PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Estratégias materiais e espacialidade: uma Arqueologia da Paisagem do Tropeirismo nos Campos de Cima da Serra/RS Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial e último para obtenção do grau de Mestre em História na área de concentração em História das Sociedades Ibéricas e Americanas. Versão revisada e corrigida após ser defendida e aprovada em 09 de janeiro de 2006. ADRIANA FRAGA DA SILVA Porto Alegre, janeiro de 2006. Banca examinadora Dr. Arno A. KERN (Orientador) – PPGH/PUCRS Dr. Klaus Hilbert – PPGH/PUCRS Dra. Beatriz Valladão Thiesen - FURG 2 “A viagem pode ser breve ou demorada, instantânea ou de longa duração, delimitada ou interminável, passada, presente ou futura. Também pode ser peregrina, mercantil ou conquistadora, tanto quanto turística, missionária ou aventurosa. Pode ser filosófica, artística ou científica. Em geral, a viagem compreende várias significações e conotações, simultâneas, complementares ou mesmo contraditórias. São muitas as formas de viagens reais ou imaginárias, demarcando momentos ou épocas mais ou menos notáveis de vida de indivíduos, famílias, grupos, coletividades, povos, tribos, clãs, nações, nacionalidades, culturas e civilizações. São muitos os que buscam o desconhecido, e experiência insuspeitada, a surpresa da novidade, a tensão escondida nas outras formas de ser, sentir, agir, realizar, lutar, pensar ou imaginar. Toda viagem se destina a ultrapassar fronteiras, tanto dissolvendo-as como recriando-as. Ao mesmo tempo que demarca diferenças, singularidades ou alteridades, demarca semelhanças, continuidades, ressonâncias. Tanto singulariza como universaliza”. Octavio Ianni Dedico esta dissertação aos moradores dos Campos de Cima da Serra e aos que por lá seguem seus caminhos. 3 Resumo Na busca de mecanismos de expansão de território e para exploração do gado das Vacarias localizadas no sul da América, algumas estradas foram abertas no século XVIII e meados do XIX. No entanto, com a abertura destas rotas, por onde seguiu um intenso fluxo de tropeiros, novos elementos foram introduzidos na paisagem. Busco através da arqueologia da paisagem, outras possibilidades interpretativas para a paisagem arqueológica do tropeirismo nos Campos de Cima da Serra. Procuro mostrar os processos de ocupação e domínio do espaço através de estratégias materiais que acabaram por conformar diferentes espacialidades e constituir novas paisagens compostas por elementos concretos e simbólicos de domínio e controle do espaço, das pessoas e dos movimentos. Palavras-chave: espaço, espacialidade, paisagem, arqueologia, tropeirismo. Abstract In the 18th century and at the beginning of 19th century some roads were opened in order to find mechanisms for territory expansion and cattle exploitation in the Vacarias located in South of America. Nevertheless, with the opening of those routes, through which an intense flood of cattle drivers passed, new elements were introduced to the landscape. Through the archaeology of the landscape, I search for other interpretative possibilities to the archaeological landscape of cattle driver's way in the Campos de Cima da Serra. In this thesis I intend to show the settlement process and the domain of the space through material strategies that ended up conforming different spatiality and constituting new landscapes made up of concrete and symbolic elements of the domain and control of the space, as well as the people and the movements. Key-words: space, spatiality, landscape, archaeology, "tropeirismo" (cattle driver's way) 4 Agradecimentos A todos que caminharam comigo pelas longas estradas que segui durante a elaboração deste trabalho. Devo a estes grandes companheiros de viagem a base sólida e aconchegante que encontrei para continuar seguindo outros caminhos. Ao CNPq pela bolsa de estudos que viabilizou este trabalho. Ao PPGH-PUCRS, professores e colegas, pelo espaço disponível para discussões e abertura de novos horizontes. À secretária do Pós-Graduação, Carla Helena, pela amizade e por sua disposição em resolver os problemas da vida acadêmica de todos os pós-graduandos. À minha SUPER mãe e amiga, Eni Fraga da Silva, não há espaço para tantos agradecimentos. Nem utilizando todas as páginas e dicionários do mundo, conseguiria escrever ou encontrar as palavras exatas para dizer o quanto sou grata à esta forte mulher. A quem devo tudo que aprendi de mais nobre. Ao Sérgio Viegas, pelo carinho e por cuidar da nossa Eni. Ao Daniel, meu irmão, e a Claúdia, por terem nos presenteado com a doce Mariana. À minha segunda família, a equipe do NUPARq / UFRGS, com quem tenho convivido, mais que intensamente, durante os últimos sete anos. Agradeço pela amizade e apoio de Carolina Aveline, Clarisse Jacques, João Saldanha, Leonardo Napp, Mariana Cabral, Vanderlise Barão e aos agregados do NUPARq: Gerson Fraga e Edison Cruxen. Aos demais membros desta prole, aos quais devo especiais agradecimentos: à Zeli Company pela ajuda nos trabalho de campo e grande amizade; a Mateus Lovato, pelo auxílio nas prospecções; ao amigo Rodrigo Angrizani, por acompanhar-me em grande parte desta 5 jornada, por dirigir a Kombi do NUPARq durante o trabalho de campo e pelas, sempre bem vindas, críticas ao trabalho. À matriarca da família NUPARq: Sílvia M. Copé, por disponibilizar todo o material e estrutura necessária para a realização do trabalho de campo, por ensinar-me a viver a arqueologia, pela confiança e amizade. Ao amigo André L. Jacobus, por te dado os primeiros “passos arqueológicos” no estudo do tropeirismo no RS. A mais que amiga Natália Pietra, pelo ombro sempre disponível. Ao amigo Lenadro Boeira, pelos “retoques” das imagens e elaboração das capas. À comunidade de Bom Jesus e aos funcionários da SMEC, sou grata pela sempre maravilhosa acolhida e receptividade. Ao Ari Igino Palma Velho, proprietário da Fazenda do Costa, e seus caseiros (Ni e André) agradeço a ótima hospedagem e amizade. À família Suzim, Sra. Neli e Sr. Altamiro, pelo livre acesso e receptividade que me deram em sua fazenda e pelos cuidados que dedicam às ruínas do Registro de Santa Vitória. À Gessira e Claudio Borges, proprietários da Fazenda do Cilho, pelas informações fornecidas. À historiadora Lucila Sgarbi dos Santos e Sr. Enor (o tio Noi), pelas hospedagens no “cafofo dos tatuzinhos”, por todo o apoio, incentivo, informações e estrutura que sempre me ofereceram para o desenvolvimento deste projeto. E, ao mais importante de tudo, meu mais sincero agradecimento pelo grande laço de amizade que construímos nestes últimos anos. À professora Lisète Dias de Oliveira, por apresentar-me o tropeirismo como tema de pesquisa. Aos estagiários do AHRGS, pela paciência e boa vontade que tiveram durante o período em que lá pesquisei. 6 À colega Ana L. Herberts, pelo interminável troca-troca de bibliografia, mapas históricos e outras fontes, durante este último semestre. Ao professor Moacir Flores, pelas muitas dúvidas esclarecidas. Ao Prof. Regis Lahn, por disponibilizar material e equipamento do Laboratório de Tratamento de Imagem e Geoprocessamento da PUCRS. Ao geógrafo Roger L. L. Santos, pela ajuda no geoprocessamento. Ao orientador, Prof. Arno A. Kern, pela confiança e amizade. Ao amado Artur, com muito carinho, por encher de alegria e colorido os caminhos que juntos percorremos. Por seu constante incentivo, paciência e “empurrões” nos momentos de bloqueio intelectual. E, àqueles que por ventura tenha esquecido de mencionar o nome, saibam que estes agradecimentos são apenas uma construção materializada em uma folha de papel. No entanto, há outros espaços na memória de bons momentos, onde todos estão devidamente homenageados. Sintam-se abraçados e recebam os meus mais sinceros agradecimentos. 7 Sumário Apresentação.................................................................. Capítulo 1 1. Pensando e repensando o espaço................................... 1.1 – Espaço, espacialidade e paisagem. Para uma Arqueologia da Paisagem....................................... Capítulo 2 2. Ocupação indígena e formação das Vacarias.................... 2.1 – A ocupação indígena da região.................................. 2.2 – A formação das Vacarias: novos elementos de paisagem e diferentes atrativos econômicos............... Capítulo 3 3. Demanda do gado sulino e a abertura de estradas............ 3.1 - Emerge um novo mercado consumidor........................ 3.2 – Os caminhos que cruzam o Sul.................................. 3.2.1 – O Caminho da Praia.............................................. 3.2.2 – O Caminho dos Conventos..................................... 3.2.3 – O Caminho das Tropas........................................... Capítulo 4 4. Estratégias materiais: uso e domínio do espaço................ 4.1 - O Pouso.................................................................. 4.2 – A Venda................................................................. 4.3 – Os Currais.............................................................. 4.4 – Os Corredores......................................................... 4.5 – Os Registros........................................................... 4.5.1 – O Registro de Viamão............................................ 4.5.2 – O Registro de Santa Vitória.................................... 4.5.3 – Por dentro dos Registros........................................ 4.5.3.1 – Entrando no Registro de Santa Vitória................... 4.5.3.2 – Entrando no Registro do Pontão........................... 4.6 – Campos de Cima da Serra. Campos de Tensão............ Ao fim da viagem............................................................. Referências Bibliográficas.................................................. Anexos........................................................................... Pág. 14 22 29 38 39 49 64 64 69 69 81 94 106 107 114 121 131 139 144 146 160 161 166 173 183 186 201 8 Índice de Figuras Pág. 1. Mapa do Continente da Colônia do Sacramento Rio Grande de São Pedro the a Ilha de Santa Catarina. Com detalhe do Caminho da Praia............................................................... 75 2. Planta de acampamento com indicação do caminho que segue do Rio Grande a São Paulo......................................... 77 3. Planta do Continente do Rio Grande de Antônio Inácio Roiz de Córdoba, 1780.............................................................. 79 4. Detalhe do mapa de José Quiroga indicando o Caminho dos Conventos e as variantes de acesso aos Campos de Cima da Serra................................................................................ 5. Demonstração do caminho que vai de Viamão the a Cidade de S. Paulo....................................................................... 6. Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX................................ 7. Pouso de Tropas. Goulart, 1961....................................... 8. Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX................................ 9. Planta do Acampamento das Duas Primeiras Divizoens Espanhola e Portuguesa da Demarcação de Limites da América Meridional Junto as Margens do Arroio Chuy em Fevereiro de 1784. Detalhe de potreiro................................................... 10. Modelo de uma taipa em pedra....................................... 11. Detalhe de um curral construído no século XIX. Bom Jesus, RS.......................................................................... 12. Detalhe de um curral construído no século XX. Bom Jesus, RS................................................................................... 13. Bloco com marcas de retiradas e lasca de encaixe. Detalhe de estrutura de um corredor. Bom Jesus, RS.................................................................................... 14. Detalhe interno de uma taipa de pedra. Bom Jesus, RS..... 15. Aquarela Hermann Rudolf Wendroth, 1852....................... 16. Curral com reparos compostos de argamassa e cimento. Bom Jesus, RS................................................................... 17. Esquema gráfico de um fosso para a estrutura de um curral de vala.................................................................... 18. Vista panorâmica de um corredor de tropas. Bom Jesus, RS................................................................................... 19. Afloramento aproveitado na continuidade da lateral de um corredor. Bom Jesus, RS..................................................... 20. Corredor envolvendo uma área alagadiça. Bom Jesus, RS.. 21. Estrada atual que segue no interior de um corredor. Bom 98 100 111 113 113 123 124 125 126 126 127 128 129 130 131 134 135 136 9 Jesus, RS.......................................................................... 22. Mapa Isométrico. Adaptado de Weber, Hasenack & Ferreira, 2004. LTIG-PUCRS, 2005....................................... 138 23. Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de Santa Catharina tirado dos Planos dados em 1781 para a instrucão dos Comissarios da Demarcacão do Sul, dezenhado e acrescentado com varias notas instructivas sobre o mesmo Plano por Joze Correa Rangel de Bulhoens Ajudante de Infant.ra con exercicio de Engnrº.1780. De José Correia Rangel Bulhões.................................................................. 24. Mapa que indica a localização do Registro de São Jorge das Lages em 1791/1792.................................................... 25. Mappa Plano Descriptivo do Porlongo de Cazas que afazerão no Registo de Sta. Vitória, 1833.............................. 26. Planta do Quartel de Policia e Caza da Collectoria no Passo do Pontão da Freg.a da Vacr.a 1850...................................... 27. Mapa de las Missiones de la Compañía de Jesús, de José Quiroga. 1749……………………………………………………………………………… 151 153 163 168 218 Capa principal e abertura de capítulos: Leandro Boeira - Strat Design www.strat.com.br [email protected] 10 Lista de Abreviaturas AESP – Arquivo do Estado de São Paulo AHRGS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul ArPa – Arqueologia da Paisagem CF – Códice Fazenda CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FOP – Fundo Obras Públicas LTIG – Laboratório de Tratamento de Imagem e Geoprocessamento MARSUL – Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul NUPARq – Núcleo de Pesquisa Arqueológica PPGH – Programa de Pós-Graduação em História PRONAPA – Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro RIHGRS – Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul SENATRO – Seminário Nacional Sobre Tropeirismo SMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UHE - Usina Hidroelétrica 11 Apenas um convite Nestes dois últimos anos, mais do que em períodos anteriores, literalmente, percorri caminhos, busquei estradas e espaços vivenciados. Estivessem estes em papeis, nas paisagens ou nas lembranças daqueles que vivem nos Campos de Cima da Serra/RS. Agora te convido a andar comigo. A caminhar por estradas que já foram trilhadas. Caminhos que tiveram um significado particular em um determinado tempo. Um tempo que já passou. Um significado que talvez jamais consigamos alcançar. Mas, que está lá guardado transformado, mantido ou (re)elaborado - em algum lugar do passado e nas ações e memórias dos agentes históricos. Convido-te a uma viagem criada através das minhas perspectivas e vivências. Que parte de particulares observações, compressões e sentimentos que vivenciei ao pesquisar documentos, realizar leituras, observar imagens, espaços e paisagens. Para esta viagem não necessitaremos de mochilas, malas, bilhetes de passagem, carros, barracas ou reservas em hotéis. Apenas sente-se em seu lugar confortável e leve somente seus pensamentos. Será com eles que me acompanhará. Pois bem, a hora de partir chegou. Me acompanhas nesta tropeada? 12 13 Apresentação Uma das preocupações de um pesquisador é mostrar ao leitor que seu trabalho aponta um possível caminho interpretativo. Para isso, é necessário apresentar os passos que constituíram a rota seguida, desde a elaboração e escolha de procedimento metodológicos e teóricos até a concretização do texto. Neste trabalho, os procedimentos metodológicos e as escolhas teóricas serão o guia desta viagem e indicarão um rumo a seguir, como um norte, apontado por uma bússola magnética. Mesmo acreditando nos instrumentos escolhidos, outros poderão dizer que seguir a direção indicada pela bússola pode não ter sido a melhor opção. No entanto, são estas diferentes opiniões que mantém o ir e vir, na busca de outras rotas possíveis. É isto que apresento nesta dissertação. Um caminho que escolhi, para tentar buscar outras formas de ver, ler, compreender, sentir e analisar o tropeirismo: suas implicações na construção de espaços e de paisagens sociabilizados e vivenciados de diferentes formas e sentidos por cada agente e período. Barbara W. Tuchman aponta que o ato de produzir conhecimento, “... tem uma sedução interminável; escrever é trabalho pesado. É preciso sentar-se numa cadeira, pensar e transformar o pensamento em frases legíveis, atraentes, interessantes, que tenham sentido e que façam o leitor prosseguir. É trabalhoso, lento, por vezes penoso, por vezes uma agonia. 14 Significa reorganizar, acrescentar, provoca cortar, uma rever, reescrever. animação, quase Mas um êxtase, um momento no Olimpo. Em suma, é um ato de criação” (TUCHMAN, 1991:13). É justamente este ato de criação que fascina a todos que se dedicam à pesquisa, a produção de conhecimento e ao desejo de saciar sua curiosidade. Um conhecimento que seja fonte para reflexão, que fomente questionamentos e que extrapole os moldes tradicionais que, por vez ou outra, ainda se fazem presentes na ciência. O tema sobre o qual busco um caminho interpretativo é o tropeirismo1, e como objeto as transformações do espaço durante a abertura de caminhos, a posse e a ocupação de território, no século XVIII e meados do XIX, nos Campos de Cima da Serra / RS2. Procuro compreender, através da Arqueologia da Paisagem (ArPa), as implicações resultantes deste processo de (re)construção, transformação e (re)significação do espaço, destacando as tensões geradas em diferentes momentos e situações. Tal objeto envolve outras estruturas3 que, além dos caminhos, de uma forma ou de outra, fizeram parte desta atividade na região: fazendas, locais de pouso, posto de pedágio e guardas, vendas, etc. Mas, ainda há outros motivos que me levam a tal escolha, que nada mais são do que justificativas e razões para a existência deste trabalho. O primeiro foi a possibilidade de investigar, a partir de um viés arqueológico, um tema que há muito tem sido pesquisado por 1 Entendido aqui como tropeirismo o fluxo de homens, transportando não somente gado e produtos em lombo de mulas, a serem comercializados, mas também idéias e costumes, configura o que conhecemos e denominamos como tropeirismo. 2 Tenho como área piloto o atual município de Bom Jesus/RS. 3 Como estrutura compreendo os elementos concretos inseridos no espaço. 15 historiadores, arquitetos, economistas e mais recentemente geógrafos. A segunda justificativa é a forte ligação da população dos Campos de Cima da Serra / RS com o tropeirismo. Tema que é motivo de orgulho e de muitas das histórias e estórias que nos foram contadas e recontadas por alguns moradores do município de Bom Jesus. Minha aproximação com a comunidade iniciou em fevereiro de 1999, quando uma equipe do NUPARq / UFRGS4 deu inicio a pesquisas em sítios arqueológicos naquele município. Durante estes anos, a equipe conquistou muitas amizades e intimidade com a cidade e seus moradores. Assim, não foi difícil envolver-me com essa temática. Ao passo que, cada vez mais, fui interessando-me pela forma como o espaço fora organizado e modificado para a viabilização da atividade tropeirística; pela maneira como os sujeitos constróem sua espacialidade e sua paisagem; como atribuem a estas um sentido sócio-cultural e como criam referências no espaço, as quais adquirem diferentes significados. A arqueologia, como uma ciência social, deseja ultrapassar as abordagens funcionalistas e a simples busca pelo onde e quando determinados grupos desenvolveram suas mais diversas atividades. Almeja aproximar-se dos sujeitos e interpretar o sentido dos vestígios analisados em um complexo contexto num determinado espaço e tempo. Cientes, é claro, de que este sentido jamais será alcançado em sua totalidade, apenas tentamos nos aproximar deste, através de nossas construções particulares. Buscando, cada um fazer a sua viagem ao passado, por diferentes caminhos que nos levam as mais diversas interpretações. A terceira motivação para o desenvolvimento desta pesquisa surgiu com a sensação do lugar e do tempo, ou melhor, o crescente 4 Equipe e núcleo de pesquisa coordenados pela arqueóloga Sílvia M. Copé. 16 entusiasmo pelo trabalho e suas possibilidades. Entusiasmo que cresce ao percorrer a área, localizar vestígios e vasculhar arquivos, em busca de pistas e evidências de um tempo passado. Um tempo remoto onde sujeitos transformaram, vivenciaram o espaço e deram a este um sentido social que ficou lá, em algum lugar do passado. Além disso, a relevância deste tema, para a historiografia riograndense, também justifica este trabalho. Ao longo das pesquisas, percebi que o conhecimento produzido acerca do tropeirismo está fortemente vinculado ao que a historiadora Ieda Gutfreind (1992) identifica como corrente lusitana5 e suas implicações no estudo das origens do povoamento do Rio Grande do Sul. Percebe-se aí que os estudiosos apontam o tropeirismo, e a abertura de rotas, como fatores de integração do então Continente de São Pedro às demais áreas da colônia portuguesa. No entanto, analisando autores de países vizinhos, nota-se que esta atividade não ficou limitada ao espaço luso-colonial. Este movimento de ir e vir de tropeiros6 integrou econômica e 5 Ieda Gutfreind desenvolveu o trabalho aqui comentado como tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo. Parte do princípio de que a historiografia é um produto social intimamente integrado a um determinado momento histórico. Desta forma, a autora procurou dividir os autores em duas correntes historiográficas, a lusitana e a platina, baseada em aspectos como: origem do Rio Grande do Sul e suas relações com o Brasil; relações com o Prata; interpretação da Revolução Farroupilha (se movimento separatista ou federalista); as Missões Jesuíticas (se estavam sendo vistas como parte da história do RS ou do então território espanhol) e a identidade o Gaúcho (em relação a seus congêneres uruguaio e argentino). 6 Neste trabalho, não utilizo os termos tropeiros e condutores de tropas de forma distinta. Para alguns autores, os primeiros são os proprietários dos animais e de outros produtos conduzidos. E, que não necessariamente envolviam-se nesta prática de translado. Eram os homens de negócio, os donos do capital. Como condutores de tropas, apontam aqueles que praticam a tropeada. Sujeitos que guiavam o gado ou transportavam outros produtos em lombos de animais, pêlos mais diversos caminhos, atingindo as mais variadas regiões. No entanto, tanto na bibliografia, quanto na documentação estes termos, por vezes, se confundem e o conceito se homogeneiza. Optei por não distinguir os termos, exceto em casos onde claramente tenha encontrado tal diferenciação na fonte estudada. Neste estudo de caso o mais relevante é a ação do sujeito no espaço, interessando-me o fato deste sujeito (com as variadas denominações) ser um transeunte, configurar, utilizar e concretizar caminhos. Criando uma espacialidade e paisagem específica para cada momento e grupo. Para melhor compreender os diferentes designativos empregados ver: HAMEISTER, 2002: 59-70 e FLORES, 1998: 88. 17 culturalmente uma região muito mais ampla. Pretendo não fechar a abordagem espacial em limites que, apesar de questionados, continuam sendo estabelecidos pela historiografia. Não considero os antigos caminhos como vetores de ligação somente entre áreas da América Portuguesa, mas sim a partir de uma perspectiva histórica (temporal/espacial) mais ampla. Procuro não afastar-me das noções de contexto regional para compreender o que representou esta atividade, a espacialidade e a paisagem por ela gerada, em uma área que ainda permanece social e culturalmente integrada: a região platina7. Mesmo que, para isso, tenha realizado um recorte espacial arbitrário (uma área piloto), de forma a viabilizar o trabalho. Após esta breve apresentação do tema, do objeto de pesquisa e das justificativas e/ou motivos que me levaram a iniciar esta caminhada, é necessário mostrar o roteiro desta viagem que te convidei a acompanhar-me. No primeiro capítulo, Pensando e Repensando o Espaço, apresento algumas premissas teóricas e metodológicas. São escolhas particulares que vem, pouco a pouco, sendo lapidadas, num constante repensar indissociado do ato da pesquisa e da elaboração do texto. Por este motivo, não caracterizo como um capítulo fechado, pois, as idéias aqui apresentadas são constantemente retomadas no decorrer do trabalho. No entanto, indico alguns conceitos chave para o desenvolvimento desta pesquisa, como: espaço, espacialidade e paisagem. Aproximando a Arqueologia de outros campos do saber, busquei algumas ferramentas conceituais, através das quais segui um caminho, entre os tantos outros possíveis, para chegar a uma arqueologia da paisagem. 7 Compreendida como a ampla área de alcance da Bacia do Rio da Prata, com seus grandes tributários, os rios Paraná, Paraguai e Uruguai (REICHEL & GUTFREIND, 1996: 13; OSÓRIO, 1990: 19). 18 No segundo capítulo, tentando compreender o espaço em suas múltiplas variáveis, destaco no tópico 2.1, A ocupação indígena da região, que as incursões brancas sobre este território não se deram em um vazio. Havia, antes da chegada do colonizador, outras espacialidades sendo vivenciadas e constantemente (re)elaboradas por diferentes grupos e indivíduos. É sobre a paisagem criada por estas ocupações que uma diferente espacialidade foi inserida a partir da introdução do gado na região, como aponto no tópico 2.2, A formação das Vacarias: novos elementos de paisagem e diferentes atrativos econômicos. A possibilidade de exploração destas grandes reservas de gado fez da região sul um grande atrativo aos interesses coloniais. No capítulo 3, Demanda do gado sulino e a abertura de estradas, aponto no primeiro tópico o crescente mercado consumidor nas regiões mineradoras. Os possíveis ganhos com o abastecimento de outras áreas coloniais e a possibilidade de expandir seus domínios dirigiram os olhares da administração colonial portuguesa para a estremadura da América. Dentre as muitas ações efetivadas para a ocupação e aportuguesamento deste espaço, destaco a abertura de estradas, as quais serão tratadas no item Os caminhos que cruzam o Sul. No quarto capítulo apresento algumas estruturas de apoio, construídas junto às estradas, as quais ofereciam aos transeuntes outros espaços vinculados aos caminhos em diferentes escalas e intensidade, como: os locais de pouso; currais; corredores; vendas. Espaços onde os tropeiros podiam, além de abastecer a tropa com novos mantimentos, trocar ferraduras e comprar milho para os animais tropeados, desfrutar de um momento de descanso e convívio com seus pares. Entretanto, não foram apenas as estruturas instaladas e/ou mantidas por particulares, que movimentaram o espaço através do tráfego de tropeiros. A Coroa, por sua vez, também encontrou meios 19 de confortar seus cofres com a instalação de postos de registro e arrecadação tributária em pontos estratégicos. A construção destes novos elementos representa uma estratégia material de uso e ocupação do espaço, que atribuiu a este um novo sentido, ou seja, criou uma diferente espacialidade. Calcada em relações de domínio e subordinação, esta espacialidade gerou uma paisagem caracterizada como um campo de forças, onde diferentes interesses estavam representados. Feita esta pequena apresentação do que encontrarás nas próximas páginas, espero ao final deste trabalho ter deixado algumas sementes que ao germinarem permitam questionar se o rumo escolhido foi o mais adequado para o desenvolvimento do que aqui apresento. E que tenha contribuído para que os caminhos já conhecidos sejam questionados e que outros sejam constantemente elaborados. 20 21 “No debemos preocuparmos con que una obra permanesca tal cual es, pero sí que ella deje semillas que hagam nacer otras cosas”. Joan Miró 1 - Pensando e repensando o espaço Ao propor uma pesquisa que tem como método investigativo a ArPa deve-se estar ciente que tal escolha envolve uma série de conceitos oriundos do outras áreas do conhecimento, como por exemplo: a Geografia, a História e a Sociologia. Estes conceitos, como o de espaço, tempo e paisagem, modificam-se freqüentemente de acordo com a matriz teórica que os origina e o contexto no qual estão inseridos e foram elaborados. Em um primeiro momento, pode-se dizer que o pensamento clássico da modernidade8 apresentou o tempo como primordial perante o espaço. Ao primeiro, foram reservadas as características de dinâmico, vivo, dialético e fecundo. O espaço foi apresentado como um palco, morto, inerte. Um pano de fundo, fixo e estático, onde o homem desenvolveu suas atividades e o explorou através da racionalidade instrumental. Desta 8 A modernidade clássica é compreendida como o triunfo da razão (objetiva ou instrumental), onde todas as formas de dualismo são rejeitadas ao propor uma ruptura total com o tradicional, o antigo. Por isso, a modernidade foi apresentada como uma idéia de revolução. “Esta concepção clássica..., tem como tema central a identificação do ator social com suas obras, sua produção, seja pelo triunfo da razão científica e técnica ou pelas respostas trazidas racionalmente pela sociedade às necessidades e aos desejos dos indivíduos” (TOURAINE, 1998: 37). Esta idéia de modernidade perdeu forças, e a mesma passou a ser compreendida como algo bem mais complexo. Onde foi possível perceber a separação entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo. 22 forma, “el espacio pasó a ser reaccionario y el tiempo, en cambio, progresivo” (CRIADO BOADO, 1993: 15). Como conseqüência desta dissociação entre tempo e espaço, instalou-se a “miséria espacial”. Esta miséria não foi diagnosticada somente nas ciências ditas sociais, mas também nas biológicas. Nas quais a evolução foi, em um primeiro momento, mostrada como uma sucessão temporal, uma linha de tempo evolutiva (CRIADO BOADO,1991: 10). Entretanto, foi no início da idade moderna que o mundo, ainda em parte desconhecido, deveria ser explorado. Neste instante, as aspirações expressas através da modernidade foi o de conhecer novas áreas e obter novos domínios geometricamente traçados. Junto a este anseio surge uma diferente concepção geográfica, na qual conforme Santos, “Maquiavel se funde a Copérnico. Além da contemporaneidade, ambos lutam contra o mundo feudal e da mesma maneira que o primeiro rompe com as determinações divinas na construção do poder, fluidificando as fronteiras para permitir a própria guerra – conquistas e perdas que se expressam no jogo de conjunturas efetivas -, o segundo dá fluidez ao planeta, obriganos a um deslocamento na leitura, à geração de uma concepção de espaço matemático – e, portanto, ideal para o entendimento do fenômeno" (SANTOS, 2002: 82). A partir deste novo modo de ver o mundo o sujeito adquiriu uma diferente consciência de estar no espaço. O qual ele passou a controlar, através do desenvolvimento tecnológico e científico 23 específico. Nas sociedades ocidentais modernas foram elaboradas formas de domínio e a distribuição de pessoas no espaço, onde mapa cumpriu uma tarefa de investigação, exame e governo. Logo, no mundo burguês, que neste contexto emergia, as relações foram fundadas na dominação, na subordinação de populações e espaços e na acumulação do excedente produtivo. Assim, aquela antiga criatura oriunda de um ato divino, transformouse em criador e passou a fazer parte de um mundo compreendido como seu. Conforme Santos (2002), pode-se afirmar que as categorias centrais da modernidade foram o espaço e o tempo, “desmistificados” e “remistificados”. Despidas de características divinas, estas categorias, passam a ser “matematizadas” geometricamente9. O espaço racionalizado foi representado como finito, mensurável e real, características que fizeram deste algo a ser dividido, distribuído, dominado, comercializado, etc. Este “espacio construido de acuerdo con la racionalidad se puede definir como funcionalista, empírico y moderno” (CRIADO BOADO, 1991: 08). O espaço, moderno, foi compreendido como matriz natural. Um cenário onde a história se apresentou com o passar do tempo, uma simples superfície para ação humana. Nesta concepção, sujeito e ação foram dissociados. Como resultante, evento, tempo e espaço foram conceitual e fisicamente desvinculados. Dissociado das relações de poder e dominação, desvinculado dos sujeitos e suas ações, o espaço asséptico proporcionou um quadro uniforme para qualquer contexto analisado. Desta maneira, o espaço do Paleolítico, por exemplo, seria o mesmo que o espaço elaborado no capitalismo tardio (TILLEY, 1994: 09). 9 A percepção moderna, do espaço nasceu no campo da arte, na esfera da pintura. Fruto da invenção técnica da perspectiva e do ponto de fuga. “E nasce colada á geometrização da confecção do quadro, através do artifício de uma tela de quadrícula interposta entre o modelo e a tela orientada a transposição e a simetria da pintura" (HISSA, 2002: 09). 24 Entretanto, a consciência do estar e viver um determinado espaço passou por constantes modificações no seio da própria modernidade10. Em síntese, o espaço e o tempo da maneira como os concebemos hoje, “... são criada a sistematização pelas e simbólica através transformações advindas desenvolvimento da burguesa. e Produto das do sociedade condição do processo, o que pensamos ser espaço e tempo são, na verdade, as ferramentas que possuímos para sistematizar a nossa relação maneira como com hoje o mundo ele se da nos apresenta” (SANTOS, 2002: 29). Entenda-se então que o espaço, o tempo e, consequentemente, a ação de sujeitos não são categorias estáticas, mas sim, relacionas de forma dialética. As concepções de espaço, ação e tempo podem ser compreendidas como instrumentos que constantemente (re)elaboramos, (re)significamos e utilizamos para transformar, vivenciar e compreender o mundo em determinado tempo e espaço. Por isso, o espaço é carregado de valores. No entanto, a subtração dos significados humanos faz deste uma categoria homogeneizada. Na sociedade contemporânea, em alguns casos, se 10 A modernidade foi um movimento de “destruição renovadora”, decomposição e unificação, um movimento que se autocriticou, recriou e teve a capacidade de criticar sua própria origem. No entanto, não rompeu definitivamente com o tradicional, o antigo, mas os trouxe para um outro momento, com diferentes intencionalidades e modos de ver o mundo. Por isso, a concepção clássica da modernidade foi repensada por muitos cientistas sociais. Os quais não mais a conceberam como uma forma revolucionária de ruptura total. Liberto das culpas que o pensamento religioso lhe impunha, o sujeito moderno pode unir prazeres do corpo e da alma, ser sensível e ao mesmo tempo inteligente e hábil (TOURAINE, 1998). “O moderno é um ponto móvel: continuidade e descontinuidade" (HISSA, 2002: 62). 25 aponta a perda de significado das paisagens, construções e lugares, uma vez que, o espaço criado para o mercado, por exemplo, é apresentado como utilitário e racional. Um espaço desacralizado, distanciado das pessoas, dos mitos e da história onde, pretensamente, tudo pode ser controlado e explorado. Para Relph, paradoxalmente, as paisagens modernas são desumanizadas, perderam sentido e significado, pelo excesso de humanização. No entanto, até mesmo esta dessacralização do espaço apresenta sua função e sentido de ser. Está carregada de significados e intencionalidades políticas, econômicas e sociais (RELPH, 1981 apud TILLEY, 1994). Para Le Goff (1987: 230-231), este espaço “é o lugar onde se joga a história, o território das jogadas”. De maneira que, “... o funcionamento de uma sociedade inscreve-se no espaço e no tempo, num espaço e um tempo ligados, e é artificialmente que separamos o espaço e o tempo materiais tomados e como como dados elementos concebidos e imaginados” (LE GOFF, 1987: 216). Esta nova concepção e conceitualização que emergiu da própria capacidade de autocrítica da modernidade, buscou entender o homem no tempo e no espaço. O espaço passou a ser compreendido como uma construção social, que segundo Lefebvre, “... não é um objeto científico, afastado da ideologia e da política; sempre foi político e estratégico. Se o espaço tem uma aparência indiferença em de neutralidade relação a e seus conteúdos e, desse modo, parece ser 'puramente' formal, a epítome da 26 abstração racional, é precisamente por ter sido ocupado e usado, e por já ter sido o foco de processos passados cujos vestígios nem sempre são evidentes na paisagem. O espaço foi formado e moldado a partir de elementos históricos e naturais, mas esse foi um processo político. O espaço é político e ideológico. É um produto literalmente repleto de ideologias" (Lefebvre,1976b: 31 apud SOJA, 1989: 102). O espaço, como construção sociocultural, dotado de significados, a partir desta perspectiva, é abordado de forma indissociada de duas facetas: a “natural” e a “social”. Para Tilley (1994), esta nova visão teve inicio na compreensão do espaço como um meio para a ação humana. No entanto, este também se apresenta envolvido e é parte das ações, sendo socialmente construído ou produzido por diferentes grupos, em diferentes lugares ao mesmo tempo. “Isto é, não espaços. construções centrados existe Estes espaço espaços, sociais, em são relação e sim como sempre às ações humanas e estão sempre relacionados à reprodução ou mudança porque sua constituição tem lugar como parte da práxis diária ou atividades práticas de indivíduos ou grupos no mundo. Eles são significativamente constituídos pela ação humana. Os espaços humanizados são meio é resultado de ação, restrição e possibilidade (...) Construído 27 socialmente, o espaço combina a cognição, o físico e o emocional dentro de algo que pode ser reproduzido, mas, está sempre aberto para transformação e mudança. Isto está acima de todo contexto constituído, configurações provendo particulares envolvimento e para construção o de significados" (TILLEY, 1994: 11-12)11. A concepção cartográfica também foi modificada para representação destes espaços apontados por Tilley. Esta diferente postura teórica percebe que cada indivíduo tem sua própria concepção mental do espaço, o interpreta e interage com este conforme sua idade, sexo, condição social, nível intelectual, interesses e motivações que o levam a perceber o mundo e a (re)significar seu espaço conforme seu meio12 (CASTAÑEDA, 1991: 22). Por isso, considero as representações cartográficas, em mapas ou em textos onde espaços são descritos, como formas particulares de representação do espaço, de um espaço experimentado pelo autor. Até então apresentei as diferentes interpretações e concepções do espaço, como categoria de análise e conceito constituído e (re)elaborado em diferentes momentos. No entanto, é necessário fazer uma distinção conceitual entre o que apresento como espaço, espacialidade e paisagem. 11 Tradução (livre) da autora. Como “meio” aponto o contexto vivenciado e experimentado pelo sujeito. Envolvendo aspectos geográficos, políticos, religiosos, econômicos, sociais, culturais, etc. 12 28 1.1 - Espaço, Espacialidade e Paisagem Para uma Arqueologia da Paisagem Conforme venho apontando, o espaço não será, neste trabalho, abordado como um pano de fundo estático, um simples receptáculo ou cenário para apresentação de atores, ou seja, dissociado das ações humanas. Mas sim, como meio e resultado de/para tais ações, como componente destas. Evidentemente certas características geográficas de um determinado espaço tem reflexos nas ações do homem sobre este. Entretanto, não devem ser compreendidas por um viés determinista e de cunho somente funcionalista. O espaço como inerente às ações e socialmente construído, é, conforme mostrou Le Goff (1987), repleto de significados. Entretanto, encontra-se, neste aspecto uma linha muito tênue, mas significativa, entre os conceitos de espaço e espacialidade. Enquanto o espaço foi apresentado como meio e produto das/para ações13 humanas, como espacialidade entendo os processos de construção social e o sentido dado ao espaço. Todos os significados que são atribuídos a este em diferentes (ou não) contextos e tempos, por diversos grupos ou sujeito14. O espaço socialmente elaborado configura a espacialidade15. Então, “... é necessário começar deixando tão clara quanto possível a distinção entre o espaço per se, o espaço como um dado contextual, e a espacialidade de 13 Aqui compreendidas como experiências, condutas e posturas de sujeitos e grupos. 14 Utilizo o termo “ou não”, ligado a contexto e tempo, para indicar que em um mesmo tempo, espaço e, até mesmo, num único grupo, diferentes sentidos podem ser atribuídos ao espaço de acordo com as particulares visões de cada indivíduo. 15 Termo que Soja utiliza por não existir uma expressão em inglês que seja “amplamente usada e aceita para transmitir a qualidade intrinsecamente social do espaço organizado, sobretudo uma vez que as expressões ‘espaço social’ e ‘geografia humana’ se tornaram muito obscuras, com sentidos múltiplos e amiúde incompatíveis” (SOJA, 1993: 101, nota 3). Por isso, também adoto este termo, pois mesmo apresentando a palavra espaço seguida de adjetivações (social, político, cultural, histórico) ainda evocará uma imagem física, geométrica e matematizada deste (SOJA, 1993). 29 base social, o espaço criado da organização e da produção sociais (...) o espaço em primordialmente si pode dado, ser mas a organização e o sentido do espaço são produtos da transformação translação, e das da experiências sociais” (SOJA, 1993: 101). Se antes apontei um limite muito tênue entre os dois primeiros conceitos, notar-se-á que é também muito fina a linha que separa o que compreendo como espacialidade, daquilo que apontarei como paisagem. Na verdade, espaço, espacialidade e paisagem estão amplamente relacionados. São verdadeiramente inseparáveis para a proposta interpretativa que desenvolvo nesta dissertação. Como uma construção sócio-cultural constituída por significados com sentidos particulares a cada indivíduo ou grupo, afirma-se que, a espacialidade, não está dissociada de aspectos e processos naturais, sociais e históricos. Assim como, a paisagem também não o está. Este entrelaçamento de processos a serem considerados, faz da paisagem um palimpsesto. E é a partir desta perspectiva que a apresento. Como a superposição de elementos concretos ou não, de diferentes significados e sentidos, configurantes de diversas espacialidades, sobre o mesmo espaço. Uma paisagem engloba elementos do passado, do presente e de projeções e perspectivas de futuro. Para Miltom Santos a paisagem é “... onde, mediante acumulações e substituições, a ação das diferentes gerações se superpõe. O espaço constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as ações passadas. É ele, portanto, presente, 30 porque passado e futuro” (SANTOS, 1997: 84). Se neste exato momento olhar-mos através da janela mais próxima, avistaremos elementos que tiveram sua história e significado em um período passado16, e que fizeram parte da espacialidade que determinado sujeito ou grupo vivenciaram e elaboraram. Naquele passado, esta espacialidade fez parte de uma paisagem diferente da que hoje vemos. Continuando elementos nossa foram observação, inseridos neste perceberemos espaço, ali que outros implantados em diferentes períodos. Poderemos, no instante desta observação, lembrar que a vizinha ao lado planeja reformar sua casa e pinta-la de uma outra cor. Todos estes elementos, incluindo os planos da vizinha, fazem parte, mesmo aqueles de um passado distante, da paisagem que hoje vemos. Desta maneira como paisagem compreendo um acúmulo desigual e combinado de espacialidades pretéritas, presentes e com projeções de futuro. É necessário deixar claro que, para esta proposta interpretativa, independente do período abordado, a espacialidade e a paisagem não são definidas, construídas ou desenhadas pelas ações de um único grupo. Da mesma forma, se pode dizer que um grupo não impõe sozinho, ou por si só, suas ações, seus sentidos e sua espacialidade sobre o espaço. A convivência de diferentes grupos e indivíduos em uma mesma área, as tensões e negociações constantes e necessárias deste convívio, geram uma paisagem que não apresenta as características particulares de uma só parcialidade. Tampouco o mesmo sentido e significado para cada grupo ou indivíduo. A espacialidade e, consequentemente, a paisagem resultante, conterá elementos e significados de quantos forem os atores e grupos envolvidos neste 16 Construções antigas, ruas, locais de ritos, etc. 31 espaço. Gerando uma paisagem e uma espacialidade únicas, que só tem e adquirem sentido naquele espaço, em um determinado tempo. A paisagem e a espacialidade, para este estudo de caso, são abordados como a resultante da ocupação de dois grupos 17 em uma mesma área. Por isso, é interessante destacar como Bourdieu descreve o espaço social. Para este autor o espaço social é apontado com um campo. Isto é, “... como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação da estrutura” (BOURDIEU, 2005:50). Estes campos podem designar campo político, campo econômico, campo cultural e quantos outros houver presentes ou forem necessários abordar em um determinado estudo. A modificação destes, por conflitos e tensões dos agentes envolvidos, mantém ou transforma a ordem vigente. Desta forma, a paisagem pode ser, além de um palimpsesto, considerada também como um campo, mas um campo de poder. Que Bourdieu apresenta da seguinte forma: “... não é um campo como os outros: ele é o espaço das relações de força entre os diferentes tipos de capital (...); isto é, especialmente quando os 17 Refiro-me a sociedade colonial e indo-colonial. Divido este complexo universo em dois pólos para, neste ponto do trabalho, melhor explicar o caminho escolhido para abordar o tema. No entanto, sabe-se que estas divisões são por demais generalizantes e homogeneizadoras, por trás destas há uma ampla e complexa rede de relações e formas de ocupação do espaço. 32 equilíbrios estabelecidos no interior do campo, entre especificadamente instâncias encarregadas da reprodução do campo de poder, são ameaçados” (BOURDIEU, 2005: 51)18. Ou seja, a idéia de campo de poder aponta um espaço comum, alvo de diferentes interesses, repleto de tensões e relações de força entre os grupos envolvidos, numa situação de domínio-resistência, um espaço de relações sociais permeado de hierarquizações (QUIROGA 1999:275). Os conflitos e as negociações, entre distintos grupos sobre o espaço variam de acordo com os interesses dos agentes. É através das ações destes que o estudo da paisagem, como “una construcción social, da cuenta de los actores sociales, sus conductas y sus actividades, y de las relaciones dinámicas entre ellos y su entorno físico, en un contexto histórico específico” (BAYÓN y PULPIO, 2003:346), torna-se enriquecedor. Esta espacialidade de domínio, como denomina Quiroga (1999), se expressa, entre outros, na arquitetura e na localização e organização dos diferentes tipos de assentamentos e estruturas. Estas estratégias matérias de uso do espaço, a partir da estruturação de novos elementos na paisagem, apontam também à existência de um controle simbólico da área. Entretanto, não são somente nestas expressões materiais que se constituem a espacialidade e a paisagem. A paisagem também é elaborada sem que, necessariamente, alterações morfológicas ou estruturais concretas tenham ocorrido em alguns de seus componentes. Neste sentido, um elemento do relevo, um rio, uma árvore, uma pedra, configuram tanto quanto uma ruína, um caminho, etc, uma paisagem (ENDERE e CURTONI, 2003:279). 18 Este capital, a que se refere Bourdieu, pode ser: capital financeiro, capital cultural, capital político, capital bélico. E tantas outras “moedas para barganha” que um grupo pode apresentar como vantagens para se impor a outro. 33 No momento em que um sujeito ou grupo nomeia um lugar ou qualquer elemento da natureza, este também passa a fazer parte da espacialidade e, consequentemente, da paisagem. Desta forma, os nomes também criam as paisagens e podem ser compreendidas através das ações humanas, mesmo que não materializadas, sobre um espaço (TILLEY, 1994: 18-19). A paisagem arqueológica investigada neste trabalho foi formada a partir do movimento de tropeiros nos Campos de Cima da Serra. Refere-se aquela elaborada desde século XVIII, quando na busca pelo gado das vacarias (Pinhais e del Mar) caminhos (estradas) foram abertos. Os quais podem ser caracterizados como as artérias que alimentaram o mercado colonial e conseqüentemente conectaram a região sul da América Portuguesa ao espaço platino como um todo. Impulsionaram novas frentes de ocupação da terra, de colonização e de controle do espaço e da espacialidade indígena. Diante disso, conforme propõe Criado Boado (1999), abordo uma ArPa que aponta o espaço em três dimensões: o espaço físico (meio natural, uma realidade dada); o espaço social (seguindo as idéias de Soja: espacialidade); o espaço pensado (simbólico, ideológico, a aplicação de uma ordem imaginada). Por tanto, compreendo a ArPa como um método investigativo, através do qual, se busca entender e aproximar-se dos processos de culturalização do espaço através do tempo e pelas ações humanas, considerando as mais variáveis facetas, contextos e o entrelaçamento das três dimensões do espaço. Se anteriormente a geografia foi herdeira do espaço, a história do tempo e à arqueologia cabiam os vestígios materiais do passado, como três áreas de conhecimento que estavam dissociadas. Nos últimos 30 anos, estas áreas vêm se aproximando um pouco mais. A geografia deixou de analisar o espaço somente como uma matriz ambiental. A história mostrou o tempo e o espaço em relações dialéticas, per si e entre si. E, posteriormente, apontou que os 34 processos sociais não só tem uma dimensão espacial, como são e estão no espaço. Neste novo contexto de produção de conhecimento, a arqueologia19, espacial por excelência, mesmo chegando um pouco mais tarde nestas discussões, questionou as abordagens funcionalistas e passou a conceber o espaço como criação humana. Como um produto social, fruto de relações sociais e repletos de significados. A interpretação do espaço como algo que é mais movimentado que estático, mais plasticidade que fronteira, implica em admitir a complexidade e a dificuldade do estabelecimento de fronteiras objetivas “... e, indiretamente, de acolher o significado de espaço como exclusivamente abrigo do tempo e de movimentos. Diante disso, deve-se ler que os processos temporais e históricos não se dão sobre o espaço, mas através dele. Reconhecer isto é admitir a dinâmica espacial em seu conteúdo e ainda conduzir a reflexão no sentido de reavaliar posições como a que projeta a aniquilação do espaço pelo tempo" (HISSA, 2002: 292). Constantemente elaboradas, reavaliadas, (re) significadas tais posições, ou posturas teóricas e metodológicas, refletiram no desenvolvimento da ciência dita social como um todo. 19 Refiro-me a Arqueologia Brasileira, visto que na América do norte e em alguns países europeus a mais de trinta anos as abordagens funcionalistas e descritivas do espaço já estavam sendo questionadas e novas possibilidades de análise e interpretação surgiam. 35 Diante destes constantes pensar, repensar, compreender e estabelecer conceitos, busquei um método investigativo que possibilitasse abordar a paisagem considerando suas complexas variáveis, no intuito de extrapolar abordagens de cunho econômico e funcionalista. Não às deixando de lado, mas agregando a estas outro olhar sobre o objeto de estudo. De forma que outras facetas tornam-se visíveis e consideradas dentro de um todo político, econômico, social, cultural e espacial. Poderia escolher entre muitas das ArPa existentes, ou entre a intitulada Arqueologia Espacial20, um caminho a seguir. No entanto, aponto como possível caminho a ArPa que aqui apresentei, a qual parte de uma escolha particular. Desejando que tal escolha deixe sementes pelo caminho percorrido, possibilite o desbravamento de novos rumos e outros questionamentos, num constante repensar. 20 Sobre as diversas arqueologias que dedicam-se ao estudo de espaços ver BARCELOS, 2000. pp. 45-53 . Ali o autor apresenta uma revisão das diversas correntes de abordagem da dita Arqueologia espacial e da paisagem. 36 37 2 – Ocupação indígena e formação das Vacarias A ocupação colonial, nos Campos de Cima da Serra, se deu sobre um espaço já ocupado. Os primeiros moradores daqueles campos construíram espacialidades e paisagens particulares, sobre as quais novos elementos e diferentes significados foram atribuídos a partir da introdução do gado naquele espaço. É este o elemento primordial dos processos que aqui procuro compreender, pois, na busca pela exploração das vacarias, alguns caminhos foram abertos e terras ocupadas, como estratégias para manter a posse do território e garantir a exploração e comercialização do gado que se espalhou pela região. A expansão colonial tangenciou os Campos de Cima da Serra em diferentes momentos e direcionamentos. No entanto, dois grupos demonstraram interesses por esta região, os missionários jesuítas e os colonizadores portugueses. Apesar disso, pode-se considerar a formação da Vacaria de los Piñares como uma das primeiras inserções espanholas sobre uma paisagem configurada somente por elementos indígenas. Schwartz aponta que “... os interesses paulistas e as tradicionais21 atividades suscitaram naturalmente o apoio oficial ao avanço português em direção a discutida fronteira com a América espanhola. Tanto os paulistas quanto seus rivais tradicionais, os jesuítas espanhóis do 21 Autor aponta como atividade tradicional, ou básica, dos paulistas a caça ao índio e as incursões de reconhecimento. 38 Paraguai, haviam desbravamento e se envolvido povoamento no das terras que ficam ao sul de São Vicente” (SCHWARTZ, 1999: 391). Destes interesses, emergiu um campo de tensões onde por um lado estiveram os jesuítas à serviço de Espanha que, envolvidos nas aspirações expansionistas desta, pretendiam a evangelização de grupos guarani na região noroeste e nos vales dos rios Caí, Jacuí, Taquarí, etc. Por outro, posteriormente, se concretizou a presença lusa, a qual teve como principais pontas de lança a fundação de Colônia do Sacramento (1680), Laguna (1684) e do Forte/presídio Jesus Maria José na Barra do Rio Grande (1737) como forma de ocupar as terras meridionais. Neste contexto, a região dos Campos de Cima da Serra formou uma espécie de bolsão, o qual foi tardiamente foco das intenções coloniais. Os interesses convergiram, sobre aquele espaço, como forças centrípetas fomentadas pela busca do gado, posse e ocupação de uma terra que, posteriormente, ficou sob administração lusa. (FERREIRA, 2001; FLORES, 1998; HAMEISTER, 2002; OSÓRIO, 1999). 2.1 – A ocupação indígena da região Alguns autores apresentaram, a partir de uma perspectiva eurocêntrica, não somente a região dos Campos de Cima da serra, mas todas as áreas em que o projeto de expansão colonial lançou seus tentáculos, como uma terra de ninguém. Este termo expressa basicamente dois diferentes sentidos: o primeiro como um espaço sem qualquer organização e administração política e econômica estruturada. No entanto, não deixava de considerar os grupos indígenas que por ali circulavam ou habitavam, como, por exemplo, aponta Guilhermino César: 39 “... desde o descobrimento até 173722, fora o Rio Grande, uma espécie de ‘terra de ninguém’ – quer dizer: índios, missionários, aventureiros de Portugal e Espanha, bandeirantes paulistas, todos se atritavam sem encontrar uma cultura que fosse o seu denominador comum” (CESAR, 1981: 109). O segundo sentido designou terra de ninguém, como um espaço sem ocupação branca23, povoado somente por indígenas. Os quais, apresentados como selvagens, não representavam uma ocupação humana na região. A partir da visão do colonizador, estas populações careciam de pensamento racional e foram apresentadas como um elemento da fauna, assim como onças, pumas e tantos outros bichos do mato. Este segundo sentido foi vinculado aos denominados Bugres, ou melhor, o gentio que ocupava a região dos Campos de Cima da Serra24. Mabilde (1983)25 referia-se aos Bugres para diferenciá-los dos Guaranis da seguinte forma: “... os indígenas selvagens que habitavam as matas da província do Rio Grande do Sul são conhecidos entre 22 O autor se refere a 1737 como um marco, pois foi neste ano que o Forte/Presídio Jesus Maria José foi fundado (CESAR, 1970: 72). Conforme Piccolo, juntamente com a primeira fase missioneira (1626 com fundação de São Nicolau até 1641 com a batalha de M’bororé) e a distribuição de sesmarias (desde 1732), a fundação do Forte/Presídio na Barra do Rio Grande e mais ao sul, no Chuí, do Forte de São Miguel, constituem alguns dos momentos fundadores do que veio a configurar o Rio Grande do Sul (PICCOLO, 2000). Em outro trabalho, a autora também destaca, dentre estes momentos fundadores, as diferentes iniciativas e preocupações de uma ocupação que envolveu interesses públicos e privados (PICCOLO, 2001). 23 Branca no sentido de não indígena. Refere-se a europeus ou aqueles de descendência européia. 24 Conforme Ignácio Schmiz S.J., “este grupo no começo da colonização, é denominado Guaianá, na maior parte do século XIX de coroado ou bugre, a partir do fim desse século de Kaingáng” (SCHMITZ, 1993:196). 25 Engenheiro Belga que trabalhou nas colônias e na abertura de estradas, durante o século XIX. 40 nós pelo nome de bugres. Este parece ser o nome guerreiro que se tem dado para diferençá-los dos indígenas guaranis que, na época das conquistas do território pelos europeus, não procuravam a vida florestal como os que chamamos de bugres” (MABILDE, 1983:07). Esta diferenciação, em outros autores, não se expressou somente na denominação, mas também nas características que o branco delegou aos indígenas. Enquanto os Guarani foram representados como mais desenvolvidos culturalmente, os grupos de fala Jê, ocupantes do planalto meridional (os Bugres) foram apresentados como os moradores do mato, hostis ao colonizador e inimigos dos guarani (KERN, 1994: 93). Guilhermino César, afirma que esta população não deixou heranças culturais aos gaúchos como fizeram os Guarani, os Charrua e os Minuano. Para este autor “... as demais tribus26 não se fizeram notar por hábitos ou costumes e crenças tão peculiares. Entretanto, opuseram-se de algum modo à fixação dos colonos alemães e italianos em algumas zonas da Encosta da Serra. Tangidos pela civilização, refluíram para as matas do Alto Uruguai, para a região florestal de Lagoa vermelha” (CESAR, 1970:25. Grifo meu.). Em suma, estas ocupações foram subestimadas, e representadas como feras irracionais, inferiores dentre os demais grupos indígenas e que, em muitos momentos, significavam um 26 Referindo-se aos não Guarani, Charrua ou Minuano. 41 obstáculo ao projeto expansionista colonial. Esta foi também a forma como os viajantes que cruzaram os Campos de Cima da Serra, no século XIX, apresentaram estes indígenas. Um destes foi Nicolau Dreys, autor da seguinte referencia: “... os Guaianás que freqüentavam os campos da Vacaria, acima da serra, ainda existem nas mesmas paragens, escondidos nos extensos matos da vizinhança, onde saem inospidamente para hostilizar os brancos” (DREYS, 1961: 155). Entretanto, considerar esta área como uma terra de ninguém (administrativamente) ou como um vazio (sem ocupação humana) fez parte do discurso encontrado na documentação da época e na historiografia. Discurso este, que configurou uma forma de justificar a ocupação de uma área que, ao “não pertencer a ninguém”, encontrar-se-ia livre para ser apropriada. Foi este discurso ocidental moderno, o qual pressupõe e propõe a construção de um espaço de progresso, lucrativo e racional, que viabilizou e justificou a efetivação do processo expansionista sobre a região dos Campos de Cima da Serra e tantas outras. No entanto, mesmo que aqui eu não discuta as diferentes maneiras que cada corrente da arqueologia apresentou os grupos indígenas27, deve-se considerar que trabalhos arqueológicos vêm, há mais de 40 anos, mostrando que a região sul da América portuguesa esteve longe de ser um absoluto vazio. Tanto no sentido de não haver ninguém fisicamente sobre aquele espaço, quanto em não existir práticas políticas e econômicas nas áreas ocupadas. Trabalhos mais recentes apontam uma região alvo de diferentes interesses e Cabral apresenta uma interessante análise sobre os discursos científicos criados por arqueólogos que seguem diferentes vertentes teóricas e metodológicas. A análise da autora busca compreender como estes pesquisadores representaram os indígenas em seus trabalhos (CABRAL, 2005: 12-35). 27 42 com redes de relações sociais, ocupação e construção de espaços e paisagens bastante complexas28. Pode-se dizer que, desde os anos 60, pesquisas arqueológicas são desenvolvidas na região do planalto através do PRONAPA29, programa que teve como um dos objetivos verificar a distribuição geográfica de correspondentes. vestígios Para isso, arqueológicos adotaram e modelos as cronologias explicativos já utilizados por arqueólogos histórico-culturalistas de outros países. Nestes trabalhos foram elaboradas tradições e fases arqueológicas, através das quais explicaram a distribuição, difusão e evolução de elementos em sistemas de ocupação apresentados de forma homogeneizada. Estas fases e tradições foram instituídas a partir da presença ou ausência de determinado vestígio arqueológico, o fóssil guia, que poderia ser uma ponta de projétil, um biface bumerangóide, uma cerâmica de determinadas características, etc30. No entanto, não é objetivo deste trabalho discutir tais questões, apenas as destaco brevemente para justificar que não indico os ocupantes dos Campos de Cima da Serra, mais precisamente da área do atual município de Bom Jesus, como os Taquara, numa referência a uma das tradições arqueológicas estabelecidas durante os anos 60. Este debate já se faz desgastado. Utilizar uma designação referente a atributos arqueológicos para designar um grupo sócio cultural de forma direta é extremamente complicado e por vezes Copé et al, tratam da variabilidade de sítios no município de Pinhal da Serra/RS, também localizado nos Campos de Cima da Serra. Os autores questionam a problemática de assentamentos na região e procuram novas propostas interpretativas (COPÉ et al, 2002). Saldanha, em recente dissertação de mestrado, mostra a complexidade envolvida e a ser considerada ao analisar estes grupos e assentamentos. O autor também apresenta uma revisão crítica das arqueologias efetivadas até então na região, e do fardo conceitual que estas deixaram como herança aos pesquisadores atuais. Também deixa claro que a ocupação da região envolve uma realidade social muito mais complexa do que até então alguns pesquisadores têm apresentado, representado ou julgado ser (SALDANHA, 2005). 29 Para objetivos, metodologia e outros detalhes deste programa ver DIAS (1994; 1995). 30 Dias, em um capítulo de sua dissertação de mestrado, faz uma revisão crítica sobre a elaboração e a utilização de tradições e fases nos estudos arqueológicos (DIAS, 1994). 28 43 injustificável. Os apresentarei simplesmente como grupos indígenas estabelecidos na região, grupos de fala Jê, os quais receberam as mais diversas denominações31 e que não constituíram um grupo único32. Não tenho como objetivo discutir amplamente a ocupação deste espaço por estes grupos33, mas sim apontar brevemente alguns elementos desta ocupação, os quais ainda permanecem na paisagem e no imaginário local. Em um primeiro momento se faz necessário afirmar categoricamente que os espaços e as paisagens criados por grupos indígenas não são estáticos34. Além disso, trata-se de um contexto multiétnico, onde o espaço foi constantemente (re)elaborado e (re)significado a partir de uma dinâmica espacial/territorial e temporal caracterizada por cada grupo que vivenciou a região35. Sendo assim, é necessário apontar as diversas evidências deixadas por estes grupos e considerar os componentes destas espacialidades passadas, ainda presentes na paisagem atual. Os elementos mais evidentes na paisagem, remanescentes destas antigas ocupações, são as estruturas subterrâneas, ou buracos de bugre como também são popularmente conhecidos. Tratam-se de estruturas escavadas, de formato circular ou semicircular (o que é 31 Conforme já fora esclarecido na nota 24. Laroque explica estas diversas denominações como representações construídas pelos brancos, como uma forma geral de se referir aos indígenas desta região. Este autor aponta a origem de algumas das designações e o fato destes não constituírem um único grupo. Neste sentido, o autor destaca as diversas lideranças indígenas existentes durante o século XIX, demonstrando a grande diversidade de interesses e alianças realizadas entre estes e destes com o colonizador branco (LAROQUE, 2000). 33 Para este particular ver: REIS, 2002; SALDANHA, 2005; SCHMITZ (org), 2002. 34 Como aquele cenário ou pano de fundo ao qual fiz referência no primeiro capítulo da dissertação. 35 Para melhor entender este processo é interessante ver o trabalho de Curtoni, no qual o autor trata de diferentes percepções e representações da paisagem e de que forma estas estão vinculadas à identidade social. Ou seja, como as pessoas percebem e representam a paisagem, através do tempo, criando vínculos que as aproximam ou afastam de determinados lugares. Como estudo de caso, Curtoni analisa a ocupação de alguns grupos indígenas, durante o século XIX, na região ocidental do pampa argentino (CURTONI, 2000). 32 44 muito variável), que foram cobertas com algum tipo de fibra vegetal. Esta cobertura era sustentada por uma rede de esteios menores ao redor da estrutura e um esteio central de maior porte. O diâmetro e a profundidade também variam de um caso a outro e, ao que tudo indica, eram utilizadas como espaço doméstico e de sociabilidade (COPÉ e SALDANHA, 2002; KERN, 1989 e 1994; REIS, 2002; SALDANHA, 2005; SCHMITZ, 2002). Durante a construção de tais estruturas um grande volume de terra era movimentado. Este sedimento, em alguns casos foi utilizado para aterrar o entorno da construção ou deixado nas proximidades, formando os denominados montículos. Em Bom Jesus, sob a coordenação da arqueóloga Sílvia M. Copé, no sítio RS-AN-03, escavou-se uma estrutura monticular, onde foi possível compreender as etapas construtivas da estrutura subterrânea, uma vez que, a estratigrafia apresentada no montículo é justamente o inverso da identificada na estrutura subterrânea (COPÉ e SALDANHA, 2002). Abaixo deste montículo, junto ao solo original, foram encontrados vestígios de uma grande queimada, a qual Copé e Saldanha (2002) interpretam como associada a prática de limpeza de terreno para a viabilização da construção. Kern também faz referência a esta prática, no entanto sugere que estes sejam estruturas tumulares, o que para o caso de Bom Jesus não se confirma36. O autor sugere que “... a derrubada de árvores e a limpeza das árvores, as escavações das casas, a construção dos montículos tumulares, são trabalhos que exigem um quadro 36 Na região hoje correspondente ao município de Bom Jesus (RS) e imediações, não foram localizadas enterramento deste tipo. Ao que tudo indica, naquela área os restos mortais eram depositados em abrigos sob rocha, como é o caso do sítio localizado na região do matemático, próxima ao Rio das Antas, neste mesmo município. No entanto, como mostra Saldanha (2005) vestígios de cremação foram escavados em outra área do planalto (município de Pinhal da Serra, RS). Estes vestígios estavam localizados sobre um manto de argila, abaixo de um pequeno montículo situado ao centro de uma estrutura entaipada. 45 complexo e variado de convicções, visões de terminam mundo, se e crenças materializando que nestas estruturas em terra” (KERN, 1994: 93). E, são estas convicções, visões de mundo e maneiras de agir sobre e vivenciar o espaço que fazem destas ocupações processos extremamente dinâmicos. E que, de certa forma, são atualmente representados na paisagem e no imaginário local. Dentre as tantas evidencias que despertam o imaginário popular, estão as denominadas estruturas entaipadas ou dançadores, como são conhecidas popularmente. Trata-se de áreas de dimensões variadas delimitadas por uma linha de terra (um aterro de baixa altura), utilizadas para fins ritualísticos ou festivos37. Entretanto, no planalto meridional existe uma gama variada de sítios líticos, cerâmicos ou lito-cerâmicos, que não apresentam estruturas com grande complexidade construtiva. No entanto, como sugere Copé, é interessante repensar o que as pesquisas arqueológicas têm afirmado sobre estas ocupações (COPÉ et al, 2002). Até então, por muitos arqueólogos, estes sítios foram apontados como elementos de diferentes tradições arqueológicas, de acordo com o material associado. Porém, estes mesmos podem ter feito parte da espacialidade de um grupo ocupante e construtor de estruturas que envolveram uma complexa movimentação de terra para sua elaboração. Apontar relacionados estes a sítios outras a tradições céu ou aberto fases como é uma diretamente das tantas alternativas possíveis. Mas, uma alternativa que simplifica uma complexa ocupação, estruturação e uso do espaço; que minimiza um problema aparentemente muito maior e complexo do que até então 37 Ver na nota anterior a referência ao trabalho de Saldanha, 2005. E para uma breve apresentação ver Kern, 1994: 92-93. 46 foi tratado. Logo, a questão da distribuição e organização espacial, da funcionalidade e da contemporaneidade dos assentamentos devem ser revistas por outros olhos, considerando o espaço natural e o espaço como produto social (COPÉ et al, 2002). Kern também chama atenção para a variabilidade de sítios e destaca uma possível unidade dentro da grande variabilidade. O autor aponta que “... diversos grupos aparentados coexistiam no planalto, instalados em suas aldeias de casas subterrâneas, evidenciando aspectos culturais locais (...). Mesmo quando subdividimos esse imenso espaço, levando em conta pequenas variações nas técnicas de elaboração da cerâmica, devemos ter em mente que o conjunto dos dados arqueológicos conhecidos nos sugere uma unicidade cultural com algumas tradições importante, milenares coexistindo de maneira simultânea com as inovações modernizadoras do processo de neolitização local” (KERN, 1994: 97). Desta maneira, com este breve panorama tive como objetivo mostrar a inadequação da expressão terra de ninguém em qualquer dos sentidos apontados anteriormente. Entretanto, “... a informação sobre o modo de vida e a história da população Guaianá do começo da colônia é quase nula porque nem os bandeirantes paulistas parecem ter tido maiores contatos com eles, a pesar de passarem por seu território 47 para alcançar as reduções do Tape, nem os missionários portugueses. Estes fizeram algumas tentativas de missão, mas fracassaram e abandonaram a empresa” (SCHMITZ, 1993:196). O que aconteceu com estes grupos nos primeiros dois séculos pós 1500, ainda permanece pouco conhecido, no entanto no século XIX: “... eles vão ser notados quando a colonização feita pelos fazendeiros nos campos altos e os alemães nas matas da encosta do Planalto entram em seu território e passam a considerá-los um estorvo para a ocupação efetiva do território” (SCHMITZ, 1993:196). Com as frentes de ocupação foram concretizadas estratégias materiais de domínio do espaço e subordinação das sociedades indígenas, nas quais a lógica de ocupação e sentido do espaço (a espacialidade) foi quebrada com a inserção dos novos elementos e de uma outra espacialidade, que configurou uma paisagem com diferente sentido. Por isso, apresento em linhas gerais, no tópico seguinte, o processo de inserção do gado na região sul a partir da formação das vacarias, para mostrar um dos momentos de transformação da paisagem sulina através de elementos inseridos pelo europeu, o gado. O qual representou um atrativo a portugueses e espanhóis que passavam a freqüentar a região dos Campos de Cima da Serra em busca desta riqueza. 48 2.2 – A formação das Vacarias: novos elementos de paisagem e diferentes atrativos econômicos Com o objetivo de apontar o processo de exploração das Vacarias não somente em moldes econômicos e funcionais, mas considerando as relações do homem com o espaço e os frutos da terra38, busco, a partir da introdução e da exploração do gado, compreender a diferente espacialidade e a paisagem resultante. As quais foram constituídas com a inserção de novos agentes e elementos naquele espaço. Por isso, faz-se necessário apontar a origem do produto transladado pelos tropeiros: o gado. Bem como, algumas das tantas possíveis linhas explicativas sobre a formação da Vacaria del Mar e da Vacaria de los Piñares, as quais representaram reservas de gado que fomentaram um forte movimento exploratório e ocupacional em direção a estremadura meridional da América. A região sul da América, em um primeiro momento, não despertou grandes interesses dentre os projetos da Coroa Portuguesa. Até meados do século XVII, a área que veio a configurar posteriormente o Continente do Rio Grande de São Pedro, ofereceu somente preocupações com limites fronteiriços e poucos atrativos para a exploração econômica e ocupação do solo. (PICCOLO, 2000; PESAVENTO, 1994; HAMEISTER, 2002). No entanto, com a possibilidade de exploração das grandes reservas de gado, os interesses metropolitanos dirigiram-se para esta região. Novas rotas foram sendo traçadas no intuito de abastecer internamente a colônia e incrementar o mercado externo com couros, língua, charque e outros produtos oriundos do gado, tanto por via marítima quanto por via terrestre (FLORES, 1998). Estas rotas tiveram como objetivo escoar os produtos e ampliar e rede de ligação entre determinados pontos de suma importância para a garantia de 38 Faço uso desta expressão, também utilizada por Garavaglia (1998) para referirme às reservas de gado formadas na região platina como produtos da terra. 49 posse e exploração da região. Mas, como estas reservas de gado se formaram? Muitas e controversas são as idéias apontadas para explicar a introdução do gado na região platina, que variam de acordo com a corrente historiográfica. No entanto, ao que parece, este debate alcançou maior projeção através das tentativas de estabelecer a origem do gado da Vacaria del Mar. A discussão se dava em torno dos responsáveis pela introdução do gado. Sendo assim, as diferentes visões apresentavam distintas origens, as quais poderiam ser através da ação de colonos estabelecidos nas cidades espanholas, jesuítas e guaranis das primeiras reduções do séc. XVII, ou portugueses através dos contatos com a região de Assunção. Alguns pesquisadores preocuparam-se tão somente em demonstrar quem introduziu este gado e em que momento, sem uma preocupação com possíveis origens; outros se dedicaram a apontar os primeiros introdutores de gado vacum naquela região. Há também trabalhos que desejaram afirmar uma origem única para os rebanhos (CESAR, 1970; PORTO, 1954; VELHINHO, 1964). Alguns autores apontam a formação desta vacaria a partir de duas proveniências, a primeira de São Vicente, quando algumas cabeças de gado foram levadas a Assunção (sete vacas e um touro) em 1555, pelos irmãos Cipião e Vicente de Góis. A Segunda procura definir que a origem deu-se a partir de algumas cabeças de gado trazidas do Vice Reino do Peru durante a segunda fundação de Buenos Aires. Quanto ao gado procedente de São Vicente, fato conhecido como as sete vacas de Gaete em função do nome do peão que, segundo a lenda39, as conduziu até Assunção (PORTO, 1954), existem algumas controvérsias. Para Bruxel (1960) parece impossível que somente sete vacas e um touro tenham originado tal vacaria. Fica Utilizo o termo lenda para destacar uma questão que, apesar de parecer secundária, ocupou grande espaço no debate historiográfico. 39 50 evidente que este autor não afirma a unicidade do rebanho. Ou seja, procura afirmar a múltipla origem deste gado sem apontar a supremacia de uma nacionalidade ou outra, como fator originário. Uma vez que, as divisas nacionais sequer existiam, as fronteiras coloniais eram pouco precisas e extremamente maleáveis e permeáveis e tampouco as vacas, os touros, o gado cavalar, o muar ou de outro tipo qualquer reivindicavam alguma nacionalidade. Nesta busca pelas origens, os pesquisadores seguiram correntes historiográficas diferentes, onde alguns associam a este processo certos sentimentos patrióticos. Tais trabalhos se apresentam, conforme definiu Gutfreind (1992), basicamente, em duas matrizes: a matriz platina e a matriz lusitana40. Como matriz platina, a autora apresenta aquela que enfatiza as relações com a região platina. Como matriz lusitana a autora refere-se aquela que minimiza as aproximações com tal região, bem como, afirma a supremacia cultural lusa. Apresentando então um Rio Grande luso em sua origem e brasileiro em seus sentimentos. Entretanto, ambas as correntes historiográficas buscaram definir a origem e a natureza da sociedade gaúcha. Dentre os autores analisados por Gutfreind, e buscando algumas obras que trataram da introdução do gado e origem das vacarias, aponto Aurélio Porto como um autor que manteve uma imagem do gaúcho criada ainda no século XIX, apesar de pretender identificar a região sul com as demais áreas do Brasil. Sustentou uma idéia mitificada do Rio Grande e do Gaúcho, “criando a imagem da fronteira, da zona da campanha, e do tipo social que aí se desenvolveu, dedicado às lides pastoris” (Gutfreind, 1992: 50). Para Porto, foi no trato com o gado que o gaúcho adquiriu suas características tradicionais. Em torno destes animais, vistos como 40 Sobre o desenvolvimento deste trabalho e os critérios utilizados pela autora para estabelecer esta divisão ver nota 05. 51 elemento que exerceu função civilizadora, segundo o autor, desenvolveu-se o processo de ocupação e exploração da região sul (Porto, 1954: 231-232). Porto procura mostrar, através de uma grande quantidade de documentos, o debate existente sobre as possíveis e diferentes origens do gado na região platina. Mas em uma idéia ele finca pé, ou seja, assume, e procura demonstrar com as fontes trabalhadas, que podem ter existido cabeças de gado introduzidas por súditos da Coroa Espanhola, mas é o gado oriundo de São Vicente o responsável pela extensa vacaria encontrada nesta região. O autor escreve que: “... o gado que os Jesuítas introduzem, em 1634, no território que se estende a Oriente do rio Uruguai, procede, em suas origens rebanhos de primitivas, São Vicente, dos aí introduzidos um século precisamente antes, por ordem do donatário dessa capitania Martim Afonso de Sousa” (Porto, 1954: 243. Grifo meu.). Buscando afirmar a origem deste gado como vicentino, Aurélio Porto reforça: “... o gado vicentino, que recebera uma pequena peruano, mescla um século de sangue precisamente (1534-1634) depois de entrar em São Vicente, atravessa o Uruguai e, mais tarde, fechando o périplo secular de sua marcha civilizadora, encontra-se com seus irmãos de origem e sobe novamente o planalto levado pelos paulistas até as feiras tradicionais de 52 Sorocaba” (Porto, 1954: 265. Grifos meus.). Apontando o gado sulino como o elemento civilizador e de origem vicentina, Porto procura negar influências do gado oriundo do Peru neste rebanho. Em alguns momentos da leitura de sua obra tem-se a sensação de que o gado é o único agente social deste processo, um agente movido por sentimentos nacionais, como transparece no trecho transcrito acima41. Enquanto Porto buscou comprovar, de forma determinista, que todas as ações humanas foram guiadas em função do gado transladado neste espaço, sendo este um agente que seguiu, na visão do autor, uma marcha civilizadora, Arnaldo Bruxel (1960) apresentou suas explicações com razões menos nacionalistas. Este autor tratou de discutir três pontos básicos, os quais constituiriam um único processo: o fato, a primazia (quem foi o primeiro) e a unicidade. Neste último ponto, o autor discute a origem única ou não do rebanho da Vacaria del Mar. No prólogo do texto, esclarece seu posicionamento historiográfico, opinando que: “... o homem nesta parte do mundo, durante parte séculos a pegada acentuamos grande seguia do em boi. expressamente parte’, porque grande Mas ‘em não comungamos na idéias exagerada Buscando o contexto da obra de Porto, Gutfreind (1992) aponta que no pós 1920 inicia o discurso da matriz lusitana. A qual se diferencia da platina na maneira de relacionar o RS com o Império (e a República) e com o Prata. A autora mostra que, a partir de 1920, o estado assume um compromisso com a construção da história. Na verdade, a partir desta década buscou-se “aproximar” o Rio Grande ao Brasil, em um contexto de luta pela hegemonia nacional e legitimação de poder. Para isto, mostrou-se necessário legitimar a identidade brasileira deste estado sulino. Aurélio Porto inseriu-se neste contexto quando escreveu sobre a introdução do gado, afirmando a origem vicentina destes animais, em que pese sua opinião sobre a pequena e insignificante miscigenação com o gado peruano. 41 53 dos que pensam que tudo dependia do gado. Havia muitos outros motivos nas ações dos homens, que tiveram que ver com a antiga Banda Oriental” (Bruxel, 1960: 05. Grifo meu.). Claro está que o autor se afasta de afirmações deterministas, dizendo não ser as lides com o gado o fator único e determinante das ações humanas. Apresenta, também, um posicionamento mais cauteloso, se comparado ao de Aurélio Porto, quando trata das possíveis origens do gado na antiga Banda Oriental42. Em Bruxel (1960) encontram-se as mesmas possíveis origens para o gado que formou a Vacaria del Mar. Contudo, este autor não atribui uma nacionalidade especifica para estes animais, tendendo a concordar com uma miscigenação de gado oriundo de diferentes regiões. Para discutir a introdução do gado na Banda Oriental, apresenta três teses: a dos espanhóis, a dos índios e missionários e a dos portugueses. Na segunda destaca-se um aspecto interessante de sua obra, ao designar os índios e missionários da Companhia de Jesus como um dos introdutores de gado na Banda Oriental. Nesta tese Bruxel atribui ao índio uma parcela de responsabilidade por esta faceta. Sendo uns dos poucos autores que, em alguns momentos, apresenta estes como sujeitos sociais, não atribuindo somente aos missionários os méritos sobre a movimentação destes animais. Espanhóis, índios e missionários, e portugueses, reivindicaram o direito de exploração da Vacaria del Mar. Todos é claro, tentaram comprovar a primazia sobre o fato de terem introduzido lá esta Como Banda Oriental o autor aponta os atuais territórios do Uruguai e do Estado do Rio Grande do Sul. 42 54 riqueza. Bruxel explora cada um dos relatos e outras fontes que tratam desta questão, a fim de expor os argumentos utilizados pelas três teses, verificando onde, em cada uma delas, as fragilidades e contradições aparecem. A tese, denominada por Bruxel “dos espanhóis” parte da afirmativa de que foi Hernandarias43 quem introduziu, na Banda Oriental do Uruguai, 50 cabeças de gado vacum em 1611 e, outras 50 em 1617. Resumidamente, esta tese, ainda hoje, é apresentada da seguinte forma: “Luego de recorrer el territorio actual del Uruguay 44 durante unos seis meses, se dirigió a Buenos Aires, desde donde comunicó al Rey observaciones de España que las efectuara; describiendo las tierras al este del río Uruguay como muy buenas, y recomendando que fueran pobladas con ganados con lo que, consideraba, en pocos años prosperarían abundantemente. recomendación Siguiendo que remitiera la al Rey, pocos años después Hernandarias volvió a viajar a la “Banda Oriental” transportando una importante tropa de ganado vacuno, que liberó en su territorio, con lo cual se dió origen a lo que constituyó una gran riqueza 43 Hernán Arias de Saavedra, conhecido como Hernandarias, descendente de colonizadores espanhóis, nascido em Asunción, foi designado governador do Rio da Prata em três períodos: entre 1597 e 1599, entre 1602 e 1609 e, finalmente, entre 1615 e 1618. 44 Durante seu segundo mandato, Hernandarias dirigiu uma expedição para reconhecimento da costa do Rio Uruguai até o Rio da Prata, quando em 1607 alcança a desembocadura do rio que desde então fora denominado Santa Lucía. 55 ganadera; cuya explotación fue una de las razones importantes determinantes procesos de históricos los que culminaron en la efectiva colonización del territorio uruguayo, que había quedado despoblado por parte de los españoles”45. Sobre a segunda tese, a qual se atribui aos índios e missionários a responsabilidade pela introdução de rebanhos na Banda Oriental, Bruxel aponta que “os índios com os padres lançaram gado vacum entre 1630 e 1636” (BRUXEL, 1960: 162). No entanto, em função das constantes investidas bandeirantes sobre as reduções jesuíticas, em busca de mão-de-obra indígena no século XVII, missionários e índios abandonaram o território no qual estavam estabelecidos. Nesse contexto, o gado vacum deixado para trás reproduziu-se livremente, formando a chamada Vacaria del Mar. Esta parece ser a tese mais aceita por vários pesquisadores e, como coloca Pesavento, neste processo “estava lançado o fundamento econômico básico de apropriação da terra gaúcha: a preia do gado xucro” (PESAVENTO, 1994:9). A terceira tese aponta os portugueses como responsáveis pela formação de tal vacaria. Ao que tudo indica, durante o governo de Salvador Correa de Sá e Benavides46, os portugueses teriam levado gado de São Vicente para Laguna. Para Bruxel, “... pode ser também que levassem algum gado para soltar em Colônia, ainda que isto seria quase um absurdo. Pois na primeira fundação nada 45 Em:www.escuela.digital.com.uy/biografias/hernandarias.htm acessado em 08/agosto/2005. 46 Salvador Correia de Sá e Benavides foi Capitão-Mor e Governador do Rio de Janeiro, com poderes, jurisdição e alçada nas Repartições do Sul e Capitanias delas, Almirante das ditas Repartições, e Administrador das Minas de S. Paulo (Em: http://rco2000.sites.uol.com.br/gp.htm acessado em 01/outubro/2005). 56 tinham. sucessivas Depois nas reocupações não tinham oficialmente campo para tal. E seria absurdo levar tão longe gado quando havia milhares de cabeças, bastante perto” 47 (BRUXEL, 1960:152-153). Além do mais, tanto para Bruxel, quanto para Porto a tese de que Salvador Correa de Sá e Benavides tenha lançado gado nesta região, não se sustenta nas fontes históricas conhecidas. Entretanto, parece mais plausível a idéia de que foram os guaranis e os jesuítas os responsáveis pela formação da maior parte da Vacaria del Mar. Deve-se considerar o fato de que, ao contrário das ações de jesuítas e indígenas, os quais levaram rebanhos para a Banda Oriental com o objetivo de que estes procriassem e garantissem o abastecimento dos povoados, os espanhóis e os portugueses não lançaram gado na região com a finalidade de obterem frutos permanentes. É evidente que não se pode descartar que alguns contingentes de gado tenham sido introduzidos por outros grupos ou sujeitos, como afirmam as outras teses, mas fica claro que cada uma delas foi apresentada e apropriada de forma a legitimar o direito à exploração de tais animais. Entre o final do século XVII e o início do século XVIII, formouse uma outra grande concentração de gado. Esta concentração, que ficaria conhecida como Vacaria de los Pinares, deu-se no contexto do retorno dos guaranis e jesuítas ao Tape. Se muitas discussões houve sobre a origem do gado na Vacaria del Mar, parece haver um consenso no fato de serem os indígenas e os padres da Companhia de Jesus os responsáveis pela introdução destes animais na Vacaria de los Pinares. 47 Colônia do Sacramento foi fundada em 1680, neste período, provavelmente, os indígenas e os missionários já teriam um rebanho significativo na região. 57 Enquanto ocorria o abate indiscriminado do rebanho da Vacaria del Mar, os missionários que estavam retornando ao território do Tape desde 1682, estabeleceram sete novas reduções, as quais somadas à outras vinte e três localizadas entre os rios Uruguai, Paraná e Paraguai formavam um conjunto integrado de trinta reduções de guaranis. No contexto do estabelecimento de novas reduções, o abastecimento de gado crescia em importância e os jesuítas passaram a almejar a formação de uma reserva de rebanhos em uma área mais segura do que os campos abertos da campanha da Banda Oriental. No final do século XVII, a região de los Pinares já era visitada com freqüência pelos guaranis das reduções da margem ocidental do Rio Uruguai (DE MASY, 1989:178). Carbonell De Masy defende a hipótese de que a concentração de gado na região de los Pinares tenha iniciado em 1701, durante a campanha de cerco a Colônia do Sacramento pelas milícias de guaranis. Segundo este autor, 1.400 cabeças de gado teriam sido retiradas da estância de Yapeyú pelos padres Gilles Staes e José Brassanelli. Uma parte deste montante teria sido deixada nos Pinares pelo padre Staes. Em 1705, o padre Silvestre González fez uma descrição desta região e suas condições para o desenvolvimento da nova Vacaria: “...no tiene que hacer esta vaquería, con la bondad en un todo, con la de Pinares, así en los pastos, como en las aguadas, como en las rinconadas, en el camino y en la cerca, y en la comodid; y también en la comodid de hacer vacas y el poder ver desde luego adonde las hay. Algo más fría sí es que está, porque es tierra más alta, pero mucho 58 más amena”48 (apud DE MASY, 1989: 179). Algumas reduções como San Lourenço, San Luis e San Miguel parecem haver realizado grandes retiradas de animais desta Vacaria. Diante disto, o Provincial dos jesuítas determinou, em 1715, a interrupção da exploração de gado de los Pinares e a introdução de 40.000 cabeças por parte das reduções que haviam se beneficiado anteriormente, sendo que as demais deveriam aportar outras 40.000. Segundo De Masy, isto constituiria uma re-fundação da Vacaria e los Pinares. A preocupação com esta reserva de gado se justificaria pelas constantes investidas de espanhóis e portugueses na Vacaria del Mar, a qual não apresentava condições de controle e defesa por parte dos guaranis das reduções (DE MASY, 1989: 182. nt.71). A reprodução do gado, controlando o abate dos rebanhos que iam sendo levados à região missioneira, garantira parte do sustento das reduções e a formação de um grande rebanho. A cada povoado foi assinalada uma determinada quantidade de animais, e cabia a estes estabelecer invernadas em campos seguros como forma de garantir a reprodução. A mola propulsora para o lançamento de uma das atividades básicas da economia sulina em períodos posteriores, estava sendo formada. Em realidade, os Jesuítas criaram deliberadamente nas vacarias uma espécie de poupança a ser explorada. Contudo, o acesso exclusivo a estes rebanhos não pode ser garantido. De forma que, muitos foram os beneficiados com a captura destes animais. Pode-se dizer que o gado daquele momento representou o ouro de um futuro não muito distante. “Uma riqueza sem par, esperando o momento certo e os homens capazes a explorá-la e pô-la em Diario del viaje que hacen a la Vaquería del Mar el P. Juan María Pampeyo y el Hno. Silvestre González. Museo Histórico Nacional, tomo 194, Montevidéo. In: DE MASY, 1989: 179, nt 60. 48 59 movimento para outras regiões que necessitassem” (HAMEISTER, 2002: 28). Juntas, as Vacarias del Mar e do los Pinares representavam um atrativo para aqueles que pretendiam explorar o comércio do gado e seus derivados. Gradualmente, iniciaram-se atividades portuguesas na região visando apropriar-se do gado sulino e estabelecer relações comerciais com outras áreas do Brasil. Moacir Flores (1998) apresenta três fases para o desenvolvimento deste comércio na colônia portuguesa. Na primeira o consumo de gado esteve ligado à economia agro-açucareira, pois desde 1614 há referências às feiras de gado realizadas na Bahia49 (FLORES, 1994: 11). Para este estudo as mais representativas são a segunda e terceira fases identificadas pelo autor. A Segunda relaciona-se com a descoberta de ouro nas Gerais, ocorrida no início do século XVIII (FLORES, 1994: 14-15). Em função da proibição da criação de gado e da plantação de alimentos na região mineradora, o gado caçado (preado) na região sul e as mulas destinadas ao transporte de cargas tornaram-se uma importante fonte de abastecimento. A terceira fase ocorreu na segunda metade do século XVIII, onde já era bastante significativo o número de fazendas dedicadas à criação de gado e a existência de feiras para a comercialização deste gênero (FLORES, 1998: 15-16). Apontaria também para a segunda e a terceira fases a utilização e comercialização de produtos oriundos do abate do gado vacum, como língua, couro, tendões, chifres e Schuwartz aponta que a região as margens do Rio São Francisco “... foi desbravada na década de 1590, com a ajuda de expedições contra índios patrocinadas pelo governo. Os fazendeiros de gado, alguns deles também agricultores ou relacionados com famílias de agricultores e seus vaqueiros empurraram seu gado para além de ambas as margens do rio São Francisco, de modo que, em torno de 1640, havia na região mais de dois mil currais”. O desenvolvimento da pecuária nesta região foi tão grandioso que nas primeiras décadas do século XVIII havia na região nordeste mais de 1.300.000 cabeças de gado, rebanho este que cobria praticamente todas as necessidades das indústrias locais, de açúcar e de fumo, com gado em pé e produtos oriundos destes (SCHWARTZ, 1999: 379). 49 60 sebo, os quais rendiam bons lucros à coroa portuguesa no comércio interno colonial e nos mercados europeus. O incremento destas atividades comerciais intensificou-se ao longo do século XVIII e teve início a abertura de rotas no intuito de explorar, de forma mais intensa, esta riqueza. Neste processo foi importante a ocupação do território para garantir a posse de terras próximas a tal recurso e manter rotas seguras para o trânsito dos semoventes. A captura e o translado destes animais aproximou economicamente a estremadura da América portuguesa ao restante da colônia e ao espaço platino como um todo, através do comércio de gado. Assim, pouco a pouco foi incrementada a atividade pecuária na região, a qual teve como ponto de partida a prea do gado xucro oriundo dos rebanhos das vacarias. A formação da Vacaria de los Pinares representou a inserção espanhola sobre um espaço até então indígena, o qual não havia despertado muitos interesses dentre os portugueses. Como afirma Guilhermino César, esta vacaria “... estava muito mais ao alcance das Missões paraguaias que dos lagunenses e dos paulistas. Estes últimos só muito mais tarde é que puderam extrair a riqueza ganadeira dos Campos de Cima da Serra, dada à falta de caminhos, nas regiões alpestres da Serra Geral, por onde teriam de passar as tropas vindas do sul (...). Só no segundo decênio do século XVIII foi que essa região começou a ser palmilhada por gente de São Paulo e da Laguna – tropeiros, empenhados em conduzir gado vacum, muar e cavalar para as 61 populações e as recém descobertas Minas Gerais” (CESAR, 1970: 77). Até o momento da formação desta reserva de gado, os Campos de Cima da Serra, representavam um espaço a ser desbravado pela frente de ocupação lusa. Apesar de ter sido rota de passagem para algumas incursões bandeirantes (JAEGER, 1940: 33), continuou como um sertão50 pouco comentado na documentação. Entretanto, a investida lusa sobre este espaço se concretizaria, entre outras ações, com a abertura de rotas que possibilitaram o escoamento do gado. A partir da abertura destes caminhos foi dado início ao processo ocupacional gerando muitas tensões nesta região. Tanto a abertura de estradas quanto o estabelecimento de fazendas, representaram a inserção de novas estruturas de poder e de outra dinâmica econômica frente às populações autóctones. Para melhor desenvolver estes últimos pontos apresentados, no capítulo seguinte aponto o emergente mercado mineiro e a abertura de rotas comerciais. As quais além de constituírem meios para o desenvolvimento econômico dos agentes coloniais portugueses, configuraram elementos de paisagem carregados de um expressivo poder simbólico. 50 Sertão no sentido de pouco conhecido, ainda por ser explorado. 62 63 “Mas os caminhos do mundo não estão traçados. Ainda que haja muitos desenhados nas cartografias, emaranhados nos atlas, todo viajante busca abrir caminho novo, desvendar o desconhecido, alcançar a surpresa ou o deslumbramento. A rigor, cada viajante abre seu caminho, não só quando desbrava o desconhecido, mas inclusive quando redesenha o conhecido”. Octavio Ianni 3 – Demanda do gado do Sul e a abertura de estradas 3.1 - Emerge um novo mercado consumidor Durante o século XVIII a atividade dos bandeirantes continuou pelo interior do espaço colonial luso, maximizada pelo objetivo de confirmar as chamadas áreas de mineração (RUSSEL-WOOD, 1999). Se em um primeiro momento a descoberta de ouro gerou impacto positivo aos administradores coloniais, posteriormente, os problemas e as preocupações começaram a surgir. Ao legitimar áreas de mineração como São Paulo, Minas Gerais, Cuiabá, Mato grosso, Goiás e as comarcas de Jacobina, Rio das Contas e Minas Novas de Araçuaí na Bahia51, as redes de comércio colonial foram modificadas. A linha tradicional de oferta e de procura foi abalada, pois entrou em cena um mercado altamente competitivo 51 Russel-Wood (1999) apresenta uma interessante contextualização do ciclo do ouro nestas regiões, entre 1690 e 1750. O autor aponta minuciosamente a descoberta e as conseqüências em cada uma das “áreas mineradoras”, tanto em contexto local, quanto colonial e metropolitano. Analisa igualmente o destino dos lucros gerados pela exploração deste minério na economia colonial e metropolitana, as mudanças administrativas e fiscais instauradas e as alterações sociais geradas na corrida pelo ouro. 64 em função da demanda das populações mineradoras (RUSSELLWOOD, 1999: 476). Para os fazendeiros das áreas costeiras ficava cada vez mais difícil competir, no momento da compra de mão-de-obra escrava, com os mineradores. Estes últimos ofereciam valores mais altos e, ao contrário dos primeiros, pagavam no ato da compra em dinheiro ou ouro, o que prejudicou a produtividade de alguns núcleos agrícolas em função da falta braços nas lavouras. Além disso, a exploração aurífera tornou-se um grande atrativo para a população (oriunda dos mais variados setores) que almejavam alguma riqueza ou para aqueles que buscavam apenas a sobrevivência (RUSSELL-WOOD, 1999). Desta forma, um significativo contingente populacional lançouse à corrida pelo ouro. Como aponta Zemella, “... a notícia despertava provocava delírio! A de cada novas novas descoberta ambições investidas. fortuna ao Era alcance e o de quantos tivessem coragem e forças físicas para escalar as montanhas que vedavam o acesso ao solo mineiro. Daí o formidável rush para as Gerais” (ZEMELLA, 1990:40). Em contradição com a grande riqueza explorada, as regiões mineradoras vivenciaram a mais absoluta carência por produtos de primeira necessidade, como gêneros alimentícios (RUSSELL-WOOD, 1999). Como destaca Zemella (1990), em pouco tempo: “... aquele rush em direção às minas gerais se transformou em calamidade pública. Tantos foram os ambiciosos que correram em busca do ouro que surgiu o perigo de despovoar-se o 65 Reino. Também as cidades litorâneas do Brasil viram-se diante da mesma ameaça. Seus habitantes emigraram para as Gerais e elas ficaram quase desertas e mesmo indefesas, porque até os soldados desertaram, fascinados pela promessa de riqueza fácil nas regiões de além-Mantiqueira (ZEMELLA, 1990:47). Este boom populacional teve como resultado o significativo aumento na procura e consumo dos mais variados produtos. Por isso, conforme aponta Cláudia Chaves (1995: 147) ao se referir as Minas Gerais, o comércio colonial na região mineradora, constituiu um negócio bem sortido. Segundo a autora havia ali, durante o século XVIII, um espaço importante e lucrativo tanto para produtos importados como louças, tecidos, ferramentas, mobiliário, queijos, azeites, etc, quanto para os gêneros coloniais (os frutos da terra), como alimentos, gado vacum, muar e outros de pequeno e médio porte (porcos, galinhas, patos, etc). No comércio de importação ou no comércio local foram tropeiros, comboieiros, boiadeiros, mascates e comerciantes de toda a sorte os responsáveis pelo surgimento de outras redes de distribuição, a partir da abertura de novos caminhos e da criação de novos mercados (CHAVES, 1995; ZEMELLA, 1990). Neste contexto, os paulistas usaram e abusaram das redes de comércio já formadas ou por eles criadas e fomentadas, através das quais buscaram consumidores na região mineradora. Trilharam caminhos num constante ir e vir para suprir o abastecimento das minas e aumentar seus lucros. No entanto, estes homens se diferenciavam “... por isso mesmo daqueles que, levados pela febre do ouro, apenas pensavam na ida e não na volta” (ZEMELLA, 1990: 57). 66 Os paulistas atraídos por grandes lucros aumentaram a produção, com o intuito de fornecer produtos à população mineradora e buscaram em regiões distantes os gêneros que eles mesmos não produziam. O que incluía o transporte e a comercialização do gado sulino, pois não tendo: “... bastante gado bovino para fornecer às minas, foram estabelecer currais e criar grossas boiadas nos campos de Paranaguá e Curitiba. Mas ainda, não tendo muares em número suficiente para transportar as cargas que demandavam as Gerais, nem podendo fornecer as bestas necessárias aos trabalhos das lavras e ao transporte do ouro, foram buscá-los nos descampados sulinos, nas planícies do Rio Grande do Sul, Uruguai, territórios Correntino e Entrerriano” (ZEMELLA, 1990: 60). Ao contrário dos produtos importados citados por Chaves (1995), o gado oriundo da região de Corrientes, Entre Rios, Santa Fé e Banda Oriental do Uruguai não necessariamente configuraram um comércio de importação, se considerar-mos que as fronteiras coloniais nesta região não eram precisas52. Neste sentido, Zemella atesta que: 52 Estas relações comerciais, por muitos autores, têm sido apontadas somente como vetores de integração do sul com outras áreas da colônia portuguesa, sem que as relações com o espaço platino, como um todo, sejam devidamente analisadas. Não afirmo que estas rotas não tenham contribuído para “aproximar” áreas da América portuguesa. No entanto, deve-se considerar a movimentação de tropeiros hispano-americanos no Rio Grande e de paulistas, lagunistas e outros súditos da Coroa portuguesa em território espanhol, num intenso ir e vir. Por isso, merece destaque as importantes, fortes e largas relações do sul português com outras áreas do império espanhol. Uma aproximação que algumas correntes historiográficas negaram. 67 “... não se pode precisar até onde tal comércio era nacional e onde começava a ser externo. É que nessa época as áreas da bacia do prata não estavam totalmente definidas, quanto à nacionalidade. Durante o século XVIII, muitas pendências e mesmo guerras se trataram entre Portugal e Espanha, pela posse da áreas platinas contestadas. (...) Além do mais, a base desse comércio era o contrabando” (ZEMELLA, 1990: 91)53. É nesse contexto, no mercado interno colonial, que a região sul da América Portuguesa e outras áreas platinas aproximaram-se ainda mais, como fornecedoras de um dos produtos que as regiões mineradoras gêneros, necessitavam. inúmeras administração rotas colonial Para foram viabilizar o estabelecidas enxergaram, na translado e região os destes olhos platina, da novas possibilidades de lucros, de expansão territorial e de estabelecimento de fronteiras. Conforme comenta Rodrigues: “... com isso, a fronteira começa a movimentar-se, levando para o sul o colono português, o lagunista, o paulista, e provavelmente o encontro entre estes e o selvagem solto ou reduzido, que era só o que existia naquele território. A terra dos 53 Sobre o comércio ilegal de muar Gil (2002) apresenta a importância desta prática comercial nas fronteiras do Rio Grande e Rio Pardo. Aponta as estratégias desenvolvidas pelos contrabandistas, as relações destes com o restante da sociedade e os suportes encontrados no governo, entre 1760 e 1810. O trabalho trás importantes elementos para reflexão sobre esta prática comercial entendida por alguns como ilícita e por outros como um movimento comercial como outro qualquer. 68 minuanos, guaianás charruas, e tapes guaranis, reduzidos vai chamar-se o Continente de São Pedro do Rio Grande. Uma enorme área de terra livre54 oportunidades oferecia de novas aproveitamento econômico. Com essa linha movendose, começava também o efetivo e rápido aportuguesamento do território” (RODRIGUES, 1986:30. Grifo meu.). Este processo de aportuguesamento do território deu-se em momentos como: a fundação da Colônia do Sacramento (1680); a construção da Fortaleza de Santa Teresa (1762), a fundação de Laguna (1684); a concessão de sesmarias (1732); a construção do Forte de São Miguel no Chuí (1734)55; do Forte/Presídio Jesus Maria José na barra do Rio Grande (1737) e, na abertura de rotas para escoamento do gado e produtos oriundos destes animais56. O tópico seguinte trata justamente destas estradas. 3.2 – Os caminhos que cruzam o Sul 3.2.1 – O Caminho da Praia Descrito por Domingos da Filgueira em 1703, este caminho seguia da Colônia do Sacramento a Vila de Laguna pela faixa litorânea dos atuais territórios do Uruguai, Rio Grande do Sul e parte do Estado de Santa Catarina. Em “Roteiro por onde se deve governar 54 Apesar de Rodrigues apontar uma interessante perspectiva sobre a movimentação e o estabelecimento da fronteira, percebe-se aqui a persistência de uma visão perigosa e eurocêntrica na utilização de termos como terra livre ou terra de ninguém. Além disso, o autor aponta, de forma generalizada todos os indígenas como reduzidos, o que de fato sabe-se que não ocorreu. 55 A construção deste forte iniciou, pelos espanhóis, em 1734 e foi tomado pelos portugueses em 1737. 56 Três rotas foram significativas neste período: O Caminho da Praia (1703), A Estrada dos Conventos (1727), o caminho das Tropas (1732). 69 quem sair por terra da Colônia do Sacramento para Rio de Janeiro ou Vila de Santos”57, Filgueira descreve um caminho que percorreu, segundo ele, sem muitos percalços. Neste roteiro o autor menciona dados geográficos e outros referentes aos recursos de caça e coleta. Comenta a necessidade de se fazer balsas para cruzar determinadas áreas, e indica as fontes e o tipo de matéria prima a ser coletada para a confecção de tais embarcações. No entanto, não faz referência a povoações indígenas ou de novos colonos, entre a Lagoa de Castilhos e Laguna. Para Guilhermino César, mesmo tendo sido trilhado por Filgueira 23 anos após a fundação da Colônia do Sacramento, o litoral rio-grandense ainda seguia despovoado. “O roteiro de Domingos da Filgueira é uma prova disto: não menciona uma só povoação que estivesse situada entre a Lagoa de Castilhos e a Vila de laguna” (CÉSAR, 1981: 55). Talvez por este motivo o roteiro seja rico em referências à fauna local, pois não havendo estruturas para obtenção de mantimentos (fazendas, pousos, vendas, etc.) a subsistência era garantida por gêneros alimentícios transportados pelos viandantes e pela atividade de caça. Como descreve o autor: “... de Castilhos para adiante não faltam porcos, cervos e veados pelas campanhas. Aos cervos se deve atirar com bala; aos porcos e veados basta munição grossa. Também não faltam pássaros pela praia. (...) Pelas margens do Rio Grande há muita caça de porcos e outros animais e pássaros que se podem provimento. Com matar esta e fazer prevenção nunca faltou carne, nem se soube que 57 Está publicado em CÉSAR, 1981: 55-60 e também em anexo a NETTO, s/d. 70 cousa foi fome, que outros experimentam por culpa sua” (apud CÉSAR, 1981: 60). Se por um lado esta rica fauna oferecia ótima fonte de proteínas, por outro alguns cuidados deveriam se tomados pelos futuros transeuntes da rota, principalmente no que diz respeito aos ataques de onças. Aponta o autor que: “... saindo da povoação da Colônia se buscará o caminho do norte, que por vinte e três dias se seguirá, e andarão dois a dois com as espingardas sempre na mão e prontas por causa das onças, passando a noite em quartos e cuidadosa vigia com fogo ao pé. (...) Em todo este caminho é conveniente não penetrar o mato mais do que para apanhar caça” (apud CÉSAR, 1981: 57. Grifos meus.). Além dos cuidados e informações necessárias à subsistência indicadas pelo autor, em todo o roteiro se percebe a preocupação deste em descrever, mesmo que de forma sucinta, alguns referenciais geográficos de suma importância aos futuros viajantes. Além destes, Domingos da Filgueira deixou, ao longo do caminho, elementos que indicavam sua passagem por aquele espaço, os quais poderiam ser utilizados como balizas de direcionamento por outros viandantes. No roteiro, estes dados foram apresentados da seguinte maneira: “De Castilhos até o Rio Grande se gastam quatro dias, e tanto que se tiverem andando três ou quatro de Castilhos, se avista um lago que vai 71 costeando a costa e vai fazer barra no Rio Grande. Chegando à dita barra rio acima, obra de meia légua por baixo da dita lagoa, faz a barra onde se vê uma cruz que tem a era do tempo em que nós passamos e abaixo tem o ponto onde nós fizemos boa aguada que é acima da barra do rio Grande meia légua” (apud CÉSAR, 1981: 58. Grifos meus.). As indicações em léguas das distâncias percorridas seguem acompanhadas da quantidade de dias necessários para percorrer determinado trecho, como uma forma de mostrar o nível de dificuldade encontrado. Quanto mais tempo gasto para andar por um trajeto, maiores podem ter sido as dificuldades geográficas, climáticas ou de outra natureza, encontradas para cruzá-lo. Filgueira percorreu todo o caminho em quatro meses, entretanto aponta que setenta dias são necessários para seguir de Colônia a Laguna: “Nesta viagem gastei da Colônia até Castilhos vinte e quatro dias; destes ao Rio grande dezesseis; deste ao povoado trinta, que por todos são setenta, todos de jornada. E os que faltaram para os quatro meses, que me demorei, estivemos em ranchos pelas muitas chuvas nos impedirem de seguir jornada” (apud CÉSAR, 1981: 59). Domingos da Filgueira descreveu tanto acidentes geográficos marcantes e muito visíveis na paisagem, como os Morros de Santa Marta, quanto outros muito sutis, os quais somente um caminhante bem preparado e atento toma como referência e faz destes, parte de 72 um caminho a seguir. O autor aponta que ao cruzar o rio Araranguá passando uma pequena lagoa: “... se acha rasto de gado, e povoado, que dista do último três dias de jornada andando pouco; na primeira ponta de pedra que se avistar junto da praia, a que chamam os morros de Santa Marta, se entrará para dentro, e pelo rasto do gado se vai dar ao povoado e logo se acharão cavalos e ovelhas do capitão Domingos de Brito, que é o povoador desta terra” (apud CÉSAR, 1981: 59. Grifos meus.). O fato de pegadas de gado no campo serem utilizadas como orientação, indica uma forte intimidade com o espaço. Intimidade, no sentido de percepção, neste caso visual, de todos os aspectos que possam ajudar no deslocamento como referências que balizam o caminho. E isto parece não ter faltado a Domingos da Filgueira, como transparece em seu roteiro. O Caminho da Praia, que em toponímias atuais “seguia pelo litoral cruzava o Chuí, o canal do Rio Grande, o Mampituba, entrava em Santa Catarina, passava pelo rio Araranguá, Tubarão, Itajaí até São Francisco do Sul, onde pegava o Caminho dos Ambrósios, dirigindo-se a Curitiba” (FLORES, 1998: 32), tem partes de seu trajeto representadas em alguns mapas que aponto a seguir. Na figura 1, mostro um mapa confeccionado na década de 1750. Os trabalhos que deram origem a este documento, foram efetivados durante a expedição demarcadora de limites entre as duas Coroas Ibéricas, em que Alexandre de Gusmão atuou como Secretário de Estado junto aos interesses da Coroa Portuguesa. Foram nomeadas duas comissões mistas, com membros de ambas as 73 Coroas, para realizar os trabalhos na região sul e na região norte (GUERREIRO, 1999). Para comissão que demarcou a região sul, as atividades iniciaram em 1752, os interesses lusos estavam representados sob a chefia do Governador e Capitão Geral Gomes Freire de Andrade e posteriormente de José Custódio de Sá e Faria, enquanto a comitiva correspondente aos interesses de Espanha esteve coordenada por Gaspar Tello e Espinosa (Marquês de Valdelirios). No entanto, os trabalhos foram interrompidos em 1753, em função da Guerra Guaranítica58, e retomados em 1758. Em julho de 1759, estava finalizada a primeira parte desta tarefa, ou seja, até a foz do Ibicuí (que deságua no Uruguai). Logo em seguida foi dado início a segunda jornada, finalizada em novembro de 1759 acima de Salto Grande, no Paraná (GUERREIRO, 1999). O resultado de todos estes anos de trabalho foi o “Mappa do Continente da Colônia do Sacramento, Rio Grande de S. Pedro the a Ilha de S. Catharina com a linha divizoria da arraya ajustadora do tratado de Limittes celebrado entre as Coroas de Portugual e Castela em o anno de MDCCL” (GUERREIRO, 1999: 27). Que apresenta a linha demarcatória de limites (em vermelho), entretanto, destaca-se o caminho percorrido pela expedição (em preto). A comissão demarcadora aponta apenas uma parte do Caminho da Praia, desde Sto. Domingos Suriano (próximo à confluência dos Rios Negro e Uruguai) até as proximidades da Barra do Rio Grande, onde a expedição seguiu para a região das missões. 58 Sobre a Guerra Guaranítica e a expedição da Comissão Demarcadora ver também GOLIN, 1997; 2004. 74 Figura 1 75 O mapa apresenta também a localidade de Viamão, Aldeia dos Anjos e Triunfo, sem que o registro ou Guarda Velha de Viamão esteja representado. Igualmente, a região da Vacaria ou Campos de Cima da Serra não foi apontada no mapa. Nota-se ainda, que o Rio das Antas, o Rio Pelotas e seus principais tributários não estão representados. Estas ausências mostram a função deste mapa e a preocupação de seus executores, ou seja, detalhar as áreas por onde seguia a linha do tratado de limites. No entanto, o caminho apresentado entre Colônia do Sacramento e a Barra do Rio Grande transcorre por uma área rica em detalhes como: localidades, hidrografia e relevo. No detalhe da figura 1 apresento um fragmento deste mapa que é interessante de ser observado, uma vez que as representações cartográficas elaboradas por portugueses, em meados do século XVIII e início do XIX, raramente representam os caminhos abaixo da Barra do Rio Grande ou para além do Chuí. Esta rota foi apontada por alguns pesquisadores como natural, não configurando um caminho a ser aberto, na medida em que consideraram a faixa litorânea um espaço naturalmente trafegável. No entanto, o fato de ter andado, descrito, atribuído significados, apontado marcos e balizas, relacionando-se com o espaço percorrido, faz de Domingos da Filgueira e dos demais que por lá transitaram os criadores de um caminho, os quais fizeram desta “praia lavada”59 um caminho a seguir, uma rota traçada. A segunda figura corresponde a “Planta do Acampamento das Duas Primeiras Divizoens Espanhola e Portuguesa da Demarcação de Limites da América Meridional Junto as Margens do Arroio Chuy em Fevereiro de 1784” (GIRALDO, 1999: 69). Nota-se que os acampamentos foram estabelecidos junto ao “caminho que vem do Rio da Prata para Rio Grande”. 59 Ver também comentários de HAMEISTER, 2002: 37 apud CABRAL, 1976: 148. 76 Planta de acampamento com indicação do caminho que segue do Rio Grande a São Paulo. Figura 2 Na figura 1 pode ser identificado o local deste acampamento, junto ao “R. Chuí”, onde está indicado o caminho seguido pela expedição demarcadora. A representação deste caminho, na figura 2, a diferencia dos mapas onde as estradas são apresentadas como linhas pontilhadas. Na planta do acampamento o caminho é formado por duas linhas contínuas paralelas, trata-se de uma estrada larga e plana. Dois podem ser os motivos para este tipo de representação. O primeiro em função das inúmeras carretas, desenhadas em vermelho, que por este trecho circularam. O segundo, por de se tratar de uma representação em menor escala, o que possibilitou que a largura deste caminho fosse representada. 77 Já na “Planta do Continente do Rio Grande” de Antônio Inácio Roiz de Córdoba, elaborada em 178060 (Figura 3), o autor teve como objetivo apresentar os limites do Rio Grande com as terras de Espanha e a Capitânia de São Paulo. O único caminho indicado no mapa foi o Caminho da Praia, representado por uma linha vermelha pontilhada que segue desde Castilhos Grandes até a Barra do Araranguá, trajeto não representado na figura 1, sobre o qual o autor indica inúmeras localidades. 60 GUIMARÃES & SCLIAR, S/D: anexo. 78 Figura 3 79 A partir do que até aqui foi posto, as rotas abordadas nesta análise, seguindo a proposta de Ana Cristina Sousa (1995), serão compreendidas como artefatos, ou seja, como elementos inseridos na paisagem, os quais não configuram apenas produtos da ação humana, tampouco uma simples linha de ligação entre um ponto e outro. Mas sim, como elementos que representam um espaço de movimento, criado e experimentado socialmente, como vetores de relações sociais, econômicas e culturais (JACOBUS, 2000; SOUSA, 1995). Se o fato de seguir novos rumos e abrir possíveis caminhos, teve como um dos objetivos, alcançar mais além e expandir a área de fronteira, pode-se dizer que o roteiro do caminho percorrido por Domingos da Filgueira cumpriu seu papel. Uma vez que depois deste outras incursões sucederam sobre esta rota, incluindo as de demarcação de fronteira, de abertura de outras estradas e variantes para comércio de variados tipos de gado (vacum, cavalar, muar). No entanto, pode-se dizer que este caminho não poupou os transeuntes de alguns percalços, encontrados durante a travessia dos rios Mampituba e Tramandaí, dos Taimbés e das serranias de Araranguá e Morros de Sta. Marta. Por onde: “... deviam as tropas alcançar o planalto, rumo aos campos de Curitiba e Sorocaba, por trilhos sinuosos e alcantilhados, quase impraticáveis, que dificultavam enormemente a condução das animálias” (CÉSAR, 1970:93). Buscando uma nova alternativa de trânsito, que possibilitasse um translado mais seguro e tranqüilo para tropeiros e tropas conduzidas, foi proposta a abertura do denominado Caminho dos Conventos. 80 3.2.2 – O Caminho dos Conventos Em fevereiro de 1728 o Sargento-mor da Cavalaria, Francisco de Souza e Faria, partiu da Vila de Laguna, pelo litoral, ao encontro do Rio Araranguá a fim de dar início aos trabalhos na nova rota que seria por ele traçada. O Caminho dos Conventos ou Estrada de Sousa e Faria teve como ponto inicial o Morro dos Conventos, passando pelos Campos de Cima da Serra até chegar a Curitiba. No entanto, o projeto de encontrar uma rota alternativa, que evitasse maiores desgastes aos animais e menores distâncias a serem percorridas, foi proposto antes da empreitada de Souza e Faria. Bartolomeu Pais de Abreu enviou, em 23 de maio de 1720, uma carta a El-Rei na qual, em troca de algumas mercês61, propunha-se a abrir uma nova rota. Abaixo segue transcrito um longo trecho deste documento, onde seu autor destaca as vantagens de um novo caminho: “... toda esta campanha do Rio Grande para adiante produz gados Vacuns e cavalares em muita quantidade, sem mais utilidade para a real coroa de Vossa Magestade que alguma coirama fabricada na mesma Colônia; e se não pode conseguir maiores conveniências com a saída destes por falta de caminhos de terra, que pela costa não permitem as cercanias, matas e baías do mar; e só terá lugar extração abrindo-se caminhada pelo interior de sertão (...). Esta diligência seguem-se 61 Como: “isenção de impostos, por nove anos, sobre os animais que pela estrada fizesse transitar; patente de capitão-mor do distrito do Rio Grande e de guarda-mor das minas que se viesse a descobrir” (CÉSAR, 1970: 94). 81 povoarem-se as terras e aumentarse a real fazenda no contrato dos dízimos, nos direitos dos mesmos animais extraídos; no das passagens dos rios que ficam perto sertão a dentro; descobrindo-se minas de ouro ou prata, ou pedras preciosas, que todo este vão do sertão em si oculta” (apud GOULART, 1961: 206-207. Grifos meus.). A coroa aceitou sua proposta, no entanto não foi Bartolomeu Pais de Abreu quem concretizou a abertura deste novo caminho, pois pouco tempo depois de solicitar mercês mudou-se para Cuiabá (GOULART, 1961: 209). Mas, na opinião do Conselho Ultramarino, a abertura desta rota permanecia como um negócio interessante e é nesse contexto que o nome de Francisco Souza e Faria foi sugerido (HAMEISTER, 2002: 104). O então Governador de São Paulo, Antônio Caldeira da Silva Pimentel, ciente da importância de abrir esta rota, solicitou os serviços de Souza e Faria destacando que este tinha “... inteligência pela experiência que tem daquelas Campanhas até a Colônia, conhecimento e amizade com os índios comerciado com (como quem fazem tem algumas pessoas e ainda Castelhanos que com eles conduzem gados e cavalgaduras a Vila de Laguna) de onde por não haver caminho se não transporta mais partes desta Capitania onde se faz necessário: hei por bem ordenar como por esta Ordeno ao dito Francisco 82 Souza Faria possa abrir o caminho pela paragem que achar mais conveniente, possível e fácil para por ele se poder conduzir gados e cavalgaduras para os Campos Gerais de Curitiba” (apud GOULART, 1961: 210. Grifos meus.). No “Registro do Regimento que leva para o Rio Grande o Sargento-Mor Francisco de Souza Faria para a abertura do caminho que vai fazer” (apud GOULART, 1961: 210-213)62, constam algumas ordens e prerrogativas que recebeu Souza e Faria. Dentre elas o direito de requerer ferramentas, mantimentos, armamentos, gados e recrutar gente nas Vilas por onde passasse, para acompanhá-lo (GOULART, 1961; HAMEISTER: 2002: 105)63. Ao chegar à Laguna, a fim de dar início à diligência, a tarefa de Souza e Faria tornou-se muito mais complexa do que aparentemente se apresentou. Os moradores desta vila e seu Capitão-Mor, Francisco de Brito Peixoto, mostraram certa má vontade em auxiliar Souza e Faria nos preparativos de sua investida para a abertura desta rota. O desvio do antigo caminho litorâneo para um novo, interiorano, conforme Hameister (2002: 106), excluía algumas comunidades dos lucros provenientes da intensa movimentação de semoventes. Quanto mais distantes das grandes rotas de circulação estivessem, menor o acesso aos lucros do comércio e menos valorizadas seriam as propriedades, pelas maiores distancias a serem percorridas para insatisfação de escoamento alguns, foi da produção. manifestada Esta através situação de de algumas 62 Fonte utilizada pelo autor: Documentos Interessantes, Vol. XVI, parte I, pág. 29. Hameister (2002: 104-105) aponta uma mudança significativa na origem dos investimentos utilizados para a abertura deste caminho. Se Bartolomeu Pais de Abreu teve seu requerimento aceito garantindo que realizaria a abertura com seus recursos próprios, Souza e Faria teve todos os custos pagos pela provedoria. 63 83 sabotagens e obstáculos gerados para dificultar ao máximo a diligência de Souza e Faria (HAMEISTER, 2002). Diante disso, alguns interessados na abertura desta rota partiram em socorro a diligência. “Conhecedores da força e das fraquezas dos lagunistas, estes homens, os “particulares” da Colônia do Sacramento, se uniram ao esforço de Souza e Faria” (HAMEISTER, 2002: 106). E dentre estes estava Cristóvão Pereira de Abreu, quem posteriormente melhorou o Caminho dos Conventos e criou um atalho pelos campos de Viamão. Sobre a abertura do Caminho dos Conventos, é importante destacar a existência de algumas notícias práticas que foram dadas ao Padre Diogo Soares64. Duas destas nos interessam neste momento, a primeira, de fevereiro de 1738, foi enviada ao padre matemático por Francisco de Souza e Faria65. A segunda datada de março daquele mesmo ano, foi enviada à Diogo Soares pelo piloto José Ignácio66, o qual acompanhou Souza e Faria em toda a diligência. Apesar de tratarem do mesmo percurso, cada autor 64 Sob proposta do Concelho Ultramarino, D. João V solicitou a confecção do “Novo Atlas do Brasil”, que configurou “a primeira grande medida oficial para traçar, de forma sistemática, a cartografia do território brasileiro, não apenas na região costeira, mas também do interior da Colônia” (GUERREIRO, 1999:25). Para esta tarefa, foram enviados ao Brasil, em 1730, os padres matemáticos da Companhia de Jesus, Diogo Soares e Domingos Capasi. Este último, italiano, faleceu em São Paulo no ano de 1736, no entanto Diogo Soares, português, deu continuidade ao trabalho, e faleceu em Goiás em 1748 (GERREIRO, 1999). 65 FARIA, Francisco de Souza. Do novo caminho que se descobriu das Campanhas do Rio Grande, e Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no Ano de 1727 por ordem do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel – 1ª Prática – Dada ao R.P.M. Diogo Soares, pelo Sargento-Mor da Cavalaria Francisco de Souza e Faria, primeiro descobridor, e abridor do dito caminho. Fevereiro/1738. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002. Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/souzaefaria.pdf. Acessado em 25/03/2005. 66 INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu das campanhas do rio Grande, e a Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no Ano de 1727 por ordem do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 2ª Prática- Dada ao P. M. Diogo Soares sobre a abertura do novo caminho pelo piloto José Inácio, que foi e acompanhou em todo ele ao mesmo Sargento-Mor Francisco de Souza e Faria. Março/1738. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002. Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/joseinacio.pdf. Acessado em 25/03/2005. 84 descreve o seu caminho percorrido, de forma que diferentes aspectos são destacados em cada uma das notícias. Percebe-se que Francisco Souza e Faria, aponta lugares denominados por ele, ou seja, locais que receberam denominação durante a jornada. Também descreve, embora de forma sucinta, alguns acidentes geográficos e cruzes que encontraram ou instalaram ao longo do caminho, os quais foram utilizados como referenciais para futuros deslocamentos. O piloto José Inácio, por sua vez, produziu uma notícia prática mais técnica, com importantes e mais detalhadas informações geográficas. Nas descrições de Souza e Faria transparecem o trabalho de alguém a serviço da coroa. Como primeiro descobridor do caminho, este sujeito atribuiu a esta rota sentidos que não representam apenas a presença lusa nesta região, mas sim o própria conquista de um espaço. Conforme aponta o autor ao seguir viagem depois de passar pelos campos da vacaria67 “... arrumado sempre a serra do mar, e pouco mais de 7 léguas de caminho achei uma cruz feita de pinho e este letreiro nela ‘Maries 16 de Dezembro de 1727 pipe Capitolo Marcos Omopo’. Descida a Cruz e adorada com toda a veneração, lhe mandei tirar o título, e lhe pus este outro – Viva El-Rei de Portugal D. João o 5, ano de 1729”68 (Grifo meu.). Ao (re)nomear elementos, Souza e Faria criou novos lugares e referenciais de direcionamento. Buscou no itinerário de antigos 67 Nas notícias práticas Souza e Faria descreve estes campos da seguinte forma: “Subida a serra dei logo em campos e pastos admiráveis, e neles imensidade de gado, tirado da nova Colônia e lançado naquele sítio pelos Tapes das aldeias dos P. P. Jesuítas no ano de 1712”. 68 FARIA, Francisco de Souza. Do novo caminho que se descobriu..., op cit. 85 viandantes, elementos de referência para sua localização e procurou locais já conhecidos e nomeados. Conforme ele mesmo escreveu “... passando algumas restingas de mato dei um outro campo mais alto, e alegre, de onde avistei um morro, que pelo roteiro que levava dos antigos sertanistas julguei ser o rico e sempre procurado morro do Tayó, e o mesmo pareceu ao meu Piloto”69 (Grifo meu.). Mesmo tendo existido um tempo em que, como disse o Coronel Aureliano Buendia, “o mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo”70, a humanidade sempre vivenciou espaços através da percepção dos lugares. Para Tilley (1994) o sujeito está imerso em um mundo de lugares, no qual a imaginação geográfica aponta para a compreensão e significação destes, que passam a fazer parte da experiência inseridos humana. em um Estes lugares, contexto após sócio-cultural, serem elaborados configuraram e uma espacialidade e, por conseguinte, tornam-se elementos de uma paisagem socialmente construída e experimentada. Desta vivência e experimentação da paisagem o sujeito desenvolve diferentes formas de referir-se ou ligar-se a um determinado lugar, no qual se manifestam afeições (topofilia) ou aversões (topofobia) (TILLEY, 1994: 15-16; CURTONI, 2000). Desta forma, os lugares representam muito mais do que locações, pois para cada sujeito ou grupo terá um sentido e uma razão de existência. Em sua diligência, Souza e Faria, fez desta rota um elemento de paisagem dotado de diferentes significados. Este elemento estava 69 Idem. O Coronel Buendia é um dos personagens de MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem Anos de Solidão. 2002. p. 7. 52ª edição. 70 86 permeado de novos lugares, essenciais para o direcionamento. Aponta o autor que “... seguindo rio abaixo dei com pastos admiráveis duma e outra parte do rio, pelo passar 15 vezes, lhe pus o nome de Passaquinze, e tornando a procurar o morro do Biribao, que era a nossa balisa do caminho”71. Estas balizas certamente foram utilizadas posteriormente por outros transeuntes, os quais (re)criaram lugares, geraram e perceberam uma outra paisagem, mesmo que se movimentando sobre o mesmo espaço e seguindo a mesma rota. No entanto, Souza e Faria aponta outras referências novas: “Deste sítio a que demos o nome de Cruz dos Tapes, segui viagem sempre a serra, e a pouco mais de quarto de léguas demos com um rio com mato duma e outra parte, a que chamei o Rio dos Porcos (...). Passado este Rio segui caminho 6 léguas ao nordeste, em que achei um sítio em uma lomba que chamei a Boa Vista, aqui se fez uma grande rancharia, que depois chamaram Tajucas, e destas é que Cristóvão Pereira d’Abreu, dali a dois anos, entrando comigo ao mesmo caminho, fez nele um atalho que agora tem”72. Desta forma, a atribuição de nomes dá ao lugar um significado. Como pode ser visto no trecho da notícia prática transcrito acima, os nomes e a experimentação do espaço transformam elementos naturais em algo histórico e socialmente experimentado. “De forma fundamental, nomes criam paisagens” (TILLEY, 1994: 18-19). 71 72 FARIA, Francisco de Souza. Do novo caminho que se descobriu..., op cit. Idem (Grifos meus.). 87 A notícia prática dada ao padre matemático Diogo Soares pelo piloto José Inácio, como já apontei, se diferencia daquela escrita por Souza e Faria. Como piloto da diligência sua descrição é mais técnica, preocupou-se com as indicações corretas de toponímia e localizações precisas dos acidentes geográficos, o que proporcionou outras possibilidades interpretativas. Transcrevo a seguir um trecho desta notícia prática, onde se percebe não somente a intenção do autor em apresentar as descrições e nomes de lugares a serem encontrados, mas também a preocupação, de um técnico, em indicar as distâncias e direções de acordo com os pontos cardeais: “Passando o rio das Antas nos avizinhamos mais à Serra subindo e descendo grandes morros, até darmos em um campo que chamam de retirada: terá este pouco menos de légua de comprido, e em partes meia de largo; deste campo seguimos ao Nordeste afastando-nos da Serra, e pouco mais de duas léguas nos demos no rio da vaca com 4 braças de largo, e de fundo só 2 palmos: seguimos o mesmo rio, que corre ao poente”73. Além desta minuciosa descrição, José Inácio chamou atenção para algumas advertências úteis ao direcionamento de futuros transeuntes: “... na travessia desta primeira e segunda passagem do ribeirão dos Cavalos, adonde vieram dois ribeirões que correm para a Serra, ambos de lajes, reparem que o morro que 73 INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu..., op cit (Grifos meus.). 88 deles se avista a Loesnoroeste, e tendo o tempo claro não é o Taió, mas o Berimbau (...) olhando-se de longe para ela74 parece que se divide do morro do Beribau, mas é engano, porque toda é a mesma: tem ao pé seus campestres, e capões, e para mais conhecença alguns pés de Butiás grandes”75. Estas referências apontadas pelo autor, sugerindo que o transeunte repare em determinado acidente geográfico, olhe para um determinado lado ou reconheça os butiazeiros também exigem intimidade com o espaço, como já comentei no tópico anterior, além disso, remetem ao que Tilley (1994) denomina de espaço perceptivo e espaço existencial. O primeiro diz respeito ao espaço percebido e encontrado por indivíduos em sua prática diária. Está relacionado as percepção individuais das distâncias e direções, dos objetos naturais e criações culturais. “Este espaço é sempre relativo e qualitativo, é o âmbito das intencionalidades individuais, do emocional, envolve sentimentos (lugares lembrados e lugares de importância objetiva)” (TILLEY, 1994:16). O espaço existencial, por sua vez, está relacionado com o perceptivo, mas refere-se ao espaço construído nas experiências concretas de indivíduos socializados em um grupo. “Sua significância transcende o âmbito pessoal e forma uma base para o espaço perceptivo. É um processo contínuo de produção e reprodução através dos movimentos e atividades de membros do grupo. (...) Os lugares 74 75 “Ela” fazendo referência a uma serra que denominaram “Serra do Engano”. INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu..., op cit. (Grifo meu.) 89 no espaço existencial são fontes para a construção dos significados e das intenções sociais” (TILLEY, 1994: 1617). Em várias passagens do texto de José Inácio, encontram-se indicações para que, ao seguir o caminho indicado, se olhe em determinada direção, e para caminhar até o lugar “tal” onde se avista um acidente geográfico marcante. Além destas, o autor comparou e associou formas topográficas com utensílios de seu dia a dia: “... e olhando dela para parte do Sueste do feitio de uma cela: fica a dita lomba no mato do São João”76. Estas representações de lugares e formas de movimentar o corpo no espaço são criadas através da percepção77 do caminhante sobre aquele espaço. É através das condutas e da experimentação do entorno que os sujeitos deixam transparecer suas idéias e maneiras de ver e viver a paisagem de outros grupos ou a sua. Neste sentido, como destaca Curtoni, “… es importante resaltar que la percepción no se observa por sí misma directamente, sino que lo observado son las reacciones y respuestas sensoriales originadas de ella (conductas)” (CURTONI, 2000: 117). No texto de José Inácio é clara a relação do indivíduo com a paisagem, seus escritos indicam ao leitor uma forma de agir sobre o mundo, uma resposta sensorial a experiência vivida naquele entorno por aquele sujeito. Transparece uma conduta a seguir, visando o direcionamento indicado a futuros transeuntes. Visconde de Taunay (1962), no romance Inocência, através de um personagem, também aponta as referencias e condutas de um viajante em relação ao espaço. Percebe-se que as condutas daquele 76 Idem (Grifo meu.). Percepção como forma de empregar os sentidos do corpo (visão, audição, tato) a fim de superar a distância entre o sujeito e o espaço que o circunda. Tilley aponta outra variedade de meios para superar tal distância como: “... ações corporais e movimentos, intencionalidade, emoção e consciência depositados em sistemas de crença e tomadas de decisões, lembranças e avaliação" (TILLEY, 1994: 14). 77 90 sujeito estão relacionadas às marcas da estrada78 e a elementos de destaque, ou melhor, pontos visíveis na paisagem como: árvores, capões de mato, morros altos, etc. O sertanejo, personagem de Taunay, após acordar e seguir para mais uma jornada de viagem parece não ter percebido grandes diferenças entre a paisagem que percorreu no dia anterior e a que trilhou ao despertar o novo dia, como narra o autor: “Nada lhe parece mudado no firmamento: as nuvens de si para si parecem as mesmas. Dá-lhe o sol, quando muito, os pontos cardeais, e a terra só quando particular, lhe prende algum atenção, sinal pode mais servir-lhe de marco miliário na estrada que vai trilhando. - Bom! Exclama em voz alta e alegre ao avistar agigantado algum ou uma madeiro disposição especial de terras, lá está peúva grande... Cheguei ao Barranco Alto. Até ao pouso de Jacaré há quatro léguas bem puxadas. E, olhando para o sol, conclui: - Daqui a três horas estou batendo fogo” (TAUNAY, 1962: 16-17. Grifos meus.). O texto de Taunay (1962), apesar de ser um romance, trás exemplos interessantes que auxiliam a pensar na conduta, na ação, na relação entre sujeito e paisagem e nestes espaços perceptivos e 78 Como também destaquei nos comentários que tangem o roteiro de Domingos da Filgueira, quando este sujeito fornece como referência do caminho o rasto do gado. 91 existenciais colocados por Tilley (1994). Percebe-se, no romance, que todas as condutas do personagem, assim como dos autores das notícias práticas que mencionei, dão-se como reações e respostas sensoriais, neste caso através da visão, ao que está sendo percebido ao seu redor. As percepções da visão tornam-se tão importantes, para o direcionamento daquele ser, que outros sentidos apresentamse menosprezados em detrimento desta. Como aponta Taunay em sua narrativa: “É-lhe indiferente o urro da onça. Só por demais repara nas muitas pegadas, que em todos os sentidos ficam marcadas na areia da estrada. - Que bichão! Murmura ele contemplando um ...” (TAUNAY, 1962: 17. Grifo meu.). Também se pode falar em espaços perceptivos e existenciais ao analisar as notícias práticas de Souza e Faria, uma vez que este cria e recria lugares que ao mesmo tempo tem importância objetiva e marcam simbolicamente o domínio da Coroa portuguesa sobre o espaço, como no exemplo da Cruz dos Tapes apontada anteriormente. Seu relato deixa transparecer suas intencionalidades individuais, como alguém a serviço de El-Rei. Ao passo que José Inácio demonstra suas preocupações como piloto da expedição, alguém com uma base técnica de conhecimentos geográficos. Apesar da grande experiência de José Inácio como piloto e das inúmeras qualidades e capacidades de Souza e Faria para realizarem a abertura da nova estrada, o Caminho dos Conventos não foi concluído em função da oposição demonstrada pelos moradores da Vila de Laguna, Santos e outras. Como escreveu Cristóvão Pereira de 92 Abreu, na terceira notícia prática dada ao padre matemático Diogo Soares79: “... a esta diligência foram sempre opostos vários moradores das Vilas de Santos, Parnaguá e Curitiba e da mesma sorte os da Vila de Laguna e de Sta. Catarina, estes porque vivendo retirados, ou por crimes, ou por outros iguais motivos, obediência justiça, como nem receosos abertura do régulos temor de sem algum que novo de com a caminho perderiam as suas liberdades, o fizeram impossível; a aqueles porque sendo senhores de algumas limitadas fazendas que há nos campos de Coritiba, temiam ficar com muito menos valor, e por seguirem a sua opinião publicando com arestos falsos de Paulistas antigos a serem aqueles sertões impraticáveis, querendo também persuadir-nos que sendo aquelas terras confinantes com as Aldeias dos padres castelhanos 79 ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu das campanhas do Rio Grande, e Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no ano de 1727 por ordem do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 3a Prática- Dada pelo Coronel Cristóvão Pereira de Abreu sobre o mesmo caminho ao R.P.M. Diogo Soares. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002. Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/crispereira_3.pdf. Acessado em 25/03/2005. 93 poderíamos ser invadidos pelos Genelas aldeados”80. Como apontei, Cristóvão Pereira de Abreu e outros homens da Colônia do Sacramento partiram em auxilio a diligência de Souza e Faria. Desta forma, o caminho foi finalizado e por ele começaram a passar cavalgaduras e tropas de gado vacum guiadas por castelhanos ou por tropeiros de diferentes áreas da América Portuguesa. No entanto, em 1730, Cristóvão Pereira finalizou a retificação do traçado desta rota com um atalho que partia dos campos de Viamão e seguia para Campos de Cima da Serra. Este novo trajeto ficou conhecido como Caminho das Tropas. 3.2.3 – Caminho das Tropas Esta rota também recebeu, dentre outros, os designativos de: Caminho de Cristóvão Pereira, Estrada Real, Estrada ViamãoSorocaba, Estrada do Sertão. No entanto, utilizo a nomenclatura Caminho das Tropas, por ser este o termo mais recorrente nas fontes consultadas. Partindo de Sacramento, em 1727, Cristóvão Pereira de Abreu81, também conhecido apenas como Cristóvão Pereira, chegou a São Paulo em 1730. Esta viagem, que inaugurou o caminho aberto por Souza e Faria, foi apontada por Hameister como “misto de desbravamento e comboio com finalidade de comércio de animais” (HAMEISTER, 2002: 131), pois tanto Cristóvão Pereira, quanto os demais homens que o acompanharam, levaram tropas de gado arrebanhado nas campinas do Sul a fim de comercializá-las em outras capitânias. 80 Idem (grifo meu). Sobre as relações pessoais e de negócios estabelecidas por Cristóvão Pereira de Abreu ver Hameister, 2002. A autora utiliza a biografia e o jogo de relacionamentos políticos e comerciais deste homem, como fio condutor para compreender as modificações e o estabelecimento de novas redes de poder e comércio no espaço colonial. 81 94 Entretanto, foi Cristóvão Pereira quem ficou a frente das melhorias realizadas no caminho aberto pelos primeiros descobridores, como se referira a Souza e Faria. Abriu rotas alternativas por terrenos menos acidentados e construiu pontes, segundo ele mesmo afirmou: “... concluí gastando nela [sua diligência] treze meses, e apontando em partes com o caminho ou picada dos novos descobridores: cheguei a Curitiba, deixando-o na última perfeição com estivas, canoas em rios, e mais de 300 pontes, de sorte que em menos de um mês gente escoteira a pé podia passar todo o em que gastei 13”82. Desta maneira, o caminho aberto por Cristóvão Pereira foi estabelecido como uma alternativa aos trechos mais dificultosos do Caminho de Souza e Faria. Esta rota poupava os transeuntes e os animais tropeados do desgaste provocado na subida da Serra, pelo vale do Araranguá, na região dos Morros dos Conventos. Este caminho partia de Viamão, seguia rumo ao norte até alcançar os Campos da Vacaria onde então cruzava o atual Rio Pelotas. Posteriormente, seguia em direção aos Campos de Lages e aos Campos Curitibanos e transpunha os rios Negro e Iguaçu, até os Campos Gerais de Curitiba. Sobre as necessidades deste desvio traçado nos Campos de Viamão, Cristóvão Pereira aponta que: “... mandei ver, e examinar logo o caminho dos primeiros descobridores, e vendo que a pouca mais distância tornava 82 a entrar em grandes ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu..., op cit. 95 asperezas, por se encontrar sempre a serra, e que precisamente dava uma grande volta pelo rumo que levava, determinei buscar outros entrando mais pela campanha”83. No mapa elaborado pelo Padre José Quiroga84, em 1749, intitulado “Mapa de las Missiones de la Compañía de Jesus” (FURLONG, 1936: lâmina XVI), estão representadas, na subida da serra, as tais asperezas que Cristóvão Pereira faz referência. Na figura 4 apresento um fragmento deste mapa, o qual aponta três rotas abertas pelos portugueses85. A primeira indicada como “Camino primero de los portugueses” refere-se à rota aberta a partir dos Conventos, por Souza e Faria. Inicia onde Quiroga aponta a latitude 31º, próximo a um rio, provavelmente o Araraguá, seguindo em direção a oeste, subindo a serra e cruzando o Rio Vruguaymiri que corresponde ao atual Rio Pelotas. O “Segundo camino que abriron los portugueses” parte dos Campos de Viamão, onde no mapa encontra-se a referência “Sto. Antº” e segue paralelo as ditas asperezas encontrando o primeiro caminho antes da travessia do Rio Pelotas. E por fim, a terceira variante denominada “Camino tercero que abriron los portugueses el año de 1743” segue dos campos de Viamão aos Campos de Cima da Serra, praticamente em uma linha reta de norte a sul. Ruschel (1999) sugere que a segunda e a terceira rotas representam duas variantes do caminho que ligara Santo 83 Idem (Grifo meu.). O padre José Quiroga era espanhol, da cidade de Fabal, na Galícia. Antes de entrar para a Companhia de Jesus, estudou na Escola Naval da Espanha, adquirindo experiência em navegação e cartografia. Em 1745, foi destinado a Província Jesuítica do Paraguai para integrar uma expedição de exploração pela costa do Atlântico ao sul do Rio da Prata. Também foi professor na Universidade de Córdoba e acompanhou a Comissão Demarcadora do Tratado de Madri, em 1753. Permaneceu na região platina até a expulsão dos jesuítas, em 1767. Ver: FURLONG, 1930. 85 RUSCHEL (1999) analisa este mapa e as rotas nele representadas com o apoio de alguns roteiros e de um mapa elaborado pelo Padre Diogo Soares. 84 96 Antônio da Patrulha ao Rio Pelotas. Sendo o último caminho apontado pelo autor como correspondente a atual RS 110. Neste mapa, considerando que o objetivo do Padre Quiroga era representar as Missões do território espanhol, a região do planalto, correspondente a uma área ocupada por Portugal, não foi tão detalhada quanto a Banda Oriental. Além de a projeção estar fora de proporção, com representações exceção da rede do Rio Pelotas, hidrográfica. poucas Entretanto o são as mapa é interessante por apontar as duas variantes do caminho que partem dos Campos de Viamão e as difíceis asperezas a serem ultrapassadas, sobre as quais Souza e Faria traçou a rota de acesso aos Campos de Cima da Serra86. 86 No anexo 3 segue uma cópia completa do mapa de José Quiroga. 97 Detalhe do mapa de José Quiroga indicando o Caminho dos Conventos e as variantes de acesso aos Campos de Cima da Serra. Figura 4 98 Na figura 5 apresento o mapa intitulado “Demonstração do caminho que vai de Viamão the a Cidade de S. Paulo” (SANTOS, et al., 1995: contra capa)87 que, segundo Jacobus (1997), é de autoria de José Custódio de Sà e Faria, elaborado por volta de 1766. Neste, pode-se observar que o autor representa o Caminho das Tropas e ricos detalhes hidrográficos. No entanto não há muitas indicações topográficas, exceto em toponímias de lugares como: as Torres e os Morros de santa Marta. O autor representou vilas, povoados e postos de registro instalados ao longo desta rota. Na legenda do mapa encontram-se também alguns pontos recomendados à instalação de novas vilas. A letra “D”, localizada entre o Rio das Antas e o Rio pelotas indica um destes pontos, justamente nas proximidades de onde foi estabelecida cidade de Bom Jesus. Estes locais indicados para futuras instalações correspondem ao planejamento de estratégias materiais que concretizariam a intenção de ocupação da área. O mapa apresenta a projeção de um espaço pensado, de uma espacialidade idealizada que indicava seus primeiros traços. Além do caminho que segue de Viamão para São Paulo, nota-se logo acima do Rio das Antas, próximo á referência “D”, a indicação de uma outra rota: “Caminho para as Missões do Uruguai”. Como já apontei, os índios Guaranis e os Missionários da Companhia de Jesus introduziram na região dos Campos de Cima da Serra, algumas cabeças de gado vacum das quais se originou a Vacaria de los Pinãres. Este caminho pode representar alguns dos tantos trajetos percorridos pelos indígenas em função da busca e do trato do gado da Vacaria. 87 Esta representação também pode ser encontrada em Jacobus, 1997: 134. 99 Mapa com o caminho aberto por Cristóvão Pereira de Abreu e possíveis lugares para fundação de vilas. Figura 5 100 Cristóvão Pereira faz referências aos perigos de encontrar índios nos Campos de Vacaria e aponta o uso da força bélica como uma solução para suplantar possíveis conflitos: “Porque o afetado temor, que nos querem introduzir os apaixonados de sermos invadidos pelos Tapes, se não pode recear em nenhum tempo, assim garganta por pela onde estreita sabemos entrarão naquelas terras, com 50 armas se lhe pode cortar o passo: como por ser aquela nação tão traidora, como cobarde, incapaz de por si só combaterem com outra alguma, como há poucos anos se viu nas diferenças que tiveram com os Paragaes que bastaram só 500 destes para passar à espada 4000 para mais Tapes” 88 . No trecho transcrito acima, percebe-se que o autor não acredita que as investidas indígenas significavam algum empecilho ao trânsito pelo caminho por ele aberto, tampouco aos planos de maiores arrecadações e povoamento que estavam sendo implantados pela Coroa. Como atesta Cristóvão Pereira: “... parece indigno de vir à imaginação, que por temor de semelhante gente haja Sua Majestade se deixar usurpar os seus domínios, e perder as grandes inconveniências, que pelo dito caminho 88 ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu..., op cit (Grifo meu.). 101 podem resultar à Sua Real Fazenda e vassalos”89. Além de apontar os possíveis lucros para os vassalos e a Real Fazenda, também destacou os mais de 10 mil cruzados que esta última lucrou com os animais por ele conduzidos na primeira viagem por este caminho. Ganhos que cresceram consideravelmente com o povoamento e o conseqüente aumento de cobranças de taxas. No entanto, este caminho foi sendo paulatinamente abandonado conforme era intensificado o comércio e o transporte de animais na região missioneira. Nicolau Dreys (1961) descreve como encontrou o Caminho das Tropas, nos Campos de Viamão, em 1820, destaca o abandono desta rota e a utilização de uma nova via de acesso para as Missões: “... em outro tempo, principiava ali um caminho aberto pelo qual se penetrava até os campos de cima da serra, e que eram freqüentados pelos mercadores de animais que desciam da serra e voltavam com as tropas pelo mesmo caminho; porém, logo que as estâncias, compreendidas entre a serra e a Lagoa dos Patos, se acharam exauridas, e que o comércio se encaminhou para as estâncias de O., os negociantes mudaram de estrada, procurando encurtá-la por uma linha oblíqua que vai agora terminar-se na Bôca do Monte, ou Santa Maria; todavia o caminho ainda existe; por êle se pode subir a serra, mas não passa já de uma picada, ou pelo 89 Idem. 102 menos assim o achamos em 1820” (DREYS, 1961: 91. Grifo meu.). A estas rotas atribui-se funções históricas que transcendem o simples transporte de gado. Com o passar dos tempos e as crescentes atividades dos tropeiros, estas antigas estradas foram essenciais para a colonização das regiões por onde seguiu o trafego tropeirístico. Colonização esta que, para a Coroa portuguesa, foi sinônimo de posse do território (SANTOS & SILVA, 2003). Esta ocupação foi intensificada por volta da terceira década do século XVIII, quando a Coroa lusitana distribui terras (sesmarias e datas) principalmente as militares por serviços prestados (PESAVENTO, 1994). Por isso, a exploração dos rebanhos das vacarias (del Mar e de los Piñares) não pode ser compreendida somente por reflexões fechadas em análises de cunho econômico/comercial. Não afirmo que estas abordagens não sejam importantes, acredito que são indispensáveis. Mas, não se justifica pensar este complexo contexto e processo histórico sem considerar outros aspectos, uma vez que as atividades de prea e transporte do gado possibilitaram a dinamização de um fluxo sócio-cultural bastante intenso. O qual fomentou a constante transformação de um espaço por onde trafegavam não só o gado, mas também sujeitos que carregavam suas idéias, sua cultura, seu trabalho, seu cotidiano e sua espacialidade, contribuindo assim para a construção do que chamamos de tropeirismo. Além disso, a atividade tropeirística não aproximou somente o Rio Grande às demais áreas da América Portuguesa, mas também os vínculos com a colônia espanhola foram enriquecidos. Sobre este vínculo Nietto chama atenção, dos demais pesquisadores, ao comentar o tropeirismo na República Oriental do Uruguai: “… aquí, hasta ahora, todos miramos a las mulas y miramos lo que se llevaba para Sorocaba. Pero no contamos que 103 los troperos que ibam para mi país, no iban con las manos vacías. Iban con mulas, sí, pero las mulas iban cargadas de contrabando (...). Entonces, tengamos cuidado que el camino de los troperos no es en un solo sentido. Es un trillo o camino que debemos saber se fija en un sentido de ida y vuelta” (NIETTO, 2000: 89). Mesmo que se analise um só movimento, em direção às feiras de gado de Sorocaba, é interessante compreender um espaço platino integrado. Considerando que grande parte do gado arrebanhado nas vacarias provinha de uma região que, ao menos teoricamente até 175090, pertenceu a Corroa Espanhola. Além disso, podem ser mencionadas algumas regiões que foram consideradas “pólos” de fornecimento de muar durante os séculos XVII e XVIII, como Entre Rios, Santa Fé e Corrientes. Assim, é preciso recolocar o tropeirimo em sua dimensão espacial pretérita, num momento em que a região platina vivenciava um período de fronteiras móveis e as relações econômicas do Brasil meridional não se limitavam ao eixo minerador de Minas Gerais, Goiás e Matogrosso. 90 Em 1750 foi firmado o Tratado de Madrid, que previa a permuta de territórios entre as coroas ibéricas. Nele, estava prevista a entrega da Colônia de Sacramento, pertencente a Portugal, em troca das reduções jesuíticas da Banda Oriental do Rio Uruguai. Este tratado, embora anulado em 1761, trouxe várias conseqüências para as relações entre o Brasil meridional e as possessões espanholas no Rio da Prata. 104 105 “A imobilidade me faz pensar em grandes espaços onde acontecem movimentos que não tem fim”. Joan Miró 4 – Estratégias materiais: uso e domínio do espaço A abertura de estradas na região sul, durante o século XVIII, teve grandes repercussões no contexto econômico colonial. No entanto, estas rotas não bastaram por si mesmas, foram necessárias algumas estruturas de apoio como pousos, vendas, currais, corredores e, para benefício dos cofres da administração colonial, os Registros. Nestas estruturas, oferecidas por terceiros, ou elaboradas pelos próprios tropeiros, como os pousos ao relento, se constituíram diversificadas formas de convívio entre os transeuntes e destes com a população fixada ao longo das rotas. Laura de Mello e Souza aponta uma dúbia relação entre os ocupantes destas estruturas e os caminhos. Para estes a estrada representava uma fonte de renda ao mesmo tempo em que os expunha aos outros, ou seja, os tornava vulneráveis a constante presença de estranhos e desconhecidos (SOUZA, 1995: 72). Neste sentido as porções de terras concedidas ao longo destas rotas, cumpriam um duplo papel: garantiam a ocupação do território e mantinham a estrutura básica para abastecimento dos transeuntes, através da qual se dava a estruturação de laços comerciais entre vendeiros, fazendeiros, tropeiros e viajantes em geral, “visando tornar viável o fluxo comercial” (SOUSA, 1995: 71). Tanto a concessão de terras, quanto a abertura das estradas e as estruturas 106 de apoio, configuram estratégias materiais de organização, uso e domínio do espaço que estava sendo ocupado. 4.1 - O Pouso Num espaço cedido numa fazenda, ao relento ou em meio a um capão de mato; num galpão; ou num rancho sem paredes coberto de palhas, os pousos apresentaram como função primordial o abrigo para descanso depois de uma jornada de tropeada. Local onde os tropeiros descarregavam os animais, acendiam uma fogueira, preparavam uma refeição e improvisavam um aconchego para dormir. Mesmo em propriedades particulares, por vezes, estes espaços foram oferecidos gratuitamente. Esta foi uma estratégia adotada por fazendeiros ou donos de vendas, que faziam do pouso “elementos de atração numa estrutura de comércio local” (SOUSA, 1995: 75). Richard Burton (1941)91 apresentou o pouso, o rancho, as vendas e as hospedarias como elementos de uma linha evolutiva, onde os últimos foram representados como mais modernos que os primeiros. Para este autor o pouso é o ponto inicial desta progressão, descrito como “... mero terreno para acampar, em que o proprietário consente que os tropeiros dem água aos seus burros ou os amarre aos mourões. No primeiro quarto do corrente século os viajantes eram freqüentemente condenados a passar noites “à la belle ètoile” nestes germens de acomodações que se tornaram hoje aldeias e vilas 91 Richard Burton, explorador e diplomata britânico, esteve no Brasil entre 1765 e 1768, exercendo o cargo de Cônsul em Santos. Viajou pelo Rio de janeiro e Província de Minas Gerais, realizando expedições pelo Rio São Francisco, permanecendo ainda uma temporada na Guerra do Paraguai. 107 populosas” (BURTON, 1941: 177. Grifo do autor.). A Segunda fase, estabelecida por Burton (1941) é o rancho, o qual associa ao: “... Bungalow de Viajantes”, faltando porém, leito, cadeira, mesa, e ainda os bandidos salteadores. essencialmente num Consiste longo telheiro coberto tendo à frente, às vezes, uma varanda de postes de madeira ou pilastras de tijolo; outras vezes tem as paredes exteriores e ainda compartimentos internos de adobe de taipa92, ou barro e trançado de galhos” (BURTON, 1941: 177. Grifo do autor.). Independentemente da estrutura existente, se ao relento, em ranchos, em espaços alugados ou emprestados em fazendas, considero que os locais escolhidos para pernoite ou descanso configuram um pouso. Um lugar onde os tropeiros “... descarregam; os animais vagueiam livremente pelo pasto, enquanto os patrões fazem uma fogueira, penduram a chaleira, à maneira cigana, em um tripé de madeira e estendem no chão como camas, o couro que protege as cargas, improvisam um dormitório com divisões paralelas feitas com 92 Nota do autor: “o “pisé” da Bretanha e o “puddle” da Inglaterra que se encontra do Devonshire Via Dahome e Sindh, etc, até a Austrália. O modo de faze-lo é quase o mesmo em toda a parte. Não descreverei pois o processo. Quando o Barro é grosso e contém pequenos fragmentos de quartzo forma uma boa parede. É preciso sempre, porém, para que seja, como se diz, bem coberto e pisado, ser munido de grandes gateiras para protege-lo da chuva, e de uma fundação de pedra ou tijolo para evitar que a umidade do solo destrua a base da parede” (BURTON, 1941:177, nt 08). 108 cestos bem tecidos93 e albardas” (BURTON, 1941: 177-178. Grifo meu.). Ao mesmo tempo em que representou um lugar para descanso, o pouso configurou um momento. Instante de convívio entre os tropeiros com refeições comuns, roda de conversas animadas ao som de uma viola e jogos de carta. Era no pouso que o tropeiro improvisava um espaço e um momento onde buscava aspectos do ambiente doméstico, como o dormitório improvisado citado por Richard Burton. No entanto, o aumento do fluxo nestes caminhos não esteve proporcionalmente relacionado à instalação de novos pousos. Por esta razão, locais que ofereciam infra-estrutura básica, para descanso e alimentação de animais e tropeiros, eram ocupados concomitantemente por mais de uma tropa, onde eram vivenciados momentos lúdicos e de relações sociais. Saint-Hilaire descreve a ocupação simultânea de um pouso por diferentes tropas: “... o mais jovem da tropa vai buscar água e lenha, ascende o fogo, arma em redor três bastões que se unem superiormente, amarra-os, e suspende um caldeirão na tripeça, onde põe a cozinhar o feijão preto destinado ao almoço do dia seguinte. Os tropeiros das diversas caravanas se aproximam uns dos outros, põem-se a conversar, relatar suas amorosas, e, viagens às e vezes, aventuras um deles 93 Nota do autor: “O Jacá é feito de casca de bambú cortado e comprimido. É um paralelogramo achatado contendo sacas de café ou sal, ajustando-se à cangalha. A bruaca é couro de boi amaciado dentro d’água , ajustado e cosido dentro de uma caixa rude com tampa, e deixado a secar, tornando-se duro como pau. A palavra é escrita por antigos escritores Boroacas, pelos modernos Bruacas e Broacas. O Principe Max (II, 365) prefere “boroacas, sacos de couro de boi endurecido” (BRUTON, 1941: 178, nt. 09). 109 encanta o trabalho dos vizinhos tocando guitarra e cantando algumas dessas arias brasileiras que têm tanta graça e doçura” (SAINT-HILAIRE, 1941: 70-71). Diante o intenso convívio em grupo, onde o espaço privado era praticamente inexistente, estes viandantes criaram espaços íntimos– particulares. “Tendo por leito os arreios dos cavalos envoltos em pelegos, por travesseiros os lombilhos, por cobertores os ponchos” (SOUZA, 1995: 60), elaboraram instantes e espaços individuais nos quais presenteavam o corpo com algumas horas de sono. No sul da América Portuguesa os tropeiros pernoitavam, quase sempre ao relento. Souza mostrou que estes homens, apesar de estarem sempre distantes de seus lares, não deixavam de levar consigo as preocupações deste ambiente privado. “As tropas de muares e cavalares que vinham do Sul dormiam muitas vezes ao relento, batendo estacas à beira de algum córrego a fim de, nelas, amarrar os animais (...). Levando cozinheiro, que preparava carne-seca com feijão, os camaradas se juntavam à noite para fumar, conversar e arriscar alguma cantoria, havendo os que, cheios de cuidado, escreviam bilhetes para casa, às vezes para descompor um filho rebelde” (SOUZA, 1995: 63). 110 Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX. Figura 6 Poucos pousos existiram entre o Rio Pelotas e o Rio das Antas, região de interesse direto desta pesquisa. No entanto, pode–se dizer que esta carência se estende a área compreendida entre o Rio dos Sinos e o Rio Pelotas. A falta de acomodações aos tropeiros foi comentada por Jacobus (1997: 126-129, 2000: 72-75), que comparou três roteiros e um mapa, de diferentes períodos. O primeiro conhecido como “Roteiro de 1745”94; o segundo é o “Itinerário da Cidade de São Paulo para o Continente de Viamão feito por um prático”, datado de 1773 (AESP, 1901: 56-60 apud JACOBUS, 1997, 2000); a terceira fonte acompanha um ofício datado de 21/10/1775 e é intitulada “Transito por onde hão de marchar as companhias da cavallaria de Voluntários Reaes de S. Paulo para o exercito do Rio Grande do Sul” (AESP, 1903: 38-42 apud JACOBUS, Partes deste roteiro foram publicadas e comentadas por: RUSCHEL, 1995, 1999; BARROSO, 1995. 94 111 1997, 2000). E, por último o autor agrega a sua análise um mapa provavelmente elaborado em 176695. Com base nestas quatro fontes Jacobus criou um quadro onde mostra que entre 1745 e 1775 houve um aumento significativo de pousos. No entanto, entre o Rio das Antas e o Rio Pelotas o mesmo não ocorreu. No primeiro roteiro todos os pousos são indicados em campo aberto, exceto no denominado Rancho do Matemático, que pela nomenclatura pode indicar a existência de tal estrutura. No itinerário de 1773 há referência a fazendas de gado nos Campos da Vacaria, antes do Rio das Antas em direção ao Rio Pelotas, onde os pousos foram apontados como “incertos”, ou sem muitos comentários agregados, como na indicação da Fazenda do Menino Diabo, entre o Rio Camisas e o Tainhas, apontada como: “algum pouso” (JACOBUS, 1997: 129). Na região dos Campos de Cima da Serra o pouso foi estabelecido por longo tempo ao relento. Esta área esteve desprovida de estruturas mais elaboradas e o tropeiro contava apenas com a hospedagem inserta em algumas fazendas de gado. No entanto, após a instalação do Registro de Santa Vitória, na confluência do Rio dos Touros com o Rio Pelotas, em 1772, provavelmente um rancho tenha sido instalado. Este posto de arrecadação tributária sofreu uma reforma por volta de 1833. No orçamento feito para a obra foi mencionada a construção de uma estrutura para pouso dos tropeiros, visando o menor gasto possível. Miguel Gonçalvez dos Santos, responsável por tal reforma apontou que “... pode-se economizar alguma coisa nos gêneros telha e tijolo, porque feito que seja o rancho para os tropeiros que deve supor seja coberto de capins sobre esteios...” (AHRGS, FOP, 01, 1833). 95 Cópia apresentada na figura 5. 112 Pouso de Tropas. Goulart, 1961. Figura 7 Pouso de tropas. Goulart, 1961. Figura 7 Pouso de Tropas. Rugendas, séc. XIX Figura 8 Pouso de tropas. Rugendas, séc. XIX. Figura 8 113 4.2 – A Venda A venda pode ser caracterizada como espaço de comércio, onde “a atribuição de domínio público mostra-se evidente” (SOUSA, 1995: 80). Mas, também representou um espaço de convívio e confraternização entre aqueles que bebiam, jogavam e conversavam em seu interior. Por outro lado, em meio a estes momentos de integração entre representantes de diferentes segmentos da sociedade que freqüentavam a venda, esta estrutura abrigou um espaço de privacidade localizado atrás do balcão. Era um ambiente de acesso restrito, ligado à residência da família do vendeiro, a partir do qual ele exercia, além de suas atividades comerciais, o controle sobre o acesso ao espaço privado. Para Sousa “... o balcão atua como uma barreira física entre os domínios público e “privado”, a partir de onde o vendeiro, apesar de estar sob o olhar dos demais, já atua com um sentido de privacidade, não permitindo o acesso de estranhos, mesmo porque, em muitas situações, esta parte da venda se comunica diretamente com sua residência” (SOUSA, 1995: 80). Burton comenta estes diferentes ambientes e alguns gestos de formalidade entre vendeiro e freguês descrevendo que a venda “... às vezes é dividida em duas seções, uma para os secos e outra para os molhados. Um balcão sobre o qual pende uma balança rude divide-a no comprimento. Entre este e a porta estão tamboretes caixotes ou tinas invertidas. O freguês tira o chapéu 114 para o proprietário e é então convidado a se sentar. A parte por de traz do balcão é um lugar sagrado que conduz ao gineceu” (BURTON, 1941:178. Grifos meus.). O espaço atrás do balcão configurava um ambiente de diferente significado, porém complementar ao espaço público. Era um espaço feminino, puramente doméstico, familiar, no qual poucos entravam sem ser convidado. A venda, para Burton, depois do rancho, é a terceira fase evolutiva das estruturas para apoio aos tropeiros e viajantes. Em seus apontamentos, sempre comparativos, o autor a apresenta como: “... a pulperia das colônias hispanoamericanas, o empório da aldeia inglesa combinado com a mercearia e a hospedaria. Vende tudo, desde cabeças de alho, prateleiras doces de e velas madeira (...). rude As estão carregadas de canecas, vasilhas, e outras louças, e, dois lados, de garrafas cheias e vazias, de pé ou deitadas. Pelo chão estão caixas de sal, barriletes de açúcar grosso e feijão, uma caixa ou duas de milho, mantas de toucinho, a popular carne seca, uma corda de fumo preto enrolada num pau e latas e garrafões do parati local. A mercadoria consiste em chapéus de chuva, ferraduras, chapéus, cinturões, garruchas, espingardas, munições e armarinho; realmente tudo que pode 115 ser necessário aos homens e mulheres do campo” (BURTON, 1941: 178-179. Grifos do autor.). Estrategicamente, estas sortidas casas de comércio eram instaladas junto aos locais destinados ao descanso dos tropeiros e viajantes, em pontos de passagem de rios, ou junto aos postos de pedágios. A instalação de lojas já estava prevista nos contratos arrematados da Coroa por particulares. Nos contratos de arrematação dos Registros há uma cláusula que previa a instalação de lojas, a qual Osório (2001: 123) aponta como uma outra “forma de maximização dos lucros utilizada pelos contratadores”. No contrato de passagens de animais pelos Registros de Viamão e Santa Vitória, para o período entre 1773 e 1775, arrematado por Bernardo Gomes Costa e seus sócios, Anacleto Elias da Fonseca e Miguel de Alvarenga Braga, todos homens da praça do Rio de Janeiro, na cláusula 10 consta a referência a instalação de vendas: “... em cujos registros poderão ele contratador e seus sócios e administradores ter lojas de fazenda para servirem as tropas e peões por ser assim preciso para a cultura deste comércio e conservação deste contrato tudo na forma com que se estabeleceu na primeira rematação a na que se fez nesta junta no ano de 1771” (AHRGS, CF 1244, folha 58v. Documento 01/Anexo 1). Entretanto, as referências ao estabelecimento de casas de comércio junto aos postos de pedágio foram localizadas somente nos sucessivos contratos arrematados. Não se encontrou qualquer indicativo de que vendas tenham realmente sido instaladas junto aos 116 Registros de Viamão ou de Santa Vitória. O que indica a comercialização de secos e molhados nas fazendas que ofereciam algum pouso. Especificamente na área correspondente ao atual município de Bom Jesus, entre o Rio das Antas e o Rio Pelotas, não foram encontradas referências sobre este tipo de estabelecimento, exceto a que indica, sem maiores detalhes, “4 vendas de molhados” no distrito de Nossa Senhora da Oliveira da Vacaria, em 1830 (VELHO, AHRGS, FOP, 01, 1830)96. Entretanto, se obteve duas informações orais que indicam a existência de casas de comércio de secos e molhados: nas margens do Rio das Antas, próximo ao passo do Gabriel e na propriedade da família Finger, na estrada para São José dos Ausentes. Ambas as informações remetem a assentamentos datados da primeira metade do século XX. O primeiro foi localizado em abril de 2003, quando a equipe do NUPArq/UFRGS prospectou uma área na propriedade de Adão Huff97. Este senhor levou-nos ao Passo do Gabriel onde, segundo ele, havia um galpão destinado ao pouso dos tropeiros e uma venda, que funcionaram nas primeiras décadas do século XX associados à existência de uma pequena balsa para cruzar o rio. Ainda podem ser observados os piquetes utilizados para fixar as amarrações do cabo que a prendia às margens do Rio das Antas e próximo ao passo é visível, em meio ao mato, alguns fragmentos de taipas de pedra. Prospectamos a área junto ao passo e, além dos vestígios das taipas que marcavam o caminho a ser seguido logo que o rio fosse cruzado, localizamos fragmentos da cerâmica arqueologicamente denominada Taquara98. Não foi encontrado qualquer indício das O autor desta fonte descreve o distrito de Vacaria com indicação de caça, rios e arroios. Relata a existência de 4 mendigos, a falta de charqueadas e de produção de erva-mate, os problemas relacionados ao Vigário local e as dimensões do distrito. 97 Prospecção realizada sob coordenação da arqueóloga Sílvia M. Copé, durante os trabalhos de pesquisa para sua tese de doutorado. 98 Sítio denominado “Arroio Barreiro”, GPS: 0549588/6813392. 96 117 estruturas do pouso e da venda. O que pode ser possível com a realização de algumas sondagens. Em janeiro de 2005, no trabalho de campo realizado para esta investigação, contatou-se a família Finger (Sra. Nice e Sr. Sebastião Finger), os quais são proprietários de uma pequena parte da área que formava a Sesmaria dos Ausentes (uma das primeiras porções de terras doadas na região). A casa e os currais para trato do gado foram construídos na década de 1940, pois, quando a propriedade foi comprada da família Velho, não havia nenhuma construção. Segundo dona Nice Finger, na parte da frente da residência, onde hoje existem quartos, funcionava uma bodega que vendia secos e molhados e, ao lado desta, onde atualmente existe um galpão, havia um espaço para pouso dos tropeiros. Com estas estruturas a família Finger atendia a população local no abastecimento de secos e molhados, e os tropeiros que seguiam pela rota que liga Bom Jesus a Faxinal Preto / SC e a São José dos Ausentes / RS99, os quais contrabandeavam cachaça ou transportavam gado e outros gêneros comercializáveis. O pai de dona Nice abastecia a bodega, que segundo ela “era muito sortida”, com mantimentos trazidos de Santa Catarina, em lombo de mula. A existência desta casa de comércio é uma importante referência para análises comparativas, mesmo entre períodos cronologicamente distintos. Uma vez que, nem só de gado e de relações comerciais com distantes mercados (como a feira de Sorocaba) viveram os moradores, os tropeiros, os mascates e outros tantos que circulavam por esta região. Esta venda e a rota na qual estava instalada permite que se pense em outras possibilidades de trabalho. Estas estruturas apontam um terreno fértil para pesquisas sobre redes e relações comerciais que visavam o abastecimento da 99 São José dos Ausentes até março de 1992 pertenceu ao município de Bom Jesus, quando então foi emancipado. 118 população local, a partir da circulação e comercialização dos frutos da terra. Mesmo que estas evidências remetam para contextos históricos mais recentes, pode-se apontar algumas permanências na organização dos espaços. A informação do pouso e da venda nas margens do Rio das Antas indica algumas reflexões sobre a localização estrategicamente conjunta destes dois tipos de assentamentos. Segundo Sousa (1995), as vendas estavam “freqüentemente associadas aos ranchos”, os quais “atuaram como pólos de atração e produção de relações sociais”. Desta forma, oferecendo hospedagem gratuita, consequentemente, os lucros da venda seriam incrementados. SaintHilaire comenta os lucros gerados na vendas junto aos pousos: “São os habitantes, cujas terras estão próximas à estrada, que o fazem construir. Não se paga hospedagem, mas ao pé do rancho há uma venda em que o proprietário vende o milho que serve de alimento aos animais dos itinerantes; indenizase assim amplamente da despesa que fez para levantar o rancho” (SAINT-HILAIRE, 1941: 69. Grifo do meu.). Entretanto, algumas estratégias foram desenvolvidas para aumentar o tempo de permanência do hospede no pouso, bem como os lucros advindos de seu consumo. “Os sesmeiros que tinham terras atravessadas por caminhos deveriam conservá-las; entretanto, faziam, deixando que estado lastimável e nunca ficassem o em ocasionassem verdadeiras tragédias no tempo das 119 águas (...). Para não se verem totalmente prejudicados, sem alimárias e sem cargas, (...), os tropeiros paravam nos pousos. Podiam, então, recorrer a ferradores, estrategicamente instalados junto caminhos mais também se às vendas percorridos, vendia milho dos onde para os animais” (SOUZA, 1995: 64-65). Este pequeno estratagema de donos de vendas e pousos, com a falta de manutenção das estadas, obrigava os tropeiros a hospedarem-se por mais tempo. Mesmo que o pouso fosse oferecido como um regalo, os transeuntes se viam obrigados a consumir na venda. Além da instalação conjunta de vendas e rancho para tropeiros, estas casas de comércio, por vezes, também ofereciam pouso a outros viandantes. Burton descreve que “a venda tem geralmente um quarto em que os estranhos são hospedados, com uma grande gamela100 para as abluções, um catre de madeira, uma mesa de pés compridos e um banco baixo” (BURTON, 1941: 179). A venda dos Finger também traz elementos de permanência na organização do espaço interno e externo à venda. O espaço privado, ocupado pela família estava diretamente ligado ao ambiente público da bodega. Segundo dona Nice, o que os separava era um balcão que dividia a venda ao meio. Este elemento ao mesmo tempo em que resguardava os produtos que não poderiam estar ao alcance direto de todos, geralmente aqueles de maior valor, limitava o acesso ao espaço de convívio familiar dos Finger. Era o balcão e os cuidados do 100 Nota do autor: “A gamela é um prato concavo aberto em alguma madeira macia geralmente a gameleira (Ficos doliaria), às vezes de seis ou sete pés de circunferência. V. Cap. 21 sec 2 para melhor noticia sobre este objeto popular. Nas casas, há de várias formas, redondas, quadradas e oblongas, profundas e razas. Muito me lembraram os pratos que vi em Harrar na África Oriental” (BURTON, 1941: 149. nt. 11). 120 pai de dona Nice que mantinham os olhares e os movimentos dos fregueses longe do ambiente privado. O espaço reservado ao pouso dos tropeiros, ao lado da casa, era oferecido gratuitamente, desde que consumissem produtos da venda. No entanto não havia estrutura para hospedagem, cabia aos tropeiros montar seu próprio acampamento ao relento. A permanência nas práticas de organização dos elementos no espaço interno e externo à venda, a grande variedade de gêneros comercializados e a relação desta com o espaço, ainda pode ser observada em algumas localidades do interior ou em alguns bairros periféricos de organização grandes das centros estruturas urbanos. faz das Esta vendas continuidade na estabelecimentos tradicionais de convívio e produção de relações sociais nos mais diferentes espaços urbanos e rurais. 4.3 – Os Currais Mangueiras, currais, cercados, potreiros, os designativos variam tanto quanto as técnicas construtivas e as formas destas estruturas destinadas ao trato e resguardo de animais. Em cada região encontram-se diferentes denominações, funções e matéria-prima utilizada na construção destes associados com diversos elementos. Rubens Neis indica a existência de currais junto aos postos de pedágio (Registros), onde “além dos currais para os cavalos pertencentes à guarda, havia outros para descanso dos animais em trânsito, e os havia para apreensão de animais conduzidos indevidamente” (NEIS, 1975: 72). A pesar de não indicar a matériaprima utilizada para construção destas estruturas no Registro de Viamão, o autor aponta a função: guardar os animais. Contudo, estas estruturas não eram utilizadas apenas para a proteção dos animais. Nicolau Dreys descreveu currais construídos nas planícies entre Jaguarão e Montevidéo com a finalidade de proteger os viajantes: 121 “... nesses desertos temos achado mesmo alguns currais de paus a pique, edificados de propósito pela providência pública para o viajante poder se fechar à noite, a fim de se resguardar com sua comitiva da voracidade do tigre” (DREYS, 1961:91. Grifos meus.). Os currais apontados por Dreys desempenhavam dupla funcionalidade: como local protegido para pouso e como curral para os cavalos e outros animais utilizados pelos transeuntes. Na “Planta do Acampamento das Duas Primeiras Divizoens Espanhola e Portuguesa da Demarcação de Limites da América Meridional Junto as Margens do Arroio Chuy em Fevereiro de 1784” (GIRALDO, 1999: 69)101, foi representado um “potreiro” para guardar o gado utilizado como montaria, tração das carretas e alimentação das divisões. 101 Na figura 2 apresento esta imagem na íntegra. 122 Detalhe da planta do acampamento indicando um potreiro. Figura 9 A técnica utilizada para construção deste curral consistiu na limpeza de uma clareira em meio à vegetação, junto do arroio Chuí. A representação também indica duas aberturas: uma para entrada e saída do curral e outra como acesso ao arroio, garantindo abastecimento de água para os animais. Diferente deste e dos currais de pau-a-pique apontados por Dreys, nos Campos de Cima da Serra os currais, também conhecidos como mangueiras, eram construídos em pedra. Algumas fontes indicam a abundância desta matéria prima na região. O engenheiro das Colônias Alfonse Mabilde em relatório de 1850, onde trata das obras do Registro do Pontão, apontou que “há de ser os pateos calçados de pedra, o que com facilidade pode fazerse visto as pedras serem abundantes neste lugar, e boas para este fim” (MABILDE, AHRGS, FOP 01). Anos antes, o responsável pela reforma da estrutura do Registro de Santa Vitória, Miguel Gonçalves dos Santos, indicou que “... posto que haja muita pedra, falta-lhe cal, material este que faz em Santa Vitória (...) servindo-se com tudo de pedra para os alicerces” (SANTOS, AHRGS, FOP 05, folhas 02-03). 123 A construção destas estruturas em pedra, ao mesmo tempo em que significava o aproveitamento da matéria-prima abundante na região, apontava para a atividade relacionada ao preparo dos campos, sobre os quais se encontram nódulos e blocos de basalto dispersos em superfície. As pedras recolhidas durante a limpeza eram, e ainda o são, aproveitadas na construção das taipas102 que formam as mangueiras, e cercados de todo o tipo. A técnica utilizada para construção em taipa de pedra permanece a mesma há mais de um século. O que varia de uma estrutura para outra, independente do período construtivo, é o tamanho dos blocos e das pedras de encaixe utilizadas. A base mais larga, composta por blocos maiores, e o topo mais estreito, constituído de pedras menores garantem a estabilidade. As medidas variam bastante, em média a base tem entre 1m e 1.60m de largura e o topo entre 0,70m a pouco mais de 1m, a altura mede entre 1.20m e 1.80m103. O arquiteto Nery Silva esquematizou estrutura de uma taipa. Modelo de uma taipa em pedra. In: SILVA, 2004:103. Figura 10 102 “Taipa” é como regionalmente são denominadas as construções em pedra, formadas a partir de blocos sobrepostos, com encaixe de rejunte seco. Atualmente, alguns taipeiros (aquele que constrói taipas), utilizam argamassa com cimento para rejunte das pedras. 103 Estas medidas estão baseadas nos dados coletados em campo, no município de Bom Jesus, em janeiro de 2005 (SILVA, 2005. Datiloscrito). 124 Nota-se, na figura 10, que os blocos de pedra representados são arredondados e sem qualquer tipo de preparo (lascamento) anterior a sua deposição na taipa. Entretanto, nos trabalho de campo, se observou que além de bons taipeiros os construtores destes currais também eram lascadores. Na Fazenda do Cilho, em Bom Jesus, encontram-se currais em taipa construídos em dois momentos diferentes. Segundo informações dos proprietários, Jacira e Cláudio Borges, a taipa composta por blocos de basalto com poucos indícios de lascamento e encaixes aparentemente mais brutos foi construída em meados do século XIX (Ilustração 11). Enquanto outra, formada por grandes blocos encaixados com lascas ou blocos menores repletos de marcas de retiradas, foi construída no do século XX (Ilustração 12). A primeira, apesar de aparentemente mais rude e menos sólida, raramente necessita de reparos. Já os currais construídos mais recentemente, segundo Jacira Borges, até mesmo com a queda de raios distantes tem sua estrutura abalada, sendo necessários reparos constantes. Detalhe um de curral construído no século XIX. Bom Jesus,RS Figura 11 125 Detalhe de um curral construído no século XIX. Bom Jesus, RS. Bom Jesus, RS. Figura 12 Estas informações não necessariamente indicam que todos os currais construídos em taipas de pedra, com pouco material lascado, correspondem ao século XIX ou períodos mais recuados. Na figura 13 observa-se uma taipa que compõe um corredor, construído segundo informações de moradores, em meados do século XIX. Além de lascas de basalto nos encaixes, há indícios, junto à estrutura, de blocos com marcas de retirada e muitas lascas de refugo. Bloco com marcas de retiradas e lasca de encaixe. Detalhe de estrutura de um corredor. Bom Jesus, RS. Figura 13 126 Em partes desmoronadas deste mesmo corredor se observou que, apesar do material ser lascado, a estrutura montada correspondia à mesma que Nery Silva (2004:103) representou, ou seja, base larga e topo mais estreito. Enquanto na estrutura interna (figura 14) as paredes são formadas por blocos maiores e o interior por pequenos blocos, o que torna a construção mais estável. Detalhe interno de uma taipa de pedra. Bom Jesus, RS. Figura 14 Uma outra técnica e matéria-prima foram aplicadas na construção dos currais de madeira. A madeira utilizada varia dependendo da disponibilidade de matéria-prima, enquanto a estrutura pode ser composta por moirões com furos que os atravessam por diferentes alturas, dependendo dos intervalos desejados entre as varas ou tábuas colocadas nestas perfurações, as quais ligam os moirões. 127 Aquarela Hermann Rudolf Wendroth, 1852.104 Figura 15 Atualmente, quase todas as fazendas utilizam este tipo de estrutura, por demandar menores custos e menos tempo para construção. No entanto, em Bom Jesus, muitas propriedades mantêm as estruturas em taipa de pedra ou continuam construindo-as. Na Fazenda da Guarda, os proprietários conservam as antigas mangueiras construídas no século XIX, no entanto, com o passar do tempo e a necessidade de reparos, agregaram novos materiais, como a argamassa e o cimento. 104 In: FLORES, 1998: 33. 128 Curral com reparos compostos de argamassa e cimento. Bom Jesus, RS. Figura 16 Dentre as diferentes técnicas construtivas empregadas em currais, o arquiteto Neri Silva (2004) registrou a utilização de estruturas construídas a partir de valas cavadas no solo, em algumas fazendas do Planalto Médio gaúcho. Trata-se de uma espécie de trincheira, de diferentes formatos (circular, quadrada, oval, retangular, etc.), junto a qual “... existindo uma linha de pedra reta, que fazia o costado105 para que o gado pudesse ser recolhido na mangueira” (SILVA, 2004:100). Além disso, o autor aponta que as construções das mangueiras de vala remetem a um período anterior as de pedra. No entanto, deve-se ter cuidado ao atribuir cronologias evolutivas que tomam como referencia o que o pesquisador julga ser uma construção simples ou complexa. É necessário que, antes deste tipo de afirmativa, sejam verificados os materiais disponíveis na região, o Segundo o autor costado é: “ajuda no reponte do gado” (SILVA, 2004: 225), ou seja, auxilio na condução destes para dentro da mangueira. 105 129 tipo de terreno e as características culturais representadas na arquitetura local. E, a partir destas prerrogativas pode-se inferir se consiste em técnicas construtivas que remetem a períodos mais recuados, ou às escolhas dos construtores por questões culturais ou de recursos disponíveis. Esquema gráfico de um fosso para a estrutura de um curral de vala Figura 17 Os currais localizados junto às fazendas, de uma maneira geral eram utilizados para o trato e resguardo do gado, no entanto, como apontou Dreys (1961: 91) o homem também fez uso destes, como abrigo em campo aberto. Estas estruturas de materiais, formas e técnicas construtivas muito diversas são elementos constantes na paisagem rural. Construída como suporte de trabalho ao peão da fazenda e ao tropeiro que deixava o gado em descanso, era a existência desta estrutura que garantia a segurança dos animais, no momento de pouso dos condutores. Por outro lado, serviam também como forma de evitar que os animais em trânsito, levados pelos tropeiros, acabassem se misturando ao gado das fazendas particulares por onde os caminhos passavam. Nas fazendas, além de um espaço de trabalho, indicavam um local de convívio social a cada momento em 130 que os peões reuniam-se para a lida com o gado. Além disso, como ainda ocorre nos Campos de Cima da Serra, o trabalho em torno das mangueiras, principalmente em taipa de pedra, originou um tipo de mão-de-obra extremamente especializado: o taipeiro. 4.4 – Os Corredores Estas construções, comuns na região dos Campos de Cima da Serra/RS, Campos de Lages/RS e Planalto Paranaense/PR, constituíam um caminho a seguir, uma rota delimitada por duas linhas paralelas que ainda hoje marcam imponentemente a paisagem dos espaços onde foram estruturadas. Em Bom Jesus foram localizados alguns trechos destes corredores construídos em taipa de pedra com rejunte seco. Vista panorâmica de um corredor de tropas. Bom Jesus, RS. Figura 18 Durante as prospecções percebeu-se a ausência de corredores em determinados áreas. O motivo é incerto. No entanto, algumas inferências puderam ser feitas depois de tê-los percorrido: por um lado, estas estruturas foram instaladas em áreas de campo aberto, 131 para auxiliar na condução de animais em locais onde não existem barreiras naturais para evitar a dispersão do gado. Por outro, a presença de corredores, construídos provavelmente em meados do século XIX106, cruzando propriedades particulares garantia que tropas não fossem conduzidas sobre os campos e as plantações das fazendas. Ao mesmo tempo em que limitava a área de transito, sem causar prejuízos em pastagens, plantações, e não permitindo que o gado conduzido fosse misturado com o dos fazendeiros, estes corredores significaram o disciplinamento na conduta de movimentação do transeunte. Ou seja, configuraram uma estrutura de poder que representava a imposição de um caminho oficial107, no qual a não existência de aberturas laterais fazia com que, uma vez dentro do corredor, os tropeiros seguissem por este até o seu final. Além disso, estas estruturas exercem um forte condicionamento sobre o olhar do transeunte. Durante o caminhamento, inconscientemente, olha-se sempre à frente, na direção escolhida para o deslocamento. As duas linhas paralelas que limitam as laterais, por vezes, induziam também o olhar da equipe que prospectava. Além de experimentar a sensação do lugar, os objetivos da prospecção foram perceber outros aspectos não menos importantes. Buscou-se, identificar a técnica de construção, as fontes de matéria-prima e os recursos naturais utilizados para manutenção do gado e dos tropeiros. Procurou-se também compreender a inserção destes elementos na paisagem, verificando as escolhas topográficas e Não foram encontradas quaisquer referências em bibliografia, ou fontes primárias, sobre a construção destas estruturas. A indicação de que foram construídas por volta de 1850, foi apontada (em informação oral) pela historiadora Lucila Sgarbi dos Santos, moradora de Bom Jesus. Esta pesquisadora chegou a esta provável data através das histórias que ouvia de seu avô, que foi tropeiro, de seu pai e através das muitas entrevistas que realizou com moradores de diferentes faixas etárias. 107 Uma rota que, ao menos teoricamente, deveria ser seguida por todos, sem que descaminhos fossem percorridos. 106 132 o trajeto das estradas atuais, as quais, em alguns pontos, seguem sobre o leito dos antigos caminhos. A técnica construtiva empregada nestes corredores foi a mesma utilizada na estruturação das mangueiras (currais). Trata-se de uma construção em taipa de pedra com rejunte seco, de base larga medindo em média 1m de largura, e topo mais estreito, com medidas entre 0,60m e 0,70m. Enquanto a largura do corredor apresenta as maiores variações entre 13m e 46m, a altura mede entre 1m e 1,50m. O Basalto que aflora nos campos foi utilizado como matéria prima e, assim como na construção dos currais, alguns blocos necessitaram de preparo prévio. Localizou-se muitas lascas ou blocos menores, resultantes da atividade de lascamento. Além disso, dentro ou próximo aos corredores há lascas de refugo, oriundas da preparação de blocos e das lascas de encaixe que compuseram a estrutura. Um outro aspecto importante na estruturação destes corredores é a possibilidade de inclusão de elementos presentes na superfície do campo na composição da própria estrutura, como o que se pode observar no corredor localizado na atual Fazenda do Costa. Na figura 19 nota-se uma rocha localizada junto a um afloramento situado na parte interna do corredor, onde há indícios de lascamento para obtenção de matéria-prima. Percebe-se que o alinhamento longitudinal da rocha foi utilizado no traçado da taipa. 133 Afloramento aproveitado na continuidade da lateral de um corredor. Bom Jesus, RS. Figura 19 Além de um elemento natural como componente da estrutura, outros recursos utilizados foram observados durante o trabalho de campo. A região dos Campos de Cima da Serra oferece muitas alternativas topográficas para percorrer o terreno por áreas menos inclinadas. No entanto, um outro aspecto parece também ter influenciado na escolha dos locais de passagem: a disponibilidade de água. Considerando que estas estruturas não apresentam aberturas laterais os recursos hídricos eram explorados naqueles pontos onde os corredores cruzavam por áreas alagadas ou pequenos córregos. Na figura 20 verifica-se um corredor localizado na atual Fazenda Conceição. Percebe-se que, mesmo existindo outras alternativas de passagem, uma grande abertura na estrutura foi construída de forma que o corredor parece abraçar a área de terreno alagadiço. Além da disponibilidade de água, as escolhas por passagem em terrenos de média ou baixa encosta, como forma de evitar o transito 134 por grandes aclives e o desgaste físico dos animais conduzidos, também foi um dos fatores importantes para a definição das rotas. Afora este tipo de relevo, as áreas mais planas em pontos de maior altitude também foram cortadas por corredores. Corredor envolvendo uma área alagadiça. Bom Jesus, RS Figura 20 O fato de algumas das estradas hoje utilizadas seguirem por antigos caminhos não é exclusividade desta região. Conforme Nietto, no Uruguai: “... esos caminos de ganados o caminos de troperos han determinado en mi país algunas de lo que fueron posteriormente las principales rutas nacionales” (NIETTO, 2000: 89). Na figura 21 observa-se um longo trecho de corredor, dentro do qual segue uma estrada municipal de Bom Jesus. 135 Estrada atual que segue no interior de um corredor. Bom Jesus, RS. Figura 21 Localizar partes de antigos caminhos onde estes estão representados por estruturas evidentes na paisagem permite a localização precisa das antigas estradas. Porém, o mesmo não ocorre em áreas onde não há corredores estruturados. Para estas a alternativa é, através dos aspectos observados nas escolhas dos locais de passagem dos corredores ou nas estradas atuais, buscar prováveis locais de passagem. Assim, seguindo a viabilidade topográfica de passagem pelo terreno, os trajetos das rotas atuais e as fontes de abastecimento de água, pode se chegar a inferências sobre possíveis vias de trânsito. É o que propõe Vilariño (2003), em seus estudos no “caminho dos Arrieros” na Galícia. 136 Através da idéia de zona de transito, sugerida por Criado Boado (1999), Vilariño aponta que ao buscar os possíveis locais de passagem: “… podemos optar por seguir la mejor línea de tránsito posible, etendiendo a la orografia y las condiciones de drenaje del terreno. Haciéndolo así coincidido con el ocorrido original del camino. En última instancia lo que hacemos es substituir el concepto de camino como realidad reconocible a unicamente partir de las estruturas, visibles o enterradas, por la de zona de transito” (VILARIÑO, 2003: 17. Grifo meu.). Na tentativa de identificar as zonas de transito, selecionei uma área próxima ao Registro de Santa Vitória, por onde cruzaram antigos caminhos, e seguem rotas hoje utilizadas. Após a escolha do quadrante envolvente, os corredores e as estradas atuais foram georeferenciados e sobrepostos ao mapa isométrico da área. O resultado do geoprocessamento está representado na figura 22. 137 Mapa Isométrico. Adaptado de Weber, Hasenack & Ferreira, 2004. LTIG-PUCRS, 2005. Figura 22 De acordo com o que foi observado em campo, os antigos caminhos (em vermelho) seguem por áreas mais altas e planas, desviando de cursos d’água muito caudalosos. Ao cruzar estes dados com as estradas atuais (em cinza), seguindo a declividade do terreno, se observa possíveis continuidades entre as antigas rotas e estas. No entanto, a hipótese de que a construção dos corredores ocorreu somente em área de campo aberto, deve ser repensada. No centro da imagem está representado o corredor localizado na fazenda do Costa por onde, segundo Seu Gaspar, morador de Bom Jesus que tropeou até poucos anos atrás, as tropas seguiam para Coxilha Rica, na direção do Registro de Santa Vitória, ou para Vacaria, a oeste. O caminho trilhado até esta última cruzava uma área topograficamente mais plana, no entanto eram percorridos longos trechos em campo aberto, sem corredores, até a Fazenda da Ronda onde pousavam antes de continuar a viagem para Vacaria. 138 Pode-se inferir, para este quadrante envolvente, que os corredores representam uma iniciativa particular de controle e disciplinamento de passagem em propriedades privadas. Além disso, as zonas de transito foram identificadas nas áreas mais claras da imagem, ou seja, junto ou próximas às estradas atuais, seguindo por maiores altitudes e terrenos topograficamente regulares. 4.5 - Registros Estruturas instaladas em quase todas as regiões da América Portuguesa, os registros, tiveram como função a arrecadação de pedágios108 e o controle de viajantes que por eles passavam. Também conhecidos como contagem, neles eram cobrados tributos pelos animais conduzidos por tropeiros. Construídos ao longo de estradas, não foram uma novidade no século XVIII, pois: “... alguns já haviam sido estabelecidos na “saída” das minas e nos portos, para fiscalizar a cobrança do quinto e para combater o contrabando de gado que vinha da Bahia, logo nos primeiros anos da corrida do ouro” (GODOY, 2005). Saint-Hilaire relata sua passagem por alguns registros localizados em um dos caminhos de ligação entre Rio de Janeiro e Minas Gerais: “... achamo-nos à margem do Parahyba, em frente ao registro, nome que se dá aos lugares em que se pagam os direitos devidos ao Estado e se pedem os passaportes...” (SAINTE-HILAIRE, 1941:66). Neste pequeno trecho, há outro aspecto importante além da função de um registro: sua localização. “Registros dos “Meios Direitos da Casa Doada”, distribuídos ao logo da estrada do Rio Grande do Sul a São Paulo, para cobrar essa contribuição, que incidia exclusivamente sobre animais” (GODOY, 2005). 108 139 Estrategicamente, estes postos foram instalados “numa estrada regular, em um “vão de serra”, “fecho de morros” ou desfiladeiros, próximo a um curso de água, que além de assegurar o abastecimento da repartição...” (GODOY, 2005) dificultava e inibia o trânsito daqueles que não desejavam pagar os tributos à Coroa, restringindo o contrabando. No entanto, mesmo como estrutura funcional para a cobrança de tributos reais, alguns destes postos também se destinavam ao registro dos que transitavam. Como também narra Saint-Hilaire: “Chegamos a outra margem do Rio Parahyba apresentamos nossos papeis ao comandante do registro, que nos recebeu com cortesia. Confia-se, geralmente, esse posto a um tenente que tem sob suas ordens um destacamento de quatro a dez homens pertencentes à Província do Rio de Janeiro. O visto nos passaportes é a principal função do comandante do registro; mas não é em suas mãos que se deixa a importância do pedágio, e sim mais além, no registro do Parahybuna” (SAINTE- HILAIRE, 1914: 66). As tropas que saiam do sul em direção a capitania de São Paulo, ao pagarem os tributos referentes a cada animal (vacum, cavalar ou muar), no Registro de Viamão, recebiam uma guia onde constava a quantidade de animais conduzidos e valor pago. Nos demais postos de controle por onde passavam cabia ao condutor da tropa mostrar o recibo ao provedor (administrador) do registro, quem conferia se outros animais haviam sido agregados à tropa. Por vezes, na falta de moeda corrente, o tropeiro recebia o documento com a quantidade de animais transportados, os quais eram conferidos nos demais postos de passagem, e respectivas taxas eram pagas ao 140 chegarem à Sorocaba, com os rendimentos das vendas dos animais (FLORES, 1998; NEIS, 1975; AHRGS, 1977: 123-124). Por desempenhar função de controle de contrabando e da circulação de desertores e devedores era necessária a presença de militares nos registros (NEIS, 1975:72; FLORES, 1998: 62). Cabia a coroa enviar os soldados e comandantes que compunham a guarda, como se encontrava previsto, respectivamente, nas cláusulas 4 e 7 do contrato de arrematação dos registros de Santa Vitória e Viamão109. “Que por conta delle contratador serão todas as despesas feitas na arrematação deste contrato e somente por conta da Real Fazenda se pagarão os ordenados dos officiais nomeados por Sua Magestade que tiverem cartas alvaras ou provizoins suas (...) Que se lhe darão os soldados necessarios para guarda dos Registos como atualmente se esta praticando e para acompanharem ao caixa quando for estabelecer algum Registo de novo ou as cobrançaz” (AHRGS, CF 1244, folha 58r - 58v). A guarda, tinha como função vigiar e bloquear os caminhos clandestinos (GODOY, 2005), apreender animais contrabandeados e prender contrabandistas e outros que circulavam ilegalmente. Ao administrador do registro cabia garantir o desempenho deste controle, a partir do bom cumprimento de algumas instruções: “Deve ter grande cuidado não passem pelo registo nenhuma 109 animaes tanto de coalidade cavalares como Este contrato está transcrito no documento 01/ anexo1. 141 muares, e vacum sem que se apresente guias desta Provedoria da Fazenda. Deve ter cuidado não passem animaes por fora do dito registo por alguma picada que esteja feita ou novamente fação, e tendo noticia de algum extravio ou descaminho mandará seguir pelos soldados de sua guarda os que tiver noticia (...). submethellos a minha ordem presos a cadeia publica mandando animais deste fazer que continente aprehenção se forem dos achados” (AHRGS, CF 1243, folha 68r). Além da Guarda, era necessária a contratação de trabalhadores que compunham a estrutura administrativa do registro, como por exemplo, o administrador (ou provedor) e o contador (FLORES, 1998: 62; GODOY, 2005). Considerando que os direitos de cobrança nestes postos eram arrematados, cabia aos contratadores nomear toda a gama de cargos necessários para cumprir a cobrança e manter os registros em funcionamento, como foi estabelecido nos contratos de arrematação. “... poderão elle contratador e seus sócios (...) escrivains necessarioz e nomear feitores aos quais meirinhos que julgarem se passarão provimentos pella junta da Fazenda desta cidade ou pello Provedor da Fazenda do Rio Grande sendo pagos de seus ordenados a custa delle contratador e seus socios” (AHRGS, CF, 1244, folha 58r – 58v). 142 A maioria dos arrematadores dos contratos de cobranças era composta por comerciantes do Rio de Janeiro, ainda que muitos fossem nascidos em Portugal, como aponta Osório (2001: 117). São estes os “homens de grosso trato” ou “homens de grossa aventura”, como denomina Fragoso (1998), os quais expandiam e diversificavam seus negócios, nas mais diversas áreas da América Portuguesa e além mar (HAMEISTER, 2002). Os contratos arrematados, em geral por três anos, constituíram formas importantes de ligações comerciais entre o Rio Grande do Sul e a região sudeste (OSÓRIO, 1999: 2001). Além disso, “a delegação da competência fiscal a particulares (um negociante ou uma sociedade deles) oferecia vantagens à Coroa, como a execução e fiscalização da cobrança de impostos por territórios geograficamente vastos e dispersos” (OSÓRIO, 2001: 110). Além da conveniente situação gerada pela Coroa ao manter ocupadas e administradas áreas distantes do centro administrativo através da arrematação arrematadores também de contratos recebiam de algumas cobrança110, vantagens. os Estes negociantes tinham outras possibilidades de aumentar seus ganhos para além da diferença entre o valor determinado a ser pago pelo contrato à Coroa e o montante arrecadado com a cobrança dos tributos. Além de poder expandir seus negócios com a concomitante arrematação de diferentes tipos de contratos, beneficiavam-se através da cláusula dos contratos que permitia abertura de vendas e lojas, as quais potencializavam as chances de maiores lucros (OSÓRIO, 2001). A historiadora Helen Osório analisou as elites econômicas do século XVIII (homens de grosso trato) e a arrematação dos contratos reais no Rio Grande do Sul. Além dos contratos de arrematação dos Registros outros três também foram analisados pela autora: os contratos de arrecadação dos dízimos, o do quinto dos couros e gado em pé e o do munício de tropas. “Enquanto os contratos dos dízimos e dos direitos de passagem existiam em toda América portuguesa, os dois outros eram específicos do sul” (OSÓRIO, 2001: 111). 110 143 Feito estes comentários iniciais sobre função, localização e contratos de arrematação dos registros ainda restam algumas considerações a cerca da estrutura construtiva destes. Apresentarei alguns comentários e inferências a cerca de alguns Registros construídos na área correspondente ao atual Estado do Rio Grande do Sul, no século XVIII e meados do XIX. 4.5.1 – O Registro de Viamão O Registro de Viamão foi cadastrado como sítio Arqueológico111 por Eurico T. Miller em 1965, durante as atividades do PRONAPA. Naquele momento foram realizadas duas coletas da cultura material localizada em superfície e três poços de sondagem, onde foi encontrada cerâmica e material ósseo. Estas evidências materiais levaram Miller a supor que se tratava de um sítio pré-colonial com posterior ocupação colonial, no entanto, pouco depois, seguindo informações orais, constatou que o sítio cadastrado correspondia a um antigo pedágio e guarda (JACOBUS, 1997: 45-46). Três décadas depois foi posto em atividade um outro projeto cuja área abrangia o sítio RS-S-263. Em 1995 teve início o projeto PASAP, coordenado pelo arqueólogo André L. Jacobus. Neste mesmo ano, uma escavação foi realizada no Registro de Viamão com o III Sítio Escola Internacional, coordenado pelo Dr. Klaus Hilbert / PUCRS. O material proveniente destas duas intervenções arqueológicas e os dados obtidos com o desenvolvimento do PASAP foram utilizados por Jacobus para elaboração de sua dissertação de mestrado. Concluído em 1996 na PUCRS, o trabalho de Jacobus (1997) teve como objeto de estudo o sítio Registro de Viamão. Além de apresentar importantes reflexões a respeito da denominada cerâmica Monjolo, associada à tradição arqueológica Neobrasileira, este RS-S-263 (Guarda Velha2 ou Registro de Viamão). O material arqueológico proveniente deste sítio está sob guarda do MARSUL. 111 144 pesquisador despertou uma série de possibilidades de pesquisas sobre tropeirismo. Sua dissertação concretizou o único trabalho de maior fôlego realizado até então que, através de um viés arqueológico, propôs o estudo de uma estrutura relacionada ao tropeirismo no Rio Grande do Sul. Na documentação se encontra outros designativos para o posto de arrecadação estudado por Jacobus: Guarda de Viamão, Guarda Velha de Viamão, Patrulha, Registro da Patrulha, Registro da Serra e outros. No entanto, assim como aquele autor, neste trabalho uso a denominação Registro de Viamão por ser a mais recorrente. Localizado às margens do Rio dos Sinos, no atual município de Santo Antônio da Patrulha, não se tem informações muito precisas a respeito do período de sua instalação. Sabe-se, segundo Jacobus (1997), que a guarda foi instalada entre 1737 e meados de 1738 e que suas funções, como Registro, foram instauradas a partir de 1739 (JACOBUS, 1995: 123; AHRGS, 1777: 122). Quanto aos contratos, no período entre 1772 e 1808, os direitos de cobrança de pedágio neste registro foram arrematados em conjunto com o Registro de Santa Vitória. Assim, a partir daquele último ano não houve cobrança de taxas no Registro de Viamão, pois o mesmo estava sendo desativado, e os contratos seguintes continham apenas os direitos de cobrança no Registro de Santa Vitória. Os motivos de sua extinção estão relacionados ao abandono do Caminho das Tropas e ao crescente movimento em direção a região missioneira (BARROSO, 1979; DREYS, 1961: 91; JACOBUS, 1995; TRINDADE, 1992). Entretanto, foi em função da instalação da Guarda e Registro de Viamão que teve origem o povoamento da região do atual município de Santo Antônio da Patrulha (BARROSO, 1979; JACOBUS, 1997; NEIS, 1975). Sobre as estruturas construtivas que compõe os registros, algumas fontes apontam como sendo formados pelos prédios do registro, onde ocorria a arrecadação (casa do registro); a residência 145 do comandante e o quartel dos soldados. Além destes, indicam também a existência de um racho para tropeiros e de um complexo de currais para abrigar os animais da guarda, para acomodar os animais que seriam contabilizados e para a apreensão daqueles que estavam sendo indevidamente conduzidos (GODOY, 2005; JACOBUS, 1997: 31; NEIS, 1975: 72). Este modelo de organização e estruturação do espaço de funcionamento de um registro, apontado por alguns autores, parece corresponder, dentre os registros aqui comentados, somente ao Registro de Viamão. A existência de espaços distintos para registro e para a guarda não corresponde a alguns casos particulares. Outras diferenças entre estes postos estão relacionadas à matéria-prima e a técnica construtiva empregadas. Com base na pesquisa das fontes escritas e no material construtivo encontrado durante as escavações, Jacobus aponta que as construções que faziam parte do registro foram estruturadas a partir da técnica de pau-a-pique: “tanto as massas de barro queimadas como estes cilindros, associados às perfurações evidenciadas, certamente fazem parte de estruturas habitacionais de pau-a-pique” (JACOBUS, 1997: 58). 4.5.2 – O Registro de Santa Vitória Pesquisas arqueológicas envolvendo o sítio Registro de Santa Vitória (RS-PQ-18) iniciaram em 1998 no projeto “Povoamento dos Campos de Cima da Serra, Bom Jesus/São José dos Ausentes/RS”, sob coordenação das arqueólogas Sílvia M. Copé e Liséte D. de Oliveira (COPÉ & OLIVEIRA, 1998). Entretanto, desde 2003 desenvolvo o projeto denominado “Espaço, Sociedade e Cotidiano: uma aproximação ao tropeirismo através da Arqueologia, Bom Jesus/RS” (SILVA, 2004) no qual retomei, com licença do IPHAN e apoio institucional do NUPArq/UFRGS, o levantamento dos sítios arqueológicos relacionados a atividade tropeirística em Bom Jesus. Do 146 desenvolvimento deste trabalho surgiu o sub-projeto “Para uma interpretação da paisagem arqueológica do tropeirismo em Bom Jesus/RS”, que dá origem a esta dissertação de mestrado. Além dos dados obtidos nesta pesquisa pude contar com o material produzido, em 2004, pela equipe do NUPArq/UFRGS, a cerca do levantamento arqueológico realizado na área a ser construída a Usina Hidroelétrica Pai Querê (COPÉ, 2004). Tal obra, se concretizada, impactará a área onde se encontra a ruína do Registro de Santa Vitória, na confluência do Rio dos Touros e do Rio Pelotas. De acordo com as fontes analisadas Santa Vitória foi construído em 1772, pois deste mesmo ano data o registro de uma portaria que trata do envio de um oficial e um picador ao novo registro (AHRGS, CF 1244, folha 21v, Registro Geral da Fazenda 1771-1780)112. Outra fonte aponta a solicitação de pagamento a um grupo composto por carpinteiros e outros trabalhadores empregados na construção dos quartéis e demais necessidades no Registro de Santa Vitória em Cima da Serra, em junho de 1772 (AHRGS, CF 1244, folhas 26v-27v, Registro Geral da Fazenda 1771-1780)113. Entretanto, somente em dezembro deste mesmo ano foi arrematado o primeiro contrato para cobrança de passagem no Registro de Santa Vitória. Nesta ocasião foi concedido a Bernardo Gomes Costa (comerciante da praça do Rio de Janeiro) e seus sócios, por três anos a contar a partir de 1º de janeiro de 1773, os direitos de cobrança pela passagem de animais nos dois registros: Viamão e Santa Vitória (AHRGS, CF 1244, folhas 56v-60r)114. Para o ano de 1776 estava prevista a arrematação de um novo contrato, como de fato ocorreu. Manoel de Araújo Gomes, também comerciante carioca, e seus sócios, arremataram pelo período de seis anos (1776-1781) os direitos de cobrança de passagem de animais nestes dois postos. No entanto, o arrematante, com o intuito de 112 113 114 Transcrito no documento 02/anexo 1. Transcrito no documento 03/anexo 1. Transcrito no documento 01/anexo 1. 147 aumentar as arrecadações, solicitou a transferencia do Registro de Santa Vitória para as margens do Rio Canoas e, em contra partida, ofereceu à Coroa um valor adicional ao contrato por ele e seus sócios arrematado. “... o rematante Manoel de Araujo Gomes, e dise que tendo requerido a esta junta permitice que o registo que se achava estabelecido no rio das Pelotas se mudace para o das Canoas ao pê das Lagens, e que sendo ouvida a junta do Rio Grande informará ser conveniente comprehender gados de alguãs que se e fazendas não pagam por de os direitos, por ficarem de fora do registo do rio Pelotas, e atendendo a mayor realidade percebe que na elle mudança rematante dice que offerecia para a Real fazenda mais dusentos mil reis pelos seis annos de sua rematação, vindo por este modo a ser preço total com que ofereceu no acto da rematação vinte contos duzentos e cincoenta mil reis livres para a Real” (AHRGS, CF 1244, folha 135r. Grifos meus.). Por vezes se afirmou que o registro havia sido desativado e inaugurado um novo em Lages, mas, como aponta a fonte citada acima, Santa Vitória foi apenas transferido. Além disso, é curioso observar que no auto de arrematação (AHRGS, CF 1244, folhas 133v135V) o nome “Registro de São Jorge do Rio das Canoas” é 148 apresentado tanto quanto o designativo “Registro de Santa Vitória”, referindo-se a mesma instituição arrecadadora. “... o contrato das passagens de animais pelos registos de Viamão, e de S. Jorge do Rio das Canoas, por tempo de seiz annos... o capitão Manoel de Araujo Gomes, homem de negocio da Praça desta cidade, o que dice que elle lançava para sy e seus socios e capitam Manoel Antonio de Araujo, e o doutor Lourenço Ferreira Ribeiro no contrato das passagens dos animaez pelos registos de Viamão e Santa Vitoria no Continente do Rio Grande pelos seis annos de mil sete centos setenta e seiz a mil sete centos oitenta e hum a quantia de vinte contos cincoenta mil reis livres p a Fazenda Real... não só pelo que pertence ao Registo de Viamão que já existia antigamente mas pelo que pertence ao registo de Santa Vitoria que se mandou estabelecer denovo, a saber, por que pertence ao Registo de Viamão” (AHRGS, CF 1244, folha 133v. Grifos Meus.). A partir destas fontes pode-se inferir que a estrutura construída para o funcionamento do Registro de Santa Vitória, na confluência dos rios Pelotas e Touros foi mantida inativa entre 1776 e 1781. Mas, como órgão coletor de impostos sobre o transito de animais permaneceu ativo, porém em outra localização. 149 A transferência deste posto gerou uma polêmica sobre a fronteira e a jurisdição administrativa entre as capitanias de São Paulo e Rio Grande. Além dos valores correspondentes ao pagamento do contrato de arrematação serem pagos na Junta da Fazenda do Rio Grande, o Rio Canoas passou a configurar a fronteira entre as capitanias. Os campos entre este e o Rio Pelotas em realidade pertenceriam ao Rio Grande, como indicou Antônio Inácio Roiz de Córdoba, no mapa elaborado em 1780 (figura 3): “... estes campos que estão pela Capitânia de São Paulo pertencem ao Contimente do Rio Grande”. No mesmo mapa, nas margens do Rio das Canoas, está localizada a Guarda do Registro de São Jorge. Diante das reclamações dos administradores paulistas, em 1781, o Registro de Santa Vitória foi novamente estabelecido na estrutura localizada às margens do Rio Pelotas, rio que desde então definiu a linha divisória entre as capitanias (PAUWELS S. J., 1926115; AHRGS, CF 1245, folha 5r-5v116). No mapa elaborado por José Correia Rangel de Bulhões, em 1781, “Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de Santa Catharina” (figura 23)117, o autor representa o limite restabelecido entre as capitanias, indicando o Rio Pelotas como: “Rio das Pelotas que divide o governo do Rio Grande do São Paulo” e na margem direita deste, o Registro de Santa Vitória: “Guarda do Registro [ilegível] ao Governo do Rio Grande”. Bulhões também cartografa os caminhos comentados no capítulo três, além de outros que seguem para diferentes pontos da Capitânia. Padre Pauwels S. J. realizou um detalhado levantamento de fontes que tratam da divisa entre RS e SC e apontou as querelas a respeito desta fronteira nas regiões do planalto e do litoral. 116 Transcrito no documento 04 / anexo 1. 117 Mapa Plano topografico do continente do Rio Grande e da Ilha de Santa Catharina tirado dos Planos dados em 1781 para a instrucão dos Comissarios da Demarcacão do Sul, dezenhado e acrescentado com varias notas instructivas sobre o mesmo Plano por Joze Correa Rangel de Bulhoens Ajudante de Infant.ra con exercicio de Engnrº.1780. Escala [ca. 1:1000000], Hum Grao Dividido em 18 Legoas = [10,70 cm]. De José Correia Rangel Bulhões. Disponível em http://purl.pt/853. Acessado em 23 de outubro de 2005. 115 150 Figura 23 151 Em setembro de 1781 é Manuel de Araújo Gomes e seus sócios que mais uma vez arrematam o contrato correspondente aos Registros de Santa Vitória e Viamão para o triênio seguinte (17821784), pelo valor de dez contos duzentos e vinte e cinco mil reis (AHRGS, CF 1245, folhas 26v-29r). No entanto, a retomada das cobranças no Rio Pelotas não correspondeu, necessariamente, a desativação da estrutura construída as margens do Rio Canoas. O Registro de São Jorge do Rio das Canoas, ou São Jorge das Lages como também era conhecido, possivelmente manteve as funções de fiscalização e cobrança pela passagem de animais após 1781, como indicam algumas fontes. No entanto, a arrematação de futuros contratos e os valores arrecadados com estes foram, desde então, administrados pela Capitania de São Paulo. Conforme determinou a Rainha de Portugal através do Vice-Rei: “Pelo que vos ordena que pela parte que os toica façaez executar o que se determina a dita Provizão deixando a Junta da Capitania de São Paulo fazer a arrematação dos Direitos daquelle Registo...” (AHRGS, CF 1245, folha 5v). Além disso, há outra fonte através da qual se pode inferir que este posto permaneceu em funcionamento, se trata de um mapa da Capitania de São Paulo, elaborado entre 1791 e 1792, no qual o “Registro de São Jorge das Lages” foi representado118 (figura 24119). 118 Talvez estas dúvidas, quanto ao período de funcionamento do Registro de São Jorge do Rio das Canoas e sua função, após 1781, sejam esclarecidas após pesquisas nos contratos arrematados na Capitania de São Paulo. Pois, para fins desta dissertação pesquisei somente as fontes existentes no AHRGS. Jacobus indica duas fontes que tratam dos contratos referentes aos triênios 1783-1785 e 17861788 para o “novo Registro do Rio das Canoas”. (AESP, 1901: 98 e 138 apud JACOBUS; 1997: 19-20). 119 In: BRÜGGEMANN, 2004. Datiloscrito. 152 Mapa que indica a localização do Registro de São Jorge das Lages em 1791/1792. Figura 24 Entretanto, além dos direitos fiscais e territoriais de uma ou outra capitania, outros fatores também contribuíram para a retomada das atividades na estrutura localizada as margens do Rio Pelotas. A guarda que prestava serviços no Registro de Santa Vitória acompanhou a transferência e também se estabeleceu no Rio Canoas. Diante das investidas realizadas, desde 1779, por grupos indígenas em algumas fazendas dos Campos de Cima da Serra e do pequeno contingente militar presente na região (DUARTE, 1940; 1944; 1945), em novembro de 1780, o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral enviou um ofício ao Vice-rei. Neste, aponta para o 153 problema dos limites entre a capitania de São Paulo e o Rio Grande de São Pedro, novamente fixado no Rio Pelotas e a necessidade de uma guarda no local, não somente para garantir as arrecadações reais, mas também para auxiliar na proteção dos moradores da Vacaria contra o “gentio” que continuava ameaçando-os (BARRETO, 1973:362 apud JACOBUS, 1997:20). Restabelecido em seu local de origem, o Registro de Santa Vitória foi sucessivamente arrematado em conjunto com Registro de Viamão por contratos trienais ou anuais (“ano solto”), de valores diversificados, até dezembro de 1808, último ano de funcionamento do Registro de Viamão como estação arrecadatória de tributos cobrados pela passagem de animais. No entanto, poucos foram os contratos não arrematados por negociantes da praça do Rio de Janeiro120. Alguns trabalhos indicam que as cobranças de pedágios por animais conduzidos no Registro de Santa Vitória foram desativadas em 1848, permanecendo apenas como estação de controle e registro de passagem de pessoas até última década do século XIX. Apontam também que, neste mesmo ano, outro posto foi fundado na confluência dos rios Pelotas e Canoas, denominado Registro do Pontão, o qual oficializava um novo caminho que, de forma clandestina, já era percorrido por tropeiros e comerciantes de todo gênero que desejavam acessar a oferta de gado na região missioneira (BARROSO, 1979; JACOBUS, 1997; OLIVEIRA et al, 2002). Jacobus indica, mais precisamente, que o Registro de Santa Vitória foi transferido antes de 08/03/1848. “Pois nesta data a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul era informada da remoção para o passo do Pontão, na confluência dos rios Pelotas e Canoas” (JACOBUS, 1997: 19-20). No anexo 2 segue um quadro com referências a alguns destes contratos. Todos estão disponíveis para consulta nos Códices da Fazenda do AHRGS. 120 154 Entretanto, a partir dos relatórios existentes no AHRGS / FOP se afirma que em 1850 as obras do Registro do Pontão ainda não estavam finalizadas e o Registro de Santa Vitória continuava arrecadando tributos, os quais deveriam ser enviados ao administrador da obra para cobrir as despesas da construção. É Mabilde quem explica, em um de seus relatórios, os motivos do atraso das obras e os contratempos ocorridos entre o administrador da construção do Registro do Pontão e o coletor do Registro de Santa Vitória. O longo trecho de seu relato que segue transcrito abaixo elucida a difícil situação gerada naquele contexto. “Além destes atrazos motivados por circunstancias necessárias e indispensáveis121 para poder conseguir a edificação n´este tão apropriado lugar, do quartel em construção, não possa deixar passar sob silencio os atrazos que tão voluntariamente de cazo pensado forão motivados por caprixos por não me servir de outro termo talvez mais proprio e talvez mais acertado o atual collector de Sta Vitoria, que segundo as ordens de V. Ex ª era mensalmente obrigado com a suprir dinheiro o administrador destas obras. O referido Collector Domingos Antonio da Costa Guimarães assaz [...] pelo que me consta por pessoas fidedignas Nas folhas 5 e 6, desta mesma fonte, Mabilde aponta outros fatores que contribuíram para o atraso da obra, como: limpeza e preparo de terreno, construção de ranchos para trabalhadores, picadas para entrada no mato em busca de madeiras de qualidade, construção de carretões para o transporte das madeiras, fabricação e queima de telhas, roças, currais para abrigo do gado destinado a subsistência dos trabalhadores, etc. 121 155 da Vacaria, achou-se bastante incommodado de não poder continuar a dispor mensalmente de certas quantias das que recebeo de Direitos Provinciais, para com ellas continuar a amortizar sua divida... - O resultado de seus negocios particulares, fez que o collector procurasse todos os meios de encomodar Antonio o administrador Moraes Dutra, João faltando-lhe com dinheiro para suas despesas da obra, e retardando continuamente, e athé hoje em dia a entrega das quantias que tem ordem de lhe dar mensalmente, ajudando-lhe sempre que o dinheiro que na collectora tinha recebido, o tinha remetido a Tezouraria entanto da que o Provincia, no contrariio era fisicamente sabido – O administrador não tendo com que pagar no fim do mez seus trabalhadores, estes negarão-se a continuar no serviço e retiravão-se athé que tinhão recebido seus salariamentos, e assim por varias vezes aconteceu tendo-se, segundo pude ver no livro dos assentos dos trabalhadores, passando o mez inteiro de agosto sem que se fizesse aqui o menor serviço por não haver trabalhadores, que se tinhão retirado por falta de pagamentos, e estes 156 convencidos, segundo o collector os dizia que o Administrador tinha recebido d´elle dinheiro para os pagar e que em lugar de os pagar o tinha despendido em as cujos seus particulares! Heis Exmo. Senhor o procedimento do Colletor de Sta. Vitória, ... procurão todos os meios os mais escandalosos para não somente desacreditar o administrador para com V. Exa., mas tambem para com os trabalhadores, afim de ver se assim impedem a continuação da obra, e fazer crêr que aquelles atrazos sejão proveniente do mesmo Administrador”. (MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento 672, folhas 05-07. Grifos meus.). O ano exato em que as cobranças passaram a ser realizadas no Pontão é desconhecido. No entanto, claro está que o Registro de Santa Vitória permaneceu como órgão coletor por alguns anos além de 1848, ao menos até o segundo semestre de 1850. Como informou o administrador, nomeado em maio de 1850, Estevão Malaquias Paes de Figueiredo, a obra do Pontão deveria ser finalizada com recursos daquela coletoria, para evitar os constantes atrasos e problemas com o envio de verbas: “... consequentemente rogo a V. Exa. a vista do que tenho ponderado haja de dar providencias a que as quantias q´eu for percizando para as dispesas desta óbra, depois de gasto o saldo que existe, seram dados pela collectoria deste lugar, afim de que 157 não soffra a obra alguma parada por falte não pagamentos (FIGUEIREDO, haver dinheiro dos trabalhadores” AHRGS, FOP para 05, documento 639. Grifo meu.). Entretanto, em dezembro de 1851, conforme o relatório do Lopes Almeida Henriques Botelho Mello (Brigadeiro graduado e chefe dos engenheiros civis) o prédio deste novo posto ainda não estava concluído (MELLO, AHRGS, POP 06). Mas, desta data ainda incerta até 1856 o Registro do Pontão foi o “que mais recursos arrecadou para a província. A partir de 1857 entrou em declínio” (PERIN, 2000: 175). Independente de datas de inicio de funcionamento ou desativação de um posto ou outro, é importante sublinhar que o novo caminho seguido em direção à região missioneira, conhecido como “Vereda das Missões”, marca o início de uma nova fase caracterizada pela “corrida para o oeste” do estado. Desde que o território das Missões foi incorporado ao Rio Grande (1801), a coroa tentava, através de diversas medidas, a ocupação e abertura de rotas nesta região (BARROSO, 1979: 66-67). A abertura da picada de acesso ao passo do Pontão reduziria em alguns dias o tempo necessário para percorrer a distância da região das Missões ao Rio Uruguai. Como aponta Roderjan: “o rio é atravessado por um passo localizado abaixo da confluência de todos os outros rios, evitando as freqüentes inundações e asperezas, da estrada que segue por Lages” (RODERJAN, 2000:80). Trata-se de uma rota de melhor transito, devido aos menores declives do terreno, se comparada ao trajeto até então percorrido do Registro de Santa Vitória em direção a Lages. Diante do que até então foi exposto, se afirma que a existência destes postos pode ser compreendida para muito além de sua funcionalidade. Na verdade, os registros constituíram um lugar de 158 controle, domínio e estruturação do espaço. Através da concretização destes postos, bem como pelas ações daqueles que os administravam ou neles prestavam serviços, é que a paisagem, da qual estas estruturas faziam parte, representava as intenções políticas e econômicas de um projeto colonial calcado no domínio e controle sobre o deslocamento de pessoas e produtos. Esta relação de domínio transparece tanto nos interesses de particulares, como o caso do pedido para a transferência do Registro de Santa Vitória para o Rio Canoas, quanto no que concerne aos interesses administrativos e de controle do espaço ocupado pela Coroa portuguesa. Os interesses metropolitanos visaram instituir uma ordem a custas de uma relação de domínio sobre o espaço, concretizada a partir da presença das guardas e dos registros, frente aos que de uma forma ou outra hostilizavam os planos. No entanto, mesmo diante da construção de tantas estratégias materiais para controle e ordenação de movimentos sobre o espaço e das instruções enviadas aos administradores dos registros, ou em cláusulas dos contratos assinados pelos arrematantes, houve aqueles que encontraram rotas alternativas, dentro de um espaço teoricamente bem fiscalizado. “A propósito de contrabandos, não é ocioso dizer que acima e abaixo do passo de Santa Vitória é costume de certos tempos para cá passarem animais por contrabando; eu, na minha puerícia, passei o passo de cima sem ser sentido da guarda de Sta. Vitória (em 1793). O passo de cima é assaz conhecido122, o de baixo só os espertalhões têm dele cabal notícia; 122 Autor se refere ao Passo do Inferno, utilizado desde a abertura do Caminho dos Conventos. 159 um e outro ficam a pouca distância da Guarda” (AHGRS, 1983: 60). Os descaminhos, como eram conhecidas as rotas de contrabando, por vezes ocorriam sob as barbas dos funcionários e da guarda dos registros, fazendo desta prática, o contrabando, uma atividade comum e praticada até mesmo por aqueles que deveriam controlá-lo. Esta larga distância existente entre o que as fontes oficiais indicam e o que de fato pode ter ocorrido está bem elucidada no trecho transcrito acima do relatório enviado ao Presidente da Província, em outubro de 1838, por Antônio Manuel Corrêa da Câmara. 4.5.3 – Por dentro dos Registros Como brevemente sinalizei no tópico “4.5.1 – O Registro de Viamão”, os autores que indicam as construções de vários prédios destinados ao abrigo das diferentes tarefas desempenhadas e dos trabalhadores que residiam num registro (GODOY, 2005; JACOBUS, 1997: 31), apontam para um modelo de estrutura funcional que não corresponde de forma generalizada a todos os postos estabelecidos no Rio Grande do Sul, durante os séculos XVIII e meados do XIX. Alguns espaços, como área para guarda, área para coletoria e currais, constituem a estrutura básica e necessária a qualquer posto de registro. No entanto, a forma como estes postos foram espacialmente organizados exige uma análise particular a cada um. Antes de estabelecer modelos gerais de construção, além dos fatores contextuais que apontam a necessidade da obra, sua função e as características geográficas dos locais escolhidos para construção, devem ser considerados alguns aspectos particulares de cada posto, tais como: os recursos locais utilizados como fonte de material construtivo; estruturas de apoio à construção e ao funcionamento do registro, as dimensões e organização dos espaços internos dos 160 postos; etc. Estes diferentes aspectos fazem de cada registro uma estrutura particular e única. Para compreender as características particulares e a inserção destas estruturas naquela espacialidade vivenciada no passado, busco com a comparação de duas plantas baixas (SANTOS, AHRGS, FOP 01; FIGUEIREDO, AHRGS, FOP 05) uma aproximação com a organização do espaço interno do Registro de Santa Vitória e do Registro do Pontão. A primeira (figura 25)123, elaborada em meados de 1833, representa um projeto de reconstrução de uma estrutura já existente. Por outro lado, a planta correspondente ao Registro do Pontão (figura 26), datada de maio de 1850, indica seu primeiro projeto construtivo. Ambas as fontes representam projetos, ou seja, a intencionalidade de concretização daquela estrutura representada no papel. Sabe-se também que pode haver grandes distâncias entre o projeto e o que realmente foi materializado. Entretanto, a análise das plantas é um ponto de partida importante e muito frutífero para elaboração de algumas inferências sobre a organização interna e para os questionamentos a serem feitos em futuras intervenções arqueológicas. 4.5.3.1 – Entrando no Registro de Santa Vitória Godoy, ao realizar um estudo sobre as alfândegas no Brasil, indica a estrutura dos registros da seguinte maneira: “... os prédios consistiam na ‘casa do registro’, nas residências do fiel e do administrador, no quartel dos solados, num rancho para os tropeiros contribuintes e num curral para os animais” (GODY, 2005. Grifo meu.). Todos os espaços apontados pelo autor, remetem a estrutura básica de qualquer posto de arrecadação sobre passagem de animais no Brasil colonial, no entanto, a referência a prédios (no plural) não 123 “Mappa Plano Descriptivo do Porlongo de Cazas que afazerão no Registo de Sta. Vitória”, 1833. O texto que acompanha a planta está transcrito no documento 05/anexo 1. 161 corresponde a alguns casos particulares, como por exemplo, no Registro de Santa Vitória. Em outros trabalhos apontei a provável existência de prédios distintos para coletoria e guarda (SILVA, 2001; 2004). No entanto, após as prospecções e sondagens realizadas na área da Usina Hidroelétrica Pai-Querê (COPÉ, 2004), esta opinião foi revista. Naquele trabalho, fracionamos a área de entorno da ruína do registro em linhas paralelas distantes 100m uma da outra. Em cada um destes transects, a cada 100m, foi realizada uma sondagem, mas nada foi localizado. Se por um lado, naquele momento, nossas expectativas de encontrar outras evidências arqueológicas foram frustradas e muitos questionamentos surgiram, por outro lado, pouco tempo depois foi localizada, no AHRGS, a planta baixa deste posto, surgindo assim uma possível explicação para a ausência de prédios distintos para guarda e coletoria. 162 Figura 25 163 Nota-se que um único prédio abriga duas áreas com funções distintas: a da guarda e a de coletoria. Porém, apesar de comporem uma única estrutura, não há ligações internas entre estes dois espaços, existe uma parede contínua que os separa. No entanto, esta separação entre o setor militar e o setor fiscal não é a única observada. Nos períodos em que os direitos de cobrança foram arrematados para negociantes a parede contínua também dividia o setor particular, ocupado e administrado pelos funcionários contratados pelo arrematante, do setor público, gerenciado pelos funcionários da Coroa. Alguns espaços, em ambos os setores, necessitavam de maior segurança e tinham acesso restrito ao responsável por sua organização e manutenção, como o cofre e a sala de armas. Ao primeiro, o único acesso se dava pela porta que o ligava ao escritório, enquanto que na sala de armas não havia outras aberturas além da porta exatamente em frente à alcova do comandante. No setor da guarda, tanto na parte frontal quanto aos fundos, há portas de acesso aos espaços 1,2 e 3, e outras de acesso aos espaços 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10. A existência de diferentes aberturas de acesso externo para um único setor indica uma divisão entre o espaço de trabalho (quartel) e o espaço doméstico (casa do comandante). Além disso, a indicação de duas cozinhas (3 e 9), uma geral do quartel e outra reservada para a área doméstica do comandante e do escrivão, apontam para a provável hierarquização de acordo com a patente militar, para utilização dos espaços de refeição. No que diz respeito ao setor administrativo (a coletoria), algumas inferências a respeito da organização interna dos espaços podem ser feitas. Neste, também se observa a subdivisão entre o mundo do trabalho e o doméstico. Os espaços 11 e 12 correspondem ao espaço de trabalho burocrático do registro, enquanto 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 estão relacionados ao ambiente de convívio 164 doméstico. As indicações de duas portas de acesso no frontal também apontam para esta subdivisão setorial, enquanto a referencia a uma única porta aos fundos reforça a necessidade de isolamento da “casa do cofre”, espaço acessível a poucos. Quanto à matéria-prima a ser utilizada na construção, esta fonte indica que a técnica construtiva empregada nas casas de Cima da Serra é o pau-a-pique com cobertura de telhas, ao invés de capim, em função do perigo de incêndios. No entanto, o autor sugere para o Registro de Santa Vitória, a utilização de tijolos nas paredes e ladrilhos do piso, por serem mais duráveis. Mas aponta para a necessidade de um formo para queima das telhas e dos tijolos, pois não estava certo de que nas imediações do Registro de Santa Vitória existisse algum (SANTOS, AHRGS, FOP 01)124. Além do prédio do registro, o autor aponta para a construção de outra estrutura, destinada ao pouso dos tropeiros. Sugere que, para economizar no valor orçado, o pouso fosse construído com esteios de madeira coberto de capim. Obra de custos mais baixos, elaborada a partir de matéria-prima captada nas imediações do registro, bem como as pedras utilizadas para os alicerces, como aponta o autor: “Quanto a pedra para os alicerces, é tanta em qualquer parte há. Do mesmo respeito a madeira, pois os capões de pinheiro são imensos” (SANTOS, AHRGS, FOP 01). Esta fonte encontramos parece outras esclarecer estruturas o motivo arquitetônicas pelo qual não durante as prospecções. E, se o rancho para os tropeiros foi construído em madeira e capim, material bastante perecível, para localizá-lo será necessário abrir poços teste em intervalos menores do que a cada 100m como realizado. Talvez assim sejam encontras evidências do negativo da estrutura, vestígios de fogueira, etc. Se por um lado, para os questionamentos a respeito dos distintos prédios para a guarda e coletoria foi indicada uma possíveis 124 Transcrito no documento 05/anexo 1. 165 respostas, por outro, para a existência de evidências das casas dos soldados e outros moradores da região do Passo de Santa Vitória, a lacuna permanece. Em 1838, durante a Revolução Farroupilha (18351845) Santa Vitória encontrava-se sob controle de forças farrapas. Neste ano o Coronel José Mariano de Matos escreveu ao também Coronel David Canabarro. Entre outras informações a respeito do front nos Campos de Cima da Serra, fez referências às famílias que viviam em Santa Vitória: “Hoje faço seguir ordem para que as famílias e forças que existem no Passo de Santa Vitória e no de Lagedo do Costa marchem para as imediações do lugar em que V. As. se acha ...” (AHRGS, 1991: 271). Somente novos trabalhos de campo poderão trazer outros subsídios explicativos para preencher esta lacuna. A área até então prospectada corresponde a que será diretamente impactada pelo reservatório da UHE. Trata-se de uma área de pequena extensão e grande declividade. Para realmente confirmar a existência ou não destas casas deve-se prospectar uma área mais ampla e menos íngreme. No entanto, além da ruína do prédio da guarda e coletoria, outras construções se fazem evidentes no entorno do registro. Há grandes currais na atual Fazenda da Guarda, na margem direita do Rio dos Touros (já apontados no tópico 4.3 deste capítulo) e na margem direita do Rio Pelotas, município de Lages/SC, onde, além dos currais, há um corredor calçado com basalto. 4.5.3.2 – Entrando no Registro do Pontão Assim como o Registro de Santa Vitória, a estrutura projetada para o Pontão (figura 26) abriga, num único prédio, dois setores de distintas funções: o militar (de polícia) e o da coletoria. Apesar das aberturas (portas e janelas) ao pátio geral estabelecerem ligações externas entre estes dois setores, não há aberturas de comunicação interna, mas sim uma parede contínua que os separa. 166 As portas de comunicação com o exterior estão localizadas no frontal de acesso ao pátio geral; aos fundos existem unicamente as janelas dos quartéis. Em todos os espaços há janelas, exceto nas cozinhas do setor militar, na prisão e na “arrecadação da polícia”. Nestes dois últimos, a ausência deste tipo de abertura se justifica por constituírem espaços que, por questões de segurança, são mais isolados e afastados dos olhares não autorizados. No setor destinado à coletoria há dois espaços com portas de acesso externo no frontal, o gabinete e a coletoria, que configuram o ambiente de trabalho. Formando o ambiente doméstico, mais reservado, há duas alcovas e uma cozinha sem portas de acesso externo, exceto através do pátio. Da mesma forma, no setor militar se observa duas áreas: área doméstica e de trabalho. No entanto, ao contrário da coletoria, onde existem portas internas que ligam os dois ambientes, neste há uma parede contínua, junto às cozinhas, que os isola. Mas, outras divisões também são percebidas nos espaços internos deste setor, os quais foram organizados segundo hierarquias militares. Por esta lógica, não apenas os quartéis estão diferenciados, mas também os pátios, as cozinhas e as áreas domésticas de comandantes e subalternos. Entre estas últimas não há acesso interno, a única ligação se dá através dos respectivos pátios. 167 Figura 26 168 Além destas inferências sobre a organização interna dos espaços deste prédio, outros aspectos desta construção podem ser destacados a partir do relatório elaborado por Mabilde. Esta fonte traz alguns comentários a respeito do local escolhido para a instalação do Registro, a matéria-prima utilizada e a construção de estruturas de apoio à obra. Quanto à escolha do local o engenheiro o aponta como o mais apropriado devido características topográficas e disponibilidade de água. “... Fui examinar todos os lugares aonde o Rio Canoas vem desaguar no Rio Pelotas e d’onde este toma o nome de Uruguay, e não achei hum só lugar por ser hum serro mui escarpado que se prolonga pela costa do mencionado rio e sobe ambas as margens, aonde não há possibilidade de edificar-se huma caza – Além disto o lugar aonde actualmente está se edificando o quartel hé o único que achei aonde há fontes d’agua, o que não se mostra logo que se afasta do centro deste mesmo lugar para se aproximar do Rio.” (MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento 672, folha 08). A matéria-prima empregada na construção foi extraída na própria região. Foram utilizados diferentes tipos de madeira, de acordo com sua aplicação nos diversos elementos da edificação que foi coberta com telhas. Para as calçadas e pátios, para evitar lamaçais em dias chuvosos, Mabilde sugere o calçamento de pedra, matéria-prima abundante na região. “... As madeiras que se empregou na obra, são mui boas e bem escolhidas, 169 apropriadas aos varios lugares que ocupão. (...) cabriuva, os esteios são guarapiapunha, vermelha, e aroeira de anjica preta, tudo madeira bem apropriada e de muita duração estando enterradas no chão, como são os esteios. = As linhas e mais madeiramento de cobertura são de cima pinho e de araucaria, menos as thesouras que são de louro preto. = As portas e janelas são de cedro vermelho e de louro preto, madeira geralmente empregadas para isso... A forrar achava muito bom e pouco dispendioso, e a obra he merecedora disto = Quando assoalhar, poderia-se nisto haver no lugar muito bom [...], se tudo o edifício ladrilhado com tijoleiras de palmo em quadro com trez ou quatro polegadas de espessura, e oque achava muita necessidade, há de ser os pateos calçados de pedra, o que com facilidade pode fazer-se visto as pedras serem abundantes neste lugar, e boas para este fim = Como os aterros são de barro vermelho e o terreno dos qualidade, pateos qualquer da mesma chuva, n’elles forma pantanos, e mui principalmente no pateo geral que fica no centro do edifício, logo cavallos em que sobre tempo elle de pisa chuva 170 (MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento 672, folhas 2 - 3). Mabilde descreve o local escolhido pelo administrador para construção do registro como “hum faxinal quasi intransitavel, que foi precizo rossar, queimar e limpar”. Os primeiros passos na construção de uma nova espacialidade, naquele local, foram dadas nas ações iniciais, ou seja, desde o preparo do terreno, com a derrubada do mato, queima, etc. Mas, Mabilde ainda aponta todas os estruturas de apoio que foram necessárias, conforme o longo trecho de seu relatório que segue transcrito abaixo: “... foi precizo fazer ranxos para acomodar os trabalhadores, carretões para a condução das madeiras dos mattos para fora, couzas e mais aranjos para a fabricação de telhas, abrir numerosas picadas nos matos e n´hum disso intransitável cujas picadas algumas excederão de legua de extensã, e isto para poder tirar dos matos as madeiras falqueijadas para a obra em construção. = Para não perder o tempo proprio para a plantação, fuilhe em virtude as ordens de V. Ex ª fazer derrubada da matta para fazer roças, cujas roças tem huma area supperficial de 75,710 braças quadradas, plantadas com 15 alqueires de planta, feijão e milho para o suprimento de seus trabalhadores. Fez huma grande mangueira para o costeio do gado governo comprado e para por conta municio do dos 171 trabalhadores, foi precizo cerca e potreiros para os mesmos animais, tendo sempre, e athé hoje em dia há precizo ter sempre gente empregada nos rodeos a fim de evitar estravios de animais” (MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento 672, folhas 5 – 6 ). Como pode ser observado, o local escolhido para construção passou por grandes transformações. Para viabilizar a estruturação do Registro do Pontão, além da limpeza e preparo do terreno, outras estruturas foram necessárias tanto para hospedagem e alimentação dos trabalhadores, quanto para transporte e exploração de matériaprima. A inserção no espaço, de elementos de apoio à obra transformou a paisagem ao estruturarem uma outra espacialidade, ao darem um novo sentido, função e destino àquele espaço. Ao comparar a organização interna destes dois postos de mesma função se questiona a aplicação de modelos construtivos generalizantes. Mesmo que, em ambos os registros, os prédios tenham abrigado dois setores de distintas funções (militar e coletoria) e que nestes podem ser identificadas áreas que correspondem a diferentes ambientes (doméstico e de trabalho), há algumas diferenças a serem apontadas. O Registro do pontão apresenta no setor militar, espaços organizados por uma hierarquização bastante definida. Talvez por abrigar um contigente maior de militares, a área destinada a este setor corresponde a praticamente ¾ da área a ser construída. Enquanto no Registro de Santa Vitória cada setor ocupava uma metade do prédio. Além destas distinções, ligadas à organização dos espaços, há também diferenças em relação à matéria prima utilizada na construção. Miguel Santos, ao informar o orçamento da obra do Registro Santa Vitória e preocupado com a durabilidade do material 172 empregado, propõe que as paredes sejam de tijolos, material de custo mais elevado. No entanto, em contrapartida indica a possibilidade de economizarem com o material empregado no rancho dos tropeiros e mão-de-obra. Para esta última ele sugere que os próprios soldados sejam empregados na obra. No Registro do Pontão as paredes e o assoalho foram estruturados em madeira. Porém, conforme Mello aponta em seu relatório, as paredes externas deveriam ser de tijolos, já que na região não há barro de qualidade para empregar em estruturas de pau-a-pique. Mas, como o projeto estava sendo concretizado em madeira, o engenheiro, preocupado com a conservação da estrutura, ressalta a necessidade de pinturas periódicas. Além disso, ao contrário do Santa Vitória, a obra do Pontão desprendeu demasiados gastos com a construção das estruturas de apoio para sua viabilização e com as despesas de pagamento e alimentação do trabalhadores (MELLO, AHRGS, FOP 06). 4.6 - Campos de Cima de Serra. Campos de Tensões. A instalação e organização dos registros, o estabelecimento de outras estruturas como: vendas, currais, corredores e locais de pouso, correspondem a estratégias materiais de uma diferente espacialidade, a qual representava os interesses de uma frente de ocupação constituída tanto de espaços de movimento quanto de fixação. A paisagem gerada com a agregação desta nova espacialidade naquela região, também foi constituída por tensões e negociações entre a população indígena e os novos ocupantes. Por isso, a paisagem pode ser compreendida como um “campo de tensão” onde se apresentam diferentes e conflitantes interesses sobre um determinado espaço constantemente modificado. Os conflitos e as negociações geradas entre distintos grupos sobre o espaço, variam de acordo com os interesses dos agentes. Independente do período que aqui apontei, tem-se, por um lado, os 173 novos exploradores e ocupantes da região. Os quais se estabeleciam em estancias e fazendas como forma possível e segura para manter a posse da terra e a criação, transporte e comercialização de animais e outros produtos. Cabia a estes também, ao proteger as terras então ocupadas, manter o inimigo longe. O que neste caso, para a administração, significava garantir a posse e estabelecer a fronteira frente aos espanhóis. Por outro lado, têm-se as populações indígenas locais. Para estas, o interesse sobre aquele espaço consistia em permanecer e manter sua área de ocupação e garantir a subsistência do grupo. As situações tensas e de negociações aparecem justamente no desequilíbrio de forças e nesta assimetria de interesses. Os novos ocupantes, com uso da força e tentativas de negociações, desejavam manter os indígenas afastados, ou inseri-los na nova ordem que se estabelecia. Diante disso, é perceptível na documentação consultada, que estes grupos indígenas não constituíam, aos olhos dos administradores, um grupo inimigo propriamente dito, mas sim um obstáculo a ser ultrapassado. Um obstáculo como qualquer outro elemento da natureza, como um terreno de difícil travessia ou como as feras que habitavam os matos (onças, pumas, etc.) e que importunavam a tranqüilidade dos novos ocupantes. Desde meados do século XVIII, inúmeras investidas indígenas foram realizadas sobre as fazendas estabelecidas nos campos de Vacaria. Aos novos moradores restou, como única alternativa, afastarem-se, ao menos temporariamente, das terras que haviam ocupado. Em 1779, índios guaranis invadiram terras ocupadas na região conhecida como “fundos da Vacaria” (região dos atuais municípios de Lagoa Vermelha, Barracão). Segundo Duarte “os invasores danificaram propriedades, dizimaram rebanhos bovinos e sacrificaram várias pessoas das fazendas assoladas” (DUARTE, 1940: 329). Mesmo antes desta “irrupção de índios” (Duarte, 174 1940; 1944; confrontavam 1945) aqueles outras que populações aos poucos não foram guaranis, já adentrando e transformando seus espaços. No entanto, o conflito com os guaranis envolveu outras questões. Não se tratou unicamente de um atrito entre a frente de ocupação, representante dos interesses luso-brasileiros e de particulares associados a estes, e os indígenas, mas também representou mais um capítulo da tensão sempre presente nas áreas de fronteira entre as duas coroas ibéricas. Desde o tratado de 1777 (Santo Ildefonso), na região dos “fundos da Vacaria” esteve estabelecido o limite entre as possessões das duas coroas. Em represália aos assaltos dos índios, mais de 70 destes foram mortos pelos novos ocupantes da região. No entanto, o Vice-rei do Prata argumentou que as vítimas eram “vassalos de Sua Majestade Católica” e exigiu explicações ao Vice-Rei do Brasil. Sebastião da Veiga Cabral, em resposta a correspondência do ViceRei do Brasil, Luiz de Vasconcelos referia-se: “... a prova mais decisiva da desordem acima expressada, a qual envolve nada menos que o risco imediato de perder hua das importantes Fronteiras deste Continente” (apud DUARTE, 1940: 330). Para os espanhóis estes afrontes correspondiam a respostas às inserções portuguesas no território missioneiro. Para os lusos, por sua vez, fazer com que estes indígenas recuassem garantiria a posse de um espaço que pouco a pouco vinham ocupando. Diante destas tensas situações, alguns dos novos ocupantes abandonaram as terras. Entre 1777 e 1780 quatorze fazendas foram desocupadas e em 1781 outras oito (OLIVEIRA; 1996: 3739). As ameaças àqueles que desejavam a ocupação e posse de uma terra que muito ainda tinha por se explorar não cessaram naquele século. Até meados do século XIX, na região dos Campos de Cima da Serra foram constantes as reclamações sobre as 175 investidas indígenas, os quais tinham seu espaço a cada momento mais reduzido. No longo trecho transcrito a seguir pode-se observar como Nicolau Dreys, em 1822, relatou esta situação: “... A 16 léguas, mais ou menos, do registro de Santa Vitória..., principia uma floresta bastante densa, dividida em duas porções quase contínuas, denominadas: Mato Português e Mato Castelhano: ainda que a extensão dêsses matos, em que passa a estrada geral, permita atravessar cada um dêles no curto espaço de um dia, todavia o viajante não se aproxima dêles sem receio... o certo é que sinistros acontecimentos, reproduzidos de tempos em tempos, e quase sempre no mesmo lugar, como que abonam êsse receio de por êles transitar: êsses matos, lançados como duas penínsulas de altos vegetais através das campinas ermas do Uruguai Superior, servem como de reduto aos indígenas, para virem ao encontro dos habitantes; e como infelizmente é raro que êles não tenham que sofrer algumas hostilidades na fronteira externa que ocupam a Itapetininga, nossa na vizinhança, Província de desde São Paulo, até as faldas da Cordilheira, na Província do Rio Grande, escolheram êsse lugar para teatro de represálias: ali o viajante isolado ou improvidente 176 corre iminentemente o risco de ser acometido, e quase sempre o número triunfa da mais porfiada resistência; dizemos também o número, a podemos coragem; dizer pois de reconhecer-se que o terror das armas de fogo não produzia já sobre o ânimo do selvagem aquela comoção do espanto que precipitava a sua fuga; agora esperam imóveis a descarga, e como sabem que, depois de dar fogo, preciso é tornar a carregar aproveitamse do silêncio instantâneo do trovão europeu, para correrem sôbre o inimigo, e substituir a luta da força física” (DREYS, 1961: 68-69). O sucesso do projeto ocupacional se deu pelo incentivo dos administradores ao poder privado e coercivo. Através da posse do território firmada nos pedidos e nas concessões de terras; pela abertura de rotas que estabelecem ligações entre os diversos espaços ocupados; pelo uso da força e pelo estabelecimento de fronteiras e limites. Os atritos ocorridos, em meados do século XVIII, durante a abertura da picada do Pontão e a construção daquele Registro, também apontam para uma situação de constantes negociações. Mabilde narra a preocupação do administrador da obra em manter os indígenas afastados ou em convívio tranqüilo. Entretanto, para a realização deste desejo, algo deveria ser oferecido aos indígenas em troca da continuidade “pacífica” do processo de ocupação, o que não significava a ausência de certas tensões. O poder de barganha do administrador estava no fornecimento de comida (basicamente farinha, feijão, milho e carne) e alguns ponchos. No entanto, esta relação de troca chegou ao limite no 177 momento em que os trabalhadores da obra encontraram-se sem alimentos e agasalhos, por terem dado tudo o que tinham ao “gentio”. Momento que detalhadamente descreveu Mabilde: “... tendo sido bastante encommodado no serviço da picada que estou abrindo por ordem de V. Ex ª por motivo dos Bugres, que em numero de mais de duzentos, tem saido n’esta Picada, resolvi-me à officiar ao Senhor Joaquim Antonio de Moraes Dutra administrador das obra do Pontão a quem V. Ex ª em officio de 07 de novembro de 1849 ordenou que fizesse as despezas necessarias para com o sustento dos Bugres e procurar pelos meios a seu alcançe de ver se os acostuma ao trabalho, e a viverem aldeados... Em virtude às recommendações que V. Ex ª me fez para evitar o quanto me for possível não repelir os Bugres pela força, logo que com elles me encontrasse n’este sertão, tenho athé agora podido conseguir a mantelos, e evitar que nos fizesse alguma desordem, e isto pude conseguir em dando-lhes roupas, carne e farinha, porem não me he possível continuar a fazelo, porque a maior parte da minha gente já esta em falta de roupa por terem dada [...] aos Bugres, aquella que podiam dispenssar e assim evitar desordem ... Como não me é possivel 178 continuar a dar roupas e menos ainda mantimento, foi o motivo que lembrando-me da ordem que V. Ex ª tinha dado ao referido Dutra, officiei ao mesmo ... para determinar o que me resta à fazer, vendo-me neste caso obrigado a afastar-me das ordens que tive a honra de receber verbalmente de V. Exª e attacar os Bugres e desalojalos d’aqui se assim poder conseguir à faze-lo afim de evitar os continuados empedimentos” (MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento 674). Nesta relação, o poder de força coercitiva utilizado pelos indígenas, de certa maneira garantia a subsistência do grupo em um espaço cada vez mais reduzido e alterado pela instalação de estruturas que demonstravam claramente qual seria a ordem vigente em um futuro muito próximo. E este futuro já se fazia presente quando indígenas milícias e foram constituídas encaminhar aqueles para repelir as agressões que “voluntariamente” se submetessem aos aldeamentos (AHRGS, CF 0514). As notícias enviadas por Mabilde, aos seus superiores, apontam as transformações ocorridas naquele espaço, cujo fruto é uma paisagem que agradava aos olhos do projeto ocupacional: “Depois que V. Exa. mandou edificar no lugar escolhido pelo administrador Joaquim Antônio de Morais Dutra, tem este lugar mudado inteiramente de aspecto. De medonho e perigoso – sirvo por causa dos respectivos ataques que faziam os Bugres, o que obrigava os tropeiros e viajantes a 179 estar toda noite alerta, e cuidando dos animais afim de evitar estravios, roubos e assassinios que os Bugres praticavão logo que qualquer descuido dos tropeiros os permitte pratica-los, este ligar, digo tornou-se sizonho, e o movimento da pequena população já existente n’este lugar o mudou interamente de façeo”125 (MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento 672, folha 14). As novas estruturas de poder concretas e simbólicas, expressadas por diferentes tipos de assentamentos, tais como fazendas, postos de tributo, guardas, casas de comércio e redes de caminhos, de uma forma ou outra, objetivaram disciplinar o uso do espaço, recuar e estabelecer novas e claras fronteiras. Estes novos elementos caracterizaram uma espacialidade que não se sobrepôs, fazendo desaparecer elementos de paisagens passadas, mas sim mesclou-se com diferente intensidade, em diferentes momentos, a espacialidade local, formando uma nova paisagem. Como relata Mabilde: “... dos bugres só resta os vestigios do tempo que para cá tinham suas reuniões e allojamentos, tendo-se estes retirados para lugares mais centraes = Hoje (e Deus permitte que assim continue) a maior segurança há para viandante e tropeiros, que agora vem pousar no meio de huma pequena A pequena população a qual Mabilde se refere é a Capela do Pontão, povoado localizado a poucas léguas do registro que em 1851 contava com um total de 96 moradores. 125 180 povoação que há cousa de hum anno esas mattas habitados virgens pelos e Bugres” faxinais (MABILDE, AHRGS, FOP 05, documento 672, folha 14. Grifo meu.). Os projetos de colonização organizaram os espaços ocupados a partir da dominação de lugares e pessoas. Conforme Quiroga (1999) a inserção de novos elementos na paisagem expressa a organização deste espaço controlado, de uma espacialidade de domínio calcada na elaboração de estratégias materiais de uso do espaço. Desta forma, os caminhos e todas as estruturas a eles relacionadas conformaram um conjunto de estratégias materiais que serviram aos interesses da expansão portuguesa rumo ao sul. O resultado foi a constituição de uma nova espacialidade que plasmou-se sobre uma paisagem, alterando, transformando, espacialidades indígenas reorganizando anteriores. e Como imbricando-se todo processo com de movimento do e sobre o espaço, este também não esteve livre de tensões. Mas igualmente, conheceu momentos de negociações visando uma acomodação das forças em disputa. 181 182 “À medida que viaja, o viajante de desenraíza, solta, liberta. Pode lançar-se pelos caminhos e pela imaginação, atravessar fronteiras e dissolver barreiras, inventar diferenças e imaginar similaridades. A sua imaginação voa longe, defronta-se com o desconhecido, que pode ser exôtico, surpreendente, maravilhoso, ou insólito, absurdo, terrificante. Tanto se perde como se encontra, ao mesmo tempo que se reafirma e modifica. No curso da viagem há sempre alguma transfiguração, de tal modo que aquele que parte não é nunca o mesmo que regressa”. Octavio Ianni Ao fim da viagem Considerações Finais Ao longo desta dissertação busquei espaços elaborados e vivenciados socialmente, em distintos contextos por diferentes grupos ou indivíduos, a fim de compreender a paisagem arqueológica do tropeirismo nos Campos de Cima da Serra. Olhando para trás se observa a rota que percorreste comigo nesta viagem, um caminho interpretativo construído por escolhas particulares, através das quais procurei entender os processos que originaram e deram sentidos a diferentes espacialidades sobre um mesmo espaço. Agora, chegando ao final desta viagem, olhando à frente vejo que o caminho continua. O término deste roteiro não coincide com o final da estrada. A estrada que segue a frente parece não ter fim, acredito que nunca terá, pois quanto mais se caminha outros possíveis trajetos são descobertos. Há muito chão a ser percorrido nos estudos do tropeirismo e suas implicações no processo de ocupação, organização 183 e exploração do espaço colonial. Neste trabalho procurei mostrar que as reservas de gado criadas no sul da América configuraram a elaboração de uma nova espacialidade e consequentemente de uma diferente paisagem. No entanto, estas transformações e (re)significações do espaço não se deram sobre um vazio, uma “terra de ninguém”, apontei que houve uma espacialidade construída, vivenciada e constantemente transformada por grupos indígenas que ocupavam os Campos de Cima da Serra. Mas, não foi somente a formação das Vacarias que deu diferentes faces a paisagem desta região. Com a emergência de um mercado consumidor, nas áreas mineradoras, aumentava a demanda pelo gado vacum e muar abundantes no sul da América. No entanto, para exploração das Vacarias e transporte do gado algumas rotas foram abertas. Procurei, ao comentar três rotas que cruzaram a região sul, compreender estes espaços de movimento como novos elementos de uma espacialidade que deixava transparecer suas principais características: um espaço socialmente elaborado, conhecido, nomeado e experimentado através do qual surgia uma nova paisagem. Tentei deixar claro que a abertura destas rotas representou o aparecimento de uma espacialidade de domínio e organização do espaço, das pessoas e dos movimentos. O projeto expansionista colonial indicava, com a abertura de novos caminhos, seu múltiplo interesse: expandir o espaço ocupado e efetivar a posse do território e o controle sobre sua exploração. Para isto algumas estratégias materiais de uso, domínio e organização dos espaços foram implementadas. Apontei as estruturas de apoio aos tropeiros, localizadas ao longo das estradas, como as estratégias materiais empregadas. Estes novos elementos da paisagem como: estradas, fazendas, locais de pouso, currais, corredores e registros, garantiram a expansão da área ocupada e seu gerenciamento. No entanto, a paisagem resultante da 184 elaboração desta nova espacialidade de domínio contém elementos de espacialidades pretéritas e de futuro, de uma ordem ainda imaginada. O desequilíbrio, fruto do desenvolvimento desigual e combinado destas diferentes espacialidades, resulta de divergentes interesses sobre um único espaço, fazendo da paisagem um campo de forças, no qual emergiram tensões e conflitos entre os diferentes sujeitos e grupos envolvidos. Busquei apresentar o caminho que segui na busca por uma arqueologia da paisagem, para compreender as estratégias materiais formadoras de uma diferente espacialidade, através da qual procurei interpretar outras formas e sentidos em ver, compreender e viver o espaço e o tropeirismo. Agora, quais são os caminhos que apontam para o futuro? De certa forma, este trabalho permite pensar que uma aproximação mais conseqüente da arqueologia da paisagem do tropeirismo passa, forçosamente, por um aprofundamento dos levantamentos documentais. Estes, combinados a uma ampliação das áreas prospectadas poderão indicar novos rumos para a interpretação do espaço constituído a partir dos processos históricos aqui referidos. Para tanto, as porteiras estão abertas, e as escolhas dos caminhos serão tantas quantas forem as questões levadas na bagagem. 185 Referências Bibliográficas Fontes Primárias Impressas ou Digitalizadas ABREU, Cristóvão P. Do novo caminho que se descobriu das campanhas do Rio Grande, e Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no ano de 1727 por ordem do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 3a Prática- Dada pelo Coronel Cristóvão Pereira de Abreu sobre o mesmo caminho ao R.P.M. Diogo Soares. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002. Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/crispereira_3.pdf. acessado em 25/03/2005. ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Anais. Porto Alegre: IEL/AHRGS, 1977. V.1. ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL. Anais. Porto Alegre: IEL/AHRGS, 1983. V.6. ARQUIVO HISTÓRICO DO RI GRANDE DO SUL. Anais. Porto Alegre: 1991. V.10. BURTON, Richard F. Viagens aos Planaltos do Brasil (1868). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. Tomo COUTINHO, André R. 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Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/souzaefaria.pdf. acessado em 25/03/2005. INÁCIO, José. Do novo caminho que se descobriu das campanhas do rio Grande, e a Nova Colônia do Sacramento para a Vila de Curitiba no Ano de 1727 por ordem do Governador e General de São Paulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel. 2ª Prática- Dada ao P. M. Diogo Soares sobre a abertura do novo caminho pelo piloto José Inácio, que foi e acompanhou em todo ele ao mesmo Sargento-Mor Francisco de Souza e Faria. Março/1738. In: Notícias Práticas. Biblioteca Virtual, Laboratório de Pesquisa em História Social/IFCH/UFRJ, 2002. Disponível em http://www.liphis.com/bibliovirtual/joseinacio.pdf. acessado em 25/03/2005. SAINT-HILAIRE, Augusto de. Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Tomo I. 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Sobre o official q. ha de ir para o novo Registo e o Picador de Regimento dos Dragoens” (folha 21v, Registro Geral da Fazenda 1771-1780). - “Registo de huma Feria de oficiais de carpinteiro e mais trabalhadores q trabalharão na fatura doa coarteis e mais precizos do novo estabelecimento do registo de Santa Victoria em Sima da Serra” (folhas 26v - 27v, Registo Geral da Fazenda 1771-1780). - “Registo de uma ordem do tribunal da Junta da Real Fazenda da Capital do Rio de Janeiro com o teor de arrematação e condições como a mesma foi rematado o contrato das passagens dos animais pelo Registo de Viamão e Santa Vitoria deste Continente” - 17731775 (folhas 56v-60r). - “Registo de huma petição e despacho por onde demandão registrar o auto de rematação e condiçoiz com que foi rematado ao capitão Manoel de Araujo Gomes e Compª o contrato das passagens de animais pelos registos de Viamão, e de S. Jorge do Rio das Canoas, por tempo de seiz annos” (folhas 133v - 135V). 188 ARQUIVO HISTORICO DO RIO GRANDE DO SUL, Códice Fazenda 1245 - “Registo de huma Provizão da Junta da Real Fazenda do Rio de Janeiro dirigida ao Senhor Brigadeiro Governador Sebastião Xavier da Veyga Cabral da Camara, respeito ao registo de São Jorge das Lages pertencer a capitania de São Paulo e ficar pertencendo esta capitania como dantes até o Santa Victoria” – 1780 (folhas 5r-5v). - “Registo de huma Provizão da Junta da Real Fazenda do Rio de Janeiro e auto de arrematação na mesma fez o capitão Manoel Gomes de Araujo e seus sócios do contrato das passagens pelos registos de Viamão e Santa Vitória pelos trez annos de 1782 a 1784 por preço de 10:225$000 além da propina para obra pia e muniçoenz” (folhas 26v-29r). 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Documentos: 639a – “Planta do quartel da Polícia e caza da collectoria no Passo do Pontão da Freguesia de Vacaria”; 639 – ofício. ARQUIVO HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL, Fundo Obras Públicas 06. - MELLO, Lopes de Almeida Henriques Botelho. “Serviço a fazer para concluir o Barracão do Pontão” – 28/12/1851. Bibliografia Citada (obras impressas e digitais) BARCELOS, Artur. H. F. Espaço e Arqueologia nas Missões Jesuíticas. Porto Alegre: EDIPUCRS. Coleção Arqueologia, 2000. V.7 BARROSO, Vera. L. M. Santo Antônio da Patrulha: vínculo, expansão, isolamento (1803–1889). Dissertação de Mestrado em História. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1979. ________. O Caminho do “Sertão”: da integração ao isolamento. In: SANTOS, Lucila S., et al (org). Bom Jesus e o tropeirismo no Brasil Meridional. Porto Alegre: Edições EST, 1995. pp. 37-44. BAYÓN, Cristina y PUPIO, Alejandra. 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(56v) “Registo de huma ordem do tribunal da Junta da Real Fazenda da Capital do Rio de Janeiro com o teor de arrematação e condiçoins como a mesma foi rematado o contrato das passagens dos animais pelo Registo de Viamão e Santa Vitoria deste Contimente” (57r) “Dom Jose por graça de Deus Rey de Portugal e dos Algarves daquem e dalem mar em Africa Senhor da Guiné. Faço saber a vos Provedor da Real Fazenda do Rio de Janeiro que rematou Bernardo Gomes Costa para sy e seus socios Anacleto Elias da Fonseca e Miguel de Alvarenga Braga o contrato daz passagens de animais pellos Registos de Viamão e Santa Vitoria desse Continente por tempos de tres annos que há de ter principio no 1º de janeiro de 1773 por preço de dez contos de reis pello dito tempo e tres annos livres para a minha Real Fazenda alem de hum por cento aplicado para a obra pia e da propina para moniçoins com as condiçoins que com este se vos remetem asinados pelo escrivão deputado da dita Junta pelo que vos ordeno deis toda a ajuda a favor ao dito contratador seus socios e procuradorez e façais cumprir as ditas condiçoins sem duvida ou contradição alguma. El Rey Nosso Senhor o mandou pello Marquez Vice Rey do Estado do Brasil Presidente da Junta da Real Fazenda Antonio de Oliveira Braga oficial papelista do tribulnal da Junta da Real Fazenda a ser em 18 de dezembro de 1772 = João Carlos Correa Lemos Escrivão e Deputado da Junta da Real Fazenda a fis escrever = Marquez do Lavradio = cumprase a 201 registasse como Sua Magestade manda Viamão 16 de janeiro de 1773 = Ignacio Ozorio Vieira = copia = Rematação do Contrato das passagens dos Animaiz pellos Registos do Viamão e Santa Vitoria no Continente do Rio Grande de São Pedro pellos tres annos de 1773 a 1775. (57v) Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1772. A trez dias do mês de dezembro nesta cidade do Rio de Janeiro no Tribunal da Junta da Real Fazenda estando presente o Ilustrissimo Excelentissimo Senhor Marquez Vice Rey e Capitão Geral do Estado do Brasil e Presidente da dita junta como tãobem os Ministros Deputados abaixo asinados apareceo Bernardo Gomes Costa homem de negocio da praça desta cidade o qual disse lançava para sy e seus socios Anacleto Elias da Fonseca e Miguel de Alvarenga Braga no contrato das passagens de animais pelos registos de Viamão e Santa Vitoria no Continente do Rio Grande pelos tres annos de 1773 a 1775 a quantia de dez contos de reis livres para a Fazenda Real alem de hum por cento aplicado para a obra pia e da propina para muniçoins e isto com as condiçoins seguintes não so pelo que pertença ao registo de Viamão que já existia anteriormente mas pelo que pertence ao registo de Santa Vitoria que se mandou estabelecer de novo a saber. Pelo que pertence ao registo de Viamão 1º que pertencerão a elle contratador os direitos que se pagam nos referidos Registos de todos os Animais que por elle passão na forma esta em estillo pagarem se. 2º Que podera elle contratador e seu socios haver os ditos direitos que pertencem cobrasse para a Real Fazenda e não o que Sua Magestade tem dado a partes conforme as leys porquê se estabelesse este rendimento como athe o presente se observou e sem alteração alguma por tempo dos ditos tres annos somente o que fara cumprir o provedor da Fazenda Real do Rio Grande dando das suas 202 determinaçoins e apelaçoins a agravoz para o juizo dos feitos da Fazenda da Relação desta cidade do Rio de Janeiro. 3º Que elle contratador e seus socios gozarão de todos os previlegios concedidos pellas ordenaçoins do Reino aos rendeiros das Rendas Reaiz não estando derogados em parte ou em toda a se lhes dara pellos governadorez e mais Menistros de Justiça e fazendo toda a ajuda (58r) e favor licito e justo para a cobrança das dividas deste contrato durante o tempo delle e o mais lhe permita a ley e regimento da Fazenda. 4º Que por conta delle contratador serão todas as despesas feitas na arrematação deste contrato e somente por conta da Real fazenda se pagarão os ordenados dos officiais nomeados por Sua Magestade que tiverem cartas alvaras ou provizoins suas e não podera elle contratador alegar perdas nem usar de encampaçoins algumas ainda nos cazos em que os regimentos da Fazenda as admitem mas antes elle dito contratador renuncia todos os cazos fortuitos ordinarios ou extraordinarios e todos os casos solitos ou insolitos cogitados ou não cogitados e que em toda e a cada hum delles ficara sempre obriogado sem delles se poder valler nem os poder allegar em tempo algum e para algum efeito qualquer que elle seja. 5º Que elle contratador e seu socios serão obrigados a satisfazer o preço deste contrato na Provedoria da Fazenda Real do Rio Grande em tres pagamentos iguais a saber. O primeiro no fim do segundo anno e os outros no fim digo e os outros dois no fim de cada hum dos annos que se forem seguindo de forma que depois de findo o contrato dahy a hum anno se vença o ultimo pagamento. 6o Que tocarão a elle contratador e seus sócios os direitos que costumão pagarsse doz animaiz que passarem pelos Registos referidos durante o tempo do seu contrato e pellos caminhos em que ha Registos e quando se abra algum novo se atendera ao prejuizo do seu contrato permitindo elle ou por Registo no dito caminho ou o que 203 parecer conveniente e justo em forma q’não haja extravio nos direitos que pertencem a Sua Magestade. 7o Que se lhe darão os soldados necessarios para guarda dos Registos como atualmente se esta praticando e para acompanharem ao caixa quando for estabelecer algum Registo de novo ou as cobrançaz e poderão elle contrador e seus socios largar parte deste contrato as guardas e com quem lhe parecer e nomear meirindos escrivains e feitores que julgarem necessarioz aos quais se passarão provimentos pella junta da Fazenda desta cidade ou pello Provedor da Fazenda do Rio Grande sendo pagos de seus (58v) ordenados a custa delle contratador e seus socios e todos gozarão os previlegios que pela ordenação e regimento da Fazenda lhe são concedidos sendo seus Juiz Privativo o Provedor da Fazenda em todaz as suas couzas civeis ou crimes em que forem autorez ou reos na forma expreçadamente declarada na ordenação do reino e da fazenda e cobraras executivamente as dividas deste contrato não só em tempo delle mas que tãobem assim o poderão executar dois annos depois de findo. 8o Que no caso de falecimento ou se auzentarem os procuradores ou administradores deste contrato em qualquer parte que asertirem em beneficio delle os Ministros e oficiais da Fazenda dos defuntos e auzentes se não intrometerão de nenhum modo com os efeitos duvidas papeis livros dinheiro e nem em outra nenhuma couza que ficar por falecimento e auzensia dos ditos procuradores ou administradores porque tudo o que lhe tocar sera entregue as auzencias que elle contratador ou seus procuradorez tiverem nomeado e quando suceda falecer algum devedor dos ditos direitos e que os tais oficiais dos defuntos e auzentes tenham seus bens com certidão jurada do provedor do registo por onde conste os direitos que deve lhe pagarão os ditos oficiais dos defuntos e auzentes sem mais justificação alguma. 204 9o Que os comboyeiros levarão guias dos registos em que se declara o numero de animais que nelle se registarão e quantia do dinheiro que importão os direitos e que ficão devendo suspendendo os passos naquelas partes que estão asinadas ou que de novo se asinarem até aprezentarem os ditos guias no ultimo registo aos procuradores delle contratador e seus socios confiscandosse para estez o que se lhes axar fora das guias ou se afastar das dittas partes asinadaz para as apresentarem. 10o Que todos os animais pastarão nos mesmos pastos que sempre pastarão enquanto não passam os registos em cujos registos poderão elle contratador e seus socios e admenistradores ter logeas de fazenda para servirem as tropas e peains por ser assim precizo para a cultura deste comercio e concervação deste contrato tudo na forma com que se estabeleceo na primeira rematação a na que se fez nesta junta no anno de 1771. Pelo que pertençe ao registo de Santa Vitoria novamente estabelecido 11o Que se concerva o registo de Viamão no lugar e paragem (59r) em que de prezente se axa para no mesmo se contarem todos os animais que sahirem das fazendas que ficão no seu destrito assim muarez cavallaraz como criollos e ainda os comboyados pelos contrabandistas, e o inspetor que administrar o ditto registo passa as guias na forma de extillo aos tropeiros com as marcas das estancias cujas guiaz serão os mesmos comboyeiros obrigados a apresentar ao inspetor que administrar o novo registo denominado Santa Vitoria. 12o Que não havera empedimento no Registo de Viamão para deixar pasar aqueles animaiz que forem precizoz nas fazendas de Sima da Serra e daquellas que se axão digo que se comprehendem entre o Registo de Viamão e de Santa Vitoria mas que esta liberdade sera regulada pela junta da Fazenda Real desta cidade a proporção dos estabelecimentos que a mesma junta intender convenienty: advertindo que a respeito dos outros animaiz que não são os 205 criadores e que por isso mesmo não fazem o estabelecimento das fazendas sera inteiramente permitida a dita paragem não só para o dito estabelecimento mas indo para fora do contimente. 13o Que os fazendeiros de Sima da Serra e donos da vacaria que ficão dentro do mesmo registo denominado Santa Vitoria e fora de Viamão serão obrigados a darem a elle contratador ou seus procuradorez huma lista de todos os animais que possuirem e tenham pago os direitos reais de Viamão como tãobem serão obrigados com quem fizerem negocios declarando no billhete o numero e quantidade de animaiz venderão com as suas marcas para que conferindosse pellos avizos na primeira contagem ver se levão extraviados alguns animais cujos bilhetes os mesmos compradores e comboyeros obrigados a aprezentar ao inspetor do novo Registo de Santa Vitoria pena que não aprezentando os tais billhetez ou constar por falta de os não trazerem intentão extraviar seos (59v) animaiz por fora do ditto registo lhe serem confiscados os mesmos animaiz para elle contratador e ficarem incursos na pena de encaminhadores da Fazenda de Sua Magestade. 14o Que todos os animais muarez cavallarez e criollos que se axarem fora dos registos sem guia e conhecendosse ser crias respectivas aos dous registos se tomarão por perdidas para elle contratados. 15o Que pertencerão a este contrato o direito de tudo quanto tiver entrado nos limites dos destrictos ate o ultimo dia em que o de findar ainda que neste tal dia não tenham com effeito xegado aos sitios em que estiverem os tais registos para que não suceda que os viandantes ou conboyeros em odio delle contratador se deixem ficar fora dos mesmos registos e procurem utilizar ao contrato futuro ou com elle tratarem rebates de direitos que hão de pagar cujo fim poderão os administradores dos registos expedir nos ultimos diaz do seu contrato officiais que em comum com os do novo contratador tomem o rol de todos os animaiz que se axarem nos limitez de seu contrato e tudo o maiz que lhe deva direitos para que quando 206 entrarem nos registos fiquem peretencendo a elle contratador e não possa haver duvidaz com o novo rematante. Em sendo visto que pelo Ilustrissimo e Excelentissimo Senhor Marquez vice Rey e maiz Ministros da Junta o conteudo neste contrato e suas condiçoins e que tendo andado a lançar em diversos diaz para o que forão convocados os homens de negocio da praça desta cidade por avizo feito na mesa de inspeção como tãobem os negociantez do continente do Rio Grande por avizo feito ao provedor do mezmo Continente não ouve quem offeressece mayor laço que o de dez contos de reis offerecido pelo dito Bernardo Gomes da Costa e seus socios nomeados que se axarão prezenty digo por sy e seus socios houverão por bem e se obrigarão em nome de Sua Magestade em darlhe inteiro cumprimento e o ditto Bernardo Gomes da Costa e seus socios nomeados que se axão prezenty dicerão que se obrigão a cumprir inteiramente o ditto contrato na forma de sua rematação (60r) com todas as condiçoins nelle expreçadaz sob as obrigaçoens de todos os seus bens moveis e de raiz por aver reconformidade que determina a ley de 22 de dezembro de 1761. E por firmeza de tudo se mandou escrever o prezente contrato que asinarão o Ilistrissimo e Excelentissimo Senhor Marques Vice Rey Menistros e Depitados com o dito rematante se seus socios Antonio de Oliveira Braga official capelista do tribunal da Junta da Fazenda Real o fis escrever Marques do Lavradio, Joaquim Alvez Monis, Jose Pio Ferreira Souto, Manoel Ferreira Gomez, João Carlos Correa Lemos, Jose Mauricio da Gama e Freitas, Bernardo Gomes Costa, Miguel de Alvarenga Braga, Anacleto Elias da Fonseca. Esta conforme fis 13 de dezembro de 1772 João Carlos Correa Lemos E não se continha mais na dita ordem e copia do auto de rematação e condiçoins com q’ foi rematado o referido contrato das pasagens dos animaiz pelos Registos de Viamão e Santa Vitoria sobre a Serra que aqui fis bem e fielmente do proprio que tornei a entragar ao Meirinho 207 da Fazenda Real Joaquim Souza Conceição e de que como o recebeis asinou como escrivão da Fazenda Real que este subescreves. Viamão 16 de Janeiro de 1773” (AHRGS, CF 1244, folhas 56v - 60r). Documento 02 Mantive ortografia do original. (21v) “Registo de huma Portaria Do Sr, tenente Coronel Gov. para se registrarem dois capitulos de uma carta do Ilmo e Excelentissimo Sr, Marquez Vice Rey datada a 11 de janeiro de 1772 sobre o official q. ha de ir para o novo Registo e o Picador de Regimento dos Dragoens O provedor da Fazenda Real manda registar os dois capitulos da carta junta do Ilm. Excelentissimo Sr. Marquez Vice Rey, sobre o oficial que a de ir para o Registo e sobre o Picador do regimento de Dragoens. Viamão 16 de fevereiro de 1772 = Veiga = Cumprase Viamão 16 de fevereiro de 1772 = Osorio = E pelo que toca a pessoa que asista no registo me parece muito bem que haja de ir hum oficial de tres em tres mezes escallandose para isso sempre dos mais capazes entre estes e como não parece justo q’ por serem oficiais se lhe recaya o trabalho a não percebão utilidade ficara recebendo o que for des mil reis mais por mês alem dos soldos q’lhe competir pelo seu posto e cada um seja nomeado de tres em tres mezes e desta forma fica denominada. E uma grande parte daquela despeza. A pois a nomeação de picador desse Regimento e o soldo que sabe ha de vencer sera o de doze mil reis por mês como foi arbitrado nesta capital ao do esquadrão de cavalaria de minha guarda. E não se continha mais em os capitulos da carta do Ilm, e Excelentissimo Sr. Marquez Vice Rey do estado q’aqui fis bem e fielmente registar dos proprios que averão in cartas na carta q’tornei a entregas ao Sargento Mel. Carvalho de Souza e de me receber a [...] como escrivão da Fazenda Real q’este sub escreve. 208 Viamão 16 de fevereiro de 1772 Domingos de Lima, escrivão da Fazenda Real” (AHRGS, CF 1244, folha 21v, Registro Geral da Fazenda 1771-1780). Documento 03 Mantive ortografia do original. (26v) “Registo de huma Feria de oficiais de carpinteiro e mais trabalhadores q trabalharão na feitura dos coarteis e mais precizos do novo estabelecimento do registo de Santa Victoria em Sima da Serra. (27r) Feria que mandou por corrente o Sr. Tenente Coronel Governador Antonio da Veiga de Andrada com intenção do Promotor da Fazenda Real Ignacio Ozorio Vieira aos oficiais de carpinteiros e mais trabalhadores q’ trabalharão na feitura dos coarteis e mais precizos do novo estabelecimento do Registo de Santa Victoria em Sima da Serra do primeiro de janeiro até o ultimo de março de 1772 = carpinteiros = Ventura Jose sincoenta e coatro diaz a quinhentos e secenta trinta mil duzentos e coarenta = Jose Domingues catorze dias e meyo a coatro centros reias sinco mil e oitocentos = Serventes = Manoel da Costa coatro dias a cento e secenta dous mil setecentos e vinte = Jose da Costa treze dias a cento e secenta dois mil e oitenta = Antonio Nunez treze dias a sento e secenta dois mil e oitenta = Luis de Santiago vinte e cinco dias a cento e coarenta tres mil e quinhentos = Constantino de Moura coarenta dias a cento sincoenta e nove mil trezentos e coarenta = A qual feria vai asinada por mim Manoel Marques de Souza Tenente da Cavalaria Escolhida q serve de comandante do dito registro e para aos Santos Evangelhos a verem trabalho os referidos os dias mencionados em seu ponto. Viamão primeiro de junho de 1772 = Manoel Marques de Souza = Informa ao provedor da Fazenda Real. Viamão 1ª de junho de 1772 = Veiga = Senhor Tenente Coronel Governados = Não tendo nem nunca 209 tive noticia da despesa desta feria e mal conduzi diante se expressa nela fora com intervenção minha e como Senhoria manda fazer estas despesas sem eu ser ouvido de q’ possa informar a Senhoria. Viamão a 1ª de junho de 1772 = Ignacio Ozorio Vieira = Sem embargo da duvida do Provedor da Fazenda Real o mesmo Provedor mande pagar esta feria estando certa e de as providencias que intender necessarias para que (27v) semelhantez despesas são indispensaveis se fação sem q’ ao depois ajão estas duvidas. Viamão 03 de junho de 1772 = Ozorio = Domingos de Lima Veiga Escrivão da Fazenda Real e matricula Sargento de guerra neste Continente do Rio Grande de São Pedro certifico a verem recebidos as pessoas contidas na feria [...] do tezoureiro da Fazenda Real Jose Antonio de Vaconselos por mão do Tenente de Aventureiros Escolhidos Manoel Marques de Souza a quantia de que cada hum tem em seu nome, todos a de 59 340 reis contendos na mesma feria cuja quantia dependeu o dito tezoureiro do dinheiro do seu recebimento em observancia dos despaxos nella postos. E para aver de lhe ver levada em conta a dita quantia lhe pasei a presente certidão della por mim feita e asinada. Viamão 03 de junho de1772 = Domingos de Lima Veiga = Sua posta verba deste pagamento no livro primeiro dellas das ferias pagas pelo tezoureiro Vasconsellos as folhas dezeseis verso. Viamão a 3 de junho de 1772 = Veiga = E não se continha mais em a dita feria q’aqui fis registrar bem e fielmente da propria que se entregou ao Tezoureiro da Fazenda Real José Antonio de Vasconsellos para a sua despeza. Viamão 3 de junho de 1772 = Domingos de Lima Veiga Escrivão da Fazenda Real. Subescrevy e asigney” (AHRGS, CF 1244, folhas 26v 27v, Registo Geral da Fazenda 1771-1780). 210 Documento 04 Mantive ortografia do original. (5r) “Registo de huma Provizão da Junta da Real Fazenda do Rio de Janeiro dirigida ao Senhor Brigadeiro Governador Sebastião Xavier da Veyga Cabral da Camara, respeito ao registo de São Jorge das Lages pertencer a capitania de São Paulo e ficar pertencendo esta capitania como dantes até o Santa Victoria. Dona Maria por graça de Deos, Rainha de Portugal e dos Algarves daquem e dalem mar em Africa Senhora de Guine e da Conquista Navegação e Comercio da Ethiopia, Arabia, Percia e da India etsetera. Faes saber Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Camara Brigadeiro dos meus exercitos e governador do continente do Rio Grande que eu fiu servida de mandar expedir pelo meu Real Erario da Junta da Real Fazenda desta cidade a Provizão do theor seguinte. O marques de Anjejo do Conselho da Raynha Minha Senhora gentil homem da sua camara Tenente General de seus exercitos, Ministro assistente ao despacho do gabinete Prezidente do real Erario nelle lugar tenente imediato a Real pessoa da mesma Senhora etesetera. Faço saber a junta da Adminitração da Real Fazenda da Capitania do Rio de Janeiro que sendo prezente a Raynha Minha Senhora pelas contas que me dirigio a Junta da fazenda da Capitania de São Paulo nas datas de vinte e trez de dezembro de mil sete cento setenta e seiz, e dezenove de julho de mil sete centos setenta e sete as controversias que tem havido entre a mesma e a de Viamão a respeito do novo registo mandado estabelecer, por esta junta no interior daquela capitania a requerimento de Manuel de Araujo Gomes, a quem se havião arrematado os registos de Viamão e Santa Vitoria, seguindo se consideravel prejuizo aos rendimentos da Capitania de São Paulo desde intruzo Registo nos limites da sua jurisdição. He a mesma Senhora servida determinar que sua junta passe logo as ordens necessaiaz a Junta de Vaimão para que se 211 obtenha inteiramente cobrança daquelles direitos ate huma resolução de Sua Magestade para continuarem a receber pela junta de São Paulo a quem na presente [...] (5v) determinação ordena outro sim a mesma Senhora que esta junta informa das razoens que serve para mandar fazer a mudança daquele registo incluindo a arematação do dito Manoel de Araujo Gomes do mesmo que lhe pertencia ao Distrito de outra capitania segundo a demarcação que se acha feita do anno de mil sete centos quarenta e oito. Bernardo Jose Marques a fez em Lisboa aos vinte e nove de julho de mil sete centos setenta e nove. Luis Jose de Britto contador geral do territorio da Relação do Rio de Janeiro Africa Oriental e Asia Portugueza a faz escrever = Marquez de Anjejo = Pelo que vos ordena que pela parte que os toica façaez executar o que se determina a dita Provizão deixando a Junta da Capitania de São Paulo fazer a arrematação dos Direitos daquelle Registo cmo acima determna. A Raynha Nossa Senhora mandou por Luiz de Vasconcellos e Souza do seu Conselho Vice Rey Capitão gral de mar e terra do Estado do Brazil e Presidente da Junta da Real Fazenda. Joaquim Oliveira Durão, Escripturario da contadoria da mesma junta a faz nesta cidade do Rio de Janeiro aos seiz de settembro de mil setecentos e oitenta. João Carlos Lemoz, Escrivão e Deputado da Junta da Real Fazenda a fiz escrever – Luiz de Vasconcellos Souza = cumprase e registese. Villa de São pedro do Rio Grande vinte e nove de outubro de mil setecentos e oitenta = Com a rubrica do Senhor Brigadeiro Governados Sebastião Xavier da Veyga Cabral e Camara = Registese Rio Grande vinte e nove de outubro de mil setecentos e oitenta = Ozorio = E não continha mais na dita Provizão que aqui fiz registar bem e fielmente da propria que tornei a entregar a quem me apresentou e de como recebes assignou com e Escrivão da Fazenda Real que esta subscrevo. Villa de São Pedro do Rio Grande 29 de outubro de 1780. Domingos de Lima Veyga Escrivão da Fazenda Real, subscrevi e asignei” (AHRGS, CF 1245, folhas 5r-5v). 212 Documento 05 Mantive ortografia do original Documento que acompanha o “Mapa plano e descriptivo do porlongo das cazas que afazerão no Registro de Santa Vitória”. “Explicações AB frente = DC fundo, com 135 palmos. AD=BC lados com 57 palmos. As paredes AB e DC são sobre quem (...) as linhas e por conseqüência as tesouras a vista claro está que a vão compreendido entre as paredes AB-BC-CD-DA há ao centro das casa. Da parede EF sai uma varanda da parede DC a vista do que vão compreendido entre as paredes EF, FC, CD, DA há uma varanda. As letras P significam portas as letras J significam janelas, tanto um quantas outras coisas tem 5 palmos de largo. Mapas respectiva. AB=CD o pé direito com 14 palmos, inclusive a grossura do EF - GH ponto do madeiramento com 12 palmos: os mestres carpinteiros neste ponto seguem opiniões diferentes. Motivo por que há prédios com diferentes pontos sem atender a marca proporcional de 3 ½ sem passar, com (...) do mapa plano. Vi que da porta de tora das paredes AB e EF distas da outra 42 palmos, logo se 3 ½ : 1::42:=12 como assim digo. As portas tem de alturas 10 ½ palmos e as janelas 6 palmos, recomendo ao mestre carpinteiro (...) por cima do (...) das tesouras nesta tarefa. Quartel casa de prisão Casa de prisão ............ 01 Quartel dos solados ..... 02 Cozinha do quartel ...... 03 Casa do comandante Sala ................................... 04 Alcova do comandante .......... 05 213 Alcova do escrivão ................ 06 Arrecadação das armas ......... 07 Corredor ............................. 08 Varanda .............................. 09 Cozinha .............................. 10 Escritório e casa do cofre Escritório ............................ 11 Arrecadação do cofre ........... 12 Casa do coletor Sala ...................................13 Casa de jantar ................... 14 Copa ................................ 15 Alcova de fora ................... 16 Alcova interior .................. 17 Varanda ...........................18 Dispensa ......................... 19 Cozinha .......................... 20 Porto Alegre, 27 de junho de 1833 Miguel Gonçalvez dos Santos Advertência As casas feitas em cima da serra ainda cobertas de telhas para se livrarem do incêndios são contudo formadas de esteios e pau a pique: porque seja uma e outra coisa de madeira de pinho por ser difícil outras quaisquer de lei, são por isso pouco duráveis, arruinando-se na superfície da terra, e posto que haja muita pedra, falta-lhe cal, material este que (...) em Santa Vitória, não pode ficar por menos de quatro mil réis o alqueire. Modernamente servem-se de tijolo, pois como mais poroso calcina bem com o saibro, que o a belíssimo, não só para o efeito dito como para [...]. servindo-se com tudo de pedra para os alicerces. O orçamento é contando ser feito porlongo de casas sobre pilares e frontal de tijolos de 14 palmos de 214 pé direito. Pela mesma razão da madeira ser de pinho é que deixam de [...] pela pouca duração sendo aterradas, que é preferível o ladrilho para conservação da saúde: motivo este porque no orçamento não trato do assoalho. Quanto a pedra para os alicerces, é tanta em qualquer parte há. Do mesmo respeito a madeira, pois os capões de pinheiro são imensos. Pode-se economizar alguma coisa nos gêneros telha e tijolo, porque feito que seja o rancho para os tropeiros que deve supor seja coberto de capins sobre esteios, em o mesmo se faz uma e outra coisa, os advirto porém que para queimar o tijolo é preciso forno, bastando fazer um pequeno forno para queimar a telha; posto que este gênero há dúvida nos subúrbios de Sta. Vitória. Os soldados empregados no destacamento do Registro podem bem concorrerem a que se faça com mais economia os prédios, dando-se-lhe alguma gratificação. Executando-se o risco com esteios paredes de pau a pique, e coberto de capim caindo a despesa em metade do quanto consta no orçamento, porém há inconveniente de ser pouco durável e exposto a algum incêndio como levo dito. Porto Alegre, 27 de junho de 1833 Miguel Gonçalvez dos Santos” (SANTOS, AHRGS, OP 1, 1833). 215 Anexo 2 Alguns contratos arrematados para os Registros de Viamão e Santa Vitória Período Arrematador 1773-1775 Bernardo Gomes da Valor do Contrato Fonte Pesquisada Costa e 10:000$000 AHGRS, CF 1244, folhas 56v-60r Sócios (Anacleto Elias da Fonseca e Miguel Alvarenga Braga). 1776-1781 Manoel Gomes de Araújo e Sócios 20:050$000 AHRGS, CF 1244, folhas 133v - 135V (Manoel Antônio de Araújo e Lourenço Ferreira Ribeiro). 1782-1784 Manoel Gomes de Araújo e Sócios 10:225$000 AHRGS, CF 1245, (Capitão Manoel Antônio de folhas 26v-29r Araújo e o Dr. Lourenço Ferreira Ribeiro). 1785-1787 Bernardo Gomes da Costa e 13:225$000 AHRGS, CF 1245, sócios (Sargento-mor Anacleto folhas 78v-80v Elias da Fonseca e os Capitães Manoel Barbosa dos Santos e José Antônio Lisboa). 1788-1790 Capitão-mor Anacleto Elias da 13:675$000 AHRGS, CF 1245, Fonseca e Bernardo Gomes da folhas 135r-137v Costa 216 1791-1793 Capitão-mor Fonseca Anacleto Elias da 14:000$000 AHRGS, CF 1246, folhas 143r-147r 1794 “ano Capitão-mor solteiro” Fonseca Anacleto Elias da 4:666$670 1795-1797 Capitão-mor Fonseca Anacleto Elias da 14:200$000 AHRGS, CF 1248, folhas 51r-57r 1798 “ano Capitão-mor solteiro” Fonseca Anacleto Elias da 4:733$000 1799 AHRGS, CF 1247, folhas 187v-188 AHRGS, CF 1248, folhas 237v-242r Sem referências localizadas 1800-1802 Capitão-mor Fonseca Anacleto Elias da 20:400$000 AHRGS, CF 1249, folhas 195v-199v 1803-1805 Capitão André A. P. Vianna e 31:050$000 AHRGS, CF 1188, Antônio José M. Bastos 126 Folhas 353-354 1806-1808 João Rodrigues Pereira e sócios 31:100$000 AHRGS, CF 1182, folhas 107-115 (Antônio José Araújo e José Antônio de Azevedo) 127. Este é o primeiro contrato de arrematação do registro de Santa Vitória em que o arremantante não é homem da praça do Rio de Janeiro. O Capitão André A. P. Vianna e Antônio José M. Bastos eram negociantes da praça de Posto Alegre e esta arrematação de Registro foi a primeira a ser executada na Junta do Rio Grande e não no Rio de Janeiro. 127 Contrato arrematado na Junta de Porto Alegre, no entanto José Antônio de Azevedo, além de sócio, foi o procurador dos demais arrematantes, todos negociantes da Praça do Rio de Janeiro 126 217 Anexo 3 Mapa de las Missiones de la Compañía de Jesús, de José Quiroga. 1749. 218