Etimologia: Incluir: o arquivo de palavras em anexo. A B S O L V E R: do latim absolvere, desatar, separar, desligar, absolver. Ganhou os sentidos de despedir, perdoar e de libertar. No latim eclesiástico perdurou o sentido de despedir, pois só pode ir embora quem, depois de confessar os pecados, é perdoado. No episódio em que Jesus, instado a julgar uma mulher adúltera, cuja pena era o apedrejamento, ele pede que atire a primeira pedra quem não tiver pecado. Jesus está sentado. São João, o mais culto dos evangelistas, assim conta o episódio, traduzido para o latim por São Jerônimo: “Erigens autem se Iesus dixit ei: ‘Mulier, ubi sunt? Nemo te condemnavit?’ Quae dixit: ‘Nemo, Domine’. Dixit autem Iesus: ‘Nec ego te condemno; vade et amplius iam noli peccare’”. (Levantando-se em seguida Jesus disse a ela: “Mulher, onde estão? Ninguém te condenou?”. Ela disse: “Ninguém, Senhor”. Disse então Jesus: “Nem eu te condeno. Vai em paz e não tornes a pecar”). A C A D E M I A: do latim academia, por sua vez derivado do grego akademeia. As primeiras escolas da civilização ocidental foram ao ar livre. O jardim onde Platão ensinava filosofia, em Atenas, chamava-se Akademos, herói grego ao redor de cuja estátua mestre e alunos perambulavam. A C E R V O: do latim acervu, originalmente montão, cabedal, passando depois a designar o conjunto de livros de uma biblioteca ou das obras de um museu. A idéia de amontoado, porém, está presente numa passagem do livro Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, comentando o tratamento dispensado aos prisioneiros políticos: “Formávamos juntos um acervo de trastes, valíamos tanto como as bagagens trazidas lá de baixo e as mercadorias a que nos misturávamos”. A C E S S A R: neologismo formado a partir de acesso, do latim accessu, ingresso. Tornou-se vocábulo freqüente com os avanços da informática, indicando o ato de entrar num programa de computador, mas seu significado é mais abrangente. O dicionário Aurélio já nos permite o acesso a este vocábulo. A C O R D O: do italiano acordo, instrumento musical da família das violas graves. Tem de 12 a 15 cordas e foi muito popular na Itália, nos séculos XVII e XVIII. Mas como sinônimo de concordância mútua, obtida através de negociação, é provável que derive das formas latinas accordare, acordar, e concordare, concordar, pôr-se de acordo com alguma coisa. É vocábulo dos mais referidos atualmente, dado que o Brasil passa por momentos de negociações decisivas entre os vários segmentos da sociedade, muitos deles defendendo interesses opostos, donde a dificuldade de vários dos acordos propostos. Ainda assim, célebres acordos de cavalheiros, em que se dispensa a palavra escrita, foram substituídos por artigos que passaram a integrar a Constituição. A C U S A Ç Ã O: do latim accusatio, acusação, ação de acusar, do latim accusare, verbo reduzido da expressão ad causam provocare, dar causa à demanda, provocá-la, isto é, propriamente pro vocare, chamar para, desafiar. A D A P T A R: do latim adaptare, tornar apto, adaptar. Significando também acomodar, tem o sentido de transpor texto literário para outros meios de expressão, como o teatro, o cinema e a televisão. O roteirista Walter George Durst, que adaptou magistralmente para a TV os romances Jorge, um Brasileiro, de Oswaldo França Júnior, e Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, definiu deste modo o seu ofício: “Adaptar é trair por amor”. A D V O G A D O: do latim advocatu, profissional que, tendo cursado Direito, está legalmente habilitado a prestar assistência jurídica a seus clientes, defendendo-lhes os interesses, atuando também como consultor ou procurador em juízo. São Ivo, padroeiro dos advogados, estudou Direito na Universidade de Paris e notabilizou-se por defender os pobres, que não podiam pagar por um excelente profissional como ele. Sua festa é comemorada a 19 de maio. O sentido original da palavra, que entrou para o português ainda no século XIII, é dado pela etimologia: ad (a, para) e vocare (chamar). Os primeiros advogados foram defensores chamados a cuidar de interesses de pequenas comunidades religiosas, conventos e abadias. A G R A D E C E R: do latim gratu, grato, formou-se agradar, de que agradecer é incoativo (verbo que começa em outro). O agradecimento não é tão freqüente nas relações humanas, a ponto de o dito popular ter invertido a proposição, perguntando: “não te fiz nenhum favor, por que estás me perseguindo?”. Jesus curou dez leprosos e apenas um voltou para agradecer, resultando em taxa de retorno de 10 por cento. Quando o alvo da gratidão não é Deus, porém, a taxa cai ainda mais. Com base nesse desconcerto, foi instituído o Dia de Ação de Graças, celebrado a 25 de novembro. Ação de Graças vem do latim gratias agere, expressar agradecimentos. Nos finais de ano são comuns cerimônias de Ação de Graças, que incluem missas, visando manifestar gratidão a Deus pelos benefícios concedidos durante o ano que está terminando. A L A M B I Q U E: do árabe alanbiq, caldeira, tendo vindo do grego ámbix, onde tinha o significado de vaso de beira erguida. O alambique é um aparelho de destilação, muito utilizado no Brasil na fabricação da bebida número um do país, a cachaça. O alambique e a cana-deaçúcar, que têm o álcool e a cachaça como derivados importantes, foram trazidos pelos portugueses no século XVII. A destilação já era conhecida dos alquimistas, mas foram os árabes os responsáveis por sua introdução na Europa no século XII, primeiramente na Itália, de onde se espalhou por diversos países nos dois séculos seguintes. A L A R M E: do italiano alle arme, às armas. Grito das sentinelas que, com essa interjeição militar, anunciavam a aproximação do inimigo. Passou depois a designar outros tipos de inquietação e de sinais de atenção. Assim, as águas de um rio que começam a subir são motivo de alarme, como também a presença de casos, ainda que isolados, de doenças endêmicas e epidêmicas, ainda que a chamada seja a outras armas, entre as quais estão as seringas e conta-gotas empregadas em vacinas. A L Í Q U O T A: Do latim aliquota, declinado de aliquot, originalmente indeclinável, alguns. No direito tributário, o percentual calculado sobre o valor das transações, das rendas auferidas ou de outros tributos. As alíquotas podem ser reduzidas, mas ainda que cheguem a zero, não se pode confundi-las com isenção. Esta deve ser conferida por lei. Por enquanto, as alíquotas só têm aumentado. A L M A: do latim anima. A alma está vinculada à imortalidade, à identidade e à consciência, tendo implicações morais, religiosas e metafísicas. Sua existência é dada como eterna. Quem morre é o corpo, seu cavalo de batalha, que às vezes a põe pela boca, quando muito ofegante devido ao galope que ela lhe impõe. Cessat corpus, incipit anima (cessa o corpo, começa a alma), ensinaram os latinos, dando conta de sua eternidade. Nem sempre pacífica. Às vezes, as almas voltam penadas e ficam vagando extraviadas por este mundo, banidas do Outro Mundo, depois de entregues a Deus – que, entretanto, deve ter recusado o recebimento, pois diversas delas, de acordo com fundas crenças populares, não pagam todas as penas do lado de lá, voltando para resgatar certos males. Parece que alguns só podem ser remidos onde foram praticados. A L T U R A: do latim tardio altura, derivado de altum, do verbo alere, crescer, aumentar, nutrir, sustentar, educar, a mesma raiz de alumnus, criança a quem se dá o leite do peito e a educação. A dimensão de altura, em oposição à de profundidade, é aplicada em sentidos denotativos – a altura de um monte, de uma pessoa, de um edifício – e também em sentido conotativo, onde é ainda mais freqüente, em geral por meio de palavras assemelhadas radicadas em alt, de que é exemplo Alteza, título honorífico de elevação moral, surgido no português do século XII e aplicado, a partir do século XV, a reis, ficando depois exclusivo para príncipes. De resto, em sentido figurado ou conotativo, o Bem foi posto no alto, e o Mal nas profundezas. A L U N O: do latim alumnu, declinação de alumnus, primitivamente designando criança dada para criar; aluno, pupilo, discípulo. Com o nascimento das escolas, passou a indicar quem lá era entregue para ser educado. Alumnus era mais aplicado à criança de peito, ao escravo nascido na casa e à criança recolhida nas ruas, tornada cativa pelos que a alimentavam e educavam. Na escola romana, o aluno era designado discipulus, radicado no verbo discere, aprender, em oposição a docere, ensinar, conduzir, de onde derivaram no português discente e docente, o primeiro aplicado aos alunos, o segundo aos professores. Na escola média predominou professor ou professora, reservando-se mestre e doutor para os cursos superiores. Tal denominação tem raízes cristãs. Os professores das primeiras escolas, nascidas como extensão das sacristias, professavam, isto é, declaravam publicamente, os três famosos votos: pobreza, obediência e castidade. O primeiro parece ter-se consolidado como estigma da profissão nas últimas décadas, revelando o descaso de sucessivos governantes. A escolaridade foi sempre optativa, tornando-se obrigatória apenas a partir de 1819, na Prússia, e, desde a Constituição de 1934, também no Brasil. Mas foi a Constituição de 1937 que declarou: “O ensino primário é obrigatório e gratuito”. Até chegar ao curso superior, o aluno faz, porém, um percurso longo e difícil, coroado com o vesti bular: onze anos de estudo, sendo oito no primeiro grau e três no segundo. A L V A R Á: do árabe albar’at, quitação, tendo também o significado de licença oficial para exercício de alguma atividade. Foi com este último sentido que se consolidou em nossa língua. A empresa ostenta o alvará, mostrando que pagou todos os impostos devidos para estabelecer-se. O preso, cumprida a pena, recebe alvará de soltura. Em 12 de outubro de 1808, Dom João VI baixava alvará criando o Banco do Brasil. Poucos meses depois de sua chegada, fugindo das tropas francesas que tinham invadido Portugal, o príncipe regente abolira outro alvará, de 1785, que proibia a instalação de indústrias no Brasil. Foi pelo trabalho pioneiro desse rei que a Biblioteca Nacional, cuja sede fica no Rio de Janeiro, está entre as oito mais preciosas do mundo. Dom João VI partiu de Portugal como príncipe regente, em 1807, e era rei havia cinco anos quando para lá voltou, em 1821, já que a rainha dona Maria I morrera ainda em 1816, aos 82 anos, e apresentara sinais de demência ainda em 1792, aos 58 anos. O exagero da sentença contra Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro, a 21 de abril de 1792, aos 46 anos, pode ter explicação na insanidade real. E assim o patrono da nação brasileira ficou sendo um enforcado. A N A L O G I A: do latim analogia, analogia, ponto de semelhança entre coisas diferentes. Às vezes lembra a metáfora, como nessa passagem do Tratado da Natureza Humana, do filósofo escocês David Humes: “O que a velhice é para a vida, a noite é para o dia. Por isso dizemos que a noite é a velhice do dia e a velhice é a noite da vida”. A N A L O G I A: do latim analogia, analogia, ponto de semelhança entre coisas diferentes. Às vezes lembra a metáfora, como nessa passagem do Tratado da Natureza Humana, do filósofo escocês David Humes: “O que a velhice é para a vida, a noite é para o dia. Por isso dizemos que a noite é a velhice do dia e a velhice é a noite da vida”. A N A T O M I A: do latim anatomia, por sua vez radicado no grego anatomía, designando a ciência que trata da forma e da estrutura dos seres organizados. O prefixo “an” indica negação. O grego tomos, o latim tomus e o português tomo indicam pedaço, parte, divisão, como se pode verificar em coleções de livros. A anatomia examina o conjunto e para tanto disseca os corpos. O famoso pintor e gravador holandês Rembrandt, num de seus quadros mais famosos, Lição de Anatomia, mostra autópsia de um cadáver, fazendo não apenas expressão artística reveladora do desempenho de um dos maiores mestres da pintura, mas também documentando prática científica essencial aos avanços da medicina no século XVII. A humanidade estava aos poucos se livrando das pesadas restrições das autoridades religiosas que consideravam o corpo o templo do Espírito Santo e por isso concebiam como sacrilégio a tarefa da dissecação, entretanto já praticada por árabes e chineses, entre outros. “Comigo a anatomia enlouqueceu: sou todo coração”. Utilizando como inspiração esses versos do célebre poeta que cantou o triunfo da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia, Vladimir Maiakóvski, o médico e poeta gaúcho Jaime Vaz Brasil diz em Livro dos Amores, obra agraciada com o Prêmio Açorianos de Literatura, um dos mais importantes do Brasil meridional: “Amor de morder montanhas/ de publicar os sigilos/ de saltar de pára-quedas/ e não pensar em abri-lo/ amor em formas e faces/ nu, decantado ou exposto/ há que segui-lo em tempo/ de ainda espremerlhe o gosto/ cada amor, a si pretende/ mais real e verdadeiro/ diverso não sendo múltiplo/ e último, sendo o primeiro”. A N T R O P O L O G I A: palavra formada do grego anthropos, homem, e logos, estudo, designando ramo das ciências humanas que se ocupa em descrever o ser humano. Dá atenção às suas especificidades biológicas e socioculturais, detendo-se principalmente nas diferenças e variações presentes nas várias formações sociais. Nas últimas décadas, a antropologia socorreu-se de disciplinas de domínio conexo, como a arqueologia, a etnologia e a lingüística, estudando costumes, crenças, comportamentos e formas de organização das sociedades examinadas. Os maiores antropólogos estão radicados nos EUA e na Europa, especialmente na França e na Grã-Bretanha. A N U I D A D E: do francês annuité, anuidade, por sua vez formado a partir do latim annuu, anual, para designar quantia que, a princípio, era paga uma vez por ano, fosse para constituir um determinado capital, fosse para amortizar uma dívida. Dado o avanço das dificuldades econômicas pelo mundo afora, das quais a inflação é caso emblemático, a anuidade logo foi dividida em mensalidades, com o fim de, por meio de parcelas, facilitar os pagamentos contratados. A anuidade que mais aflige as famílias brasileiras é a escolar, já que as escolas privadas, para conduzir os alunos a esse arco do triunfo que é o vestibular, exigem antes elevar o valor das diversas anuidades, parceladas em mensalidades. Transposto o vestibular, caso os rebentos não consigam entrar para a universidade pública, recomeçam outras anuidades ainda mais pesadas. A P O L O G I A: do latim apologia, defesa, louvor, elogio. A palavra foi muito utilizada nos embates travados entre os que lutavam pelas privatizações de empresas estatais e os que faziam a apologia do Estado-empresário. A P U R A R: de puro, do latim purus, significando purificar, livrar da impureza. É o que deve ser feito com rumores e fofocas que podem ou não virar notícia, daí ser verbo essencial para jornalismo. Comentando um dos jornais mais respeitados do mundo, o francês Le Monde, fundado em 1944 e que introduziu o caderno literário intitulado Le Monde des Livres, em 1967, o jornalista, doutor em literatura e professor Felipe Pena diz no livro Jornalismo Literário (Editora Contexto) que o célebre periódico é forte na tarefa de apurar as notícias, destacando-se também pela qualidade do estilo na linguagem: “O jornal é influente e tem credibilidade. Nas palavras de Pierre Bourdieu, alia news (notícia) e views (pontos de vista), proporcionando análises contextualizadas a partir de informações bem apuradas”. O autor elaborou também uma nova teoria para apurar a vida alheia: a biografia sem fim, que desenvolveu em seu doutorado na PUC do Rio de Janeiro, entre 1999 e 2002. Ele a exemplificou nos livros Adolpho Bloch: Histórias, perfis e outros fractais biográficos (Editora Univercidade) e 1000 Perguntas de Jornalismo (Editora Rio). B A C A N A: de origem controversa, sendo plausível que sua procedência mais antiga esteja nas formas latinas Baccha, designando a bacante, mulher que celebrava os mistérios do deus Baco, na antiga Roma, dançando e se embriagando nas bacanais, festas a ele dedicadas. Baco é o nome latino do deus grego Dioniso. Recebeu tal designação porque a divindade trazida da Grécia para Roma depois da conquista presidia ao sexo e ao vinho. E o galho ou ramo da videira em latim é bacchos. O significado de bacana pode ter sido influenciado pelo italiano baccano, indicando balbúrdia, algazarra e também o mercado de peixe. Nas lenaionas, festas celebradas na Grécia nos meses de janeiro e fevereiro, Dioniso era representado por um adolescente cuja máscara estava enfeitada de ramos. Eurípides, um dos mais famosos autores das tragédias gregas, classifica Dioniso em As Bacantes como polygethés, alegre, cujo projeto divino é “rir e acalmar nossas inquietações”. Os sinônimos de bacano – alegre, divertido, bom, excelente – resultam em indícios de que bacana, variante feminina que se consolidou, tenha designado originalmente quem participava da bacanal. Pode ter havido ainda influência do lunfardo bácan, bacana, esperto, legal, luxuoso, simpático, constituindo-se na gíria portenha como palavra-ônibus, carregadora de vários significados. B A C H A R E L: de origem controversa, provavelmente do latim vulgar baccalaris, variante do latim medieval baccalarius, pelo francês bachaler, designando o jovem herdeiro de terras ou possessões, que ainda não é cavaleiro, e o noviço de ordem religiosa, ambos estudantes. Há indícios de que na formação da palavra tenha entrado o latim bacca lauri, baga de louro. Pode ainda ter havido relação entre a palavra beca, do judeu-espanhol beca, pensão, pagamento do estudante, com origem no hebraico bécah, moeda utilizada em Israel. Na formatura, recebendo a beca, laureado com o diploma, estava pronto o baccalaris, o bacharel. Embora sem comprovação, é preciso atentar para a possível influência de títulos da nobreza territorial sobre as denominações universitárias, de que são exemplos campus, propriedade rural cedida para instalar ali prédios universitários, e magnificus, título dado ao reitor, então proprietário das terras onde foram instalados os ditos prédios. Nessa linha, bacharel seria apenas o aluno que se forma nesses campi, em qualquer curso, mas como predominava o Direito, bacharel vinculou-se mais a este. B A D E R N A: do latim baderna, que no francês deu baderne e no italiano baderna, todos os vocábulos com o significado de desordem, bagunça. Pode ter vindo do inglês bad, mau, e yam, fio, numa das campanhas romanas pela Grã- Bretanha. Os europeus que aqui viveram longos anos, tendo reprovado a bagunça brasileira, marca de muitos de nossos usos e costumes, principalmente na economia, ao voltarem para as antigas pátrias lembram-se, saudosos, ‘de nossa bagunça’, que sempre exerceu um charme insólito sobre sua proverbial organização. Pode ter havido influência das brigas de rua travadas no Rio, na segunda metade do século XIX, pelos fãs da bailarina Marietta Baderna, sobre quem o escritor brasileiro Moacir Werneck de Castro criou uma lenda, depois levada a sério pelo ex-deputado comunista e estudioso de literatura, o italiano Silverio Corvisieri, que publicou um livro sobre a conterrânea prefaciado por Luciana Stegagno Picchio, cuja especialidade é a literatura brasileira. B A F Ô M E T R O: junção de bafo e metro, designando aparelho que detecta a presença de álcool no organismo. A embriaguez ocorre quando a concentração de álcool situa-se entre 1,5 e 2 gramas por litro de sangue. Um dos métodos utilizados na perícia é o de Martini, apesar de que são ingeridas bebidas de outras marcas. O bafômetro, por ser muito prático e requerer pouca habilidade, é usado com êxito pelos policiais rodoviários, com o fim de impedir que os bebuns atentem contra sua vida e a dos outros, servindo-se dos veículos como armas. Foi inventado pelo professor doutor Aymar Batista Prado, do Departamento de Toxicologia e Farmacologia da Faculdade de Farmácia da USP, campus de Ribeirão Preto. Uma concentração de oito decigramas de álcool por litro de sangue, segundo o Conselho Nacional de Trânsito, constitui prova de que o motorista está dirigindo embriagado. B Á L S A M O: do hebraico besem, passando pelo grego bálsamon e pelo latim balsamu. É extraído de plantas aromáticas, que o derramam espontaneamente ou por corte apropriado, tal como as seringueiras. Seu uso foi muito freqüente antigamente em cerimônias, principalmente religiosas. Os egípcios e os judeus embalsamavam seus mortos. Sua alusão é freqüente nos Evangelhos, como no episódio em que Maria Madalena passa bálsamo nos pés de Jesus. Em sentido metafórico, é muito usado como alívio para os sofrimentos amorosos e consolo para os que padecem. O sentido conotativo veio do fato de o bálsamo ser uma das primeiras pomadas do mundo, usado em ferimentos cotidianos e de guerra. A medicina quase não o utiliza mais. Há substâncias mais apropriadas hoje em dia. E para os males do coração, a terapêutica aconselhada tem sido outra: um novo amor. B A N C O: do italiano banco, banco, assento e também casa de crédito. Sua origem remota é o germânico banki, significando apenas o móvel, sem encosto, onde podem sentar-se várias pessoas, ao contrário da cadeira, que é individual. As casas de crédito receberam este nome porque em cidades de grande comércio exterior, como Veneza, na Itália, os cambistas estendiam moedas sobre bancos de madeira na praça de São Marcos e ali faziam as trocas, sempre com a ajuda de balanças, pois as moedas de ouro, prata ou cobre, às vezes procedentes de países distantes, apresentavam variações de peso, dado que algumas delas chegavam com as bordas gastas ou quebradas. B A N D E I R A: o gótico bandwa, sinal, transformou-se em bandaria no latim, de onde veio ao português com a forma atual. Prestando-se a muitos significados, as bandeiras mais famosas entre nós são a do Brasil, retangular como é de praxe entre as nações, as dos desbravadores que entre fins do século XVI e começos do XVIII exploraram o interior do país, as que disciplinam tarifas nos táxis e as de escolas de samba, alegremente carregadas por graciosas porta-bandeiras, personagens das mais importantes e muito observadas no Carnaval. Temos também a expressão dar bandeira, indicando a revelação de gesto ou intenção que deveriam permanecer ocultos. B A R G A N H A R: do italiano bargagnare, vender com fraude, trocar. Seu sentido evoluiu para designar atos de negociação política que implicam concessões mútuas. O ex-presidente FHC, professor universitário e sociólogo, usava o verbo com a maior candura, proclamando a necessidade de se fazer barganhas com o Congresso. B A R R O C O: provavelmente de Broakti, cidade da Índia onde eram produzidas pérolas muito irregulares. Na complexa prosódia lusitana, passou a soar como Baroquia, depois o ‘r’ foi duplicado e barroca transformou-se em barroco e assim foi grafado. Pode ter havido cruzamento com o italiano barocco, que designava também uma figura de silogismo que os renascentistas aplicavam às formulações absurdas. Consolidou-se, porém, como designação de estilo artístico, particularmente na pintura, escultura, arquitetura e torêutica, com origem na Itália, tendo depois se espalhado pela Europa e América nos séculos XVI e XVII. No estilo barroco predominam linhas curvas e abundância de ornamentação. Na literatura barroca, há profusão de figuras de linguagem. O barroco brasileiro mereceu recente exposição em Paris, patrocinada pelo governo francês. O poeta, ensaísta e professor Affonso Romano de Sant’Anna realizou densas, profundas e sagazes pesquisas sobre o tema, reunindo-as num livro deslumbrante, intitulado Barroco, Alma do Brasil. E o ex-presidente Jânio Quadros, cuja linguagem era marcada por frases enfeitadas de ornamentos insólitos, tinha seu domicílio paulistano na Rua Estilo Barroco. B E C A: do judeu-espanhol beca, pensão, pagamento do estudante, com origem no hebraico bécah, pensão, remuneração de estudante. Bécah, no hebraico, é a medida correspondente à metade de 1 siclo, siclus em latim, antiga moeda dos hebreus que valia 6 gramas de prata e deu também na moeda israelense de hoje, shekel. Na formatura, ao receber a beca e laureado com o diploma, estava pronto o baccalaris, o bacharel. Pode ter havido influência dos italianos beca, bolsa de estudos, e bicco, ponta, por força dos bicos do chapéu de formatura e das pontas do traje do formando. Antigos jesuítas denominam beca um copo de vinho dado a noviços convalescentes. No quicongo mbéka, derivado de békama, designa saia de tecido preto, machetada, que negras baianas envergavam em dias de festa. O quimbundo tem dibeka, veste que de tão longa cobre os pés e é arrastada pelo chão enquanto a mulher caminha, segundo nos informa Nei Lopes no Dicionário Banto do Brasil (Rio de Janeiro, edição da Secretaria Municipal de Cultura). B I B L I O T E C A: do grego biblion, o livro, e theké, caixa. Das caixas, onde ficavam deitados, os livros logo migraram para as estantes, onde mudaram de posição, ficando em pé. Em compensação, estão cada vez mais raros os que lêem e escrevem de pé, como Voltaire. B I E N A L: do latim biennalis, de dois em dois anos. A denominação preferida para eventos culturais, literários e artísticos, realizados com essa periodicidade. Em São Paulo, temos duas grandes bienais: a Bienal Internacional do Livro, onde os leitores encontram livros de escritores brasileiros e de muitos outros do mundo inteiro, e a Bienal Internacional da Arte. B I O G R A F I A: do grego bios, vida, e graph, radical de grapho, escrever, e sufixo ia. Escrever a vida de uma pessoa. É um gênero de livro de muita aceitação no mundo inteiro, principalmente quando feito sem a anuência do biografado. Neste caso, os autores costumam destacar a falta de autorização como chamariz para o livro. O mais comum é fazer como o jornalista e ex-secretário de Estado da Cultura de São Paulo, Fernando Morais, que em seu livro Chatô, o Rei do Brasil, limita-se a contar a vida do célebre jornalista e político brasileiro Assis Chateaubriand, deixando para os leitores a tarefa de julgar os atos do biografado. B O L E T I M: do italiano bolletino, publicação periódica. Tomou também o sentido de registro de ocorrências policiais e por isso é conhecido pela sigla BO, boletim de ocorrência. Há ainda o boletim meteorológico, indicando as tendências do tempo, e o boletim escolar, este último informando sobre as tempestades havidas com o estudante no processo ensino/aprendizagem. Com exceção dos informes sobre o clima, os outros boletins envolvem laços familiares de várias ramificações. B U R L A R: derivado de burla, do latim burrica, derivado de burra, arca para guardar tesouros, dinheiro. Guardar tem também o sentido de esconder, proteger. Veio daí o significado de engano. No espanhol, burla e seus derivados são aplicados a quem engana por motivos amorosos, de que é exemplo famoso o personagem Don Juan, o burlador de Sevilha C A D A S T R O: do grego bizantino katástichon, livro de registros comerciais, como relação de impostos, notícias econômicas e listas afins. Passando pelo latim catastru e pelo provençal cadastre. Designa a ficha de um cliente ou empresa junto a estabelecimentos comerciais, instituições financeiras e órgãos de registro de dados. Designou originalmente livro de registros comerciais, como relação de impostos, notícias econômicas e listas afins. O provençal cadastre, do baixo latim catastrum, provável alteração de catasta, era o estrado em que os escravos eram postos à venda. C A L E N D Á R I O: do latim calendarium, radicado em calare, convocar, e calenda, o primeiro dia de cada mês. Um escravo anunciava nesse dia os acontecimentos fastos (felizes) e nefastos (infelizes) do período. Os gregos não tinham calendas. Sabedor disso, Suetônio criou a expressão “pagar nas calendas gregas”, isto é, nunca. As divisões do calendário baseiam-se, desde as mais antigas culturas, nos movimentos da Terra e da Lua. O ano é o tempo que a Terra demora para dar uma volta ao redor do Sol. O mês, o tempo que a Lua leva para dar volta ao redor da Terra. A semana equivale a cada uma das quatro fases da Lua: minguante, crescente, nova e cheia. O dia equivale ao período que nosso planeta leva para dar uma volta sobre seu próprio eixo. É célebre o poema de Frei Antônio das Chagas sobre o tempo “Deus pede estrita conta do meu tempo / e eu vou do meu tempo dar-lhe conta, / mas como dar, sem tempo, tanta conta, / eu que gastei, sem conta, tanto tempo? / Para ter minha conta feita a tempo, / o tempo me foi dado e não fiz conta / não quis, sobrando tempo, fazer conta, / hoje quero acertar conta e não há tempo. / Ó vós que tendes tempo sem ter conta, / não gasteis vosso tempo em passa-tempo. / Cuidai, enquanto é tempo, de vossa conta, / pois aqueles que sem conta gastam o tempo, / quando o tempo chegar de prestar contas, / chorarão, como eu, o não ter tempo”. C A N D I D A T O: do latim candidatus, vestido de branco. Na Roma antiga, aqueles que postulavam cargos vestiamse de branco para vincular suas figuras à idéia de pureza e honradez que a cor branca sempre teve. Nas democracias, marcadas por escolhas periódicas de representantes do povo, os candidatos passaram a vestir-se de muitas outras cores, mas permaneceu a etimologia do vocábulo. Entretanto, dado o que aprontam vários deles, inclusive depois de eleitos, a pureza foi sacrificada em nome de pragmatismos diversos, que incluem alianças dos supostamente puros com os comprovadamente corruptos. C A R I C A T U R A: do italiano caricatura, caricatura, representação deformada de imagem ou idéia. Firmou-se como gênero nos séculos XVIII e XIX com a popularização da imprensa. O primeiro caricaturista brasileiro foi Manuel José de Araújo Porto Alegre, que estudara pintura com Jean Baptiste Debret, autor de gravuras sobre paisagens, usos e costumes de nosso país, reunidas em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. C A R I D A D E: do latim caritate, caridade, uma das três virtudes teologais. As outras duas são a fé e a esperança. Há numerosas instituições encarregadas de prestar assistência aos mais desamparados e em tais trabalhos notabilizou-se Agnes Gonxha Bajaxhiu, mais conhecida como madre Teresa de Calcutá, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1979, fundadora de uma ordem religiosa que conta com mais de 4 500 freiras atuando em 600 casas de caridade espalhadas em 111 países. No século II foram martirizadas três irmãs que se chamavam Caridade, Fé e Esperança. C A R T E L: do italiano cartello, diminutivo de carta, com fim de desafiar alguém; e do provençal cartel, com significado semelhante. Hoje é mais utilizado para designar ações nefastas de grupos empresariais que combinam preços de produtos, repartindo entre si os mercados por área de atuação, tudo em forma de sindicato informal, pois continua autônoma sua organização interna. Assim procedendo, eliminam um dos pilares do capitalismo, pois suprimem a livre concorrência. Este é um livro sobre palavras, por isso convém dar nome correto para ações econômicas desse tipo: crime organizado. C A T Á S T R O F E: do latim catastrophe, por sua vez tirado do grego katastrophé, ambos com o significado de reviravolta. Entre os gregos designava o momento em que na tragédia clássica um acontecimento decisivo esclarecia as ações e restabelecia o equilíbrio. Foi também a primeira designação para terremoto. Depois o sentido generalizou-se para outras desgraças igualmente extraordinárias, de efeitos devastadores. C I V I L I Z A Ç Ã O: do latim civile, civil, designando o cidadão, sem intermediações eclesiásticas ou militares, formou-se civilizar, ação de polir incultos com o fim de adaptá-los à vida em sociedade, quando são derrogados diversos artigos de uma suposta lei das selvas. Quase sempre se fez o contrário, de que são exemplos os numerosos extermínios de povos indígenas. O famoso médico brasileiro Noel Nutels, que integrou a expedição Roncador-Xingu, disse ao voltar: “É um erro pensar que o índio prefere a civilização. Para morar numa favela? Ele está feliz tal como é, adaptado à região em que vive”. C O N C O R R E R: do latim concurrere, correr com alguém, concorrer, disputar. Quem mais concorre no Brasil, além dos desportistas, são as empreiteiras, apresentando suas propostas nas licitações. Mas em 1996 nosso país enfrentou uma concorrência internacional muito bonita e famosa. Foi o Oscar de melhor filme estrangeiro com O Quatrilho, baseado no romance homônimo do escritor gaúcho José Clemente Pozenato, que tem no elenco Patrícia Pillar e é dirigido por Fábio Barreto. A última vez que tínhamos disputado o celebérrimo Oscar fora em 1962, com O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, que perdeu, mas ganhou a Palma de Ouro em outro festival, o de Cannes, na França. C O N F I R M A R: do latim confirmare, confirmar, demonstrar, afirmar de modo absoluto. Com esse sentido o verbo apareceu em várias manchetes de nossos jornais para assegurar ao público que houvera homicídio, seguido de suicídio, nos eventos trágicos ocorridos em Alagoas na manhã de 23 de junho de 1996, que resultaram nas mortes da comerciante Suzana Marcolino e do empresário PC Farias, personagem de ações decisivas nos eventos que levaram ao impeachment do então presidente Fernando Collor, em 29 de dezembro de 1992, apesar de ter renunciado momentos antes. C O N H E C I M E N T O: de conhecer, mais sufixo mento. Na formação do vocábulo, houve, naturalmente, elisão de er, substituído por ‘i’. São complexos os conceitos de conhecimento. Paracelso, um dos pais da medicina, escreveu: “Meus acusadores sustentam que eu não entrei no templo do conhecimento pela porta certa. Mas qual é a porta certa? Entrei pela porta da Natureza, pois foi a luz da Natureza, não a lâmpada do boticário, que iluminou meu caminho”. O Dia do Médico é comemorado a 18 de outubro. C Ú M P L I C E: do latim tardio complice, cúmplice, co-autor de algum delito ou crime. O cúmplice costuma estar envolvido em maracutaias. Na cosmética moderna, não se sabe bem por quais razões, são comercializadas essências com nomes cujas etimologias lembram azar, veneno, delito. E cúmplice é também denominação de conhecido perfume. C U M P R I M E N T O: do português arcaico comprimento, de comprir, depois cumprir, do latim complere, completar, concluir uma conversa, por exemplo. Da mesma raiz é salvare, salvar, do latim tardio. Os antigos romanos utilizavam três tipos de saudações no cotidiano. Pela manhã, cumprimentavam-se com um “Salve, salve”, em intenção de Salus, a deusa da saúde, que era filha de AEsculapius, Esculápio, deus da medicina, vindo do grego Asklepiós, Asclépio, citado na Ilíada, não como deus, mas como hábil médico. Esculápio era filho de Apolo e da deusa Coronis. À tarde, depois da hora sexta, o cumprimento mudava para “Ave, ave”, dito até o fim da tarde e começo da noite. Da hora nona em diante, vinham as despedidas para o recolhimento, formalizadas com a última saudação do dia, que era “Vale, adeus”. Depois da vitória de Constantino sobre Maxêncio, na célebre batalha em que ele disse aos soldados ter visto uma cruz no céu na qual estava escrito “in hoc signo vinces” (com este sinal vencerás), vários cultos e símbolos pagãos foram cristianizados, a começar pela própria cruz, já existente nos estandartes romanos, mas sem a figura do crucificado, pois a crucifixão era execução humilhante, não aplicada a cidadãos romanos. Das adaptações não escapou nem o Natal, que passou a ser comemorado a 25 de dezembro, dia do deus Sol Invicto, que ao lado da deusa Vitória, estava entre as divindades preferidas do imperador. Passou a render homenagens também a um deus fluvial porque seu rival Maxêncio, cujo cadáver mandou decapitar, morrera afogado no rio Milve depois de cair do cavalo. D A T A: do latim data, dada, particípio passado do verbo dare, dar. Designa a indicação do ano, mês e dia em que teve ou terá lugar um fato. O ano de 2002, por exemplo, equivale ao de 7504 da Era Alexandrina, que começou a 29 de agosto do ano 5502 a.C. É também o ano 1380 da Hégira Maometana, iniciada em 16 de julho de 622. D E B A T E: do inglês debate, debate, discussão. No debate são alegadas razões a favor e contra determinado tema. Mas antes de ser prática parlamentar e acadêmica, designou poema dialogado, de tom satírico e alegórico, muito em voga na Idade Média. O folclore parlamentar brasileiro registra curioso debate entre dois deputados. Ao ouvir de um colega que ele estaria sendo um verdadeiro purgante, o outro replicou: “E Vossa Excelência é o efeito”. D E F E N S O R: do latim defensor, defensor, aquele que faz a defensa, defesa, que desvia, seja goleiro ou advogado. O mais conhecido na linguagem jurídica é o defensor público, em cargo análogo ao do promotor, com a diferença de que, em vez de acusar, defende. Na Roma antiga as duas funções estiveram reunidas nos primórdios do Direito nas figuras dos defensores civitatis, defensores da cidade, órgão criado durante os reinados dos imperadores associados Valente e Valentiniano com o fim de defender os cidadãos da injustiça de poderosos. Foi o embrião do Ministério Público. A lei atual concebe no Brasil o defensor público como aquele que, pago pelo Estado, presta orientação jurídica e defesa, em todos os graus, aos pobres ou desprovidos de recursos. D É F I C I T: forma verbal latina do verbo deficere, faltar, falhar. É usada para indicar despesa maior do que a receita. Quando o governo gasta mais do que arrecada, tem déficit. Muitos economistas acham que o déficit das contas públicas e a sonegação de impostos são as maiores causas da inflação. D E L A Ç Ã O: do latim delatione, ato de entregar. Passou depois a significar denúncia. Há célebres delatores na História do Brasil, como o militar Domingos Fernandes Calabar que, lutando a princípio ao lado dos portugueses contra os holandeses, passou depois para o outro lado e, graças ao conhecimento que tinha do terreno, mudou o rumo da guerra. Foi, porém, aprisionado e enforcado. Chico Buarque e Ruy Guerra dedicaram-lhe uma peça de teatro, proibida durante os anos 1970, cuja trilha sonora ainda hoje compõe a fortuna musical do famoso cantor e compositor. D E L E T A R: do inglês to delete, apagar. Trata-se de neologismo que veio para ficar. O português já possuía um vocábulo de domínio conexo: deletério, com o significado de prejudicial, danoso. A origem remota é o latim delere, apagar, destruir, suprimir. D E P E N D Ê N C I A: do latim dependentia, dependência, sujeição. Diversificaram-se ultimamente os tipos de dependência, como aquela que vitima os que não podem viver sem o consumo habitual de cocaína. Recentemente surgiu outra modalidade: a dependência sexual. Já é doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Sua primeira vítima famosa foi o ator americano Michael Douglas, que internou-se numa clínica para viciados em sexo depois de atuar no filme Instinto Selvagem, onde contracenou com Sharon Stone, cujo cruzar de pernas no mesmo filme fez coxos andarem e mortos ressuscitarem. São ainda muito poucos os que se queixaram da patologia. A castidade tem sido um remédio anterior à doença – caso inédito na medicina comum, em que a enfermidade precede a terapêutica. D E P O I S: do latim post, com significado semelhante ao que temos hoje. Parece o advérbio símbolo de nossa pátria, onde quase tudo é postergado. Menos os impostos, talvez. D E P O R T A R: do latim deportare, levar para longe, para fora das portas da cidade. O vocábulo, além de sua óbvia ligação com porta, do latim porta, tem vínculos também com porto, do latim portus. Antes das lides náuticas, o porto era seco e já designava lugar de passagem, de entrada ou de saída. Deportar passou, então, de expulsar para fora das portas da cidade a expulsar para fora do país, levando o condenado ao porto, onde era embarcado para o degredo ou para outro país que o aceitasse, mediante consulta. D E S C O B R I R: do latim cooperire, cobrir inteiramente, ocultar, formou-se cobrir em português. Antecedido do prefixo de negação des, indica mostrar, dar a conhecer, destapar, destampar. Cinco séculos depois do descobrimento, a América continua sendo descoberta. Recentemente, pesquisadores localizaram no fundo do Lago Titicaca, entre a Bolívia e o Peru, as ruínas de uma antiga cidade, datada de mil anos antes da chegada dos espanhóis. Foram identificadas áreas de lavouras, estradas e templos. No mais, fomos ensinados que Cristóvão Colombo descobriu a América, mas sutis complexidades não são devidamente estudadas. Outros navegadores provavelmente chegaram à América muito antes, mas não registraram a viagem. Em 2002, Gavin Menzies, oficial aposentado da marinha britânica, lançou o livro 1421: The Year China Discovered América (1421, o ano em que a China descobriu a América), no qual defende que o navegador chinês Zheng He esteve na América em 1421. Depois da morte de Zheng He, a dinastia Ming, inconformada com os altos custos das viagens, proibiu a exploração dos oceanos, sob pena de morte. D E S V I A R: do latim deviare, provavelmente através da formação de ex-viare – tirar do caminho direito, desviar, tirar da via, isto é, do caminho, mudar a direção. Dá-se, por exemplo, em estradas e ruas, quando, por necessidade de reparo em seu leito, pedestres e automóveis devem seguir por uma variante. No sentido figurado, designa o ato de furtar, desviando o pagamento de seu destino e fazendo-o confluir para a conta do larápio. Ultimamente, a palavra que mais tem acompanhado o verbo é a verba. E não por matrimônio entre vocábulos, mas sim porque tem havido muitos desvios da última, que nem sempre tem chegado a seu destino correto, não por estar atravancado o seu caminho normal, e sim porque espertalhões encontraram caminhos melhores. Para eles, claro. D I Á L O G O: do grego diálogos, que os romanos adaptaram para o latim dialogu. Aplica-se a várias situações: numa conversa, com o fim de buscar-se o entendimento; nos romances, filmes e peças de teatro, indicando as falas dos personagens. É também muito utilizado em política internacional. Ainda hoje fala-se com freqüência em diálogo Norte-Sul e Leste-Oeste, e todos entendem que não se trata de situação surrealista, em que os pontos cardeais tenham resolvido conversar depois de manifestações meteorológicas, como ventos, tempestades, enchentes, tornados e furacões. A palavra polida deve ser a única arma do diálogo, mas de vez em quando algumas pessoas usam outros reforços, como gritos, gestos abruptos, socos, pontapés, empurrões e, quando tudo falha, facadas e tiros. D I P L O M A T A: do francês diplomate, diplomata, aquele que estuda diplomas, documentos. A origem remota é o grego diploma, papel dobrado em duas partes, já metáfora, pois originalmente designou vaso duplo, com dois recipientes, um para aquecer em banho-maria. O verbo grego para dobrar é diplóo. O célebre político e orador romano Cícero foi um dos primeiros a registrar a palavra latina diploma para indicar passaporte, salvo-conduto. Prevaleceu a forma do papel dobrado para instituir o significado. Napoleão Bonaparte expressou curioso conceito de diplomacia, anotado por Honoré de Balzac, que pretendia escrever um romance sobre o poder e a forma como o corso o conquistou: “uma mulher da velha aristocracia entregará seu corpo a um plebeu e não lhe revelará os segredos da aristocracia; assim, os tipos elegantes são os únicos embaixadores capazes”. Entre outros juízos sobre diplomacia, exarou também estes: “os tratados se executam enquanto os interesses estão de acordo; impor condições muito duras é dispensar de cumpri-las; nas questões do mundo, não é a fé que salva, é a desconfiança; um congresso é uma convenção fingida entre os diplomatas, é a pena de Maquiavel unida ao sabre de Maomé”. D I R E I T O: do latim directus, direito, reto, certo. Entre inúmeros significados, designa o sistema de regras jurídicas observadas pelos povos civilizados, herdeiros do direito romano, institucionalizados na antiga Roma, entre os séculos VIII a.C. e VI d.C. Daí a presença de palavras e frases que os especialistas preferem citar em latim, a língua original em que foram escritos, com o fim de recuperar o sentido exato, indispensável na aplicação da justiça. Vírgulas podem resultar em condenação ou absolvição na letra fria da lei. Por isso, entre os direitos garantidos aos cidadãos está o de serem julgados antes de eventualmente condenados, conforme ratificado na Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 10 de dezembro de 1948, em documento de trinta artigos, intitulado Declaração Universal dos Direitos Humanos, dia desde então dedicado à celebração da conquista. Talvez porque sua aplicação demore tanto em muitos lugares, no Brasil é também o dia do palhaço. D O C E N T E: do latim docente, docente, aquele que ensina. Seu significado primitivo é ensinar a aprender, o que parece uma tautologia. Os primeiros docentes atuaram em adestramento militar, preparando os soldados para a guerra. Depois é que o vocábulo migrou para a sala de aula, antes, porém, passando por outras significações de domínio conexo, de onde vieram palavras como dócil e docilidade, designando quem aprende com facilidade e dando-lhe a respectiva qualidade. O dicionário Aurélio dá como origem de docente o alemão dozente. De todo modo, também os alemães radicaram o vocábulo no latim. E C U M Ê N I C O: do grego oikoumenikós, pelo latim oecumenicus. Indica a parte da Terra que é habitada, referindo-se por conseguinte a todos os povos. Conceito bastante utilizado pelos documentos da Igreja, principalmente em tempos de sucessão no papado, vez em que os papas podem ser divididos em dois grandes grupos: aqueles que fecham a Igreja em sua ortodoxia e os que a abrem às outras religiões. O Concílio Vaticano II, obra do papa João XXIII, continuada por Paulo VI, o papa que mais valorizou a mulher, foi ecumênico, abrindo diálogo entre o catolicismo e as outras crenças. Nas especulações sobre a sucessão do atual papa, aparecem com freqüência nomes de cardeais brasileiros, entre os quais o gaúcho Claudio Hummes, arcebispo de São Paulo, e Geraldo Majella Agnelo, de Savador. E D U C A Ç Ã O: do latim educatione, nome que os romanos davam ao processo de desenvolvimento físico, intelectual e moral do ser humano, realizado em escolas e dirigido por docentes, os principais responsáveis pela formação integral dos alunos. A educação está entre os principais problemas brasileiros. A tarefa de educar, em escolas privadas e também na rede pública, está custando muito dinheiro. E M I G R A R: do latim emigrare, pela formação “e”, para fora, e “migrare”, mudar, radicado originalmente no indo-euroupeu “mei”, mudar, trocar. A raiz aparece em outras palavras de domínio conexo, como imigrar, “in”, para dentro, e “migrar”, mudar. Está presente também em remigrar, pouco usado, que significa voltar para o lugar de onde saiu, e transmigração, com significado de exílio, desterro, cujo sinônimo em certa doutrina é metempsicose, crença segundo a qual quem emigra e imigra são as almas, que deixam corpos que animaram e podem reencarnar-se até mesmo em seres de outra espécie ou em vegetais. O brasileiro que muda para o exterior é emigrante para nós e imigrante para o país onde chega. E M I N Ê N C I A: do latim eminentia, designando originalmente elevação, saliência, relevo, pequeno morro, sendo depois aplicado a algo que se destacasse acima de determinada superfície, fosse a ponta de uma lança no corpo do guerreiro ferido ou a sacada de uma casa. O latim tem ainda o verbo eminere, com o significado de sobressair-se, destacar-se, surgir, aparecer. Em sentido conotativo, consolidou-se para indicar auxiliar de autoridades religiosas, civis e militares, ainda que eminência seja também o tratamento devido aos bispos. A eminência era figura intermediária decisiva entre o súdito e o soberano nos tempos monárquicos, tendo as repúblicas preservado a função. A mais famosa de todas as eminências foi o cardeal Richelieu. Junto dele atuava com grande desenvoltura, mas à sombra do chefe, imitando os procedimentos deste junto ao rei, o padre capuchinho mais conhecido pelos que o procuravam como Pére Joseph. Foi ele a primeira eminência parda, éminence gris, no francês. O adjetivo qualifica funcionário ou membro externo ao quadro de assessores, que entretanto se faz ouvir pela eminência mais bem posta junto à autoridade a qual serve e que também manipula, por vezes, dada a sua intimidade com o poder. E M P R É S T I M O: composição latina de in, em, e praestitu, particípio passado do verbo praestare, emprestar. Os empréstimos de dinheiro, mediante juros, foram primitivamente reprovados pela Igreja, por menor que fosse a taxa utilizada para a remuneração do capital. As recentes pesquisas em história das mentalidades têm revelado que o purgatório pode ter sido criado para abrigar os banqueiros, uma vez que, ao providenciarem capital para as instituições religiosas, eles passaram a merecer um lugar intermediário entre o inferno e o paraíso. O Brasil pratica taxas pecaminosas de juros, ainda que a Constituição de 1988 tenha tabelado os juros em 12 por cento ao ano. Como muitas das leis brasileiras, divididas entre aquelas que pegam e outras que não pegam de jeito nenhum, essa também não pegou. E M U L S Ã O: do latim emulsu, ordenado, com acréscimo do sufixo ão, indicando aumentativo. Esta denominação fixou-se em razão do aspecto leitoso da maioria das emulsões. Entre os anos de pós-guerra e até a década de 1970, muitas crianças foram obrigadas a tomar um composto de óleo de fígado de bacalhau, de gosto amargo e difícil de tragar, chamado Emulsão de Scott, depois vendido em cápsulas, apresentado como suplemento vitamínico importante para a saúde. E N A L T E C E R: do espanhol enaltecer, calcado no verbo latino altere, aumentar, fazer crescer, tendo também o significado de elogiar, prática, aliás, adotada também por vendedores ao exagerarem na qualidade das mercadorias que querem empurrar aos clientes. Caso interessante o do nova-iorquino David McConnel, vendedor de livros de porta em porta. Poucos compravam os livros que ele queria vender e, para seduzi-los, oferecia um mimo a quem comprasse algum volume: um vidro de perfume. Os clientes, principalmente as mulheres, preferiam o perfume aos livros. E o vendedor trocou de ramo, alcançando grande sucesso não apenas nos EUA, mas em muitos outros países, inclusive no Brasil. Deu ao perfume o nome Avon, para homenagear a cidade em que ele e William Shakespeare nasceram, a cidadezinha de Strafford-on-Avon. E N D O S S A R: do latim medieval indorsare, pela formação in dorsum, no dorso, nas costas. Mas antes fez escala no francês endosser, vestir, colocar nas costas, vergar, já presente nas Viagens de Carlos Magno, publicadas no século XII, mas ocorridas nas diversas campanhas militares realizadas pelo rei dos francos, coroado soberano do Sacro Império Romano-Germânico pelo papa Leão III. No sentido figurado e linguagem comercial, endossar, ato de avalizar, abonar, dar crédito a documento de terceiro, surgiu no francês no século XVII. Chegou ao português no século seguinte e foi registrado pela primeira vez no Dicionário da Língua Portuguesa, de Antonio de Morais Silva, publicado em Lisboa em 1789. Perseguido pela Inquisição, o dicionarista refugiou-se na Inglaterra e teve de abandonar os estudos jurídicos na Universidade de Coimbra. O endosso, como no cheque, é feito por assinatura do favorecido no verso do documento e está regido pelo Código Comercial. E N S I N A R: do latim insignare, transmitir conhecimentos, ensinar. A igreja forneceu as sacristias para as primeiras escolas e por isso o trabalho do professor foi visto durante muitos séculos como sacerdócio, e não como profissão. E os mestres deveriam ser castos. O lugar por excelência para o ensino é a escola, que no Brasil compõe-se de ensino fundamental, ocupando a criança por oito anos; de ensino médio, que dura três anos; do curso superior, que se estende de três a cinco anos; e da pós-graduação, que inclui especialização, mestrado e doutorado, com duração variável, podendo ir de um a dez anos ou mais. Há ainda os cursos especiais, aqui e no exterior, como aqueles freqüentados por turistas no Disney Institute, só para terem o gosto de ser alunos de personalidades como o ator cubano-americano Andy Garcia, que trabalhou em O Poderoso Chefão 3, e o cineasta Martin Scorsese, diretor de A Última Tentação de Cristo. A humanidade caminha na direção de uma educação permanente, em que a imprensa cumpre função importante, não mais exclusiva das escolas tradicionais. Em 1999, segundo o Ministério da Educação, no Brasil 54 milhões de alunos estavam aprendendo com 2 milhões de professores, incluídos o ensino infantil, fundamental, médio e superior. O ensino noturno é largamente utilizado pelos trabalhadores, que às vezes estudam à luz de velas ou lamparinas, já que 63 mil escolas estavam sem luz nos finais do século XX! O ex-ministro Paulo Renato Sousa declarou que este é um problema menor, já que são escolas com menos de 100 alunos. É o que dá nomear economista para cuidar da educação. Pelo menos as contas ele poderia fazer direito. Afinal 63 mil escolas vezes 100 alunos indicam que há cerca de 6,3 milhões de alunos estudando no escuro. E S C R E V E R: do latim scribere, escrever, redigir, compor, tendo também o significado de celebrar. A composição em versos, como as atuais letras de músicas, tem sua origem remota nas sociedades ágrafas. Desconhecendo a escrita, os compositores criavam as rimas que, além de ornamentar seus versos, facilitavam a memorização. Escrever não escolhe idade: Álvares de Azevedo e Castro Alves, dois de nossos maiores poetas, produziram obras geniais ao redor dos vinte anos. Goethe escreveu as Afinidades Eletivas já na terceira idade, aliás estação propícia à criatividade também na música: Verdi estava com 74 anos quando compôs Otelo. Na ciência não é diferente: Isaac Newton ainda trabalhava aos 85 anos. Não se sabe se o estado de absoluta castidade ajudou-o nisso, já que morreu virgem. E S T Â N C I A: do latim stantia, coisas que estão de pé, paradas. Indica lugar onde se fica por algum tempo e neste sentido é sinônimo de estação. Tem também o significado de estrofe, grupo de versos que apresentam sentido completo. No Brasil meridional, derivando do espanhol platino estancia, designa fazenda ou propriedade rural destinada à agricultura e à pecuária, onde são criadas ovelhas, mas sobretudo o gado vacum e cavalar. É também comum a denominação de estância hidromineral a estações onde é engarrafada a água mineral, que contam com hotéis destinados a descanso e terapia pela água. Os portugueses, não sem razão, acham que nós cometemos uma redundância ao qualificarmos esse tipo de água como mineral. Ê X T A S E: do grego ékstasis e do latim extase, mudança de estado, tendo também o significado de estar nu. Uma pessoa fica em êxtase quando o espírito sai do corpo para dar uma voltinha. Às vezes, demora a retornar, assustando os amigos daquele que partiu. Famosos místicos tiveram êxtases deslumbrantes, como é o caso de Santa Teresa de Ávila. F A C Ç Ã O: do latim factione, facção, maneira de fazer, poder de fazer. Passou a designar grupo separatista dentro de um mesmo conjunto, seja um partido político ou um bando sedicioso que acolha divergências devidamente agrupadas. As facções unem-se essencialmente ao resto dos aglomerados aos quais pertencem, mas têm divergências que as diferenciam no interior do grupo, de que são exemplos as várias facções do Partido dos Trabalhadores (PT), denominadas “campo majoritário” e “articulação”, que apresentaram candidatos próprios à presidência da agremiação. Na seqüência da crise que levou ao afastamento de José Genoíno, foi eleito o ex-ministro Ricardo Berzoini, que derrotou Raul Pont. O antigo MDB, de onde se originou o PMDB, tinha uma facção que se tornou famosa por suas dissidências: este grupo se autodenominava e era reconhecido como “grupo dos autênticos”. F A N F A R R Ã O: do espanhol fanfarrón, festeiro, alegre, tocador de fanfarra. O percurso do vocábulo pode ter incluído também o francês fanfare, imitação onomatopaica do som da trombeta, e o árabe farfar, leviano. No português, ganhou o sentido de quem blasona valentia para esconder covardia. F A N I Q U I T O: do árabe annicd, desfeito em pedaços. A pessoa que tem um faniquito parece que foi demolida. Mas o vocábulo é quase sempre usado em sentido pejorativo, para indicar um nervosismo sem motivo. F E R I R: do latim ferire. Tem também o sentido de atingir. Assim se pode dizer que um objetivo atingido foi ferido. Seu significado usual, porém, é de machucar. O grande general e escritor romano Júlio César, bissexual convicto e praticante, que defendia ser necessário sua esposa Calpúrnia, além de ser, parecer honesta, enquanto ele se deliciava com seus comandados mais jovens, recomendou aos veteranos, na célebre batalha de Farsália, que os inimigos fossem feridos no rosto: “vultum feri” (feri no rosto). Eram quase todos jovens, orgulhosos do viço juvenil, e abandonaram o campo de batalha para não terem o rosto desfigurado. E César venceu outra vez. Nossos procuradores estão levando corruptos a ser feridos no rosto por luzes e câmeras, mas há quem queira protegê-los por julgarem que tal exposição é excessiva. F I M: do latim fine, fim. De gênero ambíguo no latim antigo, foi feminino nos primórdios da língua portuguesa, tal como se pode ler no Cancioneiro da Ajuda em expressões como “até o fim do mundo”, “de boa fim” etc. Outras línguas neolatinas conservaram o gênero feminino, ao contrário do português, que consolidou o masculino. Dramaturgo, roteirista e membro da Academia Brasileira de Letras, Dias Gomes escreveu o argumento da telenovela O Fim do Mundo, exibida pela TV Globo. F O C O: do latim focus, fogo, é o ponto para o qual converge ou do qual diverge alguma coisa. O foco é importantíssimo para que uma imagem seja bem visualizada por uma câmera ou para que um problema seja bem compreendido. Focus tem também o sentido de lume, habitação, casa, que no português tomou o sentido de lar, de onde deriva lareira. Entre os romanos, lar era preferencialmente a cozinha, sempre com algum tipo de fogo aceso. Divindades chamadas Lares e Penates protegiam a casa ou domus, palavra que deu origem a domicílio – onde as pessoas moram. Enquanto os Lares cuidavam mais da cozinha, os Penates estavam encarregados do interior da residência, onde estavam os bens, incluindo víveres, na despensa, do latim dispensa. Cada família romana reverenciava dois Penates. As casas romanas costumavam ter três altares, onde ficavam os Lares, os Penates e Vesta, esta última com lugar de destaque, na sala, logo depois do vestibulum, entrada, que deu origem à palavra vestibular (entrada na universidade). F U T U R O: do latim futuru, futuro, que há de ser. Em gramática temos os tempos verbais futuro do presente e do passado. Entre os que vaticinaram excelências para o futuro de nosso país está o escritor judeu-austríaco Stefan Zweig, que escreveu o livro Brasil, país do futuro. Suicidou-se, juntamente com a esposa, abalado pelo rumo que estava tomando a Segunda Guerra Mundial. Alguns filósofos negam o futuro. Outros negam o passado. Outros ainda, o presente, baseados em que nada é, tudo já foi ou está por vir. Economistas e ciganas não negam o futuro, pois vivem de prevê-lo, mas quando os primeiros fazem previsões, o contribuinte faz provisões, adotando a precaução do passarinho que come pedra: sabe o que lhe advém. As ciganas lêem mãos, mas no romance Os Guerreiros do Campo, em que o personagem frei Nabon pode ter sido inspirado na figura de frei Betto, célebre escritor e frade brasileiro, uma cigana lê o pé de Gregório, amigo do religioso, com o fim de desvendar sua vida amorosa e seu futuro. G A L E R A: do grego bizantino galéa, designando tipo de peixe semelhante ao tubarão, pelo espanhol e o catalão galera, embarcação grande que, por seus movimentos, foi comparada àquele peixe. Era movida por 15 a 30 remos, cada um manejado por três a cinco homens, em geral escravos, em apoio às velas. No filme Ben-Hur, Charlton Heston é remador numa galera, que é variante de galé. Na linguagem coloquial dos jovens passou a designar qualquer aglomeração deles em shows, campos de futebol e outros espetáculos públicos. Alta autoridade do STJ manifestouse inconformada com essa auto-identificação da rapaziada, atribuindo-a à ignorância da etimologia e significado do vocábulo, que está presente no nome de Daniel Galera, jovem escritor do Rio Grande do Sul, autor de Dentes Guardados e de textos avulsos que aparecem com freqüência em portais da internet. G A R A N T I A: do francês garantie, garantia, ato ou palavra com que é assegurado o cumprimento de obrigação, promessa, compromisso. Designa, na indústria moderna, documento que atesta ser bom o produto que o consumidor adquiriu e que o fabricante se responsabiliza por repará-lo ou substituí-lo em caso de defeito, mas apenas durante um certo período. Nos alimentos, a garantia indica o prazo de validade. Infelizmente, não há o mesmo recurso para políticos. O eleitor volta num candidato e ele muda de partido sem consultar os eleitores, ainda que o Partido não possa proceder do mesmo modo, trocando também os eleitos. E o eleitor só pode trocar de quatro em quatro anos, exceto no caso dos senadores, cujo mandado é de oito anos. G E N E R A L I D A D E: do latim generalitate, declinação de generalitas. Pico de la Mirandola, um dos filósofos mais encantadores e curiosos do Renascimento, deveria ser o patrono de certos jornalistas. O famoso humanista italiano jactava-se de poder discutir todo o conhecimento universal. Adotou a divisa latina “De omni re scibil” (De todas as coisas sabíveis). O irônico Voltaire, cujo nome completo é François-Marie Arouet de Voltaire, acrescentou como deboche: “et quibusdam aliis” (e mais algumas). Picolo tinha apenas 23 anos quando foi a Roma defender 900 teses tiradas de sábios greco-latinos, hebraicos e árabes que tratavam dos mais diversos temas. Sua tese de número 11 tem um título extenso, como então era de praxe: “Ad omnis scibilis investigationem et intellectionem (Pesquisa e entendimento de tudo o que é sabível). G Ê N E R O: do latim generu, declinação de genus, gênero. Na língua portuguesa não temos o neutro, somente o masculino e o feminino. Vocábulo utilizado em muitas acepções, tem recebido novos significados depois que a Organização das Nações Unidas instituiu o Ano Internacional da Mulher e a Década da Mulher, em 1975. Na avaliação das lutas contra a discriminação da mulher, travadas no decênio a ela dedicado, realizada em 1985, em Nairobi, capital do Quênia, a conclusão foi de que em algumas regiões a situação da mulher tinha piorado. Foram traçadas outras estratégias cujos resultados foram examinados na Conferência Mundial da Mulher, em setembro de 1995, em Pequim. O tema fundamental da conferência foi a questão do gênero, com o fim de avaliar outra vez a situação da mulher no mundo face às discriminações sexuais, desdobradas em muitas outras formas de restrição, agravadas em períodos de crises e guerras, quando os direitos humanos são ainda mais desrespeitados se a vítima é do sexo feminino G E S T Ã O: do latim gestione, declinação de gestio, designando ato de gerir, administrar. Os puristas consideram que veio do francês gestion, caracterizando-o como galicismo, modo de falar ou de escrever muito apegado ao francês. Seu primeiro registro no português, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, data de 1873. Mas Antonio Houaiss, apoiado no Dicionário da Língua Portuguesa, de Antonio de Morais Filho, recua a anotação para 1858. Já Antenor Nascentes em seu Dicionário Etimológico, às vezes tão pródigo em muitos verbetes, limita-se a reconhecer a origem latina do vocábulo. Inicialmente, era usual a gestão de recursos ou patrimônios não ser remunerada. Foi a profissionalização na esfera administrativa, nos setores privado e público, que a consolidou como serviço contratado mediante pagamento. Em empresas familiares, a modernização da economia e a globalização dos negócios acabaram por retirar a gestão dos parentes e atribuí-la a profissionais, em busca de maior eficiência. Uma das formas de gestão econômica, embora muito rara, é o perdão das dívidas. O Brasil perdoou dívidas públicas de países como a Polônia e Moçambique. E na tradição judaica, o ano sabático incluía a remissão das dívidas. No jargão político e administrativo, gestão passou a denominar o período de governo do principal ocupante do cargo. G U E I X A: do japonês goi, arte, e xa, pessoa, significando literalmente pessoa de arte, vocábulo que designa cantoras e dançarinas. Passou a nomear outras profissões, surgidas da combinação de costumes ocidentais com a tradição japonesa. E nesse sentido indica também a moça que trabalha nas casas de massagem. também certa máquina de G U E R R A: do antigo alemão werra, discórdia, peleja. A independência dos Estados Unidos foi obtida em célebre guerra travada pelas 13 colônias contra o Reino Unido, que culminou com a Declaração de Independência, proclamada em 4 de julho de 1776. Entre 1812 e 1814 o país volta a enfrentar a ex-metrópole, que só reconhece a independência americana em 1783. O primeiro presidente, o general George Washington, foi o comandante-chefe das forças rebeldes. A vocação militar da nova nação pode ser comprovada nas numerosas guerras que travou e continua travando desde então. H A B E A S C O R P U S: da expressão latina que significa “que tenhas o corpo”, cuja origem remota é a Magna Carta inglesa de 1215, mas que, embora tenha vigorado durante a Idade Média, é datado oficialmente de 1679. Designa “garantia constitucional outorgada em favor de quem sofre ou está na iminência de sofrer coação ou violência na sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder”. H A B I T A T: do latim habitat, terceira pessoa do singular do presente do indicativo: ele habita. Passou a indicar a localidade onde vive determinada espécie. O habitat pode mudar com o tempo. O dos sete anões era a floresta, mas depois, em companhia de Branca de Neve, foram flagrados pela CPI da corrupção na Comissão de Orçamento. H E R A N Ç A: do latim haerentia, designando os bens deixados aos vivos pelos mortos por meio de testamento, quando eles podem prever a hora da partida, ou outros documentos. Por vezes, nem bem são enxugadas as lágrimas derramadas no velório, já começam a esguichar outras, não mais de compaixão, mas de raiva deflagrada nos conflitos nascidos entre os candidatos à distribuição das riquezas. Talvez tenha sido por isso que algumas culturas antigas enterraram seus mortos com tudo o que lhes pertencia. H I L Á R I O: do grego hilarós, pelo latim hilaris, contente, alegre, jovial. Na cultura greco-romana o riso e a alegria eram atributos dos jovens. Mas nas hilárias, festas celebradas em honra da deusa Cibele, no começo da primavera, todos os romanos riam. O gás hilariante é assim denominado porque ao ser inalado provoca contrações espasmódicas na musculatura da face semelhando o riso. Extraído do nitrato de amônia, é um gás muito usado pela polícia na dispersão de protestos públicos. Hilário é também nome de pessoa e vários Hilários mereceram a honra dos altares, um dos quais é Santo Hilário de Poitiers, bispo e doutor da Igreja, autor de vários cânticos religiosos, comemorado a 13 de janeiro. Na Inglaterra, há o Hilary Term, que denomina o período de funcionamento de universidades e cortes de justiça. H I M E N E U: do latim hymenaeu, por sua vez vindo do grego himénaios, ambos com o significado de canto nupcial. Derivou de hymên, a membrana que, intacta, garantia a virgindade da noiva, preciosa moeda em tempos antigos, com a qual os pais podiam arranjar um bom casamento. A virgindade feminina – a masculina jamais foi obrigação – deixou de ser imposta às casadouras, constituindo-se em importante conquista da mulher nos anos rebeldes, a década de 1960, que mudou radicalmente usos e costumes. São do poeta Álvares de Azevedo estes versos: “É doce amar como os anjos/ da ventura no himeneu/ minha noiva ou minh’amante/ vem dormir no peito meu”. H O M O L O G A R: do grego homologéo, de homo, semelhante, igual; e logos, linguagem, juízo, conceito, idéia. Em português, homologar é aprovar, concordar, exarar o mesmo juízo constante no documento recebido de outra instância, a ser ratificado em instância superior ou mais abrangente. Os compostos gregos homo e logo estão presentes em numerosas palavras, de que são exemplos homogêneo, homossexual, do primeiro composto; e filologia, fisiológico e logotipo, este designado às vezes apenas como logo, do segundo. É difícil encontrar abonamentos de homologar e homologação em textos literários, pela marca excessivamente burocrática que tais vocábulos adquiriram ao longo do tempo. A menos que seja seguido o exemplo do matemático inglês Charles Babagge, autor da primeira máquina de calcular, que, inconformado com os versos do poema The Vision of Sin (Visão de Pecado), “a cada minuto morre um homem,/ a cada minuto outro nasce”, escreveu ao autor, o poeta Alfred Tennyson, fazendo-lhe insólita crítica literária, ao argumentar que se assim fosse a população não aumentaria nem diminuiria, além de que minuto deveria ser substituído por momento. O escritor aceitou a correção e fixou no original: “Ev'ry moment a man dies,/ ev'ry moment one is born.” A correção foi aceita, mas Babagge replicou que, pensando melhor, o verso deveria ser “a cada momento, 1 homem morre,/ a cada momento 1/16 homem nasce”, que era a taxa de crescimento da população mundial naquela época. O poeta mandou o cientista pastar. Babagge recusava-se a homologar crenças consolidadas e de outra vez, inconformado com a autoria da quebra de vidraças, creditada a bêbados, mulheres e crianças, fez cálculos complexos para provar que, de 464 vidraças quebradas, apenas 14 tinham sido quebradas por bêbados, mulheres e crianças. H U M I L D A D E: do latim humilitate, declinação de humilitas, humildade, baixeza. A etimologia indica que a humildade é coisa apegada ao humus, chão. A doutrina cristã tornou virtude o que era considerado pejorativo. Por isso, Jesus adverte nos Evangelhos que “Quem se humilha, será exaltado, e quem se exalta, será humilhado”. I D E M: do latim item, significando igualmente, do mesmo modo. Em caso de repetição seqüencial, usa-se ibidem, muito usado em citações bibliográficas. No Rio Grande do Sul, achou-se este primor de tabela num açougue: “Carne sem osso; idem, com osso; ibidem, sem idem; idem, sem ibidem”. E o preço ia diminuindo, sendo o último item gratuito. I D E N T I D A D E: do latim escolástico identitate, declinação de identitas, identidade. No latim, a palavra foi formada a partir de idem, o mesmo, a mesma, e entitate, declinação de entitas, entidade, ser. A identidade, conjunto de marcas singularíssimas de uma pessoa, faz com que a existência dos sósias seja um fenômeno raro, explorado pelos meios de comunicação social. O sujeito parece-se com alguém, podendo ser ou não ser quem se imagina, dúvida que as impressões digitais ou o exame da arcada dentária podem dirimir, como aconteceu com o carrasco nazista chamado de “o anjo da morte”, Joseph Mengele, cuja identificação foi feita por peritos da Polícia Federal e da Universidade Estadual de Campinas em 1985, muitos anos depois de ter vivido anonimamente em Embu, onde morreu, nas proximidades de São Paulo. Nem todos acreditaram nessa história, principalmente depois que um dos peritos que integraram a equipe que identificara o famoso criminoso de guerra andou cometendo erros primários no exame dos corpos de Paulo César Farias e Suzana Marcolino, assassinados na cama, à noite, numa casa de praia do empresário, em Maceió. I G N O R Â N C I A: do latim ignorantia, desconhecimento. Dá título a um breve poema de O Soldado Raso, do escritor alagoano, membro da Academia Brasileira de Letras, Ledo Ivo: “Quem, em seu gabinete,/ fala em nome do povo/ não sabe que a galinha/ nasceu antes do ovo”. A origem do ovo e da galinha é grave questão filosófica, apesar de surgida provavelmente num galinheiro. I M O R T A L: do latim immortale, declinação de immortalis, imortal, que não está sujeito à morte. O prefixo “im”, no latim como no português, indica negação, sendo às vezes escrito “in” em nossa língua, de que é exemplo “inativo”, aquele que não está ativo, sinônimo de aposentado. Os primeiros imortais latinos foram os deuses pagãos. Os primeiros escritores imortais foram franceses, pois a Academia utilizou como critério para eleição aqueles autores cujas obras seriam perenes, jamais esquecidas, e por isso os escritores seriam sempre lembrados, como se vivos fossem. A Academia Brasileira de Letras adotou a concepção francesa. Entretanto, alguns imortais renunciaram à imortalidade. E nesses casos as vagas somente foram preenchidas segundo o método tradicional, isto é, depois da morte dos titulares. Foi o caso de Clóvis Bevilacqua, que renunciou em 1914 porque naquela época a ABL ainda não aceitava mulheres e ele queria eleger a esposa, Amélia de Freitas Bevilacqua. Houve outras renúncias: Graça Aranha, José Veríssimo, Oliveira Lima e Rui Barbosa. I M P A C T O: do latim impactu, impacto, colisão, choque. A palavra foi formada com o afixo im, indicativo de negação. Em latim, pactu significa pacto, ajuste, contrato, acordo. O impacto pressupõe o uso da força. I M P A S S E: do francês impasse, sendo im o prefixo que indica a negação de passe, canal, passagem, mas ainda nas vias marítimas e fluviais. Em terra, o impasse tinha a denominação chula cul-desac, beco. Foi no francês que a palavra ganhou sentido conotativo, primeiramente com François Marie Arquet, mais conhecido como Voltaire, e mais tarde com Denis Diderot, os grandes iluministas e autores de obras literárias que até hoje são referências indispensáveis. Das navegações, impasse veio para o jogo de cartas, designando lance que impedia a passagem de cartas ao jogador. Voltaire reprovou o chulo cul-de-sac na boca e na pena de homens cultos, propondo a variante impasse. Mas foi Diderot o primeiro a empregar a palavra como sinônimo de situação em que não há saída ou que ela é quase impossível, a menos que sejam feitas concessões mútuas, isto é, que alguém deixe o adversário passar. Ou o vença, claro, hipótese que em tais casos é tarefa considerada impossível por qualquer das partes envolvidas. No futebol, quando surge o impasse, a impossibilidade do passe para a frente, para avançar, cabe ao jogador que domina a bola buscar outra alternativa, que pode ser o recuo. Na política, também. J A N G A D A: do malaiala changadam, balsa. Inicialmente designou junção de madeiras para salvamento de náufragos. Alguns pesquisadores tinham dado como origem o tupi-guarani hangada, mas depois ficou demonstrada a origem asiática da palavra. A jangada, embarcação tosca, utilizada por pescadores nordestinos, é construída com cinco paus roliços. O do centro chama-se meio; os dois mais grossos, bordos; os outros dois, amarrados às extremidades, são denominados mimburas. O mastro das jangadas é chamado de boré. O escritor português José Saramago é autor de Jangada de Pedra, um romance em que a Península Ibérica é comparada a esse tipo de embarcação. J E I T O: do latim jactu, lançado. No português passou a designar a feição e os modos das pessoas. O escritor irlandês George Bernard Shaw, famoso pelo humor com que temperava seus textos e conversações, assim se definiu em A Outra Ilha de John Bull: “Meu jeito de brincar é dizer a verdade. É a brincadeira mais engraçada do mundo”. J E J U M: do latim jejunium, jejum, abstinência de alimentos. O jejum como ritual está presente em várias culturas e religiões. Os muçulmanos jejuam no ramadã, como é chamado o nono mês lunar, abstendo-se de alimentos, bebidas e atos sexuais entre o alvorecer e o pôr-de-sol. Iniciado em dezembro, é um dos cincos pilares do islamismo. Os outros quatro são: aceitar que há um só Deus, Alá, e que Maomé é seu profeta; ir a Meca pelo menos uma vez na vida; rezar cinco vezes por dia; e pagar contribuições aos pobres e necessitados. O final do mês lunar de ramadã ocorre em janeiro, quando é celebrada a Eid el Fitr, a festa do desjejum. J O R N A D A: do provençal jornada, marcha ou caminho que se faz durante um dia inteiro de viagem. Teria derivado de jorn, que também no provençal designa o dia, tendo vindo provavelmente do latim diurnum, forma neutra do adjetivo diurnus, diurno, o que se faz no espaço de um dia, uma vez que os viajantes caminhavam apenas durante o dia, reservando a noite para descansar. Primeiramente o vocábulo foi aplicado a marchas militares. Com a industrialização, que demanda horários fixos de trabalho, passou a designar o total de horas que um trabalhador dedica ao serviço. Em geral, as jornadas são de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, totalizando 44 horas semanais, dado que aos sábados o expediente vai até o meio-dia. J U I Z: do latim vulgar judice, declinação de judex, judicis, designando aquele que tem por função dizer (dicere) o direito (jus). No Brasil, o juiz mais impopular é o de futebol. Ele e sua mãe são agraciados com os piores desaforos durante as partidas. Já o juiz de direito é figura muito bem acolhida no imaginário popular, principalmente pela convicção de que promoverá a justiça, doa a quem doer. Ultimamente, porém, o Judiciário tem sido alvo de pesadas críticas, não apenas pelas denúncias de enriquecimento ilícito de alguns membros ilustres, mas também por sua insistência, em possível acordo com os parlamentares, em fixar o teto salarial de ambas as categorias em quase mil salários mínimos por ano, quantia que o trabalhador levaria mais de 80 anos para ganhar. Naturalmente, terá morrido antes. Seguindo tal exemplo, o direito não será mais do que o torto autorizado. J U R I S C I Ê N C I A: do latim juris, caso genitivo de jus, direito, e scientia, ciência, palavra criada por Eros Roberto Grau, gaúcho de Santa Maria, Doutor em Direito pela USP e ministro do STF, por analogia com jurisprudência, assim explicada em entrevista ao jornalista Ricardo Noblat: “Na hora que você olha aqueles caras [ministros de tribunais] decidindo... Um, por exemplo, passou pelo Colégio Salesiano e por isso concede ou não concede o habeas corpus pedido (Eros foi aluno salesiano). Outro levou uma vida mais dura quando era criança. É por causa de coisas que se passaram lá atrás que se dá uma decisão com maior ou menor amplitude”. Autor de dezenas de livros de direito, o ministro apimentou as redações ano passado com a publicação do romance Triângulo no ponto, que registra expressões como “peitinhos de perdiz”, “válvula de sucção” e “pote de mel”. O livro é ambientado nos anos duros da ditadura militar pós-64. Como se vê, também a prosa de ficção subsidia a jurisciência, assim como os bilhetinhos trocados pelos ministros nos laptops, como ocorreu recentemente no STF, em fotos feitas por Roberto Stuckert Filho, de O Globo. Nas mensagens eletrônicas, os ministros dispensaram o juridiquês do excelso pretório, alcândor conselho ou egrégio sodalício, três das muitas denominações inusitadas do STF, e utilizaram o português coloquial para tratar de estranhos comportamentos de seus pares, de que é exemplo o bilhete enviado pela ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha ao colega Enrique Ricardo Lewandowski: “O Cupido acaba de afirmar aqui do lado que não vai aceitar nada”. O Cupido da frase é o criador do neologismo jurisciência. K A R A O K Ê: do japonês karaokê, espaço vazio. Designa casa noturna onde qualquer cliente pode cantar acompanhado de músicos da casa ou de trilha sonora que não foi feita para aquela situação. O espaço vazio, no caso, é preenchido pelo canto dos improvisados cantores. K E T C H U P: vocábulo da língua inglesa que entrou para nossa língua sem alteração de grafia, mas com variação de pronúncia: kétchâp, como é pronunciado pelos americanos., e a literal. Designa um molho denso de tomate, quase uma pasta, que serve de condimento, principalmente para lanches. K Í R I E: do grego Kyrie, vocativo de Kyrios, Senhor. É palavra inicial de uma das rezas da missa e por isso lhe dá nome. Vinda da igreja grega, hoje chamada de ortodoxa, entrou para as formas latinas da liturgia cristã no século IV. K I T: do inglês kit, equipamento. Entrou para nossa língua designando conjunto de ferramentas, utensílios e itens diversos, reunidos em estojos e pastas, para atender às necessidades básicas de um determinado ofício. L Á P I S: do latim lapis, pedra. De fato os lápis são feitos de um tipo de pedra, a grafita, forma alotrópica do carbono. Quem escreve em muros e paredes é chamado de grafiteiro, dado que primitivamente não eram usados pincéis para isso e, sim, carvão e grafite. L A P S O: do latim lapsu, lapso, espaço de tempo, erro involuntário, esquecimento. Seu sentido primitivo era o de escorregão, deslizamento, queda, designando também o vôo da ave para baixo – donde seus cognatos, de sentido semelhante, como colapso e relapso, o primeiro indicando caída, parada, e o segundo, falta cometida em repetição. Com sua ironia habitual e o refinamento que lhe é próprio, Machado de Assis utiliza este vocábulo num conto de Histórias Sem Data: “Há uma doença especial... um lapso de memória; o Gonçalves perdeu inteiramente a noção de pagar”. Boa parte dos brasileiros hoje indexados nos serviços de proteção ao crédito deixaram de pagar suas contas, não por falta de memória como aquele Gonçalves, mas por falta de pecúnia. Todos os que têm o ato de escrever como ofício principal, entre os quais escritores e jornalistas, são pródigos em oferecer lapsos a seus leitores, alguns dos quais antológicos, como o ferimento do Dr. Watson, que passa dos ombros para as pernas, em surpreendente negligência de Arthur Conan Doyle, que fazia do detalhe a sua arma. Eugene O’Neill, famoso dramaturgo norteamericano, apresenta um personagem apoiado nos cotovelos, com a cabeça entre as mãos, depois de ter o braço direito amputado em trecho anterior. William Shakespeare faz soar o relógio nos tempos do imperador Caio Júlio César e recua a imprensa para alguns séculos antes de sua invenção. E o poeta norte-americano Carl Sandburg, em sua alentada biografia de Abraham Lincoln, apresenta a mãe de Lincoln cantando uma canção que só seria composta 22 anos depois do assassinato do filho, então presidente dos Estados Unidos. L A S E R: do inglês laser, que se pronuncia “lêiser”. Neologismo já incorporado à nossa língua, originário do acrônimo LASER (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation). Forma de luz aperfeiçoada que, ao contrário das fontes luminosas convencionais, produz um raio intenso e concentrado, chamado vulgarmente de raio laser, capaz de atingir grandes distâncias. O laser é usado em astronomia, medicina, indústria e espetáculos públicos, podendo nesses últimos resultar em belíssimos efeitos visuais. Na indústria, pode cortar chapas de aço; na medicina, explodir cálculos renais. Os dicionaristas ainda não registram uma forma correspondente à pronúncia aportuguesada, lêiser. Por isso, há alguns anos cerca de quinze mil vestibulandos obtiveram zero em redação em prova de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Paraná, ao confundirem laser com lazer. L A S T I M A R: do latim vulgar blastemare, apoiado no latim culto blasphemáre, blasfemar, ofender, ultrajar, injuriar, por influência do grego blasphéméó, dizer palavras de mau agouro ou proibidas enquanto o sacerdote fazia seus sacrifícios aos deuses. No português ganhou o sentido de queixar-se, como se vê neste belo poema de Carlos Drummond de Andrade, Fonte Grega, em que uma deusa se queixa da forma que o artista lhe deu em pedra que deve ser banhada por água eternamente: “A vida inteira mijando – lastima-se a deusa – e nem sobra tempo para viver. Não sei abrir as pernas senão para isso. Para isto fui concebida? Para derramar este jacto morno sobre a terra, e nunca me enxugar, e continuar a expeli-lo, branca e mijadora, fonte, fonte, fonte? A deusa nem suspende veste nem arria calça. É seu destino mijar. Sem remissão, corpo indiferente e exposto, mija nos séculos”. L E I: do latim lege, declinação de lex, lei. Somos um país com muitas leis, divididas entre as que pegam e as que não pegam. E a maioria delas ainda não pegou. Porém, há uma que é chamada Lei Áurea porque foi assinada pela princesa Isabel, a Redentora, com sua caneta de ouro, no dia 13 de maio de 1888, depois de aprovada no Senado, com apenas um voto contra. Na Câmara, no dia anterior, passara com 9 votos contrários. É a lei mais concisa que o Brasil já teve: “Art. 1º: É declarada extinta a escravidão no Brasil; art. 2º: Revogam-se as disposições em contrário”. Nesses 110 anos que se seguiram ninguém mais fez uma lei tão boa, tão clara e tão fácil de entender. L E I T U R A: do latim lectum, ajuntado, recolhido, lido, particípio do verbo legere, ler, resultou lectura, leitura. A leitura de entretenimento ou de estudo é recomendada no período das férias. Para tanto, são necessários bons meios de transporte, dado que pesquisas entre leitores habituais comprovaram que se lê muito em viagens, sejam livros, revistas ou jornais. No Brasil, os editores de livros estão organizados na Câmara Brasileira do Livro, cuja sede fica em São Paulo. Houve influência de Lectus, que designava ainda um móvel de madeira ou pedra, que indicava diversos leitos: para dormir, descansar, apoiar-se à mesa ou para estudar. O ato de ler recebeu essa denominação porque os primeiros livros, muito pesados, eram apoiados sobre tal artefato. A leitura de jornais e revistas é mais freqüente que a de livros. De acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC) e a Distribuidora Nacional de Publicações (Dinap), as revistas vendem cerca de 50 vezes mais que os jornais diários. Em nosso país, apenas nove jornais ultrapassam a tiragem diária de 100 000 exemplares. Deles, sete estão no eixo Rio-São Paulo e dois no Rio Grande do Sul. L E M A: do grego lêmma, que em latim passou a ser grafado lemma, ambos com o significado de proposição. Em geral é uma frase que sintetiza a doutrina de certos movimentos políticos, associações, corporações e estamentos, de caráter emblemático. O lema dos inconfidentes, libertas quæ sera tamem, escrito em latim, está hoje nas bandeiras dos Estados de Minas Gerais e do Acre. Sua tradução é “a liberdade, ainda que tarde”, mas tem uma palavra a mais. L E M B R A N Ç A: de lembrar, do português arcaico nembrar, do latim memorare, memorar, isto é, trazer à memória, fazer algo para lembrar alguém ou alguma coisa, como revela o sinônimo presente. Memorar virou membrar e depois lembrar, por dissimilação. Dá-se dissimilação quando ocorre supressão ou alteração fonética motivada por outros fonemas presentes no vocábulo. Presente é sinônimo de lembrança porque quer indicar que quem o dá não se esqueceu daqueles a quem o dá. Há ocasiões em que lembranças em forma de presentes têm um significado especial, como é o caso do Natal, com presépios, árvores e outros arranjos cercados deles. O antônimo esquecimento esclarece o significado, pois esquecer veio do latim excadere, cair para fora, escorregar, desfalecer, seja cair no meio do combate ou escorregar do navio, quando poderia morrer, na terra ou no mar, ferido ou afogado, resultando em ficar esquecido. O ditado “quem é vivo sempre aparece” remonta a essas lembranças. Aparece no navio, depois da tempestade, e na tropa, cessado o combate. E nas festas, para dar e receber presentes. Fundada por Danio Braga, existe no Brasil, trazida de costumes italianos da região de Parma, a Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança. Quem faz refeições em qualquer dos estabelecimentos da rede, pode levar um prato como lembrança, com o logotipo do associado. L I Ç Ã O: do latim lectione, lição. A Igreja forneceu as sacristias para as primeiras escolas e por isso o trabalho de ensinar a lição foi visto durante muitos séculos como sacerdócio e não como profisssão. E os mestres deveriam ser castos. O professor e filósofo Pedro Abelardo, que ensinava na catedral de Notre Dame, então em construção, transou com sua aluna Heloísa, sobrinha de um rico e avarento cônego, e pagou caro a transgressão. Foi capado. Ele e ela escreviam cartas de amor em latim. Sua história serviu de base para o filme Stealing Heaven (Céu roubado). Em português, com nossa mania de falsificar os títulos e às vezes também a música, a cor, o brilho, o contraste etc., chama-se Em Nome de Deus. L I C E N Ç A: do latim licentia, licença, autorização para que alguma seja feita ou deixe de ser feita. Aparece em palavras compostas como licença-maternidade e licença-paternidade, designando no primeiro caso o período de quatro meses concedidos à gestante, a partir do nono mês, para que possa dedicar-se à criança e, no segundo, o intervalo de cinco dias, concedidos ao pai por ocasião do nascimento do filho. Está presente ainda em licença-prêmio, período de três meses gozados pelo funcionário, sem trabalhar e remunerado, depois de cinco anos de serviço público. A mesma raiz aparece em licenciado, aquele que obteve, mediante curso superior, licença para praticar algum ofício: licenciado em Letras, por exemplo. É também a base do verbo licenciar, como neste trecho do jornalista Ricardo Noblat: “O Palácio do Planalto tem pressionado o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a se licenciar do cargo caso seja absolvido em plenário”. L U N Á T I C O: do latim lunaticu, lunático, aquele que está sob os domínios da Lua. Os antigos acreditavam que os loucos sofressem influência desse satélite da Terra, que demora 27 dias e 8 horas para dar uma volta ao redor do planeta, gastando o mesmo tempo para dar uma volta sobre si mesmo, mostrando-nos, por conseguinte, sempre a mesma face. O mundo da lua, de acordo com o imaginário popular, é muito propício a despreocupações. M A G I S T R A D O: do latim magistratu, cujo prefixo, do latim magis, maior, indica superioridade. É o juiz togado vitalício, enquadrado regularmente na carreira judiciária. Juiz togado é magistrado profissional. M A G N A T A: do inglês americano magnat, designando o grande capitalista. Como é freqüente na língua inglesa, o vocábulo veio do latim magnatu, usado por São Jerônimo com o sentido de personagem ilustre. M A J E S T O S O: do latim majestas, majestade, formou-se majestatoso, cheio de majestade, isto é, de poder. Por isso o termo foi aplicado a reis e príncipes. Com o correr do tempo recebeu a forma atual, por haplologia, isto é, por redução de majestatoso para majestoso. O atual centro de cultura da prefeitura de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi originalmente um hotel chamado Majestic, onde viveu por muitos anos o poeta Mário Quintana que ali escreveu muitos livros. M A N D A R I M: da corruptela do sânscrito e do neo-árico mantri, conselheiro, ministro. A troca do ‘t’ pelo ‘d’ pode ter tido influência do português mandar. Designava alto funcionário da antiga China. M A N U S C R I T O: do latim manu scriptu, escrito à mão. É o nome que ainda hoje se dá aos originais de um livro ou texto. Os manuscritos antigos, de autoria de personalidades famosas, podem valer uma fortuna. Um texto de Leonardo da Vinci foi comprado por 30 milhões de dólares. Quem pagou tornou-se célebre por inventos cada vez mais sofisticados, que estão dispensando o ato de escrever à mão: o bilionário Bill Gates. M A T R Í C U L A: do latim matricula, diminutivo de matrix, matriz. Passou a designar inscrição, conforme adoção do termo pelo sistema escolar e em repartições públicas. O sistema de matrículas nas escolas evoluiu, no caso do ensino superior, para inscrição em disciplinas, em modalidade de créditos, e não mais em turmas, contribuindo para a dispersão dos universitários no campus durante os anos de aprendizagem. M E D I O C R I D A D E: do latim mediocritate, declinação de mediocritas, mediocridade. Hoje a palavra tem sentido pejorativo, ao contrário do latim, língua em que designava moderação. A recomendação pelo meio-termo, pelo comedimento, pelo ecletismo, aparece em vários autores latinos, entre os quais Marcial, Cícero e Horácio. Este último propôs a “aurea mediocritas” – expressão hoje viciada pelos significados pejorativos que as palavras “mediocridade” e “medíocre” receberam no português – e exaltou a vida medíocre, que evitaria a humilhação da pobreza e a inveja causada pela ostentação da riqueza. M E N T I R A: derivado de mentir, do latim mentire. Primeiro de abril é o dia da mentira, mas a verdade não tem o seu dia. A celebração está deslocada porque esse é o dia em que se mente menos, vez que as mentiras são falsas, ao passo que nos outros dias é provável que as mentiras sejam verdadeiras. Para que não sejam desmascaradas pelo Esplendor da Verdade – título de uma bonita encíclica do papa João Paulo II – as mentiras devem estar hermeticamente fechadas. O advérbio deriva do deus egípcio Thoth, cujo nome grego é Hermes Trismegistos, que significa ‘Hermes Três-Vezes-Grande’, a quem eram atribuídas revelações filosóficas e literárias ocultistas. Mas as mentiras, grandes ou pequenas, têm pernas curtas, segundo o ditado popular. M E N T O R: do grego Mentor, nome de um ancião amigo de Ulisses na Odisséia, poema épico da autoria de Homero. Contra a opinião da maioria, ele aconselha Penépole a recusar seus devassos pretendentes e aguardar a volta do marido. Mais tarde a deusa Atena toma a forma do ancião para dar seus conselhos a Telêmaco, filho de Odisseu, nome grego de Ulisses. A partir do século XIX, o vocábulo, já escrito com inicial minúscula, tornou-se sinônimo de conselheiro. M Í D I A: do latim media, plural de medium, meio. Passou a designar o conjunto dos meios de comunicação social, como o jornal, a revista, o rádio, o cinema e a televisão. Para chegar à língua portuguesa, entretanto, fez escala no inglês, cristalizando-se a deformação da pronúncia na escrita. Nossos gramáticos aceitaram a submissão ao erro prosódico, registrando-o tal como era pronunciado nos Estados Unidos. E assim passamos a pronunciar e a escrever arrevesadamente um vocábulo que em sua origem latina estava mais próximo de nossa língua. M O N O P Ó L I O: do latim monopoliu, por sua vez vindo do grego monopólion, venda única, privilégio exclusivo de possuir, explorar e comercializar determinados produtos. Várias empresas estatais brasileiras foram estabelecendo reservas de domínio sobre determinadas atividades econômicas, de que é bom exemplo a exploração do petróleo e seus derivados. Mas as novas diretrizes econômicas estão levando ao rompimento da ortodoxia dominante nas últimas décadas no rumo de uma flexibilização de tais monopólios. M U C A M A: do quimbundo mu’kama, escrava jovem que ajudava nos serviços caseiros, tendo a confiança dos donos da casagrande e servindo por vezes também como ama-de-leite, encarregada de amamentar o bebê da sinhá. Nosso processo escravista tinha várias contradições e, por isso, alguns historiadores referem-se às mucamas como moças de estimação, que eram amadas e escravizadas ao mesmo tempo, e pelas mesmas pessoas. N A R C I S I S T A: do grego Nárkissos, pelo latim Narcissu, formou-se este vocábulo para designar a pessoa excessivamente vaidosa, que só admira a si mesma. O adjetivo derivou-se do nome de uma personagem da mitologia grega, o jovem Narciso. Durante uma caçada, o guapo rapaz abaixou-se junto a uma fonte para matar a sede e viu sua bela imagem refletida naquelas águas claras – os gregos desconheciam a poluição. O mancebo tomou-se de excessivo amor por si mesmo, entrando em narké, entorpecimento. Desesperado, feriu-se e morreu. Os deuses o transformaram numa flor que ainda hoje leva seu nome. N A U F R Á G I O: do latim naufragium, navio quebrado, já que em latim navis significa navio, nau, embarcação, e fragium, quebrado, fraturado. A costa brasileira tem sido palco de muitos naufrágios desde o descobrimento do país pelos portugueses há 500 anos. Embora sete dos treze navios da esquadra de Pedro Álvares Cabral tenham naufragado, nenhum deles afundou perto do Brasil. O primeiro dos 11 mil naufrágios em águas brasileiras foi o da nau de Gonçalo Coelho, em 1503, perto de Fernando de Noronha. N E G A R: do latim negare, negar, dizer que não é verdade. O primeiro papa, a quem São Paulo chamou de cínico numa de suas epístolas, negou por três vezes, na noite em que Jesus foi preso, que fosse seu discípulo. Tudo aconteceu antes que o galo cantasse, cumprindo profecia do Mestre. Arrependido, chorou amargamente. Por isso, antes de tornar-se o primeiro papa, São Pedro teve de afirmar por outras três vezes que amava verdadeiramente o seu Mestre. Só então recebeu ordem de apascentar as suas ovelhas. N E G O C I A Ç Ã O: do latim negotiatione, ação de negociar. É a denominação que damos a um entendimento que visa a um acordo entre partes conflitantes. Sua formação neg + otium, significando negação do ócio, indica trabalho. Negociar designa preferencialmente tratos comerciais, aplicando-se também a concessões em litígios. Os romanos já aplicavam o negotialis, utilizado para dirimir controvérsias por meio de mútuas concessões, em oposição ao iuridicialis, determinado juridicamente, com base em leis. Às vezes, negocia-se melhor bem longe, como se depreende da expressão negócio da China, “transação muito lucrativa, numa alusão aos primórdios do comércio marítimo com o Oriente”, segundo Eduardo Martins em Com Todas as Letras: o português simplificado. O latim negotium, transação, seria para alguns um bom sinônimo para preguiça criativa. O negócio seria, pois, o trabalho – uma explicação muito plausível desde os burgos nascentes até a consolidação da economia de mercado. N O B R E Z A: de nobre, do latim nobilis, nobre, conhecido, radicado no verbo noscere, conhecer, donde o antônimo ignobilis, ignóbil, desconhecido. Nem sempre a palavra teve o sentido positivo com que se consagrou (o conjunto de famílias possuidoras de títulos nobiliárquicos ou grandeza de caráter). No latim designava apenas alguém ou algo muito conhecido, existindo a expressão nobilissima inimicitia, inimizade muito conhecida. A expressão sangue azul para designar a nobreza surgiu no reino de Castela, na Espanha, num contexto de preconceito étnico, religioso, cultural. Os nobres invocavam a cor clara da pele sob a qual destacavam-se veias azuis, quase invisíveis na pele de mouros e judeus, mais expostos ao Sol por muito trabalharem, enquanto os nobres ficavam na sombra dos palácios. Da Espanha, por força da aliança dos reis católicos com o Vaticano, a expressão ganhou o mundo. Entretanto, outras línguas têm registrado a expressão sangue azul e alguns dicionários, como o prestigioso The Oxford Dictionary of Etymology, assim explicam a expressão blue blood (sangue azul): “Tradução do espanhol sangre azul, sangue, blood + azul, blue, provavelmente das veias visíveis na compleição dos aristocratas.” N O C A U T E: do inglês, knock-out. A expressão foi aportuguesada pela pronúncia. Golpe violento com o qual um boxista põe fora de combate o seu adversário. Quando o nosso Maguila enfrentou Holyfield, nos Estados Unidos, foi vencido por nocaute, ficando estendido no tablado como se tivesse sido atropelado por uma jamanta. Houve até quem pensasse em acender ali uma vela para o nosso herói. N O C I V O: do latim nocivu, declinação de nocivus, nocivo, que prejudica. No latim o verbo é nocere, causar dano, radicado no indo-europeu nok-eyo, acusativo de nok, matar. O inglês neck, pescoço, aparece em expressões idiomáticas que remetem o étimo a prejudicar, submeter-se, arriscar-se, como em “to risk one’s neck”, arriscar o pescoço, que no português mudou para “arriscar a própria pele”. Ivan Lins, porém, usou “até o pescoço”, não para designar afogamento ou complicação, mas esperança, na letra de Cartomante, gravada por Elis Regina: “Nos dias de hoje não lhes dê motivo,/ Porque na verdade eu te quero vivo,/ Tenha paciência, Deus está contigo/ Deus está conosco até o pescoço”. E continua: “Já está escrito, já está previsto,/ Por todas as videntes, pelas cartomantes,/ Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas,/ No jogo dos búzios e nas profecias”. Para concluir: “Cai o rei de Espadas/ Cai o rei de Ouros/ Cai o rei de Paus/ Cai não fica nada”. Ele fez esta canção quando os aparelhos de Estado, criados para proteger os cidadãos, era mais nocivo do que os malfeitores que precisavam ser combatidos. E os poderosos, semelhando cartas fortes do baralho, foram derrubados pela redemocratização pós-1985. N U D E Z: do latim nudu, nu, ao qual foi acrescentado o sufixo ez, com elipse do ‘u’. A situação primitiva da humanidade era de completa nudez, como indicam várias mitologias e religiões. O pudor, sobretudo dos órgãos genitais, vem com a noção de pecado. Por isso, a nudez de Eva foi coberta com os cabelos, e a de Adão, com a clássica folha de parreira. No Renascimento, porém, quando a arte européia, mesmo a mais cristã, inspirouse na Antiguidade clássica, figuras humanas e divinas voltaram a ser representadas nuas. Algumas religiões, entretanto, como certas seitas hindus, prescrevem a nudez como condição para seus adeptos participarem dos cultos, querendo com isso reforçar a idéia de despojamento. É freqüente nos textos bíblicos algum profeta irado rasgar suas próprias vestes, ficando nu, como símbolo de uma inconformidade sem limites. O B J E T I V O: do latim objectu, lançado adiante, o que se quer atingir. No Brasil é também o nome de uma rede de escolas e universidades. O B R I G A T Ó R I O: do latim obligatus, ligado ou amarrado à volta de, que em português deu obrigado, formou-se este vocábulo. É freqüente em nossa língua a transformação do ‘l’ em ‘r’ nesses casos. O processo é semelhante à oposição entre ‘claro’, em sua forma culta, e ‘craro’, vigente nas formas dialetais de certas regiões brasileiras, principalmente no interior de São Paulo. O C A S I Ã O: do latim occasione, declinação de occasio, ocasião, oportunidade. Dava nome a uma deusa alegórica que presidia ao momento mais favorável para se ter êxito em alguma empresa. Foi inspirada no deus grego Kairós e era representada sob a forma de uma mulher inteiramente despida, tendo calva a nuca, significando que, depois que tinha passado, não podia mais ser apanhada. E naqueles tempos a ocasião ainda não fazia o ladrão, nem a sorte podia ser agarrada pelos cabelos. Ó C I O: do latim otium, ócio, descanso, repouso. Ganhou alguns significados de domínio conexo, como a palavra negócio, sua negação. Os antigos romanos proclamaram o direito de não fazer nada e cunharam a expressão otium cum dignitate (ócio com dignidade), tributo que o trabalho rende à preguiça, já que ninguém é de ferro. Há sutis variações na escala que vai do ócio à vadiagem. Ao contrário do ócio, a vadiagem não pode ser exercida com dignidade, constituindo-se em contravenção penal. Incorre em vadiagem quem se entrega habitualmente à ociosidade, sem contar com rendimentos que lhe assegurem a subsistência. Em resumo, o que é ócio para o rico, é vadiagem para o pobre. Ó C U L O S: do latim oculum, olho. O imperador Nero já usava uma esmeralda para ver melhor, utilizando-a como lente convergente, mas os óculos foram inventados por monges italianos no século XIII e aperfeiçoados nos séculos XVII e XVIII, quando as armações tornaram-se mais leves com o aproveitamento dos cascos de tartaruga. Ó D I O: do latim odium, ódio, aversão, antipatia, repugnância. O célebre poeta catarinense Cruz e Sousa, introdutor do simbolismo no Brasil, talvez magoado com tanta incompreensão por ser filho de escravos alforriados, referiu-se a um ódio bom que o alimentaria nos combates ao obscurantismo epocal: “Ódio são! Ódio bom! Sê meu escudo/ Contra os vilões do Amor, que infamam tudo/ Das sete torres dos mortais Pecados!”. E Alessandro Manzoni, em sua obra clássica Os Noivos, escreveu: “É uma das vantagens deste mundo poder odiar e ser odiado sem se conhecer”. O F E N S A: do latim offensa, de offendere, bater, esbarrar ao encontrar, passando depois ao sentido conotativo de proferir palavra que magoe. Paradoxalmente, palavras que em outros séculos eram elogios transformaram-se em ofensas, de que é exemplo este trecho de uma das mais antigas canções de amor, o Cântico dos cânticos, atribuído ao rei Salomão, que amou mil mulheres: “A uma das éguas do carro de faraó eu te comparo, amada minha”, diz um dos versos do poema de Salomão, e a mulher deveria entender como elogio! Hoje, porém, égua, vaca, perua, cadela, galinha e outros bichos domésticos são utilizados para ofender a mulher. O F I C I A L: do latim tardio officialis, oficial, radicado em officium, por sua vez contração de opificium, palavra formada de opus facio, faço a obra, designando dever, obrigação. O étimo é origem comum de outras palavras semelhantes, como oficina, do latim officina, mas escrita opificina pelo escritor romano Plauto. Como adjetivo de dois gêneros, oficial é tudo aquilo que é proposto por instância legal ou de que dela emana, como é o caso do caráter oficial da língua portuguesa no Brasil. Nosso país é o único de tais dimensões com apenas uma língua oficial. O Paraguai é bilíngüe: são aceitos oficialmente o Castelhano e o Guarani. A Suíça, cuja língua nacional é o Romanche, é plurilingüe, aceitando como oficiais o Francês, o Italiano e o Alemão. A Bélgica adota como oficiais o Francês e o Flamengo. No Brasil há municípios que, sem ferir a Constituição, que determina que a Língua Portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil, adota outras línguas co-oficiais – a palavra “cooficial” ainda não está nos dicionários. Este é o caso de São Gabriel da Cachoeira, município do Amazonas, que desde 11 de dezembro de 2002, pela Lei 145, adotou como oficiais, além do Português, o Nheengatu, o Tukano e o Baniwa. Nas Antilhas Holandesas – Curaçau, Aruba, Bonaire – pode-se ver num azulejo a mostra de um Pai-Nosso em papiamento, língua crioula de base espanhola, com influências do Português e do Holandês, que os espanhóis jamais tornaram oficial. A oração era rezada assim: “Nos Tata cu ta na cielo, bo Nomber sea santifica, laga bo Reino bini na nos, bo boluntad sea haci na tera como na cielu. Duna nos awe nos pan di cada dia, i pordona nos nos debe, mescos cu nos ta pordona nos deberdonan e nos laga nos cai den tentacion, ma libra nos di malu”. Já em Timor Leste, são oficiais o Português e o Tétum, mas o Inglês e o Indonésio, conhecido por Bahasa, são aceitos como línguas de trabalho. O P O R T U N I D A D E: do latim opportunitate, declinação de opportunitas, decorrência da atividade de ventos que empurram o barco em direção ao porto. Antigos romanos tinham um deus para os portos, Portunus, e outros para os mares, Neptunus. Importunar equivalia a impedir que naus e embarcações alcançassem o porto, mas depois o sentido foi aplicado por metáfora a quem atrapalhava qualquer atividade, não mais em alto mar, mas em terra. E oportunidade passou a designar ocasião favorável, semelhante àquela vivida pelos marinheiros e pilotos nas lides da navegação. O R Á C U L O: do latim oraculu, resposta que os antigos deuses davam àqueles que os consultavam. Tais respostas eram, porém, fornecidas por meio de curiosos sinais. O crente poderia fazer a pergunta diante de seu deus preferido, deixando à divindade algumas alternativas para as respostas, como nos vestibulares das universidades de hoje. Se ao deixar o templo encontrasse um ancião, um menino ou uma linda jovem, o fiel dava à visão um significado divino, diretamente ligado à consulta que acabara de fazer. Os oráculos eram também obtidos pelo estado em que se encontravam as vísceras de animais especialmente sacrificados para esta leitura. Depois passaram a ser dados pelos próprios homens e hoje oráculo é metáfora de político muito consultado por seus colegas. Neste caso, os sacrificados costumam ser o eleitor, o contribuinte e outras figuras que habitam o cidadão brasileiro. O R I G E M: do latim origine, declinação de origo, começo, procedência, princípio, que em Português deu origem, com vários significados, um dos quais refere às famílias das quais descendemos. Serve também para identificar os primeiros eventos ligados a alguma coisa, como nesta frase do famoso crítico brasileiro, nascido na Áustria, Otto Maria Carpeaux, autor de uma História da Literatura Ocidental em oito volumes: “O teatro grego é de origem religiosa: nunca houve dúvida a esse respeito”. P A C I Ê N C I A: do latim patientia, paciência. No latim, o significado está vinculado a verbo que tem o sentido de passar, suportar. O maior exemplo de paciência em nossa cultura vem da Bíblia e por isso foi criada a expressão “Paciência de Jó”. O enredo do Livro de Jó é o seguinte: Deus pergunta a Satanás se ele conhece Jó, o mais justo dos homens. Satanás responde que as virtudes de Jó devem-se à generosidade de Deus, que o cumulou de todos os bens. Deus autoriza Satanás a deixar Jó na miséria. O pobre homem perde tudo, mas não perde a fé. E não aceita de jeito nenhum os sofrimentos impostos. Ao contrário, deles se queixa amargamente. Mas o povo deduziu que Jó é paciente por suportar tant P A I - D O S - B U R R O S: da profissão do pai do lexicógrafo e filólogo brasileiro Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, autor do famoso Dicionário Aurélio, o mais consultado do país. Imortal da ABL, foi também tradutor e ensaísta. Seu pai fabricava carroças e charretes muito confortáveis, não apenas para os usuários que iam sentados, mas também para os burros que as puxavam. Já era então comum a expressão “Não tenho palavras para agradecer”, com que os usuários elogiavam a perfeição daquelas charretes. Aurélio as tinha e por isso fez um pequeno compêndio de elogios, na verdade o seu primeiro dicionário. Nele os usuários encontravam as palavras adequadas para endossar o trabalho de seu pai. E o filho do fabricante pouco a pouco foi deixando de ajudar o pai na confecção daquele meio de transporte tão concreto e passou a cuidar de outros transportes, o das palavras, tornando-se autor do dicionário brasileiro mais traduzido no mundo (cerca de oitenta idiomas). Um dos pesquisadores a registrar tal versão foi Diógenes Praxedes (Jornal de Brasília, DF, edição de 8/12/2001). O Almanaque Santo Antônio 2003 endossa a mesma versão, usando como referência o citado jornal. P A I N E L: do baixo latim panellu, diminutivo de pannus, pano. Hoje pode-se fazer um painel sobre qualquer assunto, principalmente em empresas e universidades, sem que seja utilizado pano algum, a não ser aqueles que cobrem os participantes, naturalmente. Mas nas origens, sem cartazes e sem os recursos eletrônicos de retroprojetores e telões, um pano estendido cumpria, entre outras, a função dos modernos painéis sobre determinados assuntos. No sentido de debate organizado com especialistas e que contam com a participação do público, o termo deriva do inglês panel, reunião de personalidades que discutem um tema de suas competências específicas, previamente escolhido, para que as personalidades possam preparar-se para melhor desempenho e melhor proveito do público comparecente. P A L A D A R: do latim vulgar palatare, derivado do mesmo latim palatu, sede do gosto. O verbo remonta a palatum, palato, palácio ou palais de la bouche, palácio da boca, como o denominaram poeticamente os antigos franceses. A origem da palavra palácio, ao qual foi primitivamente comparado o céu da boca, remonta ao monte Palatino, em Roma, onde o imperador Augusto mandou edificar sua residência oficial. Os romanos haviam trazido da Grécia a deusa Palas, que protegera Tróia. Por atração mútua e semelhança, consolidaram-se as palavras palatum e palatium. Sem o conhecimento preciso que depois a anatomia obteve, indicando a exata localização das papilas gustativas, os romanos achavam que comes e bebes eram mais bem saboreados no céu da boca que, junto a língua, é dos órgãos mais importantes na decifração do gosto de cada alimento ou bebida. P A L C O: do lombardo palko, viga, que passou ao italiano como palco, denominando primeiramente as vigas de sustentação dos tablados e depois o próprio local das representações teatrais. É usado também em sentido metafórico, tal como aparece neste trecho de Vida e História, de José Honório Rodrigues: “O Rio foi o palco da mais renhida exibição das virtudes e pecados do personalismo nacional”. P A L E S T R A: do grego palaístra, lugar onde eram realizados os exercícios físicos, as lutas corporais, as instruções verbais para as lutas e os embates de idéias. Por isso, o vocábulo manteve o sentido guerreiro que preside uma palestra, onde idéias podem lutar, vencer e ser vencidas. P Ó S - G R A D U A Ç Ã O: de pós, do latim post, e graduação, do latim graduatione, graduação, designando ato de passar pelo gradus, grau ou degrau. No Brasil, é a parte do ensino que tem o melhor desempenho, estando à altura de países do primeiro mundo. Em avaliação feita em 1999, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) demonstrou que 32 por cento dos alunos de pós-graduação situam-se em parâmetros considerados excelentes. A maioria, 63 por cento, está classificada entre os conceitos de bom e regular. Apenas 5 por cento são fracos ou deficientes. P O S S E: do latim posse, poder. Decorridos os prazos regimentais, os eleitos tomam posse, isto é, passam a exercer o poder que pleitearam com suas candidaturas. São empossados por autoridades mais altas ou equivalentes aos cargos que passam a ocupar. Outros tomam posse sem eleição, caso dos ministros e secretários de Estado, nomes de livre escolha do presidente da República e dos governadores dos Estados, e por isso também demissíveis ad nutum, que em latim significa literalmente movimento de cabeça, significando que o escolhido deve sair, se esta for a vontade de quem o nomeou. P O S T E R G A R: do baixo latim postergare, postergar, deixar para depois. Famoso provérbio aconselha: “Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. A recomendação nem sempre é fácil de cumprir. A partida da frota que descobriu o Brasil estava prevista para 8 de março de 1500, um domingo. Milhares de pessoas e o próprio rei compareceram ao cais, mas os ventos e as correntes contrárias impediram navios e naus de descerem o rio Tejo. Ali, pela primeira vez, ainda antes do descobrimento, o provérbio foi contrariado no projeto Brasil. Depois virou sina e emblema do País, que demora a resolver problemas seculares. Em 1500, porém, no dia seguinte, apesar de ser uma segunda-feira, eles partiram ao alvorecer. P R E S U M I R: do latim praesumire, tomar com antecipação, praticar antes certo ato, como na expressão praesumire domi dapes, comer antes em casa, antes de sair para visitar. Dapes em latim designa sacrifício oferecido aos deuses, refeição, de onde, aliás, derivou cardápio, relação dos pratos que um restaurante oferece. Presumir, que em inglês é presume, pode ter ainda o significado de supor, deduzir, como na célebre frase Doctor Livingstone, I presume (Suponho que o senhor seja o doutor Livingstone), pronunciada pela primeira vez no coração da África por Henry Morton Stanley, jornalista enviado pelo New York Herald. Depois de percorrer 700 milhas em 236 dias, encontrou na ilha de Ujiji o missionário e explorador a quem procurava, o escocês David Livingstone. Desde então a frase passou a ser utilizada com humor. P R O C L A M A R: do latim proclamare, gritar, dizer em alta voz, tendo também o sentido de protestar, reclamar e anunciar. Reunindo todos estes sentidos, designa o ato que resultou no famoso ‘Grito do Ipiranga’, celebrado em tela do pintor paraibano Pedro Américo de Figueiredo e Mello, cujo retrato foi incluído na sala dos pintores célebres na famosa Galeria degli Uffizzi, em Florença, na Itália. Em outro trabalho, Batalha do Avaí, ele fez seu auto-retrato, em que aparece barbudo, de olhos arregalados, vestindo um boné com o número 33. P R O C U R A Ç Ã O: do latim procuratione, ação de procurar, procuração. Designa o ato de cuidar de interesses de personalidades físicas ou jurídicas, como fazem os advogados, que para isso recebem procurações de seus clientes. A origem da palavra mescla-se à do verbo procurar, em latim procurare, em que pro, o prefixo, designa movimento pra frente, em favor de, e curare, cuidar. O procurador, do latim procuratore, declinação de procurator, aquele que cuida dos negócios alheios, representa em juízo aquele ou aqueles que lhe delegaram tal representação. No Brasil temos o procurador-geral da República, importante cargo, pois chefia o Ministério Público da União, escolhido dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, nomeado pelo presidente da República, depois de aprovado pelo Senado, para mandato de dois anos, permitida a recondução. P R O E Z A: do francês antigo proece, hoje prouesse, radicado no latim prodesse, ser útil, mas provavelmente por forma verbal diferente: prode est, é útil. Ganhou o sentido de ousadia porque foi aplicado, desde os primórdios da palavra a algo difícil de ser conseguido. Usualmente indicando atos de valor, recebeu mais tarde também um sentido pejorativo. Pode ter recebido influência do latim prora, proa, a parte da frente do navio, em oposição à popa, a parte de trás. P R O F A N O: do latim profanum, pela formação pro, por, para, em frente, e fanum, lugar sagrado, situado em frente ao templo, mas fora dele, daí o significado de contrário a sagrado, que recebeu ao correr do tempo, como adjetivo. Caetano Veloso tem uma canção com o nome Vaca Profana, em que declina uma profissão de fé: “Respeito muito minhas lágrimas,/ Mas ainda mais minha risada,/ Inscrevo, assim, minhas palavras,/ Na voz de uma mulher sagrada,/ Vaca profana, põe teus cornos,/ Pra fora e acima da manada, / Dona das divinas tetas, / Derrama o leite bom na minha cara, / E o leite mau na cara dos caretas”. Mas no final da canção, ele como que se arrepende e deseja que o leite derramado na cara dos caretas seja igualmente “do bom”. P R O F E R I R: do latim proferre, proferir, isto é, levar para fora da boca, já que em latim ferre tem o significado de levar, designando assim o ato de falar, ainda que seu uso seja mais adequado em situações de certa cerimônia. P R O F E S S O R: do latim professore, professor, que professa. Seu sentido primitivo era designar aquele que fazia declarações públicas, especialmente religiosas. Passou depois a sinônimo de mestre. Houve mistura de significados porque os primeiros professores da era cristã exerceram seu ofício na sacristia ou em dependências eclesiásticas. Antigamente os professores deviam ser castos. O teólogo e filósofo francês Pierre Abélard, dito Abelardo, transgrediu tal norma, namorando e casando com uma aluna, Heloísa, 21 anos mais jovem do que ele. Irritado, o tio da moça, alta autoridade eclesiástica, mandou castrá-lo. Por fim, os dois se separaram e abraçaram a vida religiosa, cada qual num convento. Dia 15 de outubro é celebrado o Dia do Professor. O país que mais respeita a figura do professor é o Japão. Lá o imperador, que não se inclina diante de ninguém, inclina-se diante de professores e professoras. P R O I B I R: do latim prohibere, proibir, formado a partir de pro habere, ter para si, ter à parte, desviar, impedir. É este o sentido de lei do Estado de São Paulo que quer impedir os trotes nos calouros. Os legisladores chegaram tarde, pois as três universidades públicas estaduais – USP, UNICAMP e UNESP – já haviam antecipado a proibição. Entretanto, em 1999 um calouro de Medicina da USP afogou-se na piscina da faculdade, em circunstâncias nunca esclarecidas, mas provavelmente devido ao trote violento. É bom lembrar que os irracionais não aplicam castigos tão terríveis a seus semelhantes. E quando dão coices, arranhões ou mordidas, não o fazem por brincadeira. Quando brincam, não ferem, nem matam. Os veteranos que aplicam tais trotes humilhantes deveriam mirar-se no exemplo dos bichos. Faz tempo que o trote deixou de ser alegre comemoração e se transformou em motivo de tormento e por isso a maioria das universidades recebe os novos universitários com trotes culturais, promovendo palestras, exibindo filmes, peças de teatro, shows etc. P R O N T U Á R I O: do latim promptuarium, lugar onde estão coisas prontas, que podem ser encontradas a qualquer momento, prontamente. Deriva de promptu, pronto, disponível. Passou a designar registros de arquivo, à disposição para consultas imediatas. Nas Delegacias de Polícia, é mais conhecido por capivara. Antigamente, apenas os pobres tinham capivaras. Ultimamente, depois da lei do colarinho branco, também banqueiros, políticos e empresários têm se dedicado ao cultivo de capivaras nos brejos da economia nacional. Os jornalistas de São Paulo Alf Degani e Ary Napoleão de Moraes estão entre os que primeiro registraram o sentido policial de capivara. “Puxando a capivara do moço, viram que ele tinha outro caso em Campinas”, escreveu o segundo, no Diário de Notícias, de São Paulo, no dia 30 de abril de 1974. “Gente nova na capivara. Tem gente nova na Delegacia de Vigilância e Capturas”, observou o primeiro na Última Hora, de São Paulo, no dia 26 de setembro de 1969, segundo pesquisa de Euclides Carneiro da Silva em seu Dicionário da Gíria Brasileira. P R O N U N C I A M E N T O: do espanhol pronunciamiento, pronunciamento. A divulgação deste vocábulo, que foi adaptado para outras línguas, como é o caso do português, deu-se a partir da primeira metade do século XIX devido a um costume de generais espanhóis rebeldes que, ao se insurgirem, faziam uma declaração de princípios, onde declinavam as razões de seu ato de desobediência. Houve célebres pronunciamentos na Espanha em 1820, 1836, 1843, 1854, 1868 e 1874. No século passado o mais famoso foi o do general Primo de Rivera Y Orbaneja, ditador da Espanha no período de 1923 a 1930. Morreu fuzilado no início da guerra civil. O fundador da temível Falange foi um de seus filhos. Hoje os pronunciamentos políticos guardam daquela antiga fúria apenas as raízes etimológicas, dada a progressiva consolidação dos regimes democráticos. P R O P A G A N D A: do latim propagandae fidei (da propaganda da fé), congregação do Vaticano encarregada de divulgar a fé católica em todo o mundo. Em latim, propagare é espalhar, aumentar, reproduzir. No horário eleitoral gratuito, no rádio e na televisão, os candidatos fazem propaganda de si mesmos, apresentando seus currículos e propostas. P R O P I N A: do latim propina, propina, gorjeta, dádiva. Em seus primórdios, dar propina a alguém era apenas erguer um brinde à sua saúde. Em Portugal pagar propina não é crime. Lá designa taxa escolar. No Brasil consolidou-se o sentido pejorativo do vocábulo, o de gorjeta ilícita dada com o fim de obter favores escusos. O garçom que recebe uns trocados ao final do serviço prestado é beneficiário de gorjeta, ato lícito, em valor dificilmente superior a 10 por cento da conta. O funcionário público que recebe propina, ainda que sua taxa seja menor, está cometendo crime e o doador, mesmo compulsório, é seu cúmplice. Os juízes italianos encarregados da tarefa conhecida como Operação Mãos Limpas, que visava combater práticas sociais nocivas como a corrupção e o suborno, descobriram que as propinas estavam espalhadas pelos mais diversos setores da economia e da política italianas. Indiciaram até mesmo três célebres estilistas da alta-costura, responsáveis pelas grifes Armani e Versace. Q U E R I D A: do latim quaerere, procurar, querer, veio o português querer, cujo particípio passado deu querido. “Oferecido sem ser querido” – eis um provérbio popular pronunciado por crianças brasileiras quando querem evitar a entrada de alguém numa brincadeira. O cantor Moacyr Franco, em música famosa, com o título de Querida, destilava queixumes: “Querida, hoje volto, cansei de sofrer, perdoa se um dia, tentei te esquecer”. Chamar alguém de querida é tratamento que se vulgarizou ao extremo e tornou-se mais uma etiqueta social que exprime delicadeza, sem o significado amoroso que tinha anteriormente. Q U E R M E S S E: do flamengo kerkmesse, passando pelo francês kermesse, designando feira realizada em grandes prédios anexos à sede da igreja onde eram celebradas festas de que participava toda a comunidade cristã local. Seu sentido estendeu-se depois a outros eventos semelhantes com o fim de arrecadar recursos mediante leilões, sorteios e vendas de produtos caseiros, com destaque para a culinária. É provável que a palavra tenha entrado para a nossa língua depois das invasões holandesas e francesas. Como eram raras as oportunidades de encontro entre moças e rapazes na sociedade patriarcal, a quermesse era boa ocasião de namoro, principalmente pelo correio elegante, modo de escapar aos rígidos controles do autoritarismo familiar e namorar por bilhetes. As quermesses têm seu ponto alto nas festas de São João, Santo Antônio e São Pedro. Q U E S T O R: do latim quaestore, antigo magistrado romano encarregado do Tesouro e de preparar os elementos para ações judiciais em defesa do bem comum. O questor podia questionar qualquer despesa dos governantes, funcionando também como procurador. Q U I C A R: do inglês kick out, chutar. Indica lance em que, ao final do impulso recebido no chute, a bola começa a perder velocidade e vai chegando a seu destino muito devagar. É nestes casos que costuma entrar a maldade do morrinho artilheiro: batendo num deles, a bola entra em gol, enganando o goleiro em lance tão sutil quanto o do melhor atacante. Q U I L Ô M E T RO: do grego, chilioi, mil, e métron, medida, através do latim metru. Literalmente, medida de mil metros. A abreviatura é km. Os romanos usavam a milia, milha, porque adotavam o passo como medida. A milha latina tinha mil passos. Antigamente o corpo humano era importante referência para medidas. Braças, pés, palmos e dedos são outros exemplos. Q U I T A R: do latim medieval quitare, silenciar, deixar quieto, alteração do latim clássico quietare, repousar, descansar, formado a partir de quietis, caso genitivo de quies, repouso. O repouso final é a morte, donde a expressão requiescat in pacem, descanse em paz. A palavra quitar ensejou os sentidos de arquivo morto, conta paga, obrigação já cumprida. Outras palavras, nascidas da mesma raiz, acrescida de prefixos, produziram significados diferentes, como é o caso de desquite e inquieto, desquitar e inquietar, todas passando a idéia de que nada repousou ainda, nada foi resolvido. Q U I T U T E: de origem controversa, provavelmente do quimbundo kitutu, indigestão, mas designando também comida apetitosa, iguaria delicada, docinho, bolinho, tendo igualmente o sentido de carícia, mimo, delicadeza, aplicando-se da mesma maneira a menina bonita e a qualquer objeto delicado. Nei Lopes acha que a origem mais provável é o quicongo kituuti, prato bem feito, pois demanda cuidados especiais: separar, descascar e pilar o grão. O sentido de indigestão pode ter vido de cruzamento de kitutu e kituxi, gula, pecado que causa a indigestão. R A I A R: do latim radiare, brilhar, cintilar, surgir. Metáfora que alude ao nascer do sol, como nestes versos do hino da Independência: “Já raiou a liberdade, no horizonte do Brasil”. R A J A D A: do espanhol rajar, abrir, fender, formou-se este vocábulo para designar um tipo especial de ventania, que chega de súbito. Curiosamente, o fenômeno em espanhol tem outro nome: ráfaga. De todo modo, rajada não é uma porção de rajas ou rajás, como são denominados os reis em sânscrito. A tradução brasileira para o filme Bonnie and Clyde estrelado por Faye Dunaway e Warren Beatty, é Uma Rajada de Balas. R A L A R: do francês râler, ralar, tendo também o sentido de raspar, arranhar, arfar, pois, no francês antigo, râle é o barulho que o ar faz ao passar por pulmões em mau estado. Provavelmente por influência de ralo, do latim rallum, raspador para tirar a terra da relha do arado, adquiriu o significado de trabalhar muito. Ralo é também um utensílio doméstico utilizado para raspar tubérculos como a mandioca e a batata. No anverso de cada furinho está uma minúscula lâmina pontiaguda. Crivos semelhantes aparecem em regadores, mas sem as lâminas pontiagudas, e também em portas e confessionários, permitindo que os de dentro vejam os de fora, sem que saibam que estão sendo observados. Este tipo de ralo jamais avisou, como fazem hoje as câmeras de estabelecimentos públicos, “sorria, você está sendo filmado”. O sentido de ralar como trabalhar muito deve ter mesclado inconscientemente a idéia de que trabalho é sofrimento, machuca, faz a pessoa arfar, cansar-se, assim abonado pelo Houaiss: “ralou de estudar para aprender inglês”. E para a forma pronominal, designando ato de descaso, o mesmo Houaiss exemplifica: “ele está se ralando para o que os outros pensam dele”. Com o sentido de sentir vergonha e dor, aparece neste trecho do conto Linha Reta e Linha Curva, de Machado de Assis: “Tive duas idéias: uma foi o desprezo; mas desprezá-los é pô-los em maior liberdade e ralar-me de dor e de vergonha; a segunda foi o duelo... é melhor... eu mato... ou... – Deixe-se disso. – É indispensável que um de nós seja riscado do número dos vivos. – Pode ser engano... – Mas não é engano, é certeza. – Certeza de quê? Diogo abriu o bilhete e disse: – Ora, ouça: “Se ainda não me compreendeu é bem curto de penetração. Tire a máscara e eu me explicarei. Esta noite tomo chá sozinha. O importuno Diogo não me incomodará com as suas tolices. Dê-me a felicidade de vê-lo e admirá-lo. – Emília”. R E A L: do latim regale, isto é, do rei, sendo isto garantia de verdade. Em latim, rei é rex, regis. Qualquer moeda cunhada pelo rei era real. Na tradição portuguesa consolidou-se o real, cujo plural era réis (reéis, depois apenas réis) como designação exclusiva da moeda oficial, com divisões chamadas por outros nomes: o vintém valia 20 réis; a pataca, 40, e o tostão, 100 réis. O tostão era assim denominado porque trazia a efígie de um rei de cabeça grande, tanto no francês teston e como no italiano testone. No italiano, testone designa também o nosso popular cabeçudo, teimoso ou simplesmente burro. A intenção de quem mandou imprimir no dinheiro a imagem do rei não foi a de satirizá-lo. R E C E N S E A M E N T O: palavra formada a partir do latim censu, censo, conjunto de dados estatísticos de uma região, província, país ou, no caso narrado por São Lucas, de um império. Segundo este evangelista, Jesus, apesar de seus pais morarem em Nazaré, na província da Galiléia, nasceu em Belém, na da Judéia, porque naqueles dias o marido e a esposa, prestes a dar à luz, cumprindo ordem do imperador romano César Augusto, que ordenara um recenseamento geral, deixaram a cidade em que moravam e foram recensear-se naquela onde tinham vivido seus ancestrais. Belém ficava a 150 quilômetros de Nazaré. O casal levou quatro ou cinco dias para fazer a viagem. Há notícias deste recenseamento em livros de historiadores romanos. R E C O M E N D A R: do baixo latim recommendare, aconselhar, indicar, ensinar. Inicialmente o verbo era mais utilizado para designar a profilaxia espiritual, determinada por padres e confessores. Passou depois a indicar a ação dos médicos ao prescreverem remédios, seguidos de recomendação de dieta alimentar, cuidados pessoais e repouso. Dada a complexidade da vida moderna, novos profissionais, como educadores, médicos e advogados, foram chamados a fazer outras recomendações, vinculadas a seus ofícios. R E D A Ç Ã O: do latim redactione, declinação de redactio, redação, ação de redigir, escrever. Devido à hegemonia da fala, principalmente entre os jovens, que mais falam do que escrevem, e mais ouvem do que lêem, a redação é o grande fantasma de concursos e vestibulares. Absurdos vêm assolando a última flor do Lácio, como prérequisito (se é requisito de algo, como será pré?), fazer uma colocação (o galináceo a fará melhor, certamente) e encarar de frente (como encarar de costas?). R E D I G I R: do latim redigere, redigir, significando reduzir a certo estado, no caso reduzir a fala à escrita. Segundo o professor Pasquale Cipro Neto, que ensina nossa língua portuguesa em escolas e também no rádio e na televisão, “é na sintaxe dominante que são redigidos os contratos e as leis, um exemplo cabal de que língua é poder”. R E S P E I T O: do latim respectus, ação de spectare outra vez, isto é, olhar demoradamente, voltar a olhar, observar minuciosamente. Ter respeito por uma pessoa pode ter vindo desta metáfora: considera-se o passado de quem estamos observando. Antes de spectare, norma culta do latim, havia a forma antiga specere, radicado no indo-europeu spek, olhar, origem comum de palavras de significado semelhante, como speculum, espelho, spetaculum, espetáculo, e aspectus, aspecto, entre outros. O presidente Lula, comentando problemas no comércio exterior, repetiu conhecido dito popular, adaptando-o à fala presidencial, que expressaria a voz do povo: “respeito é bom e nós gostamos”, leve alteração da conhecida sentença “respeito é bom e eu gosto”, pronunciada nos mais diversos lugares, dos bares aos templos. O presidente prometeu o espetáculo do crescimento, ainda que cada vez mais gente suspeite de que a prometida exibição esteja demorando demais. Suspeitar é verbo que provém igualmente do original spectare. O prefixo ali disfarçado é “sub”, pois suspeitar tem o significado de olhar embaixo, procurar coisa escondida, acercar-se com certa desconfiança. R E S P L A N D E C E R: do latim resplendere, começa a brilhar. O verbo aparece no Hino da Independência, cuja música é de autoria do imperador D. Pedro I, que proclamou nossa independência. A letra é de Evaristo da Veiga. Como os brasileiros não levam muito a sério quase nada, também estes versos mereceram curiosa paráfrase, em que “já podeis” equivale a “japonês” e “da pátria ó filhos”, uma inversão sintática, transformase “tem quatro filhos”, em ordem direta, para que a frase inventada tenha sentido. Os primeiros versos originais dizem: “Já podeis da Pátria filhos/ Ver contente a mãe gentil,/ Já raiou a liberdade,/ No horizonte do Brasil”. É na estrofe final que aparece o verbo resplandecer, dando conta de a partir da independência o Brasil passaria a se destacar sempre mais no concerto das nações livres. “Parabéns, ó Brasileiros!/ Já com garbo juvenil,/ Do universo entre as nações/ Resplandece a do Brasil”. Evaristo foi um dos primeiros jornalistas brasileiros. E além de deputado por Minas Gerais foi também livreiro no Rio. Comparou o povo brasileiro a uma “brava gente” que deixou para trás o “temor servil” e ousou proclamar pela boca do príncipe o brado retumbante e retórico: “ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil!”. R E S S A C A: do castelhano resaca, denominação dada ao refluxo da maré, depois de chegar à praia ou ter seu movimento impedido por algum obstáculo. Seu significado literal é o de sacar de novo, uma vez que o prefixo re indica repetição. O escritor inglês Charles Dickens usou esta metáfora marinha para caracterizar o olhar da personagem Emília em seu romance David Copperfield: “A look that I never forgotten, directed for out the sea” (mais ou menos o seguinte, em tradução atualizada: “um olhar que eu nunca esqueci, vindo diretamente do mar”). E o nosso Machado de Assis, em Dom Casmurro, também a história de um triângulo amoroso, no capítulo XXXII caracteriza a adúltera Capitu como tendo “olhos de ressaca”, que “traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”. Por força de estar indicado como leitura para os vestibulares, o romance é best-seller nacional nos dias que correm, sem que contudo apareça em nenhuma lista dos mais vendidos. S A C R I F Í C I O: do latim sacrificium, vindo de sacrum facere, realizar o sagrado, isto é, fazer as ofertas às divindades sanguinolentas da Antiguidade, que apreciavam o derramamento de sangue das vítimas, às vezes humanas, porém mais freqüentemente aves e animais. Presentes desde tempos imemoriais, os sacrifícios já aparecem no primeiro livro da Bíblia, o Gênesis. É por causa de um deles que ocorre o primeiro crime da humanidade: Caim, agricultor, oferece em sacrifício frutos da terra que cultivava e Abel, pecuarista, imola cordeiros. Deus prefere as ofertas de Abel. Morto de inveja, Caim mata o irmão. S A Í D A: de sair, do latim vulgar salire, sair, equivalente a exire, com o significado de deixar o lugar onde se estava, de onde derivou exit, sai, indicando nos cinemas a porta de saída. Seria mais lógico o plural exeunt, saem. Nem sempre a saída se dá por vontade própria. A maioria dos imigrantes que para cá vieram foi obrigada a tal, seja por dificuldades insuperáveis em sua terra natal, dentre as quais as guerras despontaram como fatores determinantes, seja para “Fazer a América”, frase que sintetizava o sonho de todos. Na Bíblia é constante a presença dos imigrantes, por escolha ou imposição, o primeiro dos quais foi Adão, exilado do paraíso para este ‘vale de lágrimas’. Abraão partiu com sua família, deixando a cidade de Ur, velha conhecida dos aficionados de palavras cruzadas. E os judeus, liderados por Moisés, deixaram o Egito. A festa da saída, Sucót, é comemorada de 25 de setembro a primeiro de outubro. S A L A M A L E Q U E: do árabe assalamalaik, a paz esteja contigo. Como os imigrantes de ascendência árabe faziam esta saudação com muitas mesuras, repetindo-a duas vezes, em nossa língua uma pessoa cheia de salamaleques ficou sendo aquela que tem polidez exagerada, chegando a ser untuosa no trato. S A L A: do antigo alto alemão sal, espaço para recepção no burgo, passando a habitação, com cujo sentido chegou ao provençal sala, designando já ambiente dentro de casa, de onde chegou ao português. Com a evolução da arquitetura, foram surgindo salas especializadas, tanto dentro de casa, como fora. No lar, a sala de estar, a de jantar, de visitas. Em escritórios, a sala de espera, a de atendimento etc. E na escola, a sala de aula, a dos professores. Nasceu também a expressão “fazer sala”, significando entreter, já registrada por Machado de Assis no romance Quincas Borba: “Precisava ir fazer sala às visitas. Há quanto tempo estavam ali!”. S A L A F R Á R I O: de origem obscura, talvez corruptela de palavra perdida utilizada para designar o muçulmano, que não fazia as orações cristãs habituais, mas a çalat, palavra árabe que significa oração, bênção. Sofreu influência de salacidade, do latim salacitas, lascívia, luxúria, libertinagem, devassidão. O sentido que conservou é o de indivíduo ordinário, patife, vagabundo, dado a ilícitos diversos. S A L Á R I O: do latim salarium, salário, inicialmente o sal com que se pagavam os trabalhadores e depois o soldo dado às tropas para comprar o sal, que também se chama cloreto de sódio, sempre indispensável, sobretudo naqueles tempos sem geladeira. No Brasil, há o salário mínimo, que é quase sempre o máximo. S A N E A R: de são, do latim sanus, com acréscimo do sufixo ear e extirpação de us, indicando trabalho de tornar são, curar, remediar, reparar. Como sugere o próprio étimo, para sanear às vezes é preciso cortar. E nas finanças públicas é onde este verbo é hoje mais empregado. Realizado o sepultamento de Mário Covas em Santos, sua cidade natal, o novo governador, Geraldo Alckmin, começou os trabalhos em 2001 reconhecendo que herdara um Estado saneado. Alguns indicadores foram destacados: o déficit orçamentário de 7,4 bilhões de reais em 1995 passou a superávit de 2,1 bilhões em 2000; o sistema penitenciário aumentou suas vagas de 18 mil para 41 mil; o menor salário pago subiu de 281 para 488 reais. Seus adversários lembraram, entretanto, que os servidores da Saúde diminuíram de 70 mil para 67 mil, enquanto aumentaram as doenças, as chacinas e cresceu a insegurança em todo o Estado, não apenas na capital. É certo que sanear levará mais tempo e mais governos. S A U D A D E: do latim solitate, solidão. No português arcaico, deu soedade, soidade, suidade. Mas os etimologistas não têm unanimidade sobre as origens deste vocábulo, tão característico do Brasil. Em árabe, as expressões suad, saudá e suaidá significam sangue pisado e preto dentro do coração, além de serem metáforas de profunda tristeza. A as-saudá, uma doença do fígado entre os árabes, é diagnosticada pela melancolia do paciente. Pode ter havido mistura de várias procedências para consolidar o vocábulo, além de mescla do verbo saudar. S É C U L O: do latim saeculum, período de cem anos, mas com muitos outros significados. Há algumas discordâncias nos critérios de definição de datas marcadas por séculos. Uns afirmam que o século II, por exemplo, começou no ano 100 e não no 101. Embora todas as indicações sejam arbitrárias, a mais aceita é aquela que considera cem anos inteiros para configurar um século. Parece questão irrelevante, mas não é. Dependendo do critério utilizado, o Brasil foi descoberto no século XV ou no XVI. Como sempre existem os espíritos conciliadores, em alguns livros se lê que o Brasil foi descoberto no alvorecer do século XVI. S E M A N A: do latim septimana, espaço de sete dias. Segundo o Gênesis, foi o tempo que Deus levou para fazer o mundo. E ainda encontrou tempo para descansar. Mas Ele, ao contrário dos homens, é onipotente, se bem que um pouco apressado, dado o prazo com que entregou a obra. Não permitiu que nenhuma empreiteira metesse o bedelho: Ele mesmo fez tudo sozinho. S E N S I B I L I D A D E: do latim sensibilitate, sensibilidade, capacidade de sentir. O vocábulo e seus correlatos passaram a ser utilizados também para designar atos que deflagram certas sensibilidades específicas, como é o caso do jargão dos economistas aludindo à tarefa de sensibilizar o contribuinte para novos impostos, o que em geral resulta em coceira no órgão mais sensível do corpo humano: o bolso. S E N S O: do latim sensu, senso, capacidade de discernir, julgar, entender. A partir deste vocábulo formaram-se locuções como ‘senso comum’ e ‘bom senso’, a primeira delas significando a opinião dominante sobre determinados temas em uma época, e a segunda, o uso da luz da razão para distinguir entre verdades e falsidades que infestam a vida cotidiana. Comentando os feitiços que Dom Quixote pode ter visto na caverna de Montesinos, Sancho Pança exclama: “Será que feitiços e feiticeiros têm tanta força que podem ter mudado o bom senso de meu amo?”. S E N T E N Ç A: do latim sententia, de sentire, sentir, designando modo de perceber, impressão, opinião, idéia. Chegou ao português no século XIII. A origem remota, de matriz indo-européia, é sinnan, esforçar-se para chegar a algum lugar. A palavra traz embutido o conceito de que para chegar a uma sentença é necessário percorrer um caminho. S E N T I N E L A: do italiano sentinela, vigia de uma determinada área. No Brasil é mais utilizado um sinônimo, guarda, o nome mais comum para designar o policial urbano, principalmente aquele encarregado de disciplinar o trânsito, o que faz usando apito, caneta e talões de multa. Nos casos mais graves, as armas que traz à cinta. Com a emancipação feminina, as mulheres vieram embelezar a corporação, antes composta exclusivamente de homens. S E N T I R: do latim sentire, sentir, perceber. As realidades do mundo exterior nos chegam pelos olhos, ouvidos, nariz, boca e tato – nem sempre nesta ordem, evidentemente – referidos como os cinco sentidos por meio dos quais percebemos o mundo que nos cerca. Quando achamos, por pura intuição, que algo se nos mostra além dos limites dessas abrangências, aludimos a um suposto sexto sentido. O pai da física moderna, Galileu Galilei, escreveu que os modos mais comuns de ultrapassar a percepção dos sentidos são a dança, a hipertensão, a embriaguez, os tóxicos, as explosões de raiva e a autoflagelação. Essa última, praticada antigamente no silêncio dos claustros católicos, tornou-se pública em certos rituais islâmicos. S É R I E: do latim serie, seqüência, sucessão. O vocábulo e seus compostos têm sido muito usados no cinema e na televisão, com os filmes em série e as minisséries. Batman Eternamente, por exemplo, é o terceiro filme sobre o personagem. O primeiro foi Batman, de 1989, e o segundo, Batman, o retorno, de 1992. Esses dois renderam mais de 700 milhões de dólares. O terceiro filme da série, apenas no fim de semana de sua estréia, nos Estados Unidos, arrecadou 53 milhões de dólares. Com as inevitáveis miniaturas de todos os materiais e tipos, flâmulas e demais reproduções da figura já carismática, seus produtores investiram 90 milhões, esperando arrecadar 1 bilhão de dólares. S I L Ê N C I O: do latim silentium, silêncio. Entre os antigos romanos, era representado por um jovem com o dedo sobre a boca, figura que inspirou a ilustração dos pedidos de silêncio que hoje vemos em hospitais. A deusa romana Quies, sempre quieta, protegia o repouso e era servida por um grupo de rapazes denominados Silenciosos. Em latim, estar in quiete indicava que se estava descansando, dormindo. Mas o vocábulo inquieto formou-se a partir do prefixo in, indicador de negação, e quietu, quieto, sossegado, em repouso. Reza o provérbio que a palavra é de prata e que o silêncio é de ouro, recomendando moderação nas falas, mas Sêneca foi mais preciso ao recomendar que o mais importante é discernir a hora de falar e a de calar: “Magna res est vocis et silentii tempora nosse” (É uma grande coisa saber falar e silenciar na hora certa). Uma curiosidade da indústria automobilística brasileira é que uma peça da mecânica dos carros, que tem o fim de atenuar o barulho que produz o motor, é chamada de silencioso. Nos anos de 1970, com as primeiras vitórias dos pilotos brasileiros na Fórmula 1, os jovens retiraram o miolo dos silenciosos, elevando consideravelmente seus decibéis, o que está sendo repetido hoje com as motos. S I M P L I C I D A D E: do latim simplicitate, declinação de simplicitas, simplicidade. A raiz é o indo-europeu plek, plex no latim, como em simplex, simples; duplex, duplo; triplex, tríplice. Encontra-se em complexo, aplicar, perplexo, complicar, explicar. Simples é o que se dobra só uma vez, no sentido etimológico. Assim, simplicidade é sinônimo de ingenuidade e nem sempre de virtude; às vezes indica ignorância. Santa Simplicitas, Santa Ignorância, exclamou o padre e teólogo John Huss, ao notar que uma senhora já idosa colocava mais lenha na fogueira onde o queimavam vivo, condenado como herege por sentença do Concílio de Constança. Natural de Hussenitz, na Boemia, ele defendia o direito de cada cristão ter uma Bíblia; ainda não havia imprensa. Huss combatia a corrupção da Igreja e as autoridades eclesiásticas o atraíram ao Concílio, onde o condenaram. Morreu, mas a Reforma veio ainda na primeira metade daquele século, com Martinho Lutero, teólogo que partiu a Igreja em duas, como se fosse um terremoto. S I M P Ó S I O: do grego sympósion, pelo latim symposium, banquete, pela formação sym (prefixo que indica simultaneidade, como em sincrônico, sym, ao mesmo tempo, junto, e cronos, tempo) e potes (cujo radical está presente em pote, potável etc) para designar aquele que bebe junto com outros, o que acontecia na segunda parte dos banquetes, quando então, além de beber, filosofavam. Simpósio passou a ter o significado de reunião de colegas, mas os tradutores do grego para o português fixaram a palavra “banquete” para Sympósion, título de uma obra do filósofo Platão e de outra do historiador Xenofonte, contemporâneos na Grécia antiga. S I M U L A D O R: do latim simulatore, declinação de simulator, aquele que simula, isto é, imita, tendo sido aplicado inicialmente a pessoa como sinônimo de mentiroso, radicado remotamente no latim similis, similar, semelhante. Inicialmente aplicado a pessoa mentirosa, hoje designa instrumento que simula condições de vôo e é utilizado no treinamento de pilotos e de astronautas, pois entre as diversas modalidades de simulador, há aqueles que simulam a ausência de gravidade. S I N A: do latim signa, plural de signum, sinal. De acordo com João Ribeiro, passou a sinônimo de destino porque “o antigo horóscopo apresentava duas feições essenciais, a dos signos do zodíaco e a dos planetas, astros errantes” e “os signos determinavam a sorte ou o futuro do indivíduo”. Os sinais espalhados por este mundo não são fáceis de decifrar, conforme reconheceu o narrador de O Nome da Rosa, o best-seller mundial do professor e romancista italiano Umberto Eco, ele mesmo deixando-os ainda mais complexos ao inserir citações de diversas línguas. S O C I E D A D E: do latim societate, declinação de societas. Pouco a pouco, com a modernização do comércio, que demandava associações de duas ou mais pessoas, sociedade passou a designar formas de associação comercial, hoje denominação comum em quase todos os municípios brasileiros. Mas a Associação Comercial do Rio de Janeiro foi a primeira delas, fundada a 13 de maio de 1820, ainda que com o nome de Sociedade de Assinantes da Praça. Quase meio século depois, a 11 de dezembro de 1867, é que se consolida o nome pelo qual passou a ser conhecida e que depois serviu de modelo às congêneres, por força da notória influência da capital, onde estavam as Cortes e seus satélites. A Associação Comercial do Rio de Janeiro não tinha entre seus objetivos apenas a defesa dos interesses dos assinantes ou sócios, mas contemplava o horizonte da economia nacional, por serem seus fundadores homens de visão, capazes de entenderem que não adianta os comerciantes irem bem quando os clientes vão mal, pois cedo ou tarde tudo ficará ruim para todos. Quanto à vida econômica que se consolidou no Brasil, assim a definiu o historiador José Honório Rodrigues: “Ao contrário do que se afirma, o Brasil é um país de grande e permanente estabilidade política e institucional. As lutas pelo Poder, entre grupos da minoria, não trazem nenhuma modificação estrutural. A instabilidade caracteriza a conjuntura governamental e a estabilidade a estrutura sócio-econômica”. A citação foi utilizada por Walnice Nogueira Galvão no livro As Formas do Falso, ensaio sobre o Grande Sertão: Veredas, o singular romance de João Guimarães Rosa, a quem a obra de referência Koogan/Larousse concedeu, por sua conta e risco, mais quatro anos de vida, registrando que Rosa faleceu em 1971. S O C O R R O: do latim sucurrere, ajudar, proteger. O Menino Jesus é um dos mais procurados em horas de aperto, quando se precisa de auxílio. Nossos jornais publicam com freqüência a novena do Menino Jesus de Praga, uma crença vinda do Leste Europeu. Semelhantes às graças porventura alcançadas são os socorros que os bancos estaduais, em dificuldades financeiras, pedem ao Banco Central. Ao contrário da do Menino Jesus de Praga, a novena de pedidos não é feita pelos fiéis. Não se sabe como costumam pagar os socorros, mas espera-se que não seja da forma como o escorpião pagou ao sapo a travessia do rio na fábula famosa: cravando-lhe o ferrão no dorso. S O N E G A D O R: do latim subnegare, ocultar, vieram sonegar e sonegador, entre outros vocábulos, esse último muito utilizado para designar quem se furta ao fisco, deixando de mencionar seus rendimentos. Al Capone, famoso bandido americano, somente foi apanhado pela polícia porque foi comprovada sua sonegação de impostos, muito embora os outros crimes fossem de difícil comprovação. S U B S Í D I O: do latim subsidium, subsídio, ajuda. Primeiramente significou socorro militar, indicando tropas de reserva e quantias pagas pelo Estado a seus funcionários. Mais tarde passou a designar renúncias fiscais com o fim de baratear o custo final de determinados produtos. Os pais da pátria são pródigos em arranjar subsídios cuja conta no fim é paga pela filha. S U B S T I T U I Ç Ã O: do latim substitutione, substituição. Nos começos do futebol, caso o goleiro se machucasse ou fosse expulso, somente poderia ser substituído por outro jogador que já estivesse em campo. Isso fez com que Pelé atuasse como goleiro: transformado de estilingue em vidraça, fez algumas boas defesas. Na Copa de 1966, após nossa triste derrota para a Hungria por 3 a 1, o técnico Vicente Feola substituiu nove jogadores para o jogo contra Portugal. Perdemos por 2 a 1 e viemos embora. Naquele jogo, sob a complacência do juiz, os portugueses, nossos descobridores, nos cobriram de porradas. S U P R E M O: do latim supremus, supremo, grau superlativo do adjetivo superus, que está acima, da mesma raiz de superior, superior. Aparece na designação da mais alta corte de Justiça do país, instância além da qual não pode mais haver nenhum recurso, a menos que se recorra a Deus, que entretanto não costuma freqüentar tribunais, a não ser por meio do Filho, simbolizado na figura do Crucificado, pois todo tribunal ostenta um crucifixo na parede, o que, segundo o juiz aposentado, escritor e fundador da Universidade Estácio de Sá, João Uchôa Cavalcanti Netto, indica que o simbolizado está ausente, pois a função do símbolo é de substituição. Aparece na designação do Supremo Tribunal Federal, mais conhecido como STF apenas, que concedeu vários habeas corpus a investigados e réus, garantindo-lhes o direito de omitir e mentir, sem o risco de serem presos, pois ninguém é obrigado a auto-incriminar-se. T A B E L I Ã O: do latim tabellione, homem que escrevia em tabuinhas enceradas, fazendo registros indispensáveis, como nascimentos, óbitos, leis, escrituras de imóveis, fases da lua etc. T A B L Ó I D E: do inglês tabloid, originalmente marca registrada de medicamento em forma de pastilha retangular. Por extensão, passou a designar jornais em tamanho menor que o padrão. Os tablóides ingleses notabilizam-se por publicar matérias desprezadas pela grande imprensa, além de ironizar a opção sexual de vários ministros ingleses, entre eles o da Agricultura, Nick Brown, que admitiu dedicar-se ao cultivo de outras plantas. Comentando a caça aos homossexuais britânicos, o jornalista José Simão, cujo texto apresenta trocadilhos e neologismos insólitos, escreveu: “Desse jeito o gabinete do Blair vai virar um gaybinete”. T A B U: de ta ‘bu, vocábulo extraído de um idioma da Polinésia. Chegou ao português depois de uma baldeação no inglês: taboo. O audaz navegante inglês James Cook informou-nos o significado da palavra nos relatos de sua terceira e última viagem, antes de ser assassinado pelos nativos do Havaí: “Eles me disseram que era tabu, uma coisa proibida”. T A L E N T O: do grego tálanton e do latim talentu, ambos com o significado de balança, primeiramente, e depois de moeda de prata. O último sentido vulgarizou-se devido à parábola dos talentos, que deveriam ser multiplicados, de acordo com o Evangelho de São Mateus, 25. T Á T I C A: do grego taktiké, tática, habilidade nas manobras do exército em campo de batalha. Predominou depois seu sentido metafórico, isto é, aplicado a outras situações que podem ou não se assemelhar às de guerra. Metáfora significa originalmente transporte. Transporta-se a palavra de um para outro lugar, com o fim de designar outra coisa. Segundo o jornalista Mino Carta, em coluna que publicou na revista Istoé, no dia primeiro de fevereiro de 1978, o então líder sindical Lula usava uma tática para cada situação. Quando outros líderes do PT concluíram que seus erros de pronúncia e de concordância, verbal e nominal, apareciam aos olhos da classe média como indicadores de seu despreparo, encarregaram o Instituto da Cidadania de lhe ministrar aulas particulares. Pelas aulas de economia ficaram responsáveis Aloizio Mercadante e Guido Mantega. T E C N O L O G I A: do grego technikós e logos, significando respectivamente arte e tratado, estudo. Mas, no caso, arte no sentido de dominar um ofício. A palavra foi formada para designar a aplicação dos conhecimentos científicos à produção em geral, no campo e na indústria, de que são exemplos a mecanização da lavoura e da pecuária e os processos industriais. Infelizmente a aplicação descontrolada da tecnologia resulta em prejuízos de difícil reparação. No Brasil, tudo começou com a extração do paubrasil. Depois vieram as queimadas. A migração maciça do campo para as cidades, iniciada nos anos 1950 e agravada nas décadas seguintes, aliada à falta de estruturas adequadas no ambiente urbano, fez com que chegássemos aos anos 1990 com a maioria da população concentrada em pouco mais de dez cidades. Principais vítimas, as águas, marinhas ou fluviais, passaram a receber todo tipo de lixo e estão dando o troco, trazendo morte e destruição. T E S E: do grego thésis, arranjo, conclusão, ordenamento de idéias, do verbo tithémi, dispor, instituir, pelo latim thesis, argumento. Nas universidades, a tese designa a obra escrita pelo candidato que com ela se submete a uma banca examinadora para defendê-la e assim obter o título de doutor. O mesmo ritual é feito para a obtenção do título de mestre, com a diferença de que a tese é designada dissertação. Quando se trata de trabalho final de curso de graduação, é monografia. O escritor Dalton Trevisan utiliza tese no conto O Mestre e a Aluna de seu mais recente livro, Rita Ritinha Ritona (Editora Record): “Eis o ponto final na minha tese: Capitu sem enigma. Esfinge sem segredo. A epígrafe você sabe de quem: se a filha do Pádua não traiu, Machado de Assis chamou-se José de Alencar.” T E S T E: do latim teste, teste, prova. Suas origens remotas indicam uma casca de ostra e depois uma concha, denominada testa. Quem recebesse a casca de ostra, ia para o ostracismo. E num litígio, a testemunha declarava de viva voz ou colocava seu atestado em vasilha semelhante a uma concha. Desconfiados da gravidez de Maria, os sacerdotes submeteram o casal de noivos a um teste realizado no templo de Jerusalém, diante de numerosas testemunhas, que consistia em tomar água benta e dar sete voltas ao redor do altar. Caso estivesse mentindo, a pessoa receberia por meio sobrenatural um sinal no rosto. Os dois foram inocentados. Maria, que fora consagrada, deveria permanecer na casa do noivo em companhia de outras cinco virgens: Rebeca, Séfora, Susana, Abigéia e Cael, de acordo com o que se lê em Evangelhos Apócrifos, de Luigi Moraldi, publicado em São Paulo pela Editora Paulus. T E S T E M U N H A: de testemunhar, do latim testimoniare, testemunhar, mesclado ao baixo latim testis, de tertius stare, o terceiro numa disputa. Veja-se o domínio conexo com o latim teste, teste, prova. Suas origens remotas indicam uma casca de ostra e depois uma concha, denominada testa. Quem recebesse a casca de ostra, ia para o ostracismo. E num litígio, a testemunha declarava de viva voz ou colocava seu atestado em vasilha semelhante a uma concha. T I R A N I A: do grego tyrannía, opressão. Na Grécia antiga, qualquer governo imposto à margem da lei. O vocábulo, de origem frígia, está radicado no grego t?rannos, senhor absoluto. Não tinha caráter pejorativo. Foi um intelectual, Aristóteles, o responsável pela abominação que depois vitimou todos os tiranos do mundo. Ele definiu tirano como alguém que exerce o poder absoluto em proveito próprio e não em nome do povo que governa. No Brasil, quando a República nascente mostrou seu caráter violento, um jornal republicano ainda assim saudou o autoritarismo como “doce tirania”: “Ouvem-se ainda os últimos ecos do fragor com que desabou um conjunto de antigas instituições que muita gente julgava perpétuas; (...) como necessidade do momento surgiu o governo ditatorial (...) e o que vemos? Por toda parte a paz a e a ordem”. Era o jornal A Federação, de Porto Alegre, justificando o autoritarismo republicano em nome da paz social. T Í T U L O: do latim titulus, designando originalmente cartaz exibido em triunfo nos desfiles, onde estavam escritos em letras grandes, para todos poderem ler, os nomes das províncias conquistadas pelo imperador, o número de prisioneiros e escravos etc. Passou depois a identificar também as obras literárias e artísticas, mas há aqui algumas curiosidades. O show intitulado Oh Calcutta, exibido originalmente em 1969, nada tem a ver com Calcutá, a segunda maior cidade da Índia, hoje com mais de 13 milhões de habitantes. O espetáculo erótico, criado pelo inglês Kenneth Tynan, que escandalizou o público nos anos 60, por ousadias inéditas com a nudez de atores e atrizes, foi construído a partir de uma frase obscena em francês: Oh, quel cul t’as (oh, que bumbum tu tens). T R A D I Ç Ã O: do latim traditione, declinação de traditio, ato de transmitir, de dar a alguém alguma coisa. No Brasil há uma sociedade intitulada Tradição, Família e Propriedade, cujo fim declarado é lutar por preservar sobretudo esses valores. T R A D U Ç Ã O: do latim traductione, conduzir, levar, transferir. Todas as culturas do mundo precisam de bons tradutores, uma vez que livros fundamentais foram escritos em outras línguas que não dominamos, às vezes faladas e escritas por poucos. O Brasil, que tem um bom mercado editorial para padrões de Terceiro Mundo, deve muito a seus tradutores, principalmente de línguas como o inglês, o francês, o alemão, o italiano e o espanhol. O autor mais traduzido do mundo é Lenin, um dos grandes teóricos do marxismo, líder da Revolução Russa de 1917 e fundador do Estado soviético. Até os anos 80, vários de seus livros estavam traduzidos para 2 330 línguas, superando Shakespeare, Tolstoi, Júlio Verne e Miguel de Cervantes. Como conjunto de obras o livro mais traduzido do mundo é a Bíblia. Como sua autoria é atribuída a Deus, já sabemos quem é o autor best-seller deste mundo, ainda que seus editores não lhe tenham pago os direitos autorais. Se fazem isso com Deus, o que não farão com os outros escritores! T R I B U N A: do latim tribuna, lugar de onde falava o tribuno, também chamado púlpito para defenderr os interessos do povo. Com o surgimento da imprensa, vários jornais adotaram o nome de tribuna em sua designação, com o fim de deixar claro que defendiam interesses populares e não de grupos hegemônicos. T U R B U L Ê N C I A: do latim turbulentia, turbulência, agitação. A turbulência nas viagens aéreas pode causar desconforto em tripulantes e passageiros. Porém, a mais temida e que tem trazido mais desassosego é a do mercado financeiro internacional, que tem afetado as bolsas do mundo inteiro e mexido nos bolsos, não apenas dos aplicadores, mas de todos os cidadãos, já que vivemos tempos de economia globalizada. No caso das turbulências atmosféricas, o vilão é infantil, El Niño. No das financeiras, são especuladores marmanjos, nas mãos dos quais o mundo inteiro vira um niño. Utilizando metáforas da aviação, autoridades econômicas mandaram o povo apertar os cintos. Mas talvez fosse mais recomendável fazer outras alterações, tais como mudar a rota ou substituir os pilotos. U L T R A P A S S A R: do latim ultra, além de, e passare, passar, significando transpor. Este verbo tem sua utilização mais freqüente no trânsito, nas ruas e nas estradas, e nas corridas de automóvel e de moto, significando passar à frente. A exmodelo, atriz e piloto Suzane Carvalho, campeã brasileira e sul-americana de Fórmula 3, circula com o seguinte adesivo na tampa do porta-malas de seu carro: Women are natural leaders. You’re following one now (Mulheres são líderes naturais. Você está seguindo uma agora). Em vez de reconhecer o óbvio, alguns machões tentam ultrapassá-la para contrariar as frases que acabaram de ler. U N Â N I M E: do latim unanime, de uma só alma. Concordância coletiva absoluta. Desconfiado destes juízos uniformes, o dramaturgo Nelson Rodrigues cunhou uma de suas frases mais memoráveis, “Toda unanimidade é burra”, valorizando a discordância numa sociedade democrática. Ironicamente, o dito foi obra de um escritor tido como reacionário quando vivo, confirmando que também sobre ele não havia unanimidade. U N I V E R S I D A D E: do latim universitate, universidade, designando instituição de ensino superior nascida nos finais do primeiro milênio e consolidada ao longo da História como lugar privilegiado, não apenas para a conservação e transmissão do conhecimento, mas também para sua produção em diversas áreas, mediante pesquisas diversas. As universidades nasceram à sombra da Igreja, mas ao correr da História, com a laicização do ensino e da pesquisa, o poder público fundou e manteve universidades que se transformaram em referenciais da ciência, da tecnologia, das humanidades e das artes em todo o mundo. Quase todos os países das Américas tiveram universidade ainda no século XVI. No Brasil nenhuma universidade é centenária. A mais antiga é a Universidade Federal do Paraná, com sede em Curitiba. U R G E N T E: do latim urgentia, urgência, aperto. Tanto pode designar atividade fisiológica inadiável – fazer xixi, por exemplo – como tarefas médicas, jurídicas, parlamentares. Os congressistas brasileiros, não satisfeitos com tantas hipérboles, criaram a expressão “urgência urgentíssima”, redundante, pleonástica e vazia. Nem assim conseguem que os colegas compareçam para votar questões dadas como urgentes desde os começos dos parlamentos. U T I L I D A D E: do latim utilitatis, qualidade do que pode ser usado. Em gíria das prisões designa a mulher que vai visitar o marido na cela. O famoso cangaceiro Antonio Manuel Batista de Morais Silvino, que integrou o bando de Lampião e é personagem da obra de José Lins do Rego, chamava sua companheira de ‘minha utilidade’. U T O P I A: do grego ou topos, utopia, lugar inexistente. Dá título a um famoso livro do escritor inglês Thomas Morus, que descreve um país imaginário onde o governo, bem organizado, provê excelentes condições de vida ao povo, que ali vive feliz. Menos os escravos, pois o piedoso escritor cristão esqueceu-se de alforriálos. Passou a designar projeto irrealizável. Outros escritores também construíram utopias, como o italiano Tomaso Campanella, em A Cidade do Sol; o inglês Francis Bacon, em New Atlantis; o norteamericano Edward Bellamy, em Looking Backward (2000-1887). As utopias dos ingleses George Orwell, 1984, e de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, são consideradas distopias, já que as sociedades ali apresentadas promovem todos os males. Também distopia vem do grego dys, mal, e topos, lugar, designando situação anormal de um organismo. Distopia é vocábulo mais usado em medicina. Ú V U L A: do latim uvula, pequena uva. Passou a designar no português a pequena massa carnosa posta em relevo à entrada da garganta, devido à semelhança que tem com um bago de uva. É também chamada de campainha. V A I D A D E: do latim vanitate, declinação de vanitas, futilidade, vaidade. Veio de vanus, vazio, chocho, que não contém nada. Ao contrário do orgulho, a vaidade é uma jactância sem motivo. Considerada uma das principais fraquezas femininas, recebeu na literatura, entretanto, uma aura de quase virtude, indicando cuidados de boa aparência e amor próprio que a mulher, mais do que o homem, teria. Com o segundo sentido, aparece no seguinte trecho de Confissões Prematuras, do escritor catarinense Salim Miguel: “Mulher ferida na vaidade é um perigo, a mágoa vem à tona”. V A L E N T I A: de valente, do latim valente, declinação de valens, que tem força, saúde. A saudação latina “vale” deseja saúde, significado que está presente também em saudar e saudação. Os primeiros registros de valente e valentia, já com o significado de corajoso e coragem, respectivamente, estão no C. B. N., sigla do Cancioneiro da Biblioteca Nacional, denominado Colocci-Brancutti antes que o casal de lexicógrafos Elza Paxeco Machado e José Pedro Machado organizassem o glossário, a leitura e os comentários. Pero da Ponte fez seu primeiro registro de valente e de valentia. De valentia diz: “Pois que vos Deus deu tamanha valentia de vos vingar...”. João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, romance repleto de indícios do português arcaico, mostra outro tipo de coragem, encoberta, quando Riobaldo, o narrador, conversa com cabras do Alto-Urucúia: “Eu apreciei aqueles homens. A valentia deles estava por dentro de muita seriedade. Urucuiano conversa com o peixe para vir no anzol – o povo diz. As lérias”. Mas diz que isso se compara a outro diz-que-diz-que: “Como contam também que nos Gerais goianos se salga o de-comer com suor de cavalo...Sei lá, sei? Um lugar conhece outro é por calúnias e falsos levantados; as pessoas também, nesta vida”. V A N T A G E M: do francês avantage, que no francês antigo era avantagem, qualidade de quem está na frente. Vários institutos de pesquisa de opinião utilizam metodologias capazes de descobrir, por meio de amostras significativas, quais as vantagens de um candidato sobre outro. Poucas vezes erraram. Uma das primeiras pesquisas de opinião foi feita por Pôncio Pilatos, que perguntou ao povo qual dos prisioneiros ele deveria libertar. Barrabás levou vantagem sobre Jesus Cristo. V A R A: do latim vara, vara, ramo fino, flexível, galho de madeira. Passou a designar instância judicial por analogia com o cetro, indicando poder de aplicar castigos, sendo os primitivos uma surra de vara, depois substituída pelo açoite, em que o couro e em seguida o arame foram amarrados à ponta de uma vara para aplicação das sentenças. Os magistrados romanos usavam a vara como insígnia nas vestes. A Inquisição instalou seus tribunais na Península Ibérica, onde estão Espanha e Portugal, ostentando as sentenças em varais semelhantes àqueles em que as lavadeiras estendiam as roupas para secar. V E D A R: do latim vetare, proibir. Em nossa língua consagrou-se a forma vetar para proibir, ao mesmo tempo em que a troca de consoante resultou numa variação com o significado de impedir, estancar, tal como aparece num trecho de Ecos de Paris, de Eça de Queiroz: “Palpava a ferida, vedava o sangue com os lenços emprestados pelos lacaios”. V E G E T A R I A N O: do francês végétarien, designando partidários da alimentação exclusivamente vegetal. Atualmente há restaurantes vegetarianos especializados ou que, desprezando a carne, toleram no máximo os chamados frutos do mar. O escritor, compositor e diplomata Vinicius de Moraes tratou das exclusões da carne nos pratos com muita verve: “Não comerei da alface a verde pétala/ nem da cenoura as hóstias desbotadas/ deixarei as pastagens às manadas/ e a quem mais aprouver fazer dieta/ Cajus hei de chupar, mangas-espadas/ talvez pouco elegantes para um poeta/ mas, peras e maçãs, deixo-as ao esteta/ que acredita no cromatismo das saladas/ não nasci ruminante como os bois/ nem como os coelhos, roedor, nasci/ onívoro: dêem-me feijão com arroz/ e bife e um queijo forte e parati/ e eu morrerei feliz do coração/ de ter vivido sem comer em vão”. V E L A D O: do latim velatu, coberto com véu, oculto. Freqüentemente utilizado em sentido metafórico, aparece no livro Argumentação e Interdiscursividade: o Sentido do ‘Como Se’ na Lei e na Jurisprudência – o Caso do Concubinato, da lingüista e professora da Universidade Federal de São Carlos, Soeli Maria Schreiber da Silva, definindo a relação amorosa tida por ilegítima: “À concubina se atribui a condição de amante, de mulher de encontros velados, freqüentada pelo homem casado, que convive ao mesmo tempo com a esposa legítima”. V E N C I M E N T O: de vencer, do latim vincere, vencer, ganhar, levar vantagem, com alteração da vogal temática de “e” para “i”, mais sufixo “mento”. Houve um panromânico invinge, presente em todas as línguas românicas, que resultou no latim vicnere, no italiano vincere, no provençal venser, no francês vaincre, todos com o significado de vencer. Vencimento não é entretanto sinônimo de vitória, mas de prazo para pagamento de obrigação e fim de contrato, tendo ainda o significado de salário. V E N D E R: do latim vendere, vender, trocar por dinheiro, mercadoria ou serviços por dinheiro. O resultado é chamado também de faturamento. No Brasil, a empresa que mais vende é uma estatal, a Petrobras, que teve uma receita operacional superior a 21 bilhões de dólares em 1995 e foi parar no Guiness book – o livro dos recordes. V E R A N E A R: de verão, do latim veranum, formaram-se no português vocábulos como veraneio e veranear, indicando atividades feitas durantes as férias de verão. Conquanto o divertimento seja dominante nessas temporadas, às vezes algo dá errado, conforme demonstram as estatísticas de socorro a vítimas de alpinismo na França no último verão: 1 120 ações de resgate, 796 feridos e 95 mortos. V E R D A D E: do latim veritate, declinação de veritas, verdade. Esta palavra aparece em momentos dramáticos da vida humana, quando é essencial descobrila – caso dos processos judiciais, das pesquisas científicas, dos conflitos amorosos. Entre as verdades inesquecíveis, há uma estátua com este nome, feita em mármore pelo famoso pintor, escultor e arquiteto italiano Gian Lorenzo Bernini, que teve, entretanto, recusados seus projetos para a fachada do Louvre. Parece fácil saber quem perdeu mais. Pôncio Pilatos, o procurador romano que estava no governo da Judéia, ao interrogar Jesus perguntou-lhe o que era a verdade. Dizem os Evangelhos que o prisioneiro calou-se. Mesmo declarado inocente, foi torturado e sentenciado à morte. São da escritora brasileira Cecília Meireles, descendente de portugueses da Ilha São Miguel, nos Açores, estes versos: “Sobre a mentira e a verdade/ desabam as mesmas penas/ apodrecem nas masmorras/ juntas, a culpa e a inocência”. V E S T I B U L A R: de vestíbulo, do latim vestibulum, espaço entre a rua e a entrada das casas e prédios, por onde se passa aos outros cômodos. Nos átrios ou portais das casas romanas havia pequenos altares dedicados à deusa Vesta, cujo nome serviu de origem remota ao vocábulo, onde eram recebidos os visitantes. O vestibular para a universidade tem o mesmo significado: fica na posição intermediária entre a conclusão do ensino secundário e o início do curso superior, no caso de aprovação nos exames. V I T O R I O S O: do latim victoriosu, vitorioso, vencedor. Entre os antigos gregos os vitoriosos na guerra tinham a proteção de Nike, a deusa da vitória, filha do gigante Palas e do Rio Estige, onde a mãe de Aquiles mergulhou seu filho, segurando-o pelo calcanhar, única parte do corpo que não foi molhada e por isso permaneceu vulnerável. Nos anos 1940 e 1950 deste século os EUA deram o nome de Nike a artefatos militares, como mísseis. Hoje, é uma das marcas de artigos esportivos mais conhecidas. E na segunda metade do século passado foi vitoriosa a classe média da Inglaterra, cujos usos e costumes influenciaram muito o mundo a partir do reinado da rainha Vitória I, a ponto de designar período histórico e estilo de móveis. V O C A Ç Ã O: do latim vocacione, declinação de vocatio, junção de vocare, chamar, e actio, ação de chamar. Consolidou-se na língua portuguesa como aptidão, destino, conjunto de afinidades complexas que levam uma pessoa a escolher determinada profissão ou modo de vida. Jesus diz nos Evangelhos que muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos. Nem Ele pôde discernir que escolhia um futuro traidor para integrar o grupo dos doze apóstolos, mas exegetas – intérpretes dos textos sagrados – asseguram que sabia, sim, mas não podia evitar seu próprio destino na História da Salvação. Uma estranha vocação aparece no filme Favela Rising, de Matt Mochary e Jeff Zimbalist, escolhido melhor documentário de 2005 pela IDA (International Documentary Association). Anderson Sá, vocalista do grupo Afroreggae e líder comunitário de Vigário Geral, periferia do Rio de Janeiro, foi indicado para receber a estatueta no Directors Guild of América, em Los Angeles, EUA. Numa das cenas, que tem lugar no alto do Morro do Cantagalo, Anderson pergunta ao menino Murilo, de dez anos: “O que você quer ser quando crescer?”. E ouve em resposta apressada: “Bandido”. Nos morros do Rio, o bandido é herói. Vilão é o policial. Esta guerra, a conquista das mentes das crianças, o tráfico já ganhou. X A V E C O: do árabe xabbak, barco para pescar com rede, muito utilizado pelos piratas do Mediterrâneo nos séculos XVIII e XIX. Por ser usado em ações criminosas, o barco veio a denominar comportamentos reprováveis, mas ganhou sentido que o redimiu ao designar a cantada, conjunto de palavras e gestos utilizados pelo homem para seduzir a mulher. Fabiano Rampazzo e Ismael de Araújo, em Xaveco, Câmera, Ação (Editora Matrix) fizeram uma antologia de xavecos memoráveis do cinema, entre os quais o de Al Pacino, na pele do poderoso chefão quando jovem, homiziado na Sicília, depois de alguns assassinatos em Nova York. O curioso é que, falando inglês, ele se serve de um tradutor, seu guarda-costas, e de um intermediário, o próprio pai da moça, para dizer que gosta de Apolônia e quer casar-se com ela. X E R E T A R: formado de cheirar, do latim vulgar flagare. Na linguagem coloquial ganhou o sentido de procurar com insistência, bisbilhotar, provavelmente a partir do convívio doméstico com os cães, que procuram cheirando, dado que neles o olfato é o mais apurado dos sentidos. Cheirar, antes da consolidação de xeretar, já era utilizado como metáfora de percepção, como aparece nesses versos de Estrela da Vida Inteira, de Manuel Bandeira: “Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta./ Cada sentido é um dom divino”. Seu livro de estréia foi Cinza das Horas, lançado em 1917, ao que se seguiu dois anos depois Carnaval. Outro título, Libertinagem, também lembra as festas da carne. Z A R P A R: do grego exarpázo, passando pelo latim exharpare, ambos com o significado de levantar âncoras. O italiano antigo tinha sarpare, hoje salpare. Foi do porto de Palos, aldeia da Espanha, que Colombo partiu a 3 de agosto de 1492 para descobrir a América 70 dias depois, quando a tripulação já estava amotinada, a ponto de executá-lo por sua loucura. O grande escritor estadunidense Mark Twain que descobriu a América do Norte para seus compatriotas, revelando seu folclore e as paisagens, principalmente do oeste, comentando o feito de Colombo, escreveu: “Foi admirável descobrir a América, mas teria sido mais admirável não encontrá-la”. Z E P E L I M: do nome de seu inventor, Ferdinand Zepellin, conde e industrial alemão, que construiu o primeiro aeróstato dirigível, fazendo-o voar pela primeira vez, em 1900. Com armação de alumínio, semelhava um grande charuto. Eram gigantescas máquinas de voar e o maior deles chegou a ter 245 metros de comprimento. Na década de 1930, mais de 52 mil alemães tinham voado num zepelim, mas depois que o Hindenburg incendiou-se momentos antes de aterrissar nos Estados Unidos, em 1937, sua produção entrou em declínio e ele desapareceu dos céus. Z E R O: do italiano zero, contração de zefiro, do latim zefiro, nome de um vento do Ocidente. Designando número, é historicamente tardio, e procede do árabe sifr, número vazio, que deu cifra no baixo latim, e cifra no português. O zero foi trazido para o Ocidente pelo matemático italiano Leonardo Fibonacci, também conhecido como Leonardo de Pisa, cuja obra mais importante, Livro do Ábaco, pouco tem a ver com o ábaco, sendo mais uma defesa da superioridade dos números arábicos sobre os romanos. Seu pai, um negociante, teve o cuidado de enviar o filho de Pisa para a África do Norte para aprender números com os árabes. Os indianos já trabalhavam com a noção de zero, depois adotada pelos árabes, por volta de 600 a.C. Z U M B I: do quimbundo nzumbi, duende. Designa fantasma que, segundo o sincretismo religioso de origem africana, vaga nas horas mortas da noite à procura do descanso que ainda não teve. Zumbi ou cazumbi aplica-se também à alma de animais domésticos como o cavalo e o boi. Deu nome ao mais famoso rebelde dos quilombos, o chefe negro Ganga Zumba, mais conhecido como Zumbi dos Palmares, cuja derrocada final, obra do bandeirante Domingos Jorge Velho, teve início a 23 de janeiro de 1694, resultando na morte de 500 negros e na prisão de 519. Os outros se dispersaram pelo sertão alagoano. http://www.encontromarcado.net/sec_indice.php