Resenha Crítica Reflexões sobre o Direito Fundamental à Educação Adriana Lira Mestra em Educação, Secretária e pesquisadora da Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília [email protected] SIFUENTES, Mônica Jaqueline. Direito fundamental à educação: a aplicabilidade dos dispositivos constitucionais. Porto Alegre: Núria Fabris, 2009, 345p. Mônica Sifuentes, mestra em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora pela Universidade de Lisboa é a atual juíza federal titular da 3ª. Vara em Brasília/Distrito Federal. Possuidora de diversos prêmios e autora de vários artigos no Brasil e no exterior, mostra que os problemas vividos pela sociedade brasileira estão associados ou são consequentes da violação do direito fundamental à educação. Considera a autora que tratar desse direito, sobretudo num país como o Brasil, que possui exacerbadas desigualdades sociais e econômicas, é o mesmo que tratar da exclusão social. Sifuentes pretende, por meio desse estudo, estimular a conscientização de um número maior de leitores para a responsabilidade individual, necessária para se garantir a conquista do direito à educação. Assim, este livro é fundamental para que os educadores e outros profissionais tenham pleno conhecimento e consciência do direito à educação em nosso país, que não podem ser restritos a magistrados, membros do Ministério Público e advogados. Com tamanha sensibilidade para o tema em epígrafe, a autora mostra que o direito à educação constitui a principal ferramenta para o desenvolvimento dos indivíduos e das nações. Entretanto, alerta para o fato de que as medidas até então adotadas em nosso país não são suficientes para fazer cumprir a promessa constitucional, já que não basta, por exemplo, oferecer vaga aos alunos, mas garantir-lhes condições necessárias, isto é, igualdade de acesso e de permanência na escola. Para a autora, a não realização plena do direito à educação é fator responsável pela segregação brasileira. Agenda Social. v.4 , n.1, jan-abr / 2010, p. 90-93, ISSN 1981-9862 Reflexões sobre o Direito Fundamental à Educação 91 Suas inquietações sobre o direito à educação são frutos de alguns anos de estudos. Foi despertada paulatinamente a partir de participações em grupos, pesquisas, palestras e elaboração de artigos para aprofundamento do tema em pauta. Então, o que era para ser uma simples monografia de conclusão de Curso constitui hoje, a segunda edição desse livro, que se apresenta mais aperfeiçoado, atualizado e ampliado. Numa tarefa minuciosa e nada fácil, a autora procurou fazer um recorte do direito ao ensino fundamental e o comparar entre as constituições brasileiras e ainda às de outros países, para que os leitores sejam imbuídos dos mesmos ideais de otimismo e esperança. Convidando, pois, o leitor a advogar esta causa. De forma didática, Sifuentes faz com que suas reflexões e referências a diferentes pesquisadores renomados da área jurídica sejam apropriadas pelos leitores, que também passam a refletir sobre a problemática. Procura familiarizar o leitor com a Constituição brasileira, incluindo, em meio à sua análise, as transcrições de dispositivos, a fim de fundamentar suas discussões e torná-las mais compreensíveis. Analisa-os, mostrando que o ensino fundamental foi ganhando força de uma constituição à outra. Esmera-se, pois, em apresentar ao leitor como assegurar plenamente esse direito determinado pela Constituição Federal. O livro em seu todo é composto de nove capítulos. Trezentas e quarenta e cinco páginas com verdadeiras lições sobre a história educacional de nosso país, uma oportunidade. O primeiro capítulo, que a autora denominou de Introdução, disponibiliza a parábola do menino Hillel1, que representa muito bem a história de tantos brasileiros situados na mesma posição de exclusão e que, por isso, acabam sendo privados do direito à educação. Nesse capítulo, Sifuentes evidencia a realidade brasileira e revela como se deu a implantação das primeiras escolas, em meio a tantos preconceitos e exclusões. Justifica, pois, a importância da temática do livro e o contextualiza, mostrando que muitos direitos já foram conquistados, entre eles o da educação, contudo, ele ainda permanece no papel. No segundo capítulo, Caracterização do direito ao ensino fundamental, a autora trata do significado do termo educação e da caracterização desse direito. Evidencia o uso indeterminado desse termo e abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições do ensino e pesquisa. Ressalta ainda os níveis da educação: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação 1 História contada pelo povo judeu através do Talmud (obra que resume as discussões dos rabinos acerca das leis judaicas, tradições, lendas e história do povo judeu.) Agenda Social. v.4 , n.1, jan-abr / 2010, p. 90-93, ISSN 1981-9862 Adriana Lira 92 superior, diferenciando-os. Caracteriza cada um desses níveis e trata dos objetivos de cada um deles, expondo as finalidades da educação básica no que se refere ao desenvolvimento integral do aluno. No terceiro capítulo, Análise histórico-normativa da educação fundamental no Brasil: avanços e percalços, Sifuentes trata dos avanços e conquistas da educação, como, por exemplo, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental, que devem ocorrer sem qualquer forma de exclusão. Faz uma breve análise do trato normativo da educação no ordenamento jurídico brasileiro por meio do método histórico, tendo como linha evolutiva a sucessão cronológica das constituições brasileiras e das principais leis ordinárias. Verifica-se que o caminho percorrido entre as cartas magnas brasileiras foi marcado pela associação entre progressos e recuos havendo, portanto, uma elevação educacional ao nível dos direitos fundamentais do homem; porém, a autora chama a atenção para o fato de os resultados ainda estarem longe do ideal. Já o quarto capítulo, O ensino fundamental nas constituições modernas, aponta as diferenças de tratamento dado à educação pelas constituições de países como Portugal, Espanha, Itália, Bélgica, Alemanha, Áustria, Dinamarca e de países da América Latina: Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Ao final dessa incursão, a autora faz uma apreciação entre as constituições da América Latina e da Europa, concluindo que não há uniformidade de consideração desse direito entre esses países e que a atenção dada à educação em cada um deles interfere em seu desenvolvimento. O quinto capítulo trata dos Custos do ensino fundamental. Nele se observa que a educação deve ser tratada como investimento e não gasto. Na história da política do ensino, a gratuidade da escola pública primária constitui extraordinário avanço, já que era sempre vista com o caráter de favor do Estado, em vez de direito. Segundo a autora, para se tratar do custo do ensino fundamental é preciso refletir sobre a relação gratuidade e igualdade. Pelo fato de ser pública, a escola não pode oferecer ensino de pior qualidade, criando desigualdades na obtenção da educação fundamental. Compete, pois, ao Estado, o poder de intervir na economia, de forma a evitar a supremacia dos mais fortes e impedir o monopólio, além de garantir um ensino de qualidade para todos (redes pública e privada) e gerir, democraticamente, o sistema de ensino. O sexto capítulo, Acionabilidade do direito ao ensino fundamental, destaca a importância do acionamento individual ou particular do Poder Judiciário para aplicação Agenda Social. v.4 , n.1, jan-abr / 2010, p. 90-93, ISSN 1981-9862 Reflexões sobre o Direito Fundamental à Educação 93 imediata das normas constitucionais, a fim de se assegurar a efetividade do direito ao ensino fundamental. Uma prática que os poderes públicos deveriam prevenir, exercendo de fato suas atribuições expostas na Lei Maior. Todavia, os menos favorecidos economicamente não têm o hábito de utilizar o Poder Judiciário na defesa de seus direitos. O sétimo capítulo, Proteção pelas vias institucionais, trata da atuação dos órgãos encarregados da execução da política educacional, para controlar a efetividade do direito à educação. Assim, considera Sifuentes ser o Ministério Público instituição de amparo da sociedade na garantia desse direito, já que em geral os pobres não podem pagar advogado particular. Atua, pois, em defesa da criança e do adolescente, protegendo os seus direitos. O oitavo e penúltimo capítulo, A responsabilidade da família e da sociedade, destaca o papel do Estado na proteção do direito à educação, mas principalmente o trata como responsabilidade também da família e dever do próprio aluno. Portanto, podem ser punidos por descumprimento de suas obrigações. Aponta ainda que a sociedade civil pode e deve cobrar do poder público o cumprimento de responsabilidades constitucionais, como vagas e qualidade, ajudando, por outro lado, a escola a desempenhar sua função pública com o máximo de competência. E o nono e último capítulo, Reflexões e perspectivas, trata da educação como urgente desafio decisivo para o terceiro milênio, importante para o desenvolvimento pleno do indivíduo e da sociedade. Para a autora, a educação contribui para o desenvolvimento econômico, social e político, ou seja, para a realização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Por fim, ela ressalta que as políticas públicas só se caracterizarão como efetivas se conseguirem oferecer um ensino fundamental de qualidade para todos, do contrário, fatalmente limitará as oportunidades de mobilidade social da maioria da população que se encontra na base da pirâmide ocupacional. Trata-se, portanto, de uma obra de leitura fácil para leigos em Direito, mas fundamentais para os educadores e outros agentes, que não podem alegar ignorância da Lei. Uma obra que evidencia a necessidade de os educadores precisarem estar bem informados da legislação e normas a fim de exercer protagonismo e não ficar a reboque de outros setores. Sua leitura torna-nos mais perseverantes, leva-nos a ter outra visão acerca do Direito e ainda ao reconhecimento de se fazer conhecida a Constituição brasileira pelos alunos para que esses também formem essa consciência. Uma obra para ser lida e indicada a outros colegas como multiplicadores dessa sensibilidade e urgência demonstradas pela autora. Agenda Social. v.4 , n.1, jan-abr / 2010, p. 90-93, ISSN 1981-9862