Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Segundo Ciclo em Ciências da Comunicação DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICA E INTERCULTURAL A Viagem nos Descobrimentos como Promoção da Interculturalidade: A circum-navegação do globo por Fernão Magalhães - Consequências e contributos culturais Helda Celene Garcia Correia Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Segundo Ciclo em Ciências da Comunicação DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICA E INTERCULTURAL A Viagem nos Descobrimentos como Promoção da interculturalidade: A circum-navegação do globo por Fernão Magalhães - Consequências e contributos culturais Orientador: Doutor Américo Nunes Peres Helda Celene Garcia Correia - aluno 32991 Vila Real, Dezembro de 2011 Ao meu Avô Eduardo (in memorian), Pelo carácter, pelos ensinamentos e afecto: “A Morte é a curva na estrada, Morrer é só não ser visto.” (Fernando Pessoa, 1932) As adversidades que encontrei no caminho, Só fortaleceram a minha vontade. Os sorrisos, abraços e palavras que recebi, Acompanharam o meu trajecto até aqui. 3 Índice geral Resumo ............................................................................................................... 6 Abstract .............................................................................................................. 7 Introdução ........................................................................................................... 9 1. Metodologia de Investigação........................................................................ 14 2. Em torno do conceito de cultura(s) .............................................................. 16 3. A influência material das culturas – aculturação e transculturação ............. 20 4. O processo da interculturalidade .................................................................. 27 5. A interculturalidade na expansão Portuguesa .............................................. 29 6. O reconhecimento na esfera da interculturalidade ....................................... 36 7. A Circum-navegação do globo por Fernão de Magalhães ........................... 40 7.1. Antecedentes gerais das viagens dos Descobrimentos: ......................... 40 7.2. Os relatos das viagens como testemunho na época ............................... 41 7.3. A questão política, religiosa e social nesta viagem ............................... 43 7.4. Consequências desta descoberta ............................................................ 44 7.5. A multiculturalidade na constituição da tripulação desta viagem ......... 46 7.6. Referências e homenagens a Fernão Magalhães ................................... 47 8. O processo de análise de conteúdo – as categorias ...................................... 48 9. Análise de conteúdo do Relato da Viagem, por Antonio Pigafetta .............. 51 Considerações finais ......................................................................................... 64 Referências bibliográficas ................................................................................ 67 Webgrafia ......................................................................................................... 68 ANEXOS .......................................................................................................... 73 ANEXO I .......................................................................................................... 74 ANEXO II ........................................................................................................ 75 ANEXO III ....................................................................................................... 76 ANEXO IV ....................................................................................................... 77 ANEXO V ........................................................................................................ 78 ANEXO VI ....................................................................................................... 79 ANEXO VII ..................................................................................................... 80 ANEXO VIII .................................................................................................... 81 ANEXO IX ....................................................................................................... 82 4 Agradecimentos O meu primeiro agradecimento é dirigido, inquestionavelmente, ao meu Orientador de Dissertação, o Doutor Américo Peres, que me incentivou desde o início para a elaboração desta dissertação. Pelo seu marcado profissionalismo, pela sua experiência, e ainda, pela sua delicadeza e humanismo, o meu obrigada e inegável reconhecimento. Um agradecimento ao Doutor Galvão Meirinhos pela atitude jovial e responsável com que sempre lidou com os alunos, orientando-os sempre que solicitado e pela forma experiente como abordou as questões académicas, desde as funções de Director deste Mestrado, até às funções de Docente das unidades curriculares leccionadas. Aos Doutores Gonçalo Fernandes e José Belo. Ao primeiro, pelo acompanhamento rigoroso e dinâmico na unidade curricular leccionada neste ciclo de estudos (Pragmática da Comunicação) e pela sua cordialidade. Ao segundo, pelas atitudes, que sempre pautaram o seu relacionamento com os alunos e pelo acompanhamento responsável que sempre ofereceu aos mesmos no percurso académico. Aos restantes Docentes que me acompanharam neste ciclo de estudos, e que me ofereceram o seu empenho, a sua experiência e o seu apoio, o meu obrigada. Agradeço especialmente aos meus pais, que me apoiaram incondicionalmente em mais um passo no meu percurso académico. Pelo seu amor e paciência, a minha gratidão, que será sempre pequena perto dos seus gestos. 5 Resumo A dissertação académica que ora se expõe e defende integra-se no âmbito das viagens dos Descobrimentos, em especial, uma viagem realizada no século XVI – a circum-navegação do Globo por Fernão Magalhães. Esta foi o corolário das descobertas de rotas e passagens marítimas (e para além destas, o achamento de novas terras, a confirmação de ideias e teorias científicas) na Época dos Descobrimentos Portugueses e Espanhóis, uma vez que eram estas as duas únicas Coroas que disputavam a descoberta e a posse de mar e de terra, facto que deu origem ao Tratado de Tordesilhas (Junho de 1494), e mais tarde, ao Tratado de Saragoça (Abril de 1529). Este estudo pretende ser uma reflexão sobre a interculturalidade e o impacto da diversidade cultural, quer no reconhecimento, por um lado, quer na valorização /desvalorização das diferenças. O trabalho integra uma introdução, na qual são expostos alguns dos efeitos (razões e consequências, directas e indirectas) do encontro entre povos, bem como da génese da globalização à época dos Descobrimentos. Além disso, clarificam-se alguns conceitos, ou melhor assume-se a tentativa de delimitação conceptual – cultura(s), aculturação, viagem, interculturalidade, comunicação intercultural, alteridade, entre outros. O tronco desta dissertação é assim formado por um conjunto de ideias, conceitos e perspectivas que pretendem, por um lado, contextualizar a questão da interculturalidade, e por outro, identificar, com base na técnica de análise de conteúdo, a existência e práticas de interculturalidade na época, mais precisamente na viagem de circum-navegação marítima realizada por Fernão Magalhães. Trata-se de uma exposição teórico-conceptual, por um lado, de definições de alguns autores na área de estudo seleccionada, e por outro, das opções metodológicas seguidas e o tratamento dos dados recolhidos. Relativamente à questão do reconhecimento e notoriedade, a nível nacional, da descoberta de Fernão Magalhães, esta começou por ascender a outro nível, mais condizente com a grandiosidade do feito, embora muito tardiamente, nos finais do século XX. Sobre esse facto, são apontadas algumas referências, homenagens, recepção literária, e até uso do nome do navegador por instituições e em produtos 6 comercializados, que atravessam fronteiras, levando o nome do descobridor a terras que o desconhecem na actualidade. Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre as perspectivas abordadas em torno do tema da comunicação intercultural, tendo como pano de fundo a viagem de circum-navegação marítima realizada por Fernão Magalhães. Palavras-chave: Comunicação intercultural; Interculturalidade na expansão marítima; Fernão Magalhães e Interculturalismo; Abstract The Jouney at the Discoveries Age as promoter of interculturality: The circum-navigation of the globe by Magellan The work that is displayed and defended is combined in the scope of the trips of the Discoveries, in special, a trip carried out in the XVI century – the circum navigation of the globe by Fernão Magalhães (Magellan). This trip was the corollary of the discoveries of routes and maritime passages (and beyond these, the discovery of new lands, the deconstruction of religious myths, and the affirmation of scientific theories) at the time of the Portuguese and Spanish Discoveries, a time when these two Crowns were the only ones that disputed the discovery and ownership of sea and land, fact that gave origin to the Treat of Tordesilhas (June 1494), and later, to the Treat of Saragoça (April, 1529). This research intends to be a reflection about interculturality and the impact of the cultural diversity, either about the acknowledgment or valorization/devaluation of differences. The work presents an introduction, in which some of the effects (reasons and direct or indirect consequences), of the meeting between peoples, as well of the genesis of globalization to the time of the Discoveries, and later following with the clarification of some concepts, or better, the attempt of conceptual delimitation – culture(s), 7 acculturation, voyage (trip), interculturality, intercultural communication, alterity, among others. The trunk of this work is formed by a set of ideas, concepts and perspectives which intend to contextualize the interculturality issue, on one hand, and to identify, based on the theoretical contempt analysis, the existence and practices of interculturality at that time, more precisely at the sea circumnavigation of the globe time, accomplished by Magellan. This is a theoretical and conceptual exposition of definitions of some authors in the selected area of study, on one hand, and of the methodological options which were followed as well as the treatment of the collected data, on the other hand. Relatively to the question of the recognition and notoriety, at national level, of the discovery of Magellan, it started to ascend to another level, more congruently with the grandiosity of the fact, even so very delayed, in the ends of the XX century. On this fact, this work also points some references, tributes, literary reception, and also, the use of the navigator’s name by institutions and commercialized products which cross borders, leading the name of this navigator to lands that are unaware of him. Finally, the work presents its final considerations about the approached perspectives around the intercultural communication issue, having as background the trip of sea circumnavigation of the globe by Magellan. Key-words: Intercultural communication; Interculturality on the maritime expansion; Magellan and Interculturalism; 8 Introdução O tema escolhido para esta dissertação pertence ao grande conjunto das viagens realizadas na Época dos Descobrimentos, e especificamente, a viagem realizada1 entre 1518 e 1522, à volta do mundo, por um navegador português, ao serviço da Coroa Espanhola, após a Coroa portuguesa ter rejeitado os seus serviços como navegador. Algumas das razões que me levaram a escolher para objecto de estudo esta viagem específica prendem-se não só pela grandiosidade da epopeia levada a cabo pela tripulação comandada por Fernão Magalhães, mas principalmente pelo facto desta viagem de circum-navegação do globo, em particular, me causar grande fascínio e curiosidade, decidi trabalhar a ideia da sua viagem como meio fundamental para a interculturalidade. Outra razão que me impele a debruçar-me sobre esta viagem, é o facto de Fernão Magalhães ter sido um descobridor pouco lembrado em território luso (não esquecendo as referências à grandiosa viagem e personalidade de Fernão Magalhães, feitas por Camões, em Os Lusíadas e, por Fernando Pessoa, em Mensagem), no meio de tantos outros que integram o painel dos descobridores portugueses. Talvez o facto se deva, a uma questão de orgulho ferido, que de forma injusta perdurou na consciência portuguesa, pois a descoberta de Magalhães foi feita em nome da Coroa Espanhola (após a ideia e os planos terem sido recusados pela Coroa Portuguesa). No estrangeiro, pelo contrário, encontram-se diversas referências enaltecedoras à personalidade e viagem deste descobridor, que se reflectem na literatura, na educação, e na escultura. As viagens realizadas por portugueses na época dos descobrimentos são tratadas desde há bastante tempo, quer por profissionais (historiadores, sociólogos e antropólogos), quer por docentes e, ainda, por estudantes de vários níveis académicos. A razão deste interesse pelas viagens marítimas, realizadas há mais de 500 anos, e durante os séculos XIV a XVI, pode assumir diversos contornos, consoante a área de estudo em questão, mas todas as áreas partilham da ideia de descoberta que esteve na origem dessas viagens. É a ideia de descoberta que impulsiona os reinos e seus 1 - Apesar do navegador, e Capitão-Comandante, não ter chegado vivo até ao fim da epopeia, tendo perecido em 1521, em combate, na Ilha de Cebu, pertencente às actuais Ilhas Filipinas. 9 descobridores a navegar por mares “nunca antes navegados”, parafraseando Camões, desbravar terras desconhecidas, descrever povoações e sociedades encontradas, estabelecer comunicação com essas sociedades, estabelecer trocas comerciais e organizar todo um conjunto de mapas cartográficos sobre a região achada, com descrições pormenorizadas, quer de rotas marítimas e dos centros populacionais, quer do tipo de solo cultivável e de recursos naturais, fauna, flora e formações rochosas. As viagens nos Descobrimentos portugueses possibilitaram não só a expansão e fortalecimento do Reino e da Fé Cristã, como também o conhecer dos Outros, das suas características, das suas diferenças e semelhanças com o descobridor. O facto antropológico mais importante da época dos Descobrimentos portugueses, e no entanto, o menos tratado, é sem dúvida, o facto de essas terras já serem habitadas à data das descobertas. À excepção das Ilhas da Madeira e dos Açores, nenhuma outra terra se encontrava desabitada. Pelo contrário, todas elas tinham sociedades devidamente organizadas, hierarquizadas e implantadas, o que significa que os descobridores não encontraram nada que já não existisse. A descoberta, no verdadeiro sentido da palavra só ganha valor quando vista do prisma do descobridor, e em tudo o que se refere a esta visão unilateral da globalidade já existente. Os portugueses foram à descoberta do mundo, mas ele já existia no seu todo, povoado por diferentes tribos, sociedades e clãs – os portugueses (assim como os seus concorrentes, espanhóis) é que não conheciam a imensidão de terras de que o planeta era composto. Foi precisamente esta descoberta, esta aquisição de conhecimento sobre outras paragens que marcou uma época portuguesa e espanhola, caracterizada pela abertura ao mundo, pelo contacto com outras gentes, culturas, saberes e valores – porque mais nenhum povo, antes, tinha navegado tanto mar, desbravado tanta terra, traçado tantas rotas, erguido tantas bandeiras do Reino, e estabelecido tantas trocas comerciais, assim como foi, também, Portugal, um dos principais países a fomentar e a fornecer o negócio da escravatura. De acordo com Fontes2: […] A escravatura moderna tem uma data simbólica: 1415 – ano em que os portugueses conquistaram Ceuta. A expansão marítima através do Atlântico e depois do Pacífico alargou à escala mundial as possibilidades deste negócio. (…) 2 - Consultado em 15/08/2010. 10 No século XVI, o tráfico dispara para abastecer as “necessidades” do país, a colonização do Brasil, as explorações de S. Tomé, mas também as necessidades de Espanha e das suas possessões na América. […]. Também, segundo Gomes (2008): […] Portugal conheceu o regime de escravidão através das relações de comércio com mercadores árabes e a transformação dos mouros vencidos na guerra em cativos ou servos. Era comum a troca de prisioneiros mouros por escravos de pele escura, em proporção favorável em quantidade aos portugueses. (…) Com os descobrimentos marítimos, em breve os portugueses se aperceberam de que havia muito a ganhar se, juntamente com outras mercadorias, levassem também escravos. (…) O comércio de escravos tornou-se rapidamente a principal fonte de lucro (…). (Gomes: 20083). O empreendimento das viagens marítimas além Reino desvendou, não só a extensão do planeta em solo, mas também e, principalmente, tornou possível o contacto entre habitantes de zonas com imensa lonjura entre si, e como referimos atrás, esta tornase a base para o estabelecimento de comunicação entre povos e trocas comerciais, proporcionando, a longo prazo, a aculturação. Outra sorte de efeito resultante do contacto entre os povos, antes separados pelo mar e pelo desconhecimento, é a miscigenação. Este fenómeno é defendido por muitos autores, como a forma lusitana de povoar os territórios, mas é também, e na linha de pensamento que mais nos interessa, uma forma de entrecruzar culturas, e ainda mais importante, o desenvolvimento de uma nova etnia que dará origem a outras etnias, fruto de constantes miscigenações. De acordo com Almeida (2003): […] A palavra miscigenação – miscigenar é misturar, misturar genes. Nos 500 anos da cultura portuguesa, da história portuguesa, os portugueses misturaram os seus genes na África, na América do Sul (no Brasil), e na Ásia. Miscigenaram-se, misturaram-se e criaram os mulatos – os brasileiros dizem que os mulatos são uma criação portuguesa – por causa da sua miscigenação. (…) Os portugueses miscigenaram-se porque não tinham em sua companhia as suas mulheres. Então viajavam só os homens. Quando os ingleses vieram para a América 3 - Consultado em 15/08/2010. 11 como para a Índia, vinham já casais por não querem estes se misturar, uma atitude diferente da dos portugueses (…). (Almeida: 20034). E segundo Fontes5: […] Ao longo de três séculos cruzaram-se no Brasil três culturas distintas: a portuguesa (europeia), a negra (africana) e a indígena. É a partir delas que se irá criar toda a riqueza da cultura brasileira. (…) No Brasil, uma parte substancial dos colonizadores portugueses se miscigenou com índios e africanos, em um processo muito importante para a formação do País. (…) A famosa pintura “Redenção do Can”, feita em 1895 por Modesto Brocos y Gómez, sintetiza a ideia pairante na época: através da miscigenação, os brasileiros ficariam a cada geração mais brancos […].6 O empreendimento das viagens marítimas além Reino e, principalmente, da primeira viagem de circum-navegação do globo, por Fernão Magalhães, consolida-se, a nosso ver, como a génese da globalização, seja no sentido da intensificação das relações socioculturais e político-económicas, seja no sentido da interdependência dos actores e acontecimentos, que não teve o seu boom em meados do século XX, com a recuperação europeia da 2ª Guerra Mundial e o fim da Guerra Fria, uma vez que estes acontecimentos despoletaram, sim, a globalização económica. Quer a criação do Plano Marshal, em 1947, para a recuperação pós guerra dos países europeus, quer a queda do muro de Berlim, em 1989, e o fim da Guerra Fria, com o consequente colapso do bloco socialista e o desmoronamento da União Soviética, em 1991, foram, todos eles, factores impulsionadores de crescimento e abertura da economia, ancorados em ideais do capitalismo. Os acontecimentos desta época não foram precursores da globalização, mas antes, manifestações político-económicas da evolução do fenómeno da globalização, que teve o seu embrião na Idade Média. Como defende Sobral (2004): […] Com o nível de intensidade com que conhecemos hoje, a globalização é um fenómeno relativamente recente. Todavia, teremos de recuar até ao século XV para 4 - Consultado em 15/08/2010. 5 - Consultado em 15/08/2010. 6 - É possível observar esta pintura através do ANEXO Nº I a este trabalho. 12 encontrarmos a origem deste processo. A campanha dos descobrimentos portugueses deu início a uma nova era e impulsionou a globalização […]. (Sobral: 20047). Seguindo uma linha de pensamento idêntica, Oliveira e Costa, e Lacerda (2007) defendem: […] Apesar de o debate sobre a globalização estar dominado pela Economia, pela Sociologia e pela Ciência Política, os historiadores começam agora a alertar para o facto de a globalização não ser mais do que uma etapa de um processo histórico que terá tido início no período estudado por Fernand Braudel. Foi por isso que a equipa dirigida por Pierre Léon, que elaborou a História Económica e Social do Mundo, iniciou a sua análise precisamente com um olhar sobre os «mundos fechados», nas vésperas do arranque da Expansão Portuguesa, encarada como o início do processo de descompartimentação do mundo (Léon, 1984). (…) (Oliveira e Costa; Lacerda: 2007: p. 27). Estes autores são, entre outros, quem confirma e defende a perspectiva de que a globalização teve início na época dos descobrimentos, e mormente, a nosso ver, com a primeira viagem de circum-navegação do globo, por Fernão Magalhães, apresentandose a Idade Média a época mais profícua em contactos humanos de diferentes culturas, originando miscigenações e migrações, que promoveram maior disseminação, por um lado, e estudo, por outro, dessas culturas ou de alguns dos seus elementos culturais. As Descobertas trouxeram outras consequências, além de novas terras, novas gentes e novos saberes, trouxeram novos valores que tiveram repercussão na evolução dos países, na economia, na ciência e nas políticas mundiais. Assim, verificou-se, por um lado, a desconstrução de mitos e comprovação de teorias anteriores e, por outro, a descrição das terras encontradas, quer no seu rebordo, quer no seu interior, possibilitando a experiência e a exactidão na elaboração da cartografia, que no século XVI era já perfeita, desenhando e retratando os continentes com fiel precisão. As viagens dos Descobrimentos foram, sem dúvida, o entrar numa nova era, diferente em tudo e completamente desconhecida do universo de saberes, valores, leis e crenças, quer dos protagonistas, quer do tecido societário, que também foi afectado pelo alargamento da concepção do mundo. 7 - Consultado em 12/08/2010). 13 Este estudo pretende ser uma reflexão sobre a interculturalidade e o impacto da diversidade cultural, quer no reconhecimento, por um lado, quer na valorização /desvalorização das diferenças. O trabalho integra uma introdução, na qual são expostos alguns dos efeitos (razões e consequências, directas e indirectas) do encontro entre povos, bem como da génese da globalização à época dos Descobrimentos. Além disso, clarificam-se alguns conceitos, ou melhor assume-se a tentativa de delimitação conceptual – cultura(s), aculturação, viagem, interculturalidade, comunicação intercultural, alteridade, entre outros. O tronco desta dissertação é assim formado por um conjunto de ideias, conceitos e perspectivas que pretendem, por um lado, contextualizar a questão da interculturalidade, e por outro, identificar, com base na técnica de análise de conteúdo, a existência e práticas de interculturalidade na época, mais precisamente na viagem de circum-navegação marítima realizada por Fernão Magalhães. Trata-se de uma exposição teórico-conceptual, por um lado, de definições de alguns autores na área de estudo seleccionada, e por outro, das opções metodológicas seguidas e o tratamento dos dados recolhidos. São ainda apontadas referências, homenagens, e até, uso do nome Fernão (de) Magalhães por instituições e em produtos comercializados, que atravessam fronteiras, e divulgam o nome deste navegador e de Portugal. 1. Metodologia de Investigação A elaboração deste trabalho académico seguiu uma metodologia de corte hermenêutico que se baseia na análise, compreensão e interpretação de textos. Os textos abordados compreendem a análise e o enquadramento teórico-conceptual do processo intercultural, tendo como texto principal, “Viagem à volta do mundo, por António Pigafetta”. In Fernão de Magalhães – A primeira viagem à volta do Mundo contada pelos que nela participaram (1990), e como texto de apoio, Primer viaje en torno del globo (2004). 14 De acordo com Chaumier, In Bardin (2009), a análise documental é (…) «uma operação ou um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma diferente da original, a fim de facilitar, num estado ulterior, a sua consulta e referenciação» (…). (Bardin: 2009 p. 47). A análise de textos aborda uma leitura crítica dos mesmos, utilizando a análise de conteúdo, e neste caso concreto, processa-se pelas seguintes fases: selecção de documentos, de acordo com a temática escolhida; identificação dos documentos, delimitando os documentos a uma determinada área; e análise documental, de forma a conhecer os contributos do documento e o seu alcance. É nesta última fase, que são extraídos elementos de informação do documento para melhor reflectir sobre o quadro teórico-conceptual. Os elementos de recuperação de dados são, neste caso, o texto primário, que é o suporte imediato, que foi seleccionado na primeira fase, e sobre o qual incide o estudo; a análise documental desenvolvida sobre esse texto primário; e o veículo de dados, isto é, a linguagem documental que nos permite retirar informação, sobre os quais será desenvolvido o tema. Em oposição ao texto primário, são considerados textos secundários, todos aqueles que são coadjuvantes no esclarecimento e entendimento do texto primário. Neste grupo de textos, podemos incluir, dicionários, enciclopédias e referências bibliográficas, entre outros. Segundo Berelson (1952), […] a análise de conteúdo é uma técnica de investigação para a descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. […] (Berelson, In Coutinho: 2008)8. Para que seja objectiva, essa descrição exige uma definição precisa das categorias de análise, de modo a permitir que diferentes pesquisadores possam utilizálas, obtendo resultados semelhantes, e, para ser sistemática, é necessário que a totalidade de conteúdo relevante seja analisada em relação a todas as categorias significativas. A quantificação permite obter informações mais precisas e objectivas sobre a ocorrência das características do conteúdo. Bardin (2009), também segue esta linha de pensamento, especificando ainda mais: 8 - Autor citado por Coutinho, Consultado em 06/07/2010. 15 […] A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos objectivos e sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. (…) A análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça […]. (Bardin: 2009: p. 44-45). De acordo com Bardin (2009); Peres (1999); Vieira (1999), entre outros, entendemos que o tratamento das falas pode ser diferenciado, todavia, a frequência e a intensidade dos conteúdos é abordada de uma forma semelhante, estabelecendo negociação de significados. 2. Em torno do conceito de cultura(s) O conceito de cultura é de difícil limitação, pois existem várias dimensões através das quais podemos clarificar este conceito, desde a sociológica, a estética, a económica, a religiosa, antropológica, entre outras. No presente trabalho, e na matéria em que nos interessa abordar, incidiremos sobre a cultura no seu sentido sociológico e/ou antropológico. Falar em cultura e tentar definir o conceito é quase como tornar único este conceito para a generalidade das áreas académicas e da vida prática. Sendo assim, o que se pretende neste trabalho é uma aproximação, a mais adequada possível, para o tema em estudo. Partimos do princípio geral de que a cultura é a base de qualquer sociedade. Isto quer significar que é através da cultura de uma sociedade que esta se desenvolve e através da qual se reconhecem e auto reconhecem os membros da mesma, como um sinal de pertença à comunidade. Por outro lado, é a própria sociedade que perpetua a cultura, através da transmissão de saberes, tradições e usos, e que a desenvolve, actualizando-a, com a introdução de transformações e através do contacto algo permanente, senão mesmo permanente, com as culturas de outras sociedades. Por esta razão há autores que defendem que a cultura não é um produto acabado, mas um produto em constante evolução e transformação. De acordo com Pereiro (2006): 16 […] A mudança cultural é o aspecto dinâmico da cultura, o “panta rei” (tudo se move, tudo se muda) dos gregos. É inquestionável que nenhuma cultura é totalmente estática e de que a cultura constrói-se através de processos sociais. As culturas podem intercambiar traços mediante o empréstimo ou a difusão. (…) A aculturação é outro mecanismo de mudança que consiste no contacto e intercâmbio entre duas ou mais culturas. (…) A globalização é outro motivo de mudança, pois vincula as pessoas de todas as partes do mundo através dos meios de comunicação […]. (Pereiro: 2006: p. 17-18). O mesmo autor refere ainda: […] Um aspecto importante da mudança cultural é a mestiçagem, os sincretismos e hibridismos. (…) A preocupação pela mudança sóciocultural é muito antiga. Já na Grécia Clássica face à ideia de Parménides, que afirmava que o mundo é estático e organizado, Heráclito defendeu a ideia de que o mundo está em permanente mudança, que tudo flui e nada fica (…). (Pereiro: 2006: p. 20-21). E será assim mesmo, pois basta-nos comparar apenas décadas entre si, como as de 50 e 70, ou as de 60 e 90, para ver que as diferenças existem e são enormes, entre uma e outra década, assim como também é diferente o século XIX do século XX. Cada uma destas épocas, maiores ou menores em extensão, apresenta especificidades económicas, políticas, de valores e conceitos de vida, que não se encontram na época anterior nem na futura, apesar de influenciarem o devir e a evolução da cultura seguinte. Desta forma, a cultura é dinâmica. Ela é um mecanismo adaptativo e cumulativo, que funciona em velocidades distintas nas diferentes sociedades. Neste contexto, é essencial reflectirmos sobre algumas definições e entendimentos do conceito de cultura. Iniciamos pela perspectiva de um antropólogo inglês de meados do século XIX: […] Cultura é o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade". Portanto corresponde, neste último sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração para geração que, a partir de uma vivência e tradição comum, se apresentam como a identidade desse povo. 17 A cultura explica e dá sentido à cosmologia social. Ela é a identidade própria e um grupo humano em um território e num determinado período […]. (Tylor, In Carvalho: 20089). Evocando a perspectiva de um antropólogo norte-americano, do início do século XX: […] O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal agarrado às teias de significado que ele teceu, assumo a cultura como sendo estas teias e sua análise, portanto não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado […]. (Geertz, In Carvalho: 200810). Prosseguindo para a perspectiva de um antropólogo cubano, de meados do século XX: […] Las culturas son prácticas de vida que generan dinámicas específicas para dar cuenta de la relación que mantienen con lo que van reconociendo como “sus” tradiciones, es decir, con aquellas referencias fundamentales que se comparten en común y se convierten para la gente en fuente de identidad y, por lo mismo, también en fuente de reconocimiento mutuo como miembros de tal o tal cultura. […] Toda cultura implica una red de signos en interacción que permite contextualizar su producción, explicando lo que sucede y pautando lo que puede suceder. El hecho de que un grupo de personas forme parte de una misma cultura implica que tienen en común un mismo sistema de significación. El carácter normativo e interpretativo de este sistema de significación pauta la producción cultural y pauta los modos de interpretar esos productos culturales […]. (Fornet. In Alas: 200711). Trazemos ainda à colação um antropólogo brasileiro, da mesma época: […] Cultura é o processo acumulativo resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Define-se ainda, mais completamente, cultura como um sistema coletivo de sentidos, signos, valores, práticas sociais, processos sócio-politicos, criados historicamente 9 - Consultado em 10/07/2010. 10 - Consultado em 10/07/2010. 11 - Consultados em 07/07/2010. 18 por grupos sociais para estruturar as suas identidades coletivas, como referência vital do seu dia-a-dia nas relações entre si e com outros grupos […]. (Krohling: 200812). No contexto português, Stoer e Cortesão (1999), abordam diferentes concepções de cultura, criticando a folclorização das diferenças e o relativismo cultural, mas entendem a diversidade cultural como uma riqueza da condição humana. Em todas estas definições de cultura, que se afiguram díspares entre si, encontramos pontos em comum. A cultura, por um lado, é a forma de identificação de uma sociedade e, por outro, é o processo por excelência através do qual os membros de uma determinada sociedade se reconhecem, a si próprios e a outros indivíduos, como pertencentes à mesma. A cultura resulta, assim, da aceitação13 das convenções estabelecidas entre os membros de uma determinada comunidade, que pautam e regulam o comportamento não só social, mas também espiritual de cada indivíduo comunitário, formando assim um conjunto de conhecimentos, comportamentos, valores e crenças enraizado nas atitudes dos membros dessa comunidade. Neste sentido, a cultura forma a identidade, a alma de um povo, que o diferencia de todos os outros povos. Esta identidade tem a sua base ou pilar no processo de enculturação, processo através do qual, desde os primeiros instantes da vida um indivíduo é impregnado pela sua cultura (a da comunidade onde nasceu e à qual pertence) através de um sistema de estímulos e de proibições mais ou menos explícitas, ou seja, um conjunto de valores, regras e crenças que apreendeu no processo primário de socialização. Por outro lado, a cultura, não sendo um fenómeno estático, é ela própria, geradora de modificações de conteúdo ou matéria, e até de forma, não só pelo contacto com outras culturas e outras sociedades, como também através da modificação das circunstâncias de vida da própria comunidade social. Neste sentido, a cultura é um factor impulsionador de transformações sociais, que encontra expressão na interacção entre culturas, nomeadamente, na aculturação, no choque cultural e na interculturalidade 12 - Consultado em 10/07/2010. 13 - Existem, todavia, desvios a esta aceitação e enraizamento de normas e valores, e para estes casos, a comunidade social cria um sistema de protecção e punição, como é o conjunto de códigos jurídicos, sejam estes reduzidos a escrito, ou passados oralmente de geração em geração. 19 – a interacção entre culturas por excelência, por ser a mais pacífica no processo de interacção e a mais benéfica para os efeitos dessa interacção. Quer seja o conjunto que inclui conhecimentos, comportamentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade, ou as teias de significado que o homem produz e analisa, ou uma rede de signos que contextualiza o reconhecimento da pertença de um grupo de indivíduos a uma determinada sociedade, quer seja, por fim, o processo acumulativo de toda a experiência histórica de gerações anteriores – a cultura é o processo através do qual um conjunto de valores, crenças, hábitos, normas e comportamentos identifica uma sociedade. Além disso, o próprio processo cultural é susceptível de mudanças, estando o seu conteúdo exposto a influências, quer pela geração para a qual é transmitida, quer pelo contacto com outras sociedades, que se pautam por valores, crenças, hábitos, normas e comportamentos diferentes. 3. A influência material das culturas – aculturação e transculturação Tendo em mente o âmbito e conceito de cultura abordados no capítulo anterior, e, principalmente, o facto de a cultura não ser estática, chegamos racionalmente à conclusão de que os processos culturais compreendem todos os procedimentos e significados, quer para o grupo, como para cada um dos membros que o integram. Falar em cultura e processos culturais não é a mesma coisa. A cultura é o resultado, por um lado, da necessidade de organização da comunidade, e por outro lado, de um ou mais processos culturais. Os processos culturais são as variadas formas de transformação cultural – formas através das quais as culturas interagem e são influenciadas aquando do contacto e intercâmbio entre si. O fenómeno da aculturação é um dos processos de transformação cultural, cuja reflexão tem sido problematizada até meados do século XX. Referimos a seguir algumas das definições existentes do conceito de aculturação: 20 […] La aculturación se entiende como el proceso mediante el cual una cultura es transformada debido a la adopción a gran escala de usos culturales que han venido de otra societad, de modo que a mediano o a largo plazo los nuevos usos reemplazan a los patrones culturales tradicionales. Ello siempre es consecuencia de relaciones históricas directas entre pueblos culturalmente distintos, especialmente si se trata de procesos de conquista y colonización de pueblos y grupos étnicos […]. (Alas: 200714). Neste contexto, a ideia de transformação implica a ideia de movimento cultural, um dos meios pelos quais ocorre uma dialéctica concreta consistente no facto de uma sociedade desempenhar o papel de sujeito receptor de um determinado número de influências culturais. Esta transmissão cultural modifica, substitui os usos culturais e pode até transformar os indivíduos ou grupos de uma sociedade. Todavia, e pelo que se depreende da parte final do texto, Alas (2007) defende que o fenómeno de aculturação acontece apenas no âmbito dos processos de conquista, isto é, nas colonizações e ocupações político-militares, ou seja, ocupações, todas elas, através da violência. Situar o fenómeno da aculturação nestes contextos, é afirmar que uma das culturas se apresenta como superior à outra, o que torna a esfera de acção deste fenómeno bastante limitada. Como defende o historiador francês, Nathan Wachtel15 (In Macedo 2004), […] Aculturação é todo o fenómeno de interacção social que resulta do contacto entre duas culturas, e não somente da sobreposição de uma cultura a outra, ou do domínio de uma sobre a outra (…). (In Macedo: 2004). Sobre este entendimento de aculturação, Macedo (2004) adverte: […] Wachtel, questiona a maneira como o termo vem sendo utilizado amplamente por historiadores, antropólogos e etnólogos, por responder aos problemas do colonialismo e comportar a ideia de uma supremacia da cultura europeia, 14 - Consultado em 07/07/2010. 15 - Citado por Macedo (2004). Consultado em 13/07/2010. 21 generalizando assim o conceito e campo de acção do fenómeno, mas reduzindo o seu alcance e influências […]. (Macedo: 200416). Este entendimento de aculturação é o oposto do anterior, Alas (2007), e já bastante aberto, possibilitando variadas formas de aculturação, entre elas, a mestiçagem de culturas, ao invés de limitar a ocorrência deste fenómeno às actividades de colonização e ocupação, como é usual fazer-se na numa concepção reducionista de antropologia. Para Wachtel17, a aculturação é constituída por processos, com consequências finais diferentes, e não é ela própria um processo único. O mais importante, nesta noção, é o facto de o autor individualizar o conceito de aculturação relativamente ao de domínio, o que significa que a existência e o desenvolvimento da aculturação não resultam sempre na sobreposição de uma cultura à outra, mas antes no enriquecimento de ambas as culturas, pelo contacto com a outra, pois ambas as culturas são dinâmicas, activas e aptas à realização de alterações na outra cultura. Outra perspectiva do conceito é a defendida por Sam e Berry (1992) e por Berry, Poortinga, Segall e Dasen (1992), para quem o termo aculturação se refere às mudanças culturais resultantes do encontro entre grupos com bagagens culturais diferentes. Esta pode ser uma definição simplista, à primeira vista, mas é extremamente concisa, e representa o melhor ponto de partida para um melhor entendimento da esfera de acção do fenómeno. Para Sam e Berry (1992), são, ainda, dois os aspectos envolvidos no processo de aculturação: a manutenção cultural (significando o grau da preservação da identidade cultural) e o contacto e participação (referente à graduação da envolvência dos indivíduos em outros grupos culturais). Num sentido semelhante, Poortinga, Segall e Dasen (1992) apontam dois componentes envolvidos no processo de aculturação: desprendimento cultural e aprendizagem cultural. O primeiro abrange a perda (parcial ou total) da cultura originária e de características comportamentais, e o segundo, referese à aquisição de novos modos para viver em novo contexto cultural. 16 - Consultado em 13/07/2010. 17 - Citado por Macedo (2006). Consultado em 13/07/2010. 22 Estes últimos entendimentos do conceito de aculturação parecem os mais acertados, pois analisam o processo que se desenvolve e que resulta do contacto permanente entre duas culturas distintas, sem que o resultado final seja apenas o de desaparecimento ou abafamento de uma das culturas, através da adopção total, voluntária ou forçada, da outra cultura. Assim sendo, a consequência ou efeito final deste fenómeno pode assumir uma de três situações diferentes: a manutenção da integridade cultural de cada cultura, apesar do contacto, permanecendo cada cultura intacta às influências exteriores, ou, a partilha, aprendizagem e aquisição18 de valores, normas, comportamentos (de alimentação, vestuário e de sociabilidade), hábitos e crenças, e até da linguagem, o que resulta no aparecimento de uma terceira cultura, constituída por pedaços de cada uma das outras culturas em contacto, e na qual se reconhece parte dos membros das duas sociedades, ou ainda, o domínio completo de uma cultura sobre a outra, fazendo com que o seu núcleo identitário desapareça por força da imposição, ou adopção, total da outra. Em conclusão, sobre o conceito de aculturação, o entendimento do conceito que prevalece até hoje, entre a maioria dos antropólogos, sociólogos e etnólogos, afasta, como único resultado, a ideia de domínio cultural, de ingerência total de uma cultura na outra, que é o fenómeno no qual as conquistas, expansões, colonizações e ocupações militares, se materializaram, quase sempre, desde a Roma Antiga, às sobejamente conhecidas ocupações militares que tiveram lugar desde o século XX por toda a Europa e África. A aculturação, nestes moldes, designa então o fenómeno da alteração que resulta do contacto entre duas culturas, em que uma exerce maior influência sobre a outra, fazendo, em última análise, com que aquela enfraqueça e adopte, forçosamente, os traços característicos e identitários da primeira. A aculturação, em lato sensu, resulta da alteração dos modelos culturais das sociedades aculturadas, isto é, resulta da transformação dos patterns das culturas sujeitas à mudança cultural. 18 - A aquisição é um elemento do processo de aculturação defendido por J. H. Schuman em 1978, no que concerne à aprendizagem de uma segunda língua – uma língua estrangeira, mas que pode, a meu ver, ser estendido a outros aspectos da cultura de uma qualquer sociedade, na medida em que o estrangeiro pode apreender não só a língua, mas também as normas, os comportamentos, os hábitos, etc., de outra sociedade. A teoria de Schuman pode ser encontrada em The acculturation model for second language acquisition. In: GINGRAS, R. C. (Ed.) Second-language acquisition & foreign language teaching. 23 O conceito de aculturação foi, até ao primeiro quartel do século XX, o único conceito que existiu para analisar e definir os fenómenos de alterações culturais resultantes do contacto permanente entre duas culturas distintas. A partir de finais da terceira década do século XX, alguns autores introduziram um outro conceito de transformação social, que visava analisar e compreender melhor os efeitos causados pelo contacto entre duas culturas. Este novo conceito pretende corresponder a uma maior exactidão da análise das consequências e efeitos do contacto permanente entre culturas. Esse conceito é o de transculturação. A transculturação é o processo pelo qual um fenómeno passa de uma cultura para outra, dizendo respeito aos contactos e aos cruzamentos de culturas diferentes. Em 1940, o etnólogo cubano Fernando Ortiz, introduziu este conceito, também lhe chamando, transculturalidade, no pensamento antropológico. No prefácio à obra de Ortiz, Malinowski19 observa: […] Toda mudança cultural… ou toda transculturação é um processo no qual se dá sempre qualquer coisa em troca do que se recebe. É um processo no qual as duas partes da equação saem modificadas. Um processo a partir do qual emerge uma nova realidade, composta e complexa, uma realidade que não é uma aglomeração mecânica de características, nem sequer um mosaico, mas um fenómeno novo, original e independente. Para descrever tal processo o vocábulo transculturação proporciona um termo que não contém a implicação de uma dada cultura à qual deve ter a outra, mas uma transição entre duas culturas, ambas ativas, ambas contribuintes e ambas cooperantes para o advento de uma nova realidade civilizatória. A transculturação pode ser o resultado da conquista e dominação, mas também da interdependência e acomodação, sempre compreendendo tensões, mutilações e transfigurações (…). (Malinowski, In Carvajal: 201020). A Enciclopédia livre, Online, de edição em português (Brasil), tem muito em comum com o conceito anterior: […] Transculturação é o processo que ocorre quando um indivíduo adota uma cultura diferente da sua, podendo ou não implicar uma perda cultural. A transculturação está ligada à transformação de padrões culturais locais a partir da adoção de novos padrões vindos através das fronteiras culturais em encontros 19 - Autor citado por Carvajal (2010). Consultado em 12/08/2010. 20 - Consultado em 12/08/2010. 24 interculturais ou migrações transacionais, envolvendo sempre diferentes etnias e elementos culturais. É a transformação de padrões a partir do elemento externo […]. (Wikipedia21). Ou ainda, de acordo com o entendimento da Wikipédia, Enciclopédia Livre, Online, edição em Inglês: [...] Transculturation encompasses more than transition from one culture to another; it does not consist merely of acquiring another culture (acculturation) or of losing or uprooting a previous culture (deculturation). Rather, it merges these concepts and additionally carries the idea of the consequent creation of new cultural phenomena (neoculturation). Ortiz also referred to the devastating impact of Spanish colonialism on Cuba's indigenous peoples as a "failed transculturation." Transculturation can often be the result of colonial conquest and subjugation, especially in a postcolonial era as native peoples struggle to regain their own sense of identity […]. (Wikipedia22). Desta forma, o conceito de transculturação expressa melhor as diferentes fases do processo transitivo de uma cultura para outra, porque este não consiste somente na alteração de uma ou ambas culturas pelo contacto com a outra, que é o que em rigor indica a expressão inglesa acculturation23, mas cujo processo implica também e necessariamente a perda ou o desenraizamento de uma cultura precedente, o que se poderia denominar deculturação; e, além disso, significa a consequente criação de novos fenómenos culturais que se poderiam denominar de neoculturação. Assim sendo, a transculturação pode ser o resultado da conquista e dominação, mas também da interdependência e da criação, sempre compreendendo tensões, mutilações e transfigurações. Tantas são as formas e possibilidades de intercâmbio sócio cultural, que são muitas as suas denominações: difusão, assimilação, aculturação, hibridação, sincretismo, mestiçagem. 21 - Consultado em 12/08/2010. 22 - Consultado em 12/08/2010. 23 - [Acculturation is the process whereby the attitudes and/or behaviors of people from one culture are modified as a result of contact with a different culture. Acculturation implies a mutual influence in which elements of two cultures mingle and merge.] In http://www.enotes.com/acculturationreference/acculturation-172816 Consultado em 12/08/2010. 25 A transculturação é um fenómeno que está presente no multiculturalismo, sendo este entendido, em termos sociológicos, como a presença de diferenças culturais numa determinada sociedade, presença que se faz sentir pela existência de afirmações de identidades religiosas, étnicas, nacionais, raciais, etc. Efectivamente, multiculturalismo pode conter diferentes significados. Neste sentido, introduzimos algumas noções deste termo. Digo noções, porque sendo um conceito polissémico, as dificuldades de consenso a nível conceptual são múltiplas, e como tal, neste trabalho, entendemos por multiculturalismo, lato sensu, e não o aprofundamento do conceito. De acordo com o Dicionário da Língua portuguesa - Infopédia (201024), ele é […] a coexistência de várias culturas diferentes num mesmo país ou numa mesma zona. […], e segundo o Dicionário Online de português (201025), é […] A prática de acomodar qualquer número de culturas distintas, numa única sociedade, sem preconceito ou discriminação […]. Estas noções, principalmente, a última, serão úteis mais adiante, quando se abordar o conceito e alcance de interculturalidade. Uma abordagem mais completa e complexa, é apresentada por Santos e Nunes (2007): […] A expressão multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades «modernas». Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo de descrever as diferenças culturais num contexto transnacional e global (…). O conceito de multiculturalismo é, também ele, controverso e atravessado por tensões. Ele aponta simultaneamente ou alternativamente para uma descrição e para um projecto (Stam, 1997). Enquanto descrição, pode referir-se a: 1. a existência de uma multiplicidade de culturas no mundo; 2. a co-existência de culturas diversas no espaço de um mesmo Estado-nação; 3. a existência de culturas que se interinfluenciam tanto dentro como para além do Estado-nação. É na medida em que o multiculturalismo como descrição das diferenças culturais e dos modos da sua interrelação se sobrepõe ao multiculturalismo como projecto político de celebração ou reconhecimento dessas diferenças que ele tem suscitado críticas e controvérsias (…). 24 - Consultado em 12/08/2010. 25 - Consultado em 12/08/2010. 26 Apesar das críticas acima enunciadas, o termo «multiculturalismo» generalizou-se como modo de designar as diferenças culturais num contexto transnacional e global. Isso não significa, contudo, que tenham sido superadas as contradições e tensões internas apontadas pelos críticos (…). (Santos e Nunes: 2007: p. 5). O fenómeno da transculturação designa o processo complexo de intercâmbios culturais que ocorrem aquando dos contactos entre sociedades e culturas distintas, no decorrer do tempo histórico, e estes contactos podem ser provocados por várias razões, desde migrações, emigrações, ocupações militares, ou serem resultado de processos de colonização. Em termos políticos e éticos, a transculturalidade e o multiculturalismo oscilam entre um universalismo que encara os indivíduos como cidadãos com direitos iguais, e os defensores dos particularismos culturais. Conciliar as duas posições será respeitar o direito a uma cultura própria, com o direito à cidadania, ou seja, à participação plena na vida pública. 4. O processo da interculturalidade A interculturalidade é um processo, uma mentalidade em construção, orientada pela compreensão, solidariedade e fraternidade entre culturas diferentes. Ela refere-se à interacção entre culturas de uma forma recíproca, favorecendo a integração assente numa relação baseada no respeito pela diversidade e no enriquecimento mútuo. A expressão define, também, um movimento que tem como ponto de partida o respeito pelas outras culturas, superando as falhas do relativismo cultural ao defender o encontro em pé de igualdade entre todas elas, ou seja, um relativismo ético-crítico que assuma a consciência dos limites. O interculturalismo é um fenómeno que não se limita a conhecer as várias culturas, mas que potencia a interacção cultural. Miquel Alsina (1999) define o multiculturalismo e a interculturalidade, respectivamente, como: 27 (…) Se puede entender el multiculturalismo como la ideología que propugna la coexistencia de distintas culturas en un mismo espacio real, mediático o virtual; mientras que la interculturalidad sería las relaciones que se dan entre las mismas. (...) la interculturalidad haría referencia a la dinámica que se da entre (...) comunidades culturales […]. (Alsina: 199926). A mentalidade intercultural permite o enriquecimento da educação, principalmente, dos jovens, na base da compreensão pela diversidade, tornando-os mais participativos na construção da Democracia, mais atentos às diferentes formas e estilos de aprendizagem, mais aptos à comunicação entre eles e entre as gerações, encorajandoos a resolverem os seus conflitos de forma não violenta, promovendo, assim, a paz e a harmonia. Cardoso, defende, inspirando-se na teoria de Claude Clanet, que, […] O conceito de Interculturalidade compreende reciprocidade das relações entre os povos que coexistem no mesmo espaço, com respeito pela identidade (cultural também) de cada um, para o que se torna indispensável que a educação dos seus jovens tenha essa base para que se possa afirmar intercultural. [...] (Cardoso: 2008: p. 21). O conceito de Interculturalidade é utilizado no âmbito das Ciências Sociais e Humanas. É um conceito que implica processos que se fundamentam na interacção e reciprocidade cultural entre pessoas ou grupos humanos pertencentes a culturas diferentes. Conforme refere Garcea (1998): […] The peculiarity of intercultural communication lies in its pragmatic approach to reality. It is based on a few abstract general truths, such as the fact that all humans have a culture, value orientation, etc. allowing them to understand and interpret an endless amount of practical experiences […]. (Garcea: 199827). 26 - Consultado em 15/08/2010. 27 - Consultado em 14/08/2010. 28 Como conceito autónomo, surgiu, na Europa das Migrações28, da necessidade de melhor integração dos filhos dos trabalhadores migrantes, pois através de uma educação intercultural era mais fácil às crianças dessas famílias inserirem-se no sistema de educação do país de acolhimento e, também, adaptarem-se melhor, no caso de regressarem ao país de origem. A interculturalidade procura, assim, compreender e resolver problemas que surgem ao nível das relações humanas decorrentes de diferenças étnicas, religiosas e culturais no seu sentido global, que frequentemente emergem das migrações e de grupos minoritários. Repensando esta abordagem, e relembrando o tema principal desta dissertação, pensamos que não será pretensão, nem arrojo excessivo, defender o interculturalismo como fruto e geração de um Humanismo de que a história europeia está cheia e que timbrou de modo particular o relacionamento dos europeus com os povos com quem foram contactando e até com aqueles a quem foram colonizando. Este Humanismo europeu29, ainda hoje é sentido por parte dos países de acolhimento daqueles que daqui emigram, ou que viajam turisticamente. Traduz-se não só numa atitude de respeito pelo Outro, pela alteridade, tal como é marcado(a) pela sua cultura, como também numa rara capacidade de adaptação às outras culturas, sem perda da própria identidade, e ao mesmo tempo de miscigenação sem preconceitos. 5. A interculturalidade na expansão Portuguesa Importa, neste momento do trabalho, fazer um parêntesis relacionado com a actividade expansionista portuguesa, e relacionado também com a teia cultural em que 28 - Nome dado ao aumento exponencial de emigrações europeias desde o início do século XIX, até ao início do século XX. Durante este tempo, ocorreu a maior percentagem de imigração, com destino às Américas (do Norte, Centro e Sul), protagonizada por cidadãos de várias nacionalidades do Velho Continente, e entre eles, cidadãos portugueses. 29 - Um Humanismo principalmente português e espanhol, já que eram as duas únicas potências em concorrência pelo mar e pela terra entre os séculos VI e XVI. 29 se inseria Fernão Magalhães, uma vez que o navegador era português de origem, e viveu em território português até à altura em que iniciou a sua participação nas viagens das descobertas. Apesar de Fernão Magalhães ter passado algum tempo em terras descobertas, como por exemplo, em Goa, de 1511 a 151230, ao serviço da Coroa Portuguesa e de, mais tarde, ter adoptado nacionalidade espanhola, a verdade é que o facto de ser nascido e criado em Portugal, pesou na sua bagagem cultural, principalmente na forma como encarava o Outro, o estrangeiro, o descoberto. Por esta razão, torna-se necessário abordar a questão da interculturalidade na expansão Portuguesa, isto é, a forma como Portugal iniciou a globalização, entrando em contacto com culturas diferentes e levando a essas culturas a sua própria identidade cultural. “ Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar.” (Vergílio Ferreira, 1991) A Expansão Portuguesa foi, desde as suas origens, um processo multifacetado, em que coexistiam diversas dinâmicas, nomeadamente políticas, económicas, sociais, religiosas ou científicas. Até ao século XV, nenhuma civilização tinha consciência da verdadeira dimensão do Planeta e da riqueza humana e geográfica existente. Ao contrário dos impérios que se haviam formado anteriormente, os novos impérios nascidos com a globalização assentaram, inicialmente, em processos de expansão marítima. O desbravar do Oceano Atlântico foi decisivo para o arranque deste processo. Na verdade, o Atlântico foi o derradeiro obstáculo à circulação do Homem pelo Planeta e a viagem de Gil Eanes, em 1434, abriu as portas à Modernidade, pois rompeu com o medo do Mar Tenebroso, que inibia a circulação pelo oceano e a comunicação entre os continentes. 30 - Em Julho de 1511 Goa foi tomada pelos Portugueses, sob o comando de Afonso de Albuquerque, e com a participação de Fernão de Magalhães, após tentativas anteriores frustradas de tomada daquela terra. 30 A partir do século XV, uma mesma civilização interferiu simultaneamente em inúmeras regiões do Globo, e dessa forma, pela primeira vez na História, um mesmo modelo civilizacional31 insinuou-se ao mesmo tempo junto de sociedades dos outros três grandes continentes e criou, numa mesma época, sociedades coloniais de matriz semelhante, dispersas por todo o mundo. Além disso, o movimento das Descobertas fezse pelo mar, pelo que superou distâncias, desencadeando, por isso, muitos choques culturais bruscos, bem diferentes daqueles que haviam decorrido por via de choques fronteiriços. Os primeiros contactos com diversas civilizações espalhadas pelo mundo foram seguidos por relações duradouras, que possibilitaram primeiro a emergência de um império marítimo e, depois, a formação de um império territorial. A criação de um sistema global, organizado em rede, teve outros protagonistas, mas foram os Portugueses, seguidos dos Espanhóis, que promoveram a primeira grande revolução geográfica, e a navegabilidade de três oceanos uniu os continentes, possibilitando diversos intercâmbios culturais. O encontro do europeu com o Outro não é feito apenas por uma das partes, mas implica uma reciprocidade de imagens, ainda que as fontes sobre a percepção europeia sejam mais abundantes e acessíveis que as demais partes do processo dos descobrimentos do Globo. As primeiras visões ficaram registadas nos mais variados tipos de documentos como, por exemplo, cartas, crónicas ou relatos de viagens, escritos por homens das mais diversas formações, nomeadamente, missionários, oficiais, régios ou simples aventureiros. Alguns exemplos de autores desses relatos são, Pêro Vaz de Caminha, Padre António Vieira, Álvares Cabral e Álvaro Velho, entre tantos e tantos outros. 31 - A cultura europeia de tradição portuguesa, que foi derramada pelo mundo, através dos Descobrimentos, consistia num grande legado intercultural. A estrutura política da sociedade portuguesa assentava num modelo de relacionamento de matriz feudal, que havia sido trazido pelos povos germânicos, aquando da queda do Império Romano, mas o Direito e a Religião eram herdeiros sobretudo das tradições de Roma. A Filosofia e a Ciência, por sua vez, tinham as suas origens no legado grego. A numeração utilizada provinha da nação Árabe. O sucesso da navegação oceânica teve um forte contributo da utilização da bússola, uma invenção vinda da China, tal qual a pólvora. Assim, os Portugueses levaram consigo esta síntese cultural, a que se acrescentavam o seu hábito de fixar fortalezas e futuras cidades em lugares acidentados, na lógica da velha tradição castreja das populações pré-romanas. 31 É necessário ter em conta que, quando os Portugueses fizeram os seus apontamentos sobre o Outro, as suas opiniões eram moldadas por uma cultura que se debatia entre o recentíssimo valor da experiência e os elementos da tradição medieval que construíra uma visão geográfica do mundo condicionada pelas concepções bíblicas, o que se nota bem nas expressões utilizadas pelos descobridores e ou relatores da viagem, como por exemplo, as classificações sobre os tipos humanos, que revelam uma leitura religiosa – o mouro ou infiel (num primeiro contacto com outra cultura) e o gentio, geralmente associado à negritude da Guiné (primeiro patamar de comparação na expansão marítima de Portugal), sem religião aparente ou seguidor de um Islamismo pouco convicto. Esta é uma classificação própria do Renascimento português, época do encontro de culturas, que define o Outro essencialmente pelas suas crenças religiosas. A religião é a chave e o motor da antropologia do século XVI. Contudo, as navegações portuguesas vão lidar com o Outro interno, o herege, o judeu, mas, sobretudo, com o muçulmano. No entanto, descobre-se o Outro exterior, o africano, o ameríndio e o asiático, na sua maioria gentio ou sem inclinação religiosa. O discurso sobre o Outro constrói-se através de um jogo de analogias. Em termos políticos, os reinos são classificados também como gentios ou mouros, havendo sempre o cuidado de referir se existe uma comunidade mercantil muçulmana e qual a sua relação com o poder. A compreensão do Outro teve como objectivo principal a construção de um conhecimento utilitário. Os Portugueses interessaram-se pelas sociedades descobertas, porque desejavam estabelecer com elas relações comerciais e políticas, além de evangelizar os povos descobertos, espalhando a Fé cristã e aumentado assim o poder da Igreja. Sobre a interculturalidade e a compreensão do Outro na expansão marítima portuguesa, Oliveira e Costa e Lacerda, afirmam o seguinte: […] Há três grandes fases na História da Expansão – a do império marítimo (puro) até primeiro terço do século XVI; uma segunda fase de transição de um império marítimo para um territorial que vai até ao segundo terço do século XVII; uma terceira fase da afirmação do império territorial, a partir de finais do século XVII. A afirmação do império territorial só se explica pela capacidade dos portugueses em estabelecer, com sucesso, sociedades mestiçadas em todos os locais onde se fixaram. A interculturalidade é um processo associável ao período de dominação territorial e quase não existe enquanto Portugal dispunha essencialmente de um império 32 marítimo; ou seja, a interculturalidade desenvolve-se quando os portugueses partem ao contacto efectivo com os outros, e com eles convivem nas suas próprias terras […] (Oliveira e Costa; Lacerda: 2007: p. 8). Durante a expansão marítima e territorial portuguesa, e apesar das críticas, foram missionários e mercadores que lideraram alguns dos avanços mais importantes desse período, fosse território brasileiro ou africano adentro, fosse na consolidação do comércio no Extremo Oriente Asiático. Importa notar que estes novos movimentos expansionistas geraram muitos mais fenómenos de interculturalidade que os movimentos iniciais, propriamente de descoberta, pois assentavam num contacto muito mais próximo e menos autoritário, logo mais interactivo com as populações indígenas. Depois, há também a questão da cultura da língua portuguesa nos territórios descobertos e ocupados, e ainda, a questão dos casamentos inter-étnicos ou mestiços nesses territórios. A primeira questão relaciona-se com o desejo de homogeneizar a comunicação entre portugueses e os novos súbitos da corte de Portugal, e tem também a ver como a imposição da cultura dominante. A segunda questão está relacionada com dois motivos. O primeiro, é resultante do facto de nas embarcações portuguesas viajarem, em maioria absoluta, homens, e assim, quando atracavam e se fixavam nas novas terras, não existia presença feminina portuguesa para iniciar a colonização e encetar uniões ou casamentos inter-étnicos. Desta forma, levaria bastante tempo, e seria impraticável, o envio de colonos, e principalmente, de mulheres, do Reino para a África, Brasil e Oriente. Por esta razão, algum tempo depois da tomada das terras, os casamentos inter-étnicos, mistos ou mestiços eram autorizados32, e através destes, a cultura portuguesa era também disseminada, exercendo presença e força na cultura dos povos descobertos, 32 - Em Goa, por exemplo, Afonso de Albuquerque concedeu aos portugueses que casassem com nativas e que se estabelecessem definitivamente na terra um pequeno dote pago pelo Estado e uma parcela de terra para a agricultura, retirada à aristocracia muçulmana. Já a sociedade colonial brasileira foi, desde o início, profundamente intercultural, pela interacção de três culturas com raízes diferentes: a ameríndia, a europeia e a africana. Os contactos entre os vários povos originaram uma série de novas etnias que exigiram, na época, a construção de uma nova nomenclatura, para identificar os nascidos dos vários casamentos mistos. Este cruzamento biológico originou intercâmbios linguísticos, religiosos, técnicos, botânicos e alimentares. 33 além de aumentar a demografia com influência lusa, que era a intenção principal dos casamentos inter-étnicos. O incentivo aos casamentos mistos (mestiçagem, ou miscigenação) deve ser compreendido à luz de um projecto expansionista, marcado pela ausência de mulheres brancas. Por outro, a necessidade de criar uma estrutura comercial e administrativa, em vastos pontos do Império Português, só podia ser feita através da mistura com as populações locais. Portugal, na época da Expansão, era um pequeno reino na Europa, com uma população reduzida, cujos homens se disseminavam pelos quatro continentes. O cristianismo teve também um papel fundamental na difusão e enraizamento, em algumas situações, da cultura portuguesa pelas terras descobertas. A prática da fé e a sua expansão possibilitaram um contacto mais próximo com o Outro, e neste contacto, a transmissão de um pedaço da cultura portuguesa. O processo de acomodação cultural levado a cabo pelo cristianismo, principalmente através dos Jesuítas, proporcionou uma verdadeira convivência e troca culturais. A actuação dos Jesuítas no Brasil, no Japão e também na Índia meridional, foi feita com respeito pela cultura local, estudando a língua desses povos, ensinando música e cântico litúrgico, e usando o teatro. Todos estes meios de contacto mais próximo com o Outro, são meios de aproximação ao Outro e dele a nós – são pontes para o entendimento e para o conhecimento mútuo. Outro factor muito importante para a interculturalidade na expansão portuguesa é a intervenção de determinados sujeitos, que se encontravam em situação de fuga prisional ou deserção militar. Esse factor é desenvolvido por Oliveira e Costa, e Lacerda (2007) que sublinham: […] Com efeito, as manifestações precoces e mais interessantes de intercultura, em que o protagonista da adaptação a novos hábitos era o Português, tenderam a realizar-se em espaços periféricos, por indivíduos, muitas das vezes marginais ao Estado, que funcionaram como intermediários entre os Portugueses e os povos locais. Estes «lançados» penetravam no interior de África, fugidos das autoridades, procurando uma vida alternativa junto das populações locais. Muitos adoptaram o modo de vivência indígena, livrando-se da roupa, adoptando a religião, a língua nativa e casando com africanas, constituindo as primeiras famílias mestiças. Estes indivíduos e os seus descendentes mantinham relações privilegiadas com os poderes africanos, chegando a casar com membros das famílias reais, servindo de intermediários no comércio com os Portugueses, beneficiando assim do melhor dos dois mundos. 34 Alguns «lançados» eram degredados que procuravam, através do serviço ao Infante ou à Coroa, uma forma de diminuir a sua pena. No entanto, este grupo de homens não foi constituído exclusivamente por Portugueses: alguns eram africanos capturados, a quem era ensinado Português, oferecidos presentes e depois reenviados à sua terra de origem para explorarem o interior do continente. Por mais diversas que fossem as suas origens, os «lançados» eram sempre produto de uma aculturação […] (Oliveira e Costa; Lacerda: 2007: p. 91- 92). Sobre a importância que a expansão portuguesa teve na revelação e mudança das culturas e na escrita da história, cito, ainda, Oliveira e Costa, e Lacerda (2007), que no seu trabalho sobre a expansão portuguesa nos séculos XV e XVIII, afirmam o seguinte: […] Parte das vitórias lusas contra as potências europeias, que tentaram conquistar o seu espaço no superdimensionado Império Lusíada, deveram-se à capacidade de os Portugueses criarem uma colonização de raízes profundas, baseada, exactamente, nos casamentos inter-étnicos. Os Portugueses criaram famílias, comerciaram, impuseram o Português como língua franca e evangelizaram, e assim, quando outras nações europeias procuraram o seu próprio espaço no processo expansionista tiveram de lidar com uma forte presença da cultura portuguesa e com os inúmeros processos de mestiçagem que esta desenvolvera […] (Oliveira e Costa; Lacerda: 2007: p. 117-118). A actividade expansionista portuguesa originou uma mutação social, cultural e económica, a nível global, sendo ainda responsável pelo redesenhar da geografia mundial e pelo início de inúmeras trocas comerciais transnacionais, alterando, também, os hábitos de consumo das populações. Conforme relembram Oliveira e Costa, e Lacerda (2007), […] Uma das áreas em que a dinâmica de fluxos multidireccionais se manifestou foi na circulação de plantas, que está associada a mudanças de hábitos alimentares e também à adopção de novos hábitos sociais […] (2007: p. 88). No seguimento desta ideia, basta lembrar que a transferência do cultivo da batata, do feijão, do milho e do tomate, desde a América para a Europa e para a China, provocou profundas alterações nas dietas alimentares dessas civilizações e contribuiu decisivamente para os surtos de crescimento demográfico verificados em ambos os espaços no século XVIII. 35 Entre os produtos que alimentaram as grandes rotas mercantis intercontinentais da Época Moderna contam-se produtos como o tabaco, o chá, o café e as especiarias. Todos eles tinham localizações muito específicas, até ao início do século XVI, mas, depois todos passaram a ser consumidos por um número crescente de sociedades espalhadas pelo mundo e o próprio cultivo das plantas transferiu-se para novas regiões. O hábito de beber chá, por exemplo, notado pelos Portugueses quando chegaram à China, também se transferiu para as sociedades europeias e suas colónias. Como é sabido, foi D. Catarina de Bragança33, rainha de Inglaterra, quem introduziu a moda de beber chá na corte britânica, e esta bebida de origem asiática, levada para Londres por uma portuguesa, acabou por se tornar num elemento marcante da cultura inglesa. 6. O reconhecimento na esfera da interculturalidade “ Ou aprendemos a viver como irmãos, ou vamos morrer juntos como idiotas ” (Martin Luther King, 1963) Esta frase encerra em si toda a intenção e alcance da alteridade, do interculturalismo, assim como o objectivo da educação intercultural. A palavra alteridade possui o significado de um indivíduo se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, com consideração, valorização, identificação, e diálogo com o outro. A questão da alteridade é indissociável da questão da interculturalidade, no sentido em que uma é a prática da outra, e a outra é o resultado contínuo da boa prática da primeira. Trata-se de conceitos gémeos, no sentido de andarem de mãos dadas, pois separados são inoperacionais. 33 - D. Catarina casou com Carlos II, em 1662. Seu dote incluía a cidade de Bombaim e de Tânger para o domínio britânico, pois Portugal, em busca de apoios contra Filipe IV de Espanha na Guerra da Restauração, a isso se comprometera pelo tratado de paz e aliança assinado com o rei inglês. 36 A prática da alteridade conduz da diferença à soma nas relações interpessoais entre os seres humanos revestidos de cidadania, e através da relação alteritária é possível exercer a cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os diferentes, na medida em que se identifique, entenda e aprenda a aprender com o contrário, ou seja, quando sujeitos inseridos em ambientes multiculturais conseguem respeitar a diversidade cultural, através do intercâmbio, do respeito, da compreensão e do convívio pacífico, vivendo e aprendendo com os novos mapas da interculturalidade. A não prática da alteridade, pelo contrário, é sinónima da desumanização do Outro, e esta equivale à anulação do Outro, fazendo com que ele não exista num plano igual ao nosso. A este respeito, existe, na dramaturgia inglesa, uma peça fenomenal, escrita por Shakespeare, que foi levada séculos mais tarde ao cinema34, e que demonstra na perfeição esta desumanização e a queixa do Outro perante o tratamento que lhe conferem35. A peça é o Mercador de Veneza, escrita entre 1594 e 1597, e cita-se o monólogo de Shylock (o agiota judeu), numa rua de Veneza: […] E tudo, por quê? Por eu ser judeu. Os judeus não têm olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, inclinações, paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas, não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquecem e refrescam os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos? Se nos fizerdes cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno, não morremos? E se nos ofenderdes, não devemos vingar-nos? Se em tudo o mais somos iguais a vós, teremos de ser iguais também a esse respeito. Se um judeu ofende a um cristão, qual é a humildade deste? Vingança. Se um cristão ofender a um judeu, qual deve ser a paciência deste, de acordo com o exemplo do cristão? Ora, vingança […] (Shakespeare36). 34 - Em 1973, protagonizada por Lawrence Olivier (como Shylock), e mais tarde, em 2004, protagonizada por Al Pacino, no papel do agiota judeu. 35 - Desde finais do século XII, até finais do século XIII, que na Inglaterra, os judeus eram confinados e trancados em Ghetos, de onde saíam de manhã para trabalhar, e para onde voltavam ao entardecer, com hora de recolha, sob pena de morte. Além desta limitação, conta-se (até na própria Peça O mercador de Veneza) que os judeus eram muitas vezes humilhados em praça pública pelos cristãos. A Comédia O Mercador de Veneza foi escrita entre os últimos anos do século XVI, numa altura em que os judeus não estavam presentes em Inglaterra, pois tinham sido expulsos em 1290, e só viriam a ser readmitidos em solo britânico em 1655. 36 - Consultado em 16/08/2010. 37 Através deste excerto d’ O Mercador de Veneza, podemos observar a forma singular e brilhante como Shylock, nas palavras de Shakespeare37, expõe a questão da humanização/desumanização do Outro, semelhante do cristão, mas estrangeiro, e por isso diferente – e por isso também, considerado inferior, ele e a sua cultura. Este exemplo da ausência da prática da alteridade serve perfeitamente como ponto de partida para entendermos melhor a ideia de interculturalidade e o efeito da prática da alteridade. A interculturalidade contém uma dinâmica de tolerância e de alteridade, de respeito pelos ritmos de aprendizagem diferentes do Outro, pela forma de ver o Outro – não como um objecto a estudar e a analisar, mas como um sujeito também capaz de perceber e repensar a sua própria cultura – em que a diferença deve ser a base de uma relação entre iguais. Um princípio fundamental do entendimento do multiculturalismo, segundo Sidekum (2008), é que […] O outro está dentro, e não fora do nosso contexto cultural. […] (Sidekun). Partilhamos deste entendimento e estendemo-lo à interculturalidade e à educação intercultural, porque o essencial aos nossos olhos deve ser o facto de o Outro existir no nosso contexto cultural, independentemente de convivermos bem ou não com essa presença. Assim, a educação intercultural interfere e trabalha precisamente o factor da aceitação da outra identidade, do outro ser, do Outro, através da alteridade, transformando em positiva a convivência e a coexistência culturais. Sobre o entendimento da educação multicultural, que se apoia na prática da alteridade, Hanley, defende que […] Essentially, multicultural education is about change trough education. (…) Multicultural education harbors a place for a multitude of voices in a multicultural society and a place for many dreams […]. (Hanley: 199938). No mesmo sentido, mas de uma forma mais específica, Peres, afirma, numa entrevista ao Jornal A Página da Educação, quando questionado sobre o alcance da educação intercultural: 37 - Shakespeare é acusado, por alguns autores, de ter escrito esta comédia específica numa base anti-semitista, enquanto que outros autores elogiam o dramaturgo pela forma como ele entende o comportamento das pessoas na época, expondo assim os seus preconceitos e tirando partido dessa exposição para um melhor entendimento e aceitação do Outro. 38 - Consultado em 16/08/2010. 38 […] eu descubro-me no Outro, e o Outro descobre-se em mim; (…) as realidades são plurais e diversas, mas eu posso desenvolver projectos em comum. E é isso que está implícito na concepção da educação intercultural - respeitar o outro, valorizá-lo e aprender com ele. Sem me colocar numa posição de superioridade, porque, efectivamente, todos podemos aprender uns com os outros […]. (Peres: 1999: p. 4). Neste contexto, trazemos ainda à colação uma reflexão acerca do termo o Outro. Abrindo um dicionário da língua portuguesa e um dicionário de sinónimos da mesma língua, e procurando a definição de Outro, deparamo-nos com uma situação interessante: a palavra – outro – tem a grandeza de ser uma antinomia, retendo em si duas verdades contraditórias. Outro, significa não ser o mesmo, como tal, aquele que é diferente, distinto. No entanto, entre os seus sinónimos encontramos também o semelhante e até mesmo o igual. Efectivamente, podemos entender que a alteridade, ou outridade (porque é relativa à existência de Outro) é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem interage com e é interdependente de outros indivíduos. Desta forma, e de acordo com uma visão mais antropológica, a existência do eu-individual só é permitida mediante um contacto com o Outro. De acordo com uma visão mais filosófica, podemos dizer que o eu apenas existe a partir do outro, da visão do outro, o que lhe permite também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto dele mesmo, sensibilizado que está pela experiência do contacto. Nesse sentido, a mentalidade intercultural está aberta a uma pedagogia do respeito pelo outro, como ser humano que também é – em tudo o que é corpo e espírito é igual a nós, e aberta a uma pedagogia para a igualdade e para a interacção de diferenças culturais. 39 7. A Circum-navegação do globo por Fernão de Magalhães 7.1. Antecedentes gerais das viagens dos Descobrimentos: Com o alvorecer do século XV, a Europa inicia a sua mais extraordinária era de transformação desde a queda do Império Romano. Os interesses comerciais que surgiram, nos finais da Idade Média, nos portos da orla ocidental da Europa, olhavam com certa inveja para o monopólio italiano e germânico do comércio com o Oriente. Os tecidos de algodão e seda, as especiarias, as tintas, os perfumes e as pedras preciosas do Oriente encontravam mercado pronto no Ocidente, ainda que os preços quadruplicassem em trânsito, devido aos onerosos transportes por caravana desde o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho até aos portos do Mar Mediterrâneo. A expansão do Império Otomano pelas rotas do comércio da Europa com a Ásia resultou na imposição de taxas ainda mais pesadas ao comércio oriental. Confrontados com esta situação, os comerciantes, os marítimos, e mesmo os governantes ibéricos iniciam a procura de novas rotas para o Oriente. A difusão de antigas ideias, que consideravam a terra esférica, foram retomadas por pensadores e exploradores ousados que sonhavam atingir o Extremo Oriente, quer contornando a África, quer atravessando o misterioso Atlântico. Novas ideias a nível político, religioso, económico e social, desafiavam o provincianismo da vida medieval. Por outro lado, o aumento da população obrigava ao cultivo de outras terras, à fundação de novas cidades e tornara necessárias maiores quantidades de alimentos e de outros bens. Surgiu uma nova classe média de comerciantes – a burguesia, que prosperava com o comércio florescente das cidades. A Europa precisava agora de metais preciosos para cunhar as moedas indispensáveis a este comércio em desenvolvimento e, inevitavelmente, virou-se para o Oriente para obter o ouro e as outras mercadorias preciosas que os cruzados tinham visto os comerciantes árabes vender nos mercados do Médio Oriente. Porém, o que a Europa mais desejava era especiarias, os condimentos utilizados no tempero e conservação da carne. Esta necessidade, aliada à ideia do enorme lucro que se dizia resultar de um só carregamento (embarcação) de especiarias, despertaram, em especial, o interesse dos monarcas portugueses e espanhóis, que tinham assim a oportunidade de consolidar as suas políticas expansionistas. 40 Durante o final da Idade Média, os navios de vela foram-se desenvolvendo gradualmente, tornando-se, no século XV, navios verdadeiramente oceânicos (para a época) e capazes de suportar as tempestades atlânticas, além de suficientemente rápidos e próprios para o mar, permitindo longas viagens sem necessidade de reabastecimento e/ou reparação. Por outro lado, os progressos na arte de navegar tornaram possível o afastamento da costa sem receio de a perder de vista, nomeadamente, através da agulha magnética, trazida da China para a Europa por intermédio dos Árabes e dos Cruzados, e da medição da velocidade do navio pelo tempo de passagem de qualquer objecto flutuante. Assim, conhecido o rumo e a velocidade do navio, estimava-se o percurso com razoável margem de erro, o que ofereceu bastante apoio aos navegadores, até à descoberta de outros utensílios de navegação. No intervalo de meio século apenas, ousados navegadores europeus, descobrem um caminho marítimo para a Índia, a América e circum-navegam a terra, além de navegarem para África. 7.2. Os relatos das viagens como testemunho na época Durante os séculos XV e XVI, com os Descobrimentos, nasce e desenvolve-se um novo género literário: a literatura ou relato de viagens. Este tipo de literatura teve os seus antecedentes na necessidade pragmática de registar rotas, distâncias, condições atmosféricas, acidentes geográficos e todos os elementos que pudessem facilitar a repetição e/ou o prosseguimento das viagens efectuadas. Depois, a esta necessidade juntou-se a curiosidade e a vontade em descrever tudo quanto se via, desde os povos descobertos e os seus costumes, aos animais e plantas nunca antes vistos. Na literatura de viagens podemos incluir os diários de bordo, cartas enviadas ao rei, roteiros e descrições. Em suma, toda uma série de textos directamente relacionados com a política expansionista da época. Era comum os marinheiros ou viajantes, ou ainda, os escrivães, apontarem as suas notas dia a dia, conforme o passar dos acontecimentos, e daí, não ser de estranhar que muitos destes relatos tomem a forma de diários, como é o caso do Diário de Colombo e o de Pigafetta. 41 A maior dificuldade que se levantava na elaboração destes relatos estava no facto de se descrever coisas totalmente novas e desconhecidas, para as quais não havia sequer um nome ou uma explicação, mas havia a sua descrição, feita pelo observador, e era ele quem transmitia essa novidade e a apresentava à sua cultura. Essa novidade era um mundo cultural desconhecido, encoberto pela distância, com outras concepções de vida, outras ideias, crenças, conhecimentos. Numa palavra, o Outro. No que se refere à literatura de viagens, um dos exemplos mais conhecidos é, sem dúvida, a Carta de Pêro Vaz de Caminha a D. Manuel I. Nessa Carta temos a descrição da descoberta do Brasil, com informações importantes acerca dos povos que aí habitavam, as suas características físicas e comportamentais, os seus costumes, as suas línguas, o clima e a natureza (plantas e animais) que os rodeava. Outros exemplos são, o Roteiro da Viagem de Vasco da Gama, de Álvaro Velho, a Carta do descobrimento da América, de Cristovão Colombo, e a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, apesar da controvérsia que envolve este último autor. Estes textos são, pois, o testemunho da surpresa, o relato do insólito, o depoimento entusiasmado ou apreensivo sobre a nova realidade física e humana. Por um lado, é o desejo de conhecer novos mundos que leva os homens a registar as novidades encontradas nas viagens marítimas, assim como a registar também os acontecimentos durante essas viagens. Por outro lado, é a curiosidade que induz os eruditos do sul e do norte da Europa a lerem e a traduzirem o testemunho que os navegadores, marinheiros e escrivães, nos legaram. Relativamente ao valor que estes testemunhos tinham na época, ele deve-se, principalmente, ao facto dos registos e das cartas dirigidas aos monarcas darem a conhecer as características geográficas, geológicas, ambientais, populacionais, culturais e de vida animal, das terras descobertas, possibilitando à Corte e aos comerciantes um estudo de viabilidade da fixação de gentes e da exploração dos recursos naturais e humanos dessas terras, assim como a Evangelização dos povos que nelas habitassem. Aliás, foi sempre após a recepção destas novidades escritas, na Era dos Descobrimentos, que os monarcas tomavam a vital decisão de colonizar e explorar as terras descobertas, ou pelo contrário, abandoná-las, por serem inférteis. 42 7.3. A questão política, religiosa e social nesta viagem Além dos factores económicos, como o alto preço que se pagava pelas mercadorias oriundas do Oriente, trazidas pelos árabes, e do desejo de encontrar novas rotas para o Oriente, fizeram-se reflectir, nesta viagem, em particular, as questões política, religiosa, e social. O principal motivo para a primeira viagem de circum-navegação, foi, sem dúvida, o desejo de procurar e estabelecer uma nova rota marítima para as Índias, e principalmente, para as Molucas, de onde vinha o ouro das especiarias, tão ansiado pelos espanhóis. A rota de navegação existente até esse momento, até à índia, pertencia aos portugueses, e o motor principal desta viagem foi encontrar um caminho, uma rota, que não passasse pelos pontos daquela, e que permitisse à coroa Espanhola chegar à fonte das especiarias, e não só, e afirmar-se no mercado destes produtos, uma vez que os muçulmanos detinham o monopólio do comércio de especiarias, além da seda, tecidos de algodão, perfumes, esmeraldas, rubis e safiras, entre o Ocidente e o Oriente. Intrínseco a esta razão, está o fortalecimento do poder real. Através dos tesouros transportados para o reino, e do lucro obtido em cada viagem, os recursos e o poder do monarca aumentavam exponencialmente, conferindo-lhe maior autoridade. A religião, natural aliada da Coroa, proporcionou outro incentivo, para as viagens dos Descobrimentos em geral, pois no fim do século XIV, a maior parte da Europa tinha já perdido o espírito de cruzada, enquanto esse zelo permanecia ainda na Península Ibérica, onde séculos de luta, contra os mouros, tinham deixado uma animosidade permanente contra os infiéis. Além disto, a expansão marítima oferecia-se como um magnífico, e bem aproveitado, mote para a evangelização e cristianização de outros povos, aumentado assim o rebanho de Deus. O específico momento desta viagem é um momento oportuno de ampliar a fé cristã, levando-a além fronteiras, e principalmente, aos povos do Oriente, com riquezas tão desejadas pelos Europeus, e em especial, pelos Espanhóis. A ambição renascentista pela fama e pelo triunfo pessoal e pelo reconhecimento dos feitos individuais, foram outro factor que acompanhou desde o início as viagens das descobertas, contribuindo para o surto de exploradores e navegadores que se seguiria até ao século XVIII, e esta viagem, a primeira de circumnavegação marítima, não seria diferente nesse sentido. 43 Outro factor que contribuiu para esta viagem, assim como para as anteriores e posteriores viagens, foi a ascensão de uma nova classe social – a burguesia, constituída, essencialmente, por armadores e comerciantes. Formando uma classe social acima da plebe, e bastante abaixo da nobreza, mas não menos importante por isso, os burgueses alimentavam o sonho de chegar às fontes de produção de especiarias e outros produtos, de forma a aumentar o seu poderio económico e afirmar cada vez mais a sua ascensão social. 7.4. Consequências desta descoberta A primeira viagem de circum-navegação marítima, pensada, iniciada, e quase terminada por Fernão Magalhães, resultou em enormes consequências a vários níveis do conhecimento, quer provando teorias, e desfazendo mitos, quer descobrindo factos novos e acordando ou aumentando assim a curiosidade social e de investigação, para além, é claro, dos efeitos económicos que teve, e que foram mais imediatos, como o fortalecimento do comércio nacional e transnacional, o fortalecimento da ascensão da burguesia e o fortalecimento ou reposicionamento político, neste caso, de Espanha. O objectivo principal desta viagem, desdobrado em dois, foi atingido. Primeiro, foi descoberta e traçada uma nova rota para a aquisição e transporte de especiarias, nomeadamente, o cravo, das ilhas Molucas, actuais Filipinas, utilizando para isso uma passagem marítima entre os oceanos Atlântico e Pacífico, a sul da América. Segundo, apesar de só ter regressado uma nau das cinco que partiram, a sua preciosa e cobiçada carga, ela também, um dos objectivos da viagem, valeu para cobrir os encargos da expedição. Esta viagem possibilitou, ao mesmo tempo, o conhecimento de territórios escondidos, permitindo, mais tarde, a exploração desses territórios, assim como outras rotas para eles. Desta forma, esta viagem impulsionou tremendamente outras viagens de exploração às terras do Sul e ao Pacífico, levadas a cabo por exploradores e estudiosos académicos. Outra descoberta feita com a primeira circum-navegação marítima tem a ver com o fuso horário, que à época era desconhecido, mas que através desta viagem foi desvendado, ficando a saber-se que navegando de Este para Oeste se ganha um dia. 44 Com esta viagem, confirmou-se, também, e definitivamente, que a terra era esférica, como já tinha pensado Colombo e defendido Galileu Galilei. Além da comprovação desta teoria, esta viagem revelou ainda um novo céu, isto é, a existência de outras constelações estelares e formações de nebulosas. A primeira circum-navegação do globo, por Fernão Magalhães, permitiu alcançar, para além dos objectivos principais do próprio navegador e nos quais a coroa espanhola apostou todo um conjunto de contactos com novas realidades, culturas e costumes, fauna e flora, distintas da conhecida, à época, pela Europa. Com esta viagem, Magalhães e Del Cano, rasgaram o mundo conhecido até então, e depois deles e desta viagem, mais nada foi igual. Mais do que qualquer outra, a nosso ver, esta viagem originou uma massa de conhecimento fundamental para o alargamento dos horizontes do saber científico e humanista, uma vez que a expedição abrangeu, em termos de viagem, um maior número de terras, povos, e também, de distância marítima percorrida, já que navegou três oceanos: o Atlântico, o Pacífico e o Índico. Fundamentalmente, esta viagem proporcionou a geógrafos, astrónomos, cartógrafos e navegadores, uma primeira ideia acerca da verdadeira dimensão da Terra, mostrando-a bem maior do que se julgava ser, mas também, menos misteriosa, porque apesar de difícil, o seu território era alcançável. Relativamente à cartografia, podemos comparar, através dos anexos III, IV e V, a perfeição das linhas e limites do mapa do Mundo e do Estreito de Magalhães, com um desenho e uma imagem de satélite, mais recentes, nos anexos I e VI. Foi a partir desta grande viagem que o verdadeiro Novo Mundo se abriu à Europa e, particularmente, a Portugal e Espanha, seus grandes exploradores e colonizadores. Em termos de conhecimento, esta viagem, em particular, proporcionou um colossal salto quantitativo e qualitativo na mentalidade da época, salto esse, apenas comparável, em nossa opinião, à era da globalização informática, liderada pela Internet, em que a Rede se transformou na sala de estar e biblioteca de qualquer cidadão mais ou menos letrado, tendo este acesso a um vasto conjunto de informação sobre a sua e outras culturas, e acesso, mesmo, a relacionamentos interpessoais, embora a característica marcante destes seja a ausência de contacto físico, e visual, o que origina uma transformação na forma de encarar e avaliar o outro e os relacionamentos, a nível psicológico. 45 Esta foi a viagem que abriu definitivamente as portas ao conhecimento, e transformou a concepção da Terra e do ser humano, ficando já muito pouco território por desvendar, e enormemente enriquecido o estudo em áreas como a antropologia, a sociologia, e as ciências exactas. Além dos navegadores, marinheiros e viajantes foram os civis, principalmente, comerciantes e colonos, e a igreja, quem desempenhou um papel importante na prática da interculturalidade. Os navegadores, marinheiros e viajantes, em primeira linha, porque foram eles os primeiros a ter contacto com o Outro e a reduzir a escrito as novidades, diferenças e semelhanças. Os comerciantes e colonos, porque foram estes quem manteve um contacto mais estável e duradouro com o Outro, convivendo na sua cultura e na do outro, introduzindo e assimilando novidades, incorporando no seu modo de viver e personalidade, elementos de uma e outra cultura, chegando mesmo a miscigenar-se com este, factor que se revelou fulcral para a colonização das colónias, mas também para a transculturação e multiculturalismo. A Igreja, porque através da construção de escolas, e nem sempre causando conflitos, cristianizou rapidamente as populações, incutindo-lhes o espírito católico, que perdura até hoje. 7.5. A multiculturalidade na constituição da tripulação desta viagem Esta viagem ou expedição constitui, talvez, a viagem com maior grau de multiculturalidade na constituição da própria tripulação, de todas as viagens realizadas na época das Descobertas. Quando Fernão Magalhães teve o aval de Carlos I, monarca de Espanha, para empreender a viagem de circum-navegação marítima, em busca de outra rota para as Índias, e à descoberta de terras desconhecidas, devido à sua vasta experiência marítima e feitos anteriores, foi nomeado capitão-general da expedição, constituída por cinco naus. Esta nomeação não agradou a muitos espanhóis, que em complôt, decidiram limitar a sua autoridade em viagem. Desta forma, este grupo conseguiu que fosse nomeado para comandante de uma das cinco naus um espanhol, e outros espanhóis para posições-chave, sendo as restantes naus, comandadas por portugueses. 46 Uma das maiores dificuldades no início desta expedição foi o recrutamento da tripulação, uma vez que aos marinheiros espanhóis, orgulhosos, não lhes agradava servir sob as ordens de um estrangeiro, e pior, de um português. […] Com efeito, o único que se alistou de boa vontade parece ter sido Antonio Pigafetta, um jovem nobre italiano que queria ver «os aspectos grandiosos e terríveis do aceano» […]. (Selecções do Reader’s Digest: Os Grandes Exploradores de Todos os Tempos: p. 80). Apesar das dificuldades no recrutamento da sua tripulação, Magalhães conseguiu reunir um grupo de 250 homens, constituído por italianos, franceses, alemães, flamengos, mouros e negros, bem como portugueses. Foi assim que este grupo tão heterogéneo de tripulantes formou a tripulação de tão arriscada e famosa expedição. Ora, este facto, só de per si, indica que o interculturalismo, embora não fosse estudado, com este nome, na época, era já praticado, devido ao resultado do recrutamento das tripulações para as viagens marítimas e, principalmente, para esta viagem, que juntou sete nacionalidades e, no mínimo, três concepções de vida diferentes e três culturas distintas. Em suma, a própria tripulação desta viagem representava a existência e o diálogo entre o Eu e o Outro, sem mesmo ser preciso sair do porto de embarque, em Sanlucar de Barrameda. 7.6. Referências e homenagens a Fernão Magalhães Neste ponto são indicadas algumas referências e homenagens a Fernão Magalhães, assim como estudos sobre este navegador e até recepção literária da sua grande viagem39. No capítulo de referências e homenagens ao navegador, existem os poemas de Camões, n’ Os Lusíadas, Canto X, Estrofe 138, e de Fernando Pessoa, em Mensagem, II Parte – Mar Português, Poema VIII, constando ambos de Anexos a esta dissertação, com os Números VIII e IX. Na vertente dos estudos realizados sobre o explorador, existem diversas obras e autores, que se dedicaram à investigação da sua vida e/ou feitos. É o caso, por exemplo, 39 - Sem menosprezar, é claro a existência de toponímia em ruas, avenidas, instituições, além do Estreito e das Nebulosas que tomaram o seu nome. 47 de Laurence Bergreen (Fernão Magalhães, para além do fim do Mundo), Kurt Honolka (A odisseia de Fernão Magalhães), Jean Michele Barrault (Fernão Magalhães – A Terra é redonda), e Gonçalo Cadilhe (Nos Passo de Magalhães), entre muitos outros. No capítulo da recepção literária, a viagem do descobridor originou a transformação da própria viagem, e provavelmente, através da leitura do Diário de Pigafetta, em banda desenhada, como é o caso, por exemplo, dos desenhos de Guido Buzzellicom com texto de Milo Milani, que constam do Anexo IX a este trabalho, assim como das referências bibliográficas do mesmo. Para além da conversão daquela viagem neste tipo literário, existem cópias, edições traduzidas em diversas línguas, do Diário de Pigafetta, como é o caso, por exemplo, dos documentos consultados para a análise de conteúdo nesta dissertação e que constam das referências bibliográficas da mesma. Uma situação muito importante, e que merece um olhar mais atento, por se tratar da utilização do nome do navegador, no âmbito da diplomacia cultural e económica, é a utilização da Marca Fernão de Magalhães como marca chapéu para alguns vinhos de Denominação de Origem Controlada (DOC) da Adega Cooperativa de Sabrosa. A estratégia comercial desta agremiação tem sido aproveitada pela Autarquia de Sabrosa, como forma de estreitar laços culturais e promover a troca comercial, com as suas congéneres de Sanlucar de Barrameda e Guetaria, em Espanha, Cebú, na República das Filipinas, Punta Arenas, no Chile, Rio de Janeiro, no Brasil. Estas são algumas das cidades em que Fernão Magalhães aportou, durante a viagem, e onde passou dias/meses, nutrindo, a sociedade desses países, há já algum tempo, um carinho especial pelo navegador de naturalidade portuguesa. 8. O processo de análise de conteúdo – as categorias A análise de conteúdo é definida por Bardin (2009), como: […] Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variadas inferidas) destas mensagens […]. (Bardin: 2009 p. 44). 48 Para que seja objectiva, essa descrição exige uma definição adequada das categorias de análise, de modo a permitir que diferentes pesquisadores possam utilizálas, obtendo resultados semelhantes. Para ser sistemática, é necessário que a totalidade de conteúdo relevante seja analisada com relação a todas as categorias significativas. A quantificação permite obter informações mais precisas e objectivas sobre a ocorrência das características do conteúdo. As fases que integram a análise de conteúdo são três: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A pré-análise consiste, principalmente, na escolha dos documentos a serem submetidos à análise, e à formulação dos objectivos a atingir. O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, que constituem a terçeira fase, são, na prática, o estudo, agrupamento e conclusões referentes aos dados recolhidos durante a exploração do material de investigação. A exploração do material, que integra a segunda fase da técnica de análise de conteúdo, é o momento mais delicado e trabalhoso da investigação, pois é durante esta fase que o investigador procede à codificação do material. Segundo Bardim, […] A organização da codificação comprende três escolhas (no caso de uma análise quantitativa e categorial): – o recorte: escolha das unidades; – A enumeração: escolha das regras de contagem; – A classificação e a agregação: escolha das categorias […] (Bardin: 2009; p. 129). Por sua vez, as unidades a que Bardin se refere, não são mais do que os elementos do texto a ter em conta no seu estudo. Assim, estas unidades podem ser de registo, quando consistam em: tema; léxico, sintático, semântico, objecto ou referente, personagem, acontecimento, e documento, enquanto unidade do género; ou de contexto, quando integrem frases (em comparação à palavra na unidade de registo) ou parágrafos (em comparação ao tema na unidade de registo). A unidade de contexto corresponde ao segmento da mensagem cujas dimensões são superiores às da unidade de registo, e que é perfeita para a melhor compreensão da unidade de registo. A escolha das categorias é uma tarefa que se insere na fase de exploração e codificação do material, e é transportada para a fase seguinte, a do tratamento dos resultados, a inferência e interpretação, porque é através da aplicação das categorias de análise que o investigador encontra os dados com os quais vai inferir e interpretar os 49 resultados dessa operação, e é também com base nesses resultados que o investigador vai formular as suas conclusões finais sobre a investigação. Antes de se proceder à categorização, é necessário recortar o texto, na fase da exploração do material, através de unidades de registo e de contexto. Bardin (2009) explica cada um destes conceitos; (…) A unidade de registo é a unidade de significação a codificar e corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando a categorização e a contagem frequencial. (…) A unidade de contexto serve de unidade de compreensão para codificar a unidade de registo e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registo) são óptimas para que se possa compreender a significação exacta da unidade de registo. Esta pode, por exemplo, ser a frase para a palavra e o parágrafo para o tema […]. (Bardin: 2009: p. 130, 133). As categorias de análise são o meio que permite ao investigador encontrar e provar a existência de unidades de registo e/ou unidades de contexto, que fundamentam e testemunham o facto ou teoria que ele defende no seu trabalho. São estas categorias, pelas quais o texto é “peneirado”, que permitem a selecção e estudo fidedignos dessas unidades. De acordo com Bardin (2009) […] a categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação, e seguidamente, por reagrupamento, segundo o género (analogia), com os critérios previamente definidos (…). (p. 145). Em suma, a categorização, enquanto instrumento e processo de análise, permite reunir o maior número de informações à custa de uma esquematização prévia e assim correlacionar classes de acontecimentos para ordená-los. A categorização representa a passagem dos dados brutos a dados organizados. 50 9. Análise de conteúdo do Relato da Viagem, por Antonio Pigafetta40 Efectivamente, após a realização de várias leituras da obra que serviu de fundamento a este estudo – “ Viagem à volta do mundo, por António Pigafetta” In Fernão de Magalhães A primeira viagem à volta do Mundo contada pelos que nela participaram (1990) – seguindo as indicações de Ludke e André (1986) e Vala (1986), construímos categorias ou tipologias, tentando de acordo com Bardin (2009) agrupá-las, tendo em conta os aspectos comuns. Para esta análise, foram eleitas 10 (dez) categorias de análise de conteúdo constituídas por conceitos, que passo a enumerar: Viagem; Cultura/Religião; Descoberta; Encontro; Laços; Troca comercial; Ideias e valores, Diferenças culturais; Poder; e Interculturalidade. As unidades de registo que precedem a categorização são baseadas em unidades de registo objecto ou referente, no sentido em que se trata de temas-eixo, em redor dos quais o discurso se organiza, agrupando à sua volta tudo o que o locutor exprime a seu respeito. De seguida, é apresentada cada uma das categorias de análise de conteúdo, com alguns registos seleccionados do diário de Pigafetta. Estes registos funcionam apenas como amostra do que existe no documento, pois não é objectivo desta dissertação incluir o seu conteúdo na totalidade, mas antes, analisá-lo e escolher os registos mais marcantes – e que nos permitam aferir da existência de cada uma das categorias seleccionadas para a análise de conteúdo: I. A categoria “Viagem” pretende significar a referência do narrador à ideia e conteúdo da palavra viagem, entendida à época. Os registos enquadrados por esta categoria são: 40 - Antonio Pigafetta iniciou viagem na nau principal, Trindade, onde viajava também o Capitão General, Fernão Magalhães. Pigafetta acabou a viagem na nau Victoria, comandada por Sebastian del Cano. 51 I.I. (…). Soube que se acabava de fretar em Sevilha uma frota de cinco navios, destinada a descobrir as ilhas Malucas, de onde nos vêm as especiarias, e que D. Fernão de Magalhães, (…), que já por mais de uma vez havia percorrido o oceano com glória, havia sido nomeado capitão-general desta expedição. (…), fui de barco a Málaga, e daí passei a Sevilha por terra, onde esperei três meses antes que a frota estivesse em condições de partir […]. (p. 2324). I.II. […] O Capitão-general Fernão de Magalhães tinha resolvido empreender uma longa viagem pelo oceano, onde os ventos sopram com violência e as tempestades são muito frequentes. Havia também resolvido abrir um caminho que nenhum navegador conhecera até então (…). (p. 24). I.III. […] A 10 de Agosto de 1519, segunda-feira, de manhã, estando a frota abastecida de tudo necessário, com uma tripulação composta por duzentos e trinta e sete homens, foi anunciada a partida com uma descarga de artilharia, e largada a vela do traquete. Descemos o Bétis até à ponte de Guadalquivir, (…). Continuando a descer o Bétis, passase perto de Coria e de outras povoações até São Lucar, (…). De Sevilha a este porto contam-se dezassete a vinte léguas […]. (p. 26). I.IV. […] Quarta-feira, 28 de Novembro, saímos do estreito e entrámos no grande mar, que logo chamámos »mar Pacífico«, no qual navegámos durante três meses e vinte dias, sem comermos nenhum alimento fresco (…). (p. 43). I.V. […] Durante estes três meses e vinte dias percorremos quatro mil léguas, pouco mais ou menos, no mar que chamámos Pacífico, porque enquanto durou a nossa travessia não sofremos a menor tempestade (…). (p. 44). I.V. […] Graças à Providência, no sábado, 6 de Setembro, entrámos na baía de São Lucar, e, de sessenta homens de que se compunha a tripulação quando saímos das ilhas Malucas, não restavam mais do que dezoito, na maior parte doentes […]. (p.118). II) A categoria “Cultura/Religião” intenta abarcar toda a bagagem de aprendizagem, valores, conceitos, crenças, leis, moral e organização, que caracteriza uma sociedade e com a qual os indivíduo se identificam. Neste sentido, é necessário individualizar a Cultura/Religião europeia, e a Cultura/Religião dos outros povos, pelos olhos de Pigafetta e filtro europeu de cultura/religião. Deste modo, os registos seleccionados são: 52 a) Cultura/Religião europeia: II.I. (…). Todas as manhãs íamos a terra para ouvir missa na Igreja de Nossa Senhora de Barrameda, (…), e antes de partir o capitão-general ordenou que toda a tripulação se confessasse; (…). (p. 26). II.II. (…). Antes de abandonar este lugar, o capitão-general ordenou que cada um de nós se confessasse e comungasse, como bons cristãos […]. (p. 39). II.III. (…). Foi assim a nossa refeição, e não pude deixar de comer carne, apesar de ser Sextafeira Santa […]. (p. 52). II.IV. (…). Enquanto navegámos por entre estas ilhas sofremos uma tempestade, que pôs em perigo as nossas vidas, e fizemos o voto de irmos em procissão a Nossa Senhora da Guia se tivéssemos a boa sorte de nos salvarmos (…). (p.109). II.V. […] Terça-feira saltámos todos em terra, em camisa e descalços, com um círio na mão, e fomos à Igreja de Nossa Senhora da Vitória e à da Santa Maria de Antígua, como havíamos prometido fazer nos momentos de angústia […]. (p.118). b) Cultura/Religião dos outros povos, pelos olhos de Pigafetta: II.I. […] Os brasileiros não são cristãos, nem tão pouco idólatras, porque não adoram nada: a natureza é a sua única lei (...). (p. 29). II.II. […] Estes povos não têm nenhuma religião e só seguem a sua própria vontade. Não têm rei nem chefe. Pintam o corpo e andam nus. Alguns deles usam uma barba comprida e cabelos negros atados à frente caindo-lhe até à cintura. Usam também capeuzinhos de palha. São robustos e bem proporcionados. A sua tez é de cor azeitonada, mas disseramnos que nascem brancos e que se tornam morenos com a idade. Pintam os dentes artisticamente, de vermelho e negro, o que entre eles é sinal de beleza […]. (p. 47). II.III. […] Estes povos são cafres, isto é, gentios […]. (p. 50). II.IV. […] Passámos sete dias nesta ilha, durante os quais tivemos ocasião de observar os seus usos e costumes. Pintam o corpo e andam nus, apesar de cobrindo as suas partes naturais com um pedaço de pano. (…). São grandes bebedores e mascam continuamente um fruto parecido com uma pêra, chamado «areca» […]. (p.57). 53 II.V. […]. Os ídolos destes países são de madeira, côncavos ou ocos por trás; têm os braços e as pernas afastados e os pés voltados para cima; têm a cara larga, com quatro dentes muito grandes, semelhantes aos do javali. São, geralmente, todos pintados […]. (p.68). II.VI. […] As casas destes insulares são construídas como as das ilhas vizinhas, ainda que não tão elevadas sobre a terra, e rodeadas de canas, à maneira de estacadas. As mulheres deste país são feias. Andam nuas como as das outras ilhas, cobrindo as partes sexuais com um pedaço de casca de árvore. Os homens andam igualmente nus e, apesar da fealdade das suas mulheres, são muito ciumentos (…). (p. 98). II.VII. […] Disseram-nos que é costume em Java queimar os corpos das principais personagens que morrem e que queimam na mesma fogueira a sua mulher favorita. (…). Se recusasse fazê-lo, olhá-la-iam como mulher desonesta e má esposa […]. (p. 112). III) A categoria ”Descoberta” tem a intenção de significar o conjunto de contactos com realidades e pormenores desconhecidos pelos tripulantes da frota, englobando quer o achamento de terras e águas e suas riquezas, quer a comprovação e negação de ideias, e outras situações, sendo a maior parte delas o objectivo desta viagem. Neste contexto, apresentam-se os seguintes registos: III.I. […] Costeando sempre esta terra em direcção ao Pólo Antárctico, detivemo-nos em duas ilhas, que encontrámos povoadas apenas por gansos e lobos-marinhos. Há tantos dos primeiros e tão mansos que numa hora fizemos provisão para a tripulação dos cinco navios. São pretos e parecem estar cobertos por todo o corpo com pequenas penas, sem terem nas asas as necessárias para voar (…). (p. 32). III.II. (…). Descobrimos um estreito, que chamámos «o estreito das onze Mil Virgens», porque foi no dia em que a Igreja as consagra. Este estreito, como depois pudemos verificar, tem quatrocentos e quarenta milhas de comprimento (ou cento e dez léguas marítimas, de quatro milhas cada uma) e meia légua de largura, pouco mais ou menos, e desemboca noutro mar, a que chamámos «mar Pacífico». Este estreito está rodeado de montanhas muito altas e cobertas de neve. É também, muito profundo, (…). (p.39).41 41 - Pigafetta refere-se à descoberta do Estreito de Magalhães – a passagem marítima que Magalhães afirmava existir entre mares. 54 III.III. […] A terra deste estreito, que à esquerda volta para sueste, é muito plana. (…). Nele se encontra um porto seguro em cada meia légua, com água excelente, madeira de cedro, sardinhas e muito marisco. (…). Enfim, creio que não há no mundo melhor estreito do que este (…). (p. 42). III.IV. […] O Pólo Antárctico não tem as mesmas estrelas que o Pólo Árctico, mas vêem-se ali dois aglomerados de estrelinhas nebulosas que se assemelham a nuvenzinhas, a pouca distancia uma da outra. No meio de estrelinhas notam-se duas muito grandes e muito brilhantes, mas cujo movimento é reduzido. Ambas indicam o Pólo antárctico. (…). Estando no mar alto, descobrimos a oeste cinco estrelas muito brilhantes, dispostas exactamente em forma de cruz (…). (p.45).42 III.V. (…). Esperávamos chegar por esta rota ao cabo de Gatticara, que os cosmógrafos situaram nesta latitude. Mas estão errados, (…). (p.46). III.VI. […] Este rei que nos acompanhou disse-nos que na sua ilha havia pepitas de ouro tão grandes como as nozes e mesmo como os ovos, misturadas com a terra, que peneiravam para as encontrar, e que todos os seus copos, e mesmo alguns adornos da sua casa, eram feitos com esse metal (…). (p. 54). III.VII. […] A ilha de Zubu é grande. Tem um bom porto, com duas entradas, uma a oeste e outra a este-nordeste. Está a 10º de latitude norte e a 154º de longitude da ilha de demarcação. Foi nesta ilha, ainda antes da morte de Magalhães, que tivemos notícias acerca das ilhas Malucas […]. (p.75). III.VIII. […] Os portugueses propalaram que estas ilhas estão situadas num mar não navegável por cauda dos recifes que se encontram por toda a parte e da atmosfera nebulosa que as envolve em espessas trevas. No entanto, nada disto é verdade, e nunca, até nas próprias Malucas, houve menos de cem braças de água […]. (p. 90). III.IX. (…). Também nos abastecemos de uma água excessivamente quente, mas que, exposta ao ar durante uma hora, se tornava muito fria. Dizem que isto se deve ao facto de a água provir da montanha onde crescem as árvores do cravo. Por isto reconhecemos o embuste dos portugueses, que querem fazer crer que falta completamente a água doce nas Malucas e que é necessário ir buscá-la muito longe, noutros países […]. (p.94). 42 - Pigafetta refere-se às Nebulosas de Magalhães e à constelação Cruzeiro do Sul. 55 III.X. […] todas as ilhas das Malucas produzem cravo., gengibre, sagu (que é a madeira de se faz o pão), arroz, nozes de coco, figos, bananas, amêndoas (mais grossas que as nossas), romãs doces e azedas, cana-de-açucar, melões, pepinos, cabaças, um fruto a que chamam «comilicai», muito refrescante e do tamanho de uma melancia, outro fruto semelhante ao pêssego, a que chamam «guave», e outros vegetais comestíveis (…). (p.106). III.XI. […] Para verificar se os nossos diários estavam correctos, perguntámos em terra que dia da semana era, e responderam-nos que quinta-feira, o que nos surpreendeu, porque, segundo os nossos diários, estávamos em quarta-feira. (…) Soubemos logo que o nosso cálculo estava certo, pois, havendo navegado sempre para oeste, seguindo o curso do sol, ao voltar ao mesmo sítio tínhamos de ganhar vinte e quatro horas sobre os que tinham estado fixos num lugar (…). (p. 118). IV) A categoria ”Encontro” pretende traduzir o avistamento e primeiro contacto com os outros – indivíduos com diferentes culturas da europeia. Neste conceito são incluídas os seguintes registos: IV.I. (…). Um dia, quando menos esperávamos, apresentou-se-nos um homem de figura gigantesca. Estava numa praia, quase nu, e cantava e dançava ao mesmo tempo, deitando pó sobre a cabeça. O capitão enviou um dos marinheiros a terra com ordem de fazer os mesmos gestos, em sinal de paz e amizade, o que o gigante compreendeu muito bem, deixando-se conduzir facilmente a uma ilhota onde o capitão tinha desembarcado. (…). Este homem era tão alto que a nossa cabeça apenas chegava à sua cintura (…). (p. 33). IV.II. […] Este homem era mais alto e mais bem feito que os outros. Tinha também, um comportamento mais amável (…). (p.34). IV.III. […] O capitão acolheu muito afavelmente s que subiram a bordo e deu-lhes alguns presentes. Tendo-o sabido, o rei, antes de se retirar, quis dar ao capitão uma barra de ouro e uma cesta cheia de gengibre, mas o capitão agradeceu-lhe, não aceitando o presente. (…) Assegurando-lhe ao mesmo tempo que não vínhamos hostilizá-los, mas como amigos, (…). (p. 51-52). IV.IV. […] Enviou então um dos seus discípulos, com o intérprete, como embaixador ao rei de Zubu. (…). O intérprete começou por sossegar o rei, dizendo-lhe que era um costume nosso e que este estrépido não era mais do que uma saudação em sinal de paz 56 e amizade, (…). O rei, por intermédio do seu ministro, perguntou ao intérprete o que nos tinha atraído à sua ilha e o que queríamos. (…). (p. 58). IV.V. (…). Quando as suas mulheres nos avistaram, avançaram contra nós, com o arco na mão, em atitude ameaçadora. Mas com alguns pequenos presentes depressa nos tornámos bons amigos […]. (p.109). V) A categoria ”Laços” pretende referir-se ao estabelecimento e potencialidade de desenvolvimento de um relacionamento e parceria duradouros, quer entre indivíduos de diferentes sociedades e culturas, quer entre os seus governantes. Assim, os registos relacionados com este conceito são: V.I. […] O capitão disse ao rei que se ele tinha inimigos se juntaria voluntariamente a ele com os seus navios e os seus guerreiros para os combater (…). (p. 56). V.II. […] O capitão, por sua vez, assegurou ao rei, eu depois do seu regresso a Espanha, voltaria a estas paragens com forças muito mais consideráveis e que o faria o mais poderoso monarca daquelas ilhas, recompensa merecida por ter sido o primeiro a abraçar a religião cristã […]. (p. 65). V.III. […] Como se aproximava o dia fixado para a nossa partida, o rei visitava-nos com frequência, vendo-se perfeitamente que se achava muito comovido, dizendo, entre outras coisas lisonjeiras, que lhe parecia ser tal como um menino de peito ao ser desmamado pela mãe. (...). Aconselhou-nos a não navegarmos de noite, por causa dos recifes e escolhos que há neste mar, (…), respondeu-nos que, neste caso, não tinha mais a fazer do que rogar e mandar que rogassem a Deus pela prosperidade da nossa viagem […]. (p. 102). VI) A categoria “Troca comercial” quer significar as trocas de produtos, seja em moeda ou em género, efectuadas entre a tripulação da frota e as sociedades com que se relacionaram durante a viagem. Seguindo esta ideia, os registos eleitos são: 57 VI.I. […] Há neste país uma infinidade de papagaios. Por um espelhinho davam-nos oito ou dez. (…). Algumas vezes, para conseguirem um machado ou uma faca de cozinha, ofereceram-nos uma, e mesmo duas, das suas jovens como escravas (…). (p. 30). VI.II. […] Sexta-feira, 22 do mês, os insulares cumpriram a sua palavra, e vieram com duas canoas cheias de nozes de coco, laranjas, um cântaro de vinho de palmeira, e um galo, para que soubéssemos que tinham galinhas. Comprámos-lhes tudo o que trouxeram (…). (p. 50). VI.III. […] Desembarcámos nesse dia muitas mercadorias e armazenámo-las numa base colocada sob a protecção do rei, (…), para as vender por grosso (…). (p. 63). VI.IV. […] Sexta-feira abrimos o armazém e expusemos todas as nossas mercadorias, que os ilhéus olharam admirados. Por objectos de bronze, ferro e outras mercadorias davamnos ouro. As jóias e as várias bagatelas converteram-se em arroz, porcos, cabras e outras virtualhas. Por catorze libras de ferro davam-nos dez peças de ouro com o valor equivalente a ducado e meio cada uma (…). (p. 64). VI.V. (…). O valor destas mercadorias, que íamos trocar por cravo, foi fixado da seguinte maneira: (…). Como se vê fizemos um tráfico muito vantajoso, (…). Além do cravo, fazíamos diariamente boa provisão de víveres […]. (p. 94). VI.VI. […] Quarta-feira, 27, o rei lançou um pregão que dizia que quem quisesse nos podia vender cravo livremente. Aproveitámos a ocasião e comprámos grande quantidade […]. (p.101). VII. A categoria “Ideias e valores” visa, por um lado, traduzir o conjunto de linhas mestras e objectivos previamente estabelecidos para a viagem, e que não são mais do que o resultado da cultura de uma sociedade numa determinada época e, por outro, o conjunto de características de personalidade, desenvolvidas ou inatas, dos tripulantes da viagem. Com base neste conceito, os registos recortados são: VII.I. […] Estes povos são extremamente crédulos e bons, e seria fácil convertê-los ao cristianismo (…). (p. 31). 58 VII.II. (…). Este respondeu que o seu amo, comandante da esquadra, era capitão ao serviço do maior rei da Terra e que o objectivo da sua viagem era chegar a Maluco, (…). (p. 58). VII.III. (…). Então o capitão, por mio do intérprete, disse aos reis que esta cruz era o emblema que o seu imperador lhe tinha confiado para erigir onde pisasse terra, que por conseguinte o queria fazer neta ilha, à qual este santo signo seria, por outro lado favorável, (…). (p. 55). VII.IV. (…). Pedimos-lhe que não fosse ele próprio, mas respondeu-nos que, como bom pastor, nunca devia abandonar o seu rebanho […]. (p. 70-71). VII.V. (…). Este cravo enviado pelo rei era o primeiro que embarcávamos e constituía o principal objectivo da nossa viagem, e por isso disparámos várias vezes as bombardas, em sinal de regozijo […]. (p. 99). VII.VI. (…). NO entanto, a maior parte dos tripulantes, escravos mais da honra do que da própria vida, decidiu esforçar-se em regressar a Espanha, quaisquer que fossem os perigos que tivéssemos de correr […]. (p.117). VIII. A categoria “Diferenças culturais” pretende significar as dissemelhanças observadas e relatadas pelo narrador, entre a cultura europeia e a cultura das sociedades contactadas durante a viagem. Neste contexto, foram retiradas do texto os seguintes registos: VIII.I. […] Os homens e as mulheres são tão vigorosos e tão bem proporcionados como nós. Comem algumas vezes carne humana, mas somente a dos seus inimigos. Não é pelo apetite ou pelo sabor que o fazem, mas por um costume que, segundo nos disseram, (…). No entanto, não os comem nos campos de batalha, nem vivos, senão que os despedaçam e repartem entre os vencedores (…). (p.29-30). VIII.II. […] Os brasileiros, tanto homens como mulheres, pintam o corpo, principalmente a cara, de um modo estranho e de diferentes maneiras. Os cabelos são curtos e lanudos, e não têm pêlo em nenhuma parte do corpo, porque se depilam (…). (p.30). VIII.III. […] Estes povos, como já disse, vestem-se com a pele de um animal, com a qual cobrem também as suas cabanas, que transportam para aqui ou para ali, para onde mais lhes convém, não tendo residência fixa, como os ciganos, ora num local, ora 59 noutro. Alimentam-se ordinariamente de carne crua e de uma raiz doce, a que chamam «capac» (…). (p. 37). VIII.IV. […] Os habitantes das ilhas próximas daquela em que estávamos tinham nas orelhas orifícios tão grandes e as extremidades tão alongadas que se podia meter o braço neles. (…). Andam nus, apenas com um pedaço de casca de árvore para ocultar as partes naturais, que alguns chefes cobrem com uma tira de algodão bordada a seda nas pontas. (…). Têm cabelos pretos e tão compridos que lhes chegam à cintura. As suas armas são: facas, escudos, maçãs e lanças guarnecidas de ouro. Como instrumentos de pesca utilizam dardos, arpões e redes feitas mais ou menos como as nossas. As suas embarcações são igualmente semelhantes às nossas (…). (p.50). VIII.V. (…). Falando da sucessão entre eles, disseram-nos que, quando os pais têm certa idade, o poder passa para os seus filhos, sem consideração nenhuma. Isto escandalizou o capitão, que condenou este costume, dizendo que Deus, criador do Céu e da Terra, ordenou expressamente que os filhos honrassem pai e mãe, ameaçando com o castigo do fogo eterno os que transgredissem este mandamento (…). (p. 60). VIII.VI. (…). Cozem o arroz em canas ou em vasos de madeira, conservando-se este mais tempo do que o cozido em marmitas. Do mesmo arroz obtêm, utilizando uma espécie de alambique, um vinho mais forte e melhor que o de palmeira (…). (p. 78). VIII.VII. […] Os chineses são brancos e andam vestidos. Têm, como nós, mesas para comer, e nas suas casas há cruzes, embora ignore o uso que delas fazem (…). (p.115). IX. A categoria “Poder” refere-se, quer à superioridade em força bélica, à de persuasão mental e à astúcia, quer à força de direcção e controle atribuída ao superior hierárquico durante a viagem. Nesta categoria é necessário individualizar o poder manifestado pela frota de Magalhães, e o poder demonstrado pelas sociedades com as quais a frota se cruzou. Dentro deste conceito, enquadram-se os seguintes registos: a) Poder manifestado pela frota de Magalhães: IX.I. […] Antes de partir estabeleceu algumas regras, tanto para os sinais como para a disciplina (…). (p. 24-25). 60 IX.II. […] Erguemos uma cruz no cume de uma montanha próxima à qual chamámos «monte Cristo» e tomamos posse desta terra em nome do rei de Espanha (…). (p. 38). IX.III. […] O capitão quis reter os dois mais jovens e mais bem feitos, para os levar connosco durante a viagem e conduzi-los mesmo a Espanha. Mas, vendo que era difícil prendêlos pela força, valeu-se da seguinte astúcia: (…). Consentiram, e então aplicaram-selhes os grilhões e fecharam-se os anéis, de maneira que se encontraram encadeados. (…) A nossa gente queimou a cabana destes selvagens e enterrou o morto […]. (p. 35). IX.IV. (…). Então o capitão, irritado, saltou em terra com quarenta homens armados, queimou quarenta a cinquenta casas, bem como muitas das suas canoas, e matoulhes sete homens. (…). No momento me que desembarcámos para castigar os insulares, (…). (p.46). IX.V. (…). O intérprete respondeu que o seu amo, por ser capitão de um monarca tão grande, não pagaria tributos a nenhum rei da Terra, que se o rei de Zubu queria a paz, teria a paz, mas que, se queria a guerra, lhe faria a guerra (…). (p. 58). IX. VI. (…). Houve, no entanto, uma aldeia numa ilha em que os habitantes recusaram obedecer ao rei e a nós. Lançámos-lhe fogo e erigimos uma cruz, porque eram idólatras (…). (p. 66). IX.VII. […] Ao deixarmos a ilha, ou melhor, o porto, encontrámos um junco que vinha de Burne. Fizemos-lhe sinais para que se detivesse, mas, como não obedeceu, perseguimo-lo, apressámo-lo e saqueámo-lo. Levava a bordo o governador de Palaon, com um dos seus filhos e o seu irmão. Demos-lhe o prazo de sete dias para pagar de resgate quatrocentas medidas de arroz, vinte porcos, outras tantas cabras e cinquenta galinhas (…). (p. 86). b) Poder demonstrado pelas sociedades com as quais a frota se cruzou: IX.I. […] Os insulares eram mil e quinhentos, formados em três batalhões, que imediatamente se lançaram sobre nós com uma horrível gritaria. (…). O seu número parecia aumentar, bem como a impetuosidade com que nos acometiam. (…). Durou o desigual combate quase uma hora. Por fim, um insular conseguiu ferir, com a ponta de uma lança, a testa do capitão, (…). Deram-se conta disso os indígenas e lançaram-se todos sobre ele; (…). Assim morreu o nosso guia, a nossa luz e o nosso conforto (…). (p. 71-72). 61 X. A categoria “Interculturalidade” abarca no seu alcance o conjunto de relacionamentos e, em última análise, o resultado de reciprocidade nesses relacionamentos. Neste sentido, foram recortados os seguintes registos: X.I. (…). Ensinámo-lo a pronunciar o nome de Jesus, a oração dominical, etc., e chegou mesmo a recitá-la tão bem como nós, mas com voz fortíssima. Por fim, baptizámo-lo, dando-lhe o nome de João. O capitão-general presenteou-o com uma camisa, um casaco curto, uns calções de pano, um barrete, um espelho, um pente, alguns guizos e outras bagatelas. Voltou aos seus muito contente, segundo nos pareceu (…). (p. 35). X.II. […] Durante a viagem conversei o melhor que me foi possível com o gigante patagão que levámos no nosso navio, e por meio de gestos perguntava-lhe o nome patagão de muitos objectos, de maneira que cheguei a formar um pequeno vocabulário. Estava já tão acostumado que, apenas me via pegar na pena e no papel, vinha logo a dizer-me o nome dos objectos que estavam à sua vista e das operações que via fazer. Entre outras coisas, ensinou-nos o modo de acender um lume no seu país; esfregando um pedaço de madeira pontiaguda contra um outro, até que o fogo pegasse numa espécie de medula de árvore colocada entre os dois bocados de madeira. (…) Quando sentiu aproximar-se a morte, devido à sua última doença, pediu a cruz, beijou-a e rogou-nos que o baptizássemos, o que fizemos, dando-lhe o nome de Paulo […]. (p.43). X.III. […] Os insulares familiarizaram-se tanto connosco que por seu intermédio pudemos aprender os nomes de muitas coisas, sobretudo dos objectos que nos rodeiam. (…). São corteses e honrados. (…) Para nos mostrarem a sua amizade, levaram o nosso capitão nas suas canoas aos armazéns das suas mercadorias, tais como cravo, canela, pimenta, noz-moscada, maça, ouro, etc., e por gestos deram-nos a entender que nos países para os quais nos dirigíamos abundavam estes géneros. O capitão-general convidou-os, por sua vez, a subirem ao navio, no qual instalou todo o que os podia assombrar pela novidade (…). (p. 49). X.IV. (…). Acrescentou outras passagens da História Sagrada, que agradaram muito a estes insulares, despertando neles o desejo de se instruírem nos princípios da nossa religião (…). (p. 61-62). X.V. (…). O rei desta ilha subiu a bordo, e, para nos dar uma prova de amizade e aliança, retirou sangue da mão esquerda e esfregou-o no peito e na ponta da língua. Nós fizemos o mesmo (…). (p.76). 62 X.VI. […] Apresentámo-nos ao rei, que estabeleceu amizade e aliança connosco, e para garantia pediu-nos uma faca, e com ela retirou sangue do seu peito, com o qual molhou a cara e a língua. Nós repetimos esta cerimónia […]. (p.78). X.VII. […] Advertiu-nos que deveríamos fazer três reverências ao rei, elevando as mãos juntas por cima da cabeça e levantando ora um pé, ora o outro (…). (p.81). 63 Considerações finais Desde a primeira viagem dos Descobrimentos, em 1434, quando Gil Eanes passa o Cabo Bojador, até à primeira viagem de circum-navegação do globo, por Fernão Magalhães, em 1519-1521, foi percorrido um longo caminho de evolução e aprimoramento das técnicas de navegação, mas principalmente, um longo e frutífero itinerário de interligação de continentes e povos com realidades distintas, desde a flora e a fauna, à cultura e organização social. Esta interligação e contacto entre culturas formaram um caldeirão de conhecimento, de descoberta, que alterou para sempre o entendimento do mundo e do ser humano – dos outros, e de nós próprios. Este caldeirão encontra-se em ebulição desde então, pois o processo de formação cultural não estagna, estando, pelo contrário, em constante transformação e o factor inicialmente responsável por essa transformação é o próprio contacto entre culturas. Porém, neste processo de descoberta, de conhecimento, de aprendizagem e assimilação, o papel fundamental de sujeito mediador e impulsionador é desempenhado pela promoção da interculturalidade, sendo através desta prática que as ideias e os valores sociais e culturais se modificam e adaptam às necessidades dos indivíduos e das sociedades, constituindo, estes pilares, as características marcantes de qualquer transformação social, e até mesmo, entre gerações, em lato sensu. A fenomenal façanha que foi a intrépida viagem pensada por Fernão Magalhães, chegando este a atingir o seu propósito – as ilhas Molucas, navegando de este para oeste, antes de perecer em batalha numa das ilhas desse arquipélago, foi, sem dúvida, a verdadeira viagem de cruzamento de mares, mas principalmente, a verdadeira viagem de contacto com outras sociedades e outros valores, em suma, de contacto com o Outro. Foi através desta viagem que a Europa ficou a saber da existência de outras sociedades e culturas, para além daquelas já encontradas em outras viagens. Mas esta viagem, em particular, foi o rasgar de dúvidas e incertezas científicas e religiosas, e a verdadeira possibilidade de aprofundar o estudo em áreas como a antropologia, a geografia, a astronomia, a biologia, a sociologia, entre outras. Foi também através desta viagem que o mundo europeu ficou a conhecer a verdadeira dimensão do Mundo Terra, e aquilo que parecia impossível, tornou-se real e próximo. A existência do Mundo, assim entendido, deixou de ser mito, hipótese e 64 blasfémia, para ser real, alcançável e, principalmente, multicultural – habitado por sociedades com diferentes valores, crenças, consumos, formas de organização e repositórios de aprendizagem. As pontes e os olhares cruzados abordados nesta dissertação – a viagem nos Descobrimentos como promoção da interculturalidade, principalmente, a circumnavegação do globo por Fernão Magalhães, defendem o interculturalismo como fruto e geração de um Humanismo de que a história europeia está cheia e que timbrou de modo particular o relacionamento dos europeus com os povos com quem foram contactando e até com aqueles a quem foram colonizando. Este Humanismo europeu, ainda hoje é sentido por parte dos países de acolhimento daqueles que daqui emigram, ou que viajam turisticamente. Traduz-se não só numa atitude de respeito pelo Outro, tal como é marcado pela sua cultura, como também numa rara capacidade de adaptação às outras culturas, sem perda da própria identidade, e ao mesmo tempo de miscigenação sem preconceitos. As viagens nos Descobrimentos, tanto portugueses, como espanhóis, possibilitaram não só a expansão e fortalecimento do Reino e da Fé Cristã, como também o conhecer dos Outros, das suas características, das suas diferenças e semelhanças com o descobridor. O processo antropológico mais importante da época dos Descobrimentos é, sem dúvida, o facto da esmagadora maioria dessas terras já serem habitadas à data das descobertas. Existiam já nelas sociedades devidamente organizadas, hierarquizadas e implantadas, o que significa que os chamados descobridores não encontraram nada que já não existisse. Aquilo que estes exploradores fizeram, foi apenas revelar essa existência, que lhes era desconhecida, a si, e à sociedade em que se inseriam. Foi precisamente esta revelação que possibilitou, por um lado, o contacto com outras culturas, outros modos de vida, e que permitiu, por outro, a aquisição de conhecimento sobre essas culturas. Aliado a interesses políticos, económicos e religiosos, que eram o fundamento principal para as viagens de descoberta (revelação) do mundo (terras e povos), o contacto com o Outro deu origem a vários fenómenos sociais como a miscigenação, a transculturação e a interculturalidade – não como ela é vista hoje – produto da livre circulação de pessoas entre países, mas sim, como o embrião desta existência. 65 Um dos aspectos fulcrais da mudança cultural, na Idade Média, e mormente, nas Descobertas marítimas, foi precisamente a mestiçagem, ou miscigenação, uma vez que ela potenciou de forma exponencial o contacto efectivo entre culturas. A mestiçagem biológica potenciou a mestiçagem cultural. O contacto intercultural, por sua vez, abriu caminho ao processo de transculturação, que consiste na transformação de padrões a partir do elemento externo, isto é, do contacto com outra(s) cultura(s). A transculturação é um fenómeno que está presente no multiculturalismo, sendo este entendido, em termos sociológicos, como a presença de culturas distintas numa determinada sociedade – numa cidade ou país, presença que se faz sentir pela existência de afirmações de identidades religiosas, étnicas, nacionais, etc., sem no entanto, existir preconceito ou discriminação contra essa diferença. Por fim, é a interculturalidade, ou a sua prática, com corolários como o respeito pelo outro, pela sua diversidade (porque nós também somos diversos dele), que fomenta a interacção entre culturas de uma forma recíproca, e sobretudo, o enriquecimento mútuo. A primeira viagem de circum-navegação do globo por Fernão Magalhães, enquadrada na expansão marítima (pela simples razão de que através desta viagem foi contactado um maior número de culturas do que em qualquer outra viagem realizada sob aquele tema), abriu as portas ao Outro no nosso mundo e a nós no mundo do Outro, abrindo igualmente um canal para a mestiçagem, transculturação e interculturalidade, fenómenos que, de formas diferentes, potenciam o enriquecimento cultural. Por estas razões, defendemos que a primeira viagem de circum-navegação do globo por Fernão Magalhães foi a semente da globalização e da interculturalidade. 66 Referências bibliográficas ABAD, L. V.; CUCÓ, A. e IZQUIERDO, A. (1993). Imigracíon, Pluralismo y Tolerancia. Madrid: Editorial Popular. ALBUQUERQUE, L. (1985). Os descobrimentos portugueses. Sintra: Publicações Alfa. BARDIN, L. (2009). Análise de conteúdo. Edição revista e actualizada. Lisboa: Edições 70, Lda. 4º Edição. BERRY, J. 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Rota de Circum-navegação por Fernão Magalhães 76 ANEXO IV Mapa cartográfico elaborado por Willen Blaeu, holandês, em 1635. 77 ANEXO V Mapa marítimo do estreito de Magalhães, elaborado após a viagem de Circum-navegação do militar inglês, John Byron, em 1764. 78 ANEXO VI Imagem/pormenor do Estreito de Magalhães, por Jacques Descloites. Modis Rapid Response team. Nasa/GSFC, em Agosto de 2003. 79 ANEXO VII […] Eis aqui as novas partes do Oriente Que vós outros agora no mundo dais, Abrindo a porta ao vasto mar patente, Que tão forte peito navegais. Mas é também razão que, no Ponente, Dum Lusitano um feito inda vejais, Que, de seu Rei mostrando-se agravado, Caminho há-de fazer nunca cuidado. (…) Homenagem a Fernão Magalhães em Os Lusíadas, Canto X: estrofe Nº 138 80 ANEXO VIII […] No valle clareia uma fogueira. Uma dança sacode a terra inteira. E sombras disformes e descompostas Em clarões negros do valle vão Subitamente pelas encostas, Indo perder-se na escuridão. De quem é a dança que a noite aterra? São os Titans, os filhos da Terra Que dançam da morte do marinheiro Que quiz cingir o materno vultoCingil-o, dos homens, o primeiroNa praia ao longe por fim sepulto. Dançam, nem sabem que a alma ousada Do morto ainda commanda a armada, Pulso sem corpo ao leme a guiar As naus no resto do fim do espaço: Que até ausente soube cercar A terra inteira com seu abraço. Violou a Terra. Mas elles não O sabem, e dançam na solidão; E sombras disformes e descompostas, Indo perder-se nos horizontes, Galgam do valle pelas encostas Dos mudos montes. […]. Homenagem a Fernão Magalhães na Mensagem. II Parte – Mar Português – poema VIII. 81 ANEXO IX Banda desenhada de Guido Buzzelli e Mino Millani, de 1982. 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105