Carol Domingues
LITERATURA (5/3/2007)
A cozinha e a fome
O jornalista e escritor Eduardo Campos lança
hoje, no Instituto do Ceará, os livros “ O
lugar da cozinha” e “A medicina da fome”
De longe, vem o cheiro de tapioca molhada,
umedecida no leite de coco. E, com ele, as
lembranças de infância que povoam a
memória do escritor. A gastronomia, no
entanto, nãopassa de pano de fundo para o
real protagonista da história: oespaço físico
da cozinha. É ele o fio condutor de “O lugar
da cozinha”, o 70º livro do jornalista,
dramaturgo
e
escritor
cearense
EduardoCampos. Aos 84 anos, Campos lança
ainda um segundo título: “A medicina da
fome” - 11 ensaios sobre o Ceará dos anos
Eduardo Campos incrementa sua
longeva produção literária com mais
30. Os dois lançamentos, que comemoram o
dois títulos
terceiro mandato de Eduardo Campos como
presidente do Instituto do Ceará, ocorrem hoje, na sede do Instituto, logo
após a solenidade de posse da sua nova diretoria, que começa às 17h.
Fundador do Diário do Nordeste e atual colaborador, Campos alcança a
segunda maior marca individual no estado.
A memória da cozinha
Em narrativa memorialística, Eduardo Campos, um dos integrantes do
grupo Clã, desenvolve o conceito de “cozinha no lugar da memória”. Entre
os utensílios e personagens que freqüentam a típica cozinha cearense, o
leitor vai reconstruindo a história: os móveis, os ingredientes da culinária
regional e o espaço físico vão se modificando ao longo dos anos e
emoldurando as relações sociais que se formam em torno do
gerenciamento geral da casa. “A dona de casa costumava dizer que fez
determinada comida, mas não era nada disso, ela só pisava na cozinha
para dar ordens”, diz Eduardo Campos.
Ele fala com conhecimento de causa. Único dos quatro irmãos que não foi
estudar no Convento dos Padres, em Canindé, quando menino foi um dos
personagens principais das histórias que iam se desenrolando ali, sob a
bênção da cozinheira Rachel. Mas nem sempre. Numa passagem do livro,
Rachel expulsa o garoto. “Vai pra lá, vai brincar, aqui não é lugar de
homem”. O escritor relembra com ternura: “Rachel foi quem me criou.
Estou escrevendo um livro sobre ela, que se chama ‘O livro de Rachel’”,
revela.
De tanto conviver entre panelas e assados, Campos tornou-se um
apaixonado por culinária. A prova é que o assunto é tema de outros dois
livros publicados anteriormente: “A gramática do paladar” (no qual
descreve uma cena em que as tais tapiocas molhadas, memória
recorrente da infância, saem voando por cima do telhado) e “A descoberta
do sabor selvagem”. ´Embora eu cite, neste livro, detalhes de cozinhas
portuguesas, cariocas e indígenas, o foco é mesmo a cozinha cearense, os
utensílios, as pessoas e histórias que surgem ali. Sem as pessoas, uma
cozinha não vale nada. Através delas, pode-se observar a sociologia da
cozinha: o papel da dona de casa nas diversas épocas, a presença da
lavadeira, dos pedintes, dos parentes das cozinheiras, dos meninos de
recado”, lembra.
No capítulo “Antologia”, Campos pinça textos de outros autores que
também se debruçaram sobre o tema: Eça de Queiroz, Gilberto Freyre
Pedro Nava, o cearense Oliveira Paiva, entre outros. Rico em fotos e
gravuras, o livro mostra a evolução da cozinha e seus acessórios. Os
objetos de cozinha, expostos numa série de ilustrações, são classificados
por função ou material de fabricação. Não faltam nem os célebres
anúncios comerciais de fogão, com dicas para as dedicadas donas de
casa.
ENTREVISTA - EDUARDO CAMPOS*
´Sou um repórter com a imaginação para a ficção´
Na marca de 70 livros publicados, qual a avaliação que faz do que
escreveu?
A minha literatura hoje é de um cronista debruçado sobre o cotidiano: as
irmandades religiosas do Ceará, a vida dos escravos, o Ceará agrário. E
muita memória. Meu negócio é o real, é a vida. Entrei nesse vácuo dos
autores do Ceará porque eles nunca se interessaram pelo dia-a-dia.
Está entre o jornalismo e a literatura?
Eu me considero acima de tudo um repórter, essa é que é a verdade. Um
repórter com a imaginação necessária para a ficção.
Depois de “ O lugar da cozinha”, já tem outros projetos?
Tenho três livros prontos: “A dama do mar”, um estudo iconográfico
sobre Fortaleza, unindo poesia e prosa, “O livro de Rachel”,
memorialístico, e “Quatro novelas”, quatro narrativas mais longas.
* Escritor, dramaturgo e jornalista
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Silvana Tarelho - Eduardo Campos