A EDUCAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA, ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL, E A SUA AÇÃO POLÍTICA NA BUSCA PERMANENTE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO OLIVEIRA JUNIOR 1 , Washington Luiz de. RESUMO O estudo traz uma análise crítica da ação político-educacional pública brasileira. A educação pública enquanto direito humano fundamental, embasada na perspectiva da teoria educacional da ação dialógica de Paulo Reglus Neves FREIRE e enquanto construção permanente do Estado democrático de direito, na perspectiva da teoria da ação comunicativa de Jürgen HABERMAS. A partir de estudo comparativo, interpretativo e investigativo, o artigo desenvolverá um diálogo com os pensamentos Freiriano e Habermasiano, pelo viés da educação pública, buscando as suas aproximações, divergências, convergências e conceitos. O objetivo é sustentar a educação pública, em sua ação política e interdisciplinaridade, como instrumento válido de busca permanente do processo democrático em um Estado de direito possível e viável. Buscar um modelo de educação pública necessária e eficiente para a sedimentação da democracia, contribuindo assim, para uma educação pautada no agir do educador e do educando, um não tendo maior importância que o outro, devendo haver um diálogo contínuo e permanente entre ambos. O diálogo desejado não se trata de qualquer diálogo, deve ser o diálogo da responsabilidade pela autonomia de um com relação à autonomia do outro, buscando um consenso possível, como detentores do mesmo grau de importância. O ensino público contribui para a formação dos indivíduos, ao menos deveria, mas acaba por não realizar sua função de maneira satisfatória. Deve-se colocar a possibilidade real da formação dos indivíduos, autônomos, discernidos, atores principais dos seus pensamentos, e como desejavam FREIRE e HABERMAS, emancipados. Palavras-chave: educação pública. direitos fundamentais. estado democrático. ação política. ação dialógica. ação comunicativa. ABSTRACT The study brings a critical review toward the political action inside the brazilian public educational system. The public education as a fundamental human right, based on educational theory of dialogical action (conversational) by Paulo Reglus Neves FREIRE, and as a persistent pursue and construction of democratic rule of law state, based on theory of 1 -2- communicative action by Jürgen HABERMAS. To start doing a comparative, sensedistinction and research study, the essay will develop a dialogue between Habermas’ ideas and Freire’s ideas, all put in the perspective of public education, seeking their approachs, their disagreements, their consonance and their concepts. The task is to sustain the public education, seen as its political action, as a valid facilitator and tool to persistent seek out of democratic process in a rule of law state, possible and practicable. To search for a public education pattern that is necessary e efficient to solidify democracy, sharing therefore, consolidanting a pattern of education based on the educator actions and on the student actions, both persons sharing the same degree of importance and value; there must be a recurrent and perennial dialogue between them. The desirable dialogue must be the one that respects the self-determination of both educator and educatee, trying a possible agreement. Public education contributes to enlighten and to civilize people, at least it should be doing that, but it ends up failing its duty. There must exist the real possibility of edifying selfdeterminated individuals, who can be the governors of their thoughts and, as was the desire of FREIRE e HABERMAS, emancipated, unbound. Key words: public education. fundamental rights. democratic state. political action. dialogical action. communicative action. INTRODUÇÃO Ao longo dos séculos, desde suas primeiras manifestações, as teorias legitimadoras do ente estatal e dos direitos essenciais à existência digna do ser humano, passaram por gradativas construções, até atingir as atuais concepções de: Estado constitucional democrático de direito e direitos humanos fundamentais. Atualmente vivencia-se a compreensão constitucional definida pelo jurista português CANOTILHO, conexão entre a democracia e o Estado de direito. O tema pretendido dedica-se a envolver a educação pública brasileira, como o direito humano fundamental, na sua atuação política consciente, dever de um Estado constituído, legitimo, buscando a democracia, tendo como aliadas as teorias da ação dialógica e comunicativa. A educação pública, em sua ação política e na sua interdisciplinaridade, deve contribuir para o processo de democratização do Estado de direito. A educação pública necessária para sedimentar a democracia é a educação emancipadora, pautada no agir do educador e do educando, um não tendo maior importância que o outro, devendo existir um -3- diálogo verdadeiro e permanente; não se trata de qualquer diálogo, deve ser o diálogo da responsabilidade, responsabilidade pela autonomia de um com relação à autonomia do outro. O ensino público busca contribuir para a formação do indivíduo, mas acaba por não realizar sua função de maneira satisfatória. Devem-se colocar então a possibilidade real da formação destes indivíduos, autônomos, discernidos, atores principais dos seus pensamentos, e como pensavam FREIRE e HABERMAS, emancipados. Este artigo é um esboço da pesquisa a ser desenvolvida durante o Mestrado em Educação, portanto, as considerações finais não devem ter caráter definitivo e sim uma prévia do que a pesquisa possa encontrar ao seu término. Nesta busca, tentar-se-á identificar os fatores que determinam a educação pública como partícipe do processo de democratização do Estado de direito. No decorrer da pesquisa, pode-se propor à comunidade acadêmica, a formação de um grupo de pesquisa interdisciplinar, para buscar compreender a educação pública e as práticas democráticas. O trabalho busca mostrar a viabilidade de um Estado legitimador de direitos, não somente para assegurá-los em tese, mas a fim de garanti-los no seu exercício, com a efetivação destes direitos e a preferência pela educação pública, gratuita e de qualidade, assim como a Constituição federal brasileira garante ao cidadão. O problema a ser enfrentado nesta busca versa sobre: em que medida a ação política da educação pública, que é um direito fundamental, pode contribuir no processo de democratização do Estado de direito? E o seu desdobramento procura entender: qual educação pública torna-se necessária para sedimentar uma democracia? O nascimento foi coroado pelas desigualdades, mas não devem-se esperar este futuro para o país, a economia brasileira em poucos anos pode alcançar a posição de quinta maior do globo, mas se continuar a ser negligente com a educação de sua população, o crescimento econômico não trará benefícios sociais reais e aprofundará as já enormes desigualdade. 1 1. EDUCAÇÃO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS O tema será abordado com o resgate do diálogo de alguns pensadores nacionais e estrangeiros. Serão trazidos à discussão como doutrinadores condutores nacionais, o jurista José Afonso da SILVA e o educador Paulo FREIRE; enquanto doutrinadores condutores estrangeiros, o jurista português José Joaquim Gomes CANOTILHO e o filósofo alemão Jürgen HABERMAS. Embasar a discussão inicialmente no pensamento destes doutrinadores faz-se necessário, pois, podem-se extrair elementos básicos para a criação e suporte à pesquisa pretendida. A função primordial dos direitos fundamentais e suas correlatas garantias, destacando-se os direitos à liberdade e à igualdade, é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade. Através dos direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente, os indivíduos, reconhecidos na sua condição de cidadãos, são detentores de um extenso rol de direitos oponíveis aos demais cidadãos e até mesmo ao próprio Estado. Está, assim, garantida a defesa em face do poder estatal e de outras possibilidades coativas. As garantias fundamentais cumprem assim o papel de defesa dos cidadãos e da prestação social à qual está obrigado o Estado. Neste sentido ensina CANOTILHO 2 : [...] direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. [...] os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. [...] Função de prestação social, os direitos a prestações significam, em sentido estrito, direito do particular a obter algo através do Estado (saúde, educação, segurança social). Pensar em direitos fundamentais é pensar nos direitos que tem maior relevância garantidora dos direitos dos cidadãos e das instituições democráticas. Numa sociedade concreta os direitos sociais fundamentais, tais como a educação e a saúde, devem ser protegidos e estarem em permanente equilíbrio com os direitos individuais fundamentais, pois, a concepção de dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade devem estar na origem de qualquer política de realização de direitos sociais comprometidos com a democracia. 2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ª ed. Coimbra Portugual: Livraria Almedina, 2003. Pag. 393, 407 e 408. 2 As políticas sociais não devem estar fundadas em uma política elitista, que pensa o cidadão, como sendo um indivíduo de conquistas mínimas, o qual deve contentar-se com um mínimo de direitos, tendo um certo bem-estar material, social, educacional, não tomando parte da sociedade, neste sentido descreve CANOTILHO 3 : Consideram-se pressupostos de direitos fundamentais a multiplicidade de factores – capacidade econômica do Estado, clima espiritual da sociedade, estilo de vida, distribuição de bens, nível de ensino, desenvolvimento econômico, criatividade cultural, convenções sociais, ética filosófica ou religiosa – que condicionam, de forma positiva e negativa, a existência e proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais. Estes pressupostos são pressupostos de todos os direitos fundamentais. Alguns deles, porém, como os da distribuição dos bens e da riqueza, o desenvolvimento econômico e o nível de ensino, têm aqui particular relevância. A educação é um atributo da pessoa humana, seja no seu processo de reconstrução da experiência, seja na sua ação dialógica, e deve ser comum a todos. A Constituição Federal de 1988 elenca a educação como direito social fundamental em seu artigo 6 e declara em seus artigos 205 a 214 que a educação é um direito de todos e um dever do Estado. Necessita-se avaliar esta afirmação, como sendo, a educação elevada à categoria de um serviço essencial, público, que o Estado deva possibilitar a todos, e ter preferência pelo ensino público, de qualidade, em detrimento ao ensino privado 4 . A escola pública não deve ser um instrumento de benevolência de uma classe “superior”, muito menos uma generosidade. A educação é um direito, não importando o seu nível de ensino, e é prestadora de serviços sociais, voltada a todos, principalmente aos menos favorecidos, servis, degradados, submetidos às diversas dificuldades de uma sociedade capitalista. Neste cenário, não podemos esperar do ensino particular o papel do ensino como direito fundamental, como tão bem nos diz o educador Anísio TEIXEIRA 5 : Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser ministrada pelo Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois estes somente podiam oferecê-la aos que tivessem posses (ou a ‘protegidos’) e daí operar antes para perpetuar as desigualdades sociais, que para removê-las. Acreditar que só em um sistema educacional democrático, em uma educação formal, através da escola pública, é que se poderá concretizar o direito ao ensino, não só é possível, como pode ser embasado pela Constituição. 3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ª ed. Coimbra – Portugual: Livraria Almedina, 2003. Pag. 473 e 474. 4 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23 ª ed. rev. e atualizada. São Paulo: Malheiros editores, 2004. Pag. 817 e 818. 5 TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1957. Pag. 80 3 Encontram-se nos artigos 205 e 206 da constituição, os objetivos que devem nortear a política educacional: o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; sendo os seus princípios a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, a gratuidade de ensino público em estabelecimentos oficiais, a valorização dos profissionais do ensino garantido na forma da lei, os planos de carreira para o magistério público, com piso salarial e profissional, com ingresso exclusivamente por concurso público, a gestão democrática e a garantia de padrão de qualidade 6 . As universidades públicas tem papel vital para a efetivação da educação enquanto progresso humano pela razão, pois elas são sociedades devotadas ao livre cultivo da inteligência, buscam a razão 7 , não devem ser apenas espaços de ensino e de pesquisa, e principalmente, não podem estar atreladas a interesses alheios ao ensino, sejam de governos, grupos políticos ou sindicatos que representem a categoria educacional. Bem diferente das universidades confessionais e particulares cujas estruturações já vem arraigadas por interesses, neste sentido o educador Anísio Teixeira 8 diz com muita clareza: [...] as universidades não serão o que devem ser se não cultivarem a consciência da independência do saber e se não souberem que a supremacia do saber, graças a essa independência, é levar a um novo saber. E para isto precisam de viver em uma atmosfera de autonomia e estímulos vigorosos de experimentação, ensaio e renovação. A Constituição brasileira possui diversas normas falando de educação, começa afirmando que a educação é um direito e um dever do Estado, da família, com a colaboração da sociedade; depois passa a falar em sua função de promotora e incentivadora do pleno desenvolvimento da pessoa humana, do preparo para o exercício da cidadania e qualificação ao trabalho (artigo 205); passa então a fixar em lei ordinária, os princípios que devam nortear as ações da educação, as ações do poder público, com maior relevância a promoção da 6 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23 ª ed. rev. e atualizada. São Paulo: Malheiros editores, 2004. Pag. 818. 7 TEIXEIRA, Anísio. A educação e a crise brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. Pag. 271. 8 TEIXEIRA, Anísio. A educação e a crise brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. Pag. 267. 4 formação humanista, científica e tecnológica, de todas as pessoas. Neste sentido o pensamento do professor constitucionalista Zulmar Fachin 9 diz: Uma das questões mais angustiantes aos estudiosos, neste início de século, é a educação. Trata-se de um direito fundamental, que ocupa lugar de destaque no âmbito do Direito Constitucional. ‘A estrutura de toda a sociedade assenta nas leis e normas escritas e não escritas que a unem e unem os seus membros. Toda educação é assim o resultado da consciência viva de uma norma que rege a comunidade humana’. Acreditar na efetivação do direito à educação é uma possibilidade viável, ela já é um direito fundamental, bem verdade, que é um direito historicamente prejudicado pela falta de cuidados dos representantes legais, mas a ausência de neutralidade da educação, em sua ação política faz a esperança nesta efetivação. O papel do educador é fundamental nesta busca, ele não pode se furtar a ser o agente transmissor da ação política. Claro que não se trata de política partidária como alguns acabam por realizar. Paulo Freire, em seu discurso, rebate a possibilidade de neutralidade na questão educação, ele acredita que o resultado é evidente, que não importa o nível em que o educador tenta realizar. Seja no ambiente das universidades, na alfabetização de adultos ou mesmo na pré-escola, todo ambiente de ensino é propício para uma ação política da educação, e o papel do educador é o de “ser político 10 ” e não puro técnico ou sábio, pois o próprio técnico e o sábio são seres políticos. O raciocínio desenvolvido sobre educação e direitos humanos no pensamento de FREIRE 11 é muito ácido, incisivo, talvez pessimista, característica pouco marcante em sua personalidade educadora, ele afirma: [...] falar sobre Educação e Direitos Humanos já nos coloca um primeiro direito negado e negando-se que é o direito à educação. É a própria educação que pretendemos que se dê ao esforço de desafiar a quem proíbe que a educação se faça, é a própria educação como direito de todos, que é negada a grande parte da população. E esta primeira reflexão me leva imediatamente a constatar outra obviedade que é exatamente a natureza política que a educação tem, isto é, constatar a absoluta impossibilidade de termos um processo educativo que esteja dirigido ao ‘bem-estar da humanidade’. Discordar é importante para a pesquisa, neste aspecto, a afirmação de Freire faz necessária uma discordância primordial. 9 FACHIN, Zulmar. Teoria geral do direito constitucional. 2 ª ed. Londrina: IDCC, 2006. Pag. 18. FREIRE, Paulo. FREIRE, Ana Maria Araújo. In: Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Ed. UNESP, 2001. Pag. 95 11 FREIRE, Paulo. FREIRE, Ana Maria Araújo. In: Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Ed. UNESP, 2001. Pag. 94. 10 5 Não é absoluta a impossibilidade de termos um processo educativo dirigido ao bemestar da humanidade. A educação, utilizando-se das ferramentas corretas, neste aspecto as ferramentas aqui chamamos de ação dialógica e de ação comunicativa (não como sinônimos, mas como complementares), pode sim atingir um processo educativo que busque o bem-estar da humanidade. 2. AÇÃO COMUNICATIVA O pensamento filosófico de Jürgen HABERMAS 12 propõe que a razão comunicativa opere como base social da legitimação dos conteúdos das normas jurídicas. A razão comunicativa tem conteúdo normativo apenas no que diz respeito à necessidade de utilização, por parte daquele que age comunicativamente, de idealizações, de atribuição de significados idênticos a enunciados, de pretensão de validade das declarações resultantes e de considerações dos indivíduos como autônomos e verdadeiros para consigo e para com seus interlocutores. Para o equivalente domínio dos enunciados necessários à comunicação surge a necessidade de possibilitar a todos o acesso à informação e o pleno desenvolvimento de seu intelecto. É através do pressuposto comunicacional que HABERMAS 13 deixa para trás os fundamentos metafísicos das normas jurídicas, para ele, conforme uma compreensão de mundo que ele denomina de pós-metafísica, o direito legítimo é aquele que surge da formação discursiva da opinião e da vontade dos cidadãos detentores dos mesmos direitos. Neste sentido o direito universal à liberdade, implica um direito universal à igualdade. Com igualdade de saberes pode-se chegar a uma proposta educacional que vislumbre um bem-estar da humanidade. Em governos totalitários a educação é a primeira ou uma das primeiras a sofrer com as restrições de liberdade, a democracia real e não a “fingida” de alguns países vizinhos, só se faz presente em um Estado em que a educação desenvolva o seu protagonismo, podendo assim desempenhar o seu papel funcional e libertador. A educação não é a salvadora de tudo, mas sem ela, é impossível ter democracia, riqueza, liberdade. 12 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, vol. I. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. Pag. 20. 13 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, vol. II. 2 ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. Pag. 146. 6 3. AÇÃO DIALÓGICA A educação deve cada vez mais integrar os grupos populares, buscando o seu desenvolvimento pleno. A afirmação não tem a pretensão de dizer que o educador deva fazer o papel destes grupos, mas ele deve contribuir para o seu crescimento, para sua busca de espaço social, para o fortalecimento dos seus direitos, tentando via ação dialógica uma desejada igualdade. No entendimento anterior, FREIRE 14 acrescenta: [...] o diálogo mais que um instrumento do educador é uma exigência da natureza humana. [...] o papel do educador não é propriamente falar ao educando, sobre sua visão de mundo ou lhe impor esta visão. Mas dialogar com ele sobre a sua visão e a dele. Sua tarefa não é falar, dissertar, mas problematizar a realidade concreta do educando, problematizando-se ao mesmo tempo. Acreditar em uma pedagogia faz-se necessário, escolher a freiriana tem embasamento na realidade social em que vive a população brasileira, pois com ela se pode realizar uma leitura focada no oprimido, para que este tenha condições de se indignar, não de tudo ou de todos, mas com razão crítica; para que possa alcançar a sua liberdade intelectual, com isso poder ser autônomo, e em sua autonomia, ainda ter sonhos possíveis de realização. O legado de Paulo Freire ainda é uma meta a ser atingida, e ela só pode ser realizada percorrendo o tortuoso caminho da educação emancipatória, e este caminho só faz caminhando, o discurso de FREIRE 15 é contundente: [...] A educação para os direitos humanos, na perspectiva da justiça, é exatamente aquela educação que desperta os dominados para a necessidade da briga, da organização, da mobilização crítica, justa, democrática, séria, rigorosa, disciplinada, sem manipulações, com vistas à reinvenção do mundo, à reinvenção do poder. A possibilidade de um projeto educacional renovado, político, traz à tona que se deve lutar por uma construção permanente de uma sociedade melhor, mais equilibrada, detentora de sua razão, neste aspecto as educadoras e o educador argentino Hugo A. RUSSO, Margarita SGRÓ e Andrea DIAZ 16 contribuem com esta discussão: Em momentos em que as dúvidas e incertezas provocadas pelas diversas criticas à razão moderna e a seu papel legitimador das interpretações do mundo propõem, entre outras consequências, uma redução técnico-administrativa do problema 14 FREIRE, Paulo. In: Vera BARRETO. Paulo Freire para educadores. 5 ª ed. São Paulo: Ed. Arte& Ciência, 2003. Pag. 65. 15 FREIRE, Paulo. FREIRE, Ana Maria Araújo. In: Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Ed. UNESP, 2001. Pag. 99. 16 RUSSO,Hugo A., SGRÓ, Margarita e DÍAZ, Andrea. Aprender a dizer sua palavra: do outro da razão à razão dos outros. Contribuições da ação educacional dialógica para a razão comunicacional. In: Paulo Freire: ética, utopia e educação. Danilo R. STRECH (org). 6 ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004. Pag. 113 e 114 7 educacional, consideramos necessário voltar a perguntar pela contribuição que a reflexão filosófica pode dar a um projeto pedagógico transformador. A realização da ação educacional dialógica nos ambientes escolares tem a grande contribuição, de ser um ato profundamente político, pois coloca os indivíduos como iguais. Entenda-se iguais como sendo portadores de personalidades e potencialidades que se encontram no mesmo nível de respeito e consideração, bem como no mesmo patamar de valorização do conhecimento e da experiência de cada sujeito. A dificuldade encontrada para a concretização de uma efetiva ação educacional dialógica surge, muitas vezes, por não se reconhecer no interlocutor uma possibilidade de diálogo e sim de monólogo, não respeitando com isso o direito do outro em também ser dono de uma concepção de mundo legítima. Esta concepção não necessariamente é derivada 17 da cultura letrada oficial, nem tão pouco da distribuída pelas escolas. Esta cultura do outro não deve ser eliminada, ela sim deve ser objeto do diálogo juntamente com a cultura oficializada pelo poder público constituído, neste sentido as educadoras e o educador argentino RUSSO, SGRÓ e DÍAZ 18 contribuem com o raciocínio descrevendo: [...] A cultura popular como criação de todos os homens, que é ao mesmo tempo consumida e recriada pelos oprimidos, os coloca numa posição igualitária dentro do intercâmbio de valores e saberes no marco do mundo da vida, e é a partir daí que a educação torna-se dialógica. [...] pode-se afirmar que, de um ponto de vista prático, a proposta de Paulo Freire continua mantendo sua vigência no cotidiano escolar, pois o fato de haver caracterizado a prática educacional como “dialógica” o coloca próximo do atual giro pragmático-linguístico da filosofia que encontra na ação comunicacional a ferramenta para recuperar a racionalidade, entendida como a possibilidade de regular racionalmente os comportamentos sociais e de fundamentar a progressividade das aprendizagens coletivas. A escola apresenta-se como o espaço onde uma ação comunicativa, ao ser desenvolvida sistematicamente, coincide com os objetivos de uma educação que visa à formação de indivíduos críticos, participativos, emancipados. A partir da convivência entre sujeitos capazes de realizar a ação comunicativa, em uma esfera da sociedade em que normas sociais estão se constituindo, nesta dimensão de prática social, acaba por prevalecer a teoria da ação comunicacional, isto seria, “uma 17 RUSSO,Hugo A., SGRÓ, Margarita e DÍAZ, Andrea. Aprender a dizer sua palavra: do outro da razão à razão dos outros. Contribuições da ação educacional dialógica para a razão comunicacional. In: Paulo Freire: ética, utopia e educação. Danilo R. STRECH org. 6 ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004. Pag. 117. 18 RUSSO,Hugo A., SGRÓ, Margarita e DÍAZ, Andrea. Aprender a dizer sua palavra: do outro da razão à razão dos outros. Contribuições da ação educacional dialógica para a razão comunicacional. In: Paulo Freire: ética, utopia e educação. Danilo R. STRECH org. 6 ª edição. Petrópolis: Ed. Vozes, 2004. Pag. 115 a 117. 8 interação simbolicamente mediada 19 ”, na qual deve ser orientada segundo normas de vigência obrigatória que definem as expectativas recíprocas de comportamento. Estas normas devem ser reconhecidas e entendidas, com ao menos dois sujeitos agentes. Na ação comunicativa aplicada à educação é preciso abandonar a concepção meramente instrumental de transmitir automaticamente conteúdos constantes de currículos obrigatórios, sem participação ativa do educando e sem o devido juízo ético de valor, para instituir uma troca de experiências e uma transmissão problematizada dos conteúdos. Neste aspecto, a educadora gaúcha Maria Augusta Salin GONÇALVES 20 desenvolve com clareza: [...] A interação social é, ao menos potencialmente, uma interação dialógica, comunicativa. A penetração da racionalidade instrumental no âmbito da ação humana interativa, ao produzir um esvaziamento da ação comunicativa e ao reduzila à sua própria estrutura de ação, gerou, no homem contemporâneo, formas de sentir, pensar e agir – fundadas no individualismo, no isolamento, na competição, no cálculo e no rendimento –, que estão na base dos problemas sociais. Como uma possibilidade de transformação da sociedade contemporânea na busca de solução para os graves problemas que assolam a humanidade, Habermas visualiza o resgate de uma racionalidade comunicativa em esferas de decisão do âmbito da interação social que foram penetradas por uma racionalidade instrumental. Cada elemento do grupo deve ser considerado um parceiro de diálogo, as falas devem ser ofertadas à interpretação dos demais, simultaneamente abrem-se possibilidades para criticar e ser criticado, com esta constituição de trabalho o processo ganha traço de imprevisibilidade, pois buscar o consenso é uma experiência nova para todos. O esforço descrito anteriormente tem em sua raiz princípios éticos que devem ser concretizados em um processo comunicativo, neste sentido a educadora GONÇALVES 21 demonstra que: [...] na proposta dessa teoria de recuperação da ação comunicativa no âmbito das decisões político-culturais, o seu valor pedagógico, de se constituir em base de fundamentação para a definição de objetivos educacionais que situam a capacidade de diálogo no centro das decisões comunitárias. A possibilidade de renovação da educação é inerente à sua ação política, não devendo recusar-se a promover a sua atuação transformadora, e também não se deve deixar de utilizar a ação educacional dialógica, pois com isso, potencializa-se no educando o seu direito à educação formadora e à sua possível opção transgressora. Com a utilização da ação comunicativa 19 insere-se o indivíduo na coletividade pensante, privilegia-se a HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa – Portugal: Edições 70, 1987. Pag. 57. GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Teoria da ação comunicativa de Habermas: possibilidades de uma ação educativa de cunho interdisciplinar na escola. In: Educação & Sociedade, ano XX, n. 66, Abril. São Leopoldo: UNISINOS, 1999. Pag. 129 e 131. 21 GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, pensar, agir – Corporeidade e educação. 2 ª ed. Campinas: Papirus, 1997. Pag. 131. 20 9 intersubjetividade, pela qual todos são alçados à condição de sujeitos detentores dos mesmos direitos, todos dignos e aptos a decidirem seu destino individual e a expressarem suas vontades e influírem no destino coletivo, o que é traço marcante da democracia. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme sinalizado na introdução, nestas linhas conclusivas, não será realizado um fechamento, mas sim, uma vontade em buscar respostas para as inquietações iniciais das pesquisas. Considerando que uma real democracia, exige diálogo entre sujeitos iguais, a educação tem a missão, e por natureza é capaz, de promover a igualdade na comunicação política. Esta igualdade se obtém através da colocação dos sujeitos em equivalente grau de discernimento de realidade, fazendo surgir diálogos onde as manifestações dos sujeitos serão em proveito de si e da coletividade e terão esclarecimento suficiente para estarem a salvo de manipulações diversas. Necessariamente deve-se buscar na educação pública sua veia emancipatória, seu caráter progressista, utilizando a interdisciplinaridade do seu currículo como aliada para uma ação educacional política. Colocando ao ensino público um objetivo de qualidade para alcançar a possibilidade de formar cidadãos autônomos, detentores de discernimento, atores de suas ações e pensamentos. Educadores e educandos, em igualdade de importância, devem utilizar a ação dialógica na formação escolar, buscando, também na ação comunicativa, uma ferramenta para a construção de uma sociedade igualitária e com democrática consolidada. A finalidade primordial da educação pública deveria residir na sustentação intelectual aos cidadãos de uma nação, mas o Estado brasileiro não desempenha de forma satisfatória o seu papel. Convivemos com uma grande parcela da população analfabeta, outra parcela significativa com analfabetismo funcional, sobrando assim uma porção da população alfabetizada, mas, muitas vezes sem acesso ao ensino superior. 10 A educação deve permitir a construção crítica da interpretação do mundo, essa construção deve ser democratizada, ou seja, a todos os indivíduos devem ser dadas oportunidades de acesso a conhecimento e informação, para que suas opiniões e demandas possam representar suas vontades livres e conscientes e tenham o mesmo grau de importância e relevância, mesmo na condição de sujeitos de realidades, experiências e vidas distintas. O esforço reflexivo empregado na pesquisa, tem como finalidade mostrar a viabilidade de uma educação transformadora, sem medo de exercer o seu papel político, utilizando melhor a sua interdisciplinaridade, sendo agente protagonista da sua verdadeira vocação emancipatória. A maior relevância que este esforço de pesquisa pode alcançar é o despertar da sociedade para uma discussão clara e abrangente sobre o papel fundamental da educação pública brasileira, seus desafios enquanto instrumento de transformação social, moral, intelectual e sua necessidade latente de sedimentação da democracia, principalmente em um país que ainda não se acostumou com ela. REFERÊNCIAS BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. Estruturas normativas da teoria da evolução social de Habermas. 275f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Ciência, 2003. BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa. 3 ª edição. Ijuí: Editora UNIJUI, 2001. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 7ª edição. Coimbra – Portugal: Livraria Almedina, 2003. FACHIN, Zulmar. Teoria geral do direito constitucional. 2ª edição. Londrina: IDCC, 2006. 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