LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO POKÉ'EXA ÛTI O TERRITÓRIO INDÍGENA COMO DIREITO FUNDAMENTAL PARA O ETNODESENVOLVIMENTO LOCAL UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO ACADÊMICO CAMPO GRANDE – MS 2014 LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO POKÉ'EXA ÛTI O TERRITÓRIO INDÍGENA COMO DIREITO FUNDAMENTAL PARA O ETNODESENVOLVIMENTO LOCAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Local. Orientador: Prof. Dr. Josemar Campos Maciel Bolsista Capes - I UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO LOCAL MESTRADO ACADÊMICO CAMPO GRANDE – MS 2014 Ao professor Antônio Brand (In memorian) [...] a juventude presente (Terena, Kadiwéu e Guarani – Kaiowá), presta suas homenagens ao Professor Antônio Brand (in memorian). Pela sua brilhante passagem aqui na terra e pelo legado que deixou para os povos indígenas, em especial os acadêmicos indígenas. "Professor Brand nos ensinou a não ter vergonha de ser índio e sim nos orgulhar disso, em qualquer lugar" [...] (Documento final 1º Encontro da Juventude Terena - HÁNAITI HO’ÚNEVOHIKO INÁMATI XÂNE TÊRENOE, Aldeia Bananal, 27, 28 e 29 de julho de 2012). AGRADECIMENTOS Agradeço à Itukó’oviti (DEUS) – Olorum – Senhor do Céu. Ao orixá da minha vida Oxaguian, pela oportunidade que me concedeu desde minha saída da aldeia, meu muito obrigado! A minha família pelo apoio e carinho, em especial minha mãe Zenir Eloy exemplo de perseverança. Minhas irmãs Simone Eloy, Val Eloy e Glaucinéia Eloy pelo carinho. Meus avós Celestino Eloy, Julieta Antonio Pio e Manoel Amado. Ao tio Salustiano Eloy (in memorian). Ao meu orientador prof. Josemar de Campo Maciel pelo incentivo e apoio nos momentos de “crise acadêmica”. Aos professores do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Local: Heitor Homero Marques, Arlinda Cantero Dorsa, Maria Augusta de Castilho e Cleonice Le Bourlegat. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela bolsa de estudo concedida. Ao professor Antonio Carlos de Souza Lima pelo apoio e incentivo. Pois sendo conhecedor da minha trajetória me oportunizou novos caminhos a serem trilhados. Aos amigos do NEPPI e da causa indígena: Padre Jorge, Prof. Eva Ferreira, Prof. José Francisco, Prof. Rosa Colman, Prof. Adir Casaro, Prof. Marta Regina Brostolin, Prof. Neimar Machado, Jaqueline dos Santos, Gustavo Costa, Evelyn Aline, Saulo Cassimiro, Kátia Queiroz, Lilian Ricci Tenório, Cristiane Freitas e Camila Emboava. Agradecimento carinhoso ao Gilvan Franco pela ajuda com as tabelas e gráficos dos processos, bem como tabulamento dos dados. As lideranças que estão na luta pela terra, em especial: Lindomar Ferreira, Alberto França, Mauro Paes, Eder Alcântara Oliveira, Arildo Alcântara, Zacarias Rodrigues, Isaias Francisco, Claudio Lipú, Manoel Amado, Gilmar Veron, Uvilson Cândido, João da Silva, Elvisclei Polidório, Paulino Terena, Edno Terena e Eliseu Lopes. Aos companheiros de mestrado pela amizade formada no decorrer do curso: Karina Teruya, Soviana Foppa, Maísa Helena Pimenta, Flaviana Miranda, Sandra Amarilha, Marley Casagranda, Milene Nantes, Emanuela Nascimento, Fabiana Cabral e Viviane Luiza. Agradecimento especial à Zuleica Tiago pelo apoio incondicional e a professora Lindomar Lili pelas traduções em terena. Aos professores indígenas Estevinho Floriano, Dalila Luiz, Nilza Antonio, Elinéia Paes pelo apoio com as oficinas nas escolas durante a pesquisa. À família CIMI: Flávio Vicente Machado, Lidia Farias, Geraldo Alckimi, Irmã Joana, Irmã Glória, Irmã Genoveva, Anderson de Souza Santos, Michael Nolan, Adelar Cupsinski, Rafael Modesto, Cleber Buzatto e Alessandra Farias. Muito obrigado. À minha família de santo: Mãe éked Oyá Labaoci, Tata d’inkice Kassidemim, Tata d’inkice Togunginã, Omim Odelê, Matamboreci, Kaiátundê, Odémutalabaogi, Rogemileuá e ogã Rafinha de Mutalambo. A todos meus agradecimentos! LISTA DE FIGURAS Figura 1: A produção do conceito de subdesenvolvimento e a conformação do campo discursivo do desenvolvimento, elaborado por Rogério Faé (2009, p. 28) ................... 52 Figura 2: Reunião na Aldeia Morrinho - março de 2012 ............................................. 74 Figura 3: Caciques e lideranças tomando decisões durante Assembleia na Aldeia Imbirussú – Junho de 2012 ............................................................................................ 75 Figura 4: Assembleia na Aldeia Imbirussú – Junho de 2012 ....................................... 76 Figura 5: Reunião das lideranças com acadêmicos indígenas na Aldeia Buriti – Dezembro de 2012 ......................................................................................................... 77 Figura 6: Fluxograma demonstrando a organização interna com a participação dos professores e estudantes ................................................................................................. 78 Figura 7: Assembleia na Aldeia Babaçu – 2014 ........................................................... 79 Figura 8: Conselho Aty Guasu Guarani Kaiowá na Assembleia Terena ...................... 79 Figura 9: Leitura do documento final da Assembleia Terena em Babaçu .................... 80 LISTA DE TABELAS Quadro 1: Atos normativos relacionados com o instituto da autonomia dos povos indígenas ........................................................................................................................ 28 Quadro 2: Hierarquia das normas jurídicas .................................................................. 30 Quadro 3: Condicionantes impostas pelo STF ............................................................. 41 Quadro 4: Processos judiciais envolvendo a demarcação de áreas indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul, em trâmite no Supremo Tribunal Federal ............................... 83 Quadro 5: Terras indígenas cujos processos demarcatórios encontram-se paralisados por decisões judiciais no Mato Grosso do Sul ............................................................... 84 Quadro 6: Situação geral das terras indígenas ............................................................. 87 Quadro 7: Homologação de terras indígenas por gestão presidencial ......................... 88 Quadro 8: Acampamentos Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul ........................ 90 Quadro 9: Situação jurídica das terras Terena de Mato Grosso do Sul ........................ 92 Quadro 10: Acampamentos Terena .............................................................................. 92 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AG – Agravo AGU – Advocacia Geral da União Art – Artigo CC – Código Civil CF – Constituição Federal CIMI – Conselho Indigenista Missionário CNA – Confederação Nacional da Agricultura Dec – Decreto DL – Desenvolvimento local DOU – Diário Oficial da União FAMASUL – Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul FUNAI – Fundação Nacional do Índio GT – Grupo de Trabalho INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária JF – Justiça Federal Min – Ministro MJ – Ministério da Justiça MS – Mandando de Segurança OIT – Organização Internacional do Trabalho PEC – Proposta de emenda constitucional Pet – Petição Rel – Relator RR – Roraima SPI – Serviço de Proteção ao Índio SPU - Serviço de Patrimônio da União STF – Supremo Tribunal Federal TRF – Tribunal Regional Federal UCDB – Universidade Católica Dom Bosco RESUMO O trabalho discute a distinção entre a posse constitucional indígena e a posse regulada pelo direito civil brasileiro. Para tanto apoia-se na distinção fundamental entre direito indígena (direito costumeiro, direito próprio) e direito indigenista (positivo), traçando uma linha do tempo que tem como marco divisor a Constituição Federal de 1988. Trata do processo de demarcação de terras indígenas e dos difíceis caminhos da luta pelo território tradicional, levantando os principais entraves políticos e jurídicos para demarcação de terra indígena. Defende-se o território tradicional como direito fundamental dos povos indígenas, pressuposto para o etnodesenvolvimento local. A pesquisa apoia-se nos documentos finais das assembleias indígenas que ocorreram durante a pesquisa, bem como em levantamento preliminar da situação jurídica das terras indígenas de Mato Grosso do Sul, trazendo dados dos processos judiciais que versam sobre posse e território indígena. PALAVRAS – CHAVE: Direito indígena. Território tradicional. Etnodesenvolvimento. Desenvolvimento local. Têrenoe Enepora yutoeti ihíkaxoti hara omínovi vitúkinoa visóneu yoko vopósikea kixoaku ûti véxea poé’aku ra Konstituisauna kopénoti yá direito civil brasileiro ítuke puxârara. Hara véko oxéne nókone kó’iyea ikó’itukexeovo xoko iháxoneti direituna kopénoti (vekoti xoko kixoku vitukeovo, uti kopénoti, kíxoaku opó’okea yoko ko’ítukeyea apê koekúti nókone opósikea oxéne). Yoko direito indigenista, vekoti yá yéa koêti xoenae, hara itúko hoénaxope koéhati Constituição Federal 1988, ítuke leína puxârara. Hara koyúho prósesuna hoínaxopeovo poké’exa kopénotihiko yoko tiú’iti ra vékoku opósikopea itópea ne kúxoti poké’exa óvokuhiko nóvo ne kúxoti viyenoxapa kopénoti, koáne hoínaxea NE tiú’iti vékoku kó’iyea vo’oku ra íhauti polítuku yoko jûridiku iko’ítukexoti lê’i , motovâti hóinaxopea ra poké’exa kopenóti. Kotíxokono NE poké’e óvoku voxúnaekene itúkeovoxo ítuke kópenoti, itukeovoxo koâti nókene yoko diréituna uhá koeti kopénoti, nókone motovâti ukóponea ápeyea. Enepora ihíkauvoti veyóponoamaka uhá koeti isonêuti ipuhíkoti xapa ho’únevo kopénoti, simóya enepone kóyeku situásauna jûridika – enepone vekoti léike , ra poké’exa kopénoti ya Mato Grosso do Sul, koáne éxokea koeti koyuhópeti koáhati processo judiciais ihíkaxovopeti ne pósena ne pó’exa kopénoti. EMO’ÚTI HOÍNAXOVOPE: Direituna Kopénoti. Poké’exa kopénoti ukéatinekene xapa oxúnaekene. Ukóponea unátiyea óvea yoko ápeyea iko’ítukexoti poké’exa yoko tradisaunake. Oxéne ukóponea ne poké’exa óvoku xâne. ABSTRACT The paper discusses the distinction between the indigenous constitutional tenure and tenure regulated by the Brazilian civil law. For that relies on a fundamental distinction between (customary law, its own) and indigenous law (positive) indigenous rights, tracing a timeline that is marked divider the Federal Constitution of 1988 Is the demarcation of indigenous lands and process the difficult path of struggle for traditional territory, raising the main political and legal obstacles to demarcation of indigenous land. Argues the traditional territory as a fundamental right of indigenous peoples to the local ethnodevelopment assumption. The research relies on the final documents of indigenous assemblies that occurred during the research, as well as preliminary survey of the legal status of indigenous land in Mato Grosso do Sul, bringing data of judicial proceedings related to tenure and indigenous territory. KEY - WORDS: Indigenous Law. Traditional territory. Ethnodevelopment. Local development. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13 1 DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS E O ESTADO BRASILEIRO ................ 17 1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO INDIGENISTA ..................... 18 1.1.1. Legislação Indigenista no Brasil Colônia (1530 – 1822) ................... 20 1.1.2. Legislação Indigenista no Brasil Império (1822 - 1889) …............... 24 1.1.3. Legislação Indigenista no Brasil República (1889 - 2014) ................ 27 a) Lei n. 6.001 de 1973 – Estatuto do Índio ......................................... 29 b) Constituição Federal de 1988 ........................................................... 32 C) Convenção 169 da OIT .................................................................... 36 1.2. PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA .......................... 37 1.2.1. PEC215/00 ............................................................................................ 46 2 ETNODESENVOLVIMENTO LOCAL ................................................................. 48 2.1 CONCEITO HOLÍSTICO DE DESENVOLVIMENTO ......................................... 49 2.2 O DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL ......................... 53 2.3 TENTATIVA DE COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL .......... 54 2.4 ETNODESENVOLVIMENTO LOCAL ................................................................. 56 3 TERRA TRADICIONALMENTE OCUPADA ...................................................... 64 3.1 TERRITÓRIO TRADICIONAL ............................................................................. 64 3.2 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DA POSSE INDÍGENA ...................... 70 3.3 HÁNAITI HO’ÚNEVO TERENOÊ: CONSELHO DO POVO TERENA ............. 73 4 O TERRITÓRIO INDÍGENA COMO DIREITO FUNDAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL ............................................................................... 81 4.1. SITUAÇÃO JURÍDICA DAS TERRAS INDÍGENAS DE MS ............................ 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 94 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 98 ANEXOS ..................................................................................................................... 104 INTRODUÇÃO Poké'exa ûti! Poké’exa ûti! Este foi o grito de guerra da comunidade indígena terena de Taunay/Ipegue no momento de reocupação de seu território tradicional. Poké’exa ûti significa no idioma terena “nosso território tradicional (nossa terra)”. Dado ao tema abordado no trabalho não poderia faltar no título à expressão terena da luta pela terra. Atualmente, várias são as comunidades de Mato Grosso do Sul que estão na luta pela demarcação de seu território tradicional, em especial o Povo Guarani, Kaiowá, Kadiwéu e Terena. Vale consignar o porquê da escolha do tema. Diante da quase invisibilidade da passagem pela universidade do acadêmico indígena, por vezes, acrescida pela ocultação de discussões importantes acerca dos direitos dos povos indígenas no curso de Direito, em 2006, no âmbito do Programa Rede de Saberes sob a coordenação do saudoso professor Antonio Brand, algumas reflexões iniciaram. O Programa, na época, possibilitou a oferta de cursos de extensão voltados para a legislação aplicada aos índios que, posteriormente, foram ministrados para a comunidade pelos próprios acadêmicos indígenas. Esse movimento despertou profundo interesse em pesquisar e estudar os direitos que aqui serão tratados. Aspectos importantes do presente empenho iniciaram-se no trabalho monográfico de graduação em Direito em 2011, quando foi analisada a posição do Supremo Tribunal Federal em relação ao julgamento da petição 3.388, conhecido como caso Raposa Serra do Sol, como também, as condicionantes impostas para demarcação de terra indígena1 da mesma corte. Em 2011 foi defendida a monografia intitulada O STF como “construtor” da Constituição Federal: análise das condicionantes impostas para demarcação de terra indígena. Curso de direito da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. 1 Esta pesquisa tem como justificativa dois viéses de relevância, uma de ordem social e outra de ordem científica. No que se refere à sua importância social, diz respeito a presença das comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul, em especial do Povo Terena, que demandam crescente participação e protagonismo em todas as atividades que lhe dizem respeito. E é importante destacar que a legislação garante aos índios o direito de serem protagonistas e decidirem sobre que desenvolvimento lhes é mais conveniente. Em relação à relevância científica, poucas são as pesquisas sobre esse tema, portanto, pretende-se aprofundar os dispositivos legais aplicados aos povos indígenas. O estado de Mato Grosso do Sul concentra atualmente a segunda maior população indígena do Brasil, destacando-se os seguintes povos: Terena, Guarani, Kaiowá, Kadiwéu, Kinikinau, Guató e Ofaié. Atualmente, as comunidades indígenas sofrem com problemas sociais de várias ordens, que incluem a educação, saúde, violência e fome. Toda essa problemática está intimamente ligada à questão territorial, resultado de processos de perda da terra que se deu de maneira diferente com relação a cada povo. De outra parte, defende-se que é a partir desses territórios, considerados essenciais para os povos indígenas, que tais comunidades poderão, tendo como referência suas cosmovisões, serem protagonistas de suas próprias tomadas de decisão, gerindo seus territórios e garantindo uma sobrevivência com o mínimo de qualidade de vida. O trabalho tem por objetivo refletir sobre a distinção entre a posse constitucional indígena e a posse regulada pelo direito civil brasileiro, abordando a distinção fundamental entre direito indígena (direito costumeiro, direito próprio) e direito indigenista (positivo), traçando uma linha do tempo que tem como marco divisor a Constituição Federal de 1988. Trata também do processo de demarcação de terras indígenas e dos difíceis caminhos da luta pelo território tradicional, levantando os principais entraves políticos e jurídicos para demarcação de terra indígena. Defende-se o território tradicional como direito fundamental dos povos indígenas e pressuposto para o etnodesenvolvimento local, aqui considerado como o bem viver dos povos indígenas. O trabalho apoia-se nos documentos finais das assembleias indígenas que ocorreram durante a pesquisa, bem como em levantamento preliminar da situação jurídica das terras indígenas de Mato Grosso do Sul. A pesquisa pautou-se na abordagem quali-quantitativa, com método indutivo, analisando os aspectos qualitativos e quantitativos, dando relevância aos aspectos sociais das comunidades e seus movimentos de retomada de terras. Levando-se em conta que o pesquisador integra uma das comunidades, a pesquisa de campo foi concebida e realizada em estreita associação entre a participação e a tomada de ação com vista a resolução do problema coletivo. Num primeiro momento, realizou-se um levantamento de material bibliográfico a respeito dos referenciais teóricos do desenvolvimento local, comunidade indígena, etnodesenvolvimento, indigenismo e legislação disponível sobre os povos indígenas. Num segundo momento, deu-se início às visitas às comunidades, acampamentos indígenas e participação das grandes assembleias promovidas, bem como reunião com lideranças indígenas. Foram realizadas oficinas e debates em torno dos temas: autonomia, sustentabilidade, gestão territorial, direito dos povos indígenas junto às comunidades: Buriti, Ipegue, Cachoeirinha, Brejão, Lalima, Pilad Rebuá, Imbirussú, Ita’y, Kurusu Amba, Guayviry, Passo Pirajú e Mãe Terra. O trabalho tem cunho interdisciplinar baseado em fundamentos jurídico, antropológico, sociológico, ambiental, histórico, entre outros. Estando dividido em quatro capítulos, contendo tabelas demonstrativas dos processos, além dos documentos finais das assembleias terena, a qual este trabalho tem participação íntima. O primeiro capítulo tem como título “Direito dos povos indígenas e o estado brasileiro”, não sendo mero acaso. Poderia estar ali à expressão “direito indigenista” ou “direito indígena”. Mas, como se verá a seguir, ambas são categorias jurídicas diferentes e a expressão que dá o título abarca os dois planos de direito, visto que o ordenamento jurídico brasileiro prevê a aplicabilidade de ambos. Neste item, aborda-se a legislação indigenista desde o período colonial até os dias atuais. É analisado o processo de demarcação de terra indígena e seus principais entraves e, principalmente, faz-se a distinção entre posse indígena e posse regulada pelo direito civil trazendo o posicionamento majoritário dos tribunais superiores. O segundo capítulo traz reflexões a respeito do “etnodesenvolvimento local” expressão apoiada nos princípios do etnodesenvolvimento, conhecimento tradicional e na tentativa de compreensão do significado de desenvolvimento local. No terceiro capítulo busca-se aprofundar o debate em torno do conceito de terra tradicionalmente ocupada, abordando os direitos que se irradia dessa categoria jurídica constitucional, momento oportuno para tratar das retomadas indígenas, como processos legítimos de territorialização e instrumento de luta por direitos. O trabalho é finalizado defendendo o território indígena como direito fundamental, abordando a situação jurídica das terras indígenas de Mato Grosso do Sul. É nesta parte da pesquisa que se analisa os dados do levantamento preliminar realizado dos processos judiciais em trâmite expressados nos gráficos em anexo. A pesquisa é uma tentativa de análise de conjuntura do relacionamento do estado com os povos indígenas a partir da atuação de um advogado indígena. 1 DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS E O ESTADO BRASILEIRO A expressão “direitos dos povos indígenas” carrega dois planos de abrangência englobando questões relativas aos índios, as comunidades indígenas e suas organizações. Assim, de plano afirma-se que para melhor defesa dos direitos aqui tratados, faz-se necessário a distinção fundamental entre direito indígena e direito indigenista. De forma simplista, basta lembrar que, quando os europeus chegaram neste território que denominaram Brasil, já existiam aqui várias sociedades/comunidades indígenas, cada qual com sua língua, crença, costume, organização e sistema de resolução de conflito próprio. Pois bem, não existia todo esse arcabouço estrutural posto hoje. Mas mesmo assim, essas comunidades valiam-se de meios próprios em suas relações sociais, ou seja, do direito indígena – direito próprio; direito segundo seus costumes – direito consuetudinário. “Os colonizadores aportaram e com eles trouxeram novas comidas, animais e plantas” (SIQUEIRA; MACHADO, 2009, p. 20), e assim fizeram com o direito, impuseram sem nenhum reconhecimento ao direito consuetudinário dos povos que aqui estavam, pois acreditam que eram “povos sem Deus e sem Lei, apesar de alguma organização social” (SOUZA FILHO, 1998, p. 29). Aos poucos foi se cobrindo as “vergonhas” dos índios, retirando suas armas, branqueando a cor da sua pele e o sentimento de sua religiosidade. A natural nudez virou vergonha, a religião crença, a língua dialeto, o direito costume (SOUZA FILHO, 1998, p. 33). O direito indigenista é o conjunto de normas elaboradas pelos não índios para os índios, tal como o Estatuto do Índio de 1973; A Convenção 169 da OIT e vários outros dispositivos legais esparsos pelo ordenamento jurídico brasileiro. 18 Esta distinção faz-se necessária por expressa previsão legal no direito brasileiro da aplicação tanto do direito indigenista quanto do direito indígena (direito próprio). 1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO INDIGENISTA Desde a colonização em 1500, Portugal considerou todo o território brasileiro sob seu domínio (ARAÚJO, 2006), e desde então, os direitos dos povos originários que aqui estavam foram ignorados. Como um dos objetivos deste trabalho é buscar respostas de como se desenvolveu a posse, a propriedade, o uso da terra e sua organização; vamos focar neste primeiro momento, a “questão agrária2”. Stedile (2011, p. 15) conceitua a “questão agrária como o conjunto de interpretações e análises da realidade agrária, que procura explicar como se organiza a posse, a propriedade, o uso e utilização das terras na sociedade brasileira”. Cabe aqui, uma observação importante suscitada pelo citado autor. Segundo ele, os estudos sobre a realidade agrária brasileira são muitos recentes, bastando lembrar que vivenciamos um período de “escuridão científica” durante 400 anos de colonialismo. Ressalta ainda que a primeira universidade brasileira surgiu em 19033, e as universidades públicas foram criadas no Brasil após a Semana de 19224. O conceito de “questão agrária” pode ser trabalhado e interpretado de diversas formas, de acordo com a ênfase que se quer dar a diferentes aspectos do estudo da realidade agrária. Na literatura política, o conceito de “questão agrária” sempre esteve mais afeto ao estudo dos problemas que a concentração da propriedade da terra trazia ao desenvolvimento das forças produtivas de uma determinada sociedade e sua influência no poder político. Na sociologia, o conceito de “questão agrária” é utilizado para explicar as formas como se desenvolvem as relações sociais, na organização da produção agrícola. Na geografia, é comum a utilização da expressão “questão agrária” para explicar a forma como as sociedades e as pessoas vão se apropriando da utilização do principal bem da natureza, que é a terra, e como vai ocorrendo a ocupação humana no território. Na história, o termo “questão agrária” é usado para ajudar a explicar a evolução da luta política e a luta de classes para o domínio e o controle dos territórios e da posse da terra (STEDILE, 2011, p. 15). 3 […] a primeira universidade brasileira surgiu apenas em 1903, a Universidade Cândido Mendes, por iniciativa de uma família de verdadeiros iluministas, que quiseram se dedicar à ciência (STEDILE, 2011, p. 16). 4 As universidades públicas foram criadas no Brasil somente após a revolução cultural ocorrida em 1922, por ocasião da Semana de Arte Moderna, que projetou a necessidade do surgimento de um pensamento nacional, brasileiro, que se dedicasse às artes, à cultura e à ciência nos seus mais diferentes aspectos (STEDILE, 2011, p. 16). 2 19 A carência e a ignorância sobre as questões agrárias em nosso país são frutos dessa submissão colonial, que impediu o desenvolvimento das idéias, das pesquisas e do pensamento nacional durante os 400 anos de colonialismo (STEDILE, 2011, p. 16). Para entender a questão agrária no Brasil apoiamos nossos argumentos tendo como base a ocupação desse território, não referendando apenas a data de 1500, data do início da colonização, visto que antes disso já estavam aqui várias sociedades indígenas, sendo necessário remontar aos primórdios da ocupação. É certo que não existe consenso quanto à antiguidade da ocupação humana na América do Sul. No entanto, é inquestionável que o continente já estava densamente habitado por volta de 12.000 anos atrás. A versão mais comumente encontrada nos livros didáticos está consolidada na teoria de que os primeiros humanos a entrarem no continente americano teriam passado pelo Estreito de Bering, quando o período de gelo – há mais ou menos 12 mil anos – teria formado uma espécie de ponte entre a Ásia e a América (nos momentos em que o mar atingiu cotas mais baixas deixou uma parte de terra – fundo do mar de Bering – descoberta). A partir daí, teriam ocupado inicialmente os planaltos norte-americanos seguindo em direção ao sul e ocupado todo o continente (COSTA, s/d, p. 05). Niéde Guidon apud Costa (s/d, p. 07), já em 1992 sugere uma ocupação mais antiga, com datações superiores há 30.000 anos. Stedile (2011) trabalha com a data de 50.000 anos atrás, em razão da descoberta de diversos instrumentos e vestígios humanos no Estado de Piauí. Beltrão (1974) igualmente trabalha com datas mais antigas. Fato é que “as populações viviam no Brasil mais de dez mil anos antes do chamado 'descobrimento'” (COSTA, s/d, p. 02); ou “encobrimento” como defende Dussel (1993). Exemplificando, em relação aos Guarani de Yvy Katu, comunidade localizada no município de Japorã, Mato Grosso do Sul, “resultados da análise de fragmentos de cerâmica coletados na região da terra indígena Porto Lindo, e apresentados por Landa (2005), indicam um período de ocupação entre os anos de 1240”. No mesmo sentido, Eremites de Oliveira (2012), corrobora a ocupação pré-colombial5. 5 Nas Américas, especialistas em arqueologia comumente entendem por pré-história o período correspondente ao transcurso histórico e sociocultural das sociedades indígenas antes dos contatos direitos e indiretos com os conquistadores europeus. A data oficial do início desses contatos é 1.492, ano em que o genovês Cristóvão Colombo e sua tripulação, a serviço do Rei de Espanha, chegaram ao que 20 É evidente que antes de 1500, já existiam aqui povos organizados não havendo entre esses povos qualquer sentido ou conceito de propriedade dos bens da natureza. Todos os bens da natureza existentes no território – terra, água, rios, fauna, flora – eram, todos, de posse e de uso coletivo e eram utilizados com a única finalidade de atender às necessidades de sobrevivência social do grupo (STEDILE, 2001). Para melhor compreensão da legislação indigenista traçamos uma linha do tempo destacando as principais normativas relacionadas aos povos indígenas e, desde já, defendendo que a Constituição Federal de 1988 é o marco divisor, sendo necessário entender como os índios, suas comunidades e organizações eram tratados antes e depois da promulgação da carta magna de 19886. 1.1.1. Legislação Indigenista no Brasil Colônia (1530 – 1822) Para melhor compreensão das normativas desse período é necessário entender como foi à organização da utilização da terra desde a chegada dos “conquistadores”. Os portugueses que aqui chegaram e invadiram esse território, foram financiados pelo nascente capitalismo comercial europeu, e se apoderaram do território valendo-se de duas táticas: cooptação e repressão. “E, assim, conseguiram dominar todo o território e submeter os povos que aqui viviam ao seu modo de produção, às suas leis e à sua cultura” (STEDILE, 2011, p. 19). Aqui, apropriaram-se dos b;ns da natureza existente e sob as leis do capitalismo mercantil (modelo monocultura exportador), tudo era transformado em mercadoria e enviado a metrópole europeia. No início, iludiram-se na busca do ouro; depois, porém, segundo nos explicam os historiadores, preocuparam-se em transformar outros bens naturais, como o ferro, a prata e outros minérios, em mercadorias. Mas hoje em dia corresponde à América Central. No caso do Brasil, há arqueólogos que utilizam como data oficial o ano de 1500, quando o almirante português Pedro Álvares Cabral e seus comandados desembarcaram no que é hoje o litoral do estado da Bahia. Dessa forma, tanto 1492, para as Américas em geral, quanto 1500, para alguns arqueólogos brasileiros, são datas usadas como marcos temporais para separar, a partir de uma visão evolucionista sobre o passado da humanidade, a história da pré-história. Daí compreender o porquê de chamar a pré-história de período pré-colombiano, pré-cabraliano, pré-colonial ou pré-contato (EREMITES DE OLIVEIRA, 2012, p. 24). 6 Embora, desde a época da colonização, a legislação previsse uma disciplina jurídica diferenciada para os índios, não havia um tratamento especial enquanto etnia distinta, fato que só se reverteu com o fortalecimento dos direitos humanos, no plano internacional e a consagração dos direitos fundamentais, notadamente na Constituição de 1988 (FREITAS JÚNIOR, 2010, p. 23). 21 logo perceberam que a grande vantagem comparativa de nosso território era a fertilidade das terras e seu potencial para o cultivo tropicais de produtos que até então os comerciantes buscavam na distante Ásia ou na África. Os colonizadores, então organizaram o nosso território para produzir produtos agrícolas tropicais, de que sua sociedade européia precisava. Trouxeram e nos impuseram a exploração comercial da cana-de-açúcar, do algodão, do gado bovino, do café, da pimenta-do-reino. E aproveitaram algumas plantas nativas, como o tabaco e o cacau, e as transformaram, com produção em escala, em mercadorias destinadas ao mercado europeu (STEDILE, 2011, p. 20). A partir de então, os colonizadores implantaram a “plantation7”, que segundo Stedile (2011, p. 21), “é a forma de organizar a produção agrícola em grandes fazendas de área contínua, com a prática monocultura, ou seja, com a plantação de um único produto, destinado a exportação”. Em relação à propriedade a coroa portuguesa monopolizou a propriedade de todo o território e, para implantar com sucesso o modelo denominado agroexportador optou pela “concessão de uso” da terra com direito a herança, entregando enormes extensões de terra.8 A concessão de uso era de direito hereditário, ou seja, os herdeiros dos fazendeiro-capitalista poderiam continuar com a posse das terras e com a exploração. Mas não lhes dava o direito de vender, ou mesmo de comprar terras vizinhas. Na essência, não havia propriedade privada de terras, ou seja, as terras ainda não eram mercadorias (STEDILE, 2011, p. 22). É neste contexto colonial que o direito indigenista tem seus primeiros expedientes normativos. Como argumentado, desde o início da colonização, a Coroa portuguesa, por meio de atos normativos, tratou da posse dos índios aos territórios que ocupavam. A legisla9ção fundiária aplicada no decorrer do período colonial foi baixada de modo descontinuado, dispersa em um amplo número de avisos, resoluções administrativas, cartas de doações, forais e textos das Ordenações (NOZOE, 2006, p. 588). 7 Palavra de origem inglesa, utilizada por sociólogos e historiadores para resumir o funcionamento do modelo empregado nas colônias. 8 Em 10 de março de 1534, Duarte Coelho recebeu 60 léguas de terra, na costa do Brasil, situadas entre o rio São Francisco e a ilha de Itamaracá, que “entrarão na mesma largura pelos sertões terra firme adentro, tanto quanto puder entrar e for de minha conquista”, doação que lhe era feita “deste dia para todo o sempre, de juro e herdade, para ele e todos os seus filhos, netos, herdeiros e sucessores, que após ele virem, assim descendentes, como transversais e colaterais' (BORGES, 1958, p. 262). 22 A Carta Régia de 30 de julho de 1609, promulgada por Felipe III, já admitia como legítimas a soberania e a posse dos índios sobre as suas terras (CAMPOS, 2007, p. 07). No mesmo sentido, a Carta Régia de 10 de setembro de 1611 afirmava que “os gentios são senhores de suas fazendas nas povoações, como o são na serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstia ou injustiça alguma” (CUNHA, 1987, p. 58). Assim, no século XVIII, as escaramuças contra os índios eram toleradas, na medida em que estes pudessem ameaçar os caminhos das minas e as próprias vilas mineradoras, no sentido da guerra justa. Desta forma, reconhecia-se tacitamente a soberania indígena, ao admitir o direito de fazer guerra ao Estado, conforme explicitado pela Carta Régia de 9 de abril de 1655 (CAMPOS, 2007, p. 07). Em 9 de março de 1718, D. João V promulgou uma nova carta, declarando que os índios são livres, e isentos de minha jurisdição, que os não pode obrigar a saírem das suas terras, para tomarem um modo de vida de que eles se não agradam (FARIA, 2005). Desde o início a posse dos índios aos seus territórios foi visto como empecilho ao caminho do dito “desenvolvimento”. Se por um lado reconhecia-se a posse indígena, essa proteção na prática só era tida enquanto não colidisse com os interesses desenvolvimentistas ou como alguns costumam chamar de “interesse nacional” nos dias de hoje. Na prática, até cerca de 1758 (Venâncio, 1997), o arraial de Guarapiranga, à entrada da Zona da Mata, representou o limite da zona de mineração que, independentemente da legislação, foi estabelecido apenas pela resistência feroz dos temidos “botocudos”. Segundo Venâncio (1997), “durante muitos anos impediram o avanço das hostes mineradoras, estabelecendo uma fronteira militar sobre a fronteira econômica”, que representava o limite aceitável da expansão colonial. Uma Carta Régia, datada de 6 de maio de 1747, pede ao governador Gomes Freire de Andrada informações sobre uma petição dos moradores de Guarapiranga, em que se queixam dos “danos” recebidos do gentio bravo dos sertões vizinhos, relacionadas, aparentemente, ao ataque aos índios, em 1746, liderado por João de Azevedo Leme (Venâncio, 1997). Na mesma petição, os moradores pedem licença para entrar nos sertões para conquistá-los e descobrir ouro, argumentando que os índios estavam na posse das melhores terras. Assim, “todo aquele que se puser em guerra e for apanhado seja captivo, não se podendo nunca vender e todos que forem mortos nas occasioens que vem roubar, matar e queimar não se tirem devassas”. O 23 texto da carta não deixa dúvidas da real motivação dos moradores: as “melhores terras” e “cativos”, acenando ao rei com a perspectiva de mais descobertas de ouro, sem que daí resultassem punições. Qualquer que tenha sido o desenrolar desta questão, o certo é que novas fronteiras foram fixadas, por volta de 1758 (Venâncio, 1997). A partir de então, o aparecimento pontual de indivíduos do “gentio dos buticudos” nos registros paroquiais do Antônio Dias, a léguas de distância de Guarapiranga, constituem uma evidência concreta do avanço inexorável sobre os sertões mineiros, que culminou num quase completo desaparecimento da população indígena.(CAMPOS, 2007, p. 18). “[entende-se] em guerra defensiva a que fizer qualquer cabeça ou comunidade, por que tem cabeça e soberania para vir fazer e cometer guerra ao Estado por que faltando esta qualidade a quem faz guerra, ainda que seja feita com ajuntamento de pessoas, os que se tomarem não serão cativos” (FARIA, 2005, s.n.). O Alvará de 1º de abril de 1680 estabelecia que os índios estavam isentos de tributos sobre as terras das quais eram “primários e naturais senhores”. Neste, Portugal reconheceu que se deveria respeitar a posse indígena sobre suas terras. [...] E para que os ditos Gentios, que assim descerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dados em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas (CUNHA, 1987, p. 59). No entanto, este alvará não foi respeitado, pois as terras indígenas continuaram a serem alvos de um processo de esbulho por parte dos “conquistadores”, e quando não raro, com o apoio das autoridades. Citamos como exemplo a Carta Régia de 1808, que “declarava como devolutas as terras que fossem conquistadas dos índios nas chamadas guerras justas”. Essas guerras justas eram promovidas pelo próprio governo da época, contra os povos indígenas que não se submetia à Coroa portuguesa. E como se 24 nota, a “condição de devolutas permitia que as terras indígenas fossem concedidas a quem a coroa quisesse” (ARAÚJO, 2006, p. 38). A legislação colonial possibilitava aos índios serem aldeados em suas próprias terras, que lhes eram reservadas a títulos de sesmarias. Ainda em 1850, uma decisão do Império mandou incorporar às terras da União as terras dos índios que já não viviam aldeados, conectando o reconhecimento da terra à finalidade de civilizar hordas selvagens (Decisão nº 92 do Ministério do Império, 21/10/1850). Na prática, a lei de terras reduzia o direito indígena aos territórios dos aldeamentos. O reconhecimento jurídico previsto nas cartas régias deu origem ao instituto do indigenato, ou seja, reconhecendo o direito por nascimento aos índios às terras que ocupam ou ocuparam (SOUZA FILHO, 1998; VIETTA, 2012). 1.1.2. Legislação Indigenista no Brasil Império (1822 - 1889) No período imperial encontramos dispositivos do direito indigenista na Constituição de 1824, que apesar de relativa omissão, adotou algumas medidas favoráveis aos índios9. Segundo Freitas Júnior (2010), por meio de lei, sancionada em 27 de outubro de 1831, foi determinado à libertação dois índios que se achavam em regime de servidão e, como forma de melhor resguardar os seus interesses, os índios foram equiparados aos órfãos e entregues à proteção dos respectivos juízes de órfãos. No regulamento que tratava do regime de aldeamento, editado em 1845, ficou sob responsabilidade dos missionários religiosos a tarefa de catequizar e adaptar os índios ao convívio com a sociedade brasileira10. 9 Outras leis foram publicadas na tentativa de melhor resguardar os direitos desses povos considerados incapazes de, por si só, promover a defesa de seus interesses. Destacam-se, dentre elas, as de 3 e 18 de junho de 1833; a primeira beneficiava os índios que se estabelecessem nos aldeamentos à margem do rio Arinos, no estado do Mato Grosso, com a isenção do pagamento de qualquer tributo por um período de vinte anos, e a segunda transferia a administração dos seus bens para os juízes dos órfãos, também tutores dos interesses dos indígenas (OLIVEIRA SOBRINHO, 1992, p.108, apud, FREITAS JÚNIOR, 2010, p. 28). 10 Às missões cabia a tarefa de desenvolver a catequese dos índios; trabalhando diretamente nas aldeias já existentes e agrupando os índios nômades em aldeamentos, para ministrar, nestes e naquelas, o ensino das primeiras letras, as máximas da Igreja Católica, incutindo o respeito e a prática dos seus sacramentos, dentre eles o casamento. Construíam também habitações mais confortáveis, tudo com o fim de promover a adaptação dos índios às práticas correntes na sociedade brasileira. E como uma espécie de prêmio aos índios que bem se comportavam nos aldeamentos, a eles eram concedidas terras separadas das aldeias para suas granjearias particulares, que passariam a sua propriedade definitiva, através de Carta de 25 A proposta legislativa do Império era notadamente integracionista. O índio era visto como um indivíduo pertencente a uma sociedade primitiva que precisava, para o próprio bem seu e melhor desenvolvimento do País, sair do estado de barbárie e se adaptar à cultura nacional. A concepção oficial de “índio” não permitia sequer a garantia de suas terras, enquanto propriedade coletiva do grupo indígena. Qualquer garantia à posse de terras dada aos índios seria somente mais uma estratégia de facilitar o processo civilizatório. Sendo a qualidade de índio apenas um status provisório a desaparecer com a sua integração à comunhão nacional, os aldeamentos se configuravam apenas como espaços necessários à colonização e não como habitats dos povos indígenas. Somente com a Lei n°. 601 de 18 de setembro de 1850 (“Lei de Terras”), as terras destinadas à colonização dos indígenas passaram ao usufruto exclusivo dos índios, tornando-se inalienáveis até que o Governo Imperial lhes concedesse o pleno gozo delas, quando assim permitisse o seu estado de civilização. Nota-se que a Lei n°. 601/1850 foi o primeiro diploma legal a referir-se em terra indígena como “inalienável” e de “usufruto exclusivo” dos índios, estabelecendo elementos que ainda hoje compõem a definição constitucional de terra indígena (FREITAS JÚNIOR, 2010, p. 29). O marco jurídico-institucional que preparou a transição do modelo de monocultura exportador para um novo modelo econômico, foi a Lei de Terras de 185011. A lei de Terras introduziu o sistema da propriedade privada das terras, ou seja, a terra passou ser mercadoria visto que a partir de 1850, as terras podiam ser compradas e vendidas. Até então, eram apenas objeto de concessão de uso – hereditária – por parte da Coroa àqueles capitalistas com recursos para implantar, nas fazendas, monoculturas voltadas à exportação (BORGES, 1958). A característica principal desta lei foi a implantação no Brasil da propriedade privada, ou seja, a lei proporcionou juridicamente a transformação da terra (bem da natureza) em mercadoria, objeto de negócio. Normatizou então a propriedade privada. A segunda característica12 estabelecia que Sesmaria, se, durante doze anos ininterruptos, mantivessem-nas cultivadas (OLIVEIRA SOBRINHO, 1992, p.110, apud, FREITAS JÚNIOR, 2010, p. 28). 11 A lei de terras foi muito importante. Ela foi concebida no bojo da crise da escravidão e preparou a transição da produção com trabalho escravo – nas unidades de produção tipo plantation, utilizadas nos quatros séculos do colonialismo – para a produção com trabalho assalariado (BORGES, 1958, p. 283). 12 […] essa característica visava, sobretudo, impedir que os futuros ex-trabalhadores escravizados, ao serem libertos, pudessem se transformar em camponeses, em pequenos proprietários de terras, pois, não possuindo nenhum bem, não teriam recursos para comprar, pagar pelas terra à Coroa. E assim continuariam à mercê dos fazendeiros, como assalariados (STEDILE, 2011, p. 23). 26 qualquer cidadão poderia se transformar em proprietário privado de terras (STEDILE, 2011). No período do Império essa lei tratou de regulamentar a propriedade privada no território brasileiro, assegurou o direito territorial dos índios. Segundo Souza Filho (1998) era na verdade a reafirmação do indigenato, instituto do período colonial que reconhecia os índios como os primeiros e naturais senhores da terra. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, destacando-se os seguintes dispositivos: Art. 72. Serão reservadas as terras devolutas para colonização e aldeamento de indígenas, nos distritos onde existirem hordas selvagens. [...] Art. 75. As terras reservadas para colonização de indígenas, e para elles distribuídas, são destinadas ao seu uso fructo; não poderão ser alienadas, enquanto o Governo Imperial, por acto especial, não lhes conceder pelo gozo dellas, por assim o permitir o seu estado de civilização. Azanha (2001) pondera que a legislação do Império manteve a distinção dos dois tipos de "terras de índios" reconhecidos pela legislação colonial: as possuídas pelos índios estabelecidos nos seus terrenos originais e aquelas reservadas para a colonização "das hordas selvagens" em terrenos distintos da ocupação original. Por sua vez Mendes Junior (1988) assevera que as leis portuguesas dos tempos coloniais apreendiam perfeitamente estas distinções: dos índios aborígenes, organizados em hordas, pode-se formar um aldeamento, mas não uma colônia; os índios só podem ser constituídos em colônia quando não são aborígenes do lugar, isto é, quando são emigrados de uma zona para serem imigrados em outra. O autor, interpretando os dispositivos já citados do Regulamento de 1854 (artigos 72 a 75), conclui que: [...] o Legislador não julgou necessário subordinar os índios aldeados às formalidades da legitimação de sua posse; pois o fim da lei era mesmo o de reservar terras para os índios que se aldeassem. Desde que os índios já estavam aldeados com cultura efetiva e morada habitual, essas terras por eles ocupadas, se já não fossem deles, também não poderiam ser de posteriores posseiros, visto que estariam devolutas [...]. 27 A luz desses artigos conclui-se que enquanto o artigo 75 determinou que as terras reservadas para os índios fossem destinadas ao seu usufruto, não há qualquer registro de salvaguardar aos Guaicuru e aos Aruak na borda do pantanal ou aos Guarani nos Campos de Vacaria o direito sobre as terras por eles habitadas (VIETTA, 2012). 1.1.3. Legislação Indigenista no Brasil República (1889 - 2013) No período republicano, a primeira Constituição da República de 1891, em seu Art. 64, transferiu aos Estados-membros as terras devolutas situadas em seus territórios, e como se sabe, muitas das terras indígenas haviam sido consideradas devolutas nos períodos colonial e imperial. A partir de então, imediatamente os estados passaram a se assenhorear das terras indígenas. A concessão se dava por meio de procedimento que exigia medições e vistorias, o que na época não foram realizadas e por isso foi ignorada a presença de várias comunidades indígenas. Ao mesmo tempo, o constituinte de 1891, excepcionou as terras de fronteiras, os estados ignoravam, expedindo inúmeros títulos incidentes sobre terras indígenas. Exemplo disso são vários títulos que datam dessa época concedidos indevidamente sobre terras dos índios Guarani – Kaiowá, em Mato Grosso do Sul (VIETTA, 2012). A Constituição de 1891 não fazia qualquer menção aos índios ou aos seus direitos territoriais. Isto explica, por exemplo, porque o Serviço de Proteção ao Índio – SPI não tinha poderes para reconhecer as terras indígenas (ARAÚJO, 2006). Após isso, as constituições que se seguiram trouxeram alguns dispositivos reconhecendo a posse dos índios sobre as terras por eles ocupadas: . Constituição Federal de 1934: Art. 129. Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las. . Constituição Federal de 1937: Art.154. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porem, vedada a alienação das mesmas. . Constituição Federal de 1946: 28 Art. 216. Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem. .Constituição Federal de 1967 – Emenda Constitucional nº 1 de 1969: Art. 198 - As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilizadas nelas existentes. 1º - Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas. Os textos constitucionais que se seguiram trataram das terras indígenas no sentido de se respeitar a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas que ali estão, no entanto, como se verá a seguir, somente com a Constituição de 1988 que o legislador se preocupou em tratar da terra indígena como instituto diferenciado do direito civil, e ainda, traçando os elementos conceituais que marcam a posse indígena. Quadro 1: Atos normativos relacionados com o instituto da autonomia dos povos indígenas Visão Integracionista: -Superioridade da cultura hegemônica; - Caráter transitório da Identidade sócio– político – cultural Indígena. ANO 1916 ATO Código Civil CONTEÚDO / OBJETIVO Os índios como relativamente incapazes, sujeitos ao regime tutelar enquanto não fossem adaptados à civilização do país. 1934 Constituição Federal 1937 1946 Constituição Federal Constituição Federal 1966 Convenção 107 da OIT 1967 Constituição Federal 1969 Emenda Constitucional 1973 Estatuto do Índio “Incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” Omisso em relação ao status jurídico dos índios “Incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” Proteção e integração das populações tribais e semitribais de Países Independentes “Incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” “Incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” “... preservar a sua cultura e integrá-los progressiva e harmoniosamente à comunhão nacional” 29 Visão pluriétnica e multicultural: - proteção e valorização das diferenças; convivência respeitosa; - reconhecimento das instituições indígenas próprias, submetidas apenas ao marco jurídico do Estado soberano. 1988 Constituição Federal 1989 Convenção 169 da OIT, (promulgada no Brasil pelo Dec. 5051 de 19.04.2004) 1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; - Reconhecimento do uso das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem no ensino fundamental; - Reconhecimento dos direitos originários (de posse e usufruto exclusivos) sobre as terras que tradicionalmente ocupam; - Consulta às comunidades sobre projetos de exploração mineral; - Reconhecimento da capacidade de postulação em juízo para a defesa de seus direitos e interesses; - Dever da União em demarcar as terras e proteger e fazer respeitar todos os bens indígenas; - Sobre povos indígenas e tribais em países independentes. - Reconhece suas aspirações a “assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram”. - Direito de usufruto das riquezas naturais. - Consulta às comunidades sobre projetos de exploração mineral. Educação escolar bilíngüe e intercultural Fonte: Assessoria Jurídica – CIMI Do período republicano três instrumentos legais merecem aprofundamento: Estatuto do Índio de 1973, a Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169 da Organização internacional do trabalho - OIT. a) Lei n. 6.001 de 1.973 – Estatuto do Índio A lei n. 6.001 de 21 de dezembro de 1.973 também conhecida como Estatuto do índio fora concebida num dado momento histórico brasileiro e estando em vigor até os dias atuais deve ser interpretada a luz dos dispositivos constitucionais de 1988. O primeiro ponto merecedor de nossa reflexão diz respeito ao plano de validade e eficácia do estatuto legislativo em comento. O estatuto do índio é norma de natureza infraconstitucional e mesmo não sendo revogada expressamente não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, 30 ou seja, embora estando em vigor e existindo no mundo jurídico alguns dispositivos desta lei encontram-se com a eficácia de aplicabilidade suspensa por força de comando constitucional. Significa dizer que todos os artigos que não estão de acordo com a Constituição de 88 não devem ser aplicados. O artigo 1º do estatuto do índio preceitua que tem “o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”, ou seja, a perspectiva do Estado brasileiro era integracionista no sentido de incorporar os índios a chamada comunhão nacional. Se por um lado o estatuto perseguiu este objetivo (incorporar, integrar, civilizar) a Constituição de 1988 veio reconhecendo de permanecer e ser diferente. Neste sentido que grande parte dos dispositivos do estatuto do índio encontra-se em desacordo com o que preceitua o texto constitucional razão pela qual não devem ser aplicados, justamente por ser a Constituição Federal norma hierarquicamente superior ao estatuto do índio. Quadro 2: Hierarquia das normas jurídicas NORMAS CONSTITUCIONAIS (Topo da Hierarquia) Constituição Federal Emendas Constitucionais Tratados internacionais de direitos humanos CF NORMAS COMPLEMENTARES (Complementam a Constituição. São expressamente previstas por esta) Leis complementares Complementares NORMAS ORDINÁRIAS (elaboração legislativa comum) Estatuto do Índio Leis ordinárias (Ex: , Código Civil, Código Penal, LDB) Medidas Provisórias (Presidente da República) Decreto Legislativo (Congresso Nacional) Leis Delegadas (Presidente da República) NORMAS REGULAMENTARES (elaboração administrativa) Decreto (Presidente da República) Portarias (Ministeriais, interministeriais, Administrativas) Resoluções NORMAS INDIVIDUAIS (aplicação aos casos concretos, individualizados) Sentenças (“a sentença é lei entre as partes”) Despachos Contratos Ordinárias Regulamentares Individuais Fonte: Assessoria Jurídica – CIMI 31 O capítulo II da lei 6.001/73 trata da tutela e da incapacidade civil do índio. Continua adotando a expressão do Código Civil de 191613: silvícola”. Expressão ultrapassada que não foi utilizado com o advento da Constituição em 1988. O artigo Art. 7º14 do estatuto preconiza que “os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito ao regime tutelar estabelecido nesta lei”, ou seja, o índio ou a comunidade indígena era tido como “alguém incapaz” que só poderia exercer seu direito se tivesse seu “tutor”, no caso a FUNAI, lhe assistindo. São comuns nas falas dos caciques anciãos eles se lembrarem dos tempos em que até para viajarem necessitava de uma autorização da FUNAI, sem o qual não poderia nem sair da comunidade. No artigo 8º está à previsão de nulidade dos “atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente”. Não poderia o índio firmar qualquer tipo de contrato (compra, venda, abrir conta em banco, etc) sem a assistência do órgão tutelar (FUNAI) sob pena de nulidade. Estávamos diante do que no direito Civil brasileiro denominamos de incapacidade civil relativa para a prática dos atos da vida civil. O artigo 6°, inciso IV do Código Civil de 1916 preconizava que os silvícolas são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer; afirmando expressamente no parágrafo único que “os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, e que cessará à medida de sua adaptação”. O estatuto do índio prevê procedimento, individual ou coletivamente, para ser liberado do regime tutelar que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988: Art. 9º Qualquer índio poderá requerer ao Juiz competente a sua liberação do regime tutelar previsto nesta Lei, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisitos seguintes: 13 O Código Civil de 1916 foi revogado pelo atual Código Civil de 2002. Art. 7º Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito ao regime tutelar estabelecido nesta Lei. § 1º Ao regime tutelar estabelecido nesta Lei aplicam-se no que couber, os princípios e normas da tutela de direito comum, independendo, todavia, o exercício da tutela da especialização de bens imóveis em hipoteca legal, bem como da prestação de caução real ou fidejussória. § 2º Incumbe à tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de assistência aos silvícolas (Lei n. 6.001/73). 14 32 I - idade mínima de 21 anos; II - conhecimento da língua portuguesa; III - habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional; IV - razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional. Parágrafo único. O Juiz decidirá após instrução sumária, ouvidos o órgão de assistência ao índio e o Ministério Público, transcrita a sentença concessiva no registro civil. Art. 10. Satisfeitos os requisitos do artigo anterior e a pedido escrito do interessado, o órgão de assistência poderá reconhecer ao índio, mediante declaração formal, a condição de integrado, cessando toda restrição à capacidade, desde que, homologado judicialmente o ato, seja inscrito no registro civil. Art. 11. Mediante decreto do Presidente da República, poderá ser declarada a emancipação da comunidade indígena e de seus membros, quanto ao regime tutelar estabelecido em lei, desde que requerida pela maioria dos membros do grupo e comprovada, em inquérito realizado pelo órgão federal competente, a sua plena integração na comunhão nacional. Parágrafo único. Para os efeitos do disposto neste artigo, exigir-se-á o preenchimento, pelos requerentes, dos requisitos estabelecidos no artigo 9º. A situação atual do índio, sua comunidade e organização devem ser analisadas a luz da Constituição de 1988, visto que esta é hierarquicamente superior ao estatuto do índio. Mesmo o estatuto estando em vigor alguns dispositivos que não estão em harmonia com a Carta constitucional está com sua aplicabilidade suspensa, ou seja, embora exista não se aplica. Veremos que com a promulgação em 1988 da Carta Magna a visão integracionista e a tutela do índio caem por terra, inaugurando uma nova ordem jurídica que reconhece o direito a diferença e a capacidade civil do índio, sua comunidade e sua organização própria. b) Constituição Federal de 1988 Como abordado até o momento, desde a chegada dos “colonizadores” ao território que depois se chamaria Brasil, a posse das terras dos índios foi alvo de preocupação por parte da Coroa portuguesa. Desde o período colonial vários são os expedientes normativos relacionados ao direito dos povos indígenas que aqui estavam. No entanto tem-se na Constituição Federal de 1988 o marco divisor na legislação 33 indigenista, ou seja, é preciso verificar como o índio e sua comunidade era tratado pelo ordenamento jurídico brasileiro antes e depois de 198815. Rompendo com a visão integracionista16 que orientava o relacionamento do Estado com os povos indígenas, a constituição denominada cidadã inovou trazendo um capítulo específico denominado “Dos Índios”. Ali estão dois artigos de fundamental importância para o movimento indígena e que vaticinam os princípios vetores do direito indigenista. Art. 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcálas, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a 15 Sem dúvida a Constituição Federal de 1988 é o marco divisor de águas na linha de evolução do direito indigenista. Não só trouxe um capítulo específico denominado “Dos Índios”, rompendo com a visão integracionista, como também, reconheceu o direito à diferença das comunidades indígena, reconheceu a capacidade processual dos índios, suas comunidades e suas organizações, bem como atribuiu ao Ministério Público o dever de garantir os direitos indígenas e por fim, em seu Art. 231, caput, reconheceu os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupadas. Como bem atesta Deborah Duprat, os territórios indígenas, no tratamento que lhes foi dado pelo novo texto constitucional, são concebidos como espaços indispensáveis ao exercício de direitos identitários desses grupos étnicos. As noções de etnia/cultura/território são, em larga medida, indissociáveis (ELOY AMADO, 2011, p. 13). 16 A teoria integracionista ou assimilacionista foi inspirada na teoria do evolucionismo social. Essa teoria da evolução, oriunda da Biologia de Darwin, foi construída a partir de dados empíricos, qual seja, a seleção de diversos organismos e sua diferenciação tipológica. Contudo, essa teoria foi refutada pelas ciências sociais, notadamente pela antropologia (SANTILLI, 2009, apud, FREITAS JÚNIOR, 2010, p. 23). 34 que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no Art. 174, §§ 3º e 4º. Art. 232 - Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. O caput do Art. 231 vaticina que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições; com isso a ordem constitucional derrubou por terra a visão integracionista que antes perdurava. Nota-se que o estatuto do índio de 1973 apregoa em seu Artigo 1º que tem como propósito “integrar, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”. Se antes a política era integrar a comunhão nacional, agora a Constituição de 1988 reconhece o direito de ser diferente. O índio tem o direito de ser índio do jeito que o quiser, seja na aldeia ou na cidade. Ele tem o direito de preservar sua cultura, sua língua e manter suas crenças e tradições. Em síntese, ele não precisa deixar de ser índio para ser integrado a sociedade nacional, visto que ele já tem sua própria sociedade com organização própria. Essa política assimilacionista fica nítida ao observar o que dispõe o Artigo 4º do mesmo estatuto em comento, in vebis: Art. 4º - Os índios são considerados: I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional; II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura. 35 Nota-se que a norma prevê três classes de índio: isolado, em vias de integração e o integrado. A ideia é que aos poucos os índios seriam integrados e deixariam de ser índios, perdendo assim todos os direitos especiais, principalmente com relação as suas terras, pois desaparecendo-se os índios não haveria a necessidade de demarcar terras e todo o território brasileiro ficaria livre para a implantação de grandes projetos agroexportador. É esta mesma visão que orientou por muito tempo o Serviço de Proteção ao Índio – SPI quando o mesmo reservou pequenos espaços de terras para os índios, pois pensava-se que “progressiva e harmoniosamente” estes deixariam de ser índios e desapareciam. A Constituição de 1988 consagra o direito à diferença, acabando com essa política integracionista. Reconhece ainda o direito a organização social própria de cada povo e/ou comunidade indígena. São eles próprios que devem decidir o seu futuro e eleger quais são suas prioridades. A segunda parte do Artigo 231 reconhece ainda “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. O direito originário significa dizer um direito de nascença, direito congênito, direito anterior a qualquer outro direito. Essa é a extensão da afirmativa constitucional. O texto constitucional de 1988 inovou com relação aos requisitos para definição de terra indígena. Se antes era posto como requisito a “imemorialidade”, o caput do Artigo 231 trouxe como requisito fundamental a “tradicionalidade17”. Significa dizer que os povos indígenas têm direito sobre seus territórios tradicionais. A própria constituição no §1º do mesmo artigo traçou o conceito de tradicionalidade, ou seja, terra indígena não é invenção de FUNAI ou de antropólogos como suscitam algumas vozes, mas decorre da própria quadra constitucional, tem seus parâmetros vinculados a ela. Segundo dicção do dispositivo constitucional, terra tradicional ocupada são as habitadas em caráter permanente; as utilizadas para suas atividades produtivas; as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e as 17 Na lição de José Afonso da Silva, o tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção (Os Direitos Indígenas e a Constituição - Núcleo de Direitos Indígenas e Sérgio Antônio Fabris Editor –– 1993, p. 47). 36 necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Nesta esteira, a terra indígena deve contemplar o espaço necessário para as habitações (moradias) da comunidade. Deve ainda, englobar os recursos naturais, como a mata onde se possa caçar e colher as plantas medicinais, os rios e lagos onde se possa pescar e onde as crianças possam desfrutar de momentos de lazer. O espaço deve ser o suficiente para as atividades culturais e para a convivência harmoniosa dos grupos familiares presentes e as futuras gerações. Este território deve abarcar também eventual montanha, rio, mata, gruta ou outro elemento qualquer considerado sagrado pela comunidade, dentre outros, o cemitério. Vê-se que as atuais reservas indígenas estão bem longe do que traçou a Constituição de 1988, logicamente porque terra indígena reservada é diferente de terra indígena demarcada, razão pela qual todas as reservas indígenas de Mato Grosso do Sul deverão ser demarcadas de acordo com as lentes constitucionais de 1988. O §2º do Artigo 231 da CF/88 dispõe que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (comunidade indígena) destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Terra indígena é bem da União (Artigo 20, inciso XI da CF/88), mas o seu uso é exclusivo da comunidade indígena, não podendo os índios dispor da mesma. Nota-se que no Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 não tem palavra sobrando, nem faltando. O dispositivo foi bem redigido, razão pelas quais tais direitos devem ser protegidos e aplicados em absoluto. O direito dos povos indígenas não sofre mitigação a exemplo de outros direitos como o de propriedade. c) Convenção 169 da OIT A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT dispõe sobre os povos indígenas e tribais em países independentes, foi aprovada em 1989, durante sua 76ª Conferência. Está dividida em oito partes: parte I – Política Geral (art. 1º a art. 12), Parte II – Terras (art. 13 a art. 19), Parte III – Contratação e condições de emprego e industrias rurais (art. 20 a art. 23), Parte IV – Seguridade social e saúde (art.: 24 e 25), Parte V – Educação e meios de comunicação (art. 26 a art. 31), Parte VI – 37 Contatos cooperação através das fronteiras (art. 32), Parte VII – Administração (art. 33) e Parte VIII – Disposições finais (art. 36 a art. 44). A exposição de motivos da convenção consigna a evolução do direito internacional desde 1957 e as mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas de todas as regiões do mundo fazem com que seja aconselhável adotar novas normas internacionais nesse assunto, a fim de se eliminar a orientação para a assimilação das normas. Reconhecendo as aspirações dos povos em assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, bem como de manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões. O texto da convenção teve a colaboração das Nações Unidas, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e da Organização Mundial da Saúde, bem como do Instituto Indigenista Interamericano. Os princípios que norteiam a convenção 169 são: a consulta e a participação18 dos povos interessados; o direito dos povos indígenas de definirem suas próprias prioridades de desenvolvimento na medida em que afetem suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e o território; direitos territoriais e recursos naturais e tratamento penal. 1.2. PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA Para tratar da demarcação de terra indígena deve-se ter claro os conceitos jurídicos que a própria Constituição de 1988 trouxe e que dizem respeito aos elementos identificadores de terra tradicionalmente ocupada. E ainda, segundo o estatuto do índio (lei n. 6.001/73) a demarcação deve ser procedida “por iniciativa e sob orientação do órgão indigenista oficial” (art. 19). Mas, como bem salienta Lacerda (2008) sob pressão dos interesses políticos e econômicos incidentes nas terras indígenas, a sistemática do procedimento passou por várias alterações. Fruto dessas alterações foi uma grande interferência de interessados. Tanto o estatuto do índio quanto a Constituição Federal impuseram prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas, o que obviamente não ocorreu. Art. 5, Alíne “c” - deverão ser adotadas, com a participação e cooperação dos povos interessados, medidas voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos experimentam ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho. 18 38 Segundo o Art. 231, caput, última parte, da CF/88, compete à União demarcar as terras de ocupação indígena. O Estatuto do Índio – Lei 6.001/73, em seu Art. 19, caput, prevê que as terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio (FUNAI), serão administrativamente demarcadas19, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo. O processo demarcatório é regulado pelo Decreto 1.775/96, em que são previstos etapas que delineia o procedimento: identificação e delimitação, aprovação pela FUNAI, contestação, declaração de limites pelo ministro da justiça, demarcação física, homologação presidencial, registro e desintrusão. A FUNAI publica portaria constituindo grupo de trabalhando nomeando antropólogo que irá coordenar (art. 2º do Decreto 1.775/96) e deverá elaborar um trabalho fundamentado de estudo antropológico de identificação. Este profissional deverá ter qualificação reconhecida e será ele quem irá coordenar o grupo de trabalho que realizará estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, além do levantamento fundiário, com vistas à delimitação da terra indígena. Ao final, o grupo apresentará relatório circunstanciado à FUNAI, do qual deverão constar elementos e dados específicos listados na Portaria nº. 14, de 09/01/96, como a explicitação das razões pelas quais tais áreas são imprescindíveis e necessárias, bem como a caracterização da terra indígena a ser demarcada. No caso de haver nãoindígenas na região, devem ser ainda realizados levantamentos sócio-econômicos, documentais e cartoriais, bem como a avaliação das benfeitorias edificadas em tais ocupações. Segundo o § 7º do Art. 2º, do Decreto 1.775/96, o relatório tem que ser aprovado pelo Presidente da FUNAI, que, no prazo de 15 dias, fará com que seja publicado o seu resumo no DOU (Diário Oficial da União) e no Diário Oficial da unidade federada correspondente. A publicação deve ainda ser afixada na sede da Prefeitura local. Esse documento deve apresentar resultado da análise e julgamento da boa-fé de eventuais benfeitorias de não índios, realizada pela Comissão Permanente de Sindicância, instituída pelo Presidente da FUNAI. 19 A demarcação administrativa, homologada pelo Presidente da República, é "ato estatal que se reveste da presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade", além de se revestir de natureza declaratória e força auto-executória. (Pet 3388 / RR – Rel. Min. CARLOS BRITTO/ 25-09-2009). 39 Após inicia-se a fase das contestações (Art. 2º, § 8º), visto que a contar do início do procedimento até 90 dias após a publicação do relatório no DOU, todo interessado, inclusive Estados e Municípios, poderão manifestar-se, apresentando ao órgão indigenista suas razões, acompanhadas de todas as provas pertinentes, com o fim de pleitear indenização ou demonstrar vícios existentes no relatório. A FUNAI tem, então, 60 dias, após os 90 mencionados, para elaborar pareceres sobre as razões de todos os interessados e encaminhar o procedimento ao Ministro da Justiça. O § 10º do artigo 2º dispõe que o Ministro da Justiça terá 30 dias para: I - expedir portaria, declarando os limites da área e determinando a sua demarcação física; II - prescrever diligências a serem cumpridas em mais 90 dias; III - desaprovar a identificação, publicando decisão fundamentada. Declarados os limites da área, a FUNAI promove a demarcação física, enquanto o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, em caráter prioritário, procederá ao reassentamento de eventuais ocupantes não-índios. O procedimento de demarcação deve, por fim, ser submetido ao Presidente da República para homologação por decreto. A terra demarcada e homologada será registrada, em até 30 dias após a homologação, no cartório de imóveis da comarca correspondente e no Serviço de Patrimônio da União – SPU. A partir de então se dará a regularização fundiária, que consiste na desintrusão da área da presença de não índios e o saneamento de pendências judiciais envolvendo títulos de propriedade e manutenção de posse. O pagamento das benfeitorias derivadas das ocupações de boa fé se dá com base em programação orçamentária disponibilizada para esta finalidade pela União. O Dec. nº 1775/1996, diferentemente dos instrumentos anteriores, prevê que levantamentos sobre a situação ecológica da região sejam feitos por especialista, de modo a integrar os estudos complementares realizados no âmbito do processo de demarcação. E ainda, introduziu a fase de contestação, ainda durante o trâmite na FUNAI, que não havia antes. Por meio dessa alteração criou-se um espaço para que se desse o contraditório e a ampla defesa para parte interessada. Reflexões importantes a cerca da demarcação de terra indígena foram abordadas no voto do ministro Carlos Ayres Britto (Petição 3.388-4 Roraima) conhecido 40 como o caso da Raposa Serra do Sol, que trouxe considerações não apenas de cunho jurídico, mas, sobretudo caminhou pela via interdisciplinar visto que a matéria ali discutida demandava empenho de diferentes ângulos. O primeiro “capítulo da sentença20” do voto reafirma que “demarcação de qualquer terra indígena se faz no bojo de um processo administrativo” e que “a disputa pela posse permanente e pela riqueza das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constitui núcleo fundamental da questão indígena no Brasil”, reconhecendo que a demarcação administrativa “é ato estatal que se reveste de presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade”. O Supremo Tribunal Federal – STF apregoou que o significado do substantivo índio é usado pela Constituição Federal por um modo invariavelmente plural, para exprimir a diferenciação dos aborígenes por numerosas etnias, propósito constitucional de retratar uma diversidade indígena tanto interétnicas quanto intra-ética. Ademais, firmou entendimento de que a terra indígena é parte essencial do território brasileiro, sendo bem público federal traduzindo-se numa realidade sócio-cultural, e não de natureza político-territorial. Realça que a demarcação de terras indígenas é capítulo avançado do constitucionalismo fraternal, onde se afirma que os artigos 231 e 232 da Constituição de 1988 são de “finalidades nitidamente fraternal ou solidária”, in verbis: [...] própria de uma quadra constitucional que se volta para efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil – moral de minorias, tendo em vista o proto – valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de vantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, lingüística e cultural. [...] Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica (Pet 3388 / RR – Rel. Min. CARLOS BRITTO, 2009). Segundo o lesto Cândido Rangel Dinarmaco, em sua obra Capítulos de Sentença, “cada capítulo do decisório, quer todos de mérito, quer heterogêneos, é uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não que não se confundem com os pressupostos das outras. Nesse plano, a autonomia dos diversos capítulos de sentença revela apenas uma distinção funcional entre eles, sem que necessariamente todos sejam portadores de aptidão a constituir objeto de julgamentos separados, em processos distintos e mediante mais de uma sentença: a autonomia absoluta só se dá entre os capítulos de mérito, não porém em relação ao que contém julgamento da pretensão ao julgamento deste.” In: LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Dos capítulos da sentença. Revista Jus Vigilantibus, Sábado, 13 de junho de 2009. Disponível em http://jusvi.com/artigos/40442. Acesso em 16/02/2011. 20 41 A discussão tratou do “falso antagonismo entre a questão indígena e o desenvolvimento”, oportunidade em que se sedimentou que o poder público de todas as dimensões federativas não deve subestimar e muito menos hostilizar as comunidades indígenas brasileiras, “mas deve tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico – cultural dos seus territórios”. A orientação é para o poder público valer-se das potencialidades locais de cada comunidade indígena promovendo a viabilidade sociocultural. Tratando-se dos efeitos jurídicos do processo estatal de demarcação de terra indígena, o supremo sedimentou entendimento afirmando que os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram reconhecidos, e não simplesmente outorgados, visto que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente, ou seja, anterior ao próprio estado. [...] Essa a razão de a carta Magna havê-lo chamado de “originários”, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios (Pet 3388 / RR – Rel. Min. CARLOS BRITTO, 2009). Ao final do julgamento da Pet. 3.388, o Supremo Tribunal Federal impôs 19 condicionantes para demarcação de terras indígenas. Grande parte dos aspectos suscitados nas condições propostas decorre das previsões inovadoras contidas no texto constitucional de 1988, mas que carecem de regulamentação pelo poder legislativo21. Quadro 3: Condicionantes impostas pelo STF 1.O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 21 O assessor jurídico do CIMI, Paulo Machado Guimarães salienta que desde 1990 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 260, que visa dispor sobre os atos relevantes de interesses da União, previsto no § 6º do art. 231 da CF. E ainda, desde 1991 e 1992 tramitam na Câmara dos Deputados proposições legislativas que visam dispor sobre uma nova legislação indigenista, superando o atual Estatuto do Índio, Lei nº 6.001/73. Em junho de 1994 foram apreciados por Comissão Especial da Câmara dos Deputados e aprovados, no qual todas as questões suscitadas nas condicionantes propostas são tratadas. 42 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar; 2. O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional; 3. O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei. 4. O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira; 5. O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI; 6. A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI; 7. O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação; 8. O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 9. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da FUNAI; 10. Trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes; 11. Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de nãoíndios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI; 12. Ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas; 13. A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não; 14. As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena; 15. É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa; 16. As terras sob ocupação e posse dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da 43 Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros; 17. É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada; 18. Os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis. 19. É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação. Fonte: Supremo Tribunal Federal Como visto a maior parte das condicionantes reafirmam direitos já garantidos aos povos indígenas. No entanto, faz-se necessário refletir sobre alguns que ferem frontalmente a autonomia das comunidades e seus direitos constitucionais. A condicionante de nº. 4 dispõe que “o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira”. Este dispositivo afronta a constituição de 1988 visto que por força do § 7º do art. 231 da CF/88, que estabelece não se aplica às terras indígenas o favorecimento pelo Estado à organização da atividade garimpeira em cooperativas, conforme previsto nos §§ 3º e 4º do art. 174 da CF. E ainda, sendo a terra tradicionalmente de ocupação indígena de usufruto exclusivo do índio, não é possível a constituição estabelecê-los como usufrutuários exclusivos e tal entendimento vir restringindo esse direito real das comunidades indígenas. Por outro lado, a Lei n. 7.805/89 que trata do regime de permissão de lavra garimpeira não se aplica aos índios. Assim para a permissão de lavra garimpeira em terras indígenas é possível desde que exclusivamente em beneficio dos índios que tradicionalmente a ocupam, após um licenciamento ambiental e também uma avaliação antropológica, mas tudo isso ainda necessitaria de regulamentação normativa especifico, tal como um decreto do presidencial. As condições de n.º 5 e 7 estão em desacordo com o direito dos povos indígenas visto que a Constituição Federal em seu art. 231 § 6°, prevê que quaisquer atos de relevante interesse da União poderão restringir a posse, a ocupação e o usufruto exclusivo dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mediante previsão de Lei Complementar. Assim, essa referência colocada pelo constituinte originário visa assegurar atos de interesse coletivo seja praticado em terras indígenas, demonstrando uma compatibilidade entre interesse coletivo e interesse da comunidade indígena. Dessa forma, a execução de políticas que visem interesse da coletividade poderá ser executada 44 em terras indígenas, desde que em perfeita harmonia com o direito constitucional dos povos indígenas. Por vez, quanto a parte final da condicionante de número “5’, referindo-se a determinadas ações, prescreve que “serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à FUNAI”, não deve ser aplicado, porque tais procedimentos possuem aspectos eminentemente administrativos, o que seria de fundamental importância a participação daqueles que exercem a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e nos lagos da terra indígena. Importante destacar a previsão contida no art. 6°, 1, “a” e 2, da Convenção n. 169 da OIT: 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Não consultar as comunidades indígenas sobre ações que serão executadas em suas terras ferem princípios de ordem fundamental, consagrado tanto no direito interno quanto no direito internacional e, ainda, seria o mesmo de negar a autonomia das comunidades indígenas. As condicionantes de número 8 e 9 tratam das unidades de conservação da natureza incidente em terras indígenas. Terra indígena sofre dupla afetação, sendo uma de ordem ambiental e outra de ordem constitucional, e reconhecendo-se esta dupla afetação significa dizer que tal terra está sobre a administração de dois entes federais 45 que têm suas competências definidas por lei. O que não pode acontecer é a sobreposição de competências e responsabilidades sobre o mesmo objeto, visto que em primeiro lugar deve-se respeitar a forma de organização da comunidade, bem como seus usos e costumes. Gestionar a respeito de determinados aspectos ambientais e ecológicos em uma terra indígena consiste desafio administrativo, justamente de a própria Constituição Federal ter dado tratamento diferenciado à terra indígena. O art. 57 da Lei n. 9.985/2000, que trata sobre as unidades de conservação, tem-se mostrado ineficiente com relação a este dois aspectos constitucionais. O que se espera é que essas matérias (ambiental e indigenista) sejam administradas por ente competente, mas de forma conjunta, sempre pautada nos princípios constitucionais que regem o direito das comunidades indígenas. A condicionante de número 11 dispõe sobre o ingresso, trânsito e permanência de não índios em terras indígenas. Sem dúvida, o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios nas terras indígenas devem estar submetidos ao adequado e correto exercício o poder de polícia da União, que a exercerá por meio de seu órgão federal de assistência ao índio, a FUNAI. Entretanto, deve-se observar o entendimento que os índios têm a respeito do ingresso, trânsito e permanência de não-índios em suas terras, conforme suas próprias formas de organização social, que assim terá legitimidade para autorizar ou não o ingresso de quem quer que seja em suas terras tradicionais. Por fim a condicionante que mais suscita discussões na seara jurídica, de número 17 prescrevendo que “é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada”. É de se considerar que o STF já firmou entendimento que a demarcação de terra indígena se faz no “bojo de um processo administrativo”, procedimento este disciplinado por lei e dividida em etapas que devem ser respeitadas sob pena de nulidade dos atos praticados. Assim a primeira conclusão que deve-se verificar é que, se uma terra está sendo periciada com o intuito de se averiguar se é ou não de ocupação tradicional, esta passará por todos os trâmites previstos em lei, tais como o estudo histórico e antropológico, serão dadas as partes ainda no processo administrativo a oportunidade de manifestarem, após isto, será expedida a portaria declaratória que de todo modo, havendo alguma crise a respeito do assunto, poderá ser levado à apreciação do judiciário. Quando uma terra é demarcada respeitando-se todos os requisitos legais não há que se falar em ilegalidade, visto que se alcançaram os objetivos legais. Por outro 46 lado, não devemos aplicar esta condicionante nos casos em que a terra indígena foi reservada, ou seja, são frutos da política indigenista do antigo SPI, onde foram criadas reservas para os índios sem um prévio estudo e sem observação dos requisitos constitucionais, traduzindo-se em verdadeiros “confinamentos”. 1.2.1. PEC 215/00 A Proposta de Emenda Constitucional n. 21522 acrescenta o inciso XVIII ao art. 49 e modifica o § 4º e acrescenta o § 8º, ambos do art. 231 da Constituição Federal. Pela PEC 215 os dispositivos passariam a ter a seguinte redação: Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) XVIII- aprovar a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas. Art. 231 (...) §4º. As terras de que trata este artigo, após a respectiva demarcação aprovada ou ratificada pelo Congresso Nacional, são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. (...) § 8º. Os critérios e procedimentos de demarcação das Áreas indígenas deverão ser regulamentados em lei. A justificativa para tal proposta baseia-se na afirmativa de que a demarcação de terras indígenas consubstanciaria verdadeira intervenção federal em território estadual, com a diferença de que, nesse caso e ao contrário da intervenção prevista no inciso IV do art. 49, nenhum mecanismo há para controlá-la, ou seja, a falta de critérios 22 A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados por meio de parecer da lavra do Deputado Federal Osmar Serraglio, aprovaram em parte a admissibilidade da PEC 215, aduzindo que a proposta não feriria cláusulas pétreas, a não ser no ponto em que determina a necessidade de ratificação pelo Congresso Nacional das demarcações já homologadas, o que violaria o art. 60, § 4º, IV, da Constituição. Por conseqüência, tal previsão foi expurgada da PEC 215 pelo próprio Poder Legislativo, no exercício do controle político preventivo de constitucionalidade. A CCJ da Câmara dos Deputados também aprovou, no mesmo ato, as PECs 156/2003, 257/2004, 275/2004, 319/2004, 37/2007, 117/2007, 161/2007, 291/2008, 411/2009 e 415/2009, todas anexadas à PEC 215. Com exceção da PEC 291/2208, que trata da definição de áreas de conservação ambiental, propondo nova redação para o art. 225 da Constituição, todas as demais versam basicamente sobre o mesmo tema: criam embaraços e limitações adicionais para a demarcação de terras indígenas. Porém, considerando que o foco precípuo do Mandado de Segurança nº 32.262 é a PEC 215 - única discutida pelos Impetrantes na petição inicial -, o fato de que é sobre tal proposta que vem convergindo toda a movimentação política em favor da mudança constitucional do tratamento dos territórios indígenas, e ainda a urgência na elaboração da presente Nota Técnica, minha atenção neste estudo concentrar-se-á sobre a referida proposta de ato normativo (SAMENTO, 2013, p. 02). 47 em lei torna a demarcação unilateral. Como a decretação da intervenção federal depende de aprovação pelo Poder Legislativo, para os proponentes da PEC 215 também seria adequado submeter ao crivo do Congresso as demarcações de terras indígenas, o que, segundo eles, além de evitar conflitos federativos, daria maior segurança jurídica às demarcações (SARMENTO, 2013). A proposta de emenda constitucional é inconstitucional pela inobservância de dois princípios fundamentais: da separação dos poderes e por ser o artigo 231 da CF/88 cláusula pétrea. O direito originário dos povos indígenas as terras que tradicionalmente ocupam está previsto no artigo 231 da Constituição Federal (1988). Essa terra ou “mãe terra” como os índios se referem ao território, justamente porque é fundamental para a sobrevivência dos povos indígenas, e a base para toda a vivência e modo de ser do índio. Não existe índio ou comunidade indígena sem terra. Se o Estado brasileiro quer garantir a existência dos povos indígenas, devem começar demarcando e protegendo seus territórios. Em relação às emendas constitucionais a Constituição Federal no artigo 60, § 4º, prevê que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais”. São as denominadas cláusulas pétreas, ou seja, direitos que foram petrificados, não podendo ser alterados. Portanto, embora o direito as terras indígenas não estejam previstas no artigo 5° da Constituição – previsão dos direitos e garantias fundamentais – mas estão no artigo 231 e 232 (CF/88), as terras indígenas são cláusulas pétreas, não podendo ser objeto de emenda constitucional. Os direitos conhecidos aos índios e suas comunidades são frutos da luta dos povos indígenas durante articulação feita com aliados no período da constituinte, razão pela qual, qualquer alteração nesses dispositivos representam um retrocesso no direitos dos povos indígenas. 48 2 ETNODESENVOLVIMENTO LOCAL Este capítulo tem por objetivo refletir sobre o tema “desenvolvimento” visto aqui como um direito. O primeiro capítulo desta dissertação dedicou-se a abordar o direito dos povos indígenas e sua evolução de uma visão integracionista para um reconhecimento da pluralidade étnica no Brasil. Neste capítulo se evidenciará o direito que tais comunidades tem de se desenvolverem segundos suas acepções, mas que isso só será possível a partir da efetiva demarcação de seus territórios tradicionais. O termo etnodesenvolvimento tem origem sociocultural no contexto interétnico mexicano e emergiu no cenário nacional e internacional como uma alternativa ao recorrente discurso que apregoa que os povos indígenas são obstáculos ao dito “desenvolvimento” (Cf. VERDUM, 2006, p. 71). Ricardo Verdum (2006, p. 72) indica três eventos que foram importantes para elaboração e disseminação da ideia do etnodesenvolvimento: a) Simpósio sobre “Fricção Interétnica na América Latina” (Declaração de Barbados de 1971); b) O Simpósio “Movimentos de Liberação Indígena na América Latina” (Declaração de Barbados II em 1977); c) A “Reunión de Expertos sobre Etnodesarrollo y Etnocídio en América Latina” (Declaración de San José em 1981). Se por um lado o “desenvolvimento” é visto como sinônimo de “progresso”, de “industrialização” e oposto a “pobreza”; o etnodesenvolvimento emerge como contraponto ao desenvolvimento visto apenas pelo viés econômico. O “etno” no “desenvolvimento” atribui um adjetivo ao processo que respeita as experiências históricas e os potenciais tradicionais e ambientais de cada povo e/ou comunidade indígena. Se por um lado as comunidades indígenas são vistas como empecilho ao desenvolvimento, o etnodesenvolvimento se apresenta como avesso do desenvolvimento pelo viés puramente econômico. A luz dos princípios do desenvolvimento local ao final deste capítulo se trabalhará o que denominamos de etnodesenvolvimento local discutindo o ideário do 49 etnodesenvolvimento com as reflexões do “DL”, pensadas a partir da experiência vivenciada junto às comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul (nível local). 2.1 CONCEITO HOLÍSTICO DE DESENVOLVIMENTO Não há dúvida que para a efetivação de direitos de ordem social é necessário a proteção de direitos ligados ao desenvolvimento global em sua plenitude (BOBBIO, 1992), adotando um modelo de desenvolvimento voltado para o bem viver, satisfazendo as necessidades das presentes e futuras gerações, razão pela qual adotamos neste trabalho um conceito holístico de desenvolvimento (visão holística deriva da palavra grega “holos” que significa “todo”, “inteiro”, “completo”). Significa dizer que o desenvolvimento não pode ser visto apenas pelo viés econômico, como sinônimo de “progresso”. Ou mesmo beneficiar apenas um grupo em detrimento do outro. Daí vem os questionamentos: Desenvolver para quem? Com quem? A custo do que? Sob as lentes holísticas, podemos refletir sobre o desenvolvimento de maneira a não fragmentar o tema, tão pouco hierarquizar interesses; pelo contrario, nos fornece uma visão ampla (macro), voltada para a realidade local e sob a forma de uma extensa malha principiológica (FERRARESI, 2011). A partir de então passamos a refletir sobre o tema desenvolvimento. Segundo Brose (2004) há décadas paira um debate acadêmico e empírico sobre o significado do conceito de desenvolvimento. Preliminarmente, o mesmo autor leciona sobre o conceito de subdesenvolvimento, enfatizando que este conceito foi lançado no discurso do presidente dos EUA, Harry Truman, quando este anunciou ao mundo em janeiro de 1949 que após o sucesso da reconstrução dos países europeus e do Japão, o próximo passo na Guerra Fria seria promover o desenvolvimento nos países pobres do mundo. Essas ideias deram origem a “Doutrina de Truman23” que prega a ideia de que 23 “Doutrina Truman” é uma expressão que designa um conjunto de medidas políticas e econômicas assumidas depois de março 1947, data em que o então presidente dos EUA, Harry Truman, profere um violento discurso contra a “ameaça comunista”, onde diz que os EUA assumem o compromisso de defender o mundo dos soviéticos. Após a Segunda Guerra Mundial e uma destruição nunca antes vista na história (foram mais de 50 milhões de mortos e alguns dos maiores e mais desenvolvidos países do mundo, arrasados) o mundo esperava um longo período de paz e cooperação entre os vencedores aliados (EUA, Grã Bretanha, URSS) que haviam derrotado o Eixo (Alemanha, Itália, Japão) e 50 um certo volume de recursos e um plano é possível desenvolver uma região ou mesmo um país inteiro. Com isso emergiu o conceito de subdesenvolvimento em oposição ao modelo industrial dos países desenvolvidos. Truman (1949) utilizou o termo subdesenvolvimento para definir o estágio dos países que estavam às margens do progresso econômico, técnico e cientifico (FAÉ, 2009). Vejamos abaixo partes do discurso de Truman (1949) traduzidos pelo professor Josemar de Campos Maciel (2012): [...] 32. Em primeiro lugar, nós continuaremos a dar suporte indefectível às Nações Unidas e às suas agências correlatas, e ainda continuaremos buscando novas formas de consolidar a sua autoridade e aumentar a sua efetividade. Acreditamos que as Nações Unidas ficarão consolidadas pelas novas ações que estão sendo formadas em terras que neste momento estão avançando em direção à auto-gestão sob princípios democráticos. 33. Segundo, nós vamos continuar nossos programas para a recuperação econômica mundial. 34. Isso significa, antes de mais, que nós devemos manter todo o nosso peso no sentido de apoiar o programa de recuperação européia. Estamos confiantes no sucesso desta grande empresa para a recuperação do mundo. Acreditamos que nossos parceiros irão, mediante este esforço, reconquistar o status de nações autosustentadas. 35. Ademais, devemos manter ativos os nossos planos para reduzir as barreiras ao comércio mundial, e para aumentar o seu volume. A o perigo nazista. Entretanto, o que ocorreu foi bem o contrário do que se esperava. Os EUA e a URSS, as duas superpotências do pós-guerra, iniciam uma verdadeira disputa onde dividem o mundo em dois pólos distintos. Ambos os lados acusavam-se mutuamente de tentar dominar o mundo através de políticas autoritárias e antidemocráticas. Nos EUA duas situações que contribuíram para sua adesão à Guerra Fria foram a morte do presidente Franklin Delano Roosevelt (1945) que defendia um mundo controlado pelos EUA com o apoio da URSS após o fim da guerra; e a eleição de um Congresso Republicano (1946) conservador. Com a morte de Roosevelt, Harry Truman assume o poder e muda o discurso da “coexistência pacífica” entre URSS e EUA, sabendo que se encontravam em vantagem por dispor de um arsenal de armas nucleares, além de ser o único país que saiu fisicamente ileso do conflito. Desta forma, a Doutrina Truman é lançada em 1947 como o primeiro pilar da Guerra Fria que se estenderia ainda por mais dois anos. Nesse ano (1947) a Grécia e a Turquia passavam por uma guerra civil entre comunistas e monarquistas, o que constituiu a desculpa perfeita que Truman precisava para assumir de vez sua posição contra a URSS, o que fez no tal discurso de 1947. E, para consolidar de vez a polarização do mundo em “à favor” e “anti” comunistas, os EUA lançam o Plano Marshall, onde oferecem apoio econômico aos países que precisam se reerguer após o fim da guerra. A recusa de Stálin ao Plano e a exigência de que Romênia, Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia e Bulgária também recusassem, foi o que consolidou a divisão mundial. À partir daí os EUA passariam a intervir em qualquer guerra a fim de obedecer a Doutrina Trumam e “auxiliar os países a derrotar os insurgentes comunistas”. Assim, de 1950 a 1961 os EUA intervém na Guerra da Coréia, na Guerra do Vietnã, no Irã, Guatemala, apóiam a invasão de Cuba e criam a “Escola das Américas”, no Panamá, onde os militares eram incentivados a assumir o poder em seus países. Disponível em http://www.infoescola.com/historia/doutrina-truman/ . 51 recuperação econômica e a própria paz dependem do aumento do comércio mundial. 36. Terceiro, nós fortaleceremos as nações amantes da liberdade contra os perigos da agressão. 37. Neste momento estamos elaborando, conjuntamente com outras nações, um acordo conjunto desenhado com o fito de fortalecer a segurança da área do Atlântico Norte. Um acordo desse estilo tomaria a forma de um pacto coletivo de defesa nos termos da agenda das Nações unidas (United Nations Charter). 38. Nós já estabelecemos um pacto de defesa assim concebido para o Hemisfério Ocidental por meio do tratado do Rio de Janeiro. 39. O objetivo primário destes pactos é fornecer uma prova irrefutável da determinação conjunta das nações livres a resistir frente a ataques armados vindos de qualquer parte. Cada país que participa destes grandes arranjos deverá contribuir com tudo o que puder para a defesa comum. 40. Se pudermos deixar claro, antecipadamente, que qualquer ataque armado que afete a nossa segurança nacional será enfrentado com força arrasadora, o ataque armado jamais acontecerá. 41. Espero poder mandar ao Senado em breve um tratado concernente ao plano de segurança do Atlântico Norte. 42. Além disso, nós forneceremos treinamento e equipamentos militares às nações livres que cooperarem conosco, na manutenção da paz e da segurança. 43. Quarto, devemos embarcar em um audacioso novo programa que seja capaz de popularizar o acesso aos benefícios do nosso avanço científico e progresso industrial, para a melhora e crescimento de áreas subdesenvolvidas. 44. Mais de metade da população do mundo está vivendo em condições próximas da miséria. A sua alimentação é inadequada. São vítimas da doença. Sua vida econômica é primitiva e estagnada. A sua pobreza é uma deficiência, tanto para eles quanto para áreas mais prósperas. 45. Pela primeira vez na história, a humanidade possui agora o conhecimento e a habilidade para aliviar os sofrimentos desses povos. 46. Os Estados Unidos se destacam entre as nações, no que tange ao desenvolvimento de técnicas industriais e científicas. Os recursos materiais dos quais nós podemos lançar mão para o uso, na assistência de outros povos, são limitados. Mas nossos recursos imponderáveis, no que se refere a conhecimentos técnicos, crescem cada vez mais, são inexauríveis. 47. Acredito que devemos tornar disponíveis, para os povos amantes da paz, os benefícios das nossas reservas de conhecimentos técnicos, a fim de auxiliá-los a realizar as suas aspirações para uma vida melhor. Em cooperação com outras nações, ainda, devemos dar apoio ao investimento em capital em áreas carentes de desenvolvimento. 48. Nosso objetivo deve ser o de ajudar os povos livres do mundo, a partir de seus próprios esforços, a produzir mais comida, mais roupas, mais materiais para a vida doméstica, e mais poder mecânico para iluminar as suas necessidades. 52 No entendimento de Faé (2009, p. 25) o discurso de Truman ganhou relevância excepcional para aquela época pelo momento histórico que se desenhava apontando os seguintes fatores: a) o mundo acabava de sair de dois conflitos mundiais; b) as ex-colônias haviam experimentado um período de crescimento econômico que não abriam mão; c) a divisão do mundo entre ocidente capitalista e oriente comunista; d) e o EUA como potencia mundial após segunda guerra. Faé (2009) analisando o processo que se desencadeou pós 1949, a partir do modelo proposto por Hardy, Palmer e Phillips (2000), considera que Truman ao provocar a emergencia do conceito de subdesenvolvimento, iniciou um circuito de atividade discursiva em torno do tema desenvolvimentista, através da utilização fragmentária e categórica da dualidade desenvolvimento/subdesenvolvimento. A partir de então desenvolvimento associou-se a industrialização, transformando os países de base agrícola em partícipes não auto-sustentáveis sob a nova ótica do mercado global (FAÉ, 2009). Figura 1: A produção do conceito de subdesenvolvimento e a conformação do campo discursivo do desenvolvimento, elaborado por Rogério Faé (2009, p. 28) 53 2.2 O DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL Por meio de proteção as comunidades tradicionais e ao meio ambiente o direito promove o desenvolvimento. Isto porque as teorias sobre o desenvolvimento não podem ser refletidas sem a previsão de normas que garantam a proteção da diversidade cultural das comunidades tradicionais e de seus conhecimentos sobre o meio ambiente. O direito pensado na contemporaneidade deve estar atrelado à normatização que proteja tais bens – tangíveis e intangíveis – no século XXI (cf. COSTA; REZENDE, 2013). Segundo Dias (2013) a sistematização dos padrões normativos nas teorias mais influentes do direito tem colocado em perspectiva a natureza jurídica do desenvolvimento despertando reflexão como: i) o desenvolvimento é um direito? O tema do desenvolvimento pode ser refletido por dois viéses: o econômico e o jurídico, sendo que o primeiro tem sido alvo de maior atenção por parte dos estudiosos, levando-se em conta os índices de acumulação de bens e a renda per capita. Sob o aspecto jurídico o direito humano ao desenvolvimento teve seu reconhecimento pelo texto constitucional (1988) mediante uma análise interpretativa (DIAS, 2013). Proner (2002, p. 54) apud Dias (2013) afirma que o direito ao desenvolvimento “é um direito importante porque pressupõe o respeito a todos os demais direitos humanos como parte integrante do desenvolvimento humano”. Corroborando o ideal de respeito aos demais direitos de solidariedade, dentre eles o direito a terra tradicional como sendo bem de toda uma coletividade prestando-se ao fim maior de proteção de modo de vida tradicional. Situação de comunidades a beira de estrada, sem acesso a água potável, educação bilíngüe e diferenciada, falta de acesso a serviço básico de saúde, a não participação dos sistemas econômico e social local, dentre outras situações, são incompatíveis com o direito ao desenvolvimento (cf. TRINDADE, 1993). No plano internacional a declaração sobre o direito de desenvolvimento editada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1986 vaticina que “o direito a desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico social e cultural e político a ele contribuir e desfrutar, no qual todos os direitos humanos 54 e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados” (ONU, 1986, Artigo 1º). Piovesan (2003, p. 96) enaltece o conceito previsto na declaração de Viena de 1993, segundo o qual “o direito ao desenvolvimento é um direito universal e inalienável, parte integral dos direitos humanos fundamentais”. A Convenção 169 da OIT reconhece o direito ao desenvolvimento das comunidades indígenas a partir de suas cosmovisões e por meio de prioridade elencadas pela própria comunidade. No entanto, desenvolver-se no sentido próprio indígena implica necessária estar em seu território tradicional, pois é partir deste que o modo de ser indígena se aperfeiçoa. Não existe espaço para refletir sobre índio ou comunidade indígena sem a sua terra. Assim o território tradicional é condição sine quo non para pensar em desenvolvimento para os povos indígenas. 2.3 TENTATIVA DE COMPREENSÃO DO DESENVOLVIMENTO LOCAL O termo desenvolvimento local vendo sendo amplamente utilizado na esfera governamental, no terceiro setor, nos movimentos sociais, nas agências de cooperação internacional e especialmente na seara acadêmica (BROSE, 2004). Basicamente, na linha daqueles que adotam os princípios do “DL”, o desenvolvimento local consiste no meio hábil para combater a pobreza, a desigualdade social, promover maior inclusão social, contribuir para a geração de emprego e renda, por fim fortalecer a democracia. Seguindo esta linha de raciocínio, para as comunidades indígenas os princípios do desenvolvimento local traduziriam no chamado “bem viver”, permitindo a participação ativa das comunidades indígenas nas instâncias políticas de elaboração de projetos de vidas voltadas ao modo tradicional de cada povo e/ou comunidade indígena. Em perspectivas gerais, o “DL” viabiliza o efetivo controle social sobre a gestão pública através do fortalecimento das comunidades e o empoderamento de grupos sociais vulneráveis que antes eram desconsiderados no memento de tomada de decisão. No âmbito do Programa de pós-graduação em desenvolvimento local da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) segue-se as reflexões do saudoso professor Vicente Fideles de Ávila, sendo seus escritos leitura obrigatória para uma possível tentativa de compreensão do Desenvolvimento Local. Ávila (2006) inicia sua reflexão questionando “Quê não é desenvolvimento local endógeno?” para, em seguida, enfocar “Quê é desenvolvimento local?”. Assim 55 seguindo o raciocínio de Ávila (2006) desenvolvimento local não é “Desenvolvimento NO Local (DnL)”. “Desenvolvimento NO Local (DnL)” se refere a um empreendimento ou iniciativa a que se atribui a qualificação “de desenvolvimento”, por gerar emprego e expectativa de arrecadação de impostos e circulação de bens e dinheiro, mas que, em verdade, tem o local apenas como sede física. Só fica no local enquanto o lucro compensa. No momento que a lucratividade baixa, ou quebra – empresarialmente falando- ou vai embora, deixando à comunidade-localidade seus destroçosfantasmas, por vezes muitos e graves problemas ambientais e, principalmente, enorme frustração na população (ÁVILA, 2006, p. 22). Ávila (2006) continua lecionando que desenvolvimento local não é (só) “Desenvolvimento PARA O Local” (DpL), concluindo que: “Desenvolvimento PARA O Local (DpL)” se refere à ideia de “desenvolvimento’ que, além de se situar no local como sede física, gera atividades e efeitos benéficos às comunidades e ao ecossistemas locais, mas à maneira bumerangue: brota das instâncias promotoras, vai aos locais-comunidades, mas volta às instâncias promotoras em termos de consecução mais de suas próprias finalidades institucionais (as das instâncias promotoras, evidentemente) que do real, endógeno e permanente desenvolvimento das comunidades-localidades visadas. Em esmagadora maioria, os programas, projetos e atividades desenvolvimentistas realizados ou propostos (com explícitos ou implícitos objetivos de melhorias de comunidades-localidades) por organismos internacionais e nacionais, públicos e privados, têm-se conotado como “Desenvolvimento PARA O Local (DpL)”, bem como os de caráter político-eleitoral, assistencialista, promocionalista e filantrópico, de modo geral, pensados e postos em prática por entidades/pessoas ora interesseiras, ora simplesmente abnegadas e ora até especializadas em assistência/promoção humano-ambiental. Nem sempre esses planos, programas, projetos e/ou atividades deixam muitos e duradouros rastros quando encerrada a atuação das pessoas/agências que os idealizam, patrocinam, promovem ou os operacionalizam. 56 Assim, Ávila (2006), analisando primeiramente o significado de desenvolvimento e em seguida a de local, bem como os conceitos aliados tais como: de espaço, território, comunidade, identidade, solidariedade, potencialidade e agente; nos oferece uma conceituação de desenvolvimento local, vejamos: [...] o ‘núcleo conceitual’ do desenvolvimento local consiste no efetivo desabrochamento – a partir do rompimento de amarras que prendam as pessoas em seus status quo de vida- das capacidades, competências e habilidades de uma “comunidade definida” -portanto com interesses comuns e situada em (...] espaço territorialmente delimitado, com identidade social e histórica-, no sentido de ela mesma –mediante ativa colaboração de agentes externos e internos- incrementar a cultura da solidariedade em seu meio e se tornar paulatinamente apta a agenciar (discernindo e assumindo dentre rumos alternativos de reorientação do seu presente e de sua evolução para o futuro aqueles que se lhe apresentem mais consentâneos) e gerenciar (diagnosticar, tomar decisões, agir, avaliar, controlar, etc.) o aproveitamento dos potenciais próprios -ou cabedais de potencialidades peculiares à localidade-, assim como a “metabolização” comunitária de insumos e investimentos públicos e privados externos, visando à processual busca de soluções para os problemas, necessidades e aspirações, de toda ordem e natureza, que mais direta e cotidianamente lhe dizem respeito. (ÁVILA et al., 2000, p. 68). A partir dessas reflexões podemos entender que as características do desenvolvimento local estão apoiadas no impulso interno (íntimo) do local (da comunidade). No caso das comunidades indígenas a tarefa é árdua, pois em um país com uma diversidade étnica extensa, os princípios do desenvolvimento local devem estar apoiados na cosmovisão de cada povo ou até mesmo comunidade indígena. 2.4 ETNODESENVOLVIMENTO LOCAL Conforme discorrido ao longo do trabalho, tradicionalmente, a noção de desenvolvimento tem contemplado majoritariamente os aspectos de cunho econômicos. No entanto, diante de certos efeitos provocados regionalmente pela globalização surge a 57 necessidade de se refletir sobre o processo e o significado de desenvolvimento pensado no nível local (BRAND, LIMA, MARINHO, 2001). Para Little (2012) é no nível local que começa o processo de construção da autogestão étnica, assim entendidas a constante busca pela autonomia das comunidades indígenas dentro de seus territórios tradicionais. As reflexões a nível local tendem a considerar o conjunto das necessidades humanas básicas (subsistência, proteção, afeto, entendimento, criação, participação, ócio, identidade e liberdade), para além dos aspectos econômicos. O nível “local” é à escala das inter-relações pessoais da vida cotidiana de uma comunidade que (re) constrói a partir de seu território sua identidade cultural. É justamente neste espaço de convivência humana que se localizam os desafios e as potencialidades do desenvolvimento local (MARTÍN, 1999, apud MARTINS, 2002). [...] quando se fala em desenvolvimento local, não se leva em conta somente o aspecto econômico, mas também se considera o desenvolvimento social, ambiental, cultural e político, ou seja, o desenvolvimento em escala humana. (ZAPATA, 2006, p. 03). O desenvolvimento local (endógeno) é um processo de mudanças de paradigmas, liderado pela comunidade local, valendo-se de suas potencialidades, buscando a melhoria da qualidade de vida da população (ZAPATA, 2006). Assim, perseguir o conceito de empoderamento é base para a compreensão do desenvolvimento local. Nesta perspectiva é possível trabalhar a autonomia da comunidade, questões de democracia participativa, dignidade da pessoa humana, sustentabilidade e promoção do respeito ao meio-ambiente. Brand (2001), citando Max-Neef, Elizalde e Hopenhayn (1986), leciona que o desenvolvimento concentra-se na satisfação das necessidades humanas fundamentais24. Assim, para garantir a qualidade de vida das comunidades indígenas é preciso no mínimo, garantir os espaços de convivência do modo tradicional, conforme o uso e costume de cada povo, pois será a partir desses territórios que as comunidades indígenas irão se desvencilhar de um cenário de total dependência e retrocesso social e cultural. Antonio Elizalde (2001) apresenta três subsistemas que se estruturam em torno das necessidades básicas e de satisfação. O primeiro engloba as necessidades 24 Elizalde (apud. BRAND, LIMA, MARINHO, 2001), relembra que as necessidades humanas fundamentais são a subsistência, a proteção, o afeto, o entendimento, a criação, a participação, o ócio, a identidade e a liberdade. 58 humanas (segurança, identidade, liberdade, afeto, etc). Já o segundo subsistema agrupa as formas imateriais e psíquicas que permitem a conscientização de suas necessidades preferências sensoriais (paladar, olfato, audição, tato, visão), formas de preparo de alimentos e vestimentas, formas de religião, memória, identidade, mitos, entre inúmeros outros. Já o terceiro subsistema abarca os bens, ou seja, os artefatos materiais produzidos pela cultura, muitos dos quais são o suporte veicular para bens imateriais: utensílios, ferramentas, alimentos, vestimentas, abrigos em suas mais diversas formas, fotografias, filmes, discos, livros, são alguns dentre esses incontáveis bens (BRAND, LIMA, MARINHO, 2001). Concomitantemente o índio e sua comunidade possuem profundo conhecimento sobre os recursos naturais localizados em seus territórios e sobre a diversidade de formas possíveis de utilização de tais recursos (BRAND, 2001). Quando a Constituição Federal de 1988 reconhece às comunidades indígenas suas formas de organização social, cultura e religião, consagrando o princípio da pluralidade étnica, ela está reconhecendo a autonomia aos mais de 280 povos falantes mais de 300 línguas diferentes, cada qual com sua cultura e maneira própria de ver e entender o mundo. Se por um lado o Estado reconhece o direito à diferença, por outro lado, o mesmo não consegue lidar com a diversidade existente. O desafio está justamente nesta relação – povos indígenas e Estado – pois as comunidades sofrem com a “imposição do modelo ocidental de desenvolvimento altamente concentrador, excludente e destruidor da natureza” (BRAND, 2001, p. 61). Partindo das potencialidades que o índio tem com o meio ambiente (conhecimento tradicional) no contexto de sua comunidade, é possível, apoiado nos princípios do desenvolvimento local e do etnodesenvolvimento, buscar referências concretas que fortaleçam a luta das comunidades indígenas pelos seus territórios tradicionais, percorrendo o caminho na busca do bem viver (qualidade de vida). Ávila (2000a), afirma que para o desenvolvimento local a comunidade ideal é a denominada comunidade stricto senso, pois há uma preponderância dos relacionamentos primários sobre os secundários. Os relacionamentos primários consistem naquela cadeia de contatos e vínculos que as pessoas vão paulatina mas constantemente formando entre elas (exemplo: vizinha). Os secundários são os vínculos que decorrem e se respaldam em regras formais (exemplo: leis, regimentos, regulamentos, etc). Refletir sobre comunidades indígenas na perspectiva do 59 desenvolvimento local levanta a discussão sobre a comunidade, capital social, democracia, sentimento de pertença, potencialidades, identidade, solidariedade, agente, espaço e território. Na comunidade indígena é muito comum afirmar que todos são parentes, pois os vínculos que se formam ali são os primários. É justamente neste nível “local” o campo propício para se pensar no desenvolvimento local endógeno. Ávila (2007, p.18) enfatizou a importância do desenvolvimento local para a sociedade. O Desenvolvimento Local se configura justamente como processo que considera, respeita e aproveita as peculiaridades (ou modos de ser e agir), a realidade (enquanto complexidade dos contextos social, cultural e meio-ambiental) e as potencialidades (das pessoas e do meio) de cada comunidade-localidade, entendendo-se inclusive que em relação a esses aspectos nunca uma comunidade-localidade é igual à outra. Em seus estudos, Buarque (1999, p. 9) define o desenvolvimento local como: “um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população” e ressalta este processo como uma realidade ampla e completa, passível de influências e pressões de aspectos tanto positivos quanto negativos. Tremblay e Fontan (apud LEVY; JOYAL, 2011, p. 92), afirmam que o objetivo central do desenvolvimento local é a promoção da empregabilidade e do empreendedorismo privado. Tal objetivo deve ser perseguido com base em recursos local e endógeno, tanto humanos quanto financeiros. O fim maior do desenvolvimento local (DL) é a constante busca da implementação da qualidade de vida. E, nesse processo de busca, a intervenção parceira (poder público e comunidade), o DL apresenta-se como ponto de encontro entre “de cima para baixo” e o de “baixo para cima”, entre estado e a comunidade. Na lição de William Coffey e Mario Polese (1982), o desenvolvimento local corresponde a um processo cujo impulso inicial pode vir da própria região ou de fora dela, mas que é sustentado e assumido pela população local (apud LEVY; JOYAL, 60 2011). Este processo desembocará num desabrochamento de talentos (potencialidades) locais, iniciativas e conhecimentos dos habitantes do local. Atualmente várias são as políticas públicas que são direcionadas às comunidades indígenas, no entanto, esses empenhos governamentais são tidos como fracassados, justamente por conta da ineficiência do Estado “uno” em lidar com a diversidade de populações tradicionais. Neste ponto, as balizas do desenvolvimento local apresentam-se como ponto de encontro que tem por fim único garantir a aplicabilidade e execução do recurso empenhado com vistas a aproveitar as potencialidades do local. Com relação as comunidades indígenas faz-se necessário atentar-se para alguns princípios gerais, tal como: sentimento de pertença, capital social, democracia, multiculturalidade e direitos específicos desses povos. Na lição de Amaral (2011) pertencimento ou o sentimento de pertencimento é a crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos. O sentimento de pertença fica nítido quando existe a relação de pertencer a determinado lugar e ao mesmo tempo sentir que esse lugar lhes pertence. Nas comunidades tradicionais (quilombos, ribeirinhos, comunidades indígena) essa sensação fica bem clara. Ao mesmo tempo, sentimento de pertença tem relação profunda com a participação. Mesmo não estando fisicamente em determinado lugar, o indivíduo ciente de que pertence a determinado grupo tradicional, participa de forma direta e/ou indireta dos processos sociais que afetam seu grupo e/ou seu lugar. Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, em seus vários dispositivos (Art. 8, alínea 2, Art.13), afirma que essas comunidades têm o direito de conservarem seus costumes e tradições, e no que se refere à terra, estabelece que os governos devem respeitar a especial importância da qual se revestem as terras ou territórios para a cultura e os valores espirituais dos povos indígenas, e sobretudo destaca o aspecto coletivo da relação com a terra que não é vista tão somente como patrimônio econômico. Constituição Federal (1988) corrobora neste sentido, pois na hipótese de haver necessidade de deslocamento da comunidade, só é possível em casos 61 excepcionais25, assegurado o direito de retorno imediatamente após cessar o perigo. Em caso de total impossibilidade de retorno, devem ser garantidas terras em qualidade e estatuto jurídicos iguais para que não percam seus referenciais de identidade, garantindo-se, assim, a sua preservação e desenvolvimento. A idéia de capital social surge da constatação de que variáveis econômicas não são suficientes para produzir desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável (MILANI, 2005). Significa dizer que crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento social. O desenvolvimento local vem à tona quando da resolução do problema de acesso a benefícios, não apenas econômicos, e a participação dos atores sociais. Nesse diapasão os fatores de ordem social, institucional e cultural possuem um papel importante, pois causam impacto direto no incremento qualitativo da comunicação entre indivíduos e atores sociais, na produção de melhores formas de interação social e na redução dos dilemas da ação coletiva (Idem, p. 02). Sabe-se que o fator econômico deve ser levado em conta, mas outros fatores de ordem política, social e cultural são, igualmente, relevantes para o desenvolvimento local. A expressão “desenvolvimento local” é utilizada para designar as iniciativas espacialmente delimitadas em dado lugar (LEVY; JOYAL, 2011). Milani (2005) traz o conceito adotado por Lyda Hanifan (1916) de capital social como o conjunto dos elementos tangíveis que mais contam na vida quotidiana das pessoas, tais como a boa vontade, a camaradagem, a simpatia, as relações sociais entre indivíduos e a família. Segundo Robert Putnam (apud MILANI, 2005), a urbanista Jane Jacobs teria sido a primeira analista social a utilizar, em 1961, o termo “capital social” com o seu significado atual. Capital social estaria no ponto de encontro entre uma participação ativa do cidadão, comunidade e garantia de liberdades individuais. A democracia é conceito fundamental para as comunidades indígenas pois implica essencialmente o reconhecimento da pluralidade de pensamentos, opiniões, visões de mundo e convicções. Elizalde (2001) afirma que [...] la democracia implica igualmente la exigencia del respeto. El respeto significa tomar en serio el pensamiento del otro: discutir con él sin agredirlo, sin violentarlo, sin ofenderlo, sin desacreditar su 25 A Constituição Federal prevê três casos em que está autorizada a remoção de comunidade indígena, ad referendum do Congresso Nacional: epidemia, catástrofe e interesse da soberania nacional, garantido o retorno imediato logo após cessar o risco. 62 punto de vista, sin aprovechar los errores que cometa o los malos ejemplos que presente, tratando de saber que grado de verdad tiene pero también al mismo tiempo significa defender el pensamiento propio sin caer en el pequeño pacto de respeto de nuestras diferencias (ELIZALDE, 2001, p. 27). Zuleta (1995) reconhece certa resistência à democracia, visto que as raízes societárias não foram democráticas. Elencando os principais desafios da democracia na atualidade, estão entre eles: “la emergencia de la multiculturalidad” e “el aumento del capital social”. Quanto à multiculturalidade, explica o autor, nos últimos anos observou-se a transação de sociedades monoculturais para sociedades multiculturais. Disso implica a transição de sociedades com visão relativa que possibilita um consenso ou até mesmo a transição para outra realidade podendo encontra certa dificuldade em sustentar crenças e convicções diferentes. Em relação ao aumento do capital social notoriamente está havendo um crescimento da população com nível de educação mais qualificado, que desaguará em forte mudança no processo eleitoral. Cidadãos informados e com maior acesso aos dados geram expectativa para um direito com qualidade de vida, proporcionando assim um crescimento na demanda participativa. O direito ao etnodesenvolvimento está dentro de uma agenda maior dos direitos humanos. Na atualidade, o direito humano vem sendo pensado em torno do princípio da dignidade da pessoa humana, definindo o sujeito como sujeito de direitos pautado pelo respeito à diversidade sociocultural, implementando a necessidade de tolerância entre diferentes (MELO NETO, s.d). A constante busca pela efetivação dos direitos, o exercício da cidadania e um processo educativo que visa formar sujeitos que assumam a responsabilidade na construção de uma democracia. Estes são os pilares para a formação do cidadão consciente. Oportuno se faz tecer algumas considerações sobre etnodesenvolvimento e indigenismo participativo. Segundo Verdum (2006, p.71), “o tema etnodesenvolvimento emergiu num cenário internacional e nacional como uma alternativa a ideia de que os povos indígenas são um obstáculos ao desenvolvimento nacional”. Para Bonfil Batalla (Apud VERDUM, 2006, p. 73), “etnodesenvolvimento pressupõe existirem as condições necessárias para que a capacidade autônoma de uma sociedade culturalmente diferenciada possa se manifestar, definindo e guiando seu desenvolvimento”. 63 Nesse contexto, afirmar que as comunidades indígenas sejam realmente gestoras de seus territórios é ao mesmo tempo reconhecer que tais comunidade se valem de seu quadro técnico de profissionais índios (professores, médicos, advogados, agrônomos, etc). Para que as práticas sejam marcadas pela visão do profissional indígena e o mais perto possível da realidade e anseios de seu povo. Para Bonfil Batalla (Apud VERDUM, 2006, p. 74), é neste ponto está a diferença entre o etnodesenvolvimento e denominado indigenismo participativo. Enquanto o indigenismo participativo “se define como uma política com os índios, e não para os índios”. No etnodesenvolvimento são os índios, “e unicamente eles, quem devem tomar em mãos as rédeas de seu próprio destino histórico”. Os projetos que se pretende executar nas comunidades indígenas devem ser orientados pelos princípios do etnodesenvolvimento. Para Azanha (2002, p. 32), [...] o “etnodesenvolvimento”, quando referido às sociedades indígenas brasileiras, envolveria os seguintes indicadores: a) aumento populacional, com segurança alimentar plenamente atingida; b) aumento do nível de escolaridade, na “língua” ou no português, dos jovens aldeados; c) procura pelos bens dos “brancos” plenamente satisfeita por meio de recursos próprios gerados internamente de forma não predatória, com relativa independência das determinações externas do mercado na captação de recursos financeiros; e d) pleno domínio das relações com o Estado e agências de governo, a ponto de a sociedade indígena definir essas relações, impondo o modo como deverão ser estabelecidas. O autor reforça que tais indicadores podem ser tomados como metas nos projeto de etnodesenvolvimento sustentado para sociedades indígenas, levando-se em conta a segurança territorial, usufruto dos recursos ambientais e minerais, a demanda por produtos manufaturados, etc. Por fim, é preciso ter claro que os direitos consagrados pela Constituição Federal (1988), capítulo denominado “Dos Índios” (Artigos 231 e 232) é fruto da luta do movimento indígena. Atualmente, existe uma série de aspectos inquietantes no que se refere às violações de direitos humanos, tanto no campo dos direitos individuais e coletivos dos povos indígenas. Além do recrudescimento da violência tem-se observado o agravamento na degradação do meio ambiente, a generalização dos conflitos, o crescimento da intolerância étnico-racial, cultural e territorial. 64 3 TERRA TRADICIONALMENTE OCUPADA Nesta parte da dissertação pretende-se desenvolver alguns apontamentos referentes ao território tradicional, não de forma a exaurir a temática, mas constitui uma tentativa de se abordar questões referentes a retomadas de território e a posse que a comunidade indígena exerce sobre o mesmo. Aborda-se também de maneira preliminar como se deu a organização do povo terena nos últimos anos, em especial da Grande Assembleia do Povo Terena que ganhou repercussão nacional e internacional. 3.1 TERRITÓRIO TRADICIONAL A categoria “terra tradicionalmente ocupada” foi reconhecida pelo texto constitucional de 1988 e vem sendo objeto de luta dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, especialmente o povo Terena, Guarani, Kaiowá e Kadiwéu. Sendo objeto de luta significa que há dificuldade no reconhecimento jurídico-formal dessa categoria resultado de processo de territorialização26. O reconhecimento tende a romper com a invisibilidade sócio-histórico e impele transformação na estrutura agrária (ALMEIDA, 2004). Cada sociedade indígena tem sua forma própria de lidar com o meio físico em que se encontra localizada (ambientes). Com o reconhecimento da “diversidade fundiária do Brasil” a questão fundiária vai além das problemáticas relacionadas à distribuição de terras e o cerne centra-se nos processos de ocupação e afirmação territorial, e aqui tratada da demarcação e homologação das terras indígenas (LITTLE, 2002). Do período colonial aos dias atuais a configuração atual do território “Atribuo ênfase nestes mencionados processos às denominadas terras tradicionalmente ocupadas, que expressam uma diversidade de formas de existência coletiva de diferentes povos e grupos sociais em suas relações com os recursos da natureza (ALMEIDA, 2004, p. 09)”. 26 65 brasileiro sofreu expansão fronteiriça e concomitantemente está “conduta territorial” foi colidindo com a territorialidade das sociedades indígenas que aqui viviam (OLIVEIRA, 1998). [...] a conduta territorial surge quando as terras de grupo estão sendo invadidas, numa dinâmica em que, internamente, a defesa do território torna-se um elemento unificador do grupo e, externamente, as pressões exercidas por outros grupos ou pelo governo da sociedade dominante moldam (e às vezes impõem) outras formas territoriais (LITTLE, 2002, p. 04). Mesmo a Constituição de 1988 reconhecendo o direito originário dos povos indígenas aos seus territórios tradicionais e impondo prazo de cinco anos para a demarcação e homologação de todas as terras indígenas, ainda hoje, várias comunidades estão fora de seus territórios tradicionais aguardando o reconhecimento jurídico-formal de sua terra. A conduta territorial que antes usurpava, invadia e despejava comunidades inteiras de seus territórios tradicionais, hoje se traduz numa “conduta política” sistematizada no conjunto de articulações estatais imbricados em todas as instancias de poderes da máquina estatal com o nítido objetivo de impedir o reconhecimento dessas terras tradicionais. Os dispositivos constitucionais que reconhecem essa diversidade de territorialidades – Estado pluriétnico – tal processo de ruptura e de conquista não resultaram em nenhuma adoção de política étnica e nem ações governamentais capazes de reconhecer efetivamente esses territórios. Neste sentido Almeida (2012). Nessa luta pelo território surgem questões que permeiam o interior das comunidades (estratégias próprias – retomadas) e as questões externas (ações governamentais). Fica nítida a territorialidade estatal (reconhecimento formal) e a territorialidade indígena (autodemarcação – retomada), em razão do pressuposto de que a territorialidade humana comporta multiplicidades de expressões (LITTLE, 2002). Na territorialidade estatal que tem por objetivo reconhecer formalmente determinado território a um determinado povo indígena, é preciso entender como o Estado brasileiro regula e reconhece esses territórios. É justamente neste plano que se abre a possibilidade de refletir na tentativa de compreender como a “conduta política” atual não tem contemplado os povos indígenas e consequentemente os seus territórios tradicionais. Na década de 1980, pesquisadores ligados ao Projeto de Estudos sobre 66 Terras Indígenas no Brasil: invasões, uso de solo e recursos naturais (PETI), desenvolvido no Museu Nacional, procuraram debruçar-se sobre os modos como o Estado brasileiro formulava e definia as terras indígenas (OLIVEIRA, 2012). [...] descrever os aparelhos de poder, integrados por redes de papeis, recursos e indivíduos, dirigidos por habitus e rotinas que se concretizam em normas e programas, atravessados por hierarquias e contextos de tomadas de decisões. Tais aparelhos, bastante diversificados entre si, obedecem a lógicas e interesses específicos, que não podem de maneira alguma ser confundidos com as razões e motivações das populações que legalmente pretendem representar. São poderes, rotinas e saberes coloniais, cujo dinamismo precisa ser descrito e explicado por causas específicas, não derivadas de interesses e valores dos atores sociais em nome dos quais atuam e cujos direitos afirmam garantir (OLIVEIRA, 1998, p.8). Na territorialidade humana é preciso levar em conta as particularidades socioculturais a partir de abordagens etnográficas. Little (2001) afirma que é preciso entender a relação que o particular mantém com seu território valendo-se da cosmografia. Para ele cosmografia é “os saberes ambientais, ideologias e identidades – coletivamente criados e historicamente situados – que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu território” (LITTLE, 2002, p. 4). Os elementos que marcam a territorialidade indígena são os vínculos afetivos com o seu território, esse sentimento de pertença de um com o outro (relação índio e terra mãe) explica o sentido de dar a sua vida pela sua terra. O uso social que dá ao território numa lógica contrária do sentido capitalista que vê o território como mercadoria. E a forma de proteger seu território. O sentimento de retomar o que é seu ante a constante exploração ilimitada de sua “mãe terra”. Essas estratégias de territorialização indígena é reforçada pela memória coletiva que guarda a histórica (des)territorialização promovida pela “conduta territorial” estatal. Little (2002, p. 03) define a “territorialidade como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu território”. No mesmo sentido Sack (1986, p. 19). A territorialidade é força que move qualquer grupo que tem sua história e suas decisões políticas voltada para a defesa e a proteção de seu bem maior, o 67 território27. Nos últimos anos tem se intensificado as chamadas retomadas de terras por parte de comunidades indígenas. As retomadas são instrumentos próprios e legítimos dos povos indígenas de territorializar espaços que foram alvo da “conduta territorial” – foram invadidas ou retiradas – e fazer valer seus direitos étnicos esculpidos na Constituição Federal (1988). É preciso arrazoar que espaço e território não se tratam da mesma coisa. Segundo Raffestin (1993, p. 02) “é essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível”. Ao retomar/reocupar um espaço concretamente a comunidade indígena "territorializa" o espaço. Lefebvre (1976) apud Raffestin (1993) demonstra como é o mecanismo para passar do espaço ao território: [...] “a produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, auto-estradas e rotas aéreas etc.". O território, nessa perspectiva, um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a "prisão original'', o território é a prisão que os homens constroem para si (RAFFESTIN, 1993, p. 2). Diferentemente do olhar capitalista, para os povos indígenas o território não tem valor de mercado, mas sim valor de uso – coletivamente – e o espaço é o “local” de possibilidades. O território irá se apoiar no espaço, mas com este não se confunde visto que o território é uma produção das relações que ali se desenvolvem e são marcadas pelo poder. Cf. Raffestin (1993) e Souza (1995). As retomadas indígenas são processos próprios de territorialidade28 pois 27 A renovação da teoria de territorialidade na antropologia tem como ponto de partida uma abordagem que considera a conduta territorial como parte integral de todos os grupos humanos (LITTLE, 2002, p. 03). 28 [...] a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do "vivido" territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens "vivem", ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as 68 dizem respeito à maneira de manifestação do modelo de um sistema territorial, revelando-se num conjunto de formas – objetivas e subjetivas – ali construídas e vivenciadas. As comunidades indígenas ao estabelecerem as relações com o ambiente vivido constroem-se como sujeitos (individuais e coletivos) e também constroem territórios como sistemas geográficos, dotados de meios com dinâmicas próprias (LE BOURLEGAT, 2008). Na retomada, constituindo-se em processos próprios de um determinado grupo ou comunidade indígena, a construção individual (sujeito indígena) ou coletiva (comunidade, povo) vai se situando no sistema-mundo, fortalecendo o sentimento de pertencimento étnico e local. No espaço materializa-se o território e, uma vez construído o território a comunidade que lhe deu origem passa a interagir com ele propiciando a vinculação com o mesmo e a interação de mundos, tornando-se uma relação existencial (MORIN, 1998). Le Bourlegat (2008), afirma que para melhor compreensão dos processos de territorialização, reflete sobre o território produzido e o território vivido. O território produzido ou construído se expressa por meio de estrutura e ordenação sócio-espacial, ou seja, cada conjunto de estrutura de sistema territorial é um “território produzido”, podendo ter duas dimensões: a) dimensão tangível (constituída por estruturas de edificação e de instrumentos de uso, de infra-estrutura de comunicações e transporte, de produção, entre outros); e b) dimensão intangível (constituída por uma estrutura de regras, valores, crenças, representações, símbolos, memória histórica, linguagem, conhecimento, sentimentos). A dimensão tangível do território produzido é objeto de observação direta constituindo-se nas edificações das moradias tradicionais (casas, posto de saúde, escolas, oca de reunião, roças tradicionais, instrumentos de trabalho, entre outros). A dimensão intangível constitui o universo simbólico da comunidade (cantos tradicionais, rezas, a língua materna, a história da comunidade, receitas tradicionais, entre outros), sendo possível um elemento do sistema intangível revelar-se tangível materializando-se no território, a exemplo do cemitério e da casa de reza. O “construído ou produzido” é a dimensão objetiva do território. A dimensão subjetiva do território nasce do processo de vivência dos sujeitos (individuais relações sociais. Os atores, sem se darem conta disso, se automodificam também. O poder é inevitável e, de modo algum, inocente. Enfim, é impossível manter uma relação que não seja marcada por ele (RAFFESTIN, 1993, p. 14). 69 e coletivos) com o território construído e se manifesta como “território concebido” e como “mundo existencial” (LE BOURLEGAT, 2008). O “território concebido (espaço)” deixa seu modelo impresso nas mentes de quem o vivencia em sua maneira de conhecer, de se comportar, de projetar e construir estruturas construtivas. É com base nesse modelo espacial que os sujeitos (individuais e coletivos) continuam se reproduzindo e produzindo novos territórios. Assim, os indivíduos interagem e planejam suas ações com base num modelo concebido de território anteriormente vivido (o espaço), mas o modelo efetivamente construído da realidade vivida (território) acaba sendo fruto das probabilidades de ações interativas e condições dadas pelo contexto espaço-temporal (LE BOURLEGAT, 2008; RAFFESTIN, 1993). O “território construído como mundo existencial (lugar)” traduz-se nas experiências vividas pelo sujeito no território construído, por meio da herança sóciocultural e do papel assumido no cotidiano, apreendendo e comungando os horizontes de mundo de outras pessoas e da coletividade como um todo (LE BOURLEGAT, 2008; BUTTIMER, 1985). As relações de vizinhança, os deslocamentos cotidianos pelos diferentes lugares conhecidos e os pequenos atos corriqueiros no processo de vivência no território construído, propiciam a busca de significações, carregadas de afetividade, símbolos e emoções (CARLOS, 1996, apud LE BOURLEGAT). Nessa interação estabelece-se o elo afetivo29 entre a pessoa o lugar físico num processo que possibilita a percepção do território vivido como seu “lugar” e seu “mundo particular” fixando o sentimento recíproco de pertencimento e afetividade. Nas comunidades indígenas essa interação é perceptível (dimensão tangencial) por outro lado, nas retomadas indígenas esses sentimentos e interação com o território irradiam sobremaneira. Tuan (1980) apud Le Bourlegat (2008) denominou “topofilia” ao elo afetivo estabelecido entre a pessoa e o lugar físico de existência que teria origem na maneira como o ser humano percebe e estrutura seu mundo. 29 70 3.2 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DA POSSE INDÍGENA O instituto da “posse” está previsto no Código Civil Brasileiro no Livro II da Parte Especial que trata do Direito das Coisas (Artigos 1.196 a 1.510) que são justamente os artigos que tratam da posse, da propriedade e dos direitos reais sobre coisas alheias. Cabe ressaltar que não há no direito brasileiro entendimento harmônico a respeito da posse, seja em relação a sua origem30 ou em relação a sua natureza jurídica. Na sistemática jurídica atual existem duas teorias (escolas) que buscam o conceito e os elementos constitutivos da posse, quais sejam: teoria subjetiva e teoria objetiva. Para Savigny apud Diniz (2012, p. 33), defensor da teoria subjetiva, a posse é um fato que se converte em direito, porque a lei o protege. “Pela teoria subjetiva é inadmissível a posse por outrem, porque não podemos ter, para terceiro, a coisa com o desejo de que seja nossa, pois se não há vontade de ter a coisa como própria, haverá apenas detenção” (DAIBERT, 1979, p. 31 apud DINIZ, 2012, p. 35). Diniz (2012, p.35) aponta as linhas gerais da teoria subjetiva de Savigny: a. b. A posse só se configura pela união de corpus e animus; A posse é o poder imediato de dispor fisicamente do bem, com o animus rem sibi habendi, defendendo-a contra agressões de terceiros; c. A mera detenção não possibilita invocar os interditos possessórios, devido à ausência do animus domini. 30 A teoria de Niebuhr defende a tese de que a posse surgiu com a repartição de terras conquistadas pelos romanos. Terras essas que eram loteadas, sendo uma parte dos lotes – denominada possessiones – cedida a título precário aos cidadãos e outra destinada à construção de novas cidades. Como os beneficiários não eram proprietários dessas terras, não podiam lançar mão da ação reivindicatória para defendê-las das invasões. Daí o aparecimento de um processo especial, ou seja, do interdito possessório, destinado a proteger juridicamente aquele estado de fato. Já a teoria aceita por Ihering explica o surgimento da posse na medida arbitrária tomada pelo pretor, que, devido a atritos eclodidos na fase inicial das ações reivindicatórias, outorgava, discricionariamente, a qualquer dos litigantes, a guarda ou a detenção da coisa litigiosa. Todavia, essa situação provisória foi-se consolidando em virtude da inércia das partes; como conseqüência disso aquele que tivesse sido contemplado com a medida provisória, determinada pelo pretor, passava a não ter mais qualquer interesse no prosseguimento da ação reivindicatória, uma vez que sua situação praticamente já lhe assegurava o domínio. A parte contrária, ante a posição inferior a que ficara relegada, interessava-se também pela pretensão de ver decidida a reivindicatória, pois a situação de fato declarada em favor do antagonista por si só já contornava praticamente inoperante quaisquer meios de prova a seu favor (DINIZ, 2012, p. 31-32). 71 Na teoria objetiva, defendida por Ihering, a posse é a exteriorização ou visibilidade da propriedade, ou seja, a relação exterior intencional, existente normalmente entre o proprietário e sua coisa (DINIZ, 2012, p.37). Como verificado acima, Diniz (2012, p.38) oferece – nos uma síntese da teoria objetivista, in verbis: a. A posse é condição de fato da utilização da propriedade; b. O direito de possuir faz parte do conteúdo do direito de propriedade; c. A posse é meio de proteção do domínio; e d. A posse é uma rota que conduz à propriedade, reconhecendo, assim, a posse como um direito. O Código Civil brasileiro acolheu a teoria objetiva, pois “caracteriza-se a posse como a exteriorização da conduta de quem procede como normalmente age o dono” (SILVA PEREIRA, 1978, p. 26). O Art. 1.748 do Código Civil prescreve que o herdeiro tem a posse no mesmo instante em que ocorre a morte do dono dos bens. Caso de posse sem corpus e sem animus (SILVA PEREIRA, 1978, p. 31). Assim, portanto, a posse é um direito. O debate em torno da definição de posse, se é um fato ou um direito ainda perdura na ciência jurídica, embora a corrente majoritária é a que sustenta que a posse é um direito. Rudolf Von Ihering (1984) em sua obra intitulada “teoria simplificada da posse” nos traz importantes considerações: “O possuidor que não tem outra qualidade sucumbe na luta contra o proprietário reivindicante, o que prova que a posse não é mais que um puro fato que desaparece perante o direito. Isso não demonstra, na realidade, que a posse seja um direito, mas que constitui um direito de uma espécie particular, por sua natureza diferente dos demais” (IHERING, 1984, p. 92). A posse indígena é uma posse constitucional, merecendo tratamento diferenciado da posse regulada pelo direito civil. Essa posse em sentido amplo é um direito de categoria especial, não podendo ser tratado como simples fato que tende a desaparecer perante um “suposto direito de propriedade”. Ihering (1984) leciona que para “julgar se a posse é um direito ou um fato” deve-se buscar a definição de direito. Segundo ele, os direitos são os interesses juridicamente protegidos. 72 [...] a palavra direito apresenta-se na expressão 'juridicamente protegidos', porém com uma significação muito diferente. No primeiro caso significa o direito no sentido subjetivo, e, no segundo, no sentido objetivo, estas duas noções são fundamentalmente diferentes entre si. Ponha-se em lugar de juridicamente protegidos, LEGALMENTE protegidos, e tudo ficará bem. Se utilizei a primeira expressão, é porque a lei não é a única fonte do direito no sentido objetivo; há ainda o direito consuetudinário, que não pode ser compreendido na expressão 'legalmente protegidos (IHERING, 1984, p. 93). A posse indígena não pode ser tratada da mesma forma que a posse regulada pelo direito civil brasileiro, isso porque sua previsão decorre de comando constitucional. “Para o Direito Civil, a posse é uma relação material com a res, na medida em que seu titular guarda e age como senhor do bem” (FREITAS JÚNIOR, 2007, p. 310). Por sua vez a posse indígena é anterior a qualquer outra relação jurídica. Este é o debate travado na jurisprudência dos tribunais e que tem ganhado força, visto que a posse indígena não pode ter sua proteção confundida meramente com a posse civil ou ocupação geral. [...] a relação entre o indígena e suas terras não se rege pelas normas do Direito Civil. Sua posse extrapola da órbita puramente privada, porque não é e nunca foi uma simples ocupação de terra para explorá-la, mas base de seu habitat, no sentido ecológico de interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana. Esse tipo de relação não pode encontrar agasalho nas limitações individualistas do direito privado, daí a importância do texto constitucional em exame, porque nele se consagra a ideia de permanência, essencial a relação do índio com as terras que habita (SILVA, 2004, p. 836). A Constituição Federal no § 1º do Artigo 231 estabeleceu como requisito para demarcar terra indígena a “tradicionalidade” e traçou o conceito de abrangência da mesma: Art. 231, §1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por ele habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, às imprescindíveis a preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. 73 Segundo Freitas Júnior (2007), a terra objeto dessa posse é aquela tradicionalmente ocupada pelos índios. “Aqui não se está diante de um conceito meramente de tempo, mas da busca de um elemento cultural na forma de a tribo se relacionar com seu quinhão”. O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelo qual se deslocam etc. Daí dizerse que tudo se realiza, segundo seus usos, costumes e tradições (SILVA, 2004, p. 836). A jurisprudência dos tribunais superiores do judiciário brasileiro é firme no sentido de que a posse indígena, por suas peculiaridades, não pode ser analisada à luz dos conceitos civilistas de posse e propriedade. 3.3 HÁNAITI HO’ÚNEVO TERENOÊ: CONSELHO DO POVO TERENA No ano de 2012 foram realizadas várias reuniões locais na terra indígena Taunay/Ipegue tendo como pauta principal a questão fundiária. A presença dos professores indígenas era marcante juntamente com vários outros jovens que estavam cursando graduação nas universidades de Mato Grosso do Sul. Um momento importante, tido como primeira reunião ocorreu na aldeia Água Branca em março de 2012 tendo como principais articuladores os terena Lindomar Ferreira, Luiz Henrique Eloy, Elvisclei Polidório, Dionédson Candido e Zacarias Rodrigues, estando presentes várias lideranças da terra indígena Taunay/Ipegue (ex-caciques, rezadores, professores indígenas, acadêmicos, movimento de mulheres) e lideranças da Comunidade Mãe Terra do município de Miranda. A reunião contou com a participação de representantes do Ministério Público Federal, o Procurador Emerson Kallif Siqueira; representante da Advocacia Geral da União, a Procuradora Federal Adriana de Oliveira Rocha e Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário, Advogado Rogério Batalha. Foi neste episódio que foi constituída uma comissão de lideranças com o fito de levar a mesma discussão para as demais comunidades, foi constituída a denominada “Comissão Fudiária” tendo como primeiro responsável (ou presidente – conforme denominação 74 adotada pelas próprias lideranças) o Cacique Francisco Ramiro (Cacique Chico) da aldeia Ipegue. Após, foram marcadas outras reuniões locais em cada comunidade na tentativa de mobilizar toda a comunidade para o movimento de luta pela terra, em especial dos demais caciques que até então não estavam participando. As próximas reuniões aconteceram nas aldeias Bananal e Morrinho, da terra indígena Taunay/Ipegue. Ao final dessas duas reuniões a mobilização em torno da terra era consensual, e as divisões de grupos de interesses que até então predominavam se uniram em torno da discussão territorial. Neste momento da mobilização já havia a participação de caciques e consequentemente maior aderência por parte da comunidade em geral. Figura 2: Reunião na Aldeia Morrinho - março de 2012 Fonte: Arquivo do pesquisador Nas reuniões que aconteceram em Bananal e Morrinho foi-se debatido a situação jurídica dos territórios tradicionais e, após a análise do andamento do procedimento administrativo de demarcação e da ação judicial que havia suspendido a demarcação a comunidade chegou ao entendimento que era preciso adotar formas próprias de mobilização social. Foi então marcada uma grande reunião e convidado 75 todos os caciques. Os terena Lindomar Ferreira, Zacarias Rodrigues, Dionédson Candido, Elvisclei Polidório e Luiz Henrique Eloy saíram em peregrinação as comunidades terena convidando as lideranças: Terra indígena Taunay/Ipegue, Terra indígena Buriti; Terra indígena Limão Verde; Terra indígena Cachoeirinha; Terra indígena Pilad Rebuá; Terra indígena Lalima; Terra indígena Nioaque e comunidades indígenas do município de Campo Grande. Assim, nos dias 1º, 2 e 3 de junho de 2012 foi realizado a primeira grande reunião Terena contando com a participação de quase a totalidade dos caciques Terena e lideranças Kadiwéu e Kinikinau. Na abertura da Assembleia uma anciã da Aldeia Água Branca afirmou que desde a guerra do Paraguai os Terena, os Kadiwéu e os Kinikinau não se reuniam, e reforçou dizendo que ali não se tratava de uma simples reunião, mas de uma Hánaiti Ho’únevo Terenoê – Grande Assembleia do Povo Terena (conforme consta no documento final da assembleia). Figura 3: Caciques e lideranças tomando decisões durante Assembleia na Aldeia Imbirussú – Junho de 2012 Fonte: Arquivo do pesquisador. O documento final da primeira assembleia terena expressa a conjuntura dos desafios postos aos direitos indígenas abordando as proposições legislativas em tramitação contra os povos indígenas tais como: PEC 215, Portaria 303 da AGU, PL 76 1.610 que trata da mineração em terras indígenas. A carta final expressou decisão tomada no que no que diz respeito a organização do movimento terena, afirmando que somente os representantes legítimos das comunidades indígenas poderiam falar em nome delas, desmantelando as vozes distantes da realidade das comunidades, mas que se apresentavam como representantes destas31. Figura 4: Assembleia na Aldeia Imbirussú – Junho de 2012 Fonte: Arquivo do pesquisador Outro aspecto importante que merece reflexão diz respeito a aproximação das lideranças de retomadas, dos caciques das aldeias, dos professores indígenas e dos acadêmicos indígenas. Os terena tem presença marcante nas universidades e em algumas instâncias políticas importantes seja integrando gestão pública municipal ou estadual, no órgão indigenista oficial, nas escolas e universidades. No entanto, até o presente momento estavam dispersos no que diz respeito a pauta referente aos seus territórios tradicionais. 31 Durante esta assembleia os caciques de várias comunidades reforçaram a necessidade de se ter um Conselho de Terena que congregasse todas a lideranças indígenas que estavam em suas comunidades vivenciando as lutas cotidianas. As vozes foram duras em relação ao parente Marcos Terena que se apresentava como representante de todos os povos indígenas do Brasil nacional e internacionalmente e, iniciou-se a desconstrução dessa representação que não tem base na comunidade e portanto, distante da realidade vivida pelas comunidades Terena de Mato Grosso do Sul. Tal posição foi confirmada no documento final da Cúpula dos Povos durante a RIO + 20, onde todos os povos presentes repudiaram a posição do parente Marcos Terena. 77 No que se refere aos acadêmicos indígenas tem se a plena convicção que para os povos indígenas de nada vai adiantar seus jovens irem para as universidades se estes não derem alguma devolutiva para as suas comunidades. Foi a partir de então que se iniciaram no âmbito do Programa Rede de Saberes32: Permanência de indígenas no ensino superior, diversos encontros temáticos visando refletir sobre os conhecimentos “científicos” e o conhecimento tradicional, buscando encontrar caminhos para um diálogo entre os estudantes e suas lideranças. Figura 5: Reunião das lideranças com acadêmicos indígenas na Aldeia Buriti – Dezembro de 2012 Fonte: NEPPI/UCDB Os encontros com lideranças surtiram efeito positivo para a luta das comunidades indígenas, tanto no que diz respeito a questão fundiária, mas também para a saúde e educação. O próprio Conselho do Povo Terena dispõe de uma comissão de jovens que tem por função participar ativamente das demandas do movimento indígena. Esta participação tende a qualificar a luta, especialmente em relação à mobilização e visibilidade dessas demandas por meio de notas, vídeos e redes sociais. 32 Projeto coordenado pelo Prof. Dr. Antonio Brand e que contava com a participação de acadêmicos indígenas da UCDB, UEMS, UFGD e UFMS – Campus Aquidauana. 78 Segundo relato das lideranças da Terra Indígena Buriti a participação dos professores e acadêmicos na luta pela terra garante também uma proteção aos caciques e líderes de retomadas, pois estes fazem uma espécie de blindagem de suas lideranças. Figura 6: Fluxograma demonstrando a organização interna com a participação dos professores e estudantes Caciques e Lideranças Professores Acadêmicos Assim a liderança não ficaria exposta diante da histórica violência perpetrada contra líderes indígenas que estão na luta pela terra e, tanto os professores quanto acadêmicos podem contribuir com a demanda de sua comunidade, valendo-se cada um do conhecimento adquirido na universidade. Nos últimos tempos o que tem sido notório é o papel de advogado indígena, do profissional da comunicação, de profissionais da área da ciência da terra e professores indígenas, pois estes são fundamentais nos primeiros dias de uma retomada. As assembleias têm se transformado num espaço importante visto que não tem apenas debatido a questão territorial, mas abrange a educação, saúde, meio ambiente e sustentabilidade. Razão pela qual tem contato com a participação de organismos tidos como aliados da luta dos povos indígenas. 79 Figura 7: Assembleia na Aldeia Babaçu - 2014 Fonte: Arquivo do pesquisador Figura 8: Conselho Aty Guasu Guarani Kaiowá na Assembleia Terena Fonte: Arquivo do pesquisador Desde as primeiras Assembleia Terena o Conselho Aty Guasu Guarani 80 Kaiowá tem participado com número significativo de lideranças, anciões e jovens. A própria estrutura do conselho foi pensada tendo como exemplo o Conselho Aty Guasu e, nas primeiras reuniões as lideranças terena contaram com reflexões importantes trazidas por Otoniel Ricardo, grande liderança Guarani. Outro registro importante é o fato das Assembleias Terena sempre contarem com a participação de lideranças de outros povos indígenas no sentido de compartilhar experiências. Na Assembleia que ocorreu na Terra Indígena Buriti em maio de 2013, os líderes Babau Tupinambá e Nailton Pataxó, ambos do estado da Bahia participaram ativamente das discussões e deram grande contribuições para a luta dos Terena de Mato Grosso do Sul. Fato é que as assembleias terena tem discutido os principais desafios aos direitos dos povos indígenas, tendo pautada a luta em âmbito nacional, sendo seus documentos finais, verdadeiros registros da situação vivenciada pelas comunidades indígenas e expressão de resistência ao modelo de desenvolvimento adotado pelos Estado brasileiro. Figura 9: Leitura do documento final da Assembleia Terena em Babaçu Fonte: Arquivo do pesquisador 81 4 O TERRITÓRIO INDÍGENA COMO DIREITO FUNDAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL Este último capítulo tem por objetivo apresentar por meio de levantamento preliminar realizado a situação jurídica das terras indígenas de Mato Grosso do Sul. Poucos são os territórios que foram demarcados de acordo com o previsto no texto constitucional de 1988, estando às comunidades vivendo em pequenas reservas ou acampadas a beira de estrada ou fundo de fazendas. Defende-se também o território indígena a partir da lógica constitucional (1988) de proteção aos direitos e garantias fundamentais, derrubando por terra todo argumento que sustenta a PEC 215. Neste mesmo viés, suscitam-se reflexões sobre os atuais problemas de ordem social e política pelo qual as comunidades indígenas passam atualmente que estão intimamente ligadas a questão territorial, sendo que somente a partir da efetiva demarcação da terra indígena é que tais comunidades poderão desvencilhar-se dos desafios postos atualmente. 4.1 SITUAÇÃO JURÍDICA DAS TERRAS INDÍGENAS DE MS O processo de demarcação de terra indígena é regulado pelo Decreto n. 33 1.775/96 e foi abordado na primeira parte dessa dissertação. Cabe ainda repisar alguns 33 A demarcação de terras indígenas é, pela sua própria natureza, um processo administrativo. O procedimento, disciplinado pelo Decreto nº 1.775/96, envolve a elaboração de estudo antropológico de identificação de comunidade indígena (art. 2º), bem como a realização de estudos de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, além de levantamento fundiário (art. 2º, §§ 1º e 2º). Ele demanda a prática de atos administrativos pela FUNAI, Ministério da Justiça e Presidência da República (arts. 1º, 2º, § 10,º e 5º) e conta com a participação dos grupos indígenas envolvidos em todas as suas fases (art. 1º, § 3º). Todo o procedimento se desenvolve sob o signo do contraditório, permitindose a ampla participação de todos os interessados, inclusive Estados e municípios (art. 2º, § 8º). O procedimento de demarcação objetiva, em síntese, concretizar o direito às terras indígenas, previsto no art. 231 da Constituição. As atividades desenvolvidas e as decisões adotadas no procedimento são de natureza estritamente técnica, voltando-se a aferir a caracterização da hipótese descrita no § 1º do art. 231, da Carta, e a extrair daí as conseqüências pertinentes, que consistem na demarcação e registro da área indígena, na eventual extrusão de ocupantes não indígenas da área, e no pagamento aos mesmos das indenizações competentes, quando cabíveis. São, portando, ações materiais e decisões de índole técnica, 82 dispositivos do procedimento para maior entendimento da situação dos mesmos que até os dias atuais não foram concluídos e não há nenhuma sinalização política ou mesmo empenho por parte do estado brasileiro para a conclusão das demarcações. O Artigo 231 da Constituição Federal (1988) reconheceu aos índios o direito originário as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarcar esses territórios e impôs prazo de cinco anos para que todas as terras fossem demarcadas, a contar da data da promulgação da Constituição em 1988. O prazo estipulado venceu em 1993 e até o momento poucos foram às terras Guarani e Kaiowá demarcada e com relação aos territórios Terena, Ofaié e Kinikinau, nenhuma terra foi de fato demarcada. Aponta-se como principal entrave a demarcação dos territórios indígenas a judicialização das demarcações e o modelo de “desenvolvimento” adotado pelo Estado brasileiro, opção que não contempla as comunidades que são vistas como empecilho ao dito “desenvolvimento”. O tema da judicialização é bastante abordado neste trabalho e fica evidente a partir da listagem dos processos levantados durante a pesquisa, demonstrando o altíssimo número de ações judiciais. Neste levantamento é possível averiguar as inúmeras ações judiciais em trâmite perante a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, bem como os recursos interpostos perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região que é a segunda instância de jurisdição. A judicialização é flagrante ainda mais em virtude das ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal, que tem por missão julgar causas constitucionais admitindo-se apenas ações excepcionais ou extraordinárias. No entanto, tem-se chegado a aquele tribunal ações de cunho possessório e petitórias. Como apontado na primeira parte, o procedimento de demarcação de terra indígena está previsto para tramitar na via administrativa, iniciando-se na FUNAI e concluindo com expediente da presidência da república (atos do poder executivo). No entanto, com as ações intentadas pelos interessados na não-demarcação, tais procedimentos ficam paralisados por força de decisão judicial, decisões estas que são dadas baseando-se apenas em argumentos jurídicos de cunho civilista (Código Civil), enquanto que o direito dos povos indígenas foi tratado com profundidade pelo direito constitucional (Constituição Federal). O levantamento das ações judiciais demonstra que, pela sua própria natureza, têm natureza administrativa (SARMENTO, 2013, p. 30). 83 justamente essa tendência do judiciário federal de Mato Grosso do Sul, mas que não é o posicionamento dos Tribunais Superiores, razão pela qual grande parte dessas decisões são revertidas nas instâncias superiores. Na justiça federal de Mato Grosso do Sul estão em trâmite atualmente 388 processos judiciais que versam sobre demarcação de terra indígena e demais conflitos possessórios. Sendo 154 processos na subseção judiciária de Campo Grande; em Dourados temos 73 processos, em Ponta Porã temos 93 processos e em Naviraí 68 processos. Estes são apenas ações que estão tramitando na primeira instância, sem contar outras centenas de recursos pendentes nos tribunais superiores. No Supremo Tribunal Federal encontram-se 13 (treze) ações judiciais envolvendo demarcação de área indígena somente do estado de Mato Grosso do Sul. Há casos em que o Estado de Mato Grosso do Sul ingressa como parte no processo atuando como assistente litisconsorcial do fazendeiro fazendo com que o processo seja deslocado da Vara Federal de primeira instância para o Supremo Tribunal Federal. Esta sistêmica ação por parte do estado (leia-se: governador) tem o nítido objetivo de levar o processo para o STF e consequentemente aumentar a demora por uma decisão do poder judiciário. A evidência é que a judicialização tem sido um dos principais entraves a demarcação e, nessa lógica, várias são as manobras processuais para o retardamento da prestação jurisdicional, dentre eles, o ingresso do estado de Mato Grosso do Sul como parte nos processos. Quadro 4: Processos judiciais envolvendo a demarcação de áreas indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul, em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Processo Mandado de Segurança n. 25.463 Povo Guarani Kaiowá Comunidade Ñande Ru Marangatu Mandado de Segurança n. 28.567 Mandado de Segurança n. 28.555 Mandado de Segurança n. 28.541 Ação Cível Originária n. 1783 Guarani Kaiowá Guarani Kaiowá Guarani Kaiowá Terena Arroio Korá Cachoeirinha Ação Cível Originária n. 1589 Terena Cachoeirinha Ação Cível n. 2556 Terena Cachoeirinha Arroio Korá Arroio Korá Tramitação Conclusos ao Relator em 24/7/2013. Requerimentos de prioridade na tramitação desde agosto de 2009 Parecer da PGR opinando pela denegação da segurança – 25/9/2012 Parecer da PGR opinando pela denegação da segurança – 25/9/2012 Parecer da PGR opinando pela denegação da segurança – 25/9/2012 Conclusos ao Relator em 11/7/2013. Parecer da PGR opinando pelo retorno dos autos à origem 7/10/2011. Conclusos ao Relator em 14/6/2013 Informações prestadas – 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS, em 8/5/2013 (sobre prova Pericial e oitiva de testemunhas) Conclusos ao Relator em 28/2/2012. 84 Ação Cível Originária n. 1383 Terena Cachoeirinha Ação Cível n. 2641 Guarani Kaiowá Guarani Taquara Porto Lindo Reconsideração de decisão proferida em 6/12/2011, para apreciação de agravo regimental – 15/2/2012. Sem tramitação desde 29/3/2012. Informações sobre cartas de ordem Seção Judiciária do MS – 15/3/2012. Determinação de oitiva de testemunha em São Roque/SP – 2/12/2011. Apensamento aos autos da ACO 1606, em 18/4/2013. Sem tramitação desde 16/08/2012. Guarani Porto Lindo Concluso ao relator em 28/01/2013. Guarani Kaiowá Taquara Mandado de Segurança n. 27.939 Mandado de Segurança n. 31.100 Ação Cível Originária n. 1606 Estado de Mato Grosso do Sul interpôs AgRg em 29/4/2013 STF requisitou os autos do AI 1560090.2010.4.03.0000 do TRF3. Ação Cível Terena Cachoeirinha TRF3 encaminhou os autos do AI interposto Originária n. 1684 pela FUNAI na Ação Ordinária nº 2009.60.00.002962-4 em 08/2/2013. Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com adaptações feitas pelo pesquisador. Outra conseqüência da judicialização é a paralisação dos processos de demarcação, ou seja, várias são as liminares que são concedidas em favor do fazendeiro onde o judiciários no início da ação judicial determinada que a FUNAI paralise os procedimentos. Neste ínterim as comunidades continuam em situação de acampamentos aguardando uma decisão resolutiva. Quadro 5: Terras indígenas cujos processos demarcatórios encontram-se paralisados por decisões judiciais no Mato Grosso do Sul. Terra Indígena Povo Arroio Korá Guarani Kaiowá GUYRAROKÁ Guarani Kaiowá Situação Administrativa Homologada Declarada Situação Jurídica Liminar do presidente do STF no Mandado de segurança nº 28567, suspende os efeitos do decreto de homologação em relação aos imóveis denominados Fazenda São Judas Tadeu (José Antonio Busato e Silma Terezinha Baroni Busato); Fazenda Porto Domingos (Luiz Bezerra de Araújo e Vilma Delbem de Araújo); Fazenda Potreiro-Corá (Marcos Bezerra de Araújo e Renata Gonçalves de Araújo). Liminares proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no MS 28541suspende os efeitos do decreto de homologação em relação ao imóvel Fazenda Itaporã, e no MS 28555 suspende os efeitos do decreto de homologação em relação ao imóvel Fazenda Polgar, prejudicando os efeitos do Decreto Presidencial de 21 de dezembro de 2009. A sentença (em 08.10.2009) que antecipou a tutela nos autos n. 2005.60.02.001310-0 - impedindo o encaminhamento dos procedimentos administrativos de demarcação ao Sr. Ministro da Justiça para fins de 85 Jarara Guarani Kaiowá Registrada SPU JATAYVARY Guarani Kaiowá Delimitada ÑANDE RU MARANGATU Guarani Kaiowá Homologada Panambi Guarani Kaiowá Delimitada POTRERO GUAÇU Guarani Kaiowá Declarada Taquara Guarani Kaiowá Terena Declarada YVY KATU Guarani Declarada Buriti Terena Declarada Cachoeirinha Terena Declarada TAUNAYIPEGUE Delimitada no declaração - haveria perdido efeito, visto que prolatada pouco depois da edição da referida Portaria Declaratória (em 07.10.2009). Solicitado Parecer da PFE-FUNAI em março de 2011. Ação declaratória nº 92.4907-9 (processo FUNAI/BSB/367-2000), requerida por Miguel Subtil de Oliveira. Decisão favorável em 1ª instância ao requerente pela MMª Juíza Federal Substituta da 4ª Vara da SJMS. Aguarda julgamento do Agravo n° 2006.03.000081103 / TRF-3ª Região (Decisão favorável para continuidade do processo de identificação). Aguarda julgamento da Ação Declaratória n° 2001.60.02.001924-8 (Proc. 000192429.2001.4.03.6002) e Mandado de Segurança nº 25463/DF no STF. Ação Ordinária Autos nº 0000055-45.2012.4.03.6002 (1ª Vara Federal de Dourados). Defere parcialmente medida antecipatória de tutela postulada. Determina que a FUNAI suspenda o prazo de manifestação dos interessados previsto no decreto 1.775/96, desde a propositura da demanda, em 12/01/2012, retomando os após a indicação dos proprietários eventualmente atingidos pela demarcação no município de Itaporã (MS), e fornecimento de cópia do processo administrativo ao autor. Nos autos da Ação Cautelar 2001.60.02.000102-5, o MMº Juiz da 1ª VF de Dourados suspendeu em 23.01.2001 os trabalhos de demarcação de limites. Ação Cautelar 2641/STF Ação Ordinária n.0003009-41.2010.403.6000, 4ª Vara Federal de Campo Grande em decisão cautelar suspende o procedimento administrativo de identificação e delimitação. Realizada inspeção judicial. Juiz federal declinou competência para o STF e rejeitou embargos de declaração em 26.04.2012. Foi interposto Agravo de Instrumento em 24.05.2012. Procedimento administrativo de identificação e delimitação retornou do MJ para diligência pela FUNAI. Portaria declaratória suspensa pelo MMº Juiz Federal de Naviraí - nº0000072-45.2012.4.03.0000/MS suspensão de execução de sentença (referente à área da fazenda Remanso Guaçu, proprietário Flavio Pascoa Teles de Menezes, mantêm os índios na área) mas o processo de identificação da suspenso. Embargos infringentes em face de acórdão favorável da FUNAI, nos autos da ação 2001.60.00.0038663/TRF-3ª Região. Foi proferido julgamento em 21.06.2012 dando provimento aos embargos infringentes e anulando processo administrativo. Na data de 15.07.2013 foi negado provimento aos embargos de declaração, acórdão pendente de publicação. - ACO 1383/STF, Plenário do STF referenda decisão que manteve a posse da terra para a empresa Estância Portal da Miranda Agropecuária Ltda. - Perícia STF conduzida pela Justiça Federal. 86 Agravo de Instrumento nº 0035704.74.2008.4.03.0000, extraído da Ação Cominatória nº 2008.60.00.007865-5 (1ª Vara Federal de Campo Grande), ajuizada pela FUNAI, que objetiva autorização para acesso de seus técnicos no imóvel dos agravantes, visando a realização de vistorias e avaliações nas propriedades (Liminar deferida). Agravo de Instrumento nº 003692410.2008.4.03.0000, extraído da Ação Cominatória nº 2008.60.00.007865-5 1ª Vara Federal de Campo Grande. Proibiu-se que a FUNAI coloque marcos físicos na área indígena declarada. Taunay – Terena Delimitada Ação Ordinária n.0003009-41.2010.403.6000, 4a Vara Ipegue Federal de Campo Grande em decisão cautelar suspende o procedimento administrativo de identificação e delimitação. Realizada inspeção judicial. Juiz federal declinou competência para o STF e rejeitou embargos de declaração em 26.04.2012. Procedimento administrativo de identificação e delimitação retornou do MJ para atender diligência pela FUNAI. Kadiwéu Kadiwéu Homologada ACO 386 estava no STF desde 1986 e foi remetida à Justiça Federal em 2012. Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ (adaptada) Concomitante a judicialização, apontamos como entrave a efetiva demarcação das terras indígenas a opção política feita pelo Estado brasileiro. Opção que não contempla os interesses dos povos indígenas pois baseia-se num modelo econômico “desenvolvimentista agroextrativista exportador” altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas (commodities agrícolas e minerais, soja, milho, carnes, madeiras, agro-combustíveis e minérios em geral). E, para viabilizar a exploração e exportação dessas matérias-primas, o Estado brasileiro busca implementar a qualquer custo, as obras de infra-estrutura na área de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão, dentre outras (BUZZATO, 2013)34. 34 Buzzato (2013) aponta como estratégias adotadas pelos setores anti-indígena três ações centrais: O primeiro é o de inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios. Este objetivo também se aplica no caso da titulação de terras quilombolas, na desapropriação de terras para a reforma agrária, na criação de novas unidades de preservação ambiental e no reconhecimento do direito fundiário de outras populações tradicionais do Brasil; o segundo grande objetivo é o de reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados; o terceiro objetivo é o de invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos indígenas, pelos quilombolas, por outros grupos tradicionais, pelos camponeses. Para concretizar estes objetivos, declararam guerra e buscam desconstruir os direitos historicamente conquistados pelos povos. De maneira particular, no que tange aos direitos dos povos indígenas, os setores anti-indígenas vêm fazendo uso de diferentes instrumentos político-administrativos, judiciais e legislativos para cada um dos objetivos acima mencionados. 87 A dependência quanto a uma produção e exploração sempre maior de commodities agrícolas e minerais e das condições de infra-estrutura para o escoamento da produção potencializa sobremaneira a disputa pelo controle do território no país. É muito evidente que os setores político-econômicos anti-indígenas e antidemocráticos, representantes do agronegócio, das mineradoras, das grandes empreiteiras e o próprio governo brasileiro estão articulados e empenhados para ampliar o acesso, o controle e a exploração dos territórios indígenas, quilombolas, dos pescadores artesanais, dos camponeses, de preservação ambiental, dentre outros (BUZZATO, 2013, p. 2). Desde a década 90 o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) acompanha o andamento dos procedimentos administrativos de regularização de terras indígenas por meio de consultas feitas à FUNAI, ao Ministério da Justiça - MJ e das publicações do Diário Oficial da União (DOU). Os registros da entidade indigenista apontam 1.045 divididas em três categorias: as terras regularizadas, as terras em processo de regularização e as terras reivindicadas por comunidades indígenas, mas sem procedimentos de regularização, as “sem providência”. Quadro 6: Situação geral das terras indígenas Situação Geral das Terras Indígenas Registradas Homologadas Declaradas Identificadas Sem providências Reservadas/Dominiais Com restrição GT constituído no estado do MS Total Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI Quantidade 361 44 59 36 339 40 06 06 1.045 Segundo a entidade indigenista, pouco mais de um terço do total das terras foi totalmente regularizado: 361 (34%) até o final de 2012. As categorias reservadas, dominiais e com restrição somam 46 (4%). Outras terras cerca de 293, ou seja, 28% estão em alguma fase de regularização ou mesmo com o processo demarcatório paralisado. As demais terras cerca de 339 (32%) estão sem providência. As 644 terras aguardam o início ou a finalização do procedimento de demarcação. Observa-se que em todos os casos as autoridades responsáveis não têm cumprido os prazos estabelecidos 88 pelo Decreto n° 1.775/96, que regulamenta a demarcação das terras, atribuição da FUNAI e do Ministério da Justiça (CIMI, 2013). As demarcações de territórios tradicionais foram gradativamente sendo reduzidas ao longo dos governos pós 1988. Com o inaugural requisito para reconhecimento formal desses territórios – tradicionalidade – os procedimentos foram em larga escala sendo concluídos em relação à região amazônica e demais localidades onde eram considerados de fácil reconhecimento, seja em razão do interesse pela preservação ambiental ou em razão de não haver títulos de propriedades concedidas pelo próprio Estado brasileiro, como no caso de Mato Grosso do Sul, onde há registros de comunidades indígenas que foram expulsa de suas terras com apoio estatal. Quadro 7: Homologação de terras indígenas por gestão presidencial Governo Período José Sarney 1985 – 1990 Fernando Collor de Melo Jan. 1991 – set. 1992 Itamar Franco Out. 1992 – dez. 1994 Fernando Henrique Cardoso 1995 – 2002 Luiz Inácio Lula da Silva 2003 – 2010 Dilma Rousseff 2011 – 2013 Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI Nº de homologações 67 112 19 145 79 10 Média anual 13 56 08 18 10 05 Mato Grosso do Sul registra número expressivo de acampamentos indígenas que são comunidade que aguardam a demarcação de seu território. Em relação aos Guarani e Kaiowá no sul do estado de Mato Grosso do Sul é a significativa perda do território tradicional que marca este povo, e atualmente, a realidade desses acampamentos expressa uma tentativa de resistência e superação da imposição histórica do confinamento35. Nesta realidade está inserida o que hoje propicia a referência da existência de “índios entre a cerca e o asfalto”, ou seja, acampados a beira das estradas, também conhecidos como “índios do corredor”36. O povo Guarani e Kaiowá sofreu um 35 Por confinamento entende-se aqui o processo histórico de ocupação do território Kaiowá e Guarani por frentes não-indígenas, que se seguiu à demarcação das reservas indígenas pelo SPI (a partir da década de 1910), forçando a transferência dessa população para dentro dos espaços definidos pelo Estado como posse indígena. Indica, portanto, o processo de progressiva passagem de um território indígena amplo, fundamental para a viabilização de sua organização social, para espaços exíguos, demarcados a partir de referenciais externos, definidos tendo como perspectiva a integração dessa população, prevendo-se sua progressiva transformação em pequenos produtores ou assalariados a serviço dos empreendimentos econômicos regionais (BRAND, 1997). 36 Como a população kaiowá não se conformou em sua totalidade à situação de reserva, identifico algumas modalidades de assentamento que não estão diretamente associadas a esses espaços físicos, 89 processo de colonização marcado pela ocupação de seus territórios que foram concedidos a iniciativa privada que tiveram como base o trabalho indígena. Na década de 1940 o governo brasileiro, sob pretexto de promover o desenvolvimento da região, concedeu títulos de propriedades a pequenos agricultores. Essa ação estatal promoveu a expulsão de comunidades de suas terras tradicionais. Ademais, entre os anos de 1915 a 1920 foram criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio - SPI oito reservas indígenas nesta região (Caarapó, Dourados, Sassoró, Porto Lindo, Taquapery, Amambai, Limão Verde e Pirajuí) para onde os índios eram levados à força, cedendo assim seus espaços para a instalação dos não índios que implantavam fazendas. Nesses casos o braço estatal denominado Serviço de proteção ao Índio (SPI) atuou contrário aos interesses dos povos indígenas favorecendo o poder local das famílias tradicionais do sul de Mato Grosso. Nos últimos anos vem ocorrendo o avanço expansivo da agricultura mecanizada com a monocultura da soja, do milho e da cana de açúcar, intensificando o desmatamento das pequenas áreas de mata ainda existentes nas fazendas. Com o crescimento avassalador do agronegócio e do desmatamento, as comunidades indígenas que se encontravam em pequenas áreas de matas foram descobertas e expulsas dando lugar ao agronegócio e agroindústria37. Em entrevistas realizadas com o missionário indigenista Egon Heck, é possível apontar três processos diferenciados que levam a formação de acampamentos. Primeiro: luta pela terra através das retomadas que surgiram na década de 80 e teve o seu processo de articulação nas Aty Guasu –movimento indígena que foi retomado nos anos 70 com objetivo de discutirem as formas de produção para subsistência. Segundo: conflitos internos nas minúsculas reservas, causados pela justaposição de tekoha, por pressões ou pelas imposições de igrejas protestantes que tentam impedir a realização dos rituais de rezas tradicionais, pelo crescimento populacional que se deu no final da reconhecidos como terras indígenas. Assim, além das reservas, descrevo: a) os espaços sociais dos acampamentos mobilizados para a retomada de terras consideradas pelos Kaiowá como de ocupação tradicional; b) as populações que vivem em periferias de cidades; e c) as populações de “corredor”, caracterizadas por famílias isoladas e mesmo comunidades que nos últimos anos passaram a residir em caráter relativamente permanente nas margens de rodovias e estradas vicinais (PEREIRA, 2007, p.3). 37 O século XXI privilegiou o plantio da cana e instalações de usinas sucroalacooleiras, no estado do Mato Grosso do Sul, ocupando grande parte de áreas antes destinada ao gado, muitas delas incidentes em terras dos Guarani Kaiowá. Devido este fenômeno chamado desenvolvimento do bio combustível, as terras nesta região estão sendo supervalorizadas. Esse fato dificulta cada vez mais o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que estão em posse dos fazendeiros, os quais arrendam ou vendem as terras para as empresas multinacionais responsáveis pelo plantio da cana para a fabricação do etanol. 90 década de setenta e começo de oitenta, quando os poucos índios que ainda estavam morando nos fundos das fazendas foram expulsos e levados a força para as reservas, para ceder espaço a agricultura mecanizada e monocultura. Esse fato causou o inchaço das reservas, aumentou o índice de violência e o conflito entre lideranças de famílias extensas. Todas essas pressões levam os grupos familiares a retornarem para os locais de onde foram expulsos, partindo direto para as retomadas ou montando acampamento próximo da área que desejam retomar. Terceiro: acontece quando as famílias são expulsas das fazendas se recusam a irem para as reservas. Por não terem para onde ir, instalamse as margens das rodovias, montando seus acampamentos “entre a cerca e o asfalto”, mas sempre próximo do lugar do qual foram expulsos por entender que ainda podem retornar para seu tekoha. Nas três situações em que se formam os acampamentos indígenas as margens das rodovias conhecidos como “índios do corredor”, ou “índios entre a cerca e o asfalto”, as comunidades vivem sob opressão, sofrendo ameaças e sendo turbadas do acesso a direitos mínimos como saúde, educação, água potável, moradia, entre outros. Quadro 8: Acampamentos Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul Município Dourados Douradina Rio Brilhante Amambai Naviraí Bataguassu Jardim Juti Guia Lopes da Laguna Acampamento indígena Ñu Porã Picadinha Apika’y Guyraroká Ñuvera Pacuryty Mboqueirão Itaum-Jaguary Kalifórnia Itay Kaguirusu Guyra Kamby Laranjeira Ñanderu Aroeira Sete Placas Guayviry Karaja Yvy Kajary Samakuã Porto Kaioa Tarumã Santiago Kuê Borevi Arodi Juncal Bataguassu São José Laranjal Takuaju Bouqueirão Juti Aldeinha receber Cero’i 91 Paranhos Coronel Sapucaia Novo Horizonte do Sul Iguatemi Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI Ypo’y Kurussu Amba Acap. N. Horizonte do sul Mbarakai/Puelito Kue De igual forma, o povo Terena tem nos últimos anos intensificado seu movimento de retomada dos territórios tradicionais. Os Terena falam língua da família linguística Aruaque e descendem dos Txané-Guaná. Até o final do século XIX estavam separados e se distinguiam entre si, em vários povos: Terena (ou Etelenoé), Echoaladi, Quiniquinau (Equiniquinau) e Laiana (AZANHA, 2002). Viviam no “Êxiva”, também conhecido como Chaco paraguaio. Bittencourt e Ladeira (2000) dividem a história do povo Terena em três momentos: tempos antigos ainda no êxiva, tempos de servidão e tempos atuais. A região do êxiva ficava muito próximo a minas de metais preciosos, o que chamou a atenção dos colonizadores portugueses e espanhóis ocasionando muitos conflitos e destruição de várias aldeias. No século XVIII, os Guaná, deslocaram-se para o Mato Grosso do Sul. [...] a saída dos Terena da região do Êxiva foi um marco histórico que nos é repassado oralmente pelos nossos anciãos. A passagem das terras chaquenhas para o território brasileiro pelo rio Paraguai no século XVII, é um marco do passado que define uma nova fase na trajetória do povo Terena. O período que no decorrer do século XVII, os Terena se instalaram na região do Mato Grosso do Sul ocupando áreas de terras para praticarem a agricultura, período conhecido como Kúxoti Káxe: Tempos Antigos que termina com a Guerra do Paraguai (SEBASTIÃO, 2012, p. 24),. Os Terena passaram a ocupar regiões correspondentes aos municípios de Sidrolândia, Dois Irmãos do Buriti, Aquidauana, Miranda, Rochedo, Nioaque e Anastácio. Segundo Azanha (2001), a ocupação Terena no interflúvio MirandaAquidauana, remonta às primeiras décadas do século XIX, quando Miranda era apenas um presídio abastecido por estes mesmos índios. Os grupos locais Terena têm fixado a aldeia denominada “Ipegue” no mesmo lugar desde pelo menos 1850, dada a noticia deixada por vários cronistas, entre os quais A. Taunay (“a sete léguas e meia de Miranda”). Esta localização continuou confirmada pelos vários registros oficiais do Império, mesmo depois da guerra com o Paraguai, pelo registro de Rondon quando “demarcou” a “Reserva” do Ipegue 92 em 1905 e pelo depoimento dos velhos índios daquela aldeia (AZANHA, 2001, p. 03). Possuindo atualmente território descontínuo nenhum dos territórios tradicionais do povo Terena está demarcado conforme o que preceitua a Constituição Federal (1988). A reinvidicação pela formalização desses territórios é pauta principal do Conselho do Povo Terena (Hanaiti Ho’únevo Terenoê) e a mobilização tem sido notória a nível nacional. Atualmente existem acampamentos terena onde a comunidade está a espera da demarcação de sua terra tradicional. Quadro 9: Situação jurídica das terras Terena de Mato Grosso do Sul Terra Indígena Buriti Cachoeirinha Lalima Limão Verde Bálsamo – Rochedo Nioaque Pilad Rebuá Taunay/Ipegue Fase do Processo Ações Judiciais demarcatório Declarada Sim Declarada Sim Em estudo Sim Demarcação Física Sim Sem providência Não Sem providência Sim Em estudo Sim Delimitada Sim Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI A justiça federal de Campo Grande concentra atualmente grande número de processos envolvendo litígio em área Terena. Grande parte dos procedimentos demarcatórios estão judicializados e consequentemente paralisados. Assim como os Guarani e Kaiowá, existem comunidades Terena que estão em áreas de retomadas – situação de acampados – aguardando a demarcação de suas terras. No entanto, dos acampamentos Terena levantados atualmente, não há nenhum à beira de estrada, todos os mapeados encontram-se no interior das fazendas que incidem em seus territórios tradicionais. Na tabela abaixo estão arrolados os acampamentos levantados: Quadro 10: Acampamentos Terena Município Aquidauana Sidrolândia Acampamento indígena Esperança Pahô Sîni 93 Miranda Terra Vida 10 de maio Mãe Terra Charqueada Maraoxapá Kuixóxono Utî Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI Nota-se que o tema da judicialização da demarcação é fato recorrente em Mato Grosso do Sul e, aliado a decisão política pela não-demarcação, tornam-se as principais causas para a não efetiva demarcação dos territórios tradicionais, ocasionando a realidade vivenciada pelas comunidades indígenas do estado. 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS Procurou-se demonstrar que desde o período colonial as terras indígenas foram alvo de preocupação por parte do Estado brasileiro. E, ao mesmo tempo, constatou-se que ao longo da história os povos indígenas vêm sofrendo com a forma com que este Estado tem sistematicamente se posicionado no que tange à demarcação de seus territórios. Desde a colonização, Portugal considerou todo o território brasileiro sob seu domínio, ignorando os direitos dos povos originários que aqui estavam. Observou-se também que na linha do tempo do direito indigenista, apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os povos indígenas realmente tiveram seus direitos reconhecidos. O Código Civil de 1.916 tratava o índio como sendo incapaz, utilizando em seu texto a denominação “silvícola”. O estatuto do índio – Lei n. 6.001/73 adotou a classificação de índio isolado, em vias de integração e integrado, vaticinando em seu Art. 1º que o objetivo era de integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional. O índio era tido como tutelado pela FUNAI, pois a visão que orientava o estado brasileiro era uma política “integracionista”, com nítido objetivo de “integrar” os índios à comunhão nacional. A ideia era de que um dia o índio iria desaparecer, formando uma sociedade homogênea. No entanto, a Constituição (1988) quebra esse paradigma, reconhecendo ao índio o direito de ser índio conforme seus usos, costumes e tradições. Reconhece as comunidades indígenas e suas organizações o direito de estarem em juízo, reconhecendo a capacidade dos índios, derrubando por terra a tutela indígena. A Constituição Federal de 1988 é o marco divisor de águas no direito indigenista, pois garantiu aos povos indígenas o direito congênito as terras tradicionalmente ocupadas. Significa dizer que consagrou um direito de nascença, anterior a qualquer outro. O próprio texto constitucional se preocupou em definir o que é terra tradicional (§1º do Art. 231). A terra tradicional são as habitadas em caráter permanente; as utilizadas para suas atividades produtivas; as imprescindíveis à 95 preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Assim, a terra indígena deve contemplar o espaço necessário para as habitações (moradias) da comunidade. Deve ainda, englobar os recursos naturais, como a mata onde se possa caçar e colher as plantas medicinais, os rios e lagos onde se possa pescar e onde as crianças possam desfrutar de momentos de lazer. O espaço deve ser o suficiente para as atividades culturais e para a convivência harmoniosa dos grupos familiares presentes e as futuras gerações. Este território deve abarcar também eventual montanha, rio, mata, gruta ou outro elemento considerado sagrado pela comunidade. Verificou-se que a terra tradicional traçada pelo poder constituinte de 1988 é bem diferente da realidade dos acampamentos indígenas de Mato Grosso do Sul, e até mesmo de muitas terras indígenas já demarcadas, configurando-se num verdadeiro confinamento, onde as relações sociais, culturais e religiosas se desarmonizam gerando uma série de conflitos. Ocasionando também uma série de violências diretamente relacionadas às lutas pela demarcação das terras, casos estes, que estão inseridos dentro de um contexto maior, ou seja, as violações aos direitos humanos dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, em especial do Povo Guarani e Kaiowá. Tais violações são históricas e refletem uma realidade em que indígenas são discriminados pela sociedade envolvente. São comunidades vivendo em acampamentos de beira de estradas ou confinadas em áreas e reservas nos fundos de fazendas, onde o poder público é submisso aos interesses dos latifundiários ou dos empresários da cana de açúcar, álcool e do gado e contrários aos direitos indígenas; adicionando ao caso a estrutura do órgão indigenista e os demais órgãos assistenciais que não foram estruturados para atender as demandas das comunidades indígenas no que tange aos serviços de saúde, educação, atividades produtivas, proteção e fiscalização das áreas demarcadas e fundamentalmente para garantir que os procedimentos demarcatórios de terras em andamento ou a serem iniciados transcorram de maneira serena e que sejam concluídos. Como dito, o governo brasileiro optou por um modelo econômico de “desenvolvimento” baseado na exploração e exportação de matérias-primas (minerais, soja, milho, carnes, madeiras, agro-combustíveis, etc). Sem dúvida, o direito dos povos indígenas nunca esteve tão ameaçado, sendo atacado por expedientes de todos poderes do Estado brasileiro. São iniciativas 96 como a PEC 215/00 que tem por escopo inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios. Instrumentos como a Portaria n. 303 da AGU tendo por objetivo reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados. E, como bem repisado neste trabalho, as decisões judiciais que ignoram os direitos específicos dos povos originários. Além da opção governamental, temos a inoperância nas demarcações e a judicialização das demarcações. Politicamente deliberada pelo Poder Executivo, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) continua inerte frente as comunidades que estão com suas demarcações “sem providência”, não constituindo Grupos de Trabalho para estudos de identificação e delimitação de terras. A judicialização das demarcações é flagrante dado as centenas de processos (1ª e 2ª instância de Mato Grosso do Sul) em trâmite. A terra é o bem primordial para os povos indígenas, sendo a luta pelo território prioridade na busca pelo bem viver. O conhecimento tradicional e o modo de ver e entender devem ser considerados na elaboração e implantação de ações que tenham por objetivo as comunidades indígenas. O etnodesenvolvimento local está justamente neste ponto de encontro, arraigando-se no local (território) valendo-se das potencialidades que ali se encontram. Os povos indígenas têm demonstrado profunda capacidade seja na resistência de lutar por seus territórios, seja na constante busca de se empoderar de outros conhecimentos (ditos científicos) para travar uma luta qualificada. Hoje, Mato Grosso do Sul concentra mais de 800 acadêmicos índios nas mais diversas áreas de conhecimento, outros tantos profissionais indígenas empenhados nos cursos de pós graduação estrito sensu (mestrado e doutorado) e juntos somam com suas lideranças tradicionais na defesa do bem coletivo, a terra. Defendeu-se que a posse que o índio exerce sobre seu território é a melhor, pois visa a beneficiar toda uma coletividade. É ali, que os laços de comunidade, solidariedade, identidade, tradicionalidade e potencialidade se comungam, razão pela qual deve ser garantido o acesso e a permanência dos índios sobre esses espaços identitários. A posse como defendida é mais que um fato, é um direito. 97 O desenvolvimento que se propõe deve ser viabilizado sem violação de direitos humanos, econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais das populações tradicionais, que não devem ser vistas como empecilho, mas como riqueza e formas de alternativas da crise global que se instala. Os povos indígenas nos ensinam isso e nos oferece uma opção. Acima de tudo, ficam claro e evidente que devem ser mantidos os direitos conquistados pelos povos indígenas na Constituição Federal, e que, o Estado brasileiro assuma a responsabilidade que tem no cumprimento dos direitos desses povos para um atendimento qualificado quanto às políticas públicas de saúde e educação, bem como, à demarcação e à proteção das terras indígenas conforme prevê a Constituição Brasileira. 98 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Alfredo W. B. Terras tradicionalmente ocupadas. In: SOUZA LIMA, A.C. de. (Coord.). Antropologia e direito: temas antropológicos para estudos. Contra Capa. LACED. Rio de Janeiro, 2012. ______ . Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização e movimentos sociais. Revista Brasileira estudos urbanos e regionais. V. 6, n.1 – maio de 2004. ARAÚJO, AnaValéria, ET alii. Povos indígenas e a lei dos brancos: o direito à diferença – Brasília: MEC; LACED/Museu Nacional, 2006. 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Disponível: http://www.sesirs.org.br/conferencia/conferencia2005/papers/zapata.pdf Acesso em 08/08/12. 104 Anexo I Tabela: Quadro comparativo dos sucessivos decretos sobre o procedimento demarcatório de terras indígenas DECRETO N.º 76.999/76 DECRETO N.º 88.118/83 DECRETO N.º 94.945/87 RECONHECIME IDENTIFICAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO E NTO PRÉVIO: DELIMITAÇÃO: DELIMITAÇÃO: Antropólogo e FUNAI Equipe Técnica: FUNAI, Engenheiro ou INCRA, F. ESTADUAL Agrimensor + SGCSN ( F. Fronteira) RELATÓRIO do Reconhecimento Prévio PROPOSTA DE PROPOSTA DE DEMARCAÇÃO: DEMARCAÇÃO: FUNAI apresenta ao FUNAI apresenta ao GTI GTI DECRETO N.º 22/91 DECRETO N.º 1775/96 IDENTIFICAÇÃO: Grupo Técnico: FUNAI IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO: Grupo Técnico: FUNAI INFORMAÇÕES: órgãos públicos (obrigatório) entidades civis (facultativo) PUBLICAÇÃO DO RELATÓRIO: DOU INFORMAÇÕES: órgãos públicos (obrigatório) entidades civis (facultativo) PUBLICAÇÃO DO RELATÓRIO: DOU; DOE e Prefeitura CONTESTAÇÕES ANÁLISE DAS CONTESTAÇÕES PARECER CONCLUSIVO DO GTI: MINTER, MEAF, FUNAI e outros APROVAÇÃO DECISÃO DOS DO RELATÓRIO MINISTROS: PELO MINTER E MEAF: PRESIDENTE Minuta de Decreto DA FUNAI DECISÃO DO GT INTERMINISTERIAL: MINTER (coord), MIRAD, SGCSN, FUNAI, INCRA ESTADUAL DECLARAÇÃO DE DECLARAÇÃO DE OCUPAÇÃO: OCUPAÇÃO Decreto do Presidente Portaria Declarat. da República Intermin: MI + MIRAD e, Secretário-Geral do CSN (FF) DEMARCAÇÃO DEMARCAÇÃO Com base no Com base na Port Relatório Declarat Intermin HOMOLOGAÇà HOMOLOGAÇÃO HOMOLOGAÇÃO O Do Presidente da Do Presidente da Do Presidente da República República República DEMARCAÇÃO com base no ato homologatório REGISTRO REGISTRO REGISTRO Após a Após a demarcação, Após a homologação, homologação, em livro próprio do Em livro próprio do em livro próprio SPU e no CRI SPU e no CRI. do SPU e CRI. DECISÃO DO MJ DECISÃO DO MJ DECLARAÇÃO DE OCUPAÇÃO Portaria Declaratória do MJ DECLARAÇÃO DE OCUPAÇÃO Portaria Declaratória do MJ DEMARCAÇÃO Com base na Port Declarat do MJ HOMOLOGAÇÃO Do Presidente da República DEMARCAÇÃO Com base na Port Declarat do MJ HOMOLOGAÇÃO Do Presidente da República REGISTRO Após a homologação, no DPU e no CRI. REGISTRO Após a homologação, na Secret. do PU do M F e no CRI Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI 105 Anexo II Tabela: Procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas segundo o Decreto n. 1.775/1996. FASES DECRETO N.º 1.775/96 Levantamento de provas que vão fundamentar a demarcação. O Presidente da Funai baixa Portaria constituindo Grupo Técnico (GT), composto de preferência por servidores do órgão, e coordenado por antropólogo. A Portaria deve ser publicada no Diário Oficial da União (DOU). O antropólogo e o GT realizam estudos (de campo e documentais) de natureza antropológica, 1.ª etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário. Este IDENTIFICAÇÃO último pode ser feito conjuntamente com o órgão fundiário federal (INCRA) ou estadual. E DELIMITAÇÃO Refere-se à presença de ocupantes não-indígenas e servirá de base para que se providencie, o (Prazo da Portaria) seu reassentamento em outro local – se for o caso, e indenização de benfeitorias úteis e necessárias, se a ocupação for de boa-fé. Membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos podem ser solicitados pelo GT a prestar colaboração. Até 30 dias depois da publicação da Portaria constitutiva do GT, os órgãos públicos têm a obrigação e as entidades civis têm a faculdade de prestar informações sobre a área objeto da identificação. Concluídos os trabalhos, o GT apresentará relatório circunstanciado à Funai, caracterizando a terra indígena a ser demarcada. A Portaria n.º 14, de 09 de janeiro de 1996, do Ministro da Justiça, estabelece regras para a elaboração do Relatório. Torna pública a proposta de demarcação da área, proporcionando a terceiros as 2. ª informações necessários à sua contestação. PUBLICAÇÃO O relatório de identificação e delimitação é submetido à aprovação do Presidente da Funai. (Prazo: 15 dias) Aprovando-o, este tem prazo de 15 dias para enviar resumo do mesmo, juntamente com memorial descritivo e mapa da área, à publicação no DOU e no Diário Oficial estadual. A publicação tem que ser afixada na sede da Prefeitura Municipal onde se encontre a área indígena a ser demarcada. 3.ª CONTESTAÇÃO (Prazo: 90 dias) 4.ª ANÁLISE (PARECER) (Prazo: 60 dias) Apresentação de elementos contrários ao relatório do GT. As contestações podem ser feitas até 90 dias após a publicação do relatório do GT. Podem apresentar contestações: Estados e Municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados. Provas admitidas na contestação: títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, entre outros. A contestação serve para pleitear indenização ou demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório do GT. As contestações são dirigidas ao Presidente da Funai. A Funai analisa e emite opinião sobre a contestação apresentada. Membro do corpo técnico da Funai emite parecer sobre a contestação apresentada O Presidente do órgão tem até 60 dias (após o encerramento do prazo para as contestações) para encaminhar toda a documentação (autos) ao Ministro da Justiça. 5.ª DECISÃO (Prazo: 30 dias) 6.ª DECLARAÇÃO DE OCUPAÇÃO (Prazo anterior) Ministro da Justiça analisa os autos e julga sobre a procedência ou não das contestações. Ao receber os autos, o Ministro tem 30 dias para decidir: A) Se não houve contestação, e os autos estiverem corretos, o Ministro baixa imediatamente a Portaria Declaratória de ocupação tradicional indígena (6.ª fase). B) Se houve contestação, e os autos estiverem corretos, o Ministro baixa Despacho julgando procedente ou improcedente a contestação. C) Se entender que há situações a serem melhor esclarecidas, o Ministro devolve os autos à Funai para realização de novas diligências. A Funai tem 90 dias para realizá-las, mas uma vez feito isso o Decreto não prevê prazos para a nova análise e decisão Ministerial. D) Se entender que não há provas que a área é de ocupação tradicional indígena, o Ministro desaprova a identificação, devolvendo os autos à Funai, mediante decisão fundamentada. (OBS: os Despachos do Ministro da Justiça podem ser contestados em Ações perante o Superior Tribunal de Justiça – STJ) Reconhecimento formal dos limites da terra tradicionalmente ocupada que está sendo demarcada. Se entender que os autos encontram-se bem fundamentados, se não houver contestação ou se tiver julgado improcedente a contestação, o Ministro da Justiça baixa Portaria Declaratória da ocupação tradicional indígena. A Portaria é publicada no DOU. Indica a superfície aproximada em hectares, perímetro aproximado em quilômetros e as coordenadas geográficas dos limites da área. Por último, determina que a mesma seja submetida a demarcação 106 administrativa pela Funai. Em alguns casos o Ministro inclui um ítem proibindo o ingresso, trânsito e permanência de não-indígenas no local, interditando-o. Em várias ações de Mandado de Segurança, o STJ anulou estas interdições, entendendo que são ilegais, mesmo se previstas em Decreto. (OBS: as Portarias Declaratórias do Ministro da Justiça podem ser contestadas em Ações perante o STJ) Fixação de marcos nos limites determinados pela Portaria Declaratória. 7.ª Fase também chamada de “Demarcação Física”, pois é quando são abertas as picadas e DEMARCAÇÃO fixados os marcos. O trabalho é feito por empresa especializada, contratada pela Funai ADMINISTRATIV mediante licitação. Também pode ser efetuado pelos próprios índios (“autodemarcação”), A através de convênio com o órgão. Nesta fase são necessários recursos financeiros, em maior (Sem prazo) ou menor volume a depender do tamanho da área e das características geográficas dos limites onde os marcos devem ser colocados. Aprovação final da demarcação pelo chefe do Executivo Federal. 8.ªÉ feita através de Decreto do Presidente da República, após a realização dos trabalhos de HOMOLOGAÇÃO demarcação administrativa. A homologação é publicada no DOU. O Decreto 1.775/96 não (Sem prazo) prevê prazo para o Presidente da República efetuar a homologação de demarcação. (OBS: os atos de homologação de demarcação podem ser contestados em Ações perante o Supremo Tribunal Federal – STF) Publicado o Decreto de homologação, a Funai tem 30 dias para requerer o registro da área, 9.ª como terra de ocupação tradicional indígena e bem da União, no Registro Notarial de Imóveis REGISTRO (Prazo: 30 dias) da Comarca respectiva, e na Secretaria do Patrimônio da União. Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI 107 Anexo III Tabela: Direitos e deveres do índio DIREITOS TRABALHISTAS PREVIDÊNCIA SOCIAL CONDIÇÕES GERAIS CF/88, art. 7.º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, ...: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária...; II – seguro-desemprego ...; III – FGTS; IV – salário mínimo, ...; V – piso salarial proporcional ...; VI – irredutibilidade do salário, ...; VII – garantia de salário nunca inferior ao mínimo,...; VIII – décimo terceiro salário,...; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X – proteção do salário..., constituindo crime sua retenção dolosa; XI – participação nos lucros, ...; XII – salário família ...; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais ...; XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, ...;XV – repouso semanal remunerado, ...; XVI – remuneração do serviço extraordinário ...; XVII – gozo de férias anuais remuneradas ...; XVIII – licença à gestante, ... ; XIX - licença paternidade, ...; (...) XXI – aviso prévio proporcional ...;XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho,...; XXIII – adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas,...; XXIV – aposentadoria; (...) XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito anos, e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz.” CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), art. 13. “A Carteira de Trabalho e Previdência Social é obrigatória para o exercício de qualquer emprego... e para o exercício por conta própria de atividade profissional remunerada.” CF/88, art. 201: “Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: I – cobertura de eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão; II – ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda; III – proteção à maternidade, especialmente à gestante; IVproteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes,...§ 1.º qualquer pessoa poderá participar dos benefícios da previdência social, mediante contribuição na forma dos planos previdenciários.” Exige Contribuição do Beneficiário. Comprovação da atividade e Recolhimento das contribuições. -Obrigatoriamente: Para Empregados (urbano ou rural; urbano temporário; doméstico); Empresários; Trabalhadores Autônomos; Equiparados a trabalhador autônomo; Trabalho Avulso e Segurado Especial (pequeno produtor, parceiro, meeiro e arrendatário rurais; pescador artesanal e assemelhados.) - Especificidade Rural: Portar Carteira de Identificação e Contribuição, emitida pelo INSS (Lei 8212/94, art. 12, § 3.º, conforme redação dada pela Lei 8870/94. Exigência a partir de 16/04/94, pela Lei n.º 8.213/91, art. 106, conforme redação dada pela Lei 9063/95); Comprovação do tempo de serviço rural e contribuição. - Prestações Devidas ao Segurado: Aposentadoria ( por motivo de invalidez, idade, tempo de serviço, especial); Auxíliodoença; Auxílio-acidente; Salário-família; Saláriomaternidade. - Prestações Devidas aos Dependentes: Pensão por morte; Auxílio-reclusão. CF/88, art. 203: “A assistência social será prestada a quem NO CASO DOS ÍNDIOS Lei 6001/73, art. 14 e parágrafo único: “ Não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas ... . Parágrafo único. É permitida a adaptação de condições de trabalho aos usos e costumes da comunidade a que pertencer o índio.” Os mesmos direitos e garantias; Nulo o contrato de trabalho com índios isolados.’ Permitida adaptação do trabalho aos usos e costumes; Fiscalização das condições de trabalho pelo órgão indigenista. CONCLUSÃO: Os direitos trabalhistas estendem-se aos indígenas, da mesma forma que aos demais trabalhadores, sendo permitida adaptação de condições de trabalho aos usos e costumes da comunidade. Lei 6001/73, art. 14: “ Não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis ... de previdência social” Os mesmos direitos e garantias. CONCLUSÃO: Os direitos previdenciários estendem-se aos trabalhadores indígenas, da mesma forma que aos demais trabalhadores. Lei 6001/73, art. 2.º: “Cumpre à União, 108 ASSISTÊNCIA SOCIAL: ELEITORAL: Elegibilidade. VIAGENS EXTERIOR dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração no mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” Não Exige Contribuição do Beneficiário. A) Benefícios de Prestação continuada: mensal: p/ portadores de deficiência incapacitante p/ o trabalho e carentes a partir de 65 anos. B) Benefícios eventuais: Auxílio Natalidade e Auxílio Funeral: - Para famílias com renda mensal, por pessoa, inferior a ¼ do salário mínimo. - Regulamentação de critérios e prazos: Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS); - Regulamentação de deferimento e valor do benefício: Conselhos de Assistência Social dos Municípios, Estados e DF. - Quem efetua o pagamento: Município (com recursos do município e do estado). CF/88, art. 14, §3.º: São condições de elegibilidade, na forma da lei:I – a nacionalidade brasileira; II – o pleno exercício dos direitos políticos; III - o alistamento eleitoral; IV – o domicílio eleitoral na circunscrição; V - a filiação partidária; IV – a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente, VicePresidente da República e Senador; b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de estado e do Distrito Federal;c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz; d) dezoito anos para Vereador. § 4.º. São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.” Lei n.º 4737/65 (Código Eleitoral). Nacionalidade brasileira; Pleno exercício dos direitos políticos; Alistamento eleitoral; Domicílio eleitoral na circunscrição; Filiação partidária; Idades mínimas para os cargos respectivos; Alfabetização. CF/88, art. 5.º, II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;(...) XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.” AO Dec. n.º 637/92, art.19. São condições gerais para obtenção do passaporte comum: I - ser brasileiro; II - declarar, sob as penas de lei; (...) c) que está em dia com as obrigações eleitorais e militares, quando for o caso; (...). III - apresentar cédula de identidade ou, na sua falta, certidão de nascimento ou de casamento. IV - comprovar o recolhimento de taxas de emolumentos devidos. § 1º(...). § 2º Quando se tratar de menor de 18 anos, não emancipado, será exigida autorização dos pais ou do responsável legal, ou do juiz competente. § 3º Salvo nos casos de justificadas razões, nenhum outro documento poderá ser exigido. Art. 20. O pedido de passaporte comum deverá ser feito em formulário específico,(...), assinado pelo próprio interessado ou, sendo este absoluta ou relativamente incapaz, pelo seu representante legal, e entregue ou remetido ao órgão expedidor, acompanhado dos documentos exigidos, os quais, após conferidos, serão restituídos ao titular. § 1º Quando o solicitante não puder ou não souber ler e escrever, o aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos: I – estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação; II – prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ...” CONCLUSÃO: Os direitos de assistência social estendem-se aos índios que dela necessitarem, conforme o previsto na CF/88. Lei 6001/73, art. 5.º:“Aplicam-se aos índios ou silvícolas as normas dos artigos .... da Constituição Federal, relativas à nacionalidade e cidadania. Parágrafo único. O exercício dos direitos ... políticos pelo índio depende da verificação das condições especiais estabelecidas nesta Lei e na legislação pertinente.” Aplicação normas constitucionais s/ nacionalidade e cidadania; Exercício direitos civis e políticos: Verificação condições especiais no Estatuto e legislação pertinente; preenchimento dos requisitos. CONCLUSÃO: Os indígenas são também elegíveis, quando preenchem as condições de elegibilidade previstas na CF. CF/88: art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social... Art. 232. Os índios são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses ... Lei 6001/73:“ Art. 8.º. São nulos os atos praticados entre o índio não-integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena, quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente. Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão de seus efeitos.” CONCLUSÃO: A CF/88 abole a perspectiva da incorporação, assentada na idéia da capacidade reduzida do índio p/ o exercício dos direitos civis e confere-lhe capacidade para a defesa judicial de seus direitos e interesses. 109 formulário relativo ao pedido será assinado a rogo. Lei n.º 4737/65 (Código Eleitoral) exige quitação com as obrigações eleitorais (art. 7.º, § 1.º, V). Lei n.º 4375/64 (Lei do Serviço Militar) exige se estar em dia com as obrigações militares (art. 74, “a”). Mesmo que assim não fosse, se aplicaria a regra do parágrafo único do art. 8.º da lei 6001, pela qual têm valor os atos praticados com consciência e conhecimento, desde que não seja ser brasileiro; c. de identid. ou cert. de nasc. ou casam.; - prejudicial ao índio. Assim, é desnecess. de 18 anos, não emancipado: autoriz. pais ou responsável intervenção da Funai. legal, ou juiz. CF/88, art. 37, “I – os cargos, empregos e funções públicas Lei 6001/73, art. 1.º, § único: “Aos ACESSO A são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos índios e às comunidades indígenas se CARGO, estabelecidos em lei*; assim como aos estrangeiros, na forma estende a proteção das leis do país, nos EMPREGO E da lei; II – a investidura em cargo ou emprego público mesmos termos em que se aplicam aos FUNÇÃO depende de aprovação prévia em concurso público de provas demais brasileiros, resguardados os usos, PÚBLICA: ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a costumes e tradições indígenas, bem complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, como as condições peculiares ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado reconhecidas nesta Lei.” art. 5.º. em lei de livre nomeação e exoneração; (...)”(de acordo com “Aplicam-se aos índios ou silvícolas as redação da EMC n.º19/98, art. 3..º.) normas dos artigos .... da Constituição * Lei n.º 8.730/93 - Estabelece a obrigatoriedade da Federal, relativas à nacionalidade e declaração de bens e rendas para: Presidente e Vice-Presidente cidadania. (...).” da República;Ministros de Estado; membros do Congresso CONCLUSÃO: Aplicam-se aos índios Nacional; membros da Magistratura Federal; do Ministério que pretendam o acesso a este tipo de Público da União; e todos quantos exerçam cargos eletivos e atividade, as regras específicas que se cargos, empregos ou funções de confiança, na administração aplicam aos demais brasileiros. direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União. Lei n.º 4737/65 (Código Eleitoral) exige quitação com as obrigações eleitorais (art. 7.º, § 1.º, I). Lei n.º 4375/64 (Lei do Serviço Militar) exige estar em dia com as obrigações militares (art. 74, “ f ”). CF/88, art. 14, “§ 1.º. O alistamento eleitoral e o voto são : I – CF/88, art. 231: “São reconhecidos aos obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II – facultativos índios sua organização social, para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os costumes, línguas, crenças e tradições, maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. § 2.º Não (...) competindo à União ..., proteger e podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o fazer respeitar todos os seus bens.” período do serviço militar obrigatório, os conscritos.” Lei 6001/73, art. 5.º:“Aplicam-se aos ELEITORAIS: Lei n.º 4737/65 (Código Eleitoral). índios ou silvícolas as normas dos Alistamento e voto. Obrigatório: + de 18 anos. artigos .... da Constituição Federal, Facultativo: Analfabetos; entre 16 e 18 anos; + de 70 relativas à nacionalidade e cidadania. Parágrafo único. O exercício dos anos. direitos ... políticos pelo índio depende Inalistáveis: estrangeiros; conscritos. da verificação das condições especiais estabelecidas nesta Lei e na legislação pertinente.” Aplicação das normas constitucionais relativas à nacionalidade e cidadania. Exercício dos direitos civis e políticos: verificação de condições especiais no Estatuto e na legislação pertinente. CONCLUSÃO: 1) Os índios são alistáveis (podem tirar o título de eleitor) pois possuem nacionalidade brasileira. 2) O alistamento eleitoral e o voto facultativo estendem-se automaticamente aos que não possuem alfabetização em língua portuguesa, aos que estão entre 16 e 18 anos e aos acima de 70 anos. 3) Para os que são alfabetizados em língua portuguesa e possuem entre 18 e 70 anos, o alistamento eleitoral e o voto também não são obrigatórios, pois devem ser respeitados a organização social, os costumes e tradições do povo ou comunidade. Portanto, em termos gerais 110 SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO CF/88 art. 143. “O serviço militar é obrigatório nos termos da lei*. (...). § 2.º As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos porém a outros encargos que a lei ** lhes atribuir. “ * Lei n.º 4375/64 (Lei do Serviço Militar), regulamentada pelo Decreto n.º 57.654/66. ** Lei n.º 8.239/91. Obrigatório: sexo masculino: 19 anos; Isentos: mulheres e eclesiásticos em tempo de paz; o alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os indígenas. CF/88, art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, (...) competindo à União ..., proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Lei 6001/73. art. 1.º, Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do país, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, ... . art. 5.º:“Aplicam-se aos índios ou silvícolas as normas dos artigos .... da Constituição Federal, relativas à nacionalidade e cidadania. Convenção 107 da OIT. Art. 7.º 1. Ao serem definidos os direitos e as obrigações das populações interessadas, será preciso levar-se em conta seu direito costumeiro. CONCLUSÃO: Para os índios não se estende a regra do serviço Militar obrigatório em razão da idade. Há também que considerar o respeito à organização social, costumes, crenças e tradições do Povo ou Comunidade. Para os indígenas o alistamento e o Serviço Militar são facultativos. Fonte: Assessoria Jurídica - CIMI 111 ANEXO IV DOCUMENTO FINAL DA 1ª ASSEMBLEIA TERENA HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA) Aldeia Imbirussú, 01, 02 e 03 de junho de 2012 Desde a Guerra do Paraguai os povos indígenas do pantanal não se reuniam. Após 177 anos, as lideranças terena se reúnem juntamente com representantes do povo Guarani, Kaiowá e Kinikinau na terra indígena Taunay/Ipegue, na aldeia Imbirussú nos dias 01, 02 e 03 de junho de 2012. As lideranças da Aldeia Imbirussú, Aldeia Bananal, Aldeia Lagoinha, Aldeia Ipegue, Aldeia Água Branca, Aldeia Colônia Nova, Aldeia Morrinho, Aldeia Limão Verde, Aldeia Buritizinho, Aldeia Cruzeiro, Aldeia Taboquinha, Aldeia Brejão, Aldeia Lalima, Aldeia Argola, Aldeia Passarinho, Aldeia Cachoeirinha, Aldeia Moreira, Aldeia Pilad Rebuá, Aldeia Água Azul, Aldeia Tereré, Aldeia Buriti, Aldeia Olho d’água, Aldeia Mãe terra, Aldeia Urbana Marçal de Souza e Associação dos Moradores indígenas do distrito de Taunay; juntamente com seus anciões, professores, diretores, acadêmicos indígenas, agente de saúde e suas organizações. Após discutirmos com nossas comunidades sobre os nossos direitos, viemos a público expor o que se segue: I. Da situação atual da nossa terra O processo de demarcação da terra indígena Taunay/Ipegue está suspensa por força de decisão judicial que acatou pedido ruralista ocupantes de fazendas incidentes em terra tradicionalmente já identificada. Manifestamos nossa indignação com relação à entrada do Estado de Mato Grosso do Sul, na pessoa do Governador André Puccineli na relação processual do lado dos fazendeiros. Fazendo assim com que o processo suba para a instância do STF acarretando maior demora do andamento do processo demarcatório que está judicializado. II. Da inaplicabilidade da condicionante n. 17 do STF Os fazendeiros suscitam contra nós aplicação da condicionante n. 17 imposta pelo STF quando do julgamento do caso da T.I. Raposa Serra do Sol que diz que “é vedada ampliação de terra indígena já demarcada”. Queremos frisar que tal condicionante não se aplica a nossa terra indígena de Taunay/Ipegue pois nossa terra não é fruto de demarcação conforme o dec. 1.775/96, e sim terra que foi reservada pela antiga política do SPI não observando os requisitos traçados pelo Art. 231 da CF/88. Assim, desqualificamos toda a alegação contra a demarcação de nossa terra tradicional. III. Da PEC 215 Repudiamos de igual forma a PEC 215, que tem como objetivo tirar a competência de demarcação da União e passar para o Congresso Nacional. Consideramos a PEC 215 como flagrante inconstitucionalidade pois visa usurpar a atribuição da União, ferindo assim o princípio constitucional da separação dos poderes e do direito fundamental dos povos indígenas as suas terras tradicionais, entendido também como clausula pétrea. IV. Da Convenção 169 da OIT 112 Ressaltamos também que estamos cientes de nossos direitos com relação à Convenção 169 da OIT ratificada pelo Estado brasileiro e cobramos a aplicação do princípio do consentimento livre, prévio e informado do governo brasileiro quando da formulação de projetos e políticas voltados para nossas comunidades. Exigimos também o reconhecimento do estado brasileiro com relação a nossa educação específica e diferenciada, nossa cultura, nossas tradições e nossa língua materna. Quando da implementação de política pública, em especial na área da saúde, sejam atendidos a especifidade dos povos indígenas. V. Rio +20 Com relação a RIO + 20, estamos organizados para participar juntamente com movimento a nível nacional (APIB) e Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá. Iremos levar as reivindicações de nossas comunidades e mostraremos as autoridades mundiais presentes a realidade dos povos indígenas do Brasil e o descaso por parte do governo brasileiro com relação às comunidades indígenas. VI. Da Organização do Povo Terena Na oportunidade formamos o conselho representativo da “Hánaiti Ho’ únevo Têrenoe”. VII. Encaminhamentos A) Será realizado o I Encontro da juventude terena (Hánaiti Ho’únevohiko Inámati xâne têrenoe), na aldeia Bananal na data de 27, 28 e 29 de julho com o tema “Despertar da juventude indígena terena”(Iyúkeovohiko isóneuhiko kali kopénotihiko têrenoe). B) Será realizado o II HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA), na aldeia Moreira – Miranda/MS, no mês de setembro de 2012. C) Foram escolhidas as pessoas que irão representar as comunidades na Rio + 20. D) Fica decidido que a partir dessa data somente as pessoas pertencentes a este conselho representativo poderá falar em nome do povo terena. Desqualificamos assim todas as outras demais organizações que não tem representação na base de nossa comunidade a falar em nosso nome. E) Fica decidido também, que a partir dessa data, apenas CONSELHO DA HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA) e CONSELHO DA ATY GUASU (ASSEMBLEIA DO POVO GUARANI/KAIOWÁ), podem falar em nome dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul. 113 ANEXO V DOCUMENTO FINAL DO 1º ENCONTRO DA JUVENTUDE TERENA HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA) I ENCONTRO DA JUVENTUDE TERENA HÁNAITI HO’ÚNEVOHIKO INÁMATI XÂNE TÊRENOE Aldeia Bananal, 27, 28 e 29 de julho de 2012 Na abertura, a juventude presente (Terena, Kadiwéu e Guarani – Kaiowá), presta suas homenagens ao Professor Antônio Brand (in memorian). Pela sua brilhante passagem aqui na terra e pelo legado que deixou para os povos indígenas, em especial os acadêmicos indígenas. "Professor Brand nos ensinou a não ter vergonha de ser índio e sim nos orgulhar disso, em qualquer lugar" (...) Nós, Juventude Terena, reunidos na Aldeia Bananal, T.I. Taunay/Ipegue nos dias 27, 28, e 29 de julho, com jovens representantes da Aldeia Bananal, Aldeia Ipegue, Aldeia Água Branca, Aldeia Lagoinha, Aldeia Passarinho, Aldeia Lalima, Aldeia Cachoeirinha, Aldeia Mãe Terra, Aldeia Buriti, Aldeinha – Anastácio e Aldeia Limão Verde; juntamente com jovens representantes do Povo Kadiwéu e Conselho da Aty Guasu Jovens – Guarani/Kaiowá. E também, nossas lideranças, nossos anciões, nossos professores e comunidade, após refletir sobre a temática do encontro “O Despertar da juventude indígena terena” (Iyúkeovohiko isóneuhiko kali kopénotihiko têrenoe), viemos a público expor: O Conselho da Juventude Terena faz parte da HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA), e nesse intuito se junta com o movimento indígena na luta pelos seus direitos. Tendo por objetivo sempre defender os princípios do bem viver de nossas comunidades. O I Encontro da Juventude Terena, nasceu no bojo da discussão na HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA), realizado na aldeia Imbirussú em junho de 2012. Em primeiro lugar, ressaltamos que não iremos negociar nossos direitos já conquistados e consagrados pela Constituição Federal. Repudiamos novamente a Portaria n. 303 da AGU, que flagrantemente afronta a autonomia de nossas lideranças e comunidades. Denunciamos o ato do Advogado Geral da União, quando da publicação da referida portaria, ignorou o que reza a convenção 169 da OIT. E ainda, exigimos a revogação da Portaria 303 da AGU, e não apenas a sua suspensão. Nossas lideranças não irão sentar-se a mesa com o governo para negociar nossos direitos. Tendo esse encontro o objetivo de despertar da juventude terena para o movimento indígena, queremos a partir de então, juntamente com nossas lideranças tradicionais, professores e anciões, agregar a juventude terena, sejam aqueles que estejam na universidade estudando, sejam aqueles que estão na aldeia nas escolas e igrejas, unindo forças em torno do bem comum de nossa comunidade. Nossa língua, expressão máxima de nossa cultura, deve ser valorizada. Nesse sentido, reconhecemos a necessidade de valorizar nossas tradições, nossos anciãos e lideranças tradicionais. Recorremos a nossos pais, avós e professores que unam seus esforços no sentido de reavivar a nossa língua materna e nossa história. 114 Queremos uma escola indígena que se apóie em nossa cultura e cosmovisão. Tendo como princípio fundamental um regime de acordo com a sistemática de nossa comunidade. Encaminhamentos: Exigimos que o Ministério Público Federal, cumpra com sua atribuição constitucional de defender os povos indígenas, na pessoa do Procurador Geral da República, provoque o Supremo Tribunal Federal e faça o controle de constitucionalidade da Portaria 303 da AGU e declare sua INCONSTITUCIONALIDADE. Da reflexão do Grupo de trabalho I, que tratou da reflexão sobre o direito da juventude, iremos promover oficinas de direito, em parceria com as escolas indígenas e igrejas, se aproximando da juventude. Da reflexão do Grupo de Trabalho II, que discutiu sobre a educação, fica encaminhada a elaboração de ações que visem o Registro de textos indígenas, das histórias indígenas, da trajetória indígena; Elaboração de Projeto Político Pedagógico das escolas indígenas; Que os professores irão empenhar-se no sentido de construir um “sujeito crítico” com criticas construtivo. Ressaltamos também a importância de escrever documentários da verdadeira história indígena Terena. Fica encaminhado também, ações que busquem a implementação de cursos técnicos para os jovens indígenas em nível médio e superior; para isso a comissão de juventude terena, deverá empenhar-se na busca de parcerias com o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul. Ademais, os professores indígenas presentes reivindicam a formação de uma comissão para estar dialogando com o MEC sobre a situação atual da educação escolar indígena. Da discussão do Grupo de Trabalho III, que refletiu sobre a saúde da juventude indígena: questões relacionadas a alcoolismo, drogas e gravidez na adolescência. Sugere que a liderança de cada aldeia elabore um regimento interno tendo por conteúdo a proibição de drogas e álcool na aldeia. E ainda, a formatação de uma oficina de Educação em Saúde, que será elaborada pelos profissionais indígenas da área de saúde, envolvendo as escolas indígenas e igrejas da comunidade. Aproveitando esses locais onde os jovens se encontram. Da discussão do Grupo de Trabalho IV, que tratou da participação do jovem na política, propõe-se a divulgação das políticas públicas; criar uma entidade (comissão) para o movimento indígena; garantir a continuação do encontro da juventude indígena; garantir o espaço da juventude indígena nos fóruns e conferências municipais, estaduais e federais; garantir oficina e educação popular com o tema relacionado a participação da juventude indígena na política; criar oficinas de elaboração de projetos; elaborar projetos culturais e esportivos com práticas concretas e apoio do estado e parceria com institutos para realização de cursos técnicos para juventude. Exigimos que os órgãos públicos estejam aptos a atender a população indígena, valendo-se de tradutores para entender com clareza os povos indígenas. Fica criado a comissão que irá articular a implementação das ações e encaminhamentos traçados nesse encontro. Fica encaminhado que no próximo mês de agosto, será realizado na Aldeia Mãe Terra, a oficina sobre a Convenção 169 da OIT. Fica encaminhado que no mês de novembro de 2012, será realizado O GRANDE ENCONTRO DAS MULHERES TERENA (HÁNAITI HO’ÚNEVOHIKO SÊNO TÊRENOE). 115 Por fim, pedimos ao CONSELHO NACIONAL DA JUVENTUDE INDÍGENA e a APIB, que inclua essa comissão da juventude terena, formada nos anseios da comunidade indígena, no rol de composição do conselho nacional. Afirmamos que estamos juntos com nossas lideranças na luta pelos nossos territórios tradicionais e, juntamente com o CONSELHO DA ATY GUASU JOVEM queremos fortalecer a luta dos POVOS INDÍGENAS DE MATO GROSSO DO SUL. Aldeia Bananal, 29 de julho de 2012. Assinam: HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA) ENCONTRO DA JUVENTUDE TERENA HÁNAITI HO’ÚNEVOHIKO INÁMATI XÂNE TÊRENOE CONSELHO DA ATY GUASU JOVEM JUVENTUDE KADIWÉU ACADÊMICOS INDÍGENAS DA UCDB – REDE DE SABERES ACADÊMICOS INDÍGENAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS ACADÊMICOS INDÍGENA DA LICENCIATURA INTERCULTURAL DOS POVOS DO PANTANAL – PROLIND ACADÊMICOS INDÍGENAS DA UEMS – CAMPUS CAMPO GRANDE ALUNOS DA ESCOLA ESTADUAL DOMINGO MARCOS VERÍSSIMO – MIHIN PROFESSORES INDÍGENAS TERENA CONSELHO MUNICIPAL INDÍGENA DE CAMPO GRANDE OBSERVATÓRIO DOS DIREITOS INDÍGENAS – ODIN/MS ASSOCIÇÃO DOS MORADORES INDÍGENAS DO DISTRITO DE TAUNAY/IPEGUE ASSOCIAÇÃO INDÍGENA TERENA DO MUNICÍPIO DE AQUIDAUANA CACIQUES E LIDERANÇAS PRESENTES 116 ANEXO VI DOCUMENTO FINAL DA 2ª ASSEMBLEIA TERENA HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA) Aldeia Moreira, 16, 17 e 18 de novembro de 2012 “O Povo Terena lembra a data do dia 18 de novembro, quando se completa 1 ano do assassinado do Cacique de Guayviry Nísio Gomes. Pedimos justiça e a punição dos executores e mandantes desse ato brutal. Não é tirando a vida de nossas lideranças que vai se resolver a demarcação de terra nesse estado. É preciso que o governo federal assuma sua responsabilidade em demarcar nossos territórios, principalmente no estado de Mato Grosso do Sul que é campeão em violência contra os povos indígenas”. As lideranças da Aldeia Imbirussú, Aldeia Bananal, Aldeia Lagoinha, Aldeia Ipegue, Aldeia Água Branca, Aldeia Morrinho, Aldeia Limão Verde, Aldeia Lalima, Aldeia Passarinho, Aldeia Cachoeirinha, Aldeia Argola, Aldeia Babaçu, Aldeia Moreira, Aldeia Tereré, Aldeia Buriti, Aldeia Mãe terra; juntamente com seus anciões, professores, diretores, acadêmicos indígenas, agente de saúde e suas organizações. Este conselho é formado pelas lideranças Terena legítimas, que atuam na base de suas comunidades e que sabem os verdadeiros anseios de seu povo. Nós lideranças Terena reunidos em assembleia na Aldeia Moreira juntamente com representante do Ministério Público Federal, representante da Secretaria de Articulação Social da Presidência da República, representante da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, equipe técnica da FUNAI e Coletivo Terra Vermelha, tratamos das questões relativos à nossa comunidade referente aos nossos territórios tradicionais, a saúde, a questão política dentro da comunidade e educação escolar indígena. Em primeiro lugar repudiamos todas as formas instrumentais que o movimento anti-indígena tem articulado para usurpar nossos direitos historicamente conquistados, tais como a Portaria 2498 publicada em 31 de outubro de 2011, por meio do Ministério da Justiça, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas. A PEC 38/99 que com o relatório e voto do Senador Romero Jucá, quer alterar os artigos 52 e 231 da Constituição Federal e determinar que as demarcações de terras indígenas deverão ser aprovadas pelo Senado Federal. A PEC 215/00, que foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 2012 e visa alterar os artigos 49, 225 e 231 da CF e, em última instância, determinará: que toda e qualquer a demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional e que as áreas predominantemente ocupadas por pequenas propriedade rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar não serão demarcadas como terras tradicionalmente ocupadas por povo indígenas. Repudiamos também o Projeto de Lei n. 1.610/96 que se constitui como instrumento de facilitação a invasão, mercantilização e exploração das nossas terras. Exigimos novamente a revogação da Portaria n. 303 da AGU. O Governo Federal, fazendo uso da Advocacia Geral da União, manipula, escandalosamente, a 117 decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no âmbito da Petição 3.388, que diz respeito exclusivamente ao caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, não possuindo, portanto, efeito vinculante. Nesse sentido, já há três decisões liminares de Ministros do STF que manifestam esse entendimento. Além do mais, o caso ainda não transitou em julgado. Com a presente portaria, o Governo desvirtua a decisão da Suprema Corte generalizando e retroagindo a aplicabilidade das chamadas “condicionantes” emanadas nesse julgamento. Em nossa comunidade não há mais espaço para a roça, chegará o tempo que teremos que construir nossas casas em cima da outra. Estamos vivendo um verdadeiro confinamento. O estado brasileiro está em dívida com os povos indígenas, pois o Art. 67 da ADTC determinou prazo de 5 anos para que toas as demarcações fossem concluídas. Assim, desde 1.993 o governo federal está em mora com as nossas comunidades. Até hoje a Presidenta Dilma não recebeu uma delegação indígena. Em seu discurso de posse ela afirmou que em seu governo “os direitos humanos não seriam negociáveis”. Exigimos que nossas terras tradicionais sejam demarcadas. Que o judiciário julgue as ações em trâmite que versão sobre demarcação de nossas terras. Denunciamos a judicialização da demarcação de nossas terras, o poder judiciário com sua morosidade não tem resolvido à demarcação, mas tem dado decisões sistemáticas contra as comunidades indígenas. Repudiamos as liminares concedidas que paralisam os processos demarcatórios, decisões essas concedidas unilateralmente atingindo o nosso bem maior, “nossa terra”. Denunciamos o modelo desenvolvimentista agroextrativista exportador adotado pelo Estado brasileiro, onde em nome do dito “desenvolvimento” passa por cima dos direitos humanos, ambientais e sociais. Enquanto o estado de Mato Grosso do Sul bate recordes de produção na agricultura e pecuária, existe por traz disso o avesso do olhar desenvolvimentista. Mato Grosso do Sul é o estado que bate recordes de violência contra os povos indígenas, de negação aos territórios tradicionais, de má assistência à saúde indígena e total submissão aos poderes locais do agronegócio. Denunciamos o mau atendimento à saúde nas aldeias, não há medicamentos para a população, não há profissionais suficientes para atender a demanda específica das comunidades indígenas. Está acontecendo em várias comunidades negligência por parte do atendimento a saúde. Reivindicamos capacitação para a população indígena para conhecer a gestão de saúde e atuação dos profissionais. Nossas lideranças, anciãos, professores, acadêmicos indígenas e mulheres indígenas devem ter consciência de que o índio deve ser protagonista na política sulmato-grossense. Devem-se criar comissões internas nas comunidades para trabalhar o fortalecimento e autonomia de suas comunidades. Que as secretarias municipais de assuntos indígenas atuem junto com as lideranças tradicionais para formar uma comissão que avaliem a atuação dos partidos políticos em nossas aldeias. Propomos para nossa comunidade o fortalecimento da educação bilíngue, específica e diferenciada. Temos que preparar nossa juventude para irem estudar fora na cidade e estarem aptos ao mercado de trabalho. Pedimos as nossas lideranças que apoiem os professores e acadêmicos indígenas na luta pela educação escolar indígena e educação superior indígena. Encaminhamentos: Convocamos a participar das próximas assembleias o Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI), bem como representante da SESAI – Brasília para estarem conhecendo a realidade e a demanda de nossas comunidades. 118 Intimamos e exigimos a participação do Sr. Nelson Carmelo (Presidente DSEI), nas próximas assembleias Terena. Fica aprovada pelo Conselho a reivindicação para que a FUNAI realize a reunião do Comitê Gestor em nossas comunidades. Exigimos que a FUNAI regional de Campo Grande inclua um membro desse conselho no Comitê Gestor. Em nossas escolas, temos que ter materiais didáticos em nossa língua materna e concurso público específico para professores indígenas falantes da língua. Queremos nossos professores Terena assumindo exclusivamente as salas de aula em nossas comunidades, conforme diretriz do MEC publicado em 15.06.2012. Pedimos concurso diferenciado para profissionais da área de saúde que atuem em nossas comunidades. Pedimos apoio logístico na questão da saúde em nossas aldeias, tais como ambulância para pronto atendimento da comunidade, bem como renovação dos carros já existentes. Temos que ter especial atenção as pessoas portadores de necessidades especiais que estão na aldeia. Repudiamos a atitude de servidores que atuaram na aplicação das provas do ENEM, que impediram muitos estudantes indígenas de realizarem a prova. Exigimos que o MEC adote medidas no sentido de atender as especificidades das comunidades indígenas. Exigimos que o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, que faça a desintrusão das terras indígenas já homologadas. É inadmissível ver decisões judiciais ordenando o despejo de comunidades indígenas, a exemplo dos Kadiwéu, que já tem sua terra homologada. Fica encaminhado para a presidência da FUNAI que providencie a publicação da portaria do Sr. Valcélio Figueiredo, ratificando-o como representante desse conselho no Comissão Nacional Política Indigenista. Será realizado o II Encontro da juventude Terena (Hánaiti Ho’únevohiko Inámati xâne têrenoe), na aldeia Lalima no primeiro semestre do ano 2013. Será realizado o Encontro dos professores Terena da Terra indígena TAUNAY/IPEGUE (Hánaiti Ho’únevohiko Ihíkaxotihiko têrenoe), na aldeia Lagoinha, Município de Aquidauana-MS, no dia 14 de dezembro de 2.012. Fica desde já, a Secretaria Estadual e Municipais de Educação, intimados a participarem desse encontro de professores. Será realizado o III HÁNAITI HO’ ÚNEVO TÊRENOE (GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA), na aldeia Buriti, Município de Dois de Irmão de Buriti/MS, no mês de março de 2013. Aldeia Moreira – MS, 18 de novembro de 2012. Povo Terena, Povo forte, Povo que se levanta! ASSINAM AS LIDERANÇAS PRESENTES 119 ANEXO VII DOCUMENTO FINAL DA 3ª ASSEMBLEIA TERENA III Hánaiti Ho’únevo Têrenoe Grande Assembleia do Povo Terena Conselho do Povo Terena Acampamento Terra Vida – Terra Indígena Buriti 8 a 11 de maio de 2013 “Nós, povos indígenas, primeiros filhos dessa terra, repudiamos nossos governantes. Jamais abriremos mãos de nossos direitos conquistados na Constituição Federal de 1988 e não nos sentaremos à mesa para negociar nossos direitos”. Documento Final Nós, lideranças e comunidades dos Povos Terena, Kaiowá, Guarani, Kinikinau, Kadiwéu, Ofaié, Atikum, Pataxó e Tupinambá; reunidos no Acampamento Terra Vida – Terra Indígena Buriti, por ocasião da III Hánaiti Ho’únevo Têrenoe (Grande Assembleia do Povo Terena), onde debatemos a situação atual da demarcação de nossos territórios, educação e saúde, viemos a público expor: Os povos indígenas de Mato Grosso do Sul se unem diante dos desafios postos contra o movimento indígena, bem como as manobras do Estado brasileiro no âmbito de seus três poderes que tendem a tirar nossos direitos historicamente conquistados. Reafirmamos que o Estado brasileiro optou por um modelo de desenvolvimento que não há espaço para o nosso bem viver, aliando-se com o agronegócio numa nítida opção contra nosso direito originário. Repudiamos atitude da Presidenta Dilma e da Ministra Chefe da Casa Civil Gleisi Hoffman em receber representantes do agronegócio e se pronunciar no sentido de rever o procedimento de demarcação de nossas terras tradicionais. Procedimento este já declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. É inconstitucional submeter o estudo antropológico de identificação e delimitação à apreciação da EMBRAPA, que inclusive já se manifestou ser incompetente para tal apreciação. Mais uma vez, nós povos indígenas se unimos para enfrentar todas as formas instrumentais contra nossa autonomia. Os três poderes do Estado brasileiro estão contra os nossos direitos. O Executivo têm descaradamente feito aliança com o movimento do agronegócio, impedindo a conclusão das demarcações e tentando reabrir os procedimentos já concluídos, tudo isso em nome de um dito desenvolvimento que não tem espaço para os povos indígenas e que visa explorar as riquezas minerais de nossos territórios. Ao mesmo tempo o Poder Legislativo com suas proposições que significam um retrocesso aos nossos direitos. Tais como a PEC 215, 038 e 237 que tem o objetivo de usurpar a competência da União para demarcar nossos territórios e atingir o nosso direito adquirido ao usufruto exclusivo das riquezas. O Poder Judiciário com as decisões que determinam o despejo de nossas comunidades das terras que nos pertencem. A judicialização das demarcações constitui-se em grande entrave, visto que 120 o poder judiciário não resolve a demarcações, pelo contrário, eterniza os conflitos fundiários. Repudiamos atitude do Governador André Puccinelli, que sistematicamente tem entrado nos processos de demarcação, fazendo com que os processos, travem as demarcações. Manifestamos também nossa indignação com relação à saúde indígena. A saúde indígena em nossas comunidades está um caos. Fato este que tem ceifado a vida de nossos anciões, mulheres e crianças, por falta de um atendimento médico adequado e de remédios nos postos indígenas. Nas comunidades não tem o número de ambulâncias suficiente para atender a demanda indígena. Os profissionais que atuam em nossas comunidades devem sair da própria comunidade visto que temos profissionais indígenas com capacidade técnica para ocupar os cargos. Por isso repudiamos o parecer da AGU que se manifestou no sentido de não disponibilizar cotas nos concursos da saúde indígena, bem como o ministério da saúde que não tem acatado os anseios de nossa comunidade. Exigimos vagas em concurso público direcionado a profissionais indígenas. Esses profissionais que devem trabalhar em nossas comunidades, visto que são eles que conhecem a realidade local, falam nossa língua e podem atender com melhor qualidade as nossas demandas específicas. Exigimos do Ministério da Saúde providências no sentido de adotar medidas para o bom funcionamento da SESAI em Mato Grosso do Sul. Atualmente o atual coordenador está afastado por motivo de inúmeras denúncias, e exigimos medidas para que a gerência seja ocupada por pessoas comprometidas com o movimento indígena e sensível as especificidades da saúde da comunidade. Encaminhamentos Fica encaminhado que: a) A 4ª Assembleia do Povo Terena (Hánaiti Ho’únevo Terenoe), será realizada no mês de novembro na Aldeia Cabeceira – Terra Indígena Nioaque; b) O Encontro das Mulheres Terena (Hánaiti Ho’únevo Terenoe Sênohiko), será realizada na aldeia Água Branca – Terra Indígena Taunay/Ipegue; c) Será realizado na Aldeia Buriti e nas demais aldeias terena, Oficinas de preparação com as mulheres indígenas; d) O II Encontro da Juventude Terena (Hánaiti Ho’únevo Terenoe Inamati xâne), será realizado na Aldeia Lalima; e) Foi constituída a Comissão da Educação Indígena e Comissão da Saúde Indígena que irão atuar dentro do Conselho do Povo Terena; f) Será realizada reunião com os caciques para tratar da representação do CNPI. g) Será realizado o VI Fórum de educação escolar indígena na aldeia Limão, em Outubro de 2013. Povos indígenas de Mato Grosso do Sul, Povos que se levantam. Acampamento Terra Vida – Terra Indígena Buriti / MS Assinam lideranças presentes: 121 ANEXO VIII DOCUMENTO FINAL DA 4ª ASSEMBLEIA TERENA HÁNAITI HO’ÚNEVO TÊRENOE GRANDE ASSEMBLEIA DO POVO TERENA Conselho Terena Aldeia Brejão Terra Indígena Nioaque/MS 13 a 16 de novembro de 2013 O povo Terena se reúne pela primeira vez após a tragédia ocorrida em Buriti e presta sua homenagem ao guerreiro Oziel Gabriel, vítima da omissão do Estado brasileiro e morto pela bala da polícia federal, a quem cabia a segurança de nossas comunidades. Nós povo Terena, reunidos na Aldeia Brejão, Terra Indígena Nioaque, município de Nioaque, entre os dias 13 a 16 de novembro de 2013, juntamente com representantes do Povo Kinikinau, Povo Atikum e Povo Guarani Kaiowá e demais lideranças presentes, decidimos: Política Geral A tragédia está anunciada em Mato Grosso do Sul! É público e notório a ameaça concreta intentada contra os povos indígenas pelos ruralistas deste estado. Repudiamos os chamados “leilões da resistência” anunciados pelos produtores rurais que tem por objetivo financiar milícias armadas. Denunciamos esse projeto criminoso que sempre existiu neste estado! O governo federal instalou em Mato Grosso do Sul uma mesa de diálogo na tentativa de resolver a demarcação de nossos territórios. No entanto, após vários prazos estipulados pelo próprio ministro não há nada de concreto a ser apresentado aos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul. Os mesmos ruralistas que sentam à mesa conosco estão articulando no Congresso Nacional e Governo Federal manobras para arrancar nossos direitos conquistados. Não iremos mais sentar à mesa enquanto não houver proposta concreta! Não negociaremos nossos direitos! Exigimos a revogação da Portaria n. 303 da AGU! O Supremo Tribunal Federal já decidiu que as condicionantes impostas no julgamento de Raposa Serra do Sol não são vinculantes, portanto, não devem ser aplicadas em MS. Não discutiremos com o governo federal a regulamentação da Convenção 169 da OIT enquanto a Portaria 303 da AGU não for revogada. Repudiamos a atitude da bancada federal de Mato Grosso do Sul diante da indicação política para ocupar cargo do DSEI/MS, sem consultar as lideranças indígenas. 122 Território A terra é nossa mãe, por isso não negociaremos. Repudiamos a mesa de diálogo imposto pelo governo federal! Exigimos que o Estado brasileiro cumpra a Constituição Federal e demarque os nossos territórios tradicionais. A Terra Indígena Buriti pertence ao povo terena! Exigimos a demarcação definitiva e a resolução imediata do conflito fundiário. Exigimos a pu portaria declaratória da Terra Indígena Taunay/Ipegue. Repudiamos a manobra do estado de Mato Grosso do Sul que tem sistematicamente ingressado nas ações possessórias de demarcação, travando os processos no STF. Exigimos a conclusão da demarcação da Terra Indígena Cachoeirinha e Limão Verde. Exigimos conclusão dos estudos complementares da Terra Indígena Lalima e Pilad Rebuá. Exigimos que a FUNAI inclua a Terra Indígena Nioaque no cronograma de prioridades e inicie o estudo de identificação e delimitação. Educação Assim como temos feito a respeito de nosso território, também retomaremos nossa educação própria, específica, diferenciada e multilíngüe. Nossas escolas não podem ser cabides de emprego. Nossas escolas, professores e alunos estarão juntos com nossas lideranças nas retomadas, pois acreditamos que sem nossos territórios não há que se falar em educação escolar indígena. Nós iremos tomar frente das normas em nossas escolas. Não aceitaremos mais as imposições das secretarias municipais. Que as prefeituras municipais respeitem as decisões tomadas pelas lideranças quanto as lotação de professores e dos gestores da educação escolar indígena. Queremos a eleição direta dos diretores da escola municipais e estaduais das escolas indígenas. Exigimos que concursos para professores indígenas sejam de fato diferenciado e especifico. Também exigimos que todas as medidas tomadas pelas lideranças no campo da educação escolar indígena sejam respeitadas pelos órgãos públicos. Encaminhamentos 1. Exigimos que a FUNAI publique portaria constituindo grupo de trabalho para fins a identificação e delimitação da Terra Indígena Nioaque, Município de Nioaque, Mato Grosso do Sul; 2. Exigimos que a FUNAI publique portaria constituindo grupo de trabalho para fins a identificação e delimitação do território do Povo Kinikinau, Mato Grosso do Sul; 3. Exigimos que a Presidência da FUNAI publique portaria regulamentando emissão documentos administrativo para indígenas; 4. Exigimos que o Ministério Público Federal e o Ministério dos Direitos Humanos incluam nossas lideranças que estão na luta pela terra no programa de segurança de direitos humanos; 5. Exigimos que a SESAI preste atendimento de qualidade às comunidades que estão acampadas em área de litígio, em especial saneamento básico; 123 6. Foram escolhidos os membros para APIB; 7. Foram escolhidos os membros da Comissão da Juventude Terena; 8. Foram escolhidos os membros da Comissão das Mulheres Terena; 9. Foram escolhidos os membros da Comissão da Saúde indígena; 10. O conselho Terena se propõe a dialogar com a FUNAI, no sentido de apoiar o povo Kinikinau a lutarem por seu território; 11. O Conselho Terena indica Fernando de Souza para ocupar o Cargo de Coordenador do DSEI – MS. 12. O Conselho do Povo Terena em conjunto com o Conselho Aty Guasu indicou nome de liderança indígena para serem lançados ao pleito de deputado estadual e federal em 2014; 13. Fica encaminhando que o III Encontro da Juventude Terena (Hánaiti Ho’únevo Inámati Xanéhiko Têrenoe) será realizado na Comunidade Esperança em setembro de 2014; 14. Fica encaminhado que o I Encontro das Mulheres Terena (Hánaiti Ho’únevo Senóhiko Têrenoe) será realizado na Comunidade Esperança nos dias 28 e 29 de novembro de 2013. 15. Fica encaminhado que a 5º Assembleia do Povo Terena (Hánaiti Ho’únevo Têrenoe) será realizada na Aldeia Babaçu, Terra Indígena Cachoeirinha, em maio de 2014. Aldeia Água Branca – Aquidauana Aldeia Água Branca – Nioaque Aldeia Babaçu - Miranda Aldeia Brejão – Nioaque Aldeia Buriti – Dois Irmãos do Buriti Aldeia Buritizinho – Sidrolândia Aldeia Cabeceira – Nioaque Aldeia Cachoeirinha – Miranda Aldeia Córrego do Meio – Dois Irmãos do Buriti Aldeia Ipegue – Aquidauana Aldeia Bananal – Aquidauana Aldeia Lagoinha – Sidrolândia Aldeia Lalima – Miranda Aldeia Limão Verde – Aquidauana Aldeia Moreira – Miranda Aldeia Morrinho – Aquidauana Aldeia Oliveira – Dois Irmãos do Buriti Aldeia São João - Bodoquena Aldeia Taboquinha – Nioaque Aldeia Água Bonita – Campo Grande Aldeia Tarsila do Amaral – Campo Grande Aldeia Te’y Kuê – Caarapó Aldeia Tereré – Sidrolândia Comunidade Esperança – Aquidauana Comunidade Guyra Kambiy – Douradina Comunidade Ita’y – Douradina Comunidade Laranjeira Nhanderu – Rio Brilhante Comunidade Mãe Terra – Miranda Comunidade Maraóxapa – Miranda Comunidade Ñu Porã – Dourados 124 Comunidade Pindo Roky – Caarapó Comunidade Terra Vida – Dois Irmãs do Buriti Organização do Professores indígenas da T.I. Buriti Organização do Professores indígenas da T.I. Taunay/Ipegue Acadêmicos indígenas da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB Acadêmicos indígenas da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD Acadêmicos indígenas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS Acadêmicos indígenas da Universidade Federal de Mato Groso do Sul – UFMS/Aquidauana 125