Maria, a Nova Mulher
Maria é expressão e síntese do que queremos viver como
Companhia de Maria. Isto é o que expressa o último
artigo das Constituições da Companhia. Neste texto, ao
fazer uma síntese sobre o carisma da Companhia, as
Constituições apresentam Maria como imagem do que
somos chamados/as a viver. Portanto, esta reflexão parte
do mencionado artigo, para mostrar um pouco quem é
Maria para nós.
O artigo começa com uma frase que mostra o horizonte do carisma da
Companhia: “O caminho que as Constituições nos apontam tem como finalidade que
sejamos Mulheres Novas, revestidas de Jesus Cristo, para a construção do Reino”.
A seguir, o artigo apresenta Maria como a Mulher Nova por excelência. O texto
destaca que, por este motivo, é síntese da identidade da Companhia. Depois explica
o que isto significa, através de um parágrafo breve, porém, denso: “Como seguidora
de Jesus, em humildade e simplicidade, participa do Mistério Pascal e, com a força
do Espírito, caminha, junto com os apóstolos, para a realização da nova ordem
revelada por Deus em Jesus Cristo”. Na segunda parte do artigo, destaca o que
queremos viver em sintonia profunda com o que acaba de dizer sobre a Virgem. De
fato, esta parte se inicia com um significativo “como Maria”.
Através do comentário deste parágrafo, podemos tentar nos aproximar um
pouco da experiência de Maria, a Nova Mulher que configurou sua própria existência
com o Evangelho e viveu segundo o estilo de Jesus, compartilhando o caminho com
os/as companheiros/as da comunidade de fé, colocando todas as suas energias a
serviço do Reino.
Como seguidora de Jesus, Maria participa do Mistério Pascal em humildade e
simplicidade; aceita entrar no plano salvífico de Deus. O relato da Anunciação feito
por Lucas (cf. Lc 1, 26s) nos apresenta Maria como a mulher livre, dona de si e
disponível, que entra em diálogo com Deus e aceita participar deste plano salvífico.
Temos um Deus tão respeitador que não intervém em nossa história humana se não
o deixarmos agir. Maria é a mulher que decide colaborar com Deus; o texto de Lucas
o expressa com uma força surpreendente. Aqui a obediência é, fundamentalmente,
escuta e adesão à Palavra de Deus; Maria, como serva, se equipara aos demais
servos de Deus (Abraão, Moisés...).
A colaboração de Maria passa por sua maternidade, vivida conjuntamente
com José. Eles acompanham Jesus com ternura em seu processo de crescimento
pessoal em todos os níveis, incorporando-o à tradição cultural e religiosa de Israel. A
maternidade de Maria, como todas as maternidades, vai se desenvolvendo,
crescendo, amadurecendo... É uma maternidade dinâmica, que tem seus momentos
de perturbação. Em várias situações, Lucas nos diz que Maria guarda todas as
coisas no coração e as medita (cf. Lc 2, 19.51). Esta expressão remete a uma
profunda atividade criadora, que consiste em deixar ressoar no coração, saber
manter e guardar os questionamentos, buscar o sentido profundo de tudo o que
acontece.
Marcos nos apresenta Maria e os irmãos e irmãs de Jesus indo buscá-lo,
porque acham que Ele perdeu o juízo e que a honra da família está em jogo. Diante
de todos, Jesus diz que sua família são todos aqueles que escutam o querer de
Deus e o realizam (cf. Mc 3, 31-35). Maria entrou decididamente nesta dinâmica.
O texto das Constituições nos mostra Maria, seguidora de Jesus, que, com
humildade, participa do Mistério Pascal. Precisamos nos aproximar deste Mistério
Pascal, para compreender um pouco seu sentido. Inicialmente, podemos nos
remeter à morte e Ressurreição de Jesus. Pois bem, não podemos desconectar o
Mistério Pascal dos outros acontecimentos da vida de Jesus. Ele fez a experiência
cotidiana de que a vida plena passa pela entrega gratuita aos irmãos. Jesus, livre e
disponível, se faz acessível a todos, reconhece a plena dignidade de todos e, a partir
dos pequenos, devolve a dignidade àqueles/as que a perderam; se faz irmão
compassivo e solidário e, deste modo, encontra a vida. Jesus expressa isto com
toda a sua existência, com seus gestos e suas palavras: “Quem quiser salvar sua
vida, a perderá, mas aquele que a perder por mim e pelo Evangelho, a salvará.” (Mc
8, 36). E também: “Eu vos digo: se o grão de trigo não cair na terra e morrer, será
apenas semente, mas, se morrer, dará muito fruto.” (Jo 12, 24). Isto supõe sair do
próprio querer e interesse, para mergulhar nas coisas de Deus, confiando em sua
fecundidade, ainda que suponha passar pela morte.
Maria participa desta dinâmica pascal. Percebemos isto claramente em
algumas passagens do Evangelho: sai às pressas e vai visitar sua prima Isabel (cf.
Lc 1, 39s); nas bodas de Caná, percebe que lhes falta vinho e que isto pode
atrapalhar a festa (cf. Jo 2, 1-12). No entanto, talvez possamos captar melhor isto no
Magnificat (cf. Lc 1, 46-56). Neste texto, Maria faz uma única coisa: exulta de alegria
e celebra a ação de Deus em tudo: é Ele que toma a iniciativa e age na história.
Maria nos convida olhar contemplativamente nossa história.
Primeiramente expressa o que Deus fez em seu favor: olhou para a
humildade de sua escrava. O Senhor dirigiu seu olhar para Maria e viu sua
pequenez. Maria experimentou este olhar como um olhar salvífico. A partir desta
experiência, Maria entende quem é Deus: santo e misericordioso; ou seja, só a partir
da vida e da história é que podemos descobrir quem é Deus. Ele é fiel a si mesmo e
a nós em seu agir.
A partir deste ponto, Maria amplia seu olhar, estendendo-o a toda a história, e
proclama a forma como Deus age: “as obras de seu braço: dispersa os soberbos de
coração, derruba os poderosos de seus tronos e exalta os humildes; cumula de bens
os pobres, e despede os ricos de mãos vazias.”(Lc 1, 51-53). Deus se faz como um
de nós e, a partir de baixo, exalta os humildes, cumula de bens os pobres... na
mesma linha da dinâmica do Mistério Pascal que se faz presente em todos os
lugares, com frequência através de gestos pequenos, às vezes imperceptíveis em
meio à presença avassaladora da injustiça, da violência e da desigualdade.
Provavelmente, um dos aspectos mais expressivos do Magnificat seja justamente o
fato de que estas duas estrofes estejam em um mesmo hino. O que queremos dizer?
Maria canta a ação libertadora de Deus no povo e ela, em sua pequenez, encarna
estas pessoas oprimidas.
Deus fixa seu olhar nos pequenos e toda a existência de Maria se posiciona a
seu lado e se entende como serviço à obra da salvação. Maria discerniu quem é
Deus, onde Ele se encontra, como age, e o proclama através do Magnificat. Seu
canto é paralelo às Bem-aventuranças. O Magnificat só pode ser entendido desde o
Evangelho, desde a proclamação do Reino. Com a força do Espírito, Maria caminha,
junto com os apóstolos, para a realização da nova ordem, revelada por Deus em
Jesus Cristo.
O texto das Constituições prossegue, com esta frase que nos remete de cheio
à experiência de Pentecostes. O livro dos Atos dos Apóstolos recolhe este fato.
Depois da Ascensão de Jesus, os fiéis permanecem em Jerusalém e Lucas
concretiza quem são eles: “Todos eles eram unânimes e perseverantes na oração,
juntamente com Maria, a mãe de Jesus, e outras mulheres, e com os irmãos de
Jesus.”(Atos 1,14). Por outro lado, a comunidade de João apresenta Maria e o
discípulo amado ao pé da Cruz (cf. Jo 19, 26-27). Algumas vezes esta passagem
bíblica foi interpretada como a expressão da ternura filial de Jesus, que confia a Mãe
a seu discípulo, mas os exegetas afirmam que, considerando o conjunto do
Evangelho de João e sua teologia, esta cena de reconhecimento e entrega entre a
mãe e o discípulo remete, sobretudo, à criação da comunidade cristã. Esta
passagem acontece justamente antes do grito de Jesus, dizendo que tudo foi
consumado; depois de dizer isto, entrega o espírito. Isto é muito importante, pois
supõe situar a comunidade cristã, ou seja, a Igreja, como fruto da vontade salvífica
de Deus.
Podemos dizer, portanto, que ambas as passagens bíblicas situam Maria no
seio da comunidade de fé. Depois, já não encontramos mais dados concretos sobre
qual foi a ação de Maria na comunidade, mas sua lembrança nos chega através dos
primeiros livros da fé e nos escritos dos primeiros cristãos. Maria é recordada como
irmã com muitos outros que respondem ao dom do Espírito. Este é fonte de amor
criador e vivificador, e uma de suas obras é a comunhão dos santos, pessoas de
diversas gerações que encontram companheiros de memória e esperança.
Companheiros que tornam viva e presente em sua existência a memória de Jesus,
assimilando as atitudes, os gestos, o estilo do Mestre.
Assim, atualizam a memória do Senhor e, ao mesmo tempo, isto os projeta
para o futuro cheio de promessas de vida para todos, especialmente para os
pequenos. Tornam presente a memória do Senhor, que é bastante prática e
libertadora, para impulsionar o futuro. Nesta dinâmica, em seu meio, celebram na
Eucaristia o memorial da morte e Ressurreição de Cristo.
Na comunidade de fé, estes constituem uma mediação, uns para os outros.
Certamente formamos uma comunhão no pecado. Porém, também e sobretudo na
graça: ninguém é insignificante. Somos mediadores da salvação para os irmãos.
Como irmãos e irmãs na fé, somos colaboradores/as da graça de Deus com nossos
gestos, palavras, nosso testemunho de vida, a oração de uns pelos outros. E aqui
podemos situar também a ação de Maria na comunidade de fé. Algumas palavras de
X. Pikaza podem iluminar o que queremos dizer: Maria não quer substituir os fiéis,
não se coloca acima deles. Abre um caminho de fé e vida para todos (o caminho de
Jesus) e, quando realiza sua missão, permanece entre todos, como membro do
grupo de convocados para o Reino (da Igreja). Por isso, seu título final é este:
amiga, companheira. Neste sentido, dizemos que é pessoa: ajuda os demais no
caminho que Ela percorreu, lhes dá o que Ela tem. Desta forma, edifica, no meio
deles (com eles), a comunidade dos salvos.
Sendo a primeira, não é a única, nem a superiora. É a primeira de um grupo
de irmãos e irmãs que assumem o caminho de Jesus e que o seguem na espera de
seu Reino. Desta forma, permanece para sempre na consciência e no canto da
Igreja (cf. Lc 1, 48).
Plenificai vosso nome...
Como dizíamos, depois de apresentar Maria, o artigo XVII das Constituições
se volta para todos/as nós e nos convida a concretizar em nossa vida a experiência
de Maria: tendo-a como modelo, fiéis no serviço ao Reino, viveremos nosso carisma
renovado pelo Espírito em cada momento histórico. Como educadoras,
colaboraremos na formação do homem novo, da mulher nova, para a construção de
uma sociedade fraterna, onde a fé se manifeste em obras de justiça.
Acolheremos a experiência Pascal de Morte e Vida, para que brotem sinais de
Ressurreição em um mundo dividido e não solidário. Congregadas em sua
Companhia, em união de corações, buscaremos, com alegria e esperança, a glória
de um Deus sempre maior.
Núria Caum, ODN
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