. pp.115-125.
DE MASY, Carbonell. La génesis de las Vaquerías da los tapes e
guaraníes de la Banda Oriental del Uruguay a la luz de
documentación inedita apenas conocida. In: Anais do XVIII
SENEM. Santa Rosa: Fac. Dom Bosco, 1989.
192
DIAS, Adriana S. Representando a Tradição Umbu a partir de um
Estudo de Caso. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1994.
________. Um projeto para a arqueologia brasileira: breve histórico
da implantação do PRONAPA. In: Revista do Cepa. Santa Cruz:
Editora UNISC, 1995. V.19. N.22. pp. 25-39.
DUARTE, Manoel. A irrupção de 1779, em Los Pinares. In: RIHGRGS.
1940. IV Trimestre. N.80. pp. 325-330.
________. Velhos documentos Riograndenses: a defesa do Distrito
dos Pinhais. In: RIHGRGS. 1944. I Trimestre. N.93. pp. 194-204.
________. Velhos documentos Riograndenses: a irrupção dos índios
no Distrito de Baqueria, em 1779. In: RIHGRGS. 1945. Ano XXV.
I Trimestre. N.97. pp. 33-36.
ELLIS Jr., Alfredo. O ciclo do muar. In: Revista de História. Jan/mar,
1950. Ano I. n. 1.
ENDERE, María Luz e CURTONI, Rafael Pedro. Patrimonio, arqueologia
y paticipación: Acerca de la noción de paisaje arqueológico. In:
ENDERE, Maria Luz e CURTONI, Rafael Pedro (org). Análisis,
Interpretación y Gestión em la Arqueologia da Sudamérica.
Olavarria: INCUAPA, 2003. Série Teoria. V. 2. pp. 277-296.
FERREIRA, Mariluci M. Processos de ocupação dos Campos de Cima
da Serra: 1730 – 1880. In: Anais do 1º Seminário de Pesquisas
do AHRGS (cd – rom). Out/2001.
FLORES, Moacyr. Tropeiros no Brasil. Porto Alegre: Nova Dimensão,
1998.
FRAGOSO, João. L. Homens de Grossa Aventura – acumulação e
hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830).
Rio de Janeiro: Philibilion, 1998.
FURLONG, Guillermo. El Padre Quiroga. Buenos Aires: Instituto de
Investigaciones Históricas de la Facultad de Filosofia y Letras,
1930
193
________. Cartografia jesuítica del Río de la Plata. Buenos Aires: Facultad de
Filosofia y Letras, 1936.
GARAVAGLIA, J. C. Mercado Interno y Economia Colonial. México:
Grijaldo, 1983.
GIL, Tiago L. Infiéis Transgressores: os contrabandistas da fornteira
(1760-1810).
Dissertação
de
Mestrado.
Rio
de
Janeiro:
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/PPGHistória, 2002.
GIRALDO, Manuel L. Reformar as florestas: o tratado de 1777 e as
demarcações
entre
a
América
espanhola
e
a
América
portuguesa. In: Revista Oceanos. Lisboa: Comissão Nacional
Para Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, out/dez
1999. N. 40. pp. 66-76.
GODOY, José Eduardo P. de. Breve Memória Histórica das Alfândegas
Brasileiras. Disponível
em
http://www.receita.fazenda.gov.br/historico/SFR/historia/catalog
o_colonial/letrar/ registros.htm. Acessado em 25/03/2005.
GOLIN, Tau. A Expedição. Imaginário artístico na conquista militar
dos sete povos jesuíticos e guaranis. Porto Alegre: Ed. Sulina,
1997.
________. A Guerra Guaranítica: Como os exércitos de Portugal e
Espanha destruíram os sete povos dos jesuítas e índios guaranis
no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: EDUPF, 2004.
Goulart, José A. Tropas e Tropeiros na formação do Brasil. Rio de
Janeiro: Conquista, 1961.
GUERREIRO, Inácio. Fronteiras do Brasil Colonial: A cartografia dos
limites na segunda metade do século XVIII. In: Revista Oceanos.
Lisboa:
Comissão
Nacional
Para
Comemoração
dos
Descobrimentos Portugueses, out/dez 1999. N. 40. pp. 24-42.
GUIMARÃES, Carlos Rafael (texto) & SCLIAR, Salomão (editor). Rio
Grande do Sul Histórico. Porto Alegre: Painel editora Ltda, S/D.
194
GUTFREIND, Ieda. A Historiografia Rio-Grandense.
Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992.
HAMEISTER, Martha D. O Continente do Rio Grande de São Pedro: os
homens, suas relações e suas mercadorias semoventes (c. 1727
–
c.
1763).
Dissertação
de
Mestrado.
Rio
de
Janeiro:
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/PPGHistória, 2002.
HISSA, Cássio Eduardo Viana. A mobilidade das fronteiras: inserções
da geografia na crise da modernidade. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2002.
JACOBUS, André. L. Relações entre o Homem e o Ambiente no
Nordeste do Rio Grande do Sul. Conferência apresentada no
Curso de Educação Ambiental na FACCAT/FAETA. Taquara, 1992.
Datiloscrito.
________. Resgate Arqueológico e histórico do Registro de Viamão
(Guarda Velha, Santo Antônio da Patrulha – RS). Dissertação de
mestrado em História (concentração em Arqueologia) defendida
em 1996. Versão ampliada e atualizada. Porto Alegre: Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1997.
________.
Registro
de
Viamão:
novos
aportes
históricos
e
arqueológicos. In: SANTOS, Lucila S. et al (org). Bom Jesus e o
tropeirismo no Brasil Meridional. Porto Alegre: Edições EST,
1995. pp. 121-130.
________. A Estrada das Tropas e seus Três Registros: Vectores de
Relações Sociais e Econômicas no Brasil colonial. In: SANTOS,
Lucila S., et al (org). Bom Jesus e o Tropeirismo no Cone Sul.
Porto Alegre: Edições EST, 2000. pp. 58-76.
JAEGER, Luiz Gonzaga S. J. As invasões Bandeirantes no rio Grande
do Sul (1635 – 1641). Porto Alegre: Tipografia do Centro AS,
1940.
195
KERN, Arno A, et al. Arqueologia de Salvamento e a ocupação préhistórica no vale do Rio Pelotas. In: VERITAS. Porto Alegre,
1989. V. 34. N. 11.
________. Antecedentes Indígenas. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
1994.
LAROQUE, Luís F. S. Lideranças Kaingang no Brasil Meridional (1808
– 1889). In: Pesquisas. São Leopoldo: Unisinos/IAP, 2000. N 56.
LE GOFF, Jacques. O desejo pela História. In: CHAUNU, P., et al.
Ensaios de Ego-História. Lisboa: edições 70, 1987.
NETTO, José. A Conquista do Rio Grande. Rio de Janeiro: AC&M
Editora / RIOCELL S.A., s/d.
NIETTO, Uruguay. Uruguay: rumo ao Brasil. In: SANTOS, Lucila S., et
al (org). Bom Jesus e o Tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre:
EST, 2000. pp.88-90
OLIVEIRA, Lizéte D., et al. Trabalhos Arqueológicos no Registro de
Santa Vitória. In: HILBERT, K. e KERN, A. (org). In: Arqueologia
no
Brasil
Meridional
(CD-ROM).
Porto
Alegre:
Pontifícia
Universidade Católica. Coleção Arqueologi@ Virtual, 2002.
OLIVEIRA, Sebastião F. Aurorescer das Sesmarias Serranas: história
e genealogia. Porto Alegre: Edições EST, 1996.
OSÓRIO, Helen. Apropriação da terra no Rio Grande de São Pedro e a
formação do espaço platino. Dissertação de Mestrado. Porto
Alegre: CPG em História, UFRGS, 1990.
________. Estancieiros, lavradores e comerciantes na constituição da
estremadura portuguesa na América. Rio Grande de São Pedro,
1737 – 1822. Tese de Doutorado. Niterói, RJ: Programa de Pósgraduação em História, Universidade Federal Fluminense, 1999.
________. As elites econômicas e a arrematação dos contratos reais:
o exemplo do Rio Grande do Sul (séculoXVIII). In: FRAGOSO,
João; BICALHO, Maria Fernanda e GOUVÊA, Maria de Fátima
(orgs). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial
196
portuguesa (séculos XVI e XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
PAUWELS S. J., P. Geraldo José. Descrição geographica e historica da
divisa entre os estados do Rio Grande do Sul e S. Catarina. In:
Separata da Revista do Instituto Historico e Geographico do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Typographia do Centro, 1926. VI
Anno. III e IV Trimestres.
PERIN, Suzana S. Barracão, ponto patrulhense de ligação com outros
estados. In: BENFICA, Coralia R., et al (org). Raízes Santo
Antônio da Patrulha e Caará. Porto Alegre: Edições EST, 2000.
pp. 173-175.
PESAVENTO, Sandra. J. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1994 [1980].
PICCOLO, Helga I. L. Momentos fundadores do Rio Grande do Sul. In:
RIHGR. Rio de Janeiro, 2000. pp. 129-137.
________. Relações de poder na Capitania do Rio Grande de São
Pedro. O confronto público/privado. In: De Cabral a Pedro I.
Aspectos
da
colonização
portuguesa
no
Brasil.
Lisboa:
Universidade Portugalense, maio/2001. pp. 321-328.
PORTO, Aurélio. História da Missões Orientais do Uruguai. Porto
Alegre: Livraria Selbach, 1954.V1. [1943].
QUIROGA, Laura. La construción de un espacio colinial: paisaje y
relaciones sociales en el Antiguo Valle de Cotahau (Provincia de
Catamarca, Argentina). In: ZARANKIN, Andrés y ACUTO, Felix
(eds).
Sed
Non
Satiatia.
Teoria
social
en
la
Arqueología
Latinoamericana Contemporânea. Buenos Aires: Ediciones del
Tridente, 1999. pp. 273-287.
REICHEL, Heloisa J. & GUTFREIND, Ieda. As raízes históricas do
Mercosul: a Região Platina colonial. São Leopoldo: ed. Unisinos,
1996.
REIS, José A. Arqueologia dos Buracos de Bugre: uma pré-história dp
Planalto Meridional. Caxias do Sul: EDUCS, 2002.
197
RODERJAN, Roselys V. O Alferes Atanagildo Pinto Martins e o Passo
do Pontão. In: SANTOS, Lucila S., et al (org). Bom Jesus e o
Tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: Edições EST, 2000. pp.
77-82.
RUIZ, Teófilo F. Viajando pela Planície Castelhana. In: Revista da
ABREM. São Paulo: FAPESP, 2002. N. 4. pp. 117-152.
RUSCHEL, Ruy R. Reconstituição parcial de um roteiro de 1745. In:
SANTOS, Lucila S., et al (org). Bom Jesus e o tropeirismo no
Brasil Meridional. Porto Alegre: Edições EST, 1995. pp. 108-120.
________. Origem histórica da Estrada das Tropas e seu primeiro
rumo no Planalto Gaúcho. In: RIHGRGS. Porto Alegre, 1999. N.
134. pp. 59-76.
RUSSELL-WOOD, A.J.R. O Brasil Colonial: O Ciclo do Ouro, c. 16901750. In: BETHELL, L. (org). América Latina Colonial. São Paulo:
EDUSPS, 1999. V. 2. pp. 471-526.
SALDANHA, João D. M. Paisagem, lugares e cultura material: uma
arqueologia
espacial
nas
terras
altas
do
Sul
do
Brasil.
Dissertação de Mestrado em História. Porto Alegre: Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, set/2005.
SANTOS, Douglas.
A reinvenção do espaço: diálogos em torno da
construção do significado de uma categoria. São Paulo: Editora
UNESP, 2002.
SANTOS, Lucila S. et al (org). Bom Jesus e o tropeirismo no Brasil
Meridional. Porto Alegre: Edições EST, 1995.
________ et al (org). Bom Jesus e o Tropeirismo no Cone Sul. Porto
Alegre: EST, 2000.
________ & SILVA, Adriana F. O Tropeirismo no município de Bom
Jesus/RS:
pesquisas
realizadas
e
novas
perspectivas.
In:
Aspectos Econômicos e Sociais da Região Nordeste do RS (CDROM). Caxias do Sul: SAPIENS Centro de Educação e Cultura
Ltda e UCS, 2003.
198
________ e BARROSO, Vera L. M. (org). Bom Jesus na rota do
tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: Edições EST, 2004.
SANTOS, Miltom. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e
emoção. São Paulo, Ed. Hucitec, 1997.
SCHMITZ, P. I. Os indígenas a colonização no Rio Grande do Sul.
Revista de Arqueologia. São Paulo: Sociedade de Arqueologia
Brasileira, 1993, V. 7, pp. 187-202.
________ (org). Casas Subterrâneas nas Terras Altas do Sul do
Brasil. In: Pesquisas. São Leopoldo: Unisinos/IAP, 2002.
SCHWARTZ, Stuart B. O Brasil Colonial, C. 1580-1750: As Grandes
Lavouras e as Periferias. In: BETHELL, L. (org). América Latina
Colonial. São Paulo: EDUSP, 1999. V. 2. pp. 339-422.
SILVA, Adriana F. Projeto para o resgate histórico e arqueológico do
Registro de Santa Vitória: levantamento histórico como suporte
para o salvamento arqueológico. Texto apresentado no XI
Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Set/2001.
Datiloscrito.
________. Projeto arqueológico Espaço, Sociedade e Cotidiano: uma
aproximação
ao
tropeirismo
através
da
Arqueologia
Bom
Jesus/RS”. Apresentado ao IPHAN, abril/2003. In: SANTOS,
Lucila S. e BARROSO, Vera M (org.). Bom Jesus na rota do
tropeirismo no Cone Sul. Porto Alegre: Edições EST, 2004. pp.
703-721.
________. Relatório Técnico das atividades desenvolvidas no projeto
“Espaço,
Sociedade
e
Cotidiano:
uma
aproximação
ao
tropeirismo através da Arqueologia Bom Jesus/RS”. Apresentado
ao IPHAN, Jun/2005. Datiloscrito.
SILVA, Nery L. A. Arquitetura rural do Planalto Médio Séc. XIX.
Antigas Fazendas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2004.
SOJA, E. W. Geografias Pós-modernas: A reafirmação do espaço na
teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993
[1989].
199
SOUSA, Ana Cristina. Caminhos enquanto artefatos: relações sociais
e econômicas no contexto do Caminho Novo e suas variantes
(séculos XVIII e XIX). In: SOUTH, Stanley (ed). Historical
Archaeology in Latin America. Columbia: University of South
Carolina, 1995. V. 6. pp. 67-87.
SOUZA, Laura de M. Formas provisórias de existência: a vida
cotidiana nos caminhos, nas fronteiras e nas fortificações. In:
SOUZA, Laura de M. (org). História da Vida Privada no Brasil:
cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997. pp. 41-82.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Edições Melhoramentos.
1962. 33ª edição brasileira.
TILLEY, Christopher. A Phenomelogy of Landscape: places, paths and
monuments. Oxford / Province: Berg Publishers, 1994.
TOURAINE. Alain. Crítica da Modernidade. Petrópolis: Editora Vozes,
1998.
TRINDADE,
Jaelson
Britan.
Tropeiros.
São
Paulo:
Editoração
Publicações e Comunicações Ltda, 1992.
TUCHMAN, Bárbara W. A Prática da História. Rio de Janeiro: Editora
José Olympio, 1991.
VELLINHO,
Moysés.
Capitania
d’El-Rei:
aspectos
polêmicos
da
formação Rio-Grandense. Porto Alegre: Editora Globo, 1964.
ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da Capitania das Minas Gerais
no século XVIII. São Paulo: HUCITE, 1990.
200
Anexo 1
Documento 01
Mantive ortografia do original.
(56v) “Registo de huma ordem do tribunal da Junta da Real
Fazenda
da
Capital
do
Rio
de
Janeiro
com
o
teor
de
arrematação e condiçoins como a mesma foi rematado o
contrato das passagens dos animais pelo Registo de Viamão e
Santa Vitoria deste Contimente”
(57r) “Dom Jose por graça de Deus Rey de Portugal e dos Algarves
daquem e dalem mar em Africa Senhor da Guiné. Faço saber a vos
Provedor da Real Fazenda do Rio de Janeiro que rematou Bernardo
Gomes Costa para sy e seus socios Anacleto Elias da Fonseca e
Miguel de Alvarenga Braga o contrato daz passagens de animais
pellos Registos de Viamão e Santa Vitoria desse Continente por
tempos de tres annos que há de ter principio no 1º de janeiro de
1773 por preço de dez contos de reis pello dito tempo e tres annos
livres para a minha Real Fazenda alem de hum por cento aplicado
para a obra pia e da propina para moniçoins com as condiçoins que
com este se vos remetem asinados pelo escrivão deputado da dita
Junta pelo que vos ordeno deis toda a ajuda a favor ao dito
contratador
seus socios e procuradorez e façais cumprir as ditas
condiçoins sem duvida ou contradição alguma. El Rey Nosso Senhor o
mandou pello Marquez Vice Rey do Estado do Brasil Presidente da
Junta da Real Fazenda Antonio de Oliveira Braga oficial papelista do
tribulnal da Junta da Real Fazenda a ser em 18 de dezembro de 1772
= João Carlos Correa Lemos Escrivão e Deputado da Junta da Real
Fazenda a fis escrever = Marquez do Lavradio = cumprase a
201
registasse como Sua Magestade manda Viamão 16 de janeiro de
1773 = Ignacio Ozorio Vieira = copia =
Rematação do Contrato das passagens dos Animaiz pellos Registos do
Viamão e Santa Vitoria no Continente do Rio Grande de São Pedro
pellos tres annos de 1773 a 1775.
(57v) Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1772. A
trez dias do mês de dezembro nesta cidade do Rio de Janeiro no
Tribunal da Junta da Real Fazenda estando presente o Ilustrissimo
Excelentissimo Senhor Marquez Vice Rey e Capitão Geral do Estado
do Brasil e Presidente da dita junta como tãobem os Ministros
Deputados abaixo asinados apareceo Bernardo Gomes Costa homem
de negocio da praça desta cidade o qual disse lançava para sy e seus
socios Anacleto Elias da Fonseca e Miguel de Alvarenga Braga no
contrato das passagens de animais pelos registos de Viamão e Santa
Vitoria no Continente do Rio Grande pelos tres annos de 1773 a 1775
a quantia de dez contos de reis livres para a Fazenda Real alem de
hum por cento aplicado para a obra pia e da propina para muniçoins
e isto com as condiçoins seguintes não so pelo que pertença ao
registo de Viamão que já existia anteriormente mas pelo que
pertence ao registo de Santa Vitoria que se mandou estabelecer de
novo a saber.
Pelo que pertence ao registo de Viamão
1º que pertencerão a elle contratador os direitos que se pagam nos
referidos Registos de todos os Animais que por elle passão na forma
esta em estillo pagarem se.
2º Que podera elle contratador e seu socios haver os ditos direitos
que pertencem cobrasse para a Real Fazenda e não o que Sua
Magestade tem dado a partes conforme as leys porquê se estabelesse
este rendimento como athe o presente se observou e sem alteração
alguma por tempo dos ditos tres annos somente o que fara cumprir o
provedor
da
Fazenda
Real
do
Rio
Grande
dando
das
suas
202
determinaçoins e apelaçoins a agravoz para o juizo dos feitos da
Fazenda da Relação desta cidade do Rio de Janeiro.
3º Que elle contratador e seus socios gozarão de todos os previlegios
concedidos pellas ordenaçoins do Reino aos rendeiros das Rendas
Reaiz não estando derogados em parte ou em toda a se lhes dara
pellos governadorez e mais Menistros de Justiça e fazendo toda a
ajuda (58r) e favor licito e justo para a cobrança das dividas deste
contrato durante o tempo delle e o mais lhe permita a ley e
regimento da Fazenda.
4º Que por conta delle contratador serão todas as despesas feitas na
arrematação deste contrato e somente por conta da Real fazenda se
pagarão os ordenados dos officiais nomeados por Sua Magestade que
tiverem cartas alvaras ou provizoins suas e não podera elle
contratador alegar perdas nem usar de encampaçoins algumas ainda
nos cazos em que os regimentos da Fazenda as admitem mas antes
elle dito contratador renuncia todos os cazos fortuitos ordinarios ou
extraordinarios e todos os casos solitos ou insolitos cogitados ou não
cogitados e que em toda e a cada hum delles ficara sempre obriogado
sem delles se poder valler nem os poder allegar em tempo algum e
para algum efeito qualquer que elle seja.
5º Que elle contratador e seu socios serão obrigados a satisfazer o
preço deste contrato na Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande
em tres pagamentos iguais a saber. O primeiro no fim do segundo
anno e os outros no fim digo e os outros dois no fim de cada hum dos
annos que se forem seguindo de forma que depois de findo o contrato
dahy a hum anno se vença o ultimo pagamento.
6o Que tocarão a elle contratador e seus sócios os direitos que
costumão pagarsse doz animaiz que passarem pelos Registos
referidos durante o tempo do seu contrato e pellos caminhos em que
ha Registos e quando se abra algum novo se atendera ao prejuizo do
seu contrato permitindo elle ou por Registo no dito caminho ou o que
203
parecer conveniente e justo em forma q’não haja extravio nos
direitos que pertencem a Sua Magestade.
7o Que se lhe darão os soldados necessarios para guarda dos
Registos como atualmente se esta praticando e para acompanharem
ao caixa quando for estabelecer algum Registo de novo ou as
cobrançaz e poderão elle contrador e seus socios largar parte deste
contrato as guardas e com quem lhe parecer e nomear meirindos
escrivains e feitores que julgarem necessarioz aos quais se passarão
provimentos pella junta da Fazenda desta cidade ou pello Provedor da
Fazenda do Rio Grande sendo pagos de seus (58v) ordenados a custa
delle contratador e seus socios e todos gozarão os previlegios que
pela ordenação e regimento da Fazenda lhe são concedidos sendo
seus Juiz Privativo o Provedor da Fazenda em todaz as suas couzas
civeis
ou
crimes
em
que
forem
autorez
ou
reos
na
forma
expreçadamente declarada na ordenação do reino e da fazenda e
cobraras executivamente as dividas deste contrato não só em tempo
delle mas que tãobem assim o poderão executar dois annos depois de
findo.
8o Que no caso de falecimento ou se auzentarem os procuradores ou
administradores deste contrato em qualquer parte que asertirem em
beneficio delle os Ministros e oficiais da Fazenda dos defuntos e
auzentes se não intrometerão de nenhum modo com os efeitos
duvidas papeis livros dinheiro e nem em outra nenhuma couza que
ficar
por
falecimento
e
auzensia
dos
ditos
procuradores
ou
administradores porque tudo o que lhe tocar sera entregue as
auzencias
que
elle
contratador
ou
seus
procuradorez
tiverem
nomeado e quando suceda falecer algum devedor dos ditos direitos e
que os tais oficiais dos defuntos e auzentes tenham seus bens com
certidão jurada do provedor do registo por onde conste os direitos
que deve lhe pagarão os ditos oficiais dos defuntos e auzentes sem
mais justificação alguma.
204
9o Que os comboyeiros levarão guias dos registos em que se declara
o numero de animais que nelle se registarão e quantia do dinheiro
que importão os direitos e que ficão devendo suspendendo os passos
naquelas partes que estão asinadas ou que de novo se asinarem até
aprezentarem os ditos guias no ultimo registo aos procuradores delle
contratador e seus socios confiscandosse para estez o que se lhes
axar fora das guias ou se afastar das dittas partes asinadaz para as
apresentarem.
10o Que todos os animais pastarão nos mesmos pastos que sempre
pastarão enquanto não passam os registos em cujos registos poderão
elle contratador e seus socios e admenistradores ter logeas de
fazenda para servirem as tropas e peains por ser assim precizo para
a cultura deste comercio e concervação deste contrato tudo na forma
com que se estabeleceo na primeira rematação a na que se fez nesta
junta no anno de 1771.
Pelo que pertençe ao registo de Santa Vitoria novamente estabelecido
11o Que se concerva o registo de Viamão no lugar e paragem (59r)
em que de prezente se axa para no mesmo se contarem todos os
animais que sahirem das fazendas que ficão no seu destrito assim
muarez cavallaraz como criollos e ainda os comboyados pelos
contrabandistas, e o inspetor que administrar o ditto registo passa as
guias na forma de extillo aos tropeiros com as marcas das estancias
cujas guiaz serão os mesmos comboyeiros obrigados a apresentar ao
inspetor que administrar o novo registo denominado Santa Vitoria.
12o Que não havera empedimento no Registo de Viamão para deixar
pasar aqueles animaiz que forem precizoz nas fazendas de Sima da
Serra e daquellas que se axão digo que se comprehendem entre o
Registo de Viamão e de Santa Vitoria mas que esta liberdade sera
regulada pela junta da Fazenda Real desta cidade a proporção dos
estabelecimentos
que
a
mesma
junta
intender
convenienty:
advertindo que a respeito dos outros animaiz que não são os
205
criadores e que por isso mesmo não fazem o estabelecimento das
fazendas sera inteiramente permitida a dita paragem não só para o
dito estabelecimento mas indo para fora do contimente.
13o Que os fazendeiros de Sima da Serra e donos da vacaria que
ficão dentro do mesmo registo denominado Santa Vitoria e fora de
Viamão serão obrigados a darem a elle contratador ou seus
procuradorez huma lista de todos os animais que possuirem e
tenham pago os direitos reais de Viamão como tãobem serão
obrigados com quem fizerem negocios declarando no billhete o
numero e quantidade de animaiz venderão com as suas marcas para
que conferindosse pellos avizos na primeira contagem ver se levão
extraviados alguns animais cujos bilhetes os mesmos compradores e
comboyeros obrigados a aprezentar ao inspetor do novo Registo de
Santa Vitoria pena que não aprezentando os tais billhetez ou constar
por falta de os não trazerem intentão extraviar seos (59v) animaiz
por fora do ditto registo lhe serem confiscados os mesmos animaiz
para elle contratador e ficarem incursos na pena de encaminhadores
da Fazenda de Sua Magestade.
14o Que todos os animais muarez cavallarez e criollos que se axarem
fora dos registos sem guia e conhecendosse ser crias respectivas aos
dous registos se tomarão por perdidas para elle contratados.
15o Que pertencerão a este contrato o direito de tudo quanto tiver
entrado nos limites dos destrictos ate o ultimo dia em que o de findar
ainda que neste tal dia não tenham com effeito xegado aos sitios em
que estiverem os tais registos para que não suceda que os
viandantes ou conboyeros em odio delle contratador se deixem ficar
fora dos mesmos registos e procurem utilizar ao contrato futuro ou
com elle tratarem rebates de direitos que hão de pagar cujo fim
poderão os administradores dos registos expedir nos ultimos diaz do
seu contrato officiais que em comum com os do novo contratador
tomem o rol de todos os animaiz que se axarem nos limitez de seu
contrato e tudo o maiz que lhe deva direitos para que quando
206
entrarem nos registos fiquem peretencendo a elle contratador e não
possa haver duvidaz com o novo rematante.
Em sendo visto que pelo Ilustrissimo e Excelentissimo Senhor
Marquez vice Rey e maiz Ministros da Junta o conteudo neste
contrato e suas condiçoins e que tendo andado a lançar em diversos
diaz para o que forão convocados os homens de negocio da praça
desta cidade por avizo feito na mesa de inspeção como tãobem os
negociantez do continente do Rio Grande por avizo feito ao provedor
do mezmo Continente não ouve quem offeressece mayor laço que o
de dez contos de reis offerecido pelo dito Bernardo Gomes da Costa e
seus socios nomeados que se axarão prezenty digo por sy e seus
socios houverão por bem e se obrigarão em nome de Sua Magestade
em darlhe inteiro cumprimento e o ditto Bernardo Gomes da Costa e
seus socios nomeados que se axão prezenty dicerão que se obrigão a
cumprir inteiramente o ditto contrato na forma de sua rematação
(60r) com todas as condiçoins nelle expreçadaz sob as obrigaçoens
de todos os seus bens moveis e de raiz por aver reconformidade que
determina a ley de 22 de dezembro de 1761. E por firmeza de tudo
se mandou escrever o prezente contrato que asinarão o Ilistrissimo e
Excelentissimo Senhor Marques Vice Rey Menistros e Depitados com
o dito rematante se seus socios Antonio de Oliveira Braga official
capelista do tribunal da Junta da Fazenda Real o fis escrever
Marques do Lavradio, Joaquim Alvez Monis, Jose Pio Ferreira
Souto, Manoel Ferreira Gomez, João Carlos Correa Lemos, Jose
Mauricio da Gama e Freitas, Bernardo Gomes Costa, Miguel de
Alvarenga Braga, Anacleto Elias da Fonseca.
Esta conforme fis 13 de dezembro de 1772
João Carlos Correa Lemos
E não se continha mais na dita ordem e copia do auto de rematação e
condiçoins com q’ foi rematado o referido contrato das pasagens dos
animaiz pelos Registos de Viamão e Santa Vitoria sobre a Serra que
aqui fis bem e fielmente do proprio que tornei a entragar ao Meirinho
207
da Fazenda Real Joaquim Souza Conceição e de que como o recebeis
asinou como escrivão da Fazenda Real que este subescreves. Viamão
16 de Janeiro de 1773” (AHRGS, CF 1244, folhas 56v - 60r).
Documento 02
Mantive ortografia do original.
(21v) “Registo de huma Portaria Do Sr, tenente Coronel Gov. para se
registrarem dois capitulos de uma carta do Ilmo e Excelentissimo Sr,
Marquez Vice Rey datada a 11 de janeiro de 1772 sobre o official q.
ha de ir para o novo Registo e o Picador de Regimento dos Dragoens
O provedor da Fazenda Real manda registar os dois capitulos da carta
junta do Ilm. Excelentissimo Sr. Marquez Vice Rey, sobre o oficial que
a de ir para o Registo e sobre o Picador do regimento de Dragoens.
Viamão 16 de fevereiro de 1772 = Veiga = Cumprase Viamão 16 de
fevereiro de 1772 = Osorio = E pelo que toca a pessoa que asista no
registo me parece muito bem que haja de ir hum oficial de tres em
tres mezes escallandose para isso sempre dos mais capazes entre
estes e como não parece justo q’ por serem oficiais se lhe recaya o
trabalho a não percebão utilidade ficara recebendo o que for des mil
reis mais por mês alem dos soldos q’lhe competir pelo seu posto e
cada um seja nomeado de tres em tres mezes e desta forma fica
denominada. E uma grande parte daquela despeza.
A pois a nomeação de picador desse Regimento e o soldo que
sabe ha de vencer sera o de doze mil reis por mês como foi arbitrado
nesta capital ao do esquadrão de cavalaria de minha guarda. E não se
continha mais em os capitulos da carta do Ilm, e Excelentissimo Sr.
Marquez Vice Rey do estado q’aqui fis bem e fielmente registar dos
proprios que averão in cartas na carta q’tornei a entregas ao
Sargento Mel. Carvalho de Souza e de me receber a [...] como
escrivão da Fazenda Real q’este sub escreve.
208
Viamão 16 de fevereiro de 1772
Domingos de Lima, escrivão da Fazenda Real” (AHRGS, CF 1244,
folha 21v, Registro Geral da Fazenda 1771-1780).
Documento 03
Mantive ortografia do original.
(26v) “Registo de huma Feria de oficiais de carpinteiro e mais
trabalhadores q trabalharão na feitura dos coarteis e mais precizos do
novo estabelecimento do registo de Santa Victoria em Sima da Serra.
(27r) Feria que mandou por corrente o Sr. Tenente Coronel
Governador Antonio da Veiga de Andrada com intenção do Promotor
da Fazenda Real Ignacio Ozorio Vieira aos oficiais de carpinteiros e
mais trabalhadores q’ trabalharão na feitura dos coarteis e mais
precizos do novo estabelecimento do Registo de Santa Victoria em
Sima da Serra do primeiro de janeiro até o ultimo de março de 1772
= carpinteiros = Ventura Jose sincoenta e coatro diaz a quinhentos e
secenta trinta mil duzentos e coarenta
= Jose Domingues catorze
dias e meyo a coatro centros reias sinco mil e oitocentos = Serventes
= Manoel da Costa coatro dias a cento e secenta dous mil setecentos
e vinte = Jose da Costa treze dias a cento e secenta dois mil e oitenta
= Antonio Nunez treze dias a sento e secenta dois mil e oitenta =
Luis de Santiago vinte e cinco dias a cento e coarenta tres mil e
quinhentos = Constantino de Moura coarenta dias a cento sincoenta e
nove mil trezentos e coarenta = A qual feria vai asinada por mim
Manoel Marques de Souza Tenente da Cavalaria Escolhida q serve de
comandante do dito registro e para aos Santos Evangelhos a verem
trabalho os referidos os dias mencionados em seu ponto.
Viamão primeiro de junho de 1772 = Manoel Marques de Souza =
Informa ao provedor da Fazenda Real. Viamão 1ª de junho de 1772 =
Veiga = Senhor Tenente Coronel Governados = Não tendo nem nunca
209
tive noticia da despesa desta feria e mal conduzi diante se expressa
nela fora com intervenção minha e como Senhoria manda fazer estas
despesas sem eu ser ouvido de q’ possa informar a Senhoria. Viamão
a 1ª de junho de 1772 = Ignacio Ozorio Vieira = Sem embargo da
duvida do Provedor da Fazenda Real o mesmo Provedor mande pagar
esta
feria
estando
certa
e
de
as
providencias
que
intender
necessarias para que (27v) semelhantez despesas são indispensaveis
se fação sem q’ ao depois ajão estas duvidas. Viamão 03 de junho de
1772 = Ozorio = Domingos de Lima Veiga Escrivão da Fazenda Real e
matricula Sargento de guerra neste Continente do Rio Grande de São
Pedro certifico a verem recebidos as pessoas contidas na feria [...] do
tezoureiro da Fazenda Real Jose Antonio de Vaconselos por mão do
Tenente de Aventureiros Escolhidos Manoel Marques de Souza a
quantia de que cada hum tem em seu nome, todos a de 59 340 reis
contendos na mesma feria cuja quantia dependeu o dito tezoureiro do
dinheiro do seu recebimento em observancia dos despaxos nella
postos. E para aver de lhe ver levada em conta a dita quantia lhe
pasei a presente certidão della por mim feita e asinada. Viamão 03 de
junho de1772 = Domingos de Lima Veiga = Sua posta verba deste
pagamento no livro primeiro dellas das ferias pagas pelo tezoureiro
Vasconsellos as folhas dezeseis verso. Viamão a 3 de junho de 1772
= Veiga = E não se continha mais em a dita feria q’aqui fis registrar
bem e fielmente da propria que se entregou ao Tezoureiro da
Fazenda Real José Antonio de Vasconsellos para a sua despeza.
Viamão 3 de junho de 1772 = Domingos de Lima Veiga Escrivão da
Fazenda Real. Subescrevy e asigney” (AHRGS, CF 1244, folhas 26v 27v, Registo Geral da Fazenda 1771-1780).
210
Documento 04
Mantive ortografia do original.
(5r) “Registo de huma Provizão da Junta da Real Fazenda do Rio de
Janeiro dirigida ao Senhor Brigadeiro Governador Sebastião Xavier da
Veyga Cabral da Camara, respeito ao registo de São Jorge das Lages
pertencer a capitania de São Paulo e ficar pertencendo esta capitania
como dantes até o Santa Victoria.
Dona Maria por graça de Deos, Rainha de Portugal e dos Algarves
daquem e dalem mar em Africa Senhora de Guine e da Conquista
Navegação e Comercio da Ethiopia, Arabia, Percia e da India etsetera.
Faes saber Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Camara Brigadeiro
dos meus exercitos e governador do continente do Rio Grande que eu
fiu servida de mandar expedir pelo meu Real Erario da Junta da Real
Fazenda desta cidade a Provizão do theor seguinte.
O marques de Anjejo do Conselho da Raynha Minha Senhora gentil
homem da sua camara Tenente General de seus exercitos, Ministro
assistente ao despacho do gabinete Prezidente do real Erario nelle
lugar tenente imediato a Real pessoa da mesma Senhora etesetera.
Faço saber a junta da Adminitração da Real Fazenda da Capitania do
Rio de Janeiro que sendo prezente a Raynha Minha Senhora pelas
contas que me dirigio a Junta da fazenda da Capitania de São Paulo
nas datas de vinte e trez de dezembro de mil sete cento setenta e
seiz, e dezenove de julho de mil sete centos setenta e sete as
controversias que tem havido entre a mesma e a de Viamão a
respeito do novo registo mandado estabelecer, por esta junta no
interior daquela capitania a requerimento de Manuel de Araujo
Gomes, a quem se havião arrematado os registos de Viamão e Santa
Vitoria, seguindo se consideravel prejuizo aos rendimentos da
Capitania de São Paulo desde intruzo Registo nos limites da sua
jurisdição. He a mesma Senhora servida determinar que sua junta
passe logo as ordens necessaiaz
a Junta de Vaimão para que se
211
obtenha inteiramente cobrança daquelles direitos ate huma resolução
de Sua Magestade para continuarem a receber pela junta de São
Paulo a quem na presente [...] (5v) determinação ordena outro sim
a mesma Senhora que esta junta informa das razoens que serve para
mandar fazer a mudança daquele registo incluindo a arematação do
dito Manoel de Araujo Gomes do mesmo que lhe pertencia ao Distrito
de outra capitania segundo a demarcação que se acha feita do anno
de mil sete centos quarenta e oito. Bernardo Jose Marques a fez em
Lisboa aos vinte e nove de julho de mil sete centos setenta e nove.
Luis Jose de Britto contador geral do territorio da Relação do Rio de
Janeiro Africa Oriental e Asia Portugueza a faz escrever = Marquez de
Anjejo = Pelo que vos ordena que pela parte que os toica façaez
executar o que se determina a dita Provizão deixando a Junta da
Capitania de São Paulo fazer a arrematação dos Direitos daquelle
Registo cmo acima determna. A Raynha Nossa Senhora mandou por
Luiz de Vasconcellos e Souza do seu Conselho Vice Rey Capitão gral
de mar e terra do Estado do Brazil e Presidente da Junta da Real
Fazenda. Joaquim Oliveira Durão, Escripturario da contadoria da
mesma junta a faz nesta cidade do Rio de Janeiro aos seiz de
settembro de mil setecentos e oitenta. João Carlos Lemoz, Escrivão e
Deputado da Junta da Real Fazenda a fiz escrever – Luiz de
Vasconcellos Souza = cumprase e registese. Villa de São pedro do Rio
Grande vinte e nove de outubro de mil setecentos e oitenta = Com a
rubrica do Senhor Brigadeiro Governados Sebastião Xavier da Veyga
Cabral e Camara =
Registese Rio Grande vinte e nove de outubro de mil setecentos e
oitenta = Ozorio = E não continha mais na dita Provizão que aqui fiz
registar bem e fielmente da propria que tornei a entregar a quem me
apresentou e de como recebes assignou com e Escrivão da Fazenda
Real que esta subscrevo. Villa de São Pedro do Rio Grande 29 de
outubro de 1780. Domingos de Lima Veyga Escrivão da Fazenda Real,
subscrevi e asignei” (AHRGS, CF 1245, folhas 5r-5v).
212
Documento 05
Mantive ortografia do original
Documento que acompanha o “Mapa plano e descriptivo do porlongo
das cazas que afazerão no Registro de Santa Vitória”.
“Explicações
AB frente = DC fundo, com 135 palmos. AD=BC lados com 57
palmos. As paredes AB e DC são sobre quem (...) as linhas e por
conseqüência as tesouras a vista claro está que a vão compreendido
entre as paredes AB-BC-CD-DA há ao centro das casa. Da parede EF
sai uma varanda da parede DC a vista do que vão compreendido
entre as paredes EF, FC, CD, DA
há uma varanda. As letras P
significam portas as letras J significam janelas, tanto um quantas
outras coisas tem 5 palmos de largo.
Mapas respectiva. AB=CD o pé direito com 14 palmos, inclusive
a grossura do EF - GH ponto do madeiramento com 12 palmos: os
mestres carpinteiros neste ponto seguem opiniões diferentes. Motivo
por que há prédios com diferentes pontos sem atender a marca
proporcional de 3 ½ sem passar, com (...) do mapa plano.
Vi que da porta de tora das paredes AB e EF distas da outra 42
palmos, logo se 3 ½ : 1::42:=12 como assim digo.
As portas tem de alturas 10 ½ palmos e as janelas 6 palmos,
recomendo ao mestre carpinteiro (...) por cima do (...) das tesouras
nesta tarefa.
Quartel casa de prisão
Casa de prisão ............ 01
Quartel dos solados ..... 02
Cozinha do quartel ...... 03
Casa do comandante
Sala ................................... 04
Alcova do comandante .......... 05
213
Alcova do escrivão ................ 06
Arrecadação das armas ......... 07
Corredor ............................. 08
Varanda .............................. 09
Cozinha .............................. 10
Escritório e casa do cofre
Escritório ............................ 11
Arrecadação do cofre ........... 12
Casa do coletor
Sala ...................................13
Casa de jantar ................... 14
Copa ................................ 15
Alcova de fora ................... 16
Alcova interior .................. 17
Varanda ...........................18
Dispensa ......................... 19
Cozinha .......................... 20
Porto Alegre, 27 de junho de 1833
Miguel Gonçalvez dos Santos
Advertência
As casas feitas em cima da serra ainda cobertas de telhas para
se livrarem do incêndios são contudo formadas de esteios e pau a
pique: porque seja uma e outra coisa de madeira de pinho por ser
difícil
outras
quaisquer
de
lei,
são
por
isso
pouco
duráveis,
arruinando-se na superfície da terra, e posto que haja muita pedra,
falta-lhe cal, material este que (...) em Santa Vitória, não pode ficar
por menos de quatro mil réis o alqueire. Modernamente servem-se de
tijolo, pois como mais poroso calcina bem com o saibro, que o a
belíssimo, não só para o efeito dito como para [...]. servindo-se com
tudo de pedra para os alicerces. O orçamento é contando ser feito
porlongo de casas sobre pilares e frontal de tijolos de 14 palmos de
214
pé direito. Pela mesma razão da madeira ser de pinho é que deixam
de [...] pela pouca duração sendo aterradas, que é preferível o
ladrilho
para
conservação
da
saúde:
motivo
este
porque
no
orçamento não trato do assoalho. Quanto a pedra para os alicerces, é
tanta em qualquer parte há. Do mesmo respeito a madeira, pois os
capões de pinheiro são imensos. Pode-se economizar alguma coisa
nos gêneros telha e tijolo, porque feito que seja o rancho para os
tropeiros que deve supor seja coberto de capins sobre esteios, em o
mesmo se faz uma e outra coisa, os advirto porém que para queimar
o tijolo é preciso forno, bastando fazer um pequeno forno para
queimar a telha; posto que este gênero há dúvida nos subúrbios de
Sta. Vitória. Os soldados empregados no destacamento do Registro
podem bem concorrerem a que se faça com mais economia os
prédios, dando-se-lhe alguma gratificação. Executando-se o risco com
esteios paredes de pau a pique, e coberto de capim caindo a despesa
em metade do quanto consta no orçamento, porém há inconveniente
de ser pouco durável e exposto a algum incêndio como levo dito.
Porto Alegre, 27 de junho de 1833 Miguel Gonçalvez dos Santos”
(SANTOS, AHRGS, OP 1, 1833).
215
Anexo 2
Alguns contratos arrematados para os
Registros de Viamão e Santa Vitória
Período
Arrematador
1773-1775 Bernardo
Gomes
da
Valor do
Contrato
Fonte Pesquisada
Costa
e 10:000$000 AHGRS, CF 1244,
folhas 56v-60r
Sócios (Anacleto Elias da Fonseca
e Miguel Alvarenga Braga).
1776-1781 Manoel Gomes de Araújo e Sócios 20:050$000 AHRGS, CF 1244,
folhas 133v - 135V
(Manoel Antônio de Araújo e
Lourenço Ferreira Ribeiro).
1782-1784 Manoel Gomes de Araújo e Sócios 10:225$000 AHRGS, CF 1245,
(Capitão Manoel Antônio de
folhas 26v-29r
Araújo e o Dr. Lourenço Ferreira
Ribeiro).
1785-1787 Bernardo Gomes da Costa e 13:225$000 AHRGS, CF 1245,
sócios (Sargento-mor Anacleto
folhas 78v-80v
Elias da Fonseca e os Capitães
Manoel Barbosa dos Santos e
José Antônio Lisboa).
1788-1790 Capitão-mor Anacleto Elias da 13:675$000 AHRGS, CF 1245,
Fonseca e Bernardo Gomes da
folhas 135r-137v
Costa
216
1791-1793 Capitão-mor
Fonseca
Anacleto
Elias
da 14:000$000 AHRGS, CF 1246,
folhas 143r-147r
1794 “ano Capitão-mor
solteiro”
Fonseca
Anacleto
Elias
da 4:666$670
1795-1797 Capitão-mor
Fonseca
Anacleto
Elias
da 14:200$000 AHRGS, CF 1248,
folhas 51r-57r
1798 “ano Capitão-mor
solteiro”
Fonseca
Anacleto
Elias
da 4:733$000
1799
AHRGS, CF 1247,
folhas 187v-188
AHRGS, CF 1248,
folhas 237v-242r
Sem referências localizadas
1800-1802 Capitão-mor
Fonseca
Anacleto
Elias
da 20:400$000 AHRGS, CF 1249,
folhas 195v-199v
1803-1805 Capitão André A. P. Vianna e 31:050$000 AHRGS, CF 1188,
Antônio José M. Bastos 126
Folhas 353-354
1806-1808 João Rodrigues Pereira e sócios 31:100$000 AHRGS, CF 1182,
folhas 107-115
(Antônio José Araújo e José
Antônio de Azevedo) 127.
Este é o primeiro contrato de arrematação do registro de Santa Vitória em que o
arremantante não é homem da praça do Rio de Janeiro. O Capitão André A. P.
Vianna e Antônio José M. Bastos eram negociantes da praça de Posto Alegre e esta
arrematação de Registro foi a primeira a ser executada na Junta do Rio Grande e
não no Rio de Janeiro.
127
Contrato arrematado na Junta de Porto Alegre, no entanto José Antônio de
Azevedo, além de sócio, foi o procurador dos demais arrematantes, todos
negociantes da Praça do Rio de Janeiro
126
217
Anexo 3
Mapa de las Missiones de la Compañía de Jesús, de José Quiroga.
1749.
218
Download

Dissertação completa