ID: 54904602
19-07-2014
Tiragem: 34442
Pág: 46
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 20,05 x 30,75 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Foi rigorosa a avaliação das unidades
de investigação promovida pela FCT?
E
Debate Investigação científica
m 2007 a Fundação para a
Ciência e Tecnologia (FCT)
promoveu a avaliação de todas
as unidades de investigação,
designando para cada área um
painel de peritos que avaliou
e visitou todas as unidades da
respetiva área investigação.
O processo foi globalmente
justo e não se levantaram
dúvidas sobre a qualidade do painel,
das classificações atribuídas ou sobre a
equidade do processo.
Em 2013 a FCT decidiu inovar e atribuiu
a uma instância externa a responsabilidade
da avaliação. Todavia, o modelo adotado
revelou-se injusto, desastroso e indigno.
Vejamos: em vez de escolher um painel
único para cada área de investigação, foram
escolhidos três avaliadores diferentes
para cada unidade de investigação, o que
desde logo coloca enormes dúvidas sobre a
equidade do processo. Surpreendentemente
estes três avaliadores não receberam
nenhum guião objetivo de avaliação e
cotaram discricionariamente a unidade
que lhe calhou em sorte. O resultado foi
assustador! Muitas unidades receberam
três notas completamente díspares. Houve
unidades classificadas com: (20, 12, 20);
(20, 14, 10); (18, 12, 8). Como é possível que
uma mesma proposta tenha avaliações tão
díspares? Todos os docentes/investigadores
estão habituados a processos de avaliação,
mas um modelo que tenha dado tal
disparidade de classificações é inédito.
Não se trata de casos isolados, mas sim
de resultados recorrentes, que deveriam
ter sido razão suficiente para fazer parar
o processo. Não é aceitável basear uma
avaliação de unidades de investigação num
modelo que gera este tipo de resultados.
Será aceitável dar um exame de um aluno
a três professores, em que um dá 18, outro
14 e um terceiro 10, e achar que correu tudo
muito bem? O aluno foi bem avaliado por
estes três peritos?
A avaliação de 2013 compreendeu ainda
uma segunda fase em que um outro painel
de peritos elaborou um relatório final
baseado nos três primeiros pareceres e nos
comentários feitos pela unidade (limitados a
600 palavras). Este painel teve como objetivo
nivelar a notas e corrigir os erros cometidos
pelos três primeiros avaliadores. Será isto
aceitável? Promove-se uma avaliação que
origina erros grosseiros e usa-se um 2.º
painel para nivelar? Escandalosamente este
2,º painel foi multidisciplinar. O de ciências
exatas foi constituído por matemáticos,
físicos e químicos, pelo que tivemos
matemáticos a opinar sobre a qualidade das
unidades de química e químicos a julgar
unidades de física. Será isto normal? Se um
aluno de Matemática recorrer de uma nota,
escolhemos um professor de Física para
rever o exame?
Para além deste processo indigno, as
classificações finais foram desastrosas e
extremamente suspeitas. A FCT promoveu
um estudo bibliométrico para avaliar
objetivamente a qualidade das unidades,
recorrendo a indicadores de produção.
Surpreendentemente, os avaliadores
parecem ter esquecido estes dados, porque
em diversas áreas chumbaram as unidades
mais produtivas em detrimento das menos
produtivas que passaram à 2.ª fase. Não se
entende! Não conseguimos encontrar lógica
nos resultados. Houve diversas unidades
classificadas com excelente em 2007 que
obtiveram agora a classificação regular,
mesmo tendo a sua produtividade subido
entretanto!
Todos estes casos, bem como as situações
em que ocorrem flutuações anormais
das notas envergonham e deprimem os
investigadores e deveriam fazer parar este
processo. O resultado final desta avaliação
foi a exclusão de 50% das unidades (as
classificadas com “bom” são financiadas
simbolicamente e estão igualmente
condenadas) e
cerca de 50% dos
investigadores.
Poderíamos pensar
que de facto são
maus investigadores
e que não têm
produção relevante.
Curiosamente, a
FCT decidiu, e muito
bem, colocar uma
fasquia mínima de
produtividade para
um investigador
poder integrar uma
unidade. Assim,
todos os excluídos
preenchiam estes
requisitos.
A avaliação do
sistema científico
é necessário e
fundamental e, na
verdade, faz parte
do dia-a-dia de um
investigador que está
constantemente a
ser avaliado quando
tenta publicar o seu
trabalho. A avaliação
é bem-vinda e
convivemos bem com ela, mas a justiça
do processo tem de ser inquestionável e
as decisões têm de ser sempre muito bem
fundamentadas. Fomos submetidos a uma
avaliação baseada na sorte ou azar dos
peritos atribuídos a cada unidade, não houve
equidade entre os concorrentes da mesma
área, a disparidade nas notas preliminares
é inadmissível, e os resultados finais
condenaram alegremente 50% das unidades,
Ao fechar
unidades de
investigação
produtivas,
optando por
apostar tudo
nos grandes
centros
urbanos,
diminuímos a
diversidade,
perdemos em
qualidade e
damos mais
um passo na
desertificação
do país
DANIEL ROCHA
incluindo algumas das melhores do país.
Perante isto a FCT, a promotora do processo,
limita-se a lavar as mãos dizendo que a
responsabilidade é da instituição que fez a
avaliação. Se um professor de Matemática
entregar a correção de um teste a três
desconhecidos, fazendo depois a média dos
resultados e, no caso de haver reclamações,
pedir ajuda a um químico, poderá ficar de
consciência tranquila?
No caso particular da área da química,
observou-se que foram excluídas da 2.ª
fase várias unidades com produtividade
superior ou comparável com as escolhidas.
Analisando os resultados, tornados
públicos, dos índices bibliométricos, escapanos a lógica das classificações atribuídas.
A vontade de fechar levou a que centros
classificados como “excelentes”, “muito
bom” ou “bom” em 2007 ficassem agora
excluídos, apesar de terem aumentado a sua
“produtividade”. Dos 12 centros existentes
em 2007, seis ficam excluídos da segunda
fase, ficando a investigação em química
restringida aos grandes centros urbanos
(Lisboa, Porto, Coimbra) e Madeira. Todo o
resto do país, Algarve, Évora, Aveiro, Minho
e Vila Real, é para fechar. Não foi valorizado
o esforço das unidades de investigação
de menor dimensão, sedeadas nas zonas
periféricas, em captar recursos humanos
e estudantes de pós-graduação num
cenário económica e politicamente muito
adverso. Não foi valorizada a componente
relativa ao desenvolvimento regional,
nem o facto de o tecido industrial no
Alentejo, no Minho, no Algarve ou em Vila
Real ser incipiente, quando comparado
com o que rodeia as cidades de Lisboa,
Porto e Coimbra. Ao fechar unidades de
investigação produtivas, optando por
apostar tudo nos grandes centros urbanos,
diminuímos a diversidade, perdemos
em qualidade e damos mais um passo na
desertificação do país. Perdemos todos.
Paulo Coelho, Centro de Química - Vila Real,
Maria João Queiroz, Centro de Química
- Universidade do Minho, Peter Carrott,
Centro de Química de Évora, José Moreira,
Centro de Investigação em Química do
Algarve
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Foi rigorosa a avaliação das unidades de investigação promovida