Arqueología y Prehistoria del Interior Peninsular 02 2015 ARPI 02 Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular Publicación Anual: 2015 ISSN: 2341-2496 Dirección: Primitiva Bueno Ramírez (UAH) Subdirección: Rosa Barroso (UAH) Consejo editorial: Manuel Alcaraz (Universidad de Alcalá); José Mª Barco (Universidad de Alcalá); Cristina de Juana (Universidad de Alcalá); Mª Ángeles Lancharro (Universidad de Alcalá); Estibaliz Polo (Universidad de Alcalá); Antonio Vázquez (Universidad de Alcalá); Piedad Villanueva (Universidad de Alcalá). Comité Asesor: Rodrigo de Balbín (Prehistoria-UAH); Margarita Vallejo (Historia Antigua- UAH); Lauro Olmo (Arqueología- UAH); Leonor Rocha (Arqueología – Universidade de Évora); Enrique Baquedano (MAR); Luc Laporte (Laboratoire d'Anthropologie, Université de Rennes); Laure Salanova (CNRS). Edición: Área de Prehistoria (UAH) SUMARIO Editorial 04-13 Arqueologia Profissional versus Arqueologia de Investigação: a situação portuguesa. Rocha, Leonor 14-31 A atividade arqueológica e a salvaguarda do patrimonio arqueológico em avaliação de impacte ambiental. Branco, Gertrudes 32-50 Los espacios divulgativos del patrimonio arqueológico de la comunidad de Madrid: el Plan de yacimientos visitables. Hernández Garcés, Carlos 51-67 Las Navas de Tolosa: Musealizando su campo de batalla. Ramírez Galán, Mario 68-89 Regreso a la cueva de Los Casares (Guadalajara). Un nuevo proyecto de investigación para el yacimiento del Seno A. Alcaraz-Castaño, Manuel; Weniger, Gerd-Christian; Alcolea, Javier; de Andrés- Herrero, María; Baena, Javier; de Balbín, Rodrigo; Bolin, Viviane; Cuartero, Felipe; Kehl, Martin; López, Adara; López-Sáez, Jose Antonio; Martínez-Mendizábal, Ignacio; Pablos, Adrián; Rodríguez-Antón, David; Torres, Concepción; Vizcaíno, Juan e Yravedra, José. 90-107 Manifestaciones gráficas en la Cueva-Sima del Castillejo del Bonete (Terrinches, Ciudad Real). Polo Martín, Estíbaliz; Bueno Ramírez, Primitiva; Balbín Behrmann, Rodrigo; Benítez de Lugo Enrich, Luís y Palomares Zumajo, Norberto 108-132 Viviendas del Bronce Final e inicios de la Edad del Hierro en la Cuenca Superior del Tajo . Coroba Peñalver, Juan Ramón 133-145 Paisaje visigodo en la cuenca alta del Manzanares (Sierra de Guadarrama): Análisis arqueopalinológico del yacimiento de Navalvillar (Colmenar Viejo, Madrid). López Sáez, Jose Antonio; Pérez Díaz, Sebastián; Núñez de la Fuente, Sara; Alba Sánchez, Francisca; Serra González, Candela; Colmenarejo García, Fernando; Gómez Osuna, Rosario y Sabariego Ruiz, Silvia. 146-164 El Proyecto de investigación “ Los paisajes culturales de la ciudad de Toledo: Los Cigarrales”. Criterios de actuación y metodología de trabajo Carrobles Santos, Jesús; Morín de Pablos, Jorge; Rodríguez Montero, Sagrario y Sánchez Ramos, Isabel M. A ATIVIDADE ARQUEOLÓGICA E A SALVAGUARDA DO PATRIMONIO ARQUEOLÓGICO EM AVALIAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL Gertrudes Branco (1) Resumo A prática arqueológica em Portugal conheceu, nos últimos anos do séc. XX, um importante desenvolvimento, que inverteu a polaridade das intervenções do campo da investigação científica, efetuada preferencialmente em meio académico, para o domínio das ações preventivas e de salvaguarda exercidas de forma liberal. Muitas destas ações são potenciadas pelo cumprimento das exigências decorrentes da aplicação da legislação de avaliação de impacte ambiental, sejam prospeções arqueológicas efetuadas no âmbito da caracterização do património arquitetónico e arqueológico afeto a áreas de projeto, seja o acompanhamento arqueológico da sua execução, ou a realização de registos, sondagens ou escavações arqueológicas de minimização. O conhecimento adquirido encontra-se comprometido pela ausência de metodologias e conceitos uniformes, que comprometem a utilidade e eficácia dos dados registados. Palavras chave: Avaliação de Impacte Ambiental, Arqueologia, Arqueologia Preventiva e de Salvaguarda. Abstract The archaeological practice in Portugal met, in the last years of the century. XX, an important development, which reversed the polarity of interventions in the field of scientific research, preferably carried out in academia, in the field of preventive and safeguard actions exercised liberally. Many of these actions are underpinned by compliance with the requirements arising from the enforcement of environmental impact assessment, archaeological surveys are carried out as part of the characterization of the architectural and archaeological heritage affect the project areas, is the archaeological monitoring of its execution or performance records, surveys or excavations minimization. The knowledge gained is compromised by the lack of uniform methodologies and concepts that undermine the usefulness and effectiveness of the recorded data. Key words: Environmental Impact Assessment, archaeological, Preventive Archaeology and Safety . (1) [email protected] CHAIA/ Universidade de Évora (Portugal) ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 14 “La EIA es un procedimiento jurídi- Em Portugal, a transposição da diretiva co-administrativo que tiene por objetivo la identifica- comunitária para o regime jurídico nacional ción, predicción e interpretación de los impactos am- ocorreu em 1990, com a publicação do Decreto-Lei bientales que un proyecto o actividad produciría en n.º 186/90, de 6 de junho e do Decreto caso de ser ejecutado, así como la prevención, co- Regulamentar n.º 38/90, de 27 de novembro. Estes rrección y valoración de los mismos, todo ello con el determinam que estudo de impacte ambiental fin de ser aceptado, modificado o rechazado por par- deve ser elaborado tendo em consideração a te de las distintas Administraciones Públicas compe- situação de referência do património arqueológico tentes” (Conesa Fdez.-Vítora, 2010: 75) . e arquitetónico, determinando as incidências e medidas mitigadoras relativas a “alterações do O procedimento de avaliação de impacte património cultural e/ou dos patrimónios construídos ambiental foi incorporado no Direito Comunitário e arqueológicos e qualquer ação que afete os usos e através da publicação (Jornal Oficial nº L 175 de costumes locais e regionais”. 05/07/1985 p. 0040 – 0048) da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à Ao longo dos anos as alterações legislativas avaliação dos efeitos de determinados projetos restringiram o âmbito das componentes culturais públicos e privados no ambiente. consideradas pelo estudo de impacte ambiental. Em contraponto, solicitam a participação inter- Esta representou a oportunidade de generalizar, entre os diferentes países europeus ventiva dos organismos governamentais com competências na sua salvaguarda. (Estados-membros), a prática de uma política ambiental fundamentada na avaliação técnica e A legislação atual – Decreto-Lei n.º 151- científica dos projetos de maior relevância B/2013, de 31 de outubro – determina a caracte- económica, com a possibilidade de auscultar, rização dos fatores ambientais suscetíveis de através de Consulta Pública, a opinião da serem consideravelmente abrangidos por um população interessada na implementação das projeto, onde propostas apresentadas. Esta interação resulta património arquitetónico e arqueológico. se inclui, exclusivamente, o potencialmente benéfica para a salvaguarda do ambiente e para o incremento e divulgação do conhecimento científico. Este normativo estabelece igualmente que a Comissão de Avaliação dos projetos deve ser constituída por uma equipa interdisciplinar, Desde a sua fase inicial, este normativo composta, entre outros, por um representante da advoga a integração da componente ambiental entidade com competências em matéria de gestão humana no procedimento de avaliação de impacte do património arqueológico e arquitetónico, ambiental, requerendo a identificação, descrição e sempre que o projeto possa afetar valores avaliação dos efeitos do projeto sobre o patrimoniais, ou se localize em zonas definidas património cultural. como sensíveis, nos termos da legislação aplicável ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 15 às áreas de proteção dos monumentos nacionais e 1.- ATIVIDADE ARQUEOLÓGICA dos imóveis de interesse público. Um estudo recente (Branco, 2014) com Ao benefício de salvaguarda, potenciado base em documentação produzida, no âmbito de pela legislação ambiental, acresce o contributo da 79 projetos localizados no Alentejo Central, sub- legislação patrimonial específica. metidos a avaliação de impacte ambiental entre 1995 e 2008, demonstraram a importância deste O decreto que regulamenta a atividade arqueológica em território nacional insere na procedimento no desenvolvimento da atividade arqueológica e na salvaguarda patrimonial. categoria de trabalhos arqueológicos: “todas as ações que visem a deteção, o estudo, a salvaguarda A legislação produzida em matéria de e valorização dos bens do património arqueológico avaliação de impacte ambiental estabelece o usando métodos e técnicas próprios da arqueologia conteúdo mínimo das matérias a versar pelo (…) nomeadamente prospeções, ações de registo, estudo de impacte ambiental – a fauna, a flora, o levantamentos (…)” (art. 2.º, Decreto-Lei n.º solo, a água, a atmosfera, a paisagem, os fatores 270/99, de 15 de julho). climáticos, o património arquitetónico e arqueológico e a paisagem – contudo, é omissa Estes trabalhos, imprescindíveis na quanto à autoria dos estudos produzidos. elaboração do conteúdo patrimonial a constar do relatório síntese do estudo de impacte ambiental, Em 1995 um artigo de fundo produzido são obrigatoriamente dirigidos por arqueólogos e sobre a avaliação de impacte ambiental e o carecem de autorização por parte do organismo património cultural (Raposo, 1995) referia que, competente na administração do património num conjunto de 198 estudos realizados a nível cultural (Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro). nacional, apenas 24 (12,1%) registaram a participação de arqueólogos, 10 de historiadores A caracterização, avaliação e minimização (5%) e 6 antropólogos (3%). patrimonial, requerida pela legislação ambiental, a possibilidade interventiva da tutela no procedi- Nos restantes estudos de impacte ambien- mento de avaliação de impacte ambiental, tal, a caracterização do património arquitetónico e conjugada com a legislação patrimonial específica, arqueológico foi efetuada por profissionais sem resultam numa conjugação de fatores legais, formação específica nas matérias abordadas. fundamentais para a salvaguarda do património arqueológico e para o incremento da atividade arqueológica em território nacional. A fiscalização sistemática do cumprimento da definição e autoria legal de todos os trabalhos arqueológicos foi assumida de forma veemente pelo Instituto Português de Arqueologia (criado, em 1997), o qual chama sucessivamente a atenção ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 16 das diferentes comissões de avaliação para as Central, entre 2000 e 2008, cerca de 88% situações de incumprimento. apresentava um, ou mais, arqueólogos na constituição da sua equipa técnica. Os restantes Este posicionamento institucional, reforçado pelos requisitos ambientais, possibilitados 12% mereceram a desconformidade ou foram reformulados a pedido da Comissão de Avaliação. pela publicação do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, de acordo com a qual: “A equipa deve ser Na prática, atualmente, a articulação pluridisciplinar, o que significa que devem ser diver- institucional entre património e ambiente, supor- sas as disciplinas (especialidades) envolvidas no EIA, tada pela legislação existente, não permite que em função das questões relevantes a abordar (…) seja declarada a conformidade de um estudo de devendo esta natureza interdisciplinar refletir-se no impacte ambiental, sem que a componente patri- resultado final do EIA.” (Partidário e Pinho, 2000: monial se encontre subscrita por um arqueólogo. 13-14), garantiram as condições necessárias para o incremento significativo da participação dos Esta especificidade coloca o arqueólogo arqueólogos na redação do estudo de impacte entre os profissionais com maior representação ambiental. nos estudos de impacte ambiental (Fig. 1), só precedido pelos engenheiros do ambiente, no Dos 58 estudos de impacte ambiental relativos a projetos apresentados para o Alentejo conjunto das equipas formadas, em média, por 9 profissionais de distintos setores de atividade. Eng. Ambiente 100 99 Arqueólogo Biólogo 90 Geólogo 80 Arqto. P aisagista 77 Geógrafo 70 Eng. Biofísico 60 50 40 Eng. Minas 54 P sicólogo 43 Lic. Ciências Ambiente 43 30 20 10 19 17 15 12 12 0 Fig. 1 - Contabilização das 10 profissões com maior representação nas equipas técnicas dos EIA analisados (Alentejo Central 2000-2008). ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 17 A Fig. 1 representa, simultaneamente, o gestão territorial. Esta recolha de informação, posicionamento dos arqueólogos no conjunto dos nalguns casos, surge acompanhada pela referência profissionais contribuintes para o estudo de a “visita ao local e inquérito oral” ou substituída pela impacte ambiental e atesta o cumprimento da consulta aos inventários patrimoniais. interdis-ciplinaridade requerida pela legislação ambiental. Esta prática confirma o escrito por Jorge Raposo (1995), segundo o qual apenas 12,6% dos Na totalidade dos 79 estudos analisados estudos de impacte ambiental, elaborados até (Branco, 2014) registamos a representação de 32 1995, utilizam simultaneamente três tipos de setores de atividade, resultantes do facto de, fonte: consulta institucional, trabalho de campo e contrariamente à componente patrimonial, existir pesquisa documental. maior flexibilidade na relação entre a temática ambiental e a formação académica do subscritor. A A ausência de um técnico especializado título de exemplo, a fauna e a flora aparecem registou consequências ao nível da qualidade dos caracterizados estudos efetuados, com repercussões ao nível da por engenheiros biofísicos, engenheiros silvicultores ou biólogos. salvaguarda patrimonial: “como curiosa coincidência (!?), verifica-se que todos os estudos elaborados Esta versatilidade transparece, igualmente, na coordenação impacte composição técnica mas onde esta não registou a ambiental, assumida por profissionais de distintas presença de arqueólogos, historiadores ou antropó- áreas minas, logos, também não se identificaram quaisquer engenheiros do ambiente, arquitetos paisagistas e vestígios patrimoniais na área de influência da sociólogos, por exemplo – com responsabilidade, obra” (ibidem: 69). científicas dos – estudos de por equipas em que se conhece algo da sua engenheiros de ou não, na caracterização de algum descritor ambiental específico. Esta afirmação é replicável para o nosso período e área de estudo. Apenas para citar dois exemplos: na área de afetação do projeto do 2. CARACTERIZAÇÃO PATRIMONIAL Mercado Abastecedor da Região de Évora, a equipa técnica não contou com a presença de um arqueó- Como já tivemos oportunidade de referir, logo, como resultado a caracterização da situação numa fase inicial, a caracterização do património de referência patrimonial não identificou, pela arqueológico era efetuada maioritariamente, por consulta ao Plano Diretor Municipal de Évora ou ao profissionais indiferenciados. Nesta fase, a caracte- IPPAR, qualquer elemento patrimonial. Em fase de rização do descritor património era fundamentada consulta pública, o IPPAR emite parecer quanto à através da consulta às entidades oficiais – necessidade de se efetuarem prospeções arqueoló- autarquias complementada, gicas em fase de estudo, das quais resultou a pontualmente, pela análise dos instrumentos de identificação de quatro ocorrências patrimoniais, e/ou tutela – ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 18 duas das quais na área de afetação do projeto. b. Procedimentos estabelece Igualmente, a caracterização da situação de referência do projeto do metodológicos os parâmetros comuns: metodológicos mínimos a adotar para cada fase de projeto, Aproveitamento com recomendações ao nível da identificação, Hidroagrícola da Defesa da Pedra Alçada, não avaliação de impactes e propostas de medida contou com a colaboração de um técnico especiali- de minimização; zado, sendo referida a consulta à “Carta Arqueoló- c. Procedimentos metodológicos específicos: gica do Alandroal”, através da qual se antecipa a estabelece os critérios relativos à prospeção riqueza patrimonial da área envolvente ao projeto. arqueológica, a cumprir de acordo com cada A Comissão de Avaliação condiciona o licencia- tipologia e fase de projeto; mento do projeto à apresentação de um docu- d. Relatório: estabelece o conteúdo mínimo do mento comprovativo da realização de trabalhos de relatório, a submeter à apreciação da tutela, prospeção na área a inundar, na área a irrigar e na como complemento ao exigido pelo Regula- área abrangida pelos riscos de rutura da barragem, mento de Trabalhos Arqueológicos. os quais permitiram a identificação de seis sítios arqueológicos (três dos quais inéditos). A metodologia veiculada não trás novidades ao nível das técnicas propostas, quando Consciente desta realidade, a tutela tomou comparada com as práticas vigentes à data da sua a opção de regulamentar sobre a metodologia a publicação, apenas estabelece parâmetros de utilizar na elaboração do descritor património conjugação mínima obrigatória para a sua arqueológico, emitindo a circular “Termos de aprovação pela tutela. Referência para o Descritor Património Arqueológico em Estudos de Impacte Ambiental” (IPA, 2004), que se mantém em vigor. Quando quantificamos as técnicas, constante dos estudos de impacte ambiental analisados pelo nosso estudo, não obstante as Esta Circular pode ser dividida em 4 partes imposições tutelares, constatamos que estas complementares: fazem recurso fundamental a quatro tipos de a. Enquadramento legal: articula a legislação fontes de informação: cartográfica, bibliográfica, referente à salvaguarda do património institucio-nal e prospeção arqueológica superficial. arqueológico, com os decretos referentes ao procedimento de avaliação de impacte Estas, na sua maioria fontes de informação ambiental, de modo a justificar o facto do secundárias, são utilizadas para identificar a descritor património arqueológico só poder ser presença e/ou ausência de vestígios arqueológicos, efetuado por um arqueólogo, acrescentando a coincidentes com as áreas submetidas a projeto, pretensão da tutela de que o conteúdo dos para relatórios só integre o EIA e/ou RECAPE depois arqueológica. posterior relocalização em prospeção de legalmente aprovados; ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 19 O recurso a fontes de informação primária – análise cartográfica, fisiográfica e toponímica – indícios, enquanto áreas de potencial interesse arqueológico. que apontam para indícios que carecem de interpretação são residuais no conjunto analisado e, frequentemente, utilizadas para o Não basta referir na metodologia a estrito realização de análise toponímica, ou fisiográfica da cumprimento da Circular vigente, subestimando- cartografia, é necessário aliar esta informação ao se o seu valor enquanto indicadores de áreas de conhecimento dos padrões de ocupação humana potencial arqueológico. do território, obtidos a partir do conhecimento bibliográfico. Estes devem ser representados Uma das na cartograficamente e fundamentados em relatório, referência explicitando-se quais os resultados expectáveis e patrimonial advém do facto das técnicas serem quais os resultados obtidos no decurso dos executadas de forma isolada, não perfazendo uma trabalhos de campo. caracterização principais da situação fragilidades de metodologia conjunta que transmita o conhecimento patrimonial sobre a área de projeto, que vá É necessário mudar o paradigma da além da constatação da presença ou ausência de caracterização da situação de referência, no qual ocorrências patrimoniais. as condições de visibilidade dos solos, aquando da prospeção arqueológica, representam um dos O sim/não de uma existência desprovida de maiores condicionalismos ao conhecimento. uma interpretação que a fundamente é um trabalho técnico, com possíveis consequências Em avaliação de impacte ambiental, aos onerosas para o património e para a execução do arqueólogos é expetável mais de que um trabalho projeto, que não cumpre os objetivos básicos do técnico, não por ser o seu dever como cientistas, procedimento de avaliação. mas porque a sua competência na análise e interpretação dos dados pode acarretar consequências A identificação, predição e avaliação de impactes deve considerar a natureza específica do património arqueológico, nomeadamente, danosas para a proteção e salvaguarda do património, e onerosas para a execução do projeto. a existência de áreas de potencial, nas quais não se identificam vestígios superficiais, mas cuja Este potencial interpretativo permite desvalorizar a importância arqueológica dos vestí- existência se antecipa pela conjugação de gios diferentes fontes e técnicas metodológicas. assumindo, por exemplo, o facto destes se materiais encontrados em prospeção, encontrarem em posição secundária, em resultado A natureza do património arqueológico e de eventual lavouras e arrastamentos sedimen- os objetivos de salvaguarda do procedimento de tares. O mesmo pode fundamentar a importância Avaliação tornam patrimonial de áreas sem vestígios materiais necessário que se analise, verifique e fundamente visíveis, que repetem padrões de povoamento de Impacte Ambiental, ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 20 conhecido na região e cuja existência é firmada 3. O REGISTO ARQUEOLÓGICO por indícios credíveis. Por registo arqueológico entende-se as É a fundamentação científica, resultante ações de identificação, caracterização e valoriza- da aplicação das técnicas metodológicas e a sua ção das ocorrências patrimoniais, efetuadas no interpretação, que deve encontrar-se expressa na âmbito do procedimento de avaliação de impacte caracterização ambiental. da situação de referência patrimonial e não a constatação da presença/ ausência de materiais arqueológicos, fundamen- Neste contexto, é expetável que o registo tados pelas condições de visibilidade de solos, arqueológico forneça as informações necessárias como acontece na maioria dos casos analisados. para possibilitar à Comissão de Avaliação e à tutela tomar decisões relativas à salvaguarda dos Esta proposta não implica, necessariamente, uma alteração das técnicas metodológicas elementos patrimoniais existentes na área de incidência direta e indireta de um projeto. praticadas, ainda que as tecnologias associadas aos sistemas de informação geográficas (SIG) Para além deste objetivo específico, não é sejam uma ferramenta de análise cada vez mais de somenos importância o facto do registo indispensável: implica uma maior responsabili- arqueológico, efetuado no âmbito dos trabalhos dade do arqueólogo na seleção e fundamentação de dos critérios subjacentes à identificação de sítios arquitetónico e arqueológico, se constituir como arqueológicos e de áreas de sensibilidade uma das principais fontes de alimentação da base arqueológica. de dados – Endovélico -disponibilizada on-line caracterização do descritor património através do Portal do Arqueólogo pela DGPC. Esta é uma responsabilidade que deve ser partilhada com a tutela e prende-se com a nece- Esta, para além de outras funcionalidades, ssidade de se manterem bases de dados eficazes e serve de base à elaboração das plantas de atualizadas, de se publicarem sínteses de património, consideradas e regulamentadas no conhecimento que, para além do julgo histórico- âmbito da elaboração dos diferentes planos de culturalista centrado na análise e recolha de ordenamento do território. vestígios materiais, perspetivem o território enquanto espaço cénico onde, ao longo dos tempos, decorreu a ação humana. Neste contexto, é importante ponderar o que registamos e como registamos, porque a informação não se esgota no cumprimento de um Quanto maior e melhor for o conhecimento sobre uma determinada região, objetivo específico, perdura enquanto fonte de conhecimento disponível. maior e melhor será a salvaguarda das ocorrências patrimoniais afetas à execução de um projeto. Sobre esta matéria, o conceito e âmbito ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 21 legal da definição de património arqueológico, que definindo sítio arqueológico como “una agrupación transcreve na íntegra a definição assumida pela espacialmente definida y funcionalmente significa- Convenção do tiva de vestígios materiales de atividades humanas Património Arqueológico (1997), considera todos deserrolladas en el Pasado” (Garcia Sanjuán, 2005: os vestígios, bens e outros indícios, cujo conteúdo 24). Europeia para a Proteção permita traçar a história da humanidade, através da aplicação de metodologia arqueológica. Existem locais com vestígios materiais que não poderão ser designados como sítios Deste modo, a lei admite que a caracterís- arqueológicos, porque nunca o foram e os tica potenciadora do património arqueológico não materiais identificados resultam de deposições reside na natureza do objeto mas no seu conteúdo secundárias, ou porque um dia o foram mas histórico e nos métodos de pesquisa utilizados. devido a ações antrópicas e/ou pós-deposicionais (erosão, transporte de sedimentos, etc…), não Na ausência de critérios legais que definam preservam contextos ou estruturas significantes. a atribuição de um interesse cultural arqueológico relevante, é enorme a responsabilidade do Não é fácil acomodar sob uma única arqueólogo e da tutela. O primeiro tem a designação – sítio arqueológico – a diversidade competência para determinar, de entre um vasto abarcada pela realidade arqueológica, tanto mais conjunto de vestígios, aqueles que permitem tra- quando esta resulta de ações de prospeção super- çar a história da humanidade através da aplicação ficial, para a qual é imperativo decidir sobre a de metodologia arqueológica, designando-os aplicação de medidas de salvaguarda, perante a “património arqueológico”. À tutela compete sua eminente destruição pela obra de execução de assegurar a salvaguarda e preservação desses um projeto. Sobre esta matéria refletem um vestígios, de uma forma preventiva ou mitigadora. conjunto alargado de base de dados divulgadas por alguns dos principais países europeus (Kuna, São necessários os vestígios materiais da ação humana, o contexto espacial onde se produ- 2002; Cottenceau e Hannois, 2001; Fernández Cacho, 2008). ziu a ação e a sua interpretação, para se escrever a História. Assim, a definição de património Estas categorizam a realidade arqueoló- arqueológico é indissociável do conceito de sítio gica, distinguindo “sítio arqueológico”, de “vestígios arqueológico, porque é escasso o conhecimento arqueológicos”, das “evidências arqueológicas” ou que advém do objeto isolado. dos “achados isolados” que, em diferentes linguagens, são sinónimos para áreas de potencial Sobre o conceito de sítio arqueológico arqueológico. Estas categorias registam locais recomenda-se a leitura de Garcia Sanjuán (2005), onde se identificaram vestígios de natureza na qual o autor após comentar algumas definições arqueológica, para os quais é necessária a realiza- constantes da bibliografia especializada, conclui ção de trabalhos arqueológicos de diagnóstico ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 22 para compreender a sua significância contributiva a possível existência de uma ocupação humana para a história da humanidade. pretérita, através da identificação superficial de vestígios materiais (artefactos). Em Portugal, a existência de uma base de dados tutelada que permite que se unifique, sob a categoria de “Sitio Arqueológico”, um conjunto a. Achado isolado – artefacto desassociado de outros indícios arqueológicos; diversificado de dados arqueológicos, minimiza a b. Vestígios dispersos – área de dispersão importância dos indícios bibliográficos, valoriza as superficial de vestígios materiais (artefactos), observações empíricas, desvaloriza a importância identificados dos sítios arqueológicos enquanto recetáculos de arqueológica, cuja conjugação de indícios não informação histórica, e acarretam consequências permite ao nível da avaliação de impacte ambiental. cronológica credível; através uma c. Documental Em avaliação de impacte ambiental esta de atribuição – prospeção funcional inventariação arqueológicos resultante de da ou sítios consulta hierarquização é importante: não se deve bibliográfica, fontes documentais, análise identificar, valorizar e minimizar, de igual forma, o cartográfica, toponímica, entre outras, as que é património e o que tem potencial para o ser. quais não foram confirmadas no decurso do trabalho de campo. A legislação exige a caracterização, avalia- d. Sítio arqueológico – Conjugação espacialmente ção e minimização dos impactes de um projeto definida e funcionalmente significativa de sobre o património arqueológico, enquanto vestígios materiais de atividades humanas conjunto significante de vestígios de ações huma- pretéritas, nas pretéritas. Contudo, a natureza do património fundamentalmente do uso de metodologia arqueológico (p.e. depósitos estratificados), nem arqueológica sempre torna percetível a sua importância através Fernández Cacho, 2008). Neste incluímos da prospeção arqueológica superficial, principal tipos como sejam: anta, necrópole, habitat, método de investigação utilizado na caracteriza- entre outros. cuja interpretação (Garcia Sanjuán, depende 2005; ção do descritor património arquitetónico e arqueológico. No conjunto dos 79 estudos de impacte am -biental No âmbito da nossa investigação (Branco, 2014), propusemos a categorização das ocorrên- analisados, inventariamos 1224 ocorrências patrimoniais, identificadas originalmente como “sítio arqueológico”. cias arqueológicas em duas categorias e três subcategorias, de acordo com a natureza dos vestígios identificados: A reorganização da informação compilada, tendo por base o conteúdo das descrições originais, concluiu pela existência de 834 indícios Indícios arqueológicos – locais que indiciam arqueológicos, 307 sítios arqueológicos e 13 não ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 23 sítios, divididos por 22 tipos, maioritariamente inseridos na classe de “religioso, ritual e Categoria Tipo Indícios arqueológicos Achado isolado funerário” (59,6%) ou “doméstico” (32,5%). Neste contexto importa ressalvar, que os Sítio arqueológico Quant. 66 Vestígios dispersos 476 Documental 292 Anta 106 dados compilados não resultam de observações Aqueduto 3 próprias, dependem de trabalhos de campo e de Arte rupestre 24 recolhas bibliográficas, feitas por distintos autores Atalaia 5 que, dentro de um objetivo comum, descrevem de Canalização 3 forma heterogénea um conjunto de ocorrências Cromeleque 2 Fortificação 3 Fossa 3 patrimoniais, dificultando uma distinção credível entre “indícios arqueológicos” e “sítios arqueológicos. Ao invertermos a polaridade da investigação partindo dos registos para os conceitos, ao invés dos conceitos para os registos, estamos necessariamente a incorrer em erros grosseiros de interpretação. Contudo, este é um aspeto que nos importa salientar. No âmbito dos nossos objetivos não é relevante a assunção de um autor ao identificar uma “villa” romana, ou um “povoado” neolítico, a partir Indeterminado Habitat 100 Lixeira 1 Menir 14 Necrópole 10 Oficina 3 Povoado 10 Povoado fortificado 9 Sepultura 5 Silo 2 Villa 4 Não sítio 13 Tab. 1.- Contabilização das categorias e tipos arqueológicos inventariados de um conjunto de vestígios materiais dispersos à superfície do terreno. Em causa não está a im- legal da salvaguarda do conhecimento através do portância desta identificação para a construção do registo científico. Informatiza-se no presente a conhecimento histórico-cultural de uma região. informação, salvaguardada para conhecimento Importa-nos o contributo dos estudos de impacte futuro de uma realidade sacrificada no passado, ambiental para a construção da memória futura e, em prol da execução de um projeto. desde logo, o que prevalece de conteúdo relevante nos registos produzidos, para além da interpretação efetuada pelos seus autores. Ao reorganizarmos as informações disponibilizadas pelos registos patrimoniais, estas revelaram fragilidades dos conteúdos perpetuados, A nossa base documental é composta pe- carentes de critérios explícitos, de conceitos pré- los registos da memória futura produzidos num vios, de fundamentação, baseados em descrições passado recente, fundamentados pelo princípio sumárias e demasiado truncadas para permitir ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 24 hoje, e amanhã, a sua utilidade como bases docu- das para a realização de trabalhos arqueológicos mentais para a construção do conhecimento. nas últimas duas décadas (1990 a 2010), de acordo com os dados disponíveis no Arquivo da Arqueolo- Não podemos dissociar o trabalho efetua- gia Portuguesa. do no âmbito dos estudos de impacte ambiental da produção científica, na qual a identificação Importa ressalvar que os resultados apre- (vestígios materiais) e a interpretação (tipo, cate- sentados poderão registar alguma variabilidade goria) devem ser exaustivamente fundamentadas numérica que depende da organização e atuali- num conhecimento que se pretende perpetuo à zação da base de dados. Os mesmos são conside- observação do seu autor. rados suficientemente fiáveis para serem estatisticamente representativos a partir do ano de 2003, A opção pela diferenciação dos registos em data a partir da qual se processa o registo sistemá- “indícios arqueológicos” e “sítios arqueoló-gicos” tico das autorizações concedidas para a realização prende-se também com a necessidade de afirmar, de trabalhos arqueológicos. perante a natureza específica do objeto e do método arqueológico, a importância dos indícios na salvaguarda do património arqueológico. O ano de 1997 marca o início de um crescendo na arqueologia nacional, que se acentua fortemente em 2003 e se mantém em ascensão Maria Cacheda Pérez (2004) salienta o valor destes registos, como forma de se proteger, de constante até ao ano de 2007, como podemos constatar na Fig. 2. modo amplo e assertivo, o património arqueológico, atribuindo importância não só aos sítios arqueológicos, como aos vestígios que têm potencial para o serem. Este potencial deve ser acautelado, quando aplicável, na definição de medidas de proteção específicas, servindo, simultaneamente, como uma referência importante ao acompanhamento arqueológico da empreitada. Em números, registamos a realização de 199 trabalhos arqueológicos no ano de 1990, maioritariamente para a realização de escavações (110) e prospeções (21) concedidas ao abrigo de projetos de investigação (Categoria A). Em sete anos (até 1997) constata-se um aumento de cerca de 56% nos trabalhos arqueológicos autorizados. Neste ano começa a verificar-se uma inversão na Categoria dos trabalhos autorizados, tendência 4. AÇÕES PREVENTIVAS E DE EMERGÊNCIA que irá marcar as décadas seguintes. A análise dos trabalhos arqueológicos motivados pelo procedimento de avaliação de impacte ambiental não se pode dissociar da análise sumária do contexto nacional, o qual é obtido tendo por base o volume de autorizações concedi- A análise da Fig. 2 permite-nos entender que, com ligeiras alterações, as autorizações concedidas ao abrigo de projetos de investigação (Categoria A) conheceram um decréscimo cons- ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 25 tante desde 2000, representando uma diminuição C (50), definindo uma tendência que se irá acen- de quase 70% até 2010. tuar em crescendo na última década. Em 2010 o contributo dos projetos de investigação para a to- Em contraciclo com esta diminuição dos projetos de investigação, regista-se o aumento talidade da prospeção efetuada em território nacional é de apenas 2,7%. exponencial das autorizações concedidas para a realização de trabalhos arqueológicos inseridos na Esta tendência – decréscimo do contributo Categoria C (prospeções e acompanhamento) e na dos projetos de investigação para o panorama ar- Categoria D (sondagens e escavações), associadas queológico nacional – revela-se igualmente ao ní- ao desenvolvimento de ações preventivas e de vel das escavações arqueológicas, com o ano de salvaguarda. 1997 a constituir-se como um marco na alteração de paradigmas. Neste ano, os trabalhos de esca- Estes números assumem especial relevân- vação arqueológica, efetuados no âmbito de proje- cia a partir de 1999 quando o contributo percentual tos de investigação, constituíam 35% da totalidade dos projetos de investigação, para a totalidade dos dos trabalhos autorizados, em contraponto com os trabalhos de prospeção arqueológica realizados a 48,2% relativos a ações de emergência. Estes re- nível nacional (27), é definitivamente ultrapassado presentam apenas 3,3% no ano de 2010. pelos trabalhos efetuados no âmbito de Categoria Fig. 2 - Quantificação anual das autorizações concedidas para a realização de trabalhos arqueológicos por Categoria. Fonte: Endovélico. ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 26 quando foi suplantado pela realização de escavações (Fig. 5). Fig. 3 - Percentual anual das autorizações concedidas para a realização de trabalhos de prospeção arqueológica, inseridos na Categoria A (investigação) e Categoria C (ações preventivas). Fonte: Endovélico. Fig. 5- Quantificação anual das autorizações concedidas para a realização de trabalhos de prospeção, acompanhamento e escavação arqueológica, inseridos na Categoria C (ações preventivas) e na Categoria D (ações de emergência). Fonte: Endovélico. Em números, o acompanhamento arqueológico surge na nossa pesquisa a partir do ano de 1991, com 5 autorizações concedidas. Contudo, só a partir de 1998 adquire um caráter sistemático. Em 2002 as autorizações concedidas para a realização de acompanhamento arqueológico representam 29,2% da totalidade dos trabalhos autoriFig. 4 - Percentual anual das autorizações concedidas para a realização de trabalhos de escavação arqueológica, inseridos na Categoria A (PNTA) e Categoria D (ações de emergência). Fonte: Endovélico. zados. Em 2010, este valor atinge 42,5%. Apesar da Categoria B, de acordo com o disposto legal, se referir exclusivamente a ações de estudo e valorização de sítios ou monumentos Paralelamente ao aumento dos trabalhos classificados ou em vias de classificação, os dados de prospeção e escavação, efetuados no âmbito disponibilizados pelo Endovélico não nos permi- das Categorias C e D, regista-se o aumento das tem fazer a distinção entre sítios classificados e autorizações concedidas para a realização de tra- não classificados. Desta forma inserimos na Cate- balhos de acompanhamento arqueológico. goria B todas as autorizações registadas para valorização de sítios arqueológicos. O acompanhamento arqueológico domina o número de autorizações concedidas a partir Em contrapartida a um aumento exponen- do ano de 2002, com exceção no ano de 2009, cial dos trabalhos arqueológicos autorizados para ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 27 as Categorias C e D (escavação, prospeção e acom- dominar o panorama arqueológico nacional, resul- panhamento) verificamos uma constante no nú- tando na inversão da polaridade das categorias mero de autorizações concedidas para a realização associadas à realização de trabalhos arqueológicos de ações de valorização. Esta constante traduz-se, (Categoria A < Categoria C e D). Este paradigma foi na globalidade das autorizações concedidas, numa sendo paulatinamente reforçado pela adoção de diminuição de 8% para 1,5% ao longo das últimas legislação de matriz comunitária, que consolida a duas décadas, revelando um desinvestimento nes- importância do conhecimento arqueológico, seja te setor por oposição ao crescimento das ações em procedimentos de avaliação de impacte am- preventivas e de emergência. biental ou na elaboração de instrumentos de gestão e ordenamento territorial. Estes números são significativos se considerarmos que as ações de valorização têm como Reportando-nos exclusivamente à nossa objetivo final a disponibilização dos sítios para base documental, relativa ao Alentejo Central, fruição pública. Cruzando este percentual de 1,5% registamos 58 autorizações para a realização de de autorizações concedidas no ano de 2010, com o trabalhos arqueológicos, com vista à caracteri- percentual de 31,3% correspondente às ações de zação do descritor património arquitetónico e ar- escavação arqueológica (Categoria A e D) autoriza- queológico. Em fase de execução do projeto, fo- das para o mesmo ano, verificamos um enorme ram concedidas 17 autorizações para a realização desfasamento entre o investimento efetuado em de trabalhos de acompanhamento arqueológico, e intervenções arqueológicas, valorização e disponi- realizadas 203 ações de escavação/sondagem ar- bilização de recursos. queológica. Da análise dos dados disponíveis, verificamos um aumento muito significativo das autori- Contabilizadas as ocorrências patrimoniais identificadas por categoria: zações concedidas pela tutela para a realização anual de trabalhos arqueológicos. a. Categoria C Em números, as autorizações registadas passam de 199 (ano de 1990) para 1561 (ano de Prospeção arqueológica.i) 1537 ocorrências patrimoniais identificadas 2010), representando um aumento de 8 vezes nas no decurso das prospeções arqueológicas, últimas duas décadas, com uma média de 6 autori- efetuadas no âmbito de 79 estudos de impac- zações concedidas por dia útil no ano de 2010, das te ambiental (1044 arqueológicas; 477 arqui- quais apenas 5,5% se enquadram no âmbito de tetónicas; e 16 indeterminados); projetos de investigação/valorização. ii) 711 (46,2%) ocorrências não foram alvo de medidas de minimização específicas por en- Ao longo dos anos, a dinâmica criada pelo binómio [desenvolvimento + salvaguarda] passou a cerramento, desconformidade, cancelamento e parecer desfavorável ao projeto; ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 28 iii) 373 (24,3%) ocorrências não foram alvo de e. Categoria D propostas de minimização específicas, por Sondagens/escavação arqueológica.- não serem afetadas pelo projeto; iv) v) vi) 143 (9,3%) propostas de sondagens/ no âmbito da caracterização patrimonial 90 (5,8%) propostas de minimização específi- dos projetos, e no decurso do acompanha- ca (sondagens) sem registo de execução; mento 67 (4,4%) medidas de minimização propostas “preservação pelo registo científico”; ii) arqueológico, foram alvo de 78 (37,3%) dos sítios intervencionados não sem registo de execução; revelaram contextos ou estruturas conser- 66 (4,3%) ocorrências alvo de memória des- vadas; iii) critiva, e estudo monográfico; tadas no decurso do acompanhamento ar- 18 (8,6%) dos sítios intervencionados revelaram-se “não sítios”; viii) 55 (3,6%) propostas de minimização execuiv) 10 (4,8%) dos sítios intervencionados não têm resultados acessíveis; queológico; ix) 209 ocorrências patrimoniais identificadas escavações arqueológicas executadas; a realizar no decurso do acompanhamento, vii) i) 14 (0,9%) ocorrências registadas em prospeção não localizadas em acompanhamento v) 103 (49,3%) dos sítios intervencionados possibilitaram interpretação crono-funcional. arqueológico, ou localizadas fora da área de Numa breve análise de eficácia verificamos projeto; x) xi) 12 (0,8%) medidas especificas não se efetua- que das 55 ocorrências patrimoniais, registadas em ram, por incumprimento na execução do estudo de impacte ambiental sem referência a acompanhamento arqueológico; qualquer tipo de fonte bibliográfica e documental, 6 (0,4%) ocorrências preservadas in situ. alvo de medidas de minimização específicas (escavação/sondagem), executadas no decurso da Acompanhamento arqueológico.- empreitada, apenas 11 (20%) revelaram contextos i) 230 ocorrências patrimoniais identificadas no ou estruturas arqueológicas preservadas, ainda decurso de 17 trabalhos de acompanhamento que na maioria das situações o diagnóstico efetua- arqueológico (180 arqueológicas; 45 arquite- do, com base nos vestígios de superfície, não co- tónicas; e 5 indeterminadas); rresponda ao registo de escavação. ii) 140 (60,9%) sítios identificados em acompanhamento arqueológico, sem proposta Esta eficácia sobe para cerca de 60% para de medidas de minimização específicas; os sítios referenciados previamente pela bibliogra- 9 (3,9%) sítios identificados e preservados in fia e outras fontes de informação. Neste sentido, o situ; investimento iv) 15 (6,5%) ações de registo específico; efetuada ao abrigo de projetos de investigação, ou v) 66 (28,7%) ações de sondagem/escavação respondendo a requisitos específicos de autar- arqueológica. quias, releva-se uma mais-valia no âmbito da pre- iii) na inventariação arqueológica ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 29 venção e salvaguarda arqueológica, revelando ní- arqueológica e para a salvaguarda do património veis de eficácia custo — benefício superiores aos arqueológico. adquiridos no âmbito do estudo de impacte ambiental. A arqueologia preventiva e de emergência fundamentam-se pelo princípio legal da “conserva- A eficácia mantém-se elevada (72,3%) nos ção pelo registo científico”. É o registo científico que sítios escavados, na sequência da sua identificação sustenta a salvaguarda, a sua ausência representa em acompanhamento arqueológico, constatando- a conivência, do arqueólogo e da tutela, com uma se uma grande assertividade entre diagnóstico destruição inicial e os resultados obtidos no decurso das esca- remunerada. arqueologicamente assistida e vações. Contudo, os resultados obtidos registamse entre os menos reportadas à tutela, com relatórios que permanecem por entregar. Se como refere António Valera (2007) os trabalhos arqueológicos desenvolvidos no âmbito da Neste capítulo, das 209 caracterização do descritor património escavações arquitetónico e arqueológico “são eminentemente arqueológicas efetuadas, o Endovélico regista 153 técnicos e se traduzem essencialmente na aplicação (73,2%) relatórios aprovados, 17 por entregar, 12 de normativos legislativos e protocolos metodo- pendentes, e 27 sem registo de autorização. Estes lógicos, adaptados à natureza e condicionantes de valores percentuais aproximam-se dos indicados cada projeto concreto” (Valera, 2007: 76), a por Jacinta Bugalhão (2010) que aponta o facto das minimização só faz sentido “se for enquadrada por quase 8000 autorizações concedidas entre 2003 e um questionário científico” (ibidem: 77). 2006, cerca de 35% não reportaram os resultados obtidos. Concorda-se com a autora quando esta re- Neste pressuposto é extremamente difícil fere: “não entregar relatórios de um trabalho determinar o contributo das intervenções de arqueológico realizado é guardar para nós o que não minimização para a produção de conhecimento, nos pertence e não cumprir o mínimo dos mínimos considerando que os relatórios, quando entregues das para arquivo da tutela, são elaborados (na sua nossas obrigações deontológicas e so- ciais” (ibidem: 24). grande maioria) com o objetivo de dar cumprimento aos requisitos técnicos constantes da legislação A entrega e aprovação dos relatórios é uma das condições fundamentais para a concessão de em vigor (art. 13, do Regulamento de Trabalhos Arqueológicos), que determinam a sua aprovação. novas autorizações, de acordo com a legislação nacional (n.º 10, art. 5º do Regulamento de Traba- Em minimização a prática arqueológica não lhos Arqueológicos). O incumprimento desta se pode consubstanciar numa técnica destinada à premissa e a incapacidade da tutela em fazer acumulação de dados “isentos” em nome de uma prevalecer este artigo fundamental, acarreta memória futura, da qual não antecipamos o nível graves de exigência e a adequação dos dados produzidos. consequências para a atividade ARPI. Arqueología y Prehistoria del Interior peninsular 02– 2015 30 Parafraseando o slogan conhecido “o futuro é Xunta de Galicia: 7-14. hoje”, é hoje que temos de ser exigentes na Fernández Cacho, S. 2008: Património arqueológico y produção do conhecimento que justifica a discipli- planificación territorial: estrategias de gestión para Andalucía. Junta de Andalucía y Universidad de Sevi- na arqueológica. lla. Sevilla. García Sanjuán, L. 2005: Introducción al Reconocimiento y BIBLIOGRAFÍA Análisis Arqueológico del Territorio. Ariel. Barcelona. Branco, G. 2014: Avaliação de Impacte Ambiental. O Património Arqueológico no Alentejo Central. 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