366 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 21, no. 3, Setembro, 1999 Aspectos Contempor^aneos da Termodin^amica Jose Maria Filardo Bassalo Departamento de Fsica da UFPA, 66075-900 - Belem, Para e-mail: [email protected] Mauro Sergio Dorsa Cattani Instituto de Fsica da USP, C.P.66318, 05389-970, S~ao Paulo, SP e-mail: [email protected] Recebido em 14 de junho, 1998 Neste artigo, vamos desenvolver as quatro Leis da Termodin^amica usando a tecnica matematica das formas diferenciais exteriores. In this paper the four Laws of Thermodynamics will be formulated using the mathematical approach of the dierential exterior forms. I Introduc~ao Via de regra, os livros textos que estudam a Termodin^amica[1,3] apresentam a troca de calor elementar que ocorre numa transformac~ao realizada por um sistema termodin^amico, com uma notaca~o diferente do Calculo Elementar, isto e, usam, por exemplo, Q, ao inves de dQ. Essa notac~ao e usada para chamar a atenc~ao do leitor de que a troca de calor elementar n~ao e uma diferencial exata e, portanto, sua integral ao longo de um caminho fechado n~ao e nula: H C Q 6= 0. Essa diferenca, aparentemente insignicante, entre dQ e Q, decorre do fato de que Q e uma forma diferencial exterior que n~ao e exata. Assim, nesse artigo, vamos desenvolver as Leis da Termodin^amica usando apenas o aspecto operacional do Calculo (Diferenciac~ao e Integrac~ao) Exterior envolvendo esse tipo de forma, sem contudo, apresentar um estudo mais profundo da relac~ao conceitual entre as formas diferenciais e as variaveis termodin^amicas. Esse estudo pode ser visto, por exemplo, no volume 2 do excelente livro, de P. Bamberg e S. Sternberg,[4] cuja leitura, alias, nos inspirou a escrever este artigo. Para que o leitor possa acompanhar as operac~oes do Calculo Exterior, cujos primeiros estudos foram feitos pelo matematico franc^es E lie Cartan (1869-1951), na decada de 1920, os seus principais resultados s~ao apresentados no Ap^endice, encontrado no nal do texto. II Leis da termodin^amica II.1 Lei Zero da Termodin^amica Denic~ao 1.2.1: Um sistema termodin^amico, uma parte isolada do Universo que e objeto de estudo, e ca- racterizado por par^ametros termodin^amicos que s~ao quantidades macroscopicas (Xi ) medidas experimentalmente. Um conjunto desses par^ametros dene um estado termodin^amico representado por uma funca~o f, satisfazendo a equaca~o: f (Xi ) = 0, i= 1, 2, ..., n. Observac~oes ( Equac~ao de Estado) 1. A menos que seja especicado ao contrario, um estado termodin^amico representa sempre um estado de equilbrio, ou seja, um estado que n~ao muda com o tempo. Na descric~ao de cada um desses estados ha certas func~oes que representam um papel importante e que se denominam variaveis de congurac~ao. O conjunto de estados de equilbrio de um sistema tem a estrutura de uma variedade diferenciavel M de um espaco vetorial de dimens~ao nita, e as variaveis de conguraca~o representam um sistema de coordenadas locais desse espaco. Essas variaveis s~ao de dois tipos: extensivas e intensivas ( Xk , Yk ; k = 1; 2; :::; m) e sempre aparecem aos pares. As primeiras dependem ou s~ao proporcionais a um fator de escala global do sistema; as segundas n~ao dependem, e s~ao do tipo mec^anico, ou seja, n~ao est~ao associadas a trocas de temperatura e nem de calor. 1.1. No caso de um gas, as variaveis de congurac~ao s~ao: press~ao P (intensiva), volume V (extensiva), e temperatura T (intensiva). 1.2. Costuma-se representar a equac~ao de estado termodin^amico de um gas - a func~ao f(P; V; T) - por uma superfcie (variedade) no espaco tridimensional: P , V , T. A projec~ao dessa superfcie nos planos coordenados (P , V ), ( P , T) e (V , T ) d~ao, respectivamente, os seguintes diagramas: diagrama P-V, diagrama P-T e diagrama V-T. J. M. F. Bassalo e M. S. D. Cattani 367 1.3. Para um gas ideal, a equac~ao de estado foi obtida pelo fsico franc^es Emile Clapeyron (1799-1864), em 1834, conhecida como a equac~ao de Clapeyron: P V = n R T; (1:2:1:1) onde R = 8,315 joule/(mol Kelvin) e a constante universal dos gases e n e o numero de moles. 2. Quando ha mudancas nas condic~oes externas de um estado termodin^amico, devido a interac~ao do sistema com o resto do Universo, diz-se que o mesmo sofreu uma transformac~ao. Esta e dita quasi-estatica quando ela ocorre lentamente de modo que em qualquer instante o sistema pode ser considerado aproximadamente em equilbrio. Ela e dita reversvel se o sistema retrocede quando as condic~oes externas tambem retrocederem. Enquanto toda transformaca~o reversvel e quasi-estatica, a situac~ao inversa nem sempre e verdadeira. As trajetorias ,(t) seguidas pelo estado termodin^amico numa transformac~ao (quasi) reversvel recebem nomes especcos, como isotermicas (T = constante), isobaricas (P = constante), isovolumetricas ou isometricas (V = constante), adiabaticas (troca de calor constante) etc. Existe uma forma especial de interaca~o entre dois sistemas, chamada contacto termico, na qual os estados de equilbrio do sistema combinado deles constituem um subconjunto de um conjunto de pares de estados de equilbrio dos sistemas iniciais. Por exemplo, se p1 e o estado de equilbrio do primeiro sistema e p2 o do segundo, quando os dois sistemas s~ao levados a um contacto termico os mesmos tender~ao a um estado de equilbrio (q1, q2), onde q1 e um novo estado de equilbrio do primeiro sistema e q2 do segundo. Desse modo, diz-se que os dois sistemas est~ao em equilbrio termico. Em 1909, o matematico alem~ao Constantin Caratheodory (1873-1950) apresentou um conceito matematico para a temperatura ao desenvolver o seguinte raciocnio. E um fato experimental que se dois corpos est~ao em equilbrio termico deve existir uma relac~ao entre seus par^ametros termodin^amicos. Portanto, se os corpos 1 e 2 est~ao em equilbrio termico, assim como os corpos 2 e 3, ent~ao 1 e 3 tambem dever~ao estar em equilbrio termico. Desse fato, Caratheodory concluiu que existe uma temperatura emprica que e a mesma para todos os corpos em equilbrio termico. Em outras palavras, isso signica dizer que a classe de equival^encia de todos os sistemas em equilbrio termico e chamada temperatura abstrata, e o sistema escolhido que da o valor numerico da mesma e chamado term^ometro. Esse postulado de Caratheodory foi mais tarde reconhecido como a Lei Zero da Termodin^amica: Dois sistemas em equilbrio termico com um terceiro est~ao em equilbrio termico entre si. Observac~ao A Lei Zero da Termodin^amica prop~oe a temperatura como uma variavel intensiva (Y0 = T), porem de carater n~ao mec^anico, isto e, n~ao esta associada a priori com outra variavel extensiva. II.2 Primeira Lei da Termodin^amica E oportuno chamar a atenc~ao do leitor que, conforme dissemos na Introduc~ao, usaremos apenas o aspecto operacional das formas diferenciais denidas a seguir. Um estudo mais detalhado sobre as relac~oes conceituais entre as mesmas e as variaveis termodin^amicas pode ser visto em Bamberg e Sternberg,[4] conforme ja dissemos. Denic~ao 1.2.2: Dene-se o trabalho elementar ! realizado por um sistema termodin^amico como a 1forma diferencial linear, dada por: ! = Y1 dX1 + ::: + Ym dXm ; (1:2:2:2a) onde (Yi , Xi ) forma o par associado entre variaveis intensivas e extensivas. Registre-se que n~ao inclumos na express~ao acima o termo Y0 dXO , uma vez que a temperatura (Y0 ) n~ao esta associada a nenhum trabalho mec^anico e, portanto, conforme dissemos anteriormente, n~ao existe nenhuma variavel extensiva a priori a ela associada. O trabalho total W realizado por um sistema ao longo de qualquer curva (quasi) reversvel e dado, aproximadamente, por: W() = Observac~oes Z !: (1:2:2:2b) 1. No caso de o sistema termodin^amico ser um gas, teremos: ! = P dV; (1:2:2:2c; d) onde o sinal mais (+) refere-se ao trabalho realizado pelo gas, e o sinal menos (-), sobre o gas. 2. Experimentalmente, observa-se que o trabalho realizado por (ou sobre) um sistema termodin^amico depende do tipo de transformac~ao. Portanto, para um ciclo, teremos: H ! 6= 0. Por outro lado, usando-se o Teorema de Stokes Generalizado (T.1.1) na express~ao acima, teremos: H R ! = d ! 6= 0 ! d ! 6= 0. Denic~ao 1.2.3: Dene-se a quantidade de calor elementar, ou simplesmente calor elementar adicionado ou retirado a um sistema termodin^amico, como a 1-forma diferencial linear, dada por: = dX + C dY; (1:2:2:1a) onde e C s~ao func~oes denidas na variedade M dos estados de equilbrio e X, Y s~ao as variaveis (extensiva e intensiva) de congurac~ao. O calor total Q adicionado ou retirado por um sistema, que esta isolado 368 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 21, no. 3, Setembro, 1999 termicamente (adiabatico), ao longo de qualquer curva (quasi) reversvel (processo quasi-estatico) e dado, aproximadamente, por: Q() = Observac~oes Z : (1:2:2:1b) 1. Para um gas, considerando-se as variaveis de congurac~ao V, T ou P, T, teremos, respectivamente: = V dV + CV dT; (1:2:2:2c) = P dP + CP dT: (1:2:2:2d) 1.1. Ate a metade do Seculo XIX, pensava-se que o calor fosse uma forma fechada, isto e, acreditava-se que existia uma func~ao C, chamada calorico, representando o \total de calor em um sistema" tal que: = dC. ddC = 0 [Lema de Poincare (A.3.1c)] ! d = 0 Acreditava-se, portanto, que o \calorico" em um sistema seria alterado pela quantidade de calor adicionada ao mesmo. Tal crenca levou a uma confus~ao entre os conceitos de \calor" e \temperatura". Assim, os partidarios da teoria do \calorico" supunham que a temperatura de um corpo \reetia o total de calor que ele continha". Essa mesma crenca levou-os a apresentar o conceito de \calor latente". Com efeito, de um modo geral, quando se adiciona calor a um corpo ele aumenta a sua temperatura. No entanto, existem situaco~es em que o calor adicionado apenas aumenta o volume ou altera a press~ao do sistema considerado, mantendo a temperatura constante, como acontece, por exemplo, na fus~ao do gelo e na vaporizaca~o da agua. Parecia, portanto, que o calor estava \latente" ou \escondido". Em vista disso, historicamente, as func~oes V e P representam, respectivamente, o calor latente de dilataca~o (relativo ao volume) e o calor latente de compress~ao (relativo a press~ao). Registre-se que o calorico foi proposto pelo qumico franc^es Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), em 1777. 1.2. As func~oes CV e CP representam, respectivamente, a capacidade calorca a volume constante e a capacidade calorca a press~ao constante. Quando a capacidade calorca e referida a unidade de massa ou a de mol, ela se denomina calor especco c. Essas funco~es s~ao ligadas por uma express~ao obtida pelo medico alem~ao Julius Robert Mayer (1814-1878), em 1842, conhecida como Relac~ao de Mayer, valida para um gas perfeito: CP , CV = n R: (1:2:2:3) 1.3. Experimentalmente, observa-se que o calor total de um sistema depende do tipo de transformac~ao. Portanto, para um ciclo, teremos: Q() = I 6= 0 () d 6= 0: Esse resultado mostra que e uma forma n~ao fechada. 2. Um reservatorio de calor, ou simplesmente reservatorio, e um sistema t~ao grande que o ganho ou a perda de uma certa quantidade de calor n~ao muda sua temperatura. 3. Um sistema e dito isolado termicamente se n~ao ha nenhuma troca de calor entre ele e o ambiente externo. O isolamento termico de um sistema pode ser conseguido envolvendo-o por uma parede adiabatica. Assim, qualquer transformac~ao sofrida por um sistema isolado termicamente e dita transformac~ao adiabatica. Em nosso mundo cotidiano, o isolamento termico e aproximadamente conseguido por uma garrafa de Dewar ou garrafa termica e, tambem, pelo isopor. Ate aqui, vimos que as 1-formas ! e n~ao s~ao fechadas. Contudo, experimentalmente, observou-se que a sua soma e fechada, isto e: d(! + ) = 0. Em vista do Lema de Poincare [(A.3.1c)], a express~ao acima pode ser escrita na forma [usando-se a express~ao (1.2.2.1a)]: ! + = dU ! dU , Y1 dX1 , ::: , Ym dXm , = 0; (1:2:2:4a) onde U e uma func~ao bem denida sobre um sistema termodin^amico (determinada a menos de uma constante aditiva) conhecida como energia interna. Assim, a Primeira Lei da Termodin^amica estabelece a exist^encia de uma variavel extensiva de estado e, portanto, o estado termodin^amico ca totalmente determinado pelas variaveis (Xk , Yk , T; U). Agora, consideremos um sistema termodin^amico que sofre um determinado processo de transformac~ao que o leva de um estado (1) a um outro estado (2). Ent~ao, as express~oes (1.2.2.1b), (1.2.2.2b), (1.2.2.4a) e o Teorema Fundamental do Calculo nos mostram que: Z ! + Z = Z 2 1 dU ! U(2) , U(1) , W = Q; (1:2:2:4b) onde Q representa o calor total fornecido ao sistema pelo processo e W o trabalho total realizado pelo sistema em decorr^encia desse mesmo processo. Contudo, enquanto Q e W dependem do mecanismo como o sistema e levado do estado (1) ao estado (2), a express~ao J. M. F. Bassalo e M. S. D. Cattani (1.2.2.4b) mostra que a variavel de estado U n~ao depende daquele mecanismo. Esse resultado traduz a Primeira Lei da Termodin^amica: O conteudo de calor de um sistema termodin^amico pode ser mudado. Observac~oes 1. A express~ao (1.2.2.4b) mostra que o calor Q e uma grandeza fsica derivada e n~ao fundamental, conforme salienta Bamberg e Sternberg,[4] uma vez que ela e calculada pela diferenca entre a energia interna (U) e o trabalho ( W). Contudo, historicamente, o calor Q foi estudado como uma grandeza fundamental nas celebres experi^encias realizadas por Mayer, pelo fsico ingl^es James Prescott Joule (1818-1889) e pelo fsico e siologista alem~ao Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821-1894), na decada de 1840, para a determinac~ao do equivalente mec^anico do calor J. Com efeito, nessas experi^encias, eles estudaram o comportamento adiabatico (Q = 0) de um sistema quando recebe uma quantidade externa de trabalho. Assim, tomando-se Q = 0 na express~ao (1.2.2.4b), resultara: W = U(2) , U(1): Esse resultado signica dizer que se um sistema isolado termicamente e levado de um estado (1) a um outro estado (2) por aplicac~ao de um trabalho externo, o total desse trabalho e sempre o mesmo n~ao importa como esse trabalho foi aplicado. Recordemos que Joule estudou a produc~ao de calor pela passagem da corrente eletrica em um o condutor, assim como pela agitac~ao da agua colocada em um recipiente, por intermedio de pas acionadas por um peso suspenso em uma corda que passava por uma polia. Como resultado de suas pesquisas, Joule constatou que: \A quantidade de calor capaz de aumentar a temperatura de uma libra de agua de 1o F e equivalente a forca mec^anica representada pela queda de 772 libras pelo espaco de um pe." 2. Quando um gas recebe uma certa quantidade de calor ( > 0), e realizado um certo trabalho ! sobre o mesmo, provocando uma variac~ao de sua energia interna U. Portanto, de acordo com as express~oes (1.2.2.1d) e (1.2.2.4a), para esse sistema termodin^amico, a Primeira Lei da Termodin^amica e escrita na forma: = P dV + dU: (1:2:2:4c) A express~ao acima pode ser interpretada como uma relac~ao entre varias 1-formas em uma variedade bidimensional cujas coordenadas s~ao (V; U), sobre a qual a equac~ao de estado, func~ao P = P (V; U), e denida. 2.1. Uma equac~ao de estado se representa por um sistema de equac~oes: fj (Xk ; Y0 ; Yk ) = 0: (1:2:2:4d) onde k = 1, 2, ..., m; j = 1, 2, ..., r < 2m. 3. Sabemos, experimentalmente, que a 1-forma n~ao e fechada, ou seja: d 6= 0. Contudo, vejamos a 369 condica~o para que a mesma fosse fechada. Para isso, procuremos uma 1-forma Q, dada pela express~ao Q = P dV + dU; tal que dQ = 0. Portanto, usando-se a express~ao acima, o fato de que P = P (V; U) e a denic~ao A.3, teremos: dQ = 0 = dP ^ dV + ddU = @P ) dV + ( @P ) dU] ^ dV ! = [( @V U @U V @P ) dU ^ dV ! ( @P ) = 0: 0 = ( @U V @U V Portanto, para que Q fosse fechada e necessario que ( @P @U )V seja sempre nulo, o que, contudo, ainda n~ao foi observado para nenhum gas.[4] 3.1. A notac~ao ( @P @U )V usada acima para representar uma derivada parcial pode parecer redundante, uma vez que as demais variaveis permanecem constantes. Desse modo, ela deve ser interpretada da seguinte maneira. Seja uma forma diferencial exata no Rn, ou seja: n X @f ): df = Ai dxi; (Ai = @x i i=1 Agora, considere uma superfcie N (variedade) descrita pela equac~ao h(xi ) = 0 (i = 1, 2, ... ) tal que rh 6= 0 para todo ponto p que satisfaca h(p) = 0. Ent~ao df jN e uma forma diferencial em N, e tambem exata. O sistema linear n~ao-homog^eneo: n n @h X X Ai dxi = df; ( ) dxi = 0; i=1 i=1 @xi pode resolver-se para, por exemplo, dxi : df jN = n X i=2 Bi dxi ; @f ) Bi = ( @x x ; :::; x^i ; :::; xn ; i 2 onde x^i signica que tal variavel se omite. O argumento se generaliza para r equac~oes.[5] 1.2.2.1 Aplicac~oes da 1a. Lei da Termodin^amica 1. Capacidades Calorcas: CV ; CP . Para denir essas grandezas usando-se os resultados anteriores, consideremos a energia interna U denida em uma variedade bidimensional cujas coordenadas s~ao (V; T ). Ent~ao @U dU = ( @U @V )T dV + ( @T )V dT: Levando-se a express~ao acima na express~ao (2.2.4c), teremos @U ) dV + ( @U ) dT = = P dV + ( @V T @T V 370 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 21, no. 3, Setembro, 1999 @U = ( @U @T )V dT + [( @V )T + p] dV: Para o caso de uma transformaca~o em que o volume V permaneca constante, obtem-se que ()V = ( @U @T )V dT: Comparando-se a express~ao acima com a express~ao (1.2.2.2c) e usando-se a express~ao (1.2.2.4c), verica-se que ()V = CV dT = ( @U @T )V dT ! CV = ( @U (1:2:2:5a) @T )V ()V = dU ! dU = CV dT (1:2:2:5b) Consideremos, agora, a energia interna U denida em uma variedade bidimensional cujas coordenadas s~ao (P; T). Ent~ao @U ) dP + ( @U ) dT: dU = ( @P T @T P Levando-se a express~ao acima na express~ao (1.2.2.4c), teremos: @U = P dV + ( @U @P )T dP + ( @T )P dT: Para o caso de uma transformac~ao em que a press~ao P permaneca constante, vira: ()P = P dV + ( @U @T )P dT: Diferenciando-se a express~ao (1.2.1.1), no caso em que a press~ao P e constante, substituindo-se na express~ao acima e usando-se a transformada de Legendre: P dV = n R dT , V dP; vira: c @U ()P = n R dT + ( @U @T )P dT = [n R + ( @T )P ] dT: d Comparando-se a express~ao acima com a express~ao (1.2.2.2d) e usando-se a express~ao (1.2.2.3), verica-se que ()P = CP dT = (n R + CV ) dT = [nR + ( @U @T )P ] dT ! (1:2:2:6a) CV = ( @U @T )P Usando-se a express~ao (1.2.2.5a) obtem-se: @U CV = ( @U (1:2:2:6b) @T )V = ( @T )P E oportuno registrar que esse resultado indica que a energia interna U de um gas ideal so depende da temperatura: U = U(T ). Ele foi obtido experimentalmente por Joule, em uma das experi^encias que realizou para a determinac~ao do equivalente mec^anico da caloria, conhecida como a expans~ao livre de um gas. Nessa experi^encia, ele mergulhou dois recipientes, ligados por uma valvula, um evacuado e o outro contendo ar a uma press~ao de 20 atm, num calormetro pequeno, contendo o mnimo possvel de agua e isolado termicamente. Apos medir a temperatura inicial (Ti ) da agua, Joule abriu a valvula, produzindo a expans~ao livre do ar, e tornou a medir a temperatura nal (Tf ) da agua. Ele observou que n~ao houve nenhuma variac~ao da temperatura, ou seja T = Tf , Ti = 0: Ora, como a expans~ao do ar foi livre, ele n~ao realizou nenhum trabalho externo, ou seja: P dV = 0: Portanto, considerando-se que o calormetro estava isolado adiabaticamente ( = 0), a express~ao (1.2.2.4c) nos mostra que c dU = 0 to U = constante, nas transformaco~es isotermicas. d J. M. F. Bassalo e M. S. D. Cattani 371 Essa mesma conclus~ao sobre a depend^encia U(T) foi obtida por Joule e pelo fsico ingl^es William Thomson (1824-1907), posteriormente Lord Kelvin (1892), em uma experi^encia que realizaram, em 1862, conhecida como experi^encia do tamp~ao poroso. Nessa experi^encia, a expans~ao livre usada por Joule e substituda por uma expans~ao de um gas, tambem adiabatica, atraves de uma parede porosa (tamp~ao), que reduz a press~ao do gas. Assim, inicialmente, o gas tem um volume Vi e uma press~ao Pi ; depois da expans~ao ele passa a ter um volume Vf e uma press~ao Pf . Desse modo, o trabalho total (W) realizado nessa expans~ao sera: W = Pi(0 , Vi ) + Pf (Vf , 0) = Pf Vf , PiVi : Desse modo, considerando-se que a expans~ao e adiabatica ( = 0), a express~ao (1.2.2.4c) nos mostra que a variac~ao da energia interna ocorrida na expans~ao porosa e dada por: Uf , Ui = , W = Pi Vi , Pf Vf ! Ui + Pi Vi = Uf + Pf Vf = constante: Essa func~ao foi denida pelo fsico-qumico norteamericano Josiah Williard Gibbs (1839-1903), em 1875, e denominada \func~ao calor sob press~ao constante", e representa a troca de calor nas reac~oes qumicas. Seu conceito como uma func~ao de estado foi introduzido pelo fsico-qumico alem~ao Richard Mollier (1863-1935), em 1902, e o nome entalpia H para essa func~ao foi cunhado pelo fsico holand^es Heike Kamerlingh-Onnes (1853-1926; PNF, 1913). Assim: H = U + P V: (1:2:2:7a) Diferenciando-se a express~ao acima e usando-se as express~oes (1.2.1.1), (1.2.2.3) e (1.2.2.5b), resultara: c dH = dU + d(PV ) = dU + d(n R T) = CV dT + n R dT = = (CV + n R) dT ! dH = CP dT: (1:2:2:7b) d 2. Calores Latentes: V ; P . Consideremos a energia interna U denida em uma variedade bidimensional cujas coordenadas s~ao (V; T). Ent~ao @U ) dV + ( @U ) dT: dU = ( @V T @T V Levando-se a express~ao acima na express~ao (1.2.2.4c), teremos @U ) dV + ( @U ) dT = = P dV + ( @V T @T V @U = ( @U @T )V dT + [( @V )T + p] dV: Para o caso de uma transformac~ao em que a temperatura T permaneca constante, podemos escrever @U ) + p] dV: ()T = [( @V T Comparando-se a express~ao acima com a express~ao (1.2.2.2c), teremos @U ) + p] dV ! ()T = V dV = [( @V T V = ( @U (1:2:2:8a) @V )T + P Consideremos, agora, a energia interna U denida em uma variedade bidimensional cujas coordenadas s~ao (P; T). Ent~ao @U ) dP + ( @U ) dT: dU = ( @P T @T P Levando-se a express~ao acima na express~ao (1.2.2.4c), teremos @U ) dP + ( @U ) dT: = P dV + ( @P T @T P Diferenciando-se a express~ao (1.2.1.1) substituindo-se na express~ao acima, teremos e @U ) dP + ( @U ) dT = = n R dT , V dP + ( @P T @T P @U = [n R + ( @U @T )P ] dT + [( @P )T , V ] dP: Para o caso de uma transformac~ao em que a temperatura T permaneca constante podemos escrever ()T = [( @U @P )T , V ] dP: Comparando-se a express~ao acima com a express~ao (1.2.2.2d), teremos ()T = P dP = [( @U @P )T , V ] dP ! @U ) , V P = ( @P T (1:2:2:8b) 372 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 21, no. 3, Setembro, 1999 3. Teorema de Reech: = CCVP . Diferenciando-se a express~ao (1.2.1.1), obtem-se P dV + V dP = n R dT = PTV dT ! dV + dP = dT : (1:2:2:9a) V P T Para uma transformac~ao isotermica (T = constante), teremos dP ) = , P : ( dV (1:2:2:9b) T V Essa equac~ao diferencial representa a transformac~ao isotermica. Para uma transformac~ao adiabatica ( = 0), as express~oes (1.2.1.1), (1.2.2.3), (1.2.2.4c) e (1.2.2.5b) nos mostram que: 0 = dU + P dV = CV dT + n R T dV V = = CV dT + (CP , CV ) T dV V ! dT = , ( CP , CV ) dV = , ( , 1) dV T C V V V Usando-se a express~ao (1.2.2.9a), vira: dV + dP = , ( , 1) dV ! V P V dP ) = , P : ( dV (1:2:2:9c) V Essa equac~ao diferencial representa a transformac~ao adiabatica. Dividindo-se as equac~oes (1.2.2.9c) e (1.2.2.9b), teremos o teorema demonstrado pelo engenheiro naval franc^es Ferdinand Reech (1805-1884), em 1844, conhecido como Teorema de Reech: dP dV ) : (1:2:2:10) = ( dP ( dV )T Esse teorema signica que e obtido pela relac~ao entre os coecientes angulares das transformac~oes adiabatica e isotermica que passam em um mesmo ponto, no diagrama (P-V). 3.1. Esse teorema resolveu uma quest~ao que cou pol^emica por muito tempo, qual seja, a do calculo da velocidade do som no ar. O fsico e matematico ingl^es Sir Isaac Newton (1642-1727), em 1687, havia armado que a velocidade do som c era dada por: m P c2 = ( dP d )T ; = V ; = P V = constante. No entanto, durante mais de 100 anos, o valor experimental calculado para c era cerca de 15% maior que o dado pela formula de Newton. Foi o matematico franc^es Pierre Simon, Marqu^es de Laplace (1749-1827) quem, em 1816, corrigiu esse erro ao mostrar que a propagac~ao do som no ar e um processo adiabatico e n~ao isotermico, como considerou Newton e, portanto, o valor de c2 que ele encontrara deveria ser multiplicado por , ou seja: dP c2 = ( dP d ) = ( d )T : Esse resultado concordou com a experi^encia, pois para o ar temos: p = p1; 4 ' 1,18. 1.2.3 Segunda Lei da Termodin^amica Em 1824, o fsico franc^es Nicolas Sadi Carnot (17961832) prop^os uma maquina de calor (maquina ideal, sem atrito), que realiza um ciclo completo, de modo que a subst^ancia usada - vapor, gas ou outra qualquer - e levada de volta a seu estado inicial. Esse ciclo completo, reversvel,[6] mais tarde denominado de ciclo de Carnot, e composto de duas transformac~oes isotermicas e duas adiabaticas, da seguinte maneira. Inicialmente, o gas (ideal) encontra-se em um estado caracterizado por ( P1, V1 , T1 ). Ele ent~ao e expandido isotermicamente ate o estado (P2 , V2, T1 ), ao receber a quantidade de calor (Q1 > 0) do exterior. Em seguida, ele e expandido adiabaticamente ate o estado (P3, V3, T2 ), sem troca de calor com o exterior. A partir da, ele e comprimido. Primeiro, isotermicamente, levando-o ao estado ( P4, V4 , T2 ), ocasi~ao em que ele fornece a quantidade de calor (Q2 < 0) ao exterior e, nalmente, o ciclo e completado com uma compress~ao adiabatica que o leva ao estado inicial (P1 , V1 , T1 ), sem troca de calor. Ora, como nas transformac~oes isotermicas a energia interna e conservada, segundo as express~oes (1.2.1.1), (1.2.2.2b) e (1.2.2.4c), teremos: Q1 = = n R T1 Z 2 1 1 P1 dV = dV = n R T `n V2 1 V V1 Q2 = Z 4 Z 2 Z 4 3 (1:2:3:1a) P3 dV = dV = n R T `n V4 (1:2:3:1b) 2 V3 3 V Como as transformaco~es (2 ! 3) e (4 ! 1) s~ao adiabaticas, usando-se as express~oes (1.2.1.1) e (1.2.2.9b), vira: dP = , P ! `n (P V ) = constante ! dV V T V , 1 = constante T1 V2 , 1 = T2 V3 , 1 ; T2 V4 , 1 = T1 V1 , 1 ( VV2 ) ,1 = ( VV3 ) , 1 ! VV2 = VV3 (1:2:3:2) 1 4 1 4 = n R T2 J. M. F. Bassalo e M. S. D. Cattani O rendimento de uma maquina ideal que realiza esse ciclo reversvel e (lembrar que Q2 < 0) = Q1Q+ Q2 : (1:2:3:4a) 1 Assim, usando-se as express~oes (1.2.3.1a), (1.2.3.1b) e (1.2.3.2), a express~ao (1.2.3.4a) tornar-se = n R T1 `n VV21 , n R T2 `n VV43 ! n R T1 `n VV21 = T1 T, T2 ! = 1 , TT2 : (1:2:3:4b) 1 1 Por outro lado, temos Q2 j : (1:2:3:4c) = Q1 ,Qj Q2 j ! = 1 , j Q 1 1 Comparando-se as express~oes (1.2.3.4b) e (1.2.3.4c), obtemos Q1 + Q2 = 0: (1:2:3:5) T1 T2 E oportuno observar que esse rendimento identicase com a pot^encia motriz do fogo referida por Carnot, conforme pode-se concluir de suas palavras \A pot^encia motriz do fogo (calor) e independente dos agentes empregados para produzi-la; sua quantidade e determinada somente pelas temperaturas dos corpos entre os quais, no resultado nal, ocorre a transfer^encia do calorico." O estudo do ciclo de Carnot visto acima mostra que para uma certa quantidade de calor ser convertida em trabalho ha necessidade de haver duas fontes: uma quente e uma fria. Para que esse calor fosse convertido integralmente em trabalho, a fonte fria n~ao deveria existir, ou seja, sua temperatura deveria ser nula. Foi isso que Kelvin armou em 1851: \ E impossvel realizar um processo (cclico) cujo unico efeito seja remover calor de um reservatorio termico e produzir uma quantidade equivalente de trabalho." As consequ^encias imediatas desse enunciado de Kelvin s~ao as seguintes: a) A gerac~ao de calor por atrito a partir de trabalho mec^anico e irreversvel. b) A expans~ao livre de um gas e um processo irreversvel. Um outro tipo de processo irreversvel foi estudado pelo fsico alem~ao Rudolf Julius Emmanuel Clausius (1822-1888). Assim, em 1850, ele armou que: \E impossvel realizar um processo (cclico) cujo unico efeito seja transferir calor de um corpo mais frio para um corpo mais quente." Observe-se que, mais tarde, com o desenvolvimento da Termodin^amica, mostrou-se que os enunciados de Clausius e de Kelvin s~ao equivalentes e, hoje, s~ao traduzidos pelo Teorema de Carnot: 373 a) Nenhuma maquina termica que opere entre uma dada fonte quente e uma dada fonte fria pode ter rendimento superior ao de uma maquina de Carnot: I R . b) Todas as maquinas de Carnot que operem entre duas fontes (quente e fria) ter~ao o mesmo rendimento: R = R . Em 1854, Clausius comecou a pensar que a transformac~ao de calor em trabalho e a transformaca~o de calor em alta temperatura para calor em baixa temperatura poderiam ser equivalentes. Desse modo, Clausius introduziu o conceito de valor de equival^encia de uma transformaca~o termica, que era medido pela relaca~o entre a quantidade de calor (Q) e a temperatura (T) na qual ocorre a transformac~ao. Por intermedio desse conceito fsico, Clausius p^ode ent~ao fazer a distinca~o entre processos reversveis e irreversveis. Assim, assumindo arbitrariamente que a transformac~ao de calor de um corpo quente para um frio tenha um valor de equival^encia positivo, apresentou uma nova vers~ao para o seu enunciado de 1850: 0 \A soma algebrica de todas as transformac~oes ocorrendo em um processo circular somente pode ser positiva." Em 1865, Clausius prop^os o termo entropia (do grego, que signica transformac~ao), denotando-o por S, em lugar do termo valor de equival^encia, que havia usado em 1854. Portanto, retomando suas ideias sobre esse novo conceito fsico, considerou um ciclo qualquer como constitudo de uma sucess~ao de ciclos innitesimais de Carnot e chegou ao celebre Teorema de Clausius. Em notaca~o atual, usando-se a express~ao (1.2.3.1), esse teorema e escrito na forma: Q1 + Q2 + ::: + Qi + ::: = T1 T2 Ti I I (1:2:3:6) = Q T = dS 0; onde o sinal de menor (<) ocorre para as transformac~oes irreversveis e o de igualdade (=), para as reversveis. Ate aqui, apresentamos o desenvolvimento historico-emprico da Segunda Lei da Termodin^amica. Agora, vejamos como essa lei foi tratada formalmente, via formas diferenciais exteriores, gracas aos trabalhos pioneiros de Caratheodory, referido anteriormente, e do fsico alem~ao Max Born (1882-1970; PNF, 1954), em 1921. Em 1909, Caratheodory demonstrou o seguinte teorema: Seja uma forma diferencial linear com a propriedade de que para qualquer ponto arbitrario P existem pontos Q, arbitrariamente proximos de P, que n~ao podem ser ligados a P por intermedio de curvas nulas de .[7] Ent~ao, localmente, existem func~oes f e g, tais que = f dg: (1:2:3:7) 374 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 21, no. 3, Setembro, 1999 Essa express~ao, contudo, n~ao determina f e g completamente. Esse teorema permitiu ao proprio Caratheodory, assim como, mais tarde, a Born, apresentarem uma formulac~ao axiomatica da Termodin^amica, considerandose os enunciados de Clausius e de Kelvin sobre a segunda lei dessa parte da Fsica. Por exemplo, segundo esses enunciados, ha certos tipos de trabalho realizados sobre um sistema termodin^amico isolado adiabaticamente, tal como um violento movimento, que n~ao pode ser recuperado por intermedio de uma transformac~ao adiabatica reversvel. Essa armaca~o signica que essa situac~ao pode ocorrer em pontos proximos do estado de equilbrio, que e, exatamente, a situac~ao descrita pelo Teorema de Caratheodory. Ou seja, existem estados termodin^amicos vizinhos que n~ao podem ser ligados por uma curva reversvel nula para a 1-forma (calor elementar), curva essa denominada curva adiabatica reversvel. Por outro lado, segundo vimos anteriormente, usando o conceito de entropia S, Clausius havia mostrado que a variac~ao lquida de S em torno de qualquer ciclo e zero. Como ele deniu S como a relac~ao entre a troca de calor (Q) e a temperatura absoluta (T ) numa transformaca~o isotermica [vide express~ao (1.2.3.6)], Caratheodory identicou f com T , a tempe- ratura absoluta (variavel intensiva), que e sempre positiva, e g com S (variavel extensiva), que e determinada a menos de uma constante. Assim, na formulaca~o de Caratheodory-Born, a Segunda Lei da Termodin^amica tem o seguinte enunciado: Na vizinhanca de qualquer estado de equilbrio de um sistema existem estados de equilbrio proximos que n~ao podem ser ligados por curvas adiabaticas reversveis nulas da 1-forma - calor elementar = T dS: (1:2:3:8) 1.2.3.1 Aplicaco~es das Leis da Termodin^amica 1. Func~oes (Potenciais) Termodin^amicas. O uso combinado das Primeira e Segunda Leis da Termodin^amica, dadas pelas express~oes (1.2.2.4c) e (1.2.3.8), isto e: T dS = P dV + dU; (1:2:3:9) permite estudar as transformaco~es do estado de um sistema termodin^amico como funca~o de duas variaveis independentes, por intermedio das chamadas Func~oes (Potenciais) Termodin^amicas: U; H; F; G. 1.1. Variaveis Volume (V ) e Entropia (S): Energia Interna - U. Usando-se a express~ao (1.2.3.9) e considerando-se que U = U(V; S), teremos: c @U ) dV + ( @U ) dS ! dU = , P dV + T dS = ( @V S @S V @U P = , ( @U (1:2:3:10a; b) @V )S ; T = ( @S )V : 1.2. Variaveis Press~ao (P) e Entropia (S): Entalpia - H. Diferenciando-se a express~ao (1.2.2.7a) e usando-se a express~ao (1.2.3.9), teremos: dH = dU + d(P V ) = dU + P dV + V dP ! dH = V dP + T dS: (1:2:3:11a) Considerando-se H = H(P, S), vira: @H ) dS ! dH = ( @H ) dP + ( S @P @S P @H ) : V = ( @H ) ; T = ( (1:2:3:11b; c) S @P @S P 1.3. Variaveis Volume (V) e Temperatura (T): Energia Livre (Func~ao de Helmholtz) - F. Em 1877, Helmholtz desenvolveu o conceito de energia livre F, denida por: F = U , T S: (1:2:3:12a) Diferenciando-se a express~ao acima, usando-se a express~ao (1.2.3.9) e considerando-se que F = F (V; T ), resultara: dF = dU , d(T S) = dU , T dS , S dT = , P dV , S dT = @F ) dV + ( @F ) dT ! = ( @V T @T V @F P = , ( @F (1:2:3:12b; c) @V )T ; S = , ( @T )V : J. M. F. Bassalo e M. S. D. Cattani 375 1.4. Variaveis Press~ao (P) e Temperatura (T): Entalpia Livre (Func~ao de Gibbs) - G. Em 1875, Gibbs desenvolveu o conceito de entalpia livre G, denida por G = H , T S: (1:2:3:13a) Diferenciando-se a express~ao (1.2.3.13a), usando-se as express~oes (1.2.3.9) e (1.2.3.11a), e sendo G = G(P, T), teremos dG = dH - d(T S) = dH - T dS - S dT = V dP - S dT = @G = ( @G @P )T dP + ( @T )P dT ! @G ) : V = ( @G ) ; S = , ( (1:2:3:13b; c) T @P @T P d 2. Relac~oes de Maxwell. Em 1870, o fsico e matematico escoc^es James Clerk Maxwell (1831-1879) deduziu relac~oes entre as variaveis termodin^amicas (P, V, T, S) e suas derivadas parciais. Vejamos algumas dessas relac~oes. Vamos partir da express~ao (1.2.3.9) e calcular a sua diferenciac~ao exterior. Usando-se as Denico~es A.1 e A.3, teremos d(T dS) = d(P dV ) + d(dU) ! dT ^ dS = dP ^ dV: (1:2:3:14) Supondo-se S = S(P, T) e V = V(P, T), a express~ao (1.2.3.14) cara @S ) dP + ( @S ) dT] = dT ^ [( @P T @T P @V = dP ^[( @V @P )T dP + ( @T )P dT ] ! @S ) dT ^ dP = ( @V ) dP ^ dT ! ( @P T @T P @S ) + ( @V ) ] dP ^ dT = 0 ! [( @P T @T P @S ) = , ( @V ) ; ( @P (1:2:3:15a) T @T P que representa uma Relac~ao de Maxwell. Agora, considerando-se S = S(T, V) e P = P(T, V), a express~ao (1.2.3.14) tornar-se @S ) dT + ( @S ) dV ] = dT ^ [( @T V @V T @P = [( @P @T )V dT + ( @V )T dV ] ^ dV ! @S ) dT ^ dV = ( @P ) dT ^ dV ! ( @V T @T V @S ) , ( @P ) ] dT ^ dV = 0 ! [( @V T @T V @S ) = ( @P ) ; ( @V (1:2:3:15b) T @T V que representa outra Relaca~o de Maxwell. Agora, considerando-se T = T(P, S) e V = V(P, S), a express~ao (1.2.3.14) cara: @T ) dP + ( @T ) dS] ^ dS = [( @P S @S P @V = dP ^ [( @V @P )S dP + ( @S )P dS] ! @T ) dP ^ dS = ( @V ) dP ^ dS ! ( @P S @S P @T ) , ( @V ) ] dP ^ dS = 0 ! [( @P S @S P @T ) = ( @V ) ; (1:2:3:15c) ( @P S @S P que representa, tambem, uma Relaca~o de Maxwell. Para a deduc~ao de outras Relac~oes de Maxwell usandose as formas diferenciais, ver a Ref. [8]. E interessante destacar que, em 1929, Born apresentou um diagrama mnem^onico para obter algumas relac~oes de Maxwell. Esse diagrama consiste de um quadrado com echas apontando para cima ao longo das duas diagonais. Os lados s~ao denominados com os quatro potenciais termodin^amicos (F, G, H, U), nessa ordem, partindo de F colocado na parte de cima do quadrado e seguindo a direc~ao dos ponteiros do relogio. Os dois vertices a esquerda s~ao denominados V e S, de cima para baixo, e os dois da direita, T e P , tambem de cima para baixo. Para usar esse diagrama, consultar a Ref. [1]. 3. Outras Relac~oes Termodin^amicas. Tomando-se a express~ao (1.2.3.9), dividindo-a por T e calculando a sua diferenciac~ao exterior (vide Denic~oes A.1; A.3), obteremos ddS = d( PT ) dV + d( T1 ) dU ! 0 = T dP T,2 P dT ^ dV , T12 dT ^ dU: Considerando-se U = U(T, V) e P = P(T, V), teremos 376 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 21, no. 3, Setembro, 1999 c 1 @P @P P T [( @T )V dT + ( @V )T dV ] ^ dV , T 2 dT ^ dV , @U ) dV ] = 0 ! , T12 dT ^ [( @U ) dT + ( V @T @V T 1 [( @P ) , P , 1 ( @U ) ] dT ^ dV = 0 ! T @T V T T @V T @U T ( @P (1:2:3:16) @T )V , P = ( @V )T : Agora, vamos obter uma outra relac~ao termodin^amica. Assim, tomando-se a express~ao (1.2.3.9), dividindo-a por P e calculando a sua diferenciac~ao exterior (vide Denic~oes A.1; A.3), obtem-se d( PT ) dS = d(dV ) + d( P1 ) dU ! P dT , T dP ^ dS = 0 , 1 dP ^ dU ! P2 P2 1 1 P dT ^ dS = P 2 dP ^ (T dS , dU): Considerando-se U = U(T, S) e P = P(T, S), teremos 1 1 @P P dT ^ dS = P 2 [( @T )S dT + @U @U + ( @P @S )T dS] ^ [T dS , ( @T )S dT , ( @S )T dS] = @P ) ( @U ) dT ^ dS , = P12 [T ( @P ) dT ^ dS , ( S @T @T S @S T @U ) dS ^ dT ] ! 1 dT ^ dS = , ( @P ) ( T @S @T S P 1 @P @P @U @P = P 2 [ T ( @T )S , ( @T )S ( @S )T + ( @S )T ( @U @T )S ]dT ^dS ! @P @U @P @U T ( @P (1:2:3:17) @T )S , P = ( @T )S ( @S )T , ( @S )T ( @T )S : Por m, uma outra relac~ao termodin^amica sera obtida partindo-se do produto exterior dT ^ dS e considerandose T = T(P, S), S = S(T, P) e P = (T, S). Desse modo, teremos @T ) dP + ( @T ) dS] ^ dS = dT ^ dS = [( @P S @S P @T ) dP ^ dS = ( @T ) dP ^ [( @S ) dT + ( @S ) dP ] = = ( @P S @P S @T P @P T @T ) ( @S ) dP ^ dT = = ( @P S @T P @T ) ( @S ) [( @P ) dT + ( @P ) dS] ^ dT = = ( @P S @T P @T S @S T @T ) ( @S ) ( @P ) dS ^ dT ! = ( @P S @T P @S T @T ) ( @S ) ( @P ) ] dT ^ dS ! [1 + ( @P S @T P @S T @T ) ( @S ) ( @P ) = , 1: ( @P (1:2:3:18) S @T P @S T J. M. F. Bassalo e M. S. D. Cattani 377 2.4 Terceira Lei da Termodin^amica Vimos que a Segunda Lei da Termodin^amica nos permite determinar a entropia (S) do estado de um sistema termodin^amico a menos de uma constante aditiva. Em vista disso, sua denic~ao depende da exist^encia de uma transformac~ao reversvel ligando um estado de refer^encia escolhido arbitrariamente ao estado em estudo. Esses dois estados, contudo, devem pertencer a mesma superfcie (variedade diferenciavel) da equac~ao de estado. No entanto, se considerarmos dois sistemas termodin^amicos, ou estados meta-estaveis de um unico sistema termodin^amico, a equac~ao de estado correspondente pode n~ao ser representada pela mesma superfcie. Desse modo, a Segunda Lei da Termodin^amica n~ao permite determinar, de maneira unvoca, a variac~ao de entropia entre dois estados desses sistemas, pois n~ao existe uma transformac~ao reversvel ligando esses estados. Essa univocidade so podera ser garantida se houver uma temperatura na qual a entropia seja uma constante universal. Vejamos como se chegou a essa temperatura. Em 1819, os franceses, o qumico Pierre Louis Dulong (1785-1838) e o fsico Alexis Therese Petit (17911820), descobriram que \Os atomos de todos os corpos simples t^em exatamente a mesma capacidade para o calor." Essa descoberta, que signica dizer que a capacidade calorca dos corpos (CP ou CV ) e uma constante, cou conhecida como a Lei de Dulong-Petit. Porem, com o desenvolvimento da Criogenia, com a qual foram obtidas temperaturas cada vez mais baixas, vericouse que CP (CV ) diminua a medida que a temperatura tambem diminua. Em 1905, o fsico e qumico alem~ao Walther Hermann Nernst (1864-1941; PNQ, 1920) demonstrou o hoje famoso Teorema do Calor de Nernst, segundo o qual a variaca~o de energia total de um gas com a temperatura tende a zero na medida em que a temperatura tambem tende para zero, ou seja, dU dT ! 0 ! CV / T (T ! 0) A demonstrac~ao desse teorema levou Nernst a apresentar a Terceira Lei da Termodin^amica: \A entropia de um sistema termodin^amico no zero absoluto (T = 0) e uma constante universal, a qual pode ser considerada como nula: S(0) = 0." Observac~oes 1. Em 1910, o fsico alem~ao Max Karl Ernst Planck (1858-1947; PNF, 1918) armou que a capacidade calorca dos solidos e lquidos tende a zero quando T ! 0. 2. Em 1914, Nernst apresentou a hipotese de que a capacidade calorca a volume constante (CV ) dos gases tende a zero quando a sua temperatura tende ao zero absoluto. Isso signicava dizer que a Terceira Lei da Termodin^amica tambem se aplicava aos gases. 3. O coeciente de expans~ao termica de qualquer subst^ancia se anula no zero absoluto. Com efeito, tomemos a denic~ao de como (1:2:4:1) V1 ( @V @T )P : Usando-se as express~oes (1.2.2.2d) e (1.2.3.8), e considerando-se P = cte, teremos c @S ) = CP ! T dS = P dP + CP dT ! ( @T P T Z dT S = CP ( T )P : Usando-se as express~oes (1.2.3.15a) e (1.2.4.2a), obtem-se @ @S @ @S P ( @C @P )T = T ( @P )T ( @T )P = T ( @T )P ( @P )T ! P ) = , T ( @ 2 V ) = , T ( @ ) ( @V ) : ( @C @P T @T 2 P @T P @T P Agora, usando-se as express~oes (1.2.3.15a), (1.2.4.1) e (1.2.4.2b,c), teremos @S @ V = ( @V @T )P = , ( @P )T = , ( @P )T Z dT @C P )T T = = , ( o @P V = ( @V ) P @T T Z T T Z (1:2:4:2a; b) (1:2:4:2c) T CP dT T = o @ ) ( @V ) dT ( @T P @T P o , ( @V ) P @T T =0 : ! (1:2:4:3) 378 Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 21, no. 3, Setembro, 1999 A express~ao (1.2.4.3) nos mostra que ! 0; se T ! 0: Ap^endice Denic~ao A.1. Dene-se forma diferencial ! de grau p (p-forma) a express~ao: X ! = ai1 i2 :::ip (x1; x2 ; :::; xn) dxi1 ^ dxi2 ^ ::: ^ dxip ; 1 i1 i2 < ::: ip n (A:1:1) d onde os coecientes ai1 i2:::ip s~ao func~oes de classe C 1 (innitamente diferenciaveis) das variaveis (x1; x2; :::; xn) e completamente antissimetricos nos ndices, e o produto exterior ^ satisfaz as propriedades: 1. dx ^ (dy + dz) = dx ^ dy +dx ^ dz; (A.1.2a) 2. (dx + dy) ^ dz = dx ^ dz +dy ^ dz; (A.1.2b) 3. a (dx ^ dy) = (a dx) ^ dy = dx ^ (a dy); (a 2 R) (A.1.2c) 4. dx ^ dx = 0; (A.1.2d) 5. dx ^ dy = , dy ^ dx. (A.1.2e) Exemplos Para o R3 , temos 1. 0-forma (escalar): f = f(x1; x2 ; x3); 2. 1-forma (Pfaana): !1 = a1 dx1 + a2 dx2 + a3 dx3; 3. 2-forma: !2 = a12 dx1 ^ dx2 + a13 dx1 ^ dx3 + a23 dx2 ^ dx3; 4. 3-forma (volume): !3 = a123 dx1 ^ dx2 ^ dx3. Denic~ao A.2. Sejam (p-forma), (q-forma) e ( a, b) 2 R (corpo). Dene-se diferenciac~ao exterior d como uma operac~ao que transforma uma r-forma numa (r + 1)-forma, com as seguintes propriedades: 1. d(a + b ) = a d + b d; (A.2.1a) 2. d( ^ ) = (d) ^ + (,1)p ^ d; (A.2.1b) 3. Lema de Poincare: dd = d2 0; 8 . (A.2.1c) Observac~oes 1. A operac~ao d e completamente independente de qualquer sistema de coordenadas; 2. A operac~ao d e unica. 3. No caso particular em que f e g s~ao 0-formas e e s~ao 1-formas, teremos: a) d(fg) = df g + f dg; (A.2.1d) b) d(f ) = df ^ + f d, (A.2.1e) c) d( ^ ) = d ^ , ^ d. (A.2.1f) 4. Uma forma , para a qual d = 0, e dita fechada. Uma forma , que pode ser escrita como = d para algum , e dita exata. 5. O Lema de Poincare signica que uma forma exata e fechada e, portanto, pode ser enunciado da seguinte maneira: Se ! e uma p-forma para a qual existe uma (p 1)-forma tal que d = !, ent~ao d! = 0. 6. Inversa do Lema de Poincare, tambem conhecida como condic~ao de integrabilidade: Se ! e uma p-forma (p 1) tal que d! = 0, ent~ao existe uma (p - 1)-forma (ou + d), tal que ! = d. Exemplos: Para o R3 , temos: 1. Seja a 0-forma f : f = f(x; y; z). Ent~ao, do Calculo Elementar podemos escrever df (1-forma) da seguinte maneira: df = @@ fx dx + @@ fy dy + @@ fz dz = fx dx + fy dy + fz dz: 2. Seja a 1-forma ! : ! = f1 dx + f2 dy + f3 dz, com fi func~oes diferenciaveis de (x; y; z), ent~ao d! e uma 2-forma dada por: d! = df1 ^ dx + df2 ^ dy + df3 ^ dz: 3. Seja a 2-forma : = f1 d y ^ d z + f2 d z ^ d x + f3 d x ^ d y com fi func~oes diferenciaveis de (x; y; z), ent~ao d e uma 3-forma dada por: c d = d f1 ^ d y ^ dz + d f2 ^ d z ^ dx + d f3 ^ d x ^ dy: Denic~ao A.3 Seja uma 1-forma denida no Rn e dada por: = Ai (x) dxi ; i = 1; 2; :::; n: (2:3:3a) Uma curva , parametrizada (,(t)) e dita uma curva J. M. F. Bassalo e M. S. D. Cattani nula de , se: Z ,(t) = Z , Ai [x(t)] x_ i (t) dt = 0; 379 (A:3:1) onde x_ i (t) e o vetor tangente. Teorema de Stokes Generalizado Seja uma pforma e D um (p + 1)-domnio orientado com uma fronteira @ D cuja orientaca~o e induzida pela de D, ent~ao: Z Z dalpha = : (A:4) D @D Notas e Refer^encias 1. H.B. Callen, Thermodynamics. John Wiley and Sons, Inc. (1960). 2. H.M. Nussenzveig, Curso de Fsica Basica - 2. Editora Edgard Blucher Ltda. (1983). 3. M.W. Zemansky, Heat and Thermodynamics. McGraw-Hill Book Company, Inc. (1957). 4. P. Bamberg, and S. Sternberg, A Course in Mathematics for Students of Physics 1, 2. Cambridge University Press (1992). 5. F. Weinhold, Metric Geometry of Equilibrium Thermodynamics. Journal of Chemical Physics, 63 (6): 2479-2501 (1975). 6. Para Carnot, processo reversvel signica uma idealizac~ao de um processo real e pode ser considerado como limite deste ultimo. [Campos, I. y L. De La Pe~na, in: Ciencias de la Materia: Genesis y Evolucion de sus Conceptos Fundamentales. Siglo Veintiuno Editores y Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades (UNAM), (1998).] 7. Sobre esse tipo de curva, veja-se a Denic~ao A.3. 8. S. A. Valente, Relac~oes de Maxwell da Termodin^amica Atraves de Formas Diferenciais. Tese de Mestrado, DFUFPA (1999).