IHGP
REVISTA
DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO PARAIBANO
ANO C – JOÃO PESSOA –SETEMBRO– 2014 –- Nº 43
Copyright © EDUEPB
A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio,
seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.
A EDUEPB segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil, desde 2009.
Editora da Universidade Estadual da Paraíba
Cidoval Morais de Sousa | Diretor
Arão de Azevêdo Souza | Editor Assistente de projetos visuais
Antonio Roberto F. da Costa | Editor Assistente de Conteúdo
Design Gráfico
Erick Ferreira Cabral
Jefferson Ricardo Lima Araujo Nunes
Lediana Costa
Leonardo Ramos Araujo
Comercialização e Distribução
Vilani Sulpino da Silva
Danielle Correia Gomes
Divulgação
Zoraide Barbosa de Oliveira Pereira
Revisão Linguística
Elizete Amaral de Medeiros
Normalização Técnica
Jane Pompilo dos Santos
Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825,
de 20 de dezembro de 1907.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB
900
R454
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. - Ano C,
n43 (set/2014). Campina Grande: EDUEPB, 2014.
136 p.: il:.
Anual
ISSN: 2358-6320
1. História. 2. Região semiárida. 3. Herckmans na Paraíba.
4. Adauto Ramos. 5. Educação na Paraíba. 6. Capitanias. 7.
Seca no nordeste. 8. Literatura. 9. Política. 10. Anayde Beiriz.
I. Título
21. ed. CDD
IHGP
REVISTA
DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO PARAIBANO
ANO C – JOÃO PESSOA –SETEMBRO– 2014 –- Nº 43
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO Fundado em 7 de setembro de 1905 Declarado de Utilidade Pública pela Lei nº 317, de 1909 CNPJ: 09.249.830/001-­‐21 – Fone (8 3) 3222-­‐0513 58013-­‐080 -­‐ Rua Barão do Abiaí, 64 – João Pessoa -­‐ Paraíba Gestão 2013/2016 PRESIDENTE Joaquim Osterne Carneiro VICE-­‐PRESIDENTE Humberto Fonsêca de Lucena SECRETÁRIO GERAL
Diana Carmem Martins de Assis Ferreira
1º SECRETÁRIO
Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra
2ª SECRETÁRIO
Berilo Ramos Borba
TESOUREIRO
Adauto Ramos
DIR. ATIVIDADES CULTURAIS
Martha Maria Falcão de Carvalho e Morais Santana
COMISSÃO DA REVISTA
Joaquim Osterne Carneiro Humberto Fonsêca de Lucena José Nunes da Costa FOTO DA CAPA:
Presidente do Estado da Paraíba, Alvaro Lopes Machado, um
dos fundadores do IHGP, em 7 de setembro de 1907
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................................9 SECA NO NORDESTE: UM TEMA SEMPRE ATUAL Joaquim Osterne Carneiro..................................................................11 AS AVENTURAS RUSSA, HOLANDESA, NORDESTINA E CHILENA DE ELIAS HERCKMANS, GOVERNADOR DA PARAÍBA DE 1636 A 1639 Evandro da Nóbrega...........................................................................15 O INCIDENTE DA “ILHA” Adauto Ramos....................................................................................29 FELIPE TIAGO GOMES: UM PARAIBANO QUE REVOLUCIONOU A EDUCAÇÃO DO BRASIL Berilo Ramos Borba............................................................................35 DOIS IMPORTANTES DOCUMENTOS MANUSCRITOS REFERENTES À CAPITANIA DA PARAIBA DO NORTE, ASSINADOS NO RIO DE JANEIRO POR D. JOÃO VI, DATADOS DO INÍCIO DO SÉCULO XIX E SOMENTE AGORA PUBLICADOS EM LETRA DE FORMA MEDIANTE A CORRESPONDENTE LEITURA PALEOGRÁFICA Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins...........................................43 CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTICULAÇÃO CULTURAL E PROJEÇÕES NA LITERATURA Maria Ida Steinmuller.........................................................................46 NO COTIDIANO DE UM HISTORIADOR: UM MESTRE E SEU SALÃO José Octávio de Arruda Mello.............................................................48 UM PIONEIRO DA LIMNOLOGIA NO BRASIL: STILLMAN WRIGHT (1898 – 1989) Melquíades Pinto Paiva......................................................................56 ANAYDE BEIRIZ – VÍTIMA DA REVOLUÇÃO DE 1930 Natércia Suassuna Dutra....................................................................62 AFONSO PEREIRA NAS LETRAS JURÍDICAS Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra...........................................................71 CAJAZEIRAS NO TEMPO DE JOÃO JUREMA Francisco Sales Cartaxo Rolim............................................................75 DORGIVAL HISTORIADOR Humberto Mello.................................................................................86 INTER -­‐ RELACIONAMENTO ENTRE A HISTÓRIA E A LITERATURA Joaquim Osterne Carneiro..................................................................89 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA CRIAÇÃO DO INSTITUTO HISTÓRICO DE CAMPINA GRANDE, EM 26 DE MARÇO DE 2012. Joaquim Osterne Carneiro..................................................................92 PRONUNCIAMENTO NA SESSÃO SOLENE DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO, EM 13 DE SETEMBRO DE 2012. HUMBERTO DE ALMEIDA...................................................................94 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA HOMENAGEM A TERESINHA DE JESUS RAMALHO PORDEUS, EM 21 DE MARÇO DE 2013 TELMA PORDEUS................................................................................98 SAUDAÇÃO AO HISTORIADOR BERILO RAMOS BORBA, QUANDO DO SEU INGRESSO NO IHGP, EM 18 DE MAIO DE 2013 Joaquim Osterne Carneiro..................................................................99 DISCURSO DE POSSE Berilo Ramos Borba..........................................................................101 SAUDAÇÃO AO HISTORIADOR RENATO CÉSAR CARNEIRO, QUANDO DO SEU INGRESSO NO IHGP, EM 16 DE JUNHO DE 2013. Joaquim Osterne Carneiro................................................................112 DISCURSO DE POSSE Renato César Carneiro......................................................................114 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA HOMENAGEM AO MONS. EURIVALDO CALDAS TAVARES, EM 30 DE AGOSTO DE 2013 Ednaldo Araújo.................................................................................126 PRONUNCIAMNENTO QUANDO DO LANÇAMENTO DO LIVRO “CENTENARIO DE NASCIMENTO DO HISTORIADOR JOSÉ FERNANDES DE LIMA”, EM 04 DE SETEMBRO DE 2013, NA SALA DE SESSÕES DO TRIBUNAL PLENO -­‐ TRIBUNAL DE JUSTIÇA -­‐ PB Joaquim Osterne Carneiro................................................................128 DISCURSO PROFERIDO NO LANÇAMENTO DO LIVRO: “CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO HISTORIADOR JOSÉ FERNANDES DE LIMA”, NA SALA DE SESSÕES DO TRIBUNAL PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA, EM 4 DE SETEMBRO DE 2013. Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque.......................129 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA POSSE DA NOVA DIRETORIA DO IHGP, EM 12 DE SETEMBRO DE 2013 Joaquim Osterne Carneiro................................................................132 APRESENTAÇÃO
A Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB) tem a honra
de apresentar o número 43 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibando (IHGP), que em boa hora chega aos leitores em duas versões: uma
impressa e outra digital. A versão digital será disponibilizada em várias bases
eletrônicas e terá, também, um lugar fixo na rede, através da plataforma SEER
- Sistema de Editoração Eletrônica de Revistas, do IBICT.
Recomendado pela CAPES, o SEER, criado em 2003, permite, dentre outras possibilidades, melhoria na avaliação da qualidade dos periódicos, maior
rapidez no fluxo das informações e, também, que a disseminação, divulgação
e preservação dos conteúdos das revistas brasileiras apresentem uma melhoria
na adoção dos padrões editoriais internacionais.
Neste novo sistema, que em breve estará no ar, o IHGP entra, em definitivo, no universo das publicações eletrônicas de acesso livre, tornando possível,
inclusive, a consulta, por meio da web, aos números anteriores, que serão todos
preparados para o novo tempo que se inaugura com o número atual.
A EDUEPB, cumprindo a sua missão de divulgar e tornar acessível o conhecimento produzido em diferentes áreas, firma, a partir deste número, parceira com o IHGP, estabelcendo, desde já, como missão, a colaboração para o
sucesso dessa nova fase da Revista.
Sobre o conteúdo do número 43 recomendamos a leitura atenta de artigos
cruciais para a compreensão de aspectos, fatos e personagens de nossa história
particular, destacando, dentre eles, os trabalhos sobre Felipe Tiago Gomes e
Anayde Beiriz, assim como chamaos atenção para a qualidade de alguns discursos e pronunciamentos que marcaram a trajetória recente do IHGP.
Cidoval Morais de Sousa
Diretor da EDUEPB
9
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 SECA NO NORDESTE: UM TEMA SEMPRE ATUAL
Joaquim Osterne Carneiro *
A seca que ocorreu na Região Semi-Árida do Nordeste brasileiro no ano
pretérito e que tem continuidade neste ano de 2013, em face das poucas chuvas caídas é
a maior dos últimos 60(sessenta) anos.
Convém recordar que, as variações climáticas que determinaram a semi-aridez e
as secas do Nordeste brasileiro ocorreram há mais de 20.000 (vinte mil) anos, segundo
estudos realizados por BELTRÃO (1980) No entanto, a primeira noticia de seca na
Região foi registrada por GUERRA (1951), em pesquisa publicada postumamente,
quando declarou que a Historia da Companhia de Jesus no Brasil, do Padre Serafim
Leite, se referiu a uma estiagem acontecida na Bahia em 1559.
Faz - se mister destacar que, os primeiros estudos sobre previsão de seca no
Nordeste do Brasil foram realizados por DERBY (1978 e 1885), quando correlacionou a
grande seca de 1877- 1879, com o fenômeno das manchas solares. Naquela época, os
únicos dados meteorológicos disponíveis eram as precipitações pluviométricas da
cidade de Fortaleza – CE, para o período de 1849 a 1877 e da cidade do Rio de Janeiro
– RJ, para o período de 1851 a 1877.
De acordo com esses primeiros estudos, as secas ocorriam em ciclos de 11
(onze) anos. Ficou também constatado que, em cada ciclo, a quantidade de chuva
crescia do primeiro até sua metade, decrescendo posteriormente até o seu final.
No Nordeste, segundo CARVALHO et alii (1973), “ A idéia de que as secas estavam
correlacionadas com os períodos de redução das atividades das manchas solares
também teve aceitação por parte de estudiosos do assunto, como Thomas Pompeu de
Souza Brasil Sobrinho e Rodolfo Theophilo, sendo o problema levantado pelo primeiro
no seu trabalho “ O Ceará no Começo do Século XX ”, publicado em 1909. Em
trabalho posterior, “ O Ceará no Centenário da Independência (1922”), o mesmo
autor, com base em melhores informações, registra a curiosa observação de que,
além do ciclo undecenal de atividade solar, manifestado pelo aumento das manchas
solares na sua superfície, verificou-se ultimamente haver verdadeiras super-excitações
daquelas atividades em períodos mais longos. Em auxilio dessa circunstancia observase que em Fortaleza, além das oscilações de 10 a 12 anos, verifica-se o aumento das
chuvas em fases e 23 a 26anos”.
Em 1924, Sampaio Ferraz ao falar no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro RJ, sobre as prováveis causas das secas do Nordeste informou que havia uma correlação
não significativa entre as manchas solares e as chuvas caídas na cidade de Fortaleza-CE.
*Engenheiro Agrônomo, escritor e historiador. Sócio Efetivo e atual Presidente do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano e Sócio Fundador do Instituto Histórico de Campina
Grande. Pertence também ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ao
Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano, ao Instituto Paraibano de Genealogia e
Heráldica, a Academia de Letras e Artes do Nordeste - Núcleo da Paraíba, a União Brasileira
de Escritores da Paraíba, a Academia Limoeirense de Letras da cidade de Limoeiro do Norte
- CE e integra o Conselho Estadual de Cultura do Governo do Estado da Paraíba.
9 11
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Em 1953, o mesmo estudioso dispondo de informações mais confiáveis, lançou
um método empírico de previsão de secas no Nordeste, através da comparação dos anos
secos com os pseudociclos das atividades solares, oportunidade em que constatou uma
grande coincidência entre os anos de calma solar e as secas, tendo informado: “
Marcamos as ocorrências das secas grandes, totais e parciais, num gráfico das
oscilações das manchas solares e verificamos logo a tendência delas se agruparem nas
proximidades dos mínimos solares, sobretudo as secas grandes e totais”.
Ainda em 1953, seguindo essa mesma linha de trabalho, Francis Reginald Hull,
um inglês que residiu em Fortaleza, correlacionou as secas do Estado do Ceará, com os
anos de manchas solares mínimas, a exemplo dos estudos anteriormente elaborados por
Derby, Thomas Pompeu de Sousa Brasil Sobrinho, Rodolfo Theophilo e Sampaio
Ferraz.
O estudioso inglês acima citado informou que o fenômeno das secas aconteceria nos
momentos correspondentes aos pontos mínimos da curva de atividade das manchas
solares, distando um ponto mínimo do outro de 11 (onze) anos em média.
Além disso, foram assinalados ciclos de 10 (dez), de 12 (doze), de 23 (vinte e três) e de
26 (vinte e seis) anos, coincidentes com as repetições das secas observadas do século
XVI para cá.
Em 1945, Adalberto Serra apresentou um estudo sobre a Meteorologia do
Nordeste, informando que existe uma correlação entre o deslocamento da Zona de
Convergência Intertropical e as secas nordestinas.
Como sabemos a Zona de Convergência Intertropical - ITCZ / ZCIT-, é um aglomerado
de nuvens, com escala de poucas centenas de quilômetros, que estão associadas a uma
zona alongada de baixa pressão, representada pelo encontro dos ventos alísios NE e SE,
localizando-se entre as duas altas subtropicais dos hemisférios Norte e Sul,
respectivamente.
Devido a sua estrutura física, a Zona de Convergência Intertropical tem se
mostrado decisiva na caracterização das condições do tempo e do clima na Região
Tropical, influenciando nas precipitações dos continentes americano, africano e asiático.
De conformidade com Adalberto Serra, quando a Zona de Convergência
Intertropical se desloca frontalmente para o sul do Brasil e para o Golfo do México, as
chuvas serão mais copiosas.
De outra parte, na falta da Zona de Convergência Intertropical, o Nordeste
brasileiro é dominado pelo chamado Anticiclone vindo do Atlântico Sul e os ventos
alísios sopram na direção Sudeste ou Este. Neste caso, a Zona de Convergência
Intertropical é afastada para o Equador.
Em seguida, o mesmo SERRA (1946) concebeu um método e previsão de seca,
tomando por base a correlação estatística entre as tendências de distribuição da
temperatura e da pressão atmosférica, em distintos pontos do globo terrestre.
Em 1967, o pesquisador americano Charles Markhan a partir dos estudos de
Sampaio Ferraz e de Adalberto Serra estabeleceu um método de previsão de secas do
Nordeste, correlacionando as chuvas caídas em Fortaleza-CE no mês de dezembro, com
as possíveis alterações menores da radiação solar. Segundo esse estudo, caso a chuva
em Fortaleza em dezembro seja menor que 10 milímetros, haverá 20 % de probabilidade
10 12
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 da precipitação do ano seguinte na Região ser inferior a 800 milímetros, o que significa
uma seca parcial.
Caso a chuva de Fortaleza no mês de dezembro seja superior a 30 milímetros, a
probabilidade da precipitação do Nordeste no ano seguinte ser inferior a 800 milímetros
é de 2 %.
Em 1971, a SUDENE – Superintendência e Desenvolvimento do Nordeste
firmou um convenio com o CTA - Centro Técnico Aeroespacial localizado em São José
dos Campos - SP, voltado para a previsão das secas.
Nesse sentido, no final de 1978, os técnicos do CTA Luis Teixeira e Carlos Giraldi,
utilizando dados estatísticos das chuvas do período de 130 anos da cidade de Fortaleza e
de 45 anos das cidades de Caicó - RN, Currais Novos - RN, Crato- CE, Iguatú - CE,
Limoeiro do Norte - CE, Quixeramobim - CE e Ouricuri - PE, elaboraram um trabalho
sobre o prognostico do tempo a longo prazo no Nordeste, concluindo que, a cada 26
anos ocorria uma longa estiagem na Região.
A partir de 1974, o CNPq por meio do INPE - Instituto de Pesquisas Espaciais se
engajou nas pesquisas de previsão de secas.
Ultimamente, diversos estudiosos relacionam as secas nordestinas com o fenômeno “ El
Niño” que é conhecido há mais de 200 anos e diz respeito ao aquecimento anormal
das águas do Oceano Pacifico ao longo da região do Equador.
Os cientistas observaram que, os ventos alísios que sopram sobre o Pacifico se tornam
mais fracos quando a temperatura da água aumenta.
Embora se localize no Oceano Pacifico, as conseqüências do “ El Niño” se
espalham por todo o mundo. No Brasil é responsável pelas secas do Nordeste, pelas
enchentes no Sul e pelo calor no Sudeste.
Geralmente ocorre em intervalos que variam de 3 a 7 anos. Vale destacar que,
estudiosos como o Professor Caio Lócio consideram, também, que a temperatura das
águas do Oceano Atlântico e outros eventos contribuem para o surgimento das secas
nordestinas.
CARNEIRO (2000) publicou um trabalho sobre as secas no Estado da Paraíba. Diante
do exposto, entendemos que se faz necessário programar estudos referentes às
oscilações das manchas solares, das temperaturas do Oceano Atlântico e de outros
fenômenos, que ao lado do “El Niño” tem considerável influencia na ocorrência das
secas no Nordeste brasileiro.
11 13
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Bibliografia
BELTRÃO, Maria da Conceição Coutinho. O Arqueólogo e a Interpretação
Pelaoclimática Rio de Janeiro, UFRJ, 1980. Trabalho apresentado no Encontro sobre
Seca no Nordeste. Recife, UCR, 1980.
CARNEIRO, Joaquim Osterne. As Secas na Paraíba. A Paraíba Nos 500 Anos Do
Brasil - Volume I. A UNIÃO - Superintendência de Imprensa e Editora, 2000.
CARVALHO, Otamar de. ect alii. Plano Integrado para o Combate Preventivo aos
Efeitos das Secas no Nordeste. Brasília, Minter, 1975.
DERBY, Orville Adalbert. As Secas e as Manchas Solares. Diário Oficial, de 8 e 9 de
junho de 1878.
As Manchas Solares as Secas. Revista Engenharia, Rio de Janeiro 1885. p.85.
FERRAZ, J. de Sampaio. Causas Prováveis das Secas do Nordeste Brasileiro. Rio de
Janeiro, Diretoria de Meteorologia, 1924 (Conferencia no Clube de Engenharia do Rio
de Janeiro em 20 de dezembro de 1924) 30 p.
Eminência de uma Grande Seca Nordestina. Revista Brasileira de Geografia, 1953.
GIRALDI, Carlos et TEIXEIRA, Luiz. Prognostico do Tempo a Longo Prazo. São José
os Campos, CTA, 1978. 18 p. (Relatório técnico ECA -06-78)
GUERRA. Felipe. Secas do Nordeste. Natal, Centro de Imprensa, 1951, p.30.
HULL. Francis Reginald. A freqüência das Secas no Estado do Ceará e sua Relação
com a Freqüência dos Anos de Manchas Solares Mínimas. Boletim da Secretaria de
Agricultura e Obras Públicas. Fortaleza, (4): 58-63, jun. 1953.
MARKHAM, Charles G. Climatological. Aspects of Drought in Northeastern Brazil.
Fresno, Fresno College, 1967 (Tese de doutorado) mimeografada.
SERRA, Adalberto. Meteorologia do Nordeste Brasileiro. Rio de Janeiro, IBGE/CNG,
1945 (Tese preparada para a 4ª Assembléia Geral do Instituto Pan-Americano de
Geografia e Historia)
As Secas do Nordeste. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura/Serviço de
Meteorologia, 1946.
12 14
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 AS AVENTURAS RUSSA, HOLANDESA, NORDESTINA E CHILENA DE
ELIAS HERCKMANS, GOVERNADOR
DA PARAÍBA DE 1636 A 1639
EVANDRO DA NÓBREGA*,
escritor, jornalista, editor
[[email protected]]
O terceiro governante holandês da Capitania da Paraíba foi o escritor, poeta,
dramaturgo, marujo, navegante, aventureiro e comandante militar Elias Herckmans
(1596-1644), ainda hoje estudado também na Rússia, na Holanda e noutras partes do
Mundo. Mas o interesse em torno dele não se deve somente a suas peças teatrais, seus
poemas, suas canções, sua Descrição Geral da Capitania da Paraíba, sua viagem
com Hendrik Brouwer ao Chile e demais realizações guerreiras, administrativas,
etnográficas e intelectuais. Deve-se, também, ao fato de haver escrito, como
testemunha ocular e confiável, um dos dois únicos documentos coevos sobre o
chamado Tempo dos Distúrbios na Moscóvia de fins do século XVI e inícios do
século XVII. Foi essa a “aventura russa” de Elias Herckmans.
Por aqui, quase ninguém sabe: Elias Herckmans, holandês que governou a Paraíba de
1636 a 1639, teve uma “aventura russa” bem antes de vir para o Nordeste brasileiro. Foi
testemunha ocular de muitas das sangrentas ocorrências que marcaram a transição entre
as dinastias Rurik e Romanov. Esse negro período é conhecido na Rússia como
Smútnoye Vryémya, “os Tempos dos Distúrbios”, de smuta = comoção, distúrbio,
confusão, aflição. O conturbado período ocorreu logo depois da morte do czar Fiôdor I
[Teodoro I], em 1598, e antes da assunção ao trono, em 1613, do czar da nova dinastia,
Mikhail (Miguel) Romanov [pronuncia-se romanóff].
Herckmans chegou a assistir ao enforcamento do filho de sete anos, nascido do
primeiro Falso Dmitry com uma polaca. Por esse tempo, o futuro governante neerlandoparaibano se achava em demorada visita à localidade portuária de Arkángelsk
(Arcangel), porto marítimo do Mar Branco, no extremo noroeste do território russo.
Representava ali a firma importadora-exportadora holandesa Vogelaer (na grafia
moderna, Vogelaar = “Passarinheiro” ou “Caçador de Aves”).
Em Holandês, Russo & Latim — De volta aos Países-Baixos, Herckmans tornarse-ia, em 1625, o segundo estrangeiro (e o segundo holandês, ao lado de Isaac ou Jsaak
Massa) a escrever sobre esses violentos eventos: concluiu nesse ano alentado
manuscrito sobre os Tempos de Aflições dos russos.
O título do relatório é, numa das versões, Een historischen verhael van de
voornaemste beroerten des Keijserrijcks van Russia, ontstaen door den Demetrium
Ivanowijts, die den valschen Demetrius t’ onrecht genoemt wert. Beschreven door Elias
Herckmans, anno Domini MDCXXV Amsterdam [= “Relato histórico das principais
*Sócio efetivo do IHGP
13 15
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 comoções havidas no Principado da Rússia e originadas pelo príncipe Dmitry
Ivánovitch, falsamente acusado de se fazer passar pelo tsárevitch; escrito por Elias
Herckmans, em Amsterdam, 1625”].
Dois Títulos Bibliográficos Principais - O manuscrito dessa obra permaneceu num
museu holandês, sem divulgação, surgindo depois (ou uma cópia dele) na Biblioteca
Pública Imperial de São Petersburgo. Somente seria publicado, pelos russos, em
holandês, no ano de 1868, fazendo-se traduções em russo e latim apenas em 1874.
Dizendo de outra forma, esse relato de Herckmans (Een historischen verhael van de
voornaemste beroerten des keyserrychs van Russia, ontstaen den Demetrium Ivanowyts,
die den valschen Demetrius l'onrecht genoemt wert), publicado em Amsterdam em
1625, ganharia traduções para o latim e o russo em 1877, respectivamente sob os títulos
de:
a) Rerum Rossicarum Scriptores Exteri, a Collegio Archeographico editi, Tomus II,
Isaaci Massae et Eliae Herkmanni, batavorum, narrationes [“Escritores Estrangeiros
sobre a História Russa, editada pelo Colégio Arqueográfico, Tomo II, Relatos dos
batavos Isaak Massa e Elias Herckmans”]; e
b) “Istoritcheskoye povestvovaniye o vajneishikh smútakh v gosudarstvye Rússkom”
[no livro Skazányia Massy i Gerkmana o Smútnom Vrêmeni v Róssiy, saído em São
Petersburgo], como aqui se mostra nas fotos em anexo ao presente texto.
Em Russo, Latim e Alemão - Uma das versões mais recentes é aquela que recebeu a
denominação de “Istoritcheskoye povestvovaniye [...]", entre as páginas 211 e 262 do
volume Króniki smútnovo vrêmeni, editado por A. Liberman, B. Morozov e S.
Shokarev, em Moscou, para o Fundo Serghyêi Dubov, em 1998. Não é de admirar que
Herckmans esteja sempre sendo citado por grande número de autores antigos e
hodiernos, inclusive num dos trabalhos mais atuais de Marshall Poe, seu Foreign
Descriptions of Muscovy: An Analytic Bibliography of Primary and Secondary Sources
[segunda edição revisada, corrigida e aumentada, © 1995, 1999 e 2008, Slavica
Publishers, Inc.].
Outra vetusta obra abordando esses relatos antigos sobre o Grão-Ducado de
Muscóvia é Historien und Bericht von dem Großfürstenthumb Muschkow, de Petrus
Petrejus de Erlesunda, saído pela editora Tipis Bavaricis, em 1620, encontrando-se um
de seus raros exemplares na Biblioteca Nacional da Áustria. Ainda outro livro
respeitável, novamente em latim, para não ficar apenas nestes, dentre muitos exemplos:
Memorabilis et perinde stupenda de crudeli Moscovitarum expeditione narratio è
Germanico in Latinum conuersa (qua oppidum Pleskj in Lituania situm invaserunt),
saído pela editora Boscardus, em 1563.
Cronologia dos Tempos de Aflição - Altamente recomendáveis, no contexto, são as
obras da historiadora Maureen Perrie, professora emérita de História Russa na
Universidade de Birmingham e que se volta para a publicação de trabalhos preocupados
em nos explicitar em especial os séculos XVI a XX, a exemplo de Pretenders and
Popular Monarchism in Early Modern Russia: The False Tsars of the Time of Troubles
(1995) e The Cult of Ivan the Terrible in Stalin’s Russia (2001). Além do mais, ela
14 16
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 editou o imprescindível primeiro volume da Cambridge History of Russia (Volume I,
from Early Rus' to 1689), a partir do qual os “Tempos de Aflição” podem ser assim
datados:
1601–1603: grande fome na Rússia, antecedendo o início dos “Tempos das
Aflições”, os quais se estenderiam até 1613;
1603: surge o primeiro Falso Dmitry, na Polônia, pretendendo o trono russo; a fome
da população, aliando-se às ambições dos falsos pretendentes ao trono russo, compôs
então uma situação altamente explosiva;
1604: no outono desse ano de 1604 e com todo um “exército”, o primeiro Falso
Dmitry invade a Rússia;
1605: morte de Borís Godunov e assassinato de seu filho Fiôdor; o primeiro Falso
Dmitry torna-se czar;
1606: derrubada e assassinato do primeiro Falso Dmitry; Vassíli Shuysky torna-se
czar; e, entre 1606 e o ano seguinte, ocorre a revolta de Bolotnikov;
1607–1610: período do segundo Falso Dmitry, que desafia Shuysky;
1609: A Suécia intervém na Rússia para apoiar Shuysky; os poloneses cercam
Smolensk;
1610: deposto o czar Shuysky, o trono russo é oferecido ao príncipe Wladylaw da
Polônia; os poloneses ocupam Moscou e o segundo Falso Dmitry é assassinado;
1611: a primeira milícia nacional da Rússia tenta libertar Moscou;
1612: a segunda milícia nacional, liderada por Mínin e Pojarskiy, consegue
finalmente libertar Moscou das mãos dos poloneses;
1613: Miguel Romanov é eleito czar, encerrando-se os Tempos das Aflições na
Rússia.
Ecos nos Tempos de Stálin...
Maureen Perrie, professora emérita de História Russa na Universidade de
Birmingham, publicou, entre outras obras de muito relevo, aquela de 1995 intitulada
Pretenders and popular monarchism in early modern Russia: the false tsars of the Time
of Troubles ["Pretendentes ao trono e monarquismo popular nos primórdios da Rússia
moderna: os falsos czares do Tempo das Aflições] e The cult of Ivan the Terrible in
Stalin's Russia ["O cuto de Ivan, o Terrível, na Rússia de Stálin], de 2001.
No primeiro volume da Cambridge History of Russia [Volume I: From Early Rus' to
1689, ISBN 13 978-0-521-81227-6, 10 0-521-81227-5, Cambridge University Press,
2006, 824 páginas], todo o Capítulo 18, iniciando-se à página 409 e indo até a página
431, é de autoria de Perrie. E intitula-se justamente "The Time of Troubles (1603–
1613)". Numa observação da mais alta relevância histórica, lembra Perry que, "in the
Soviet period, the term, ‘Time of Troubles’, was abandoned in favour of the concept of
a ‘peasant war’, derived from Friedrich Engels’s study of the events in Germany in
1525.2 I. I. Smirnov’s [N. do R.: um historiador russo] account of the Bolotnikov revolt
of 1606 identified that episode alone as the ‘first peasant war’ in Russia, but after
Stalin’s death some Soviet historians argued that the entire sequence of events from
1603 (the Khlopko uprising) to 1614 (the defeat of Zarutskii’s movement) constituted a
15 17
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 ‘peasant war’. Towards the end of the Soviet era, Russian historians rejected the notion
of a ‘peasant war’ and either reverted to the use of the older term, ‘Time of Troubles’,
or introduced the idea of a ‘civil war’. Western historians were never persuaded by the
‘peasant war’ concept for this period, preferring to retain the term, ‘Time of Troubles’.
Chester Dunning’s adoption of ‘civil war’ terminology, like that of the Russian
historians R. G. Skrynnikov and A. L. Stanislavskii, involves a conscious rejection of
‘class struggle’ approaches to the period, and stresses vertical rather than horizontal
divisions in Russian society. The ‘civil war’ approach also plays down the significance
of foreign intervention – which was heavily stressed both in Stalin-era Soviet
historiography and in some pre-revolutionary accounts – and finds the origins of the
Troubles primarily in internal Russian problems."
Pedro II na Rússia — Interessante notar que, dois anos depois daquela tradução
russo-latina da obra de Herckmans, o imperador brasileiro Dom Pedro II visitaria a
mesma cidade, ainda então com seu nome eslavo de Sankt-Petersburg e até 1918 a
capital do poderoso Império Russo. A recepção a Dom Pedro deu-se em agosto de 1876,
quando foi repetidamente homenageado nas célebres Academia de Ciências e
Universidade locais, num périplo de visitas, conferências e debates em que demonstrou
aos sábios russos profunda erudição, temperada por sua proverbial modéstia.
De 1874 para cá, surgiram na Rússia e noutras partes do Planeta, em várias línguas,
sucessivas edições, versões e obras baseadas nos dois relatos distintos de Herckmans e
de Massa. Os próprios acadêmicos russos sempre consideraram o relato de Herckmans
mais bem escrito e confiável — mesmo porque Jsaak Massa, ele próprio, se declara
simples comerciante sem estudo. Ademais, seu método (ou falta de método) em grafar
as palavras neerlandesas é de molde a enlouquecer até filólogos os mais pacientes.
Enfim, a grafia de Massa tornou ainda mais confusa a já complicadíssima ortografia
neerlandesa do século XVII.
Humanista Culto — Herckmans, bem ao contrário, era um humanista culto e
cosmopolita. Ao concluir o manuscrito holandês sobre os Tempos das Confusões na
Moscóvia, ele já lançara, desde o ano anterior, uma peça teatral de relativo valor
literário, Slach van Vlaenderen [Batalha de Flandres], em que, por meio de alegorias
clássicas, louva a vitória dos holandeses no cerco de Nieuwpoort.
Já o minucioso documento que Herckmans deixou sobre os Tempos de Turbulências
no Principado da Moscóvia torná-lo-ia crescentemente mais célebre, não apenas na
Rússia, mas na Europa e noutros países, como Inglaterra, França e Estados Unidos. Só
que Herckmans é conhecido dos russos e dos eslavos em geral como Gerkman
[pronuncia-se ghérkmann, com o G de gato, não de gelo] ou Ilyá Ghérkman.
16 18
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Tempo de Aflições — Para situar o leitor a respeito do Relato Histórico que
Herckmans deixou sobre uma das fases mais tempestuosas da História russa, resumo
aqui o que foram esses Tempos das Turbulências (ou das Aflições, das Crises, das
Agitações, da Anarquia, da Baderna, das Incertezas, das Rebeliões, dos Problemas etc),
como têm sido chamados. Em 1584, faleceu o penúltimo dos czares ruríquidas, Ivan IV
Vasilyevitch (o equivalente a João IV, filho de Basílio). Era ele o poderoso Ivan, o
Terrível, devendo-se entender “terrível” aí como “o formidável”, o “formidando”, “o
que inspira medo aos inimigos”, não sendo o Diabo, portanto, tão ruim quanto o
pintam...
Ivan IV era querido do povo, por defendê-lo contra os boiardos e voivodas. E, ao que
se diz, morreu por lento envenenamento. Um de seus filhos, o tsárevitch (o mesmo que
czárevitch) Dmitry Vassílyevitch — ou seja, Demétrio dos Basílio ou filho de um
Basílio — morreu em 1591, em circunstâncias estranhas. O segundo filho, Fiôdor I
(Teodoro I), assumiu o trono do pai, mas também passou desta para melhor em 1598 —
sem deixar descendentes. Arranjou-se então um tzar-tampão, o meio-tártaro Borís
Godunov, cunhado de Fiôdor e que todos conhecemos pelo drama de Púshkin e pela
ópera de Mussórgsky. Apesar de ser homem de ideias avançadas, Godunov deu azar
como imperador russo: invernos rigorosíssimos, más colheitas, fome e mortes em massa
provocaram violentos conflitos e rebeliões, inclusive de cossacos e camponeses.
Os boiardos (grandes fazendeiros) e os voivodas (outros poderosos senhores russos)
não gostavam de Godunov e lhe moveram guerra. Vendo na confusão oportunidade de
abocanhar partes do território russo, primeiro os poloneses e lituanos e, depois, os
suecos, invadiram os domínios do reino/grão-ducado/principado da Moscóvia. As coisas
se complicaram quando, na Polônia, apareceu um sujeito dizendo ser nada menos que o
príncipe, o próprio tsárevitch Dmitry Vasílyevitch — isto é, o filho (tido como morto)
do falecido tzar Ivan IV.
Dois Falsos Dmitrys — Em sua marcha contra Moscou, este primeiro Falso Dmitry
foi arrebanhando temível exército. E os boiardos o apoiaram, querendo a todo custo
derrubar Borís Godunov. Este morreu também misteriosamente, em 1605, e seu filho,
Fiôdor II, que em tese seria seu sucessor, viu-se linchado pela multidão, tendo o
“alegado” ou “pretenso Dmitry” (como dizem historiadores russos) assumido o trono
sob aclamação.
Em seu curto período, Dmitry até que não governou mal. Mas contra ele se juntaram
novamente os boiardos/voivodas e o fato de se haver casado, preterindo as russas, com
uma estrangeira — a polonesa Marina Mniszek, católica e não ortodoxa. As violências
chegaram a um ápice: russos irados destronaram Dmitry, mataram-no e, colocando seu
cadáver na boca de um canhão, dispararam-no na direção da Polônia (mandaram-no de
volta, enfim). Foram brutalmente massacrados também os seguidores dmitrystas.
17 19
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 As coisas não serenaram por aí. Em meio à permanente confusão, surgiram outros
espúrios pretendentes a tzar, inclusive um segundo Falso Dmitry — que, por incrível
que pareça, foi “reconhecido” pela polonesa Marina como o primeiro Dmitry, que, para
ela, não morrera coisa nenhuma (apesar daquela cena do canhão). Entre 1606 e 1610,
um príncipe ruríquida, Vasíly Shuysky, tornou-se tzar à força, mas acabou derrubado,
em Moscou, pela zemlyá sóbor, uma espécie de assembleia eleita por voto indireto. Foi
a vez de uma guarnição militar assumir o poder, de 1610 a 1612, sem no entanto
conseguir manter a ordem.
Enforcando Crianças — A salvação do país, porém, não partiu dos militares, mas
da Igreja Ortodoxa Russa. Esta, dispondo de mosteiros fortificados, pôde organizar a
resistência, conclamando os russos à unificação. Teve a ajuda de um marchante com
senso de liderança, Kozma (Cosme) Mínin, que reuniu grande exército popular, a partir
de Níjni-Novgórod, entregando-o ao príncipe Dmitry Pojarsky. Pôde-se finalmente
expulsar os invasores, pacificar internamente os espíritos e eleger um novo tzar, Mikhail
I Romanov (Miguel I), de 16 anos e filho do patriarca da Igreja Ortodoxa, o boiardo e
depois metropolita Fyôdor Nikititch Romanov (1553-1633), que, como chefe religioso,
adotou o nome de Filaryet e ficou mandando até a maioridade de Mikhail.
Quase tudo isto pode ser lido nos textos holandeses, russos e latinos do Relato
Histórico escrito por Herckmans. Ele conta também inúmeras barbaridades que
testemunhou, dentre as quais o enforcamento, por ordem do novo tzar, do filho de sete
anos do primeiro Falso Dmitry com Marina. Era preciso executar o menino
publicamente, para que não mais surgissem falsos pretendentes ao trono. Enquanto se
via conduzido à forca, pelas ruas, sob o vento e a neve, a inocente criança perguntava
repetidamente: “Para onde me levam?” Por ter o rapazinho pouco peso, não funcionou
direito o laço da forca — e os carrascos tiveram que terminar o trabalho noutra parte do
patíbulo. Penalizado, Herckmans cita Eurípedes, Hesíodo e outros clássicos,
acrescentando que ninguém sabia se a mãe do pequeno fora estrangulada em seu quarto
ou se morrera de dor ante a sorte do filho.
Falso ou Verdadeiro? — Herckmans acreditava que o primeiro Falso Dmitry não
era falso — seria o verdadeiro tsárevitch Dmitry que de alguma forma milagrosa
escapara à morte e se escondera por uns tempos na Polônia. Isto porque essa indagação
(era ou não um impostor?) se impunha, antigamente.
Hoje em dia, prevalece a lição de grandes historiadores russos, como Platonov,
Kostomarov e outros: “Quem teria sido o primeiro Dmitry já foi importante pergunta na
História russa, mas, hoje, não mais. Quer tenha sido o verdadeiro tsárevitch, quer tenha
sido o monge Gregor Otrepyev ou um terceiro pretendente, convencido pelos boiardos e
voivodas a se acreditar o autêntico filho do tzar falecido, não se pode desconhecer que
ele teve amplo apoio popular. O que se deve perguntar é: quem colocou o Falso Dmitry
no poder?”
18 20
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Com Espírito de Aventura - O Dr. Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, que
vem realizando excelente trabalho de revisão crítica do período holandês na Paraíba,
anota que Herckmans nascera em Amsterdam por volta de 1596, tendo falecido em
Recife a 8 de janeiro de 1644 e sendo enterrado no cemitério da igreja do Corpo Santo.
Chegara a Pernambuco, provindo da República neerlandesa [também “República das
Letras”], em 23 de dezembro de 1635, como membro do Conselho Político. “Homem
dotado do espírito da aventura, porém justo e detentor de boa cultura”, o escritor e poeta
Herckmans falava português, tendo-se interessado pela língua tupi e pelos costumes dos
tapuias [como se interessou, no Chile, pela língua dos indígenas mapuches]. “De acordo
com Joannes de Laet, ele estava no governo da Capitania de Itamaracá a partir de 7 de
outubro de 1636”.
Tendo sido bom administrador em Itamaracá, veio depois prestar seus serviços na
Capitania da Paraíba.
Barlaeus & Herckmans — Como me surgiu a ideia de escrever um livro sobre a
“aventura russa” de Herckmans, algo totalmente desconhecido por aqui? De início, não
havia esta intenção, a de elaborar um volume específico sobre isto. Ocorre que estava eu
pesquisando para escrever outro livro, O poeta do Brasil holandês (sobre Barlaeus e
quase já concluído), e meu raciocínio era sempre interrompido pela lembrança daquelas
três linhas da bibliografia holandesa de Honório Rodrigues: “Trabalhando numa firma
que negociava com Arcangel”, Herckmans “escreveu uma descrição histórica sobre a
Moscóvia”, bem depois publicada “em edição latina e russa”. Honório soube disto ao
estudar a bibliografia holandesa em inglês, nos EUA.
Como não sou totalmente analfa em russo, nem em latim, nem mesmo em holandês
do século XVII, comecei a ler, nas poucas horas vagas, diversos livros (em russo,
holandês, latim, inglês, francês, alemão e espanhol etc) que tratam dessa contribuição de
Herckmans à História da Rússia. Os paraibanos não imaginam como Herckmans é
internacionalmente cotado! Decidi então sustar por uns meses a pesquisa em torno de
Barlaeus — e com o mesmo entusiasmo me agarrei a Herckmans. É assim que, num
futuro não mui remoto (como espero), irá aparecer também estoutro livro, Um
Governador da Paraíba na Primeira Guerra Civil da Rússia, quase como um
subproduto do trabalho O poeta do Brasil holandês.
Livros sobre Herckmans — Em meus alfarrábios, disponho, entre outros, do
volume 11, de 1893, da jamais suficientemente elogiada publicação holandesa OudHolland. Esse número enfeixa, entre as páginas 162 e 178, a primeira biografia de
Herckmans, elaborada pelo estudioso neerlandês Jacob Adolf Worp. O pernambucano
Alfredo de Carvalho, que tantas traduções importante fez do holandês, verteu também
para nossa língua o trabalho do Dr. Worp, com observações suas, na Revista do Instituto
Arqueológico e Geográfico de Pernambuco. Este trabalho foi ainda depois reproduzido
num livro póstumo de Carvalho, Aventuras e aventureiros do Brasil.
Adicionais ensaios sobre Herckmans foram surgindo, no Brasil, na Holanda e
noutros países. Por exemplo: um resumo dessa biografia de Herckmans feita por Worp
foi publicada por P. C. Molhuysen e P. J. Blok no terceiro volume de seu Nieuw
19 21
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Nederlandsch Biografisch Woordenboek, de que também disponho entre minhas
coleções. Mas há inúmeros outros livros que citam Herckmans. E, mais recentemente,
também saiu nova biografia sua, na área da UFPB.
Outras Obras de Herckmans — Outras obras deixadas por Herckmans e de que
pouco se fala, entre nós, são aqui apresentadas com seus títulos reduzidos à expressão
mínima (sabendo-se que os livros dessa e de outras épocas exibiam títulos
quilométricos):
1624 = o drama Slach van Vlaenderen [Batalha de Flandres];
1625 = Historische Verhael [Relato Histórico];
1627 = a tragédia Tire ondergank [algo como A perdição de Tiro];
1634 = Der Zee-vaert lof [O elogio da navegação];
1635 = Encomium calvitii, ofte Lof der Kael-koppen [O elogio da calvície] et alia.
O Elogio da navegação de Herckmans é obra interessantíssima, não só por constituir
uma História da arte de navegar em versos. Faz um apanhado das aventuras do Homem
no mar desde os tempos da... Arca de Noé, até as conquistas marítimas dos holandeses,
passando, naturalmente, pelos portugueses, espanhóis, ingleses e outros povos. Ainda
hoje pode ser lida com prazer, por sua originalidade e riqueza criativa. No próprio
volume, Herckmans é elogiado, em versos, tanto por Barlaeus — com o poema “In artis
nauticae encomium, scriptum à doctissimo ac ingeniosissimo viro Elia Herckmans” [=
Encômio sobre a Arte Náutica, escrita pelo doutíssimo e engenhosíssimo cidadão Elias
Herckmans] — como por Jacobus Revius e M. Z. Boxhorn, entre outros.
DEPOIS DE GOVERNAR A PARAÍBA, HERCKMANS
VIVE NOVA AVENTURA, DESSA VEZ NO CHILE
Humanista culto, de espírito investigativo e aventureiro, gozando de certa nomeada,
à época, como poeta/dramaturgo, Herckmans veio da Holanda para Recife em fins de
1935, integrando o Alto Conselho Político da Companhia Privilegiada das Índias
Ocidentais. Como terceiro governador da Capitania paraibana, substituiu, a partir de
fins de 1636, o destemperado diretor Ippo Eysens, morto em emboscada na Várzea
paraibana pelo grupo de Rebelinho, em outubro desse ano. Ex-dirigente da Capitania de
Itamaracá, Herckmans responsabilizou-se também pelo governo do Rio Grande do
Norte.
Embora fosse na Holanda um dos escritores que compunham suas obras em
vernáculo, à diferença de Barlaeus e outros, que preferiam o latim, Herckmans
demonstrava facilidade em aprender línguas. Provas disto: a) chegou a comunicar-se
bem, em português, no Brasil; b) deixou glossários em línguas indígenas do Nordeste e
dos mapuches ou araucanos do Chile; e c) nas imediações da ilha de Chiloé e das ruínas
de Valdívia, pôde até entender os palavrões que, em castelhano, os inimigos espanhóis
dirigiam a seus soldados...
20 22
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Foi, Sim, o Terceiro — Não pairam mais dúvidas sobre se Herckmans foi o segundo
(como muitos achavam) ou o terceiro governador holandês da Paraíba. Foi o terceiro —
e isto ficou estabelecido em definitivo por um dos maiores especialistas em História
Colonial do Brasil, o médico, historiador e acadêmico Guilherme Gomes da Silveira
d’Avila Lins. Quando Guilherme lançou um novo livro seu, Governantes da Paraíba,
defendi sua inclusão na Coleção Paraibana ante o Conselho Estadual de Cultura. Isso
porque se trata de obra a dirimir de vez por todas a confusão que se veio formando,
através dos séculos, em torno da definição da lista dos governadores (capitães-mores et
alii) da Paraíba, no período colonial — vale dizer, entre meados da década de 1580 e a
chegada da Família Real ao Brasil, em 1808.
Herckmans foi, sim, o terceiro governador neerlandês da Capitania paraibana, de
uma lista de uns dez — rol que inclui, entre outros, o Dr. Servaes Carpentier; Ippo
Eysens [aquele assassinado pelo capitão Rabellinho e sua gente]; o próprio Elias
Herckmans [de antes de 26 de novembro de 1636 até antes de 1º. de julho de 1639]; o
Dr. Sebastiaen van Hoogeveen [nomeado diretor da Capitania da Paraíba na primeira
semana de dezembro de 1638, mas que não chegou a tomar posse, por haver falecido a
27 de fevereiro de 1639]; o Dr. Daniel Alberti; Paulus de Linge [governador por duas
vezes, aproximadamente de fins de 1640 até meados de 1642 e, depois, de junho de
1645 até fins de 1646]; o Dr. Gijsbert de With; o tenente-coronel Jacob Stachhouwer; e
o coronel Guillaume de Houtain.
Herckmans entre os Grandes — Herckmans, em grau menor, mas sempre
integrando aquela plêiade de espíritos de escol constituída por João Maurício de
Nassau-Siegen, Barlaeus, Piso, Marcgrave, Post, Eckout e muitos outros, continua e
continuará a ser estudado pelos tempos afora, vez que sempre haverá interesse por
novos aspectos e novéis ângulos de visão sobre o autêntico fenômeno que foi a Nova
Holanda na Terra Brasilis.
Muitíssimos bons historiadores, seja entre nós, seja no Exterior, já se debruçaram
sobre o inesgotável material relativo à presença dos holandeses no Brasil. Fiz questão
de citá-los devidamente, a todos, quando redigia o livro sobre Herckmans — aquele
egresso de Amsterdam que se imortalizou não apenas por sua Descrição geral da
Capitania da Paraíba, mas, também, por muitos outros feitos de monta, nos diferentes
campos alcançados por sua versatilidade, bem característica do Zeitgeist que presidia o
Gouden Eeuw, o Século de Ouro dos Países-Baixos.
Homenagem aos Maiores — Escrevendo sobre Herckmans, sobre Barlaeus e sobre
outros holandeses de gênio que enriqueceram a Cultura brasileira e universal (sem
jamais pretendermos “redescobrir a roda” em temas tão exaustivamente investigados na
Holanda e em várias partes do Globo), não podemos esquecer o nome dos espíritos de
escol que deixaram ou continuam deixando sua rica contribuição a esses estudos.
É o caso de especialistas do naipe de Varnhagen, van den Branden, Geysbeek, K. ter
Laan, Laet, Wätjen, Capistrano, o Barão de Studart, Francisco Lisboa, Gonsalves de
Mello, van den Boogaart, Wiznitzer, Morisot, Baro, Moreau, Nieuhof, Netscher, Blonk,
Hélio Viana, Alfredo de Carvalho, Câmara Cascudo, Irineu Pinto, Coriolano de
21 23
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Medeiros, Honório Rodrigues, Leite Cordeiro, Pereira da Costa, Paulo Herkenhoff,
Francisco Moonen, Costa Porto, Gino Doria, Pérez Oramas, Pedro e Beatriz Corrêa do
Lago, Leonardo Dantas, Max Justo, Mota Menezes, Joaquim Cardozo, Ronald
Raminelli, Cândido Mendes, Souza Leão Filho, Lima Sobrinho, Ulysses Pernambucano,
Nachman Falbel, David Freedberg, Amaral Júnior, Cleonir de Albuquerque, Cláudio
Moreira Bento, van Basselaar, Bouman, Boxer, Teodoro Sampaio, Olavo de Medeiros
Filho e, last, not least, o grande Evaldo Cabral de Mello.
Em meus despretensiosos livros sobre Herckmans & Barlaeus, quase prontos para
irem ao prelo, agradeço a uma lista de pessoas e instituições da Paraíba, do Brasil e de
outros países que me ajudaram a dar conta da pesada tarefa. Mas, desde já, sublinho
aqui agradecimentos especiais a dois historiadores: Guilherme d’Avila Lins, que, entre
outras generosidades, me emprestou magnífica edição da principal obra de Barlaeus
[Rerum per octennium in Brasilia]; e b) José Octávio de Arruda Mello, que me pôs à
disposição o já citado volume com a Historiografia & bibliografia de Honório
Rodrigues sobre o domínio holandês no Nordeste brasileiro.
Herckmans Sertanista — Outro manuscrito, de autoria do já então ex-governador
paraibano Herckmans, demonstra novamente que ele não era “homem de ficar parado”.
Provavelmente para realçar sua dedicação à República neerlandesa, chefiou por dois
meses, em 1641, a partir do Recife, a expedição através da Paraíba, Rio Grande do
Norte e Piauí, na fracassada busca de metais preciosos. O relato dessa aventura chegaria
às mãos de Barlaeus, certamente enviado, já de Haia, por Nassau, tendo como
intermediário o poeta Franciscus Plante (1613-1690), capelão de Maurício e autor, em
1647, da obra Mauritias [Mauricíada, em louvor do conde]. Significativamente, essa
obra de Plante saiu em Amsterdam, e não em Haia, onde residia João Maurício. Foi
publicada no mesmo ano em que saíra a lume a magnífica História do Brasil Holandês
[Rerum per Octennium in Brasilia] produzida por Barlaeus a pedido do conde (depois
príncipe).
Prova de que os dois trabalhos se relacion(av)am é que muitas das ilustrações de uma
constam da outra. Plante faria também, em 1648, a oração fúnebre e o epitáfio de
Barlaeus e publicados em Rotterdam sob o título de In obitum viri clarissimi Casparis
Barlaei, Professoris in Illustri Amstelodamensium Gymnasio celeberrimi Poëtarum
hujus seculi principis, Epicedium Francisci Plante, Rotterdami, Typis Joannis Naerani,
Anno Domini 1648.
Melhores Fontes — Aliás, a obra encomendada a Barlaeus pelo ex-administrador do
Nordeste holandês, João Maurício, integrava a estratégia deste para obter da Casa da
Orange sua indicação como supervisor (general) das operações militares na própria
Holanda. Em sua Rerum per octennium in Brasilia, Barlaeus transcreveu integralmente
esse documento herckmaniano, sobre a malograda incursão em busca de riquezas no
interior da Paraíba e de outras Capitanias. O livro de Barlaeus e a Generale
beschrijvinge de Herckmans são as melhores fontes holandesas para o entendimento da
Paraíba desses recuados tempos.
22 24
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Ainda não me convenci de que, nos contatos com Barlaeus, não se tenha valido
Nassau, além de Plante, dos bons préstimos de seu secretário pessoal, o judeu-lisboetaholandês Gaspar Dias Ferreira, escabino em Olinda, vicaris-generaal na Paraíba e que o
acompanhara no regresso de Pernambuco à Holanda — com direito a um bivaque na
Paraíba.
Aventura Chilena — No governo paraibano, Herckmans deveria ser sucedido por
Sebastiaen van Hoogeveen, realmente nomeado para o cargo. Mas Sebastiaen adoeceu e
não pôde assumir, falecendo em inícios de 1639. O substituto de Herckmans, assim, foi
Daniel Alberti. Depois de governar Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de
realizar a “entrada” aos sertões, Herckmans acompanharia o famoso navegador patrício
Hendrik Brouwer (1581-1643) em nova aventura: a tentativa, entre 1642 e 1643, de
tomar da Espanha a região próxima a Valdívia (Chile), apossando-se primeiro da ilha de
Chiloé. Sobre isto, dispomos de alentados textos, em vários idiomas.
São relatos inicialmente escritos em holandês do século XVII e depois traduzidos
sucessivamente para o inglês (em que chega a ser citado como Herkeman, Gerkman e
até Anquermans!), para o espanhol e outros idiomas. Tais textos, referentes à tentativa
holandesa de apoderar-se dos redutos hispânicos no sul do Pacífico americano (era
preciso atacar o inimigo espanhol onde quer que acumulasse riquezas!), foram
transcritos em inúmeras obras, que tivemos a felicidade de compulsar, uma a uma, em
suas línguas originais.
Cadáver Incendiado — A esquadra de Brouwer/Herckmans partira de Recife e
Nassau ajudara a aprestá-la. Brouwer já era então bem conhecido explorador, almirante
e administrador colonial na área de atuação da Companhia (também holandesa) das
Índias Orientais. Para a aventura chilena, uniu-se esta à Companhia das Índias
Ocidentais. Depois de muito pelejar em águas e terras do Chile, com seus comandados,
Brouwer faleceu a 7 de agosto de 1643. E quem o substituiu nesse empreendimento
guerreiro foi o próprio kapitein Herckmans, seu imediato ou vice-almirante, que passou
ipso facto a general, a almirante. Por várias razões, a viagem chilena fracassou, do ponto
de vista militar da Companhia holandesa. Mas representou, como depois se viu,
notáveis ganhos para o Conhecimento, notadamente na Geografia, Cartografia e
Etnografia. E a incursão de Brouwer/Herckmans obrigou os espanhóis a gastarem muito
dinheiro na fortificação de seus redutos chilenos.
Ao regressar a Pernambuco, em inícios de 1644, Herckmans foi responsabilizado
pelo fracasso no Chile. E, ao que se diz, sua morte, naquele ano, livrou-o de um
conselho de guerra. Sepultado em Recife, seus restos mortais tiveram melhor sorte que
os de Brouwer — cujo cadáver foi retirado do túmulo, nas proximidades de Valdívia,
pelos irados espanhóis, e queimado até que dos ossos restassem apenas cinzas. E, para
Vocês verem como se pode fazer História fajuta, há um livro em espanhol que diz:
Herckmans e seus comandados foram... decapitados na Inglaterra!
REMBRANDT, MAIOR PINTOR HOLANDÊS,
ILUSTROU UMA OBRA DE HERCKMANS
23 25
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Se Herckmans não tivesse se notabilizado por sua Descrição geral da Capitania da
Paraíba, por outras realizações intelectuais e por suas aventuras em Moscóvia, no
Nordeste brasileiro e nas costas chilenas, nem assim deixaria jamais de ser
frequentemente citado em obras já surgidas e a surgirem ao redor do Mundo. Isto
porque não só consta de praticamente todos os dicionários biográficos holandeses, como
teve a sorte de seu Elogio da navegação haver sido um dos poucos livros, na História, a
contar com uma ilustração de ninguém menos que Rembrandt. De fato, o grande
Rembrandt ilustrou apenas seis livros. Mas Der Zee-vaert lof exibe à página 97 bela
gravura in folio assinada pelo artista nascido em Leiden e datada de 1633.
Os exemplares remanescentes dessa raridade bibliográfica são de há muito
disputados a peso de ouro por antiquários, justamente por causa da presença do
rembrantesco desenho, intitulado “A nave da fortuna”. Apenas uma das 18 gravuras é
de Rembrandt; as demais são de outro artista, não tão célebre, Willem Basse. E há esta
ironia na História: apesar de contar com um livro ilustrado por Rembrandt, Herckmans
nunca teve um retrato pintado, ou por Rembrandt ou por qualquer outro artista, ao que
se saiba (não se conhecem retratos seus); em contrapartida, abundam retratos de
Barlaeus — bem mais conhecido, mas que nunca teve qualquer de seus numerosos
livros ilustrado por Rembrandt...
Manassés ben Israel — A pergunta sempre foi: como Herckmans convenceu o
grande Rembrandt a ilustrar seu livro? Minhas modestas pesquisas apontam numa
direção (e me mostrem o erro os que mais souberem): Herckmans, como Rembrandt,
era muito amigo do notável rabino, escritor, impressor, editor e diplomata luso-judeu
Manasheh ben Yossef ben Yisrael — isto é, Manoel Dias Soeiro, vale dizer Manassés
ben Israel (1604–1657), que instalou a primeira tipografia hebraica em Amsterdam. De
família expulsa de Portugal pela Inquisição, ben Israel era também amicíssimo de
Barlaeus e de outros expoentes da época, como Vossius, Grotius, Vondel e Huygens.
Manassés chegou a ser cogitado para rabino da Kahal Zur Israel [= Congregação
Rochedo de Israel], a primeira sinagoga das Américas, sediada em Recife, cidade que
visitou no período nassoviano. Aí certamente entendeu-se com o já citado judeu lisboeta
Gaspar Dias Ferreira. Este, secretário de Nassau (a quem chamava “meu senhor, amparo
e protetor”), viera pobre de Portugal e chegou a ser muito influente, como uma espécie
de conselheiro do conde. Foi vicaris-generaal na Paraíba, escabino em Olinda/Recife e
dono de engenhos no Nordeste holandês. E não se pode esquecer: Rembrandt ilustrou
um dos livros de ben Israel com quatro estampas ou águas-fortes.
24 26
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Trinta Mil Dólares — No longo poema marítimo de Herckmans, a viagem de
Colombo é descrita em detalhes. É nas partes IV e V que Herckmans apresenta os feitos
dos holandeses nas Índias Orientais e Ocidentais, inclusive no Brasil. A obra haver
saído em “seis tomos” não significa que preencha mais de um volume: trata-se de um
livro só, em seis partes, com 184 páginas e notas históricas. Se Você realmente quer ter
um exemplar dessa obra de Herckmans em sua estante, deve verificar se lhe sobram uns
US$ 30 mil e adquiri-la via Internet, no Antiquariaat het Bisschopshof... Deve estar,
como se diz, “dentro do preço de mercado”. Basta dizer que, em 1999, a famosa casa de
leilões Christie’s, de Londres, que só apregoa autênticas raridades, colocou à venda
precioso lote, encabeçado justamente por um exemplar de Der Zee-vaert Lof.
Referindo-se à inclusão da gravura de Rembrandt, Borba de Moraes reconhece que
ela valorizou em muito o livro-poema de Herckmans, além de se tratar de obra
raríssima. Exemplares remanescentes podem ser encontrados no Rijkmuseum de
Amsterdam, no Brasil e em bibliotecas de raridades da Europa e dos EUA.
Numa publicação preliminar deste material, incluímos cinco ilustrações que, por sua
própria natureza, não mereceram simples legendas, mas necessitaram de textos-legendas
para serem perfeitamente compreendidas em seu valor intríseco. Á guisa de observação
complementar, apresentamos, a seguir, esses textos-legendas completos:
LEGENDA DA FOTO 1
ELIAS HERCKMANS (ILYÁ GHERKMAN, EM RUSSO) — Esta é a capa da
obra Khroniki Smútnogo Vryemeni [= “Crônicas dos Tempos dos Distúrbios”], um dos
vários livros russos que, escritos nos séculos XIX, XX e XXI, analisam o Relato
Histórico de Ilyá Gherkman (“nosso” Elias Herckmans) sobre os Smútnoye Vryêmya
ou Tempo das Conflagrações na Rússia da sangrenta transição entre as dinastias dos
Rurik e dos Romanov.
LEGENDA DA FOTO 2
O RELATO HISTÓRICO DE HERCKMANS EM HOLANDÊS DE INÍCIOS DO
SÉCULO XVII — Esta é a primeira página do importante documento legado por
Herckmans à Historiografia mundial. Foi escrito em neerlandês de começos do século
XVII e se intitula Historisch verhael van de voornaemste beroerten des Keyserrycks van
Moscovien, ontstaen door den Tsareewyts Knaes Demetrius Ivanowyts, die men seyde
hem valschelick uytegegeven te hebben voor den Tsareewyts ofte Keyserssoon des
Heeren Ivani Vaciliwytsi [= Relato histórico dos distúrbios provocados no Principado
de Moscóvia em virtude da ação do príncipe Dmitry Ivanovitch, falsamente acusado de
fazer-se passar pelo filho do tzar Ivan Vasilievitch].
LEGENDA DA FOTO 3
EM RUSSO & EM LATIM O VALIOSO DOCUMENTO DE HERCKMANS
SOBRE A HISTÓRIA DA RÚSSIA — Foi apenas entre 1851 e 1868 que se
publicaram, em São Petersburgo, as traduções latina e russa do Relato Histórico de
25 27
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Herckmans sobre os distúrbios ocorridos no Principado da Moscóvia durante os
Tempos das Aflições vividos pelos russos e envolvendo invasões de poloneses, lituanos
e suecos. Além disso, surgiram um tsar-tampão, Borís Godunov, e dois falsos Dmitrys,
aspirantes ao trono da Rússia. Acima, a página principal do Skazányia Inostrannykhy
Pisatelyey o Rossiy, izdanniya Arkheografitcheskogo Kommissiyeyu, Tom' II, Izvestiya
Gollandtsev' Isaaka Massy i Il'i Gherkmanna [Relatos de escritores estrangeiros sobre a
Rússia, editados pela Comissão Arqueográfica, Tomo 2, Descrições feitas pelos
holandeses Isaac Massa e Elias Herckmans]. Ainda se usa a antiga ortografia cirílica
pré-Revolução Comunista, com o emprego de letras só tornadas obsoletas com as
reformas ortográficas de 1918.
LEGENDA DA FOTO 4
A VERSÃO EM LATIM DO MESMO DOCUMENTO DE HERCKMANS — O
frontispício do segundo volume, em latim, da obra Rerum Rossicarum Scriptores Exteri,
a Collegio Archeographico editi, Tomus II, Isaaci Massae et Eliae Herkmanni,
batavorum, narrationes [Escritores Estrangeiros sobre a História Russa, editada pelo
Colégio Arqueográfico, Tomo II, Relatos dos batavos Isaak Massa e Elias Herckmans].
LEGENDA DA FOTO 5
RARA GRAVURA DO CÉLEBRE REMBRANDT ILUSTROU LIVRO DO
FUTURO GOVERNADOR DA PARAÍBA — Apenas seis livros foram ilustrados
por gravuras do grande artista holandês Rembrandt — e uma dessas estampas, “A
Nave da Fortuna”, saiu em 1634 no Elogio da Navegação, de autoria de Elias
Herckmans, que logo depois governaria da Paraíba por três anos. Exemplares
remanescentes dessa obra são hoje disputados, a peso de ouro, por antiquários e
colecionadores internacionais.
26 28
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Adauto Ramos*
O incidente da “Ilha”
Coronel Claudino do Rêgo Barros
Corria o ano de 1882; aqui na Parahyba era presidente da província o Dr.
Manoel Ventura de Barros Leite Sampaio, e o chefe de polícia era o Dr. Gonçalo Paes
de Azevedo Faro.
Estava em construção a via férrea “Conde d’Eu”, partindo da capital para o
interior, sob a direção do engenheiro Pacífico Pedroso Barreto. Afirma construtora era
inglesa. O comendador Silvino Elvídio Carneiro da Cunha (futuro Barão do Abiaí) era
uma das personagens envolvidas na construção do caminho de ferro. Na época era um
dos deputados o Dr. José Joaquim de Sá e Benevides, na 24ª legislatura. “Ilha” é um
lugar do antigo distrito de Cruz do Espírito Santo, termo da capital, que na época era
propriedade do coronel Claudino do Rego Barros, senhor dos engenhos Santos Reis e
Espírito Santo. O coronel era uma pessoa altamente respeitada na várzea do Paraíba
juntamente com seus parentes. Casado com D. Josefa Antonieta de Vasconcelos Barros,
filha do Barão de Maraú (minha tia Trisavó materna, sendo ele, coronel Claudino, meu
tio bisavô paterno).
Os terrenos por onde iria passar a estrada de ferro, na várzea do Paraíba eram
indenizados nem sempre pelo que valia. O traçado da via férrea passava pelo lugar
“Ilha” e o coronel Claudino recebeu uma “parca indenização”. Ali, no lugar Ilha foi
construída uma ponte, que depois de pronta “desapareceu”. A construtora mudou o
percurso da ferrovia e prometeu indenizar o novo terreno a ser usado.
Depois, de conchavos, resolveu não mais indenizar, afirmando que o coronel
Claudino já havia sido indenizado. Criou-se um impasse.
*Sócio Efetivo do IHGP
27 29
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Guardadas nos alfarrábios de minha família encontrei duas folhas de papel
impresso proveniente de um “Anais da Assembléia legislativa” do ano de 1882, está o
relato do impasse da Ilha, fato passado a 130 anos e que aqui transcrevo.
“Discurso pronunciado pelo Sr. Sá e Benevides, na assembléia
legislativa provincial, em a 1ª sessão ordinária de 7 de outubro próximo
findo”
O Sr. Benevides: - Sr. Presidente, vou ter a honra de submeter à douta
consideração da casa um requerimento vindo informações ao Exm, presidente à cerca
das providências que dera para reprimir o grave atentado, que sofreu o distinto coronel
Claudino do Rego Barros, cometido pelo chefe de polícia, que acompanhado de uma
força pública de mais de 70 praças, foi auxiliar aos empreiteiros da via férrea “Conde
d´Eu” no esbulho de parte da propriedade daquele prestimoso cidadão.
Sr. Presidente: - Atravessam uma crise horrível, os nossos concidadãos, e extorcem sob
o látego das violências policiais do Sr. Dr. Faro, e é preciso que esta ilustre corporação,
filha primogênita de eleição direta, reaja contra os desmando.
Os brios da província estão abatidos, as nossas leis conculcadas e a
administração entregue ao comendador Silvino, que a tem explorado, não em benefício
do partido conservador aliás tão necessário e legítimo no sistema de governo que nos
_________ como partido liberal; mas em prol duma companhia estrangeira. Devemos
pois erguer os brios da nossa cara Parahyba, e esforçamos quando estiver a nosso
alcance dentro da esfera de nossas atribuições, para que se restabeleça o império da lei.
Srs., desde que chegou a esta província o Sr. Dr. Faro, que eu tive logo sérias
apreensões. O seu regulamento a cerca de amas de leite e outros despropósitos de sua
produção convencera-me de que tínhamos na administração da polícia um homem sem
critério, mas confiava no Sr. Dr. Ventura, de quem tive a princípio as melhores
informações, e com quem o Dr. Faro era obrigado a marchar de acordo, e a não fazer
por conseguinte tudo quanto quisesse. Entretanto bem cedo desvaneceu-se a minha
confiança, quando soube que o Dr. Ventura dirigindo um brinde ao comendador Silvino,
declarou que havia seguir as pegadas de sua administração.
Quando recebi esta notícia, confesso, fiquei incomodado, tive até calafrios, e
caindo em uma espécie de êxtase, vi reproduzirem-se ante os meus olhos
acontecimentos e fatos, de que ainda hoje me recordo com horror; vi por exemplo o
esbanjamento sem nome dos dinheiros públicos, vi a criação de impostos cerebrinos, vi
a província confragada, e depois invadida por uma horda de vândalos, que se
denominava batalhão 14, vi recrutamento em massa, cidadãos encoletados em couro crú,
casas incendiadas, atentados a propriedade e ao pudor das famílias cometidas
impunimente por soldados desenfreados.
E, Srs, fiquei realmente triste, mas saindo daquele estado tranquilizei-me um
pouco, refletindo do que não era possível reproduzir-se tão horríveis cenas em uma
situação liberal, mesmo porque cada fato, cada acontecimento tem sua época natural.
Entretanto com pesar o digo tenho visto de certo tempo para cá desperdícios de dinheiro
público e um rosário de violências e atentados contra liberdade e propriedade de nossos
concidadãos, que não posso deixar de censurar, censura com energia. Nesta ocasião, Sr.,
eu devo dar um público testemunho do meu agradecimento ao “Conservador” que tem
profilgado certos altos dignos de censura, já que os jornais liberais por
condescendências partidárias, e o “Jornal da Parahyba” por motivos compadresco não o
tem feito.
O Sr. F________ - Não apoiado.
O Sr. Benevides – Sr. Presidente, depois destas considerações eu devo passar a matéria
de meu requerimento, que é o seguinte: (vê)
28 30
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 V. Exc. Que não são somente exbulhados policiamento de suas propriedades os
pequenos proprietários, hoje trata-se de um cidadão muito distinto e responsável que
sofreu o mais violento ataque em seus direitos, de uma companhia estrangeira auxiliada
pelo chefe de polícia a frente de mais de 70 praças.
À prudência deste cidadão prestimoso devemos o não ter havido derramamento de
sangue paraibano.
É incontestável que as questões de posse e indenização pertencem ao poder
judiciário, e que a polícia não deve intervir em tais questões. Portanto, se a companhia
“Conde d´Eu” se julgava prejudicada, recorresse ao Poder judiciário, a quem somente
competeria requisitar força para manter os seus decretos no caso de que não fosse
respeitados.
Diz-se, porém, que o chefe de polícia foi a “Ilha” afim de evitar conflitos. Eu não
aceito esta evasiva. Concedido mesmo que o Dr. Faro duvidasse do caráter pacífico do
coronel Claudino, e de seus precedentes ordeiros, e por este motivo se resolvesse a ir
com aquela força ao lugar da questão, neste caso devia se limitar a manter a ordem; mas
ele arvorou-se em juiz, interpretou contrato, decidiu a favor da companhia, mandou que
os empreiteiros continuasse o trabalho, deu ordem a que a força fizesse carga de armas
de baioneta calada sobre o coronel Claudino e seus companheiros, à quem prendera e
conservava debaixo de prisão até que os empreiteiros efetuassem o esbulho. Disse
também, Sr. Presidente, que o coronel Claudino não tinha o direito à indenização. Mas
V. Exc. Sabe perfeitamente que o chefe de polícia não é competente para conhecer
destas questões, e eu vou mostrar que o Coronel tem direito a ser indenizado com a
opinião do próprio comendador Silvino, advogado da via-férrea, e que combina os
interesses de advogado da companhia e do comércio com os do cargos de inspetor da
alfandega e procede sempre com a máxima isenção de espírito! Levei uma carta do
comendador que peço permissão para ser publicada com o meu discurso. Já se vê pois
que o próprio advogado da companhia que em carta dirigida ao coronel Claudino
reconhecia o seu direito a indenização. É verdade que ele reformou depois esta opinião
por ter opinado de modo contrário________ presidente da província e o chefe de
polícia.
Admira, Srs, a inconveniência e leviandade dos Srs. Drs. Ventura e Faro
pronunciando-se sobre a questão, que pertencem ao Poder judiciário, a ponto de obrigar
ao advogado da estrada de ferro a mudar de opinião. Eu vou ler sobre este pronto uma
outra carta do comendador Silvino. (lê).
Devo porém fazer uma retificação. Conheço o Dr. João Cavalcanti à vinte ________ e
_________ e o considero incapaz de dar opinião ________ sobre negócio, que tem de
ser submetido seu conhecimento jurisdicional. Não quero dizer com isto que o
comendador Silvino tenha faltado a verdade. Costumo respeitar à todos. Mas digo que
_______ engano da parte do comendador; _______ que o muito digno Dr. João
Cavalcante __________ magistrado circunspecto, sabe guardar as conveniências e não
podia manifestar-se sobre uma questão, que tinha de conhecer, como Juiz. Aqui tenho
também a resposta dada pelo coronel Claudino ao comendador Silvino. Deixo de ler esta
peça para não cansar a paciência da casa; nas requeiro que seja publicada com o meu
discurso.
Também submeto à apreciação da casa um auto de declaração feito três dias
depois do fato pelo chefe de polícia e remetida ao coronel Claudino para assinar.
Esta peça serve para provar que o coronel Claudino e seus companheiros se achavam
_________ no lugar da questão; mas não deve ser acreditada quanto ao mais; porque o
chefe de polícia falta cinicamente a verdade em de justificar o seu procedimento.
Srs. Fiquei surpreendido quando de viajem para esta cidade tive notícia de que o coronel
Claudino tinha sido vítima de um atentado, não por que não julgasse o chefe de polícia
29 31
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 capaz de cousa piores; mas por causa da importância da pessoa ofendida. Peço ainda a
pouco tempo tendo uma pobre viúva do distrito de Mulungú se destacado de um esbulho
que sofrera dos empreiteiros da via-férrea, que apossara-se de parte de sua propriedade
sem indenizá-la __________ previamente, mandou o Dr. Faro uma força para retornar
o termo, e trazer presos a pobre viúva e seu procurador. A não ser a ponderação e
prudência do digno comandante ____________ a força, teria esta cidade presenciado o
triste espetáculo de ver entrar presa uma pobre velha para satisfazer-se aos intuito
______________ exploratórios dos empreiteiros da via-férrea, ou então se teria dado um
conflito muito ________; porque o povo ficou indignado ao saber da ordem iníqua do
chefe de polícia. Sr. Presidente, eu pretendo discutir melhor esta matéria quando vierem
as inflamações que peço; entretanto deve prevenir desde já ________ as providências,
que o caso exige, ou citarei de meus colegas que representam _______ no governo
imperial, não só contra o chefe de polícia; mas também contra o pra...
Requerimento 6.10.82
Requeiro que se repasse ao Exmo. Presidente da província as seguintes
informações:
Primeiro: - Se S. Exe. está inteirado de que o chefe da polícia Gonçalo Paes Azevedo
Faro à frente de mais de 70 praças do corpo de polícia e da ________ de linha, fora no
dia _______ do corrente mês no lugar “Ilha” do engenho Espírito Santo auxiliar aos
empreiteiros da estrada de ferro “Conde d´Eu” no esbulho de parte da propriedade do
coronel Claudino do Rego Barros, tendo para este mandado carregar a baioneta calada
contra o mesmo coronel Claudino, Dr. Balthar, capitão Edmundo e mais companheiros
que tinham vindo em defesa de sua propriedade, e tendo além disso prendido os ditos
cidadãos e soltado depois de consequente esbulho.
Segundo – No caso afirmativo que providência tem dado. S. Exc. para reprimir tão
grave atentado.
6 de outubro de 1882. Benevides
______________x_________________x__________________
Parahyba, 18 de setembro
Claudino
O desastre da ponta da Ilha abriga a companhia a fazer uma pequena alteração
daquele ponto para Espírito Santo. E não podendo demorar-se um momento neste
serviço, peço-lhe licença, para que a companhia possa sem demora, fazer os necessários
estudos da alteração, sendo você indenizado de semelhante mudança. Ao depois da
manhã, vinte do corrente aí tocarei com o chefe, para tratarmos do assunto. Espero que
não criar-mos-a qualquer embaraço e amanhã mesmo enceta-se o trabalho. Como
sempre amigo velho e obrigado.
Silvino da Cunha
Parahyba, 28 de setembro
Claudino
Entendendo-me com o presidente de província, Dr. Chefe de polícia e Dr. Juiz de
direito, aos quais apresentei o recibo da desapropriação do Espírito Santo, todos
declararam-me que V. não tem direito a nova indenização, o que coincide com as suas
30 32
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 primeiras palavras em nossa conferência, isto é, que não precisa outra desapropriação,
exigindo apenas V. o dano causado.
Não tinha conhecimento pessoal do recibo de desapropriação, que foi passado
para João Guimarães, como sabe, e de sua própria letra; mas penso agora do mesmo
modo, em vista do recibo, que não há necessidade de nova desapropriação.
Entretanto, os sentimentos da companhia são de tal benevolência para todos os
proprietários que mantinha a minha proposta amigável_______ participo-lhe que os
trabalhos da estrada vão iniciar-se no desvio, aguardando sua resposta ________.
Sou com particular estima.
Amigo velho e obrigado.
Silvino da Cunha
_________________x__________________x____________
Engenho SS. Reis, 1º de novembro de 1882
Silvino
Recebi sua carta a que respondo. – Diz-me que, tendo mostrado o recibo de
desapropriação ao presidente da província e Dr. Chefe de polícia e juiz de direito, estes
lhe declararam que eu não tinha direito à nova desapropriação com o novo curso, que se
pretende dar à estrada “Conde d´Eu”, embora ficasse com os terrenos, já
desapropriados, inutilizados com as escavações feitas.
Devo dizer-lhe que faço justiça ao caráter, critério e conhecimentos jurídicos
desses cavalheiros, e não posso crer que eles se externecem por semelhante modo,
principalmente o último, a quem conheço de perto, a menos que mui propositalmente se
lhes haja ocultado certas circunstâncias. Fiz o contrato de desapropriação com os Srs.
Empreiteiros, atendendo o traçado (que agora se quer mudar) pelos terrenos já
inutilizados com as escavações feitas, pelos quais passa a dita estrada em adiantado
estado de construção, e neste sentido recebi uma parca indenização.
Não tenho culpa que a ponte construída no percurso do terreno desapropriado por onde
passa a estrada conforme contrato celebrado, tenha desaparecido por mal feita, ou pela
natureza do terreno.
Se os Srs. empreiteiros querem dar agora nova direção à estrada por terreno, que
me causam, não pequenos prejuízos, desprezando os trabalhos concluídos nos terrenos
cedidos, em virtude do surpreendente desaparecimento da ponte, indenizem-me.
Circulam boatos que os Ss. empreiteiros traindo a fé dos contratos, vão dar começo aos
trabalhos nos terrenos do novo traçado, que pretendiam dar a estrada, o que me é
confirmado por V. em sua carta, autorizados, segundo propalam, pelo presidente da
província e Dr. Chefe de polícia, sobre o que, tenho dúvida! Consta-me que incitados
por alguém que não V. alicião o maior número de trabalhadores para semelhante fim,
recomendando-lhes que compareçam armados afim de resistirem por mais força bruta a
defesa do meu sagrado direito de propriedade, pretendendo, assim realizar a usurpação
de meus terrenos.
Querem-me a uma posição, a que já velho e cansado, nunca pensei de chegar.
Pois bem: estou disposto a defender palmo a palmo e até o último ponto o produto de
meus trabalhos e fadigas quaisquer sejam as consequências, que resultarem da
imprudente agressão, que se quer à força pôr em jogo e prática contra mim, que mercê
de Deus nunca dei motivos de violento e falta de bom senso.
Lá me encontraram, donde serei conduzido para cadeia, segundo se propala, por
ordem do presidente da província e chefe de polícia ao que lhes prometeram assim
31 33
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 faculto, se por ventura opusesse eu a menor defesa, e comigo talvez os amigos que me
acompanham, ou então cairei vítima de algum dos celerados trabalhadores aliciados.
No primeiro caso defender-me-ei, e no segundo, cumpre-me dizer-lhe que tenho uma
família que promoverá o castigo e dos responsáveis. Seu amigo, criado e obrigado.
Claudino do Rego Barros
Ata
Aos dois dias do mês de outubro de mil oitocentos e dois, no lugar denominado
“Ilha”, do distrito da Cruz do Espírito Santo, termo desta capital, onde se achava
presente o Dr. Chefe de polícia da província, Gonçalo Paes de Azevedo Faro, comigo
amanuense abaixo declarado, e para onde se havia dirigido da capital, afim de evitar
eminentes conflitos e crimes que esperava dar-se entre os empreiteiros da via férrea
“Conde d´Eu” e o proprietário dos engenhos Reis e Espírito Santo, coronel Claudino do
Rego Barros, que acompanhado do irmão, genro, sobrinhos, amigos e grande número de
foreiros dos seus engenhos procuravam todos obstar, que continuassem os trabalhos da
estrada de ferro “Conde d´Eu”, por não ter sido mesmo proprietário indenizado dos
prejuízos que dizia ter de sofrer em sua propriedade com o novo percurso que ia tomar a
referida via-férrea; e depois do Dr. Chefe de polícia tomar providências e medidas em
ordem à prosseguirem as respectivos trabalhos, sem que nenhum incidente desagradável
desse-se entre os contendores, compareceu à presença do Dr. Chefe de polícia o
engenheiro civil, Dr. Proprício Pedroso Barreto e em presença de diversos cidadãos, a
saber: Capitão Luiz Maurício da Gama, o subdelegado deste distrito, engenheiro
Antônio Gonçalves da Justa Araújo, Dr. Antônio Ferreira Balthar Filho, tenentes
Paulino Viana, Cycero Paulino de Figueiredo, Raymundo Gomes de Sousa, Alípio
Ferreira Balthar, tenente do exército João Theodoro Pereira de Melo, capitão Edmundo
do Rego Barros e outros cidadãos que se achavam presentes ao ato fez sentir ao mesmo
Dr. Chefe de polícia que tornava responsável ao coronel Claudino do Rego Barros por
qualquer desacato e ofensa física que viesse a sofrer; pois que nenhum outro inimigo
tinha.
O coronel Claudino do Rego Barros retorquindo asseverou ao Dr. Chefe de
polícia e à todas as pessoas ali presentes que nenhum desacato ou ofensa sofria o
referido engenheiro Proprício Barreto, pois que ele coronel e todos os membros de sua
família sempre foram tidos e havidos e geralmente reconhecidos por homens mansos
_______ e respeitadores de seus _______ e se ali estava acompanhado de amigos
______ e moradores de seus engenhos ______ o intuito de, pelos meios que julgasse
________ defender o direito de propriedade que _______ as pessoas presentes acha-se
desarmado usando apenas de foices e enxadas, instrumentos agrários, acrescentando
finalmente que jamais ele coronel e seus parentes sujaram suas mãos em sangue
humano. E o Dr. Chefe de polícia para tudo constar mandou tomar por termo a
declaração do engenheiro Proprício Barreto e as que em seguida fizera o coronel
Claudino do Rego Barros, lavrando-se o presente termo, que eu Manoel Carlos de
Almeida e Albuquerque amanuense da secretaria de polícia, que segui em sua
companhia o escrevi, assinando o Dr. Chefe de polícia, engenheiro Proprício e o coronel
Claudino – também comigo amanuense. – Gonçalo de Faro”.
32 34
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 FELIPE TIAGO GOMES:
UM PARAIBANO QUE REVOLUCIONOU A EDUCAÇÃO DO BRASIL
Berilo Ramos Borba*
Nascido em Picuí, no Curimataú da Paraíba, Prof. Felipe Tiago Gomes, sem
possuir dinheiro ou poder político, realizou no Brasil o mais significativo movimento
educacional que se tem notícia, em todos os tempos. Sua obra não foi teórica. Ele pouco
escreveu. Sua contribuição para a educação nacional foi, eminentemente, prática.
1. OBRA REALIZADA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
Em mais de cinqüenta anos de luta e trabalho, ele implantou, no nosso país,
cerca de mil e trezentas escolas, incentivou a muitos, com o seu amor e idealismo sem
limites, a se dedicarem à causa da educação da juventude brasileira.
A instituição educacional por ele criada - a Campanha Nacional de Escolas da
Comunidade – CNEC é, no dizer da escritora Raquel de Queiroz: “uma das entidades
mais sérias deste país.” (1) Obra, eminentemente, filantrópica, reconhecida de utilidade
pública, a CNEC inspira-se na necessidade de tornar a educação nacional acessível a
todos os brasileiros, independentemente, da condição social e econômica que possuam.
A CNEC tem como uma de suas principais finalidade, conforme o seu Estatuto,
fundar e manter, com a participação da comunidade e a cooperação do poder público,
em todo o território nacional, escolas para os seus sócios e dependentes, bem como para
jovens desprovidos de recursos financeiros.
A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade não admite quaisquer
discriminações, sejam elas: religiosas, raciais, de gênero, sociais ou econômicas. Aceita,
quando ofertado, o apoio do poder público, mas busca na iniciativa particular, o apoio
primordial para suas realizações. É, sobretudo, na comunidade local, onde a CNEC
encontra a maior colaboração para a realização de sua grande obra educacional.
Criada, em 1943, em Recife, sob a denominação de “Campanha do Ginasiano
Pobre”, graças ao amor e ao idealismo sem limites do seu fundador e ao trabalho
cooperativo de milhares de homens e mulheres de boa vontade; aos sacrifícios e lutas
das comunidades locais; e à esporádica ajuda do poder público, a obra educacional de
Felipe Tiago Gomes tem, hoje, dimensão nacional.
A CNEC está presente em quase todos os Estados da Federação. Por suas
escolas, que abrigam desde a educação infantil até o ensino superior, já passaram mais
de dez milhões de brasileiros, na sua grande maioria, pobres, que sem esta obra
benemérita não teriam tido condições de estudar. Dezenas de milhares de professores se
dedicaram, ao longo do tempo e, ainda hoje, se entregam com entusiasmo,
desprendimento e idealismo a essa grande obra de inclusão social, que serve às
comunidades pobres das periferias urbanas e das pequenas cidades do interior do Brasil.
A característica mais inovadora da obra de Felipe Tiago Gomes é sua marca
comunitária. Sua principal contribuição para a educação nacional foi ter criado um
modelo brasileiro de escola, não copiado de experiências alienígenas, mas esculpido e
forjado nas necessidades, aspirações, valores culturais e caráter auctótone do povo
brasileiro. Sua pedagogia não nasceu da importação de sistemas educacionais.
Ela brotou da experiência e determinação do Fundador e foi alargada e refletida
na ação educacional diária de cada professor cenecista.
* Sócio efetivo do IHGP
33 35
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 A esse respeito, ouçamos o expressivo testemunho do Professor Raimundo
Nonato Fernandes, homem competente e experiente, caldeado na têmpera do
cenecismo:
”Muito mais que centenas de milhares de professores e educadores
que, na saga do FUNDADOR, fizeram do Cenecismo sua fé pedagógica,
mais de dez milhões de jovens brasileiros educados em suas mil e trezentas
escolas, a Campanha deu ao Brasil um MODELO BRASILEIRO DE
ESCOLA à altura de suas necessidades e de suas mais legítimas aspirações.
O pensamento educacional do FUNDADOR tinha, já naqueles
tempos da Rua da Aurora (lugar onde nasceu a CNEC, em Recife) toda a
força e riqueza dos desdobramentos dialéticos de um movimento sem
precedente na história da Educação Nacional. “A vocação da Campanha é
a luta”, diz Felipe, de modo paladino e sua força é a verdade deste projeto
não importado, mas nascido na realidade “terceiro-mundista” do Brasil.
Felipe comove a alma cívica deste País. Por toda parte acorda a
força da consciência nacional e o Brasil foi se pontilhando de um novo
modelo de escola, de mobilização comunitária, de tal modo que, por toda
parte, professores e estudantes, pais, associações e empresas se unem para
fundar uma escola e nela promover um processo, uma experiência de
democratização do ensino, uma escola nascida do povo, feita pelo povo e
para o povo, portanto, democrática, aberta a todos e, por isso mesmo,
antielitista.
Esse movimento tem expansão nacional e oferece motivação nobre
e apelo irrecusável à mobilização das forças sociais do povo. Cria um
espaço para o diálogo e a oportunidade de convivência entre diferentes
sociedades, estratos sociais, organizações religiosas e partidos políticos,
todos conclamados ao superior dever de integrar seu trabalho numa obra
que é de todos e onde cada um respeita, conserva e confirma sua identidade
em relações essenciais de convívio, uma experiência radical de inteligência
e de vida, na luta pela promoção do bem comum.
A escola, então nascida sob o signo da comunidade, cria esse espaço
para o diálogo e a oportunidade de se expressar e de promover sua
revelação social. É a comunidade posta diante de si mesma e nesta reflexão
recupera o seu direito e o seu poder de educar, porque o lugar da educação
é o lugar da vida e esta mora na sociedade civil, não na sociedade política
institucionalizada, assentada no poder do Estado.” (02)
A revolução social da educação, em todos os níveis, feita por Felipe Tiago
Gomes, se deu, não apenas por ter aberto a escola aos vários estratos da sociedade, mas
também pela interiorização da educação formal pelo país afora. A CNEC chegou onde o
Estado, ainda, não havia chegado. No tempo em que as escolas públicas e privadas,
ainda, se concentravam na área nobre das grandes e médias cidades e se destinavam,
predominantemente, às classes mais privilegiadas, a Campanha, impulsionada por
Felipe, ganhou as periferias urbanas das cidades maiores e as pequenas cidades do
interior do Brasil, onde não haviam chegado, nem o poder público, nem a ganância de
lucro do capital privado, oferecendo ensino de qualidade, praticamente gratuito, aos
jovens pobres cujos pais não podiam custear a educação de seus filhos, nos colégios de
ricos.
Em sua luta pela educação da juventude, Filipe Tiago Gomes palmilhou o Brasil
de norte a sul, de leste a oeste, pegando carona nos aviões do Correio Aéreo Nacional,
ou andando de trem, de barco, a cavalo ou a pé, sofrendo humilhações e desenganos,
nas ante-salas dos gabinetes dos detentores do poder público; passando, às vezes,
34 36
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 necessidades, ou vivendo a expensas da generosidade humana, sem recursos sequer para
custear suas mínimas necessidades de sobrevivência, suportando tudo isso, para a
realização de seu ideal sem limites, qual seja: difundir a mensagem cenecista e fundar
escolas para os deserdados da sorte. Por esse seu comportamento, Felipe tornou-se, não
apenas o arauto da educação comunitária, como também o paladino da educação
nacional.
Ele desejava ver o Brasil crescer e se desenvolver, através da educação do seu
povo. Sua ação educacional sempre aliava o saber ao fazer. Não somente ensinava ou
transmitia o saber. Levava a ação. Estimulava a iniciativa social e comunitária. Em
regime de mutirão, Felipe, com o apoio do poder público e com o trabalho da
comunidade, construiu conjuntos residenciais destinados à população mais pobre;
centros comunitários, hospitais para atendimento à população carente. Empenhava-se
em propiciar aos jovens, as oportunidades de profissionalização e trabalho.
Além de escolas, Felipe implantou, com o auxílio da comunidade, centros de
formação profissional, fazendas-escolas, oficinas de lapidação, gráficas, pequenas
fábricas e estimulou o artesanato, buscando preservar o saber popular e os valores
culturais de cada região, oferecendo ao mesmo tempo, aprendizado e oportunidade de
trabalho a milhares de jovens, sobretudo, aos mais desfavorecidos. Os centros de
treinamento por ele implantados, em diversos Estados, destinam-se a comunitários,
alunos, funcionários e professores, como celeiros para reflexão e multiplicação das
idéias cenecistas. Para difusão mais ampla de sua obra educadora, serviu-se dos meios
de comunicação social, utilizando-se de espaços abertos na mídia. Mantinha, inclusive,
pequenos jornais e revistas e uma Rádio Cenecista.
Por tudo que realizou, o Prof. Felipe Tiago Gomes é, sem dúvida, merecedor do
epíteto de APÓSTOLO DA EDUCAÇÃO DO BRASIL, que lhe foi dado pelo douto
Professor Raimundo Nonato Fernandes, quando, ao referir-se à CNEC, assim de
expressou:
“A Campanha é a religião de Felipe que transpôs os ritos piedosos
do Nordeste, para encontrar a imagem de Deus na face machucada do
estudante pobre. A Campanha é um trabalho de fé, de esperança e de amor,
sem limites, daqueles que seguem os caminhos abertos por Felipe, o
Apóstolo da Educação no Brasil.” (03).
2. PEDAGOGIA CENECISTA
Felipe Tiago Gomes não era um filósofo, nem um teórico, tampouco um
cientista. Ele foi, por excelência, um pregador itinerante e, como tal, soube levar à
população do país inteiro, os postulados básicos de uma prática inovadora e
multiplicadora, como uma contribuição relevante para a melhoria da educação nacional.
Avesso à teoria, a ele interessava, tão-somente, a realização prática do que
idealizava. No seu incansável labor, não teve a preocupação de formular uma teoria
capaz de fundamentar a prática, contudo, a “praxis felipeana” não era destituída de
fundamento doutrinário. Ao contrário, o “evangelho do cenecismo” por ele pregado,
continha um conjunto de princípios, valores e métodos que poderão ser sistematizados
numa espécie de Pedagogia Cenecista.
Segundo o seu entendimento, enquanto comunitária, a educação cenecista devia
se voltar, não apenas para a valorização da pessoa humana, mas também para sua
formação integral, preparando o indivíduo, enquanto ser social, para viver e atuar na
comunidade em que vive.
Assim agindo, a “educação cenecista” assume uma tríplice dimensão: do “ser”
(pessoal); do “pertencer” (social) e do” fazer” (acional).
35 37
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Na dimensão do “ser” ou pessoal, sem perder de vista as demais dimensões da
pessoa humana, deve a educação cenecista desenvolver no educando um conjunto de
qualidades que o torne capaz de se engajar na comunidade, como uma pessoa útil, ativa
e produtiva. Além da família, a escola deve promover meios para o desabrochar das
aptidões, potencialidades e virtualidades inerentes a cada ser humano, preparando-o
para a vida e para a convivência harmoniosa e ativa na comunidade.
Qualidades como: probidade, idealismo, otimismo, justiça, lealdade,
solidariedade, desprendimento, disponibilidade, entusiasmo, altruísmo, entre outras,
devem ser desenvolvidas como parte da formação integral do aluno. Liderança,
capacidade para refletir e julgar, senso de justiça, consciência crítica, capacidade de
tomar decisão, coragem pessoal, desinibição e criatividade são habilidades que deverão
ser treinadas durante a formação escolar. Valores inerentes à vida em sociedade, à
cultura, à cidadania, à família, à escola, à comunidade, à nação devem ser incutidos e
preservados na educação cenecista. O aluno deverá ser preparado para ser um agente de
mudança no ambiente em que vive e atua, buscando sempre o bem comum e o
desenvolvimento da comunidade.
Na dimensão do “pertencer” ou social, a escola cenecista deve ajudar o aluno a
tomar consciência de que ele pertence à família, a diversos grupos sociais, à
comunidade, ao bairro, à cidade, enfim, à nação. Nele deve ser despertada a
consciência de que pertencer não importa, apenas, numa condição passiva, ao contrário,
pertencer leva a uma condição ativa, de engajamento, de solidariedade, de ação, de luta.
“A vocação da CNEC é a luta”. Em razão disso, ele deve tomar conhecimento dos
papéis que poderá exercer no seu meio social, como participante da comunidade e
preparar-se, como cidadão, como cenecista, como pessoa, para agir, positivamente, em
prol da melhoria da sociedade em que vive.
Ao entrar na escola, o aluno, automaticamente, torna-se um “sócio da CNEC”.
Enquanto tal, ele se torna co-responsável pela escola e por tudo o que a ela pertence e
passa a exercer um conjunto de atividades, em benefício da própria escola e da
instituição como um todo. A escola cenecista constitui-se um primeiro campo de
treinamento, para o engajamento do aluno na comunidade e do cidadão, na sociedade.
As dimensões do “ser” e do “pertencer” desdobram-se numa terceira dimensão,
a do “fazer”, que se traduz numa ação útil e produtiva. Para agir, o aluno deve estar
preparado, através de uma formação integral. Além das qualidades, ele deve também
possuir as habilidades indispensáveis a se tornar um elemento ativo no seu meio. Sua
ação deve se pautar pelos valores prevalentes no meio social em que vive. Seu agir não
deve ser isolado, egoístico, egocêntrico, competitivo e desagregador. Ao contrário, sua
ação deve ser solidária, cooperativa, responsável, sociável, agregadora e participativa. O
verdadeiro cenecista é aquele que busca parceiros. A exemplo do fundador da CNEC, o
cenecista procura engajar pessoas, entusiasmá-las com o seu idealismo, incendiá-las
com o seu amor pela causa da educação e do desenvolvimento da comunidade e,
finalmente, torná-las partícipes da sua causa.
A educação cenecista caracteriza-se por ser uma educação participativa e
dinâmica. O aluno deve ser encarado, ao mesmo tempo, como um agente e destinatário
do seu aprendizado. Enquanto, em formação, ele deve ser estimulado, ajudado,
acompanhado, cobrado e corrigido pelos professores e educadores.
A ênfase da educação cenecista é a de transformar cada aluno em uma pessoa
ativa e útil à comunidade; como um agente de mudanças e de transformações sociais. A
ele deve ser dada a consciência de sua dimensão social, de suas potencialidades, bem
como das necessidades sociais e dos problemas a serem resolvidos na comunidade. Sua
consciência crítica, sua capacidade de diagnosticar, sua criatividade e sua liderança
deverão estar a serviço dos outros. Cada pessoa humana tem um papel insubstituível no
36 38
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 meio em que vive. Sua ação deverá enriquecer, cada vez mais, a comunidade. Sua
omissão, ao contrário, torna mais pobre a sociedade, constituindo-se num pecado de
dimensão social. A soma dos esforços positivos de cada um torna-se uma grande força
capaz de realizar milagres. A CNEC é um exemplo disso.
Em relação à própria escola, o papel do aluno é de co-responsabilidade. Como
sócio, sua ação cooperativa se prende, não somente à sua própria formação, como
também à educação dos demais companheiros. Enquanto sócio e aluno ele se torna coresponsável pela manutenção da escola, não apenas, enquanto possa contribuir
financeiramente para sua existência, como também, quando age e zela pela conservação
dos prédios, móveis e equipamentos e, sobretudo, pela defesa da fama e do bom nome
da instituição. Ao aluno deve ser dada a consciência de que a escola não é, apenas, da
CNEC, mas pertence aos alunos, aos colegas e à comunidade como um todo. Daí, a
obrigação de trabalhar e lutar por ela. Não se deve esquecer que a escola deve ser
encarada como o primeiro campo de treinamento do educando, na sua preparação para
exercer a cidadania.
Os alunos, seus pais e a comunidade local participam da escola, seja como
sócios, seja como membro do “Conselho Comunitário”, órgão de deliberação coletiva,
responsável pelo seu planejamento e sustentação. A escola cenecista é da comunidade e
para a comunidade, por isso, esta deve tomar parte ativa na sua criação, conservação e
manutenção. Numa palavra, a escola cenecista será o que dela fizer a comunidade.
Eis, em síntese, o conjunto de princípios, valores e ações que constituem a
“Pedagogia Cenecista.”
3. FELIPE TIAGO GOMES, ORIGEM, PERFIL E VIDA
Felipe nasceu, no Sítio do Pedro, nas proximidades da cidade de Picuí, no
Estado da Paraíba, em 01 de maio de 1921. Seus pais viviam da atividade agrícola.
Como a grande maioria dos pequenos agricultores daquela região do Curimataú, eram
pobres. Não tinham condição de educar a família, constituída de cinco filhos. Por esta
razão, Felipe, o caçula, enfrentou enormes dificuldades para estudar. Foi alfabetizado,
em casa, por sua irmã Francisca, que já havia concluído, com distinção, o Curso
Primário. Cursou, em Picuí, a escolinha de Dona Natívia, que tinha a função de
“desasnar” as crianças. Ainda em Picui, entre 1933 e 1935, freqüentou a escola pública
daquela cidade.
Felipe não queria parar no Curso Primário, como acontecia com dezenas dos
seus colegas, por não terem condições de continuar seus estudos, fora da cidade natal.
Seu sonho era fazer o Curso de Direito. Mas como realizá-lo, se não tinha condição
financeira, para custear seus estudos fora de Picuí?
Conhecedor de sua inteligência e aspirações, seu professor do Curso Primário,
Dr. Manoel Pereira do Nascimento, vendo o interesse de Felipe pelos estudos,
aconselhou seus pais a deixá-lo ir para Campina Grande, onde devia prosseguir seus
estudos.
Aquele mesmo professor o conduziu ao Colégio Pio XI, em Campina Grande.
Alí chegando, Felipe submeteu-se ao exame de admissão, tendo sido aprovado no
quinto lugar, o que, para ele, foi uma grande vitória, para quem vinha do interior, com
um curso primário, interrompido várias vezes, em razão das secas, ou da distância da
escola.
Ao final do primeiro ano ginasial, por seu elevado desempenho, tornou-se
conhecido do Diretor do Colégio, Padre Odilon Alves Pedrosa, que, vendo as
dificuldades por que passava Felipe, para manter-se no Colégio, o indagou se ele
37 39
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 voltaria no ano seguinte. Felipe, com profunda tristeza, respondeu-lhe que não, pois
seus pais não tinham condições de pagar-lhe o internato.
O Padre Odilon Pedrosa, ao ver a tristeza estampada no rosto de Felipe, disselhe: “Você é um jovem de juízo. Venha me ajudar a tomar conta dos menores”. (4) O
internato do Colégio era dividido em três segmentos, de acordo com a idade. A “divisão
dos menores”, abrigava crianças de 8 a 12 anos. Assim sendo, Felipe, constituído
“prefeito da divisão dos menores”, voltou ao Colégio, onde trabalhava e estudava,
conseguindo, assim, concluir o Curso Ginasial.
Ao término do Ginásio, foi abalado com a morte de sua mãe, grande lutadora.
Sua situação financeira piorou, ainda mais. Para colação de grau, conforme ele próprio
comenta: “não tive gosto, nem roupa.” (5) Terminado o Curso Ginasial, Felipe teve de
voltar para Picuí, por não ter condições de continuar seus estudos. Via, assim, esvair-se
seu sonho de cursar Direito, cujo único curso existente, na região, era em Recife.
Entretanto, conforme relata o próprio Felipe:
“Deus, porém, ouviu-me as súplicas e tocou o coração do Juiz de
Direito, Dr. José Saldanha, que sentindo minha aflição, falou com o Dr.
Morais, dentista, com parentes no Recife.” (6)
Depois da coleta de algum dinheiro entre os parentes, Felipe viajou para Recife,
ficando hospedado na casa do próprio Dr. Morais. Todavia, naquela casa de gostos
aristocráticos, Felipe não se sentia à vontade. Ele próprio confessa:
“senti-me como um estranho na casa e passei a “almoçar” com
outros amigos, andando nas ruas e comendo bananas, sentando em bancos
de praça, sem saber o que fazer. Mais uma vez a sorte veio ao meu
encontro: Everardo Luna, colega de Campina Grande, convidou-me para
morar na Casa do Estudante de Pernambuco. Foi um alívio!” (7).
Na Casa do Estudante, Felipe conseguiu uma vaga de porteiro, em seguida, a
convite do Presidente daquela instituição, passou a ser bibliotecário, onde auferia alguns
tostões, que lhe permitiam continuar seus estudos.
Por orientação do colega Everardo Luna, procurou o Ginásio Pernambucano,
onde conseguiu se matricular, mediante um atestado de pobreza, no Curso Pré-jurídico.
Naquela instituição centenária, Felipe passou a conviver com colegas que viviam as
mesmas dificuldades. Ele próprio contou:
“Convivendo com colegas pobres, percebi que não estava sozinho na
luta. Passei a sentir a beleza da vida e a solidariedade humana, ao
encontrar moços iguais a mim, dispostos a vencer dificuldades. Eu não ia a
cinemas, nem a festas.”...” A alimentação da Casa do Estudante era fraca
e, com o clima de Guerra, piorou. Dormia cedo para enganar o estômago
até o café da manhã: um pão ou um pedaço de macacheira e café. Eu era
tão magro que o meu tio Pedro Marçal, ao visitar-me, pensou que estivesse
tuberculoso.” (8)
Em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, as dificuldades se multiplicaram.
Recife vivia às escuras. Por causa do blecaute não se podia sair à noite, sem correr o
risco de ser assaltado. Enclausurado na Casa do Estudante, Filipe, a despeito da
responsabilidade pela administração da biblioteca, dedicou-se à leitura, oportunidade
em que lhe caiu às mãos uma obra de John Gunther, intitulada DRAMA DA AMÉRICA
LATINA, que relatava a experiência do líder peruano, Haya de La Torre, que criara
escolas de alfabetização para os índios, tendo como professores, estudantes que
lecionavam gratuitamente..
Já como acadêmico de Direito, conhecendo, na própria carne, as dificuldades
encontradas pelos jovens pobres, para levar à frente os seus estudos e inspirado pelas
idéias de Haya de La Torre, Felipe resolveu criar um ginásio para o estudante pobre.
38 40
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Pragmático, decidido e obstinado, como era, embora de saúde frágil, tinha o espírito
forte. Movido por seu idealismo sem limites, Felipe lançou-se, de corpo e alma, à
realização do seu intento.
Eis como a escritora Raquel de Queiroz, por ocasião da comemoração dos
quarenta anos de fundação da CNEC, numa crônica intitulada “O Sonho do Professor
Felipe”, narra o nascedouro de um movimento que se tornou o maior sistema de ensino
comunitário da América Latina:
“Era o ano de 1943. E ele, Felipe Tiago Gomes que conhecia, na
própria carne, o drama do estudante pobre, do jovem que quer estudar e
não pode, teve uma idéia: por que não iniciar ali no Recife uma experiência
idêntica (refere-se à experiência de Haya de La Torre)* visando ajudar o
estudante secundário? Criar uma instituição particular que oferecesse aos
moços pobres possibilidades de obter conhecimentos capazes de vencer os
obstáculos naturais existentes numa sociedade em mudança?
Conversou com o companheiro de quarto, que aprovou a idéia.
Convocou outros colegas que se entusiasmaram e assim se fundou a
Campanha do Ginasiano Pobre (núcleo inicial da CNEC”).
“De material para começar, os nossos cinco heróis só dispunham
mesmo do entusiasmo. Não tinham dinheiro, não tinham relações, nem
poder público, nenhum elemento de ajuda e não ser essa coisa dentro do
peito que os mandava ir para adiante – coisa que se costuma chamar de
ideal.” (9)
O entusiasmo de Felipe e de seus companheiros multiplicou-se, solidária e
milagrosamente, por toda a parte, levando essa benfazeja campanha aos quatro cantos
do Brasil. Não resta dúvida de que a CNEC nasceu dum milagre. Aliás foi o que
profetizou o grande orador conterrâneo, Alcides Vieira Carneiro inspirado nos arrogos
de sua oratória:
“Essa Campanha nasceu de um milagre e um milagre não de
desperdiça. Só Deus faz milagres sozinho. Nós, os mortais, fazemos os
nossos com a ajuda dos outros, de acordo com aquele preceito evangélico
que alguém disse ser a súmula divina de toda a experiência humana:
ajudai-vos uns aos outros”.(10).
A essa campanha benfazeja Felipe dedicou, literalmente, toda a sua vida.
Esqueceu-se de si mesmo. Passou a viver inteiramente para a CNEC. Exerceu um
verdadeiro sacerdócio. Não constituiu família. Seus companheiros cenecistas tornaramse sua família. Não acumulou bens. Os poucos que recebeu de herança ou ganhou de
presente, doou-os à CNEC. Viveu e morreu, franciscanamente.
Após essa incessante luta, de toda uma vida, consumida em prol da CNEC,
Felipe veio a faleceu, aos 75 anos de idade, em Brasília, sede da CNEC, em 21 de
setembro de 1996. Por uma ironia do destino, essa “grande baraúna”, que nasceu no
“dia do trabalho”, tombou no “dia da árvore”. O seu singelo sepultamento, no cemitério
da Capital Federal, foi presenciado, apenas, por uma centena de amigos e companheiros
cenecistas que ali compareceram para prantear sua morte. Apesar da importância de sua
obra, seu falecimento não repercutiu no grande público. Apenas esparsas notícias sobre
sua morte foram veiculadas na mídia nacional. As homenagens póstumas, que lhe foram
e têm sido prestadas, são escassas e bem menores do que, por justiça, deveriam lhe ser
tributadas.
39 41
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. QUEIROS, Raquel de - “O SONHO DO PROFESSOR FELIPE, in Felipe Tiago
Gomes – ESCOLAS DA COMUNIDADE, pág 05, CNEC Edições, Brasília –
6ª ed 1989;
2. FERNANDES, Raimundo Nonato, Professor –APRESENTAÇÃO, in Felipe Tiago
Gomes, CNEC- A FORÇA DE UM IDEAL, pág. 8-13, ed. CNEC Edições,
Brasília, 1986;
3. FERNANDES, Raimundo Nonato, ibidem.;
4. GOMES, Felipe Tiago – PREFÁCIO, pág. 31-35, in COLETÁNIA CENECISTA,
Vol. I. ed. CNEC Edições, Brasília, 1994.
5. GOMES, Felipe Tiago, ibidem;
6. GOMES, Felipe Tiago, ibidem;
7. GOMES, Felipe Tiago, ibidem;
8. GOMES, Felipe Tiago, ibidem
9. QUEIROZ, Raquel de, op. cit.
10. CARNEIRO. Alcides Vieira, citado por Felipe Tiago Gomes in CNEC, A FORÇA
DE UM IDEAL, PÁG. 3, ed. CNEC Edições, Brasília, 1986.
40 42
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 DOIS IMPORTANTES DOCUMENTOS MANUSCRITOS REFERENTES À
CAPITANIA DA PARAIBA DO NORTE, ASSINADOS NO RIO DE JANEIRO
POR D. JOÃO VI, DATADOS DO INÍCIO DO SÉCULO XIX E SOMENTE
AGORA PUBLICADOS EM LETRA DE FORMA MEDIANTE A
CORRESPONDENTE LEITURA PALEOGRÁFICA*
Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins**
Aqui são oferecidos aos estudiosos da História da Paraíba, pela primeira vez em
letra de forma, dois importantes documentos relativos à já então denominada Capitania
da Paraíba do Norte. Os respectivos textos dizem respeito à então recentemente criada
Vila Real do Brejo de Areia (atual município de Areia), datados respectivamente de 08
de Novembro de 1819 e 22 de Fevereiro de 1820.
Considerando o valor desses dois textos para a nossa História, os quais
continuam até hoje inéditos em letra de forma, resolvi proceder a sua leitura
paleográfica a fim de lhes dar a devida divulgação. Na medida do possível mantive a
redação original desses dois documentos inalterada com o objeto de conservar ao
máximo a fidelidade aos mesmos.
O documento mais recente corresponde à nomeação de Bartholomeu da Costa
Pereira para o posto de Capitão-Mor [atualmente Prefeito] da Vila Real do Brejo de
Areia [atualmente Município de Areia] que, aliás, foi o primeiro a exercê-lo nessa Vila.
A propósito, neste caso em particular cumpre ressaltar que, embora circule nesta terra a
notícia de que Bartholomeu da Costa Pereira havia sido nomeado para este posto pelo
Governador da Capitania da Paraíba do Norte, isso não passa de uma equivocação ou,
quiçá, decorre do desconhecimento dos dispositivos das Ordenações do Reino acerca
dessa matéria, uma vez que a nomeação efetiva para tal posto constituía um privilégio
real e é exatamentre isto o que se pode verificar na respectiva CARTA PATENTE
RÉGIA em tela.
Já o documento mais antigo aqui publicado corresponde a uma CARTA
PATENTE RÉGIA DE CONFIRMAÇÃO, noutras palavras representa a efetivação,
obviamente por ordem do Rei, de uma anterior e necessária nomeação interina levada a
cabo pelo Governador da Capitania da Paraíba do Norte em favor de Felix Antonio
Ferreira de Albuquerque para o posto de Sargento-Mor das Ordenanças (significando
então o Comandante das Armas) da Vila Real do Brejo de Areia. Aliás, naquela época o
posto de Sargento-Mor (Sargento Maior) corresponderia ao do atual Major.
Incidentalmente Felix Antonio Ferreira de Albuquerque era genro de Bartholomeu da
Costa Pereira pois havia se casado com a filha primogênita deste último, D. Maria
Joaquina de Sant’Anna de intrépida memória. Ademais, o Sargento-Mor Felix Antonio
Ferreira de Albuquerque, por ocasião da Revolução de 1824, conhecida como a
Confederação do Equador, veio a ser aclamado Presidente Temporário da Paraíba.
Como tal ele liderou fugazmente as forças revolucionárias dessa terra. Tempos
depois de abafada essa insurreição, Felix Antonio veio a ser assassinado de forma
traiçoeira e vil (durante o sono) nas mãos de um falso amigo que pretendia receber um
prêmio que o governo imperial estava oferecendo por sua cabeça.
*Documento manuscrito original, cuja leitura paleográfica foi efetuada por Guilherme
Gomes da Silveira d’Avila Lins
** Membro Efetivo da Academia de Letras de Areia (Paraíba), da Academia Paraibana de
Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, além de tetraneto de Bartholomeu da
Costa Pereira, primeiro Capitão-Mor [Prefeito] da Vila Real do Brejo de Areia, provido nesse
posto através da CARTA PATENTE RÉGIA acima transcrita, assinada pelo Rei D. João VI
no dia 22 de fevereiro de 1820.
41 43
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Enfim, o assassino jamais colocou as mãos naquele prêmio pois nessa ocasião já
havia sido promulgada a anistia para os revoltosos de 1824.Passo agora à reprodução
dos textos de ambos os documentos prometidos.
CARTA PATENTE RÉGIA
Capitão mor da Villa Real do Brejo de Area,
Bartholameo [Bartholomeu] da Costa Per.a [Pereira] *
Dom João [o VI deste nome] por Graça de Deos, Rei do Reino unido de Portugal, e do
Brazil, e Algarves, d’aquem e d’alem Mar em Africa, Senhor da Guine e da Conquista
[,] Navegação [,] Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India & Faço saber aos
que esta Minha Carta Patente virem, que tendo consideração ao que Me foi presente
em Consulta do Meu Conselho Superior Militar sobre a Proposta da Camara da Villa
do Brejo d’Area novamente se manda, para o Posto de Capitão Mor [, atualmente
Prefeito,] d’ella e ao mais que n’elle expôz na dita Consulta, com o parecer d’aqual fui
servido confirmar elle, Hei por bem Promover como por esta Promovo, a Bartholomeu
da Costa Pereira, Capitão das Ordenanças; ao Posto de Capitão mor das Ordenanças
da referida Villa do Brejo d’Area novamente [recentemente] criada o qual [Posto]
servirá em quanto Eu ouver por bem e com elle não haverá soldo algum de Minha Real
Fazenda, mas gozará de todas as honras, privilégios, liberdades, isenções, e franquezas
[imunidades], que dereitamente [diretamente] lhe pertencerem, pelo que Mando ao
Governador da Capitania da Parahiba [Joaquim Rebello Fonseca Rosado] , q[ue]
mandando-lhe dar pofse [posse (ocorrida na data de dois de Janeiro de 1821)] deste
Posto, jurando primeiramente digo primeiro cumprir suas obrigações, o dever
[rasurado] e exercitar; e os Officiaes Maiores e mais Cabos de Guerra, o tenhaõ
[tenham]e conheçaõ [conheçam] por tal [,] honrem e estimem e os Officiaes e soldados
q[ue] l[h]e forem subordinados, lhe obedeçaõ [obedeçam] e guardem suas Ordens, em
tudo o q[ue] tocar ao Meu serviço taõ enteiramente [inteiramente] como devem e saõ
obrigados. Em firmeza do que lhe mandei pafsar [passar] a prezente por Mim assynada,
e sellada com o Sello Grande de Minhas Armas. Dada nesta Cidade do Rio de Janeiro,
aos vinte dous dias do mez de fevereiro, do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus
Christo, de mil oito centos e vinte. El Rey.
CARTA PATENTE RÉGIA DE CONFIRMAÇÃO
Sargento Mor das Ordenanças da Villa Real do Brejo de Arêa a
Felis [Felix] Antonio Ferr.ª [Ferreira] de Albuquerque
Dom Joaõ [o IV deste nome] por Graça de Deos, Rei do Reino Unido de Portugal, e do
Brazil, e Algarves, d’aquem e d’alem Mar em Africa, Senhor da Guine, e da Conquista
[,] Navegaçaõ [,] Comercio da Ethiopia [,] Arabia Persia, e da India &. Faço saber aos
que esta Minha Carta Patente de Confirmaçaõ virem: Que tendo consideração, aos
merecimentos e mais partes que concorrem na pefsoa [pessoa] de Felis [Felix] Antonio
Ferreira de Albuquerque, e achar-se [interinamente] provido por Thomaz de Souza
Mafra Governador da Capitania da Paraiba do Norte no Posto de Sargento Mor das
Ordenanças da Villa Real do Brejo de Arêa, e esperar delle que em tudo o de que for
encarregado, servirá muito ao Meu contento, por todos estes respeitos Hei por bem de
o confirmar com por esta confirmo, no mencionado Posto de Sargento Mor das
Ordenanças da Villa Real do Brejo de Arêa, e seu termo novamente [recentemente]
criada, o qual servirá em quanto me houver por bem; e gozará de todas as honras,
privilegios, liberdades, isenções, e franquezas [imunidades] que direitamente
[diretamente] lhe pertencerem, pelo que Mando ao sobredito Governador, o deixe
42 44
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 servir, e exercitar aquelle Posto de baixo [debaixo] da pofse, [posse] e juramento já
prestados ao Capitão Mor das Mesmas Ordenanças, Officiaes Maiores, e mais Cabos
de Guerra, o tenhaõ [tenham], e conheçaõ [conheçam], por tal honrem e estimem e os
Officiaes e soldados, que lhe forem subordinados lhe obedeçaõ [obedeçam] e guardem
suas Ordens em tudo o que tocar ao Meu Serviço, taõ enteiramente [inteiramente] como
devem e são obrigados. Em firmeza do que lhe Mandei pafsar [passar] a prezente
Carta por Mim afsignada [assinada], e sellada com o Sello Grande de Minhas Armas.
Dada nesta Cidade do Rio de Janeiro, aos oito dias do mez de Novembro, Anno de
Nosso Senhor Jezus Christo de 1819. El Rei.
43 45
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Considerações sobre Articulação Cultural e Projeções na Literatura*
Maria Ida Steinmuller**
Desejo inicialmente agradecer o gentil convite que nos foi feito pelo Escritor
Alexandre Santos, Presidente da UBE/PE, para participar deste evento, atendendo a
indicação do Historiador Joaquim Osterne Carneiro, Presidente do IHGP - Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, a centenária instituição guardiã da história da
Paraíba. Nesse sentido, ao adentrar no importante tema deste Debate, entendemos que
se faz necessário tecer algumas considerações a respeito da Fundação Artístico Cultural
Manuel Bandeira (FACMA), entidade que integro e que há mais de quatro décadas atua
na cidade de Campina Grande, Estado da Paraíba, desenvolvendo ações culturais com o
objetivo de cultivar e difundir o gosto pelas artes literárias, cênicas e plásticas em geral,
e nas ciências sociais, mantendo intercâmbio cultural entre a Paraíba e outros Estados
do Brasil.
Assim, dentro desta ordem de idéias, a FACMA com a posse de sua nova
Diretoria em 06 de agosto de 2011, gestão 2011-2014, procurará estabelecer diretrizes
que foquem a revitalização, dinamização e diversificação do seu trabalho sócio-cultural
e também filantrópico, para promover articulações de parcerias com distintos
organismos em nível Estadual, Nacional e Internacional, como acontece em relação ao
IHGP-Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, através da assinatura de um Convênio
de Cooperação, direcionado para realização de pesquisas, levantamentos, troca de
informações, cessão de livros, editoração de revistas, livros e impressos, realização de
seminários, encontros e simpósios.
A referida avença encontra-se em fase final de discussão e dentro em breve será
firmada. Por outro lado, em consonância com a premente necessidade de resgatar a rica
história da “Rainha da Borborema” que, na sua condição de cidade Pólo de
Desenvolvimento Tecnológico e larga atuação no campo da Educação em todos os
níveis, estamos cuidando da fundação do Instituto Histórico de Campina Grande,
levando em conta o modelo e a atuação dos Institutos Históricos e Geográficos de
âmbito Nacional e Estaduais.
A missão contará com o respaldo incontinenti do Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano, instituição cultural mais antiga do Estado da Paraíba e que abriga
em seu acervo obras, objetos e registros de valores inestimáveis, fonte permanente de
consulta de público qualificado à procura de conhecimento.
Convém registrar que, no período de 19 a 21 de outubro próximo, o IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, estará promovendo, na cidade do Rio de
Janeiro, o “V Colóquio dos Institutos Históricos e Geográficos Brasileiros” e um dos
temas do evento será a possibilidade de fundação dos Institutos Históricos e
Geográficos Municipais, assunto que permeia a discussão de estudiosos das mais
distintas áreas do conhecimento humano e dada a relevância do assunto, estaremos
participando desse encontro integrando a representação da Paraíba.
*Texto apresentado no Debate Sobre Articulação Cultural e Projeções na Literatura, no IV
Congresso Brasileiro de Escritores em Pernambuco, realizado no Centro de Convenções de
Pernambuco, em Olinda - PE, no dia 28/09/2011.
** Poetisa, Administradora de Empresas, Especializada em Agribusiness, Secretária Geral da
Fundação Artístico Cultural Manuel Bandeira (FACMA), da cidade de Campina Grande PB; Sócia Fundadora e Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande; Sócia
Honorária do Instituto Histórico e Geográfico; e integrante do Conselho Estadual de Cultura
do Estado da Paraíba.
44 46
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 O tema deste debate e as considerações sobre a articulação cultural e as
projeções na literatura como um todo, é, sem sombra de dúvidas, da mais alta
importância e que devem ser postas em prática.
45 47
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 NO COTIDIANO DE UM HISTORIADOR:
UM MESTRE E SEU SALÃO1
José Octávio de ARRUDA MELLO**
Sumário: 1.1. Centro de Estudos em Foco. 1.2. Rotina de trabalho. 1.3. Presença
paraibana. 1.4. Objetividade e discussões. 1.5. JHR e as Relações Internacionais. 1.6.
Política brasileira e Academia. 1.7. Conclusões – a serviço do Brasil.
1
Estudo preparado em julho de 2013, no ano do centenário de José Honório Rodrigues.
**
Historiador de ofício, com doutorado em História Social, pela USP, em 1992. Integrante
dos IHGB, IHGP e APL, assessor da SECULT e professor aposentado das UFPB e UEPB,
com exercício no curso de Direito do UNIPÊ. Autor, com a dra. Lêda B. Rodrigues, de José
Honório Rodrigues: Um Historiador na Trincheira (1994) e, isoladamente, Sociedade e
Poder Político no Nordeste – O Caso da Paraíba 1945/1964 (2001), Da Resistência ao Poder – O
(P)MDB na Paraíba (1965/1999), 2010, e História da Paraíba – Lutas e Resistência (12ª ed., 2013).
46 48
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Vamireh Chacon anunciou, de certa feita, que o historiador José Honório
Rodrigues polarizava salão cultural na própria residência.
Isso é fato. Esse salão podia não dispor da consistência do de Aníbal Machado –
festejado em memoráveis crônicas de Rubem Braga e Paulo Mendes Campos1 – ou dos
de Hélio Jaguaribe e Alzira Abreu. Estes dois últimos a evoluir para instituições como
os IBESP/ISEB e CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.2
1.1. Centro de Estudos em foco – Mesmo assim, o apartamento da rua Paul
Redfern, 23, no Rio de Janeiro, equivalia a verdadeiro centro de estudos. Pela
competência e disponibilidade do anfitrião que, tendo ao lado a esposa – a também
historiadora e constitucionalista Lêda Boechat Rodrigues – esmerava-se em atender os
que o procuravam, com indicações de leitura e pesquisa, análise do momento político e
recomendações culturais.
Entre os que o procuravam, Honório revelava predileção por dois tipos de
ouvintes – jovens e jornalistas. Os primeiros porque perenizariam sua obra e os outros
porque a amplificavam.
Como me enquadrasse nas duas categorias – ainda hoje me considero jovem e
periodista – tornei-me um dos mais assíduos frequentadores desse cenáculo, desde a
noite em que lá fui jantar a convite de Dra. Lêda que estranhou apenas o vermelhão da
calça boca de sino e o sapato de salto alto – cacoetes daquele ano de 1973.3
Não era raro José Honório convidar para jantar aqueles com que se identificava.
Para tanto, contava com eficiente cozinheira – dona Tereza, que morreu, levando para o
túmulo a receita de bobó de camarão, especialidade da casa – e a presteza de Lêda que
velava pelas amizades do marido.
1.2. Rotina de trabalho – O salão dos Rodrigues ancorava na constância de
hábitos do marido. Este, que acordava cedo, costumava caminhar pela praia de Ipanema,
onde conversava – mais que conversava, discutia – após o que, em casa, de café
tomado, punha-se a escrever.
Aproveitando os levantamentos biobliográficos habitualmente procedidos pela
esposa, JHR redigia a mão com caligrafia de letra irregular, mas facilmente legível.
Com esta, preenchia resmas de um comprido papel que, enquanto durasse o estudo,
eram colocados em gavetões, depositários dos inéditos. A propósito, já falei com o
presidente Arno Wheling, do IHGB, para pesquisar essa produção – uma das pastas
deve conter pelo menos os esboços de História do Brasil anunciada e frequentemente
protelada.4
Era assim pela manhã que José Honório mais produzia. Conforme ele próprio,
tal se impunha porque, com isso, já ganhava o dia. A descida à cidade verificava-se
pelas catorze horas, quando seu destino eram as instituições a que pertencia – Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Academia Brasileira de Letras e Conselho Técnico da
Confederação Nacional do Comércio em cuja Carta Mensal colaborava5 – além de
sêbos, livrarias, e por vezes os Arquivo Público e Biblioteca Nacional.
A visita a esses dois últimos não se regularizavam por dispor em casa de
excelente biblioteca, com documentação especializada – a coleção completa da Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por exemplo – e jornais nacionais e
estrangeiros que costumava recortar.
Desde o momento em que estabilizou a condição econômico-financeira, por
volta de 1958, quando montou o apartamento da rua Paul Redfern, de jardim decorado
por Burle Marx, José Honório deixou de trabalhar à noite. Isso só aconteceu em raras
ocasiões. Como no prefácio das obras de Capistrano de Abreu, preparados velozmente
às vésperas de uma viagem. Por essa razão, só o dos Capítulos de História Colonial,
assim como o do primeiro volume da Correspondência, fez-se mais completo.6
47 49
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Essa rotina permitia-lhe animar o salão cujo funcionamento, regado a água e
cafezinho, ocorria duas vezes por semana, das 20:15 às 22:45 h. Antes, o historiador,
além de jantar, recolhia recomendações de Lêda, o resumo dos noticiários televisivos de
Tereza e emitia alguns telefonemas.
1.3. Presença paraibana – As informais reuniões do cenáculo ocorriam na
própria sala de estar do casal, à vista de um óleo de mestre, de autoria do pintor Manuel
Bandeira.7 Só quando o número de convivas, mesmo sem jamais ultrapassar os doze,
crescia, é que nos deslocávamos para o terraço, à vista do mar de Ipanema.
Um dos mais constantes paraibanos dessas reuniões – o jurista e historiador
Geraldo Joffily – percebeu o potencial desses encontros, resumido numa das cartas que
me enviou:
“Vamos ao Rio de Janeiro, companheiro, onde a cobertura do Honório nos
espera”.8
Sob a liderança do Grupo José Honório Rodrigues, não eram poucos os
paraibanos que lá compareciam – além de mim, Eduardo Raposo, Humberto Mello, o
advogado Andrade Guedes, o casal Lindberg (Ana Maria) Farias, que JHR achava
“bonito”, o tributarista César de Oliveira Lima, o crítico paraibano-pernambucano
Joaquim Inojosa, os irmãos Celso e Cleantho de Paiva Leite, o professor Oswaldo
Trigueiro do Vale e o Governador Tarcísio Burity.
Enquanto Oswaldo discutia teses posteriormente transformados nos livros O
Supremo Tribunal Federal e a instabilidade político-institucional (1976) e O General
Dutra e a Redemocratização de 45 (1978), respectivamente prefaciados por Lêda e
Honório, Burity, por vezes acompanhado da esposa, Glauce, voltava-se para o Espaço
Cultural que por essa época planejava para a capital paraibana.
Dessa edificação, José Honório tornou-se espécie de consultor ad hoc como
responsável, inclusive, pela indicação do arquivista José Pedro Esposel. Aos dois, JHR
não cessava de recomendar:
- Procurem fazer como no Canadá que funde bibliotecas e arquivos, conjugando
espaços e barateando custos.9
1.4. Objetividade e discussões – Esse encaminhamento do Espaço Cultural José
Lins do Rêgo, efetivamente alentado na Paul Redfern, evidencia que o salão José
Honório Rodrigues não era de alcance bovarista ou ornamental. Numa palavra, ali não
se tagarelava porque as discussões eram objetivas e concretas.
Por essa razão nele surgiram iniciativas as mais variadas, como seminários,
teses, artigos e livros. Os Seminários Paraibanos de Cultura Brasileira, realizados entre
1976 e 88, e de cujas sete edições José Honório participou de três, Hélio Jaguaribe e
Vamireh Chacon de duas e Cândido Mendes de uma, ocuparam boa parte da pauta dos
trabalhos.10
Quais as principais discussões do cenáculo da rua Paul Redfern?
Como observado por Cleantho de Paiva Leite, José Honório sempre representou
um ativista contra os governos militares. “Detesto as ditaduras militares e proletárias”,
constituía expressão muito sua e amiúde repetida em publicações e palestras.
Sem nunca haver aceitado o regime de 64, datando daí a constância com que
subscreveu os manifestos 1964/65, de iniciativa dos intelectuais da Civilização
Brasileira, além do que partidário do nacionalismo mameluco de João Ribeiro, teve
dificuldade em aceitar os que, escudados no modelo capitalista de dependência
associada de Fernando Henrique Cardoso, consideravam “revolucionários” alguns
elementos econômicos do sistema militar.
Quando levantei essas questões, desenvolvidas décadas depois em Da
Sociologia à Política no Heterodoxo FHC, ainda inédito, José Honório retrucou azedo:
- E o Fernando pensa assim?!...
48 50
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 O entendimento sobrevinha porque, sem aplaudir o chamado milagre brasileiro
sobre o qual arengava, permanentemente, com o economista Glycon de Paiva, nas areias
de Ipanema, José Honório sustentava que a economia brasileira experimentaria
dificuldades, quando os governos democratas lhe negassem créditos.
Ora, foi exatamente o que ocorreu com a Inglaterra do Labour Party, em 1974, e
Estados Unidos da presidência Jimmy Carter, em 1977. Este último, enviando a
primeira dama Roseline Carter para se reunir com o MDB e questionar a vigência de
torturas, junto ao Presidente Ernesto Geisel..11
No caso do Labour, José Honório publicou artigo sobre o embargo de armas e
créditos pelo governo trabalhista ao regime militar brasileiro. Intitulado “O Partido
Trabalhista Britânico e o Brasil” viu-se prontamente vetado pela censura, com o público
dele tomando conhecimento mediante inserção na coletânea Tempo e Sociedade
(1986).12
Não foi essa a única vez em que o historiador se viu às voltas com restrições ao
pensamento. Perseguido pelo sistema que suspendeu a edição de Revista do IBRI, pela
Imprensa Nacional, em vista da editoração honoriana, viu colocados no índex seus
estudos sobre Frei Caneca, encomendados pela revista Manchete. Ambos somente
foram publicados, anos depois, no livro História, Corpo do Tempo (1976). Expressão
do liberalismo radical que Rodrigues esgrimia contra o generalismo autoritário, frei
Joaquim do Amor Divino Caneca era “a luz gloriosa do martírio”.13
1.5. JHR e as relações internacionais – Essas peripécias de embaraço de
empréstimos estrangeiros ao governo militar, interdição da Revista do IBRI e (contra)
pressões externas conduziam José Honório Rodrigues a um dos temas de sua predileção
– as Relações Internacionais. Ex-professor do Instituto Rio Branco cujas aulas lhe
valeriam o manual póstumo História Diplomática do Brasil 1531-1945 (1995),
complementado por Ricardo Seitenfus e organizado por Lêda Boechat Rodrigues, era
com visível satisfação que José Honório discorria sobre o tema nas reuniões do grupo
de estudos. Partidário da tese de que “Elaboramos História Nacional e consumimos
História Universal”, entendia que era do plano externo que adviria a retomada do Estado
de Direito Democrático e vigência dos Direitos Humanos no Brasil.
Refratário à Política Externa Interdependente dos chancelers Vasco Leitão da
Cunha e Juracy Magalhães, por ele rotulada de “Ideologia do suicídio nacional”, José
Honório aplaudiu o pragmatismo terceiromundista dos ministros Azeredo da Silveira e
Saraiva Guerreiro, o primeiro dos quais africanista, sendo o segundo mais objetivo.
Para o historiador, a reorientação da política externa brasileira, sobrevinda com
o Governo Geisel, que reconheceu o regime angolano de Agostinho Neto – um dos
intelectuais da predileção rodrigueana, com quem se avistou em Luanda, repelindo a
idéia de constituir a língua portuguesa construção imperialista14 – sintonizava com seu
livro Interesse Nacional e Política Externa (1967).
Este preconizou fortalecimento das relações e celebração de acordo atômico com
a Alemanha, para neutralização da hegemonia norteamericana, prestígio à China
Popular maoísta, sem exclusão de Formosa, e aproximação das jovens nações afroasiáticas. Como essas constituíssem as diretrizes da segunda fase do regime militar, José
Honório revelou sua anterior identificação a tais princípios a antigo diplomata,
partidário do governo castrense – o embaixador Hélio Scarabotolo.15
Tal como para Hermes Lima em Travessia-memórias (1974), livro que, aliás,
acolheu simpaticamente, mas lamentando a contenção e ceticismo do autor em certas
passagens16, José Honório considerava que a Política Externa representava projeção da
congênere interna – a luva que a outra mão calça.
49 51
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Por isso foi para a abertura democrática e retomada do Estado de Direito que se
voltou com todas as forças. As reuniões do cenáculo logo refletiram essa
particularidade.
Ele aprovou a maneira como o Presidente Geisel enfrentou e desmontou a
comunidade de segurança e informação do sistema mas, cem por cento liberal radical,
como comprovado no discurso de posse da APL, centrado em Tavares Bastos, “o
menino de ouro dos liberais”17 repeliu o autoritarismo do general presidente, em texto
preliminarmente preparado para a revista Isto É:
“(...) Soberbo, inconciliável, arrogante, perseguindo até os grandes mortos do
país, para os quais se tentou negar ou se negaram homenagens devidas, como foram os
casos de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, o Governo Geisel
revelava, auxiliado por seu mágico assessor geopolítico, uma lógica global e fria de
untraconservadores ou direitistas que pretendiam criar no país um capitalismo singular e
único, o capitalismo autoritário”.18
1.6. Política brasileira e Academia – Nessa altura, as predileções políticas do
historiador voltaram-se para o General Euler Bentes que, candidato da oposição
emedebista, nas eleições presidenciais indiretas de 1978, combinava liberalismo e
nacionalismo. Com Bentes, JHR encontrou-se na companhia de numeroso grupo de
intelectuais na residência do cientista político Hélio Jaguaribe.
Em reuniões do cenáculo, José Honório não poupou elogios ao chefe militar
paraense que lhe parecia talhado para encaminhamento da abertura democrática.
Resplandeciam, então, certas passagens de Aspirações Nacionais:
- Além do mais Euler Bentes é bastante consciente de nossos valores. Difere
profundamente, desse ministro de Minas e Energia [Shigeaki Ueiki] que anuncia
aumento do preço da gasolina e em seguida ri...19
Tanto quanto eu seiba, José Honório levava essa mesma determinação para a
ABL onde costumava sentar-se entre dois grandes amigos, os romancistas Herberto
Sales e José Cândido de Carvalho, da Bahia e Estado do Rio.
Autor, na Academia, de esplêndido necrológio de José Américo, a quem
idolatrava, como a voz da democracia e do Nordeste, José Honório Rodrigues alardeou,
em outubro de 1975, franca predileção pela candidatura do ex-presidente Juscelino
contra o escritor goiano Bernardo Ellis.
Percebeu, então, que a questão não era cultural mas política, como peça da
abertura que se desenhava. Nesse ponto, recebia o assessoramento da esposa, Dra. Lêda,
para quem, com as memórias editadas pela Bloch, JK era também escritor de mão
cheia.20
Quando da derrota de Juscelino, estranhamente rejeitado pelos setores mais
avançados da ABL, porque os três Limas – Barbosa Sobrinho, Alceu de Amoroso e
Hermes Lima – não o sufragaram, José Honório entendeu que a decisão passara pelo
presidente Austregésilo de Athayde. Com alguns colegas cogitou, então, de Afonso
Arinos de Melo Franco para a presidência da Casa de Machado de Assis. Comunicado
ao cenáculo, o movimento, porém, logo arrefeceu.
1.7. Conclusões – a serviço do Brasil – Esse o perfil de José Honório
Rodrigues que me cabe formular. Faço-o sob, a inspiração da Nova História, sensível
aos fermentos de cotidiano e imaginário social.
Essa corrente, todavia, não era da predileção de José Honório. Também
distanciado de modismos, como História Quantitativa e Estruturalismo, sua concepção
historiográfica – firmemente delineada na Teoria da História do Brasil (4ª ed., 1978) –
expressava viés combatente, presenteista e nacionalista, de inspiração histórico-política
e econômico-social.21
50 52
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Várias de suas obras, até nos títulos, refletiam essa inclinação. Sem
dogmatismos, mas com convicção, essa orientação era repassada aos integrantes do
salão.
Entre eles eu me situava como o mais humilde mas também o mais atento dos
discípulos. Essa a razão por que, nas reuniões do apartamento, quando tinha de se
ausentar por alguns instantes, era a mim que passava o comando.
Refletindo a orientação do mestre, cabia-me seguir os trabalhos, consciente do
paradoxo que se estabelecia. Enquanto a Universidade de minha terra cerrava-me as
portas, no Rio de Janeiro cabia-me, em reunião da própria casa, substituir um dos
maiores historiadores brasileiros de todos os tempos.
Foram os dois mais altos momentos de minha vida intelectual: presidir a
reuniões do Grupo José Honório Rodrigues, em lugar do patrono, e servir de motorista
para Ulysses Guimarães, durante dia inteiro, quando este esteve, de certa feita, em João
Pessoa, para cumprimento de agenda político-cultural.
Em ambos os casos, era ao Brasil que servia.
Notas e Bibliografia
1
Tido como o mais famoso de todos, o salão do escritor mineiro Aníbal Machado,
localizado na Visconde de Pirajá, foi objeto de crônicas de Rubem Braga – “A Casa
Viaja no Tempo”, no primeiro tomo de Quadrante (Editora do autor, 1962) e Paulo
Mendes Campos, este último em página da revista Manchete, republicada, sob a
denominação de “Aníbal e o partido de vida” in MACHADO, Aníbal M. – A Arte de
Viver e Outras Artes – Rio: Graphia Editorial, 1994, p. XII/XIII, livro que contém às p.
XVI/XXII tocante depoimento de Leandro Konder – “Lembranças de uma casa de
Ipanema”.
2
Do Grupo de Itatiaia aos Cadernos de Nosso Tempo, IBESP e ISEB, o cenáculo de
Hélio Jaguaribe foi enviesadamente retratado por Nelson Werneck Sodré em “História
do ISEB” que, depois de publicado na revista Temas de Ciências Sociais I e II, S. Paulo,
1977, gerou, pela Avenir Editora, o livro A Verdade sobre o ISEB (1977?), de conteúdo
reproduzido pelo autor em “A Luta pela Cultura”, do segundo volume das Memórias de
um Escritor, pela Civilização Brasileira. Já o salão de Alzira Abreu gerou o CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas, especializado em História Oral, depois que essa historiadora
realizou curso em Paris juntamente com as colegas Aspásia Camargo, Alzira Vargas do
Amaral Peixoto, Lúcia Lippi e Rosa Maria Barbosa de Araújo. (cf. “Um Abrigo para a
História” in Veja de 13 de abril de 1977, p. 3/6).
3
A singularidade desse encontro foi transmitido por Lêda a minha esposa, Amável, e em
carta constante dos Arquivos do Grupo José Honório Rodrigues, doravante AGJHR. A
companheira de JHR considerou-me “jovem e bem parecido mas de terrível mau gosto”.
4
Em uma das cartas que me endereçou José Honório foi enfático: “Você devia saber que
eu tinha e tenho um projeto de História do Brasil”. A mesma observação foi transmitida
ao historiador Francisco Iglesias. Não sabemos, porém, em que nível foi deixado esse
projeto.
5
Na Carta Mensal da Confederação Nacional do Comércio, JHR publicou estudos como
“História e Economia: A Década de 1870-1880” (abril de 1971), “Centenário da Morte
de José Tomás Nabuco de Araújo” (outubro de 1978), “O bravo e liberal Osório”
51 53
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 (janeiro de 1980), “História e Cliometria – Métodos Quantitativos” (julho de 1980) e “O
Movimento rebelde de 1930: A situação econômica, social e política” (agosto de 1981).
A maioria desses estudos foi aproveitada em livros como História, Corpo do tempo
(1976), História Combatente (1982) e Tempo e Sociedade (1986).
6
Em conversas comigo, JHR reconhecia que o prefácio dos Capítulos fora bem cuidado,
ao contrário dos demais, procedidos às carreiras, nas vésperas de viagem ao exterior.
Pessoalmente, também considero de alto nível a introdução e prefácio ao primeiro
volume da Correspondência de Capistrano de Abreu, alusivo ao centenário (1977) e
onde o mini ensaio “Capistrano de Abreu e a Historiografia Brasileira” viu-se inserido
em outras obras historiográficas de Honório.
7
Segundo a nova governanta Maria da Penha, esse óleo foi um dos primeiros bens
retirados por quem, no primeiro semestre de 2012, se dispôs a afastar livros e
patrimônio do apartamento da Paul Redfern, para custear o tratamento de Dra. Lêda. A
biblioteca foi encaixotada em containers.
8
Carta de Geraldo Ireneo Joffily a José Octávio, de 18 de maio de 1979, in AGJHR.
Como GIJ comparecia ao salão de JHR acompanhado da esposa, Cristine, colega de
Lêda no STF, formavam-se dois grupos reunidos em diferentes lugares do apartamento.
Um era constituído por José Honório, Geraldo e José Octávio e outro pelas mulheres
Lêda, Cristine e Amável.
9
Para José Honório que repetiu o conceito no Seminário Paraibano de Cultura Brasileira
“quem nunca foi ao Canadá não sabe o que é a organização de um Arquivo Histórico”.
10
MELLO, José Octávio de Arruda. “Os Seminários Paraibanos de Cultura Brasileira
como Fontes para a História” in Debates de História Regional nº 1, Maceió – UFAL,
1992, p. 55/68, com coordenação do historiador Douglas Apratto Tenório.
11
Enquanto o publicista pernambucano Fernando Coelho, à época deputado federal
confirmou a reunião de Rosaline Carter com o MDB, o historiador e diplomata Vasco
Mariz negou que ela houvesse recriminado o Presidente Ernesto Geisel, em reunião com
este.
12
RODRIGUES, José Honório. “O Partido Trabalhista Britânico e o Brasil in Tempo e
Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 51/55. No texto, o artigo apareceu sem as
indicações passadas a J.O. em encontro no cenáculo.
13
_______________. “Frei Caneca: A Luz Gloriosa do Martírio” in História Corpo do
Tempo. São Paulo: Perspectiva, 1976. A censura a esse estudo sobreveio depois da
publicação, pela revista da Bloch, do estudo “Paixão e Morte de Tiradentes”, constante
do Corpo do Tempo (p. 101/118).
14
Na visita que fez a Angola, em 1977 José Honório entrevistou-se com o presidente
Neto junto a quem objetou a feição imperialista da língua portuguesa porque esta
constituiu-se no Brasil, mediante uma grande guerra de línguas, cf. “A vitória da Língua
Portuguesa no Brasil colonial” in História Viva. S. Paulo: Global, 1985, p. 11/48. Nesse
estudo, como em tantos outros, o historiador sustenta que os bandeirantes não falavam
português, mas a língua geral, compilada pelos jesuítas.
15
RODRIGUES, José Honório. Interesse Nacional e Política Externa. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1966, passim, e depoimento a José Octávio, em reunião do
Grupo José Honório, Rio de Janeiro, 1979.
52 54
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 16
Cf. LIMA, Hermes. Travessia (memórias). Rio: José Olympio, 1974, e RODRIGUES,
José Honório “Hermes Lima, Um Pensador Político” in História Combatente. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 165/169. Ao comentar esse livro, em reunião do
cenáculo, JHR revelou que, em suas memórias, “não faria como Hermes que escondeu
muita coisa, porque vou contar tudo”. Foi a única vez que o historiador aludiu ao
preparo de memórias, seguramente não iniciadas.
17
No Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras, proferido a 5 de dezembro
de 1969 e inserido como Separata da Revista de História nº 81, S. Paulo, 1970, José
Honório ressalta a orientação política de Tavares Bastos “Ideólogo do liberalismo” com
as seguintes palavras:
“Tavares Bastos se revela o maior pensador político que o Brasil já conheceu,
comparado em termos relativos a seus antecessores, contemporâneos e sucessores. (...)
Desculpe-se Nabuco a apologia de seu Pai, grande entre os raros grandes. Mas revelador
doutrinário na obra escrita, nenhum se compara a Tavares Bastos” (p. 10/11).
Reafirmando sua visão social do liberalismo, José Honório voltou a destacar o
pensador alagoano na nota introdutória à segunda edição de Os Males do Presente e as
Esperanças do Futuro (S. Paulo: Cia Editora Nacional, 1976, p. 9/14).
18
RODRIGUES, José Honório. “O Presidente, a Tropa e a Nação” in Isto É, 14 de
março de 1979, pgs. 36/38, com reprodução in História Combatente, cit., p. 175/82. As
colocações do historiador carioca fizeram-se tão contundentes que o ex-presidente
pretextou entrevista à TV Globo para replicá-las no programa dominical de horário
nobre “Fantástico”. Fui eu que, pelo telefone, imediatamente relatei o ocorrido a JHR.
19
No V Seminário Paraibano de Cultura Brasileira, de outubro de 1981, com livro não
editado, 1978, embora preparado,- José Honório considerou que a desnacionalização
das cultura e economia brasileiras principiava pela Presidência da República onde o
Presidente Ernesto Geisel – aliás Geissél ou Gésilo – provinha dos Erbrart da Prússia
Oriental. Por conseguinte, tratava-se de um teuto-alemão de primeira geração, tanto
quanto o novo Ministro da Guerra, Hugo Bethlem. Já o da Viação – Mário Andreazza –
era de origem italiana e o das Minas e Energia, japonesa. Para JHR tal gerava distorções
como a do texto.
20
A favorável visão cultural juscelinista de Lêda transferiu-se ao afilhado que, em 2005,
preparou para a SBPH o estudo “Memórias de JK – Uma fonte para a História” in
Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica – Anais da XXIV Reunião – SBPH,
Curitiba, 2005, p. 273/8. Esse estudo de José Octávio foi também apresentado nas
UEPB e UNIPÊ.
21
MELLO, José Octávio de Arruda. “Revisão e Combate no Grupo José Honório
Rodrigues” in RODRIGUES, Lêda Boechat e MELLO, José Octávio de Arruda. José
Honório Rodrigues, um Historiador na Trincheira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1994, passim, e também WITTER, José Sebastião, “O historiador
combatente” in Diário da Tarde. São Paulo: 1º de outubro de 1994.
53 55
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 UM PIONEIRO DA LIMNOLOGIA NO BRASIL: STILLMAN WRIGHT (1898 –
1989)
Melquíades Pinto Paiva (1)
(1)
– Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, Professor Emérito da
Universidade Federal do Ceará e Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro.
(2)
– Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP.
54 56
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 RESUMO
Este trabalho trata de Stillman Wright (1898 – 1989), um dos fundadores de
estudos limnológico no Brasil, onde trabalhou durante cinco anos (1933 – 1937), como
pesquisador da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste. São apresentados dados
biográficos e lista dos seus trabalhos publicados no Brasil, com os comentários
pertinentes.
ABSTRACT
A pioneer of limnology in Brazil: Stillman Wright (1898 – 1989)
This paper deals with Stillman Wright (1898 – 1989), one of limnological
studies founders in Brazil, where worked during five years (1933 – 1937) as researcher
of Northeast Brazil Technical Fishculture Commission. Biographical data and list of his
papers published in Brazil are presented, with appropriated remarks.
Até o início dos anos ‘30 (século XX), pouco se conhecia das características e
ciclos anuais das águas dos açudes do nordeste do Brasil. O que se sabia resultava de
observações empíricas dos sertanejos, desprovidas de efetivo valor científico.
Esta precária situação começou a se modificar após a criação da Comissão
Técnica de Piscicultura do Nordeste, em 12 de novembro de 1932, vinculada à
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, por José Américo de Almeida (1887 –
1980), titular do Ministério de Viação e Obras Públicas.
O fundador e primeiro diretor da nova instituição foi o cientista Rodolpho
Theodor Wilhelm Gaspar von Ihering (1883 – 1939), que logo sentiu a premente
necessidade de conhecimento limnológico dos açudes, para orientar a ciração de peixes.
Daí o convite encaminhado a Stillman Wright (1898 – 1989) – (FIGURA 1), para vir
preencher tal lacuna. Ele chegou em 1933, desembarcando no porto do Recife (PE);
pouco depois, vieram a esposa Doris e o filho Tomy, este apenas com 8 meses de vida.
A família permaneceu no Brasil até o final de 1937, retornando aos Estados Unidos da
América. Enfrentaram precárias condições de vida e de trabalho, e mesmo de segurança
(BONANÇA, 1983).
Esboço biográfico
As informações biográficas contidas neste esboço resultam da consulta aos
seguintes trabalhos: WRIGHT, FREDINE & STEVENSON, 1989; REID, 1989;
NOMURA, 1991.
Stillman Wright nasceu em Chicago, mas se criou em Berlin (Wisconsin).
Ingressou no Beloit College (Beloit – Wisconsin) em 1916, mas interrompeu os estudos,
para servir à Marinha (1918 – 1919). Voltando à escola, obteve o bacharelato em
Geologia (1921). Após breve período como professor, retornou à University of
Wisconsin, onde se tornou doutor (1928), com especialização em limnologia, orientado
por Chancey Juday.
Veio para o Brasil, quando serviu à Comissão Técnica de Piscicultura do
Nordeste (1933 – 1937), pesquisando açudes na área semi-árida. Além da
movimentação expedicionária na região, andou pela Amazônia e, por pouco tempo, em
São Paulo (Brasil) e na Argentina. Esteve sediado em Campina Grande (PB) e em
Fortaleza (CE).
55 57
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Com o regresso ao seu país, ingressou no U. S. Bureau of Fisheries (Logan –
Utah), começando brilhante carreira, passando por Chicago e Washington.
FIGURA 1 – Stillman Wright (1898 – 1989) – Fotografia tirada em Campina Grande (PB), no ano de 1934. Aposentou-se em 1963. Por fim, foi para Chapel Hill (North Carolina), onde morreu
em 19 de fevereiro de 1989. Teve longa vida, pois nasceu em 27 de setembro de 1898.
Membro da American Fisheries Society, American Association for the
Advancement of Science, American Society of Limnology and Oceanography,
Wisconsin Academy of Sciences, Arts and Letters, correspondente da Internationale
Vereinigung für Limnology, curador de crustáceos do Michigan Museum of Zoology.
Ainda pertenceu à Academia Brasileira de Ciências, American Microscopical Society,
Sigma Xi, Phi Sigma e Gramma Alpha.
Limnologia dos açudes
“His studies of physical and chemical properties of impoundments in the
Brazilian Northeast constituted some of the earliest limnological research carried out in
that country.” (REID, 1989 : 82).
WRIGHT, S. – 1934 – Alguns dados da phisica e da chimica das aguas dos Açudes
Nordestinos. Bol. Insp. Fed. Obr. Contr. Sêc., Rio de Janeiro, 1 (4) : 164 – 169,
[14] ests. Uma tabela em 3 páginas não numeradas.
A estratificação térmica das águas dos açudes resulta do empobrecimento de
oxigênio dissolvido nas camadas profundas. Com as chuvas, desaparece tal
estratificação e baixa o nível de cloretos, retornando às condições anteriores nos meses
secos. As zonas de alta e baixa salinidade têm limites bem definidos.
“Das 88 amostras examinadas apenas 8 contêm de 100 a 300 partes de chloreto
por milhão, sendo de notar porém que 4 delas provêm de rios, dos quais é sabido
estarem sujeitos a amplas variações na salinidade, dentro de período de tempo restricto.”
(p. 168).
56 58
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 WRIGHT, S. – 1935 a – Da Physica e da Chimica das aguas do Nordeste do Brasil. II –
Chloretos e Carbonatos. Publicações da Commissão Techinica de Piscicultura
do Nordeste do Brasil, Fortaleza, (8) : 15 – 26, 1 fig.
Foram estudados 133 açudes dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco. “In general the picture presented is one the rapid decrease in the rainy
season and gradual increase afterward. (…) For the most part fresh and salty waters are
not found in the same area, but there are some notable exceptions to this rule. Few
waters have chloride content between 100 and 300 p.p.m., and there is no evidence of
transition zones between the zones of high and low chloride. (…) In many cases, low
carbonate is associated with low chloride, and high carbonated with high chloride, but
there are too many exceptions to permit of generalization.” (p. 20).
WRIGHT, S. – 1935b – A Limnologia e a Piscicultura. Publicações da Commissão
Technica de Piscicultura do Nordeste do Brasil, Fortaleza, (11) : 39 – 42, 4
figs.
“Quasi nada era conhecido até á presente observação quanto ás condições da
existência de peixes nos açudes.” (p. 42).
WRIGHT, S. – 1936c – Thermal conditions in some waters of Northeast Brazil. An.
Acad. Bras. Ciên., Rio de Janeiro, 8 (3) : 163 – 177.
Foram estudados 4 açudes perto de Campina Grande (PB), durante cerca de um
ano. As águas estavam sujeitas à circulação e à estratificação intermitentes. Não havia
evidência de um período definido de estratificação, em relação com as estações do ano.
WRIGHT, S. – 1937b – Chemical conditions in some waters of Northeast Brazil. An.
Acad. Bras. Ciên., Rio de Janeiro, 9 (4) : 277 – 306, 4 figs., 3 ests.
No açude Bodocongó (Campina Grande – PB), durante a seca prolongada, a
água continha muito cloreto e carbonato, e era bastante alcalina. Com as chuvas pesadas
de março, a água nova a reduziu a um terço da anteriormente observada. Abundante
matéria orgânica foi trazida pelas enxurradas, fazendo baixar a alcalinidade, até tornar a
água ácida para fenolfitaleina; estas transformações se realizam rapidamente. Cessadas
as chuvas, se inicia um longo período de gradual concentração de sais em solução pela
evaporação, e a acidez baixa à medida que a matéria orgânica vai sendo destruída.
A estratificação térmica foi observada em todos os açudes estudados, mas as
diferenças entre as temperaturas das águas superficiais e dos fundos nunca foram
grandes.
WRIGHT, S. – 1938a – Da Física e da Química das águas do Nordeste do Brasil. IV –
Condições químicas. Bol. Insp. Fed. Obr. Contr. Sêc., Rio de Janeiro, 10 (1) :
37 – 54, 3 figs., III ests.
Foram estudados 4 açudes em Campina Grande (PB). As principais conclusões
são as seguintes: 1) não ocorreram condições químicas capazes de prejudicar os
organismos aquáticos encontrados; 2) não existiu um período definido e prolongado de
estratificação térmica; 3) por causa das temperaturas elevadas nas águas mais profundas,
a decomposição prosseguiu rapidamente, causando grandes modificações químicas,
realizadas em pouco tempo.
X
Os estudos de Stillman Wright sobre a física e a química das águas dos açudes
nordestinos, evidenciam fenômenos de estratificação térmica, de gases e sais
dissolvidos, bem como a concentração de cloretos e carbonatos no período seco
(FIGURA 2).
57 59
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Outros trabalhos brasileiros
WRIGHT, S. – 1936a – A revision of the South American species of Pseudodiaptomus.
An. Acad. Bras. Ciênc., Rio de Janeiro, 8 (1) : 1 – 24, 3 ests.
As espécies do gênero Pseudodiaptomus Herrick, 1884, encontradas na América
do Sul, estão abaixo relacionadas:
* P. gracilis (Dahl, 1894) – Bem distribuída no Baixo Amazonas, com
preferência pelas águas doces. Restrita à região amazônica.
* P. richardi (Dahl, 1894) – Vive bem em águas doces e salobras de baixa
salinidade. Tem ampla distribuição, desde o Rio Pará até o Rio da Prata.
* P. acutus (Dahl, 1894) – Vive em águas salobras de alta salinidade.
Encontrada desde o Rio Pará até os estuários perto de Santos (SP).
* P. marshi sp. n. Vive em águas marinhas, desde a Baía de São Marcos (MA)
até o estuário do Rio Capibaribe (PE).
WRIGHT, S. – 1936b – Preliminary report on six new species of Diaptomus from
Brazil. An. Acad. Bras. Ciênc., Rio de Janeiro, 8 (2) : 79 – 85, 2 ests.
As seis espécies descritas, com as respectivas áreas de ocorrência, são as
seguintes;
* D. dahli sp. n. – Rio Arary (Ilha de Marajó – PA).
* D. cearensis sp. n. – Açudes do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba;
FIGURA 2 – Esquema padrão das variações mensais sofridas pelos principais fatores
químicos que caracterizam as águas de um açude [AZEVEDO & VIEIRA, 1940].
* D. isabelae sp. n. – Poços perto de Jatobá (atual Petrolândia – PE), ligados ao Rio São Francisco; 58 60
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 * D. jatobensis sp. n. – Cachoeira de Itaparica, no lado baiano do Rio São Francisco, perto de Jatobá (atual Petrolândia – PE); * D. corderoi sp. n. – Lagoa Santa (MG); * D. paulistanus sp. n. – São Paulo (SP) e Juiz de Fora (MG). WRIGHT, S. – 1936d – Limnologia das aguas de São Paulo. Arch. Inst. Biol., São Paulo, 7 (7) : 65 – 73. Foram ligeiramente estudadas as águas de reservatórios do Rio Grande (1), Guarapiranga e Sorocaba, águas próximas de Amparo, Campinas e São Paulo. Além disto, foram feitas investigações taxonômicas, que mostraram ser as águas muito pobres de Diapterus, e mesmo poucas delas os possuem. Apresenta medidas de temperatura, oxigênio dissolvido, dióxido de carbono, pH e CaCo3 . WRIGHT, S. – 1937a – A review of some species of Diaptomus from São Paulo. An. Acad. Bras. Ciên., Rio de Janeiro, 9 (1) : 65 – 82, 3 ests. As espécies revistas foram as seguintes: D. paulistanus Wright, 1936; D. furcatus Sears, 1901; D. conifer Sears, 1901 e D. coronatus Sears, 1901. WRIGHT, S. – 1938b – Distribuição geographica das especies de Diaptomus na América do Sul. In: Livro Jubilar do Professor Lauro Travassos, pp 561 – 566, 1 est., Rio de Janeiro. Editado pelo Instituto Oswaldo Cruz. As espécies encontradas no Brasil são as seguintes: D. gibber Poppe, 1889; D. deilersi Poppe, 1891; D. henseni Dahl, 1894; D. furcatus Sars, 1901; D. conifer Sars, 1901; D. coronatus Sars, 1901; D. gracilipes Van Douwe, 1911; D. aculeatus Van Douwe, 1911; D. perelegans Wright, 1927; D. mesrillae Wright, 1927; D. pearsei Wright, 1927; D. santaremensis Wright, 1927; D. insolitus Wright, 1927; D. calamensis Wright, 1927; D. flexipes Wright, 1927; D. coniferoides Wright, 1927; D. silvaticus Wright, 1927; D. infrequens Wright, 1927; D. inflatus Kiefer, 1933; D. nordestinus Wright, 1935; D. amazonicus Wright, 1935; D. iheringi Wright, 1935; D. azevedoi Wright, 1935; D. dahli Wright, 1936; D. cearensis Wright, 1936; D. isabelae Wright, 1936; D. jatobensis Wright, 1936; D. corderoi Wright, 1936; D. paulistanus Wright, 1936. Agradecimentos: Sou grato as seguintes pessoas, pelas ajudas recebidas durante o preparo deste trabalho: Anésia Torres Vieira Bayma, Hitoshi Nomura, Kraig Adler e Janet W. Reid. Bibliografia consultada [AZEVEDO, P. & VIEIRA, B. B.] – 1940 – Realizações da Comissão Técnica de Piscicultura – 1940. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contras as Sêcas, Rio de Janeiro, 13 (2) : 113 – 124, [28] figs. BONANÇA, D. v. I. – 1983 – Ciência e Belezas nos Sertões do Nordeste. In: IHERING, R. v. & BONANÇA, D. v. I. – Ciência e Belezas nos Sertões do Nordeste, pp. 15 – 139, figs. 1 – 25. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, 305 pp., 44 figs., Fortaleza. ESTEVES, F. A. (coord.) – (1988) 2011 – Fundamentos da Limnologia. Editora Interciência Ltda., 3ª. ed., 826 pp., ilus., Rio de Janeiro. IHERING, R. v. & WRIGHT, S. – 1935 – Fisheries Investigations in Northeast Brazil. Tans. Amer. Fish. Soc., Washington, 65 : 267 – 271. NOMURA, H. – 1991 – Vultos da Zoologia Brasileira – volume II. Coleção Mossoroense, série C/volume DCLXII, pp. 122 – 236, Mossoró. Nota sobre Stillman Wright : pp. 127 – 129. PAIVA, M. P. – 1963 – Sinopse sôbre as águas interiores do nordeste brasileiro. Bol. Soc. Cear. Agron., Fortaleza, 4 : 1 – 15. REID, J. W. – 1989 – Stillman Wright (1898 – 1989). Journal of Crustacean Biology, San Antonio, 9 (4) : 680 – 683, 1 fig. WRIGHT, D. A.; FRENINE, G. & STEVENSON, J. – 1989 – Obituary : Dr. Stillman Wright (1898 – 1989). Fisheries, Washington, 14 (3) : 22, 1 fig. 59 61
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 ANAYDE BEIRIZ – Vítima da Revolução de 1930
Natércia Suassuna Dutra*
ANAYDE BEIRIZ - sempre que tenho oportunidade de falar sobre essa mulher
inteligente e altiva sinto-me tomada por um sentimento de revolta e tristeza, no
desenrolar da sua história. Foi uma paraibana injustiçada pela sociedade mesquinha e
pela política injusta, falsa e perseguidora da época. Ela está ligada a História da Paraíba
em virtude da tragédia em que foi envolvida, tendo sido sacrificada na Revolução de
1930, somente por dedicar um amor puro e sincero ao seu noivo, o jornalista e
advogado – João Duarte Dantas.
ANAYDE DE AZEVEDO BEIRIZ nasceu na Parahyba, capital do Estado da
Parahyba do Norte, a 18 de fevereiro de 1905. Filha de José da Costa Beiriz e da
sertaneja Maria Augusta de Azevedo Beiriz. Anayde tinha três irmãos: Antônio, Helena
e Maria José – a Zezita.
Seu pai era tipógrafo do jornal A UNIÃO, morador da Rua da República,
homem pobre, sem educação superior, mas era dado às letras, gostava de discutir
política e problemas sociais. Era muito apegado a filha Anayde, transmitindo a ela o
gosto pela intelectualidade. Via na menina muito interesse pelas letras e fez o possível
para colocá-la em uma boa escola. Com muito sacrifício a matriculou na tradicional
Escola Normal da Parahyba, frenquentada por moças das melhores famílias, onde
Anayde foi uma aluna aplicada. Durante o período escolar conquistou um espaço
destacado. Era sempre solicitada nas festas da escola para recitar poesias e participar de
peças teatrais. Anayde ressaltava vivacidade de espírito, o bom comportamento
disciplinar e o aproveitamento na Escola.
Concluiu o Curso Normal no ano de 1922, com 17 anos de idade (era a mais
jovem), foi laureada com o 1º lugar dessa turma.
As amizades feitas nessa escola permitiram a Anayde freqüentar a sociedade,
participando de tertúlias e saraus, denominados de lítero dançante, realizados em
residências e salões da melhor sociedade da cidade. Se sobressaía, e sempre a sua
presença e das suas irmãs, Zezita e Maria Helena Beiriz, eram citadas na Crônica
Social, dita como noticiário elegante. Era sempre convidada para as recepções na
residência do destacado comerciante, coronel João Porciúncula, de tradicional família
paraibana. Frequentava ativamente esses acontecimentos, principalmente na residência
do seu padrinho, o Dr. José Maciel. Recitava com voz impostada, caprichando na
gesticulação, poemas da sua lavra ou de terceiros, sendo aplaudida com entusiasmo.
*Sócia Efetiva do IHGP
60 62
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Anayde brilhava entre as senhoritas da mais alta burguesia, que eram suas
amigas, entre elas: Nini e Martha Porciúncula, Eimar e Áurea Pinto Pessoa, Nevinha e
Maria do Carmo Oliveira, Iracy e Iracema Maia, Nautília Freire, Dedé Atahyde, Elza,
Odacy e Oda de Queiroz, Maria, Clélia, Yolanda e Deborah Seixas, Maria Isabel Leite,
Zenayde Silva, Dárdna e Dedra Lima, Sérvola e Maria do Carmo Velloso, Ninália
Freire, Jacyntha Dantas (esta, irmã de João Duarte Dantas), entre outras.
Com o diploma de professora foi lecionar na Colônia de Pescadores, em
Cabedelo. Durante o dia ensinava as criança e no turno da noite desenvolvia trabalhos
educativos com jovens e adultos. Foi uma professora muito respeitada e querida por
seus alunos. Em março de 1930 foi eleita, por unanimidade, Secretária da Colônia. Ela
costumava dizer: Realmente nasci para o magistério.
No período que trabalhou em Cabedelo hospedava-se na casa da sua tia Noca.
Anayde sempre procurava progredir. Em 1927 concluiu o Curso de Datilografia
na Escola Remington, na 1ª turma mista da conceituada escola, tendo sido, inclusive,
colega de Ana Alice Mello de Almeida, esposa do escritor José Américo de Almeida.
Era independente, rompia as barreiras impostas ao sexo feminino na década de
1920. Usava ruge e batom; saia às ruas desacompanhada, usava o cabelo a la garsonne
(não foi a primeira a usar esse corte de cabelo, aqui na Paraíba). Era a favor do divórcio,
escandalizando os moralistas. Tornou-se jornalista, colaboradora da Revista Cidade e O
Jornal, do Recife. Escrevia contos para a revista Belém Nova, do Pará. Colaborava,
também, para as revistas paraibanas: Era Nova e Revista da Semana. Seus escritos eram
conhecidos nacionalmente. Com certeza Anayde teria sido membro da Academia
Brasileira de Letras, não tenho a menor dúvida.
A escritora e poetisa Maria da Penha Beiriz Carneiro, membro da Academia de
Letras do Extremo Oeste do Paraná, sobrinha de Anayde, assim defini a sua tia:
Inteligente e culta, pragmática, espontânea e coerente, escritora de
pensamentos claros e despojados (...) De temperamento romântico e
altivo, se dava inteira às coisas assumidas.
Anayde se destacava das demais moças da sua época, por sua simpatia e
desenvoltura cultural. Era atraente. O escritor José Américo de Almeida descrevia,
assim, o seu tipo genético:
Estatura mediana, morena, olhos expressivos, boca carnuda e nariz
afilado. (...) O penteado de pastinha cobria-lhe parte da face esquerda.
(...) Vaidosa, vestia-se com bom gosto, dentro do estilo dos anos 20, que
tinha na melindrosa, de corpo inteiro e saia curta. Com elegância
equilibrava-se nos saltos Luiz XV e caminhava levitando como se tivesse
asas nos pés. (...) Mesmo sendo uma moça de hábitos simples, não foi
impedimento para frequentar um centro onde pontificavam Nininha
Norat, Analice Caldas, Olivina Olívia Carneiro da Cunha. (...) Deixou
aos amigos a imagem de suave e doce, personificando o que havia de
mais jovial e alegre.
Anayde nasceu no dia 18 de fevereiro, era do signo de Aquarius. Dizem, aqueles
que acreditam em horóscopo, que os aquarianos vivem 100 anos a frente do seu tempo.
E Anayde era assim. Seus pensamentos e atitudes eram muito avançados para a época.
Tinha forte personalidade e muita coragem para enfrentar a sociedade conservadora e
machista. Passou a defender abertamente a liberdade da mulher; tornou-se uma
feminista, uma das primeiras na Paraíba. Lutou a favor do direito da mulher votar e ser
61 63
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 votada. Ícone feminino do modernismo na Paraíba. Em 1925, obteve o primeiro lugar
em um concurso de beleza promovido pelo jornal “Correio da Manhã”. Comentava um
jornalista desse mesmo jornal: Com beleza invulgar, a presença da “miss” chamava a
atenção.
Os amores de Anayde
Anayde não teve muitos namorados. Quando se fala dos seus amores, a primeira
lembrança é do nome do advogado João Dantas. Antes dele ela teve namoros
passageiros com Jorge Baia e com Orris Soares. No ano de 1924, Anayde viveu um
amor platônico com Heriberto Paiva, estudante de Medicina no Rio de Janeiro, ou quase
platônico, se assim pode-se dizer, pois conviveram apenas um mês, período de férias de
Hery, como Anaylde o tratava.
A família de Heriberto Paiva não aceitava o seu namoro com Anayde, via grande
diferença entre eles (vejam a discriminação), os parentes do rapaz faziam estas
comparações: Heriberto: branco, louro dos olhos azuis; ela: morena, olhos escuros e
cabelos negros; ele, filho de um rico comerciante, e ela, de um simples tipógrafo.
Heriberto foi proibido pelo pai, de vir à Parahyba. Mesmo assim o namoro continuou,
por correspondência e por um longo período, de agosto de 1924 a setembro de 1926.
Uma paixão vivida através de simples cartas.
Dois anos depois do término desse namoro (por correspondência), Anayde
iniciou o seu romance com João Dantas, no ano de 1928. Um namoro respeitoso, Ela
não era leviana como acreditam alguns, era uma jovem séria e respeitada. Dona Amélia
Costa, moradora da Rua Santo Elias, vizinha da viúva Maria Augusta de Azevedo
Beiriz, mãe da homenageada, dizia sobre o namoro de Anayde e João Dantas:
Presenciei muitas vezes o namoro de beleza e ingenuidade desse jovem casal.
Digo a vocês, comentário de vizinhas, sobre o namoro dos jovens, é comum e
sempre verdadeiro, elas vêm tudo. O de Anayde e João Dantas era considerado pela
vizinha, “de beleza e ingenuidade”.
O saudoso Joacil de Britto Pereira na sua apreciação, que leva o título – Traços e
Retraços -, do livro João Dantas e Anayde Beiriz – Vidas Diferentes – Destinos Iguais,
da autoria de Maria de Lourdes Luna, diz o seguinte:
Nem Anayde Beiriz era doidivana e nem João Dantas um degenerado.
Eles nutriam, um pelo outro, um amor puro e elevado. (...) Tinham no
coração um sentimento tão lindo e sincero que não os uniu na terra.
As cartas de amor
Falam muito sobre as cartas de Anayde para João Dantas, que eram cheias de
erotismo, mas muita gente desconhece o teor das cartas dela para Heriberto Paiva (Hery,
como Anayde, carinhosamente, o chamava) essas, sim, eram cheias de paixão e amor.
As cartas de Anayde e de João Dantas não li nenhuma, mas as de Heriberto, sim, li
várias. Eram cartas bem escritas, que retratavam o quanto Anayde era romântica e
sonhadora. Sua imaginação era fértil. Ao escrever ela via aquelas cenas se realizarem,
era como se estivesse escrevendo um romance, não as descrevia com volúpia por ser
uma mulher vulgar, mas, sim, enlevada pelo grande amor que sentia por Hery. E
lembrem-se vocês, sem nenhum contato físico, só por correspondência, pelo período de
dois anos.
Essas cartas estão no livro de Marcus Aranha – Anayde Beiriz – Pantera dos
Olhos Dormentes, 2005, tive oportunidade de ler algumas. Eram cartas feitas com amor
62 64
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 e grande paixão, nascendo dali desejos e volúpias que nunca se realizaram. Cartas como
essas só são feitas por poetas. E Anayde era uma grande poetisa. O que ela escrevia
vinha da alma. Se fossem feitas agora, nos dias atuais, a realidade era outra, Anayde
seria comparada as nossas grandes novelistas: Janete Clair, Ivani Ribeiro, Glória Perez,
que escreveram novelas inesquecíveis, com muitas cenas de amor, com certeza, cenas
nunca praticadas por elas, as autoras. Anayde deveria estar incluída entre esses gênios,
fazendo grande sucesso.
Transcrevo pequenos trechos das cartas de Heriberto e Anayde, do livro citado,
páginas 81 e 83:
De Hery para Anayde – Rio, 10 de outubro de 1925
(...) Ah! Anayde, como desejo nesse momento estar junto de ti, com que
fervor aspiro os teus lábios que somente foram maculados por mim,
como anseio enlaçar-te nos meus braços, apertar-te violentamente, até
sentir o teu corpo fremente desfalecer sobre o meu peito! E, além disso,
como me alegraria ao ver-te perder as forças lentamente dominada por
mim, enquanto os teus lábios desejosos murmuram o nome de Hery.
É o delíquio do amor! O delírio da paixão.
Resposta de Anayde para Hery – Parahyba, 29 de outubro de 1925
(...) Ah! Meu Hery, como as tuas palavras chegaram-me ardentes e como
me infiltraram na carne o doce veneno do desejo! Do desejo de ver-me
enlaçada por teus baços fortes, de sentir-me desfalecida, machucada por
tuas mãos inteiramente abandonadas à tua paixão e ao teu amor... Todo
o meu corpo tremeria, numa agonia violenta de prazer e de loucura. E
seria uma alegria, uma ventura ilimitada e suprema, a certeza de seres
somente meu, de ser eu unicamente tua. (...) Mas, isso tudo, meu amor, é
um sonho que talvez não chegue a se tornar realidade, pois que é
demasiadamente alto, demasiadamente bom.
Hoje vemos ao vivo, na televisão, cenas muito mais chocantes, sem nenhuma
demonstração de amor e carinho, algumas chegam a ferir a nossa sensibilidade. E o
pior, são vistas pelas nossas crianças e adolescentes.
O fatídico ano de 1930
Após a morte do Presidente da Parahyba, em 1930, João Pessoa Cavalcanti de
Albuquerque, assassinado por João Dantas, que teve sua integridade moral atingida, a
começar pelo arrombamento do seu escritório e residência, com um agravante maior,
teve seus documentos e correspondências pessoais expostas ao público. Não suportando
as perseguições e humilhações provocadas por aquele presidente, cometeu esse
desatino.
João Duarte Dantas era um homem pacato e correto. Advogado de grande valor.
Intelectual; jornalista e poeta.
Na entrevista à jornalista Regina von Söhsten para o Especial – A História que
marcou a Paraíba e o Brasil, do jornal A União, datado de 26 de julho de 2013, Eda
Augusta Dantas, sobrinha de João Dantas (que não chegou a conhecê-lo), diz o que
ouviu da sua prima Lygia, filha de Augusto Caldas e da sua tia Jacinta, sobre a
personalidade de João Dantas:
63 65
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Era uma figura apaixonante. Não era bandido, muito menos tarado, nem
malfeitor. Alegre, adorava cantar. Respeitado e comunicativo, além de
poeta e romântico. Sua verve poética se revelava nas páginas dos
jornais de Pernambuco. Aqui, na sua terra, a ele tudo era proibido e
negado.
No final do ano de 1930, veio a Revolução com perseguições e assassinatos, até
mesmo pessoas inocentes foram sacrificadas, a exemplo de Augusto Caldas, Anayde
Beiriz e do ex-Presidente João Suassuna.
No dia 06 de outubro – dentro da Casa de Detenção do Recife, foram sangrados
João Dantas e o seu cunhado Augusto Moreira Caldas, este foi a primeira vítima,
morreu jurando a sua inocência. Não houve piedade.
No dia 09 de outubro – João Suassuna foi assassinado, covardemente, no Rio de
Janeiro, a mando da família Pessoa;
No dia 22 de outubro morre Anayde Beiriz. Suicídio?
No mesmo Especial do jornal A União, de 26 de julho de 2013, o jornalista,
historiador e acadêmico Otávio Sitônio Pinto, no seu artigo - A União na Tragédia de
30 -, fala sobre os assassinatos dentro da Casa de Detenção:
João Dantas tomou o caso como ofensa pessoal, não mais política, e, a
26 de julho de 1930, na última viagem de João Pessoa ao Recife, matou
o presidente a tiros de revólver na Confeitaria Glória. O advogado foi
baleado pelo motorista de João Pessoa, e preso, A 06 de outubro foi
sangrado na prisão, após violenta luta com uma comitiva da polícia
paraibana, comandada pelo mesmo inimigo dos Dantas que os prendera
em Teixeira, o tenente Ascendino Feitosa – segundo o cangaceiro
Antônio Silvino, que cumpria pena na sela vizinh, João Dantas foi
degolado juntamente com seu cunhado, o engenheiro Augusto Caldas,
porque este o hospedara em Olinda.
Anayde Beiriz por ser noiva de João Dantas, foi perseguida até por aqueles que
se diziam seus amigos e admiradores. Mesmo sabendo que ela não tinha culpa da
atitude tomada por seu noivo, passaram a considerá-la leviana e todos se achavam com
direito de agredi-la moralmente.
Para não ser morta, escondeu-se em um navio de bandeira internacional,
ancorado no Porto de Cabedelo. Com certeza não teria sido poupada. O ódio se alastrou
por todo o Estado da Parahyba, contra a pobre Anayde.
Conta Ialmita Beiriz que sua tia Anayde conseguiu fugir da Parahyba, para a
cidade do Recife, ficando hospedada na Avenida Caxangá, na casa da sua prima Didi, e
que a tia sempre visitava seu noivo, João Dantas, na Casa de Detenção.
A deturpação da História da Parahyba
Ai vem, no ano de 1982, a cineasta Tizuka Yamazaki com um filme “pornô”,
Parahyba, Mulher Macho, deturpando parte da História da Paraíba e transformando a
nossa poeta em prostituta, apresentando fortes cenas de sexo explícito; Anayde e João
Dantas, nus, no escritório, e a terrível cena Anayde sendo estuprada por um aluno, a luz
do dia, em Cabedelo. Isso é revoltante. Quando sabemos que Anayde Beiriz era uma
professora querida e respeitada pelos seus alunos. Como dizia, indignado, o saudoso Dr.
Higino Brito: É um filme grosseiro, ferino e de mau gosto.
64 66
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 José Américo de Almeida que chegou a trabalhar com João Dantas em um
escritório de advocacia, conhecendo bem os hábitos do seu colega, dizia:
João Dantas não se exibia
em trajes sumários, muito menos em pele e osso e até para vestir o
pijama, não o fazia em presença de alguém.
Diz Marcus Aranha no seu livro Anayde Beiriz – Pantera dos Olhos Dormentes
– 2005, página 35:
Os depoimentos históricos sobre João Dantas contradizem frontal e
escandalosamente o licenciamento poético com o qual Tizuka o mostrou
no filme dela.
Por coisas semelhantes, e incentivada por amigos da família, Helena
Beiriz, irmã de Anayde, chegou a fazer reclamação na 1ª Vara Criminal
de João Pessoa que, transformada em ação judicial, em agosto de 1985,
com uma cobertura sensacional e espetacular da mídia, terminou sendo
julgada como improcedente.
Recentemente o senhor Paulo Vieira apresentou uma peça no Teatro Santa Roza,
arrasando a moral de Anayde, com cenas horríveis, como se diz vulgarmente, Anayde
era uma prostituta que fazia “todo serviço”, isso explícito no palco do teatro. Continuam
ganhando dinheiro as custas de uma paraibana que viveu honestamente e foi sacrificada
na Revolução de 1930. Usam sua imagem sem respeitar a memória dessa mulher
guerreira.
Anayde Beiriz era noiva de João Dantas, não sua amante. A verdadeira amante
de João Dantas chamava-se Conceição, uma bonita mulata, criada da professora Maria
Hamilton.
O triste fim de Anayde Beiriz
Anayde Beyriz terminou os seus dias no Asilo do Bom Pastor, na Rua do
Benfica, no Recife, onde cometeu o suicídio a 22 de outubro de 1930.
Em um bilhete à diretora do albergue, sóror Maria José de Nazaré, Anayde
solicitava que seu corpo fosse autopciado. Seu pedido foi atendido. O resultado do
exame saiu dias depois, sendo constatado o seu estado de virgindade. Foi divulgado em
matéria do jornal DIÁRIO DE PERNAMBUCO.
Ialmita Beiriz, na entrevista no Especial do jornal A União, esclarece:
O enterro da sua tia Anayde aconteceu no Cemitério Santo Amaro, em
Recife, e foi providenciado pela família de João Dantas. Ela não foi
enterrada como indigente, segundo informam alguns historiadores,
assegura.
igreja.
Até mesmo a Missa de 7º dia, na intenção da sua alma, foi negada pela própria
Depois de muitos anos da tragédia, Anayde Beiriz vem sendo, merecidamente,
homenageada. É nome de Rua na cidade de Santa Rita e de uma Praça na capital
paraibana. No Bairro das Indústrias, dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida”,
foi construído, aqui na capital, o “Residencial Anayde Beiriz “.
65 67
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 A acadêmica Maria da Penha Beiriz, sobrinha de Anayde, citada anteriormente,
anos atrás, publicou no jornal O Norte, uma súplica:
Enterrem definitivamente Anayde Beiriz e João Dantas,
eles não são absolutamente dois bruxos, Eles não merecem a fogueira.
O historiador Humberto Fonseca de Lucena, atual vice-presidente do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP, escreveu na Orelha do livro Anayde Beiriz –
Pantera dos Olhos Dormentes – 2005, da autoria do médico e jornalista Marcus
Antônio Aranha de Macedo:
(...) A figura de Anayde Beiriz continuará a fascinar, intrigar e
interessar, mais ainda, não apenas aos historiadores, mas também às
outras pessoas...
41:
Encerro este trabalho transcrevendo do citado livro de Marcus Aranha, na página
(...) Uma Anayde que almejava um casamento, uma casinha, dois filhos,
paz e outras trivialidades pertinentes a um estado de espírito ainda hoje
apelidado de Felicidade. (...) Era realmente a verdadeira personalidade
da professora, intelectual, cronista, contista e poetisa, sobretudo a
MULHER, a Anayde Beiriz, que nasceu e viveu na PARAHYBA.
Paraíba, outubro de 2013
66 68
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Helena Antônio Anayde Beiriz João Duarte Dantas 67 69
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Anayde – maio de 1922 Referências: Aranha, Marcus. Anayde Beiriz – Pantera dos Olhos Adormecidos. J. Pessoa-­‐PB. Manufatura, 2005 Jornal A União. J. Pessoa-­‐PB, editado em 26/07/2013 Luna, |Maria de Lourdes. João Dantas e Anayde Beiriz – Vidas diferentes, Destinos Iguais. J. Pessoa-­‐PB. A União Editora, 1995 Fotografias: Acervo de Ialmita Beiriz 68 70
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Afonso Pereira nas letras jurídicas*
Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra**
Como historiador e pesquisador das Instituições Culturais do Estado da Paraíba,
já tendo escrito a História da Academia Paraibana de Poesia e em fase conclusiva sobre
a Fundação Fortaleza de Santa Catarina, da União Brasileira de Escritores, da Academia
de Letras e Artes do Nordeste, do Clube do Escritor Paraibano, do Gabinete Paraibano
de Cultura, entre outras, venho, também, debruçando-me sobre a Academia Paraibana
de Letras Jurídicas, que graças à confiança da Escritora Clemilde Pereira, detenho os
documentos oficiais e originais de tão importante entidade cultural para nosso cenário
histórico de nossas Instituições.
O Livro de Ata tem abertura do Imortal Afonso Pereira da Silva, retratando sua
fundação em 11 de agosto de 1977 – DIA DO JURISTA – que por volta das vinte e uma
horas, no Salão de Convenções do Hotel Tambaú, nesta Capital, tendo como
comemoração o Sesquicentenário de Fundação dos Cursos Jurídicos, subscritos por
trinta e um (31) bacharéis em direito, sendo eles: Afonso Pereira da Silva; Aurélio
Moreno de Albuquerque; Antonio Carlos Escorel de Almeida; Carlos Augusto Romero;
Cláudio Santa Cruz Costa; Dorgival Terceiro Neto; Edigardo Ferreira Soares; Edinaldo
de Holanda Borges; Flávio Colaço Chaves; Flávio Sátiro; Geraldo Teixeira de
Carvalho; Joacil de Brito Pereira; José Eweton Nóbrega Araújo; José Alves de Oliveira;
José Gabínio de Farias; Luiz Nunes Alves; Luiz de Oliveira Lima; Manoel Batista de
Medeiros; Mário Moacyr Porto; Newton Soares de Oliveira; Otávio de Sá Leitão;
Otacílio Silva da Silveira; Paulo Américo Maia de Vasconcelos; Rivando Bezerra
Cavalcanti; Ridalvo Costa; Raimundo Gadelha Fontes; Rômulo R. Rangel; Sabino
Ramalho Lopes; Semeão Cardoso Cananéia; Tarcísio de Miranda Burity e Yanko
Cyrillo.
Quando estava à frente da União Brasileira de Escritores da Paraíba, no ano de
2010, precisamente no dia 10 de novembro, tendo como Secretária Geral a Escritora
Maria José Teixeira Lopes, iniciamos as pesquisas e informações para reestruturar a
Academia Paraibana de Letras Jurídicas, tomando, entre algumas iniciativas, a consulta
por Ofício à Academia Brasileira de Letras Jurídicas sobre a filiação nesta Academia
daquela Instituição, onde naquela data estava como Presidente o Acadêmico e Professor
Francisco Amaral, com sede no Rio de Janeiro.
A Academia Brasileira de Letras Jurídicas foi fundada em 1975, demonstrandose total repercussão a nível nacional que logo após dois anos já concretizava sua
instalação estadual. Assim foi que recebemos da ABLJ a confirmação em 28 de
dezembro de 2010 que a APLJ era filiada e que se encontrava “inativa”.
O Estatuto estabelece como composição do seu quadro de sócios efetivos a
totalidade de cinqüenta (50), onde cada membro efetivo terá um Patrono, não tendo
havido a sua composição na forma estatutária.
Passados cerca de trinta e cinco anos de sua fundação há de se verificar que
muitos já faleceram e que em sua reestruturação caberá como justa homenagem a
listagem dos mesmos como Patronos, dando-se como exemplo Afonso Pereira da Silva
na Cadeira nº 01 por ter sido o idealizador da Academia, somando-se aos demais e
inúmeros entes culturais que mapeiam nossa história. Seguindo-se por Tarcísio de
Miranda Burity, Mário Moacyr Porto, Otávio de Sá Leitão, entre outros.
* Discurso proferido no dia 11 de setembro de 2013 no Arquivo Afonso Pereira, durante a
Solenidade de Homenagem ao fundador da APLJ, Afonso Pereira.
**Sócio Efetivo do IHGP
69 71
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Foi concedido ao Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello o Título de
Presidente Perpétuo. Com o Título de Fundador Honorário o Professor Ivan Bichara
Sobreira e aos Juristas Raul Floriano da Silva, José Maria Othon Sidou e Sílvio A. B.
Meira. Foram agraciados, ainda, com o Título de Benemérito os Doutores José Ferreira
Ramos, Samuel Duarte, Osias Nacre Gomes e Hermes Pessoa.
Integra a estrutura da Instituição o Instituto de Altos Estudos Jurídicos que é
administrado por um Colegiado de três membros da APLJ, tendo regimento próprio e
autonomia. Foram seus primeiros integrantes os bacharéis Tarcísio de Miranda Burity,
Paulo Américo Maia de Vasconcelos e Mário Moacyr Porto.
Observa-se, portanto, que a Academia Paraibana de Letras Jurídicas é uma
Instituição rica em dados para pesquisa e engrandecimento da cultura paraibana, por
conter em seus quadros nomes expressivos da nossa cultura jurídica.
Outros nomes não estão contemplados como fundadores no Estatuto, mas
constam do livro de Ata e que merecem todo o respeito como Fundador, onde
destacamos Ofélia Gondim, Antonio Carlos Costa Moreira da Silva, Miguel Levino de
Oliveira Ramos, Francisco de Assis Martins, Johnson Gonçalves de Abrantes, João
Bosco Fernandes, entre outros.
O Estatuto da APLJ foi publicada em 13 de dezembro de 1977 no Diário Oficial
do Estado da Paraíba.
Este perfil da Academia Paraibana de Letras Jurídicas é um perfil, também, de
um homem envolvido materialmente e emocionalmente com as letras, fundando
Colégios e Universidades, levando cultura e saber a milhares de pessoas, sem análise de
seu meio social, mas de uma análise da sua necessidade de instrução, cultura e
formação.
Relatei em meu discurso de posse na Presidência da APLJ, no dia 11 de agosto
do corrente ano, que: “O sorriso largo e franco daquele homem branco de olhos
irradiantes, de braços abertos nos chás acadêmicos na Casa de Coriolano de Medeiros
(Academia Paraibana de Letras), em suas tardes acolhedoras, unindo as gerações
citadas, permitiu-me aprender a lutar pelos meus sonhos. Que ora possibilito realizá-lo
por causa do sonho de um homem que absorveu a lição de que Cajazeiras ensinou a
Paraíba a ler para ofertar ao Estado uma rede de Escolas e Universidades, entre outras
ações, apenas para socializar o ensino e fortalecer as raízes do sertanejo.”
Abordei ainda que “Os chás acadêmicos são saudáveis momentos para
trocas de ideias”, como relatou o Imortal Carlos Romero, na contemplação dos Imortais,
em suas Galerias, por serem sempre lembrados, fugindo do esquecimento da morte,
mesmo que seja uma imortalidade acadêmica.
Estamos hoje em mais um chá acadêmico promovido por
Afonso Pereira, sendo que agora em sua eterna, a sua casa da memória, o Arquivo
Afonso Pereira.
O Chá Acadêmico nos conduz ao princípio da Imortalidade, onde esta é
considerada de duração perpétua. Neste conceito de perpetuidade defino que o
Acadêmico enquanto vivo detém apenas a qualidade de imortal e não a imortalidade.
Assim, ao ser eleito e após devidamente empossado passa a usufruir da imortalidade,
que nunca terá fim; que jamais será esquecido por estar eternizado na memória dos
homens.
Esta eternização absorvida pelo Escritor o faz caminhar entre duas correntes
administrativas das Instituições Culturais. A primeira é que a luta ou o trabalho políticoadministrativo para inscrição e eleição para a Cadeira momentaneamente vaga tem sua
revitalização quando o Acadêmico se torna um Escritor participativo das ações culturais
e administrativas da Instituição e quando contribui com o pagamento dos valores,
70 72
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 mensais ou anuais, atribuídos como receita da Instituição e devidos pelos
Acadêmicos.
A segunda corrente é quando o Escritor possui no seu íntimo a intenção da
“busca pela imortalidade” apenas para composição curricular e status social,
abandonando logo em seguida as ações culturais e administrativas das Instituições e,
principalmente, não pagando mais qualquer valor contributivo para os cofres da
Instituição, passando a compor um QUADRO DE EFETIVOS INADIMPLENTES
DA PERPETUAÇÃO ACADÊMCIA.
Quando tratamos de ACADEMIA fazemos uma associação imediata à Academia
Francesa de Letras e à Academia Brasileira de Letras. Estas Instituições tradicionais e
conservadoras dos princípios acadêmicos jamais colocarão em discussão a
inadimplência acadêmica. Porém, as demais Instituições já passam a discutir o tema e
algumas já colocam em seus Estatutos a perda do Título de Acadêmico em virtude da
inadimplência acadêmica e assiduidade nas ações culturais e administrativas da
Instituição. Fato este já consolidado pela nova legislação vigente desde o advento no
novo código civil de 2002.
Considerando que o Escritor eleito para uma Cadeira em uma Academia de
Letras, onde esta tem caráter de uma “sociedade” e que nesta sociedade o Escritor, na
condição de pessoa enquanto viva detém apenas a qualidade de imortal e não a
imortalidade, por ser esta de duração perpétua e que nunca terá fim, onde jamais será
esquecido por estar eternizado na memória dos homens, dar-se-á como perpetuado após
a sua morte.
O conceito de imortalidade passa, então, a não mais ser definitivamente
agregado ao Escritor eleito para uma determinada Cadeira de uma Academia de Letras,
mas quando efetivamente fizer cumprir através de suas ações culturais e administrativas,
como da adimplência, os objetivos da Instituição, até que a morte o venha consagrar
com a IMORTALIDADE.
A Instituição Cultural hoje terá que inserir em seus estatutos os requisitos de
admissibilidade, exclusão e renúncia passando o Escritor a ser detentor da qualidade de
Imortal enquanto cumprir as obrigações administrativas e financeiras, onde a sua morte
no pleno uso e gozo da titularidade da Cadeira ocupada irá lhe proporcionar e consagrar
a verdadeira IMORTALIDADE.
Afonso Pereira da Silva tem a verdadeira Imortalidade, não pela condição da
inércia do seu corpo, mas pelo cumprimento fiel que fez até seu último suspiro por
todas as Instituições pelas quais passou e integrou, nunca se furtando de contribuir
intelectualmente e financeiramente.
A Imortalidade de Afonso Pereira está na sua obra, sendo esta material em todos
os tijolos que colocou em cada escola, universidade ou prédio que tivesse a intenção de
fomentar cultura e saber; mas, também, no que ensinou, tanto na vida como na cátedra,
como afirma o Poeta e Tribuno YANKO CIRYLLO nos seu Discurso de 50 anos de
Formatura, dizendo:
“Com Afonso Pereira, aprendemos a grandiosidade do
direito romano permeado com a sabedoria grega, cujos
institutos prestaram-se a arcabouço e estrutura de uma
composição greco-romana, reportando até os dias atuais
como foco de irradiação cultural sem o que nenhum
adepto do Direito restará totalmente instruído, completo e
acatado.”
71 73
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Reportar-me neste instante ao Mestre Afonso Pereira apenas quanto aos seus
dados biográficos seria repetir e não acrescentar dados à sua imortalidade, considerando
que muito já se falou sobre este homem ímpar no seu exercício da cidadania, sendo
necessário enfocá-lo com maior ênfase ao seu mundo jurídico, principalmente nas
LETRAS JURÍDICAS que se alicerçam na Academia Paraibana de Letras Jurídicas, por
ele idealizada e fundada.
Para o Padre Schimitt “ninguém morre, enquanto permanece vivo no coração de
alguém”. Assim, Afonso Pereira se imortaliza em suas ações culturais e permanece em
nossos corações.
Afonso Pereira criou Colégios e Universidades. Criou a Academia Paraibana de
Letras Jurídicas. Ele na criação deu a raiz. Na permanência das ações os seus
seguidores, como sua filha Ana Flávia à frente da UNIPÊ, vem dando asas à sua
criação, proporcionando o selo da perpetuidade a ser alcançado por todos.
José Américo de Almeida na pág. 58, 1989, do livro “Walfredo Rodrigues e a
Cultura Paraibana” diz:
“Eu vos dei as raízes, outros vos darão asas e selo da
perpetuidade.”
A Comenda Acadêmica, a Veste Talar e do Diploma de Honra ao Mérito
outorgados neste instante ao seu fundador Afonso Pereira da Silva, para compor seu
acervo histórico do Arquivo Afonso Pereira é o reconhecimento das Letras Jurídicas ao
seu filho ilustre.
72 74
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Cajazeiras no tempo de João Jurema 2
Francisco Sales Cartaxo Rolim 3
Não falo do guarda chuva nem do homem sisudo a transitar com andar macio
pelo mundo do poder. Do poder mágico aos meus olhos de menino em Cajazeiras nas
imagens afloradas, muitos anos depois, quando Ivan Bichara Sobreira me trouxe para o
ambiente oficial do governo da Paraíba, numa fase em que a ditadura dava sinais de
declínio e tentava revigorar-se através da estratégia de abertura política lenta, gradual e
segura, formulada pelo general Golbery do Couto e Silva. Nesse tempo eu enxergava na
figura do Procurador da República, João Guimarães Jurema, o advogado, o deputado
estadual, que eu via de longe como um símbolo da autoridade, do prestígio, da força
política. Aliás, um forte símbolo, associado ao poder, tal qual registrado nas lembranças
da infância. Por isso, sinto-me feliz em participar desta homenagem a João Jurema, no
ano de seu centenário de nascimento. E o faço como um gesto de amor a Cajazeiras, a
sua história, da qual o juiz Joaquim Victor Jurema e seus filhos são personagens
inseparáveis. É disto, portanto, que venho falar aqui: da história política de Cajazeiras
no tempo de João Jurema, atendendo sugestão do historiador José Octávio de Arruda
Mello.
1. Cajazeiras nas primeiras décadas do século 20
Nascido em 25 de outubro de 1912, 14 anos após seu irmão Otacílio Jurema, o
jovem João Jurema foi contemporâneo de acontecimentos relevantes para a comunidade
cajazeirense, dos quais mais tarde ele mesmo se fez protagonista. Por essa razão, impõese rememorar esses eventos, dando-lhes o encadeamento indispensável à compreensão
do contexto no qual ele galgou posições de relevo na política paraibana.
As primeiras décadas do século 20 foram tempos de mudança no perfil de
Cajazeiras. Não apenas no acanhado quadro urbano, mas em muitos outros aspectos:
econômico, religioso, político, cultural, tendo como bases de impulso, pelos menos, os
fatos a seguir enunciados.
2
Este ensaio é ampliação de texto lido em sessão comemorativa do centenário de João
Guimarães Jurema, no Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, em 31 de outubro de
2012.
3
Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales), bacharel em direito, pós-graduado em
desenvolvimento econômico, trabalhou na SUDENE e no BNB. Foi secretário de
Planejamento da Paraíba, chefe de gabinete do superintendente da SUDENE, secretárioadjunto da Fazenda de Pernambuco, secretário-adjunto de Planejamento da prefeitura do
Recife. Filiado à União Brasileira de Escritores/Pernambuco. Publicou: Política nos currais
(Ed. Acauã, João Pessoa, 1979), Do bico de pena à urna eletrônica (Ed. Bagaço, Recife,
2006).
73 75
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 a) Criação da diocese de Cajazeiras, em 1914, e posse de dom Moisés Coelho no
ano seguinte.
b) Retomada das atividades do antigo colégio do padre Inácio de Sousa Rolim, sob
a orientação da diocese.
c) Realização, em 1939, do Primeiro Congresso Eucarístico Diocesano, evento que
mobilizou o mundo católico do sertão e levou a Cajazeiras expressivas figuras
do clero nacional, interventores estaduais e outras autoridades de estados
vizinhos.
d) Impacto econômico e social das obras contra as secas levadas a cabo pelo
governo de Epitácio Pessoa, retomadas com vigor, após a Revolução de 30, sob
a supervisão do ministro José Américo de Almeida, em particular, a construção
dos açudes públicos de Pilões, São Gonçalo, Boqueirão de Piranhas.
e) Chegada dos trilhos da Rede de Viação Cearense (RVC), em 1923, e com eles
os trens de carga e passageiros, abrindo caminho para o progresso, como então
se dizia, ao estimular a expansão das atividades agrícolas, industriais e
comercais, incluindo a instalação de moderno complexo industrial derivado do
algodão, compreendendo a produção e prensagem de pluma, torta, óleo e sabão,
empreendimento indissociável da figura do coronel Joaquim Matos.
f) Energia elétrica gerada em usina movida a óleo diesel.
g) Consolidação de Cajazeiras como polo comercial, com destaque para as
revendas de automóveis (Ford, em 1924), Chevrolet, (em 1927), instalação da
Caixa Rural Operária (1928), embrião do Banco Agrícola de Cajazeiras.
h) Aparecimento de jornais e revistas responsáveis pela difusão dos acontecimentos
econômicos, culturais, religiosos, políticos, sociais, festivos e policiais do sertão
paraibano.
i) Fortalecimento do grupo político familiar, comandado pelo coronel Sabino
Rolim, notadamente após a morte, em 1913, do coronel Justino Bezerra e da sua
própria eleição para a Assembleia Legislativa da Paraíba, em 1915, ano da
afirmação do mando quase absoluta da poderosa oligarquia chefiada por
Epitácio Pessoa.
j) Cisão no bloco político dominante, gerando profundos reflexos na história de
Cajazeiras, no final da República Velha, no curtíssimo interregno democrático
imediatamente após a Revolução de 30, no Estado Novo, estendendo-se até o
começo da experiência democrática após a queda de Getúlio Vargas, em 1945.
Todos esses acontecimentos, aqui apenas listados, sintetizam o ambiente de mudança e
servem como pano de fundo para apreender-se o cenário cajazeirense que permitiu o
desabrochar político do jovem João Jurema, como tento demonstrar neste estudo.
74 76
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 2. Dissidência na oligarquia dominante
Enquanto o adolescente João Jurema estudava a fim de, mais tarde, tornar-se
advogado, a política de Cajazeiras atravessava tempos de inflexão que influenciaram na
moldagem de sua personalidade e lhe balizaram os caminhos a percorrer na vida adulta.
Daí porque é indispensável definir o contexto local, no qual ele veio a ser figura
proeminente poucos anos depois.
O bloco hegemônico na política cajazeirense, desde o tempo do Império,
formado pelas famílias das raízes do município, cindiu-se, irremediavelmente, a partir
dos meados da década de 1920, em virtude da dissidência aberta pelo coronel Joaquim
Gonçalves de Matos Rolim (1868-1940) no forte bloco político/familiar, chefiado pelo
seu primo, o coronel Sabino Gonçalves Rolim (1865-1944), filho e principal herdeiro
político do Comandante Vital de Sousa Rolim (1829-1915), tenente-coronel da Guarda
Nacional.4 Antes de dissentirem, o coronel Sabino e o coronel Matos coparticiparam da
direção do município de Cajazeiras, na qualidade de prefeito e vice, respectivamente,
em mais de uma oportunidade.
O dissidente coronel Matos passou a aglutinar forças econômicas e políticas,
estimulado pelo seu espírito inovador, determinante da implantação de moderno
complexo industrial à base do algodão, aqui já mencionado, o que o credenciava a
transplantar para a gestão pública princípios e práticas adotados à frente de seus bem
sucedidos negócios privados.5 Um dos fatos que contribuíram para afastar mais ainda os
dois chefes políticos foi um desentendimento entre o coronel Matos e o delegado de
polícia, Jayme Carneiro, cuja atuação muito o desagradou ao ponto de dar
margem a um ultimato daquele chefe que se julgou desprestigiado por essa autoridade
perante o prefeito municipal e Juvêncio Carneiro, presidente do conselho municipal,
(tio de Jayme Carneiro) solicitando a demissão do referido delegado. Sendo, porém,
denegada a execução do pedido por aqueles dois chefes, o sr. Joaquim Matos julgandose como era natural, mais melindrado, declarou que assim sendo, retiraria o seu apoio
político ao partido chefiado pelo cel. Sabino.6
Essa foi a leitura feita pelo jornal O Sport, àquela altura porta-voz da facção do
coronel Matos. O mesmo jornal, seis meses depois, em nota de primeira página, assim
comemora a exoneração do delegado Jayme Carneiro: já é do conhecimento público a
alvissareira nova de que Cajazeiras possui um novo delegado de polícia – velha
aspiração de sua gente. Fora nomeado o tenente João Pessoa, oficial criterioso,
honesto e justiceiro, com longo tirocínio na vida da caserna, já tendo exercido em
4
O avô do Comandante Vital era outro Vital de Sousa Rolim, este casado com Ana Francisca de
Albuquerque (Mãe Aninha), pais do padre Inácio de Sousa Rolim, considerados os fundadores de
Cajazeiras.
5
Ver Cel. Matos – um centenário (1968), depoimentos acerca da trajetória empresarial e política.
6
Jornal O Sport, ano II, nº 85, de 25/03/1928.
75 77
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 diversas localidades do Estado o cargo que a confiança do governo lhe depositou neste
termo, consulta bem de perto os interesses da coletividade a que vem a servir.7
Recorde-se que a exoneração do delegado, pivô do agravamento da cisão interna
no bloco cajazeirense do Partido Republicano da Paraíba, deu-se às vésperas da posse
do novo governante paraibano, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, ocorrida em 22
de outubro de 1928. O governo do presidente João Pessoa, ao ensaiar a ruptura de
velhos costumes políticos na Paraíba, despertou enorme expectativa de mudanças entre
os partidários do coronel Joaquim Matos. No entanto, tal estímulo foi bloqueado pelo
sucesso do velho chefe cajazeirense, o coronel Sabino Rolim que, mesmo tendo sido
afastado da prefeitura pelo novo presidente, em 1928, logrou colocar em seu lugar,
interinamente, o coronel Juvêncio Vieira Carneiro (1880-1944), seu amigo e
colaborador inseparável. Esse fato causou enorme frustração nas hostes do coronel
Matos, tanto que a facção por ele comandada deixou de apresentar candidatos a
vereador na eleição de 31 de dezembro de 1928. Seus adeptos justificaram a ausência às
urnas, por amor à coesão e pujança do partido em cujas fileiras sempre militou sem
desfalecimento nem atitudes equívocas, nas palavras, escritas no calor dos fatos, pelo
ardoroso defensor do coronel Joaquim Matos, o professor Antônio de Souza. No mesmo
artigo, aquele jornalista aconselha o eleitorado livre de Cajazeiras a se abster do pleito
a se ferir depois de amanhã como uma demonstração viva, candente de nosso altruísmo
político.8
O resultado da eleição de 31 de dezembro de 1928, processada ainda a bico de
pena, correspondente à décima legislatura da câmara municipal de Cajazeiras,
reconduziu quase todos os vereadores, salvo, obviamente, àqueles mais ligados ao
coronel Matos. Esse resultado, comemorado pelos partidários do coronel Sabino Rolim,
teve leitura diferente da dissidência chefiada pelo coronel Joaquim Matos. Basta ler a
avaliação editorial d’O Sport, baluarte da facção dissidente, que, depois de registrar o
esforço da situação em arregimentar votantes e insinuar o uso de suspeitos processos de
ajuda aos eleitores em forma de custeio de transporte, aquisição de indumentárias, o
que, aliás, é muito natural em política, conclui irônico:
E nem por isso deixou o nosso corpo eleitoral, que se compõe de cerca de 1.200
cidadãos hábeis para o exercício do voto, de receber com uma sintomática frieza as
espertezas dos “meisinhadores” de última hora, dos politiqueiros da terra. E se gabam
que têm prestígio e valor político com 335 sufrágios em que figuraram gregos e
troianos!9
Transcrevo essas opiniões para colocar em relevo o grau de animosidade
existente entre as facções políticas abrigadas no Partido Republicano da Paraíba, cujo
chefe maior, o presidente João Pessoa, tentava implantar novos métodos de administrar
a coisa pública e inovar as relações de poder, em particular, com a base tradicional de
7
Jornal O Sport, ano III, nº 112, de 30/09/1928.
Jornal O Sport, ano III, nº 124, de 29/12/1928.
9
Jornal O Sport, ano III, nº 125, de 05/01/1929.
8
76 78
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 sustentação do coronelismo, antecipando modelo preconizado pelos revolucionários de
30, aglutinados na Aliança Liberal.10
A expectativa gerada no seio da dissidência era a de que a prefeitura deveria ser
entregue ao coronel Joaquim Matos, mas quem assumiu, interinamente, como vimos, foi
o coronel Juvêncio Vieira Carneiro, que presidia o Conselho Municipal, até a
nomeação, em caráter definitivo, do professor Hildebrando Leal, um intelectual
piauiense radicado em Cajazeiras, com livre trânsito entre as correntes políticas,
fundador e diretor do Instituto São Luiz, diretor da prestigiada revista Flor de Liz e
pessoa de total confiança do bispo dom Moisés Sizenando Coelho (1877-1959), prelado
cajazeirense afinado com o coronel Sabino Rolim. Por todas essas circunstâncias, o
enfrentamento aberto no interior do bloco oligárquico hegemônico de Cajazeiras ficou
para mais adiante.
Toda essa movimentação política de Cajazeiras era acompanhada de longe, de
Fortaleza, pelo estudante João Jurema, onde cursara o ensino secundário e ingressara na
Faculdade de Direito, antes de transferir-se para a do Recife. Ou era vista de perto, nos
períodos de férias escolares gozadas na terra natal. Os desdobramentos de tudo isso,
teria seu desfecho formal no embate eleitoral de 1935, quando João Jurema teria
participação mais próxima, pois estava prestes a terminar seus estudos no Recife e,
sobretudo, porque seu pai, Victor Jurema, funcionou como Juiz Eleitoral e o irmão mais
velho, o médico Otacílio Jurema, foi candidato a vereador.
3. 1935: o embate definitivo na eleição para prefeito
No ano em que João Jurema conclui o curso na Faculdade de Direito do Recife,
Cajazeiras viveu um dos momentos mais relevantes de sua história política do século
20. Não apenas porque se realiza a primeira eleição direta e secreta de prefeito, sob a
égide da recém-criada Justiça Eleitoral,11 mas notadamente pelas consequências de seu
desfecho, resultante do confronto definitivo no interior do bloco hegemônico da política
cajazeirense, cuja cisão vinha tomando corpo havia quase 10 anos.
Dois partidos se formaram para concorrer ao pleito de 9 de setembro de 1935: o
Partido Popular Cajazeirense, tendo como candidato a prefeito o coronel Joaquim Matos
Rolim, e a Legião Católica, que apresentou o médico Vital Cartaxo Rolim,12 filho do
coronel Sabino Rolim. Era, portanto, o tira-teima, o embate direto entre as duas facções
mais representativas do poder local. Dessa disputa saiu vitoriosa a corrente que pregava
a mudança dos costumes políticos, a oxigenação da gestão pública que permanecia,
havia muitas décadas, em mãos do coronel Sabino Rolim, com seu feitio conservador e
tradicionalista, a usar métodos reprovados pelas forças emergentes da Revolução de 30.
A campanha eleitoral se deu, portanto, em redor de temas ligados à renovação
política, impulsionada pela presença do industrial Joaquim Matos, na condição de
10
Ver A Revolução Estatizada, de José Octávio de Arruda Mello.
O Decreto-lei nº 21.076, de 24/02/1932, aprova o Código Eleitoral e institui a Justiça Eleitoral.
12
Médico cirurgião, na época morava em Campina Grande.
11
77 79
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 candidato a prefeito, como realçava a propaganda de página inteira do jornal A Hora,13
tabloide criado por Cristiano Cartaxo para divulgar as bandeiras de luta do Partido
Popular Cajazeirense. Pois bem, não é sem razão que, ao lado do coronel Matos
alinharam-se jovens profissionais liberais que retornavam a Cajazeiras, exibindo seus
diplomas obtidos no Recife, Rio, Salvador e Fortaleza.
Na Legião Católica, além de antigos amigos e correligionários do coronel
Sabino Rolim, reuniram-se também jovens empresários, entre os quais a figura
polêmica de grande realce era, sem dúvida, a do empresário José Lyra Campos (19031956) que desenvolvia atividades comerciais, em particular, a de revendedor autorizado
de automóveis. Além disso, José Lyra marcou forte presença no setor da construção
civil com o Edifício OK,14 ousado empreendimento imobiliário, um pioneiro centro de
comércio e lazer, com características que, por si só, deram a seu idealizador e executor
um enorme prestígio na sociedade cajazeirense.
A presença de José Lyra, junto a antigos companheiros do coronel Sabino Rolim
abrigados na Legião Católica, teria desdobramentos sociais, econômicos e políticos, nos
quais o jovem advogado João Jurema vai assumir o papel de protagonista, como narro
mais adiante. Agora, importa o resultado da eleição, na qual saiu vitorioso o coronel
Joaquim Matos, com a expressiva votação de 600 votos contra os 345 obtidos pelo
médico Vital Rolim. Essa eleição representa uma inflexão na política cajazeirense no
sentido de determinar o fim de um ciclo dominado pela política típica da República
Velha, dando lugar a novas lideranças, compostas por bacharéis em direito, médicos,
farmacêuticos, dentistas, comerciantes, professores, jornalistas. Essa mudança, todavia,
não implica na perda dos vínculos substantivos à base econômica de sustentação do
poder local, representada pela propriedade da terra, pelos negócios comerciais, em
particular os da agroindústria do algodão.15
4. Despontar de novas lideranças no Estado Novo
O regime de exceção, inaugurado com o golpe de 10 e novembro de 1937,
interrompeu o engatinhar da nascente e frágil democracia brasileira. Uma das medidas
iniciais postas em prática pelo ditador Getúlio Vargas foi fechar as casas legislativas,
proibir a criação e funcionamento dos partidos políticos, eliminar eleições, diretas ou
indiretas, de governador e prefeito. A partir daí, Vargas governou, autoritariamente, de
modo que a gestão pública, associada às atividades políticas, passou a ser conduzida
com intermediação de interventores nos estados, por ele nomeados. Entre outras
prerrogativas, os interventores recebiam delegação para nomear os prefeitos municipais.
Em vista dessa nova ordem, implantada pelo Estado Novo, a Paraíba foi governada, de
início, pelo interventor Argemiro de Figueiredo, ele que já vinha exercendo o mandado
de governador, escolhido pela Assembleia Estadual Constituinte, eleita em 14 de
outubro de 1934.
13
Jornal A Hora, nº VI, de 14/08/1935.
O Edifício OK, inaugurado em 1936, compreendia cinema, teatro, clube, fábrica de gelo, sorveteria,
bar, bilhares e barbearia.
15
Ver Do bico de pena à urna eletrônica, em particular, parte 1, capítulos 2 e 3.
14
78 80
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Eleito no final de 1935, o mandato constitucional do coronel Joaquim Matos
durou somente até 1938, com pequena interrupção formal logo após o golpe varguista
de 10 de novembro de 1937, quando ele foi afastado, muito embora tenha deixado em
seu lugar, respondendo pelo expediente da prefeitura de Cajazeiras, o secretário
Francisco Patrício de Barros,16 até 04 de dezembro. Nesta data, volta o coronel Matos,
agora, nomeado prefeito pelo interventor Argemiro de Figueiredo, permanecendo no
exercício até completar 70 anos de idade, portanto, sendo atingido pela lei da
compulsória, então posta em vigor. Mas a prefeitura de Cajazeiras ficou em casa. O
médico Celso Matos Rolim, seu filho, o substituiu por nomeação do mesmo interventor
para assumir o cargo de prefeito, em 23 de novembro de 1938.
A presença de Celso Matos na cena política, primeiro como deputado estadual,
eleito que fora em 1934, e depois como prefeito nomeado, é exemplo simbólico da
reprodução das elites locais em nome do paradoxal processo de renovação política sob
os auspícios do novo regime instaurado por Vargas. Na esteira desse sistema surge em
Cajazeiras o jornal Estado Novo, semanário criado em junho de 1939, cujas matérias
retratam a nova ordem, dando visibilidade a lideranças que, a partir dali, se
sobressaíram na política cajazeirense até o golpe de 1964. Aliás, muitas delas
integrantes do Expediente daquele periódico, inclusive o bacharel João Jurema, na
condição de seu diretor.
O Expediente do Estado Novo indicava em sua primeira fase: diretor, João
Jurema; redator-chefe, Celso Matos, mais tarde, Otacílio Dantas Cartaxo; secretário,
Antônio Costa Assis, depois, Antônio José de Souza; gerente, Antônio Carvalho. E
apontava os seguintes colaboradores: Cristiano Cartaxo, Bandeira de Melo, Otacílio
Dantas Cartaxo, Arnaldo Leite, Otacílio Jurema, Fernandes Melo, Deodato Cartaxo,
José Jurema, Ferreira Júnior, Arsênio Araruna, Antônio de Souza, Antônio Assis Costa.
Ali estava, portanto, boa parte dos médicos, advogados, dentistas, farmacêuticos que
atuavam em Cajazeiras, como se pode conferir na seção Indicador Profissional, que o
mesmo jornal Estado Novo publica em diversos números.17
Entre as novas lideranças, aparecem com destaque João Jurema e seu irmão mais
velho Otacílio Jurema, uma dupla quase perfeita: um médico querido pela população
pobre a quem ele prestava serviços gratuitos e um advogado atuante no sertão, com
inserção na sociedade cajazeirense. Ambos, filhos do juiz Joaquim Victor Jurema,18
com passagem visível na história do judiciário paraibano. João Jurema surge como nova
liderança. Exemplo sintomático foi sua escolha para saudar o governador da Paraíba, em
visita oficial a Cajazeiras. João Jurema ainda não festejara o primeiro aniversário de
formatura e já era escalado pela Associação Comercial de Cajazeiras para representar as
16
Patrício de Barros era empregado de J. Matos e Cia, empresa industrial do coronel Matos.
Advogados: João Jurema, Otacílio Dantas Cartaxo, Manuel Ferreira Júnior, Arnaldo Gomes Leite.
Médicos: Otacílio Jurema, Deodato Cartaxo, José Jurema, Celso Matos, Nilo Costa. Dentistas: João
Fernandes de Melo, João Evangelista Uchoa, Genézio Cabral, Antônio Ellery. Farmácias: Higino Rolim,
Cruz Vermelha, Confiança.
18
Victor Jurema nasceu no distrito de São José da Lagoa Tapada (Sousa), formou-se no Recife em 1892,
foi Juiz Municipal de Cajazeiras e de São João do Rio do Peixe. Voltou a Cajazeiras como Juiz de Direito
em 1908, até aposentar-se em 1937.
17
79 81
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 então chamadas classes produtoras, em homenagem feita ao governador Argemiro de
Figueiredo, num banquete a ele oferecido no Palácio Episcopal. Na ocasião, João
Jurema fez um discurso focado não apenas nas costumeiras louvações aos donos do
poder, mas desce ao exame da problemática sertaneja, vista com o olhar de sua época,
talvez sob a influência dos temas em debate no meio pernambucano, de onde regressara
recém formado. Num evidente sinal de prestígio, sua fala foi transcrita, na íntegra, pelo
jornal A União, três dias após ser proferida.19
Fundado em junho de 1939, o Estado Novo esteve sob sua direção durante os
anos iniciais até o final de 1942 ou início de 1943, quando Cristiano Cartaxo Rolim
assumiu a direção intelectual, a gerência foi entregue ao tipógrafo Pedro Gonçalves. A
partir de então, o semanário passou a adotar o lema de jornal de opinião independente,
em lugar do tradicional jornal da mocidade cajazeirense, da fase dirigida por João
Jurema. A ação de João Jurema extrapolou, e muito, a condição de diretor do Estado
Novo. Ele se afirmava no exercício da advocacia no alto sertão paraibano, numa época
de raros profissionais do ramo. Destaque mais expressivo ainda foi o papel por ele
desempenhado na sociedade cajazeirense, como analiso logo a seguir, a despeito do
temperamento reservado e do seu jeito circunspecto, conforme depoimentos de
contemporâneos seus.
Excelsior Club: agremiação aglutinadora de forças políticas
Ao lado de atividades forenses, João Jurema teve também intensa participação
na sociedade de Cajazeiras, entre as quais, a de presidente do Excelsior Club,20
agremiação recreativa influente na vida social, cultural e política. Como demonstração
da importância do Excelsior, convém registrar que, em 1939, o clube sofreu ação
judicial de despejo, movida, ao que se presume, por motivação política, na medida em
que o autor da ação, o empresário José Lyra Campos, fora membro ativo do grupo
político adversário do coronel Joaquim Matos na eleição de 1935! O caso pode ser
resumido assim. O Excelsior Club funcionava no primeiro andar do Edifício OK, de
propriedade de José Lyra, que resolveu pedir, provavelmente, para instalar entidade
semelhante. Talvez pelo insucesso nas negociações, ele decidiu ir à Justiça. É o que se
deduz da leitura de matérias publicadas no decorrer do ano de 1939 no jornal Estado
Novo, a exemplo da que foi divulgada na coluna, não assinada, Comentos da Semana, a
seguir transcrita em parte.
O gesto deselegante do Sr. José Lira Campos, em pedir judicialmente o pavimento
ocupado pelo Excelsior Club merece veemente protesto. Os motivos que o levaram a
tomar essa atitude são sobejamente conhecidos. (...) Os filhos de Candinha já diziam
que o sr. Lira havia construído o majestoso edifício OK para impressionar os incautos
a ganhar as eleições municipais que pleiteara e fora fragorosamente derrotado, como
vem de ser na renovação da diretoria do tradicional e elegante grêmio diversional da
cidade. O que ainda lhe salva é reconhecer e proclamar que, atendendo às instâncias
19
Jornal A União, 03/09/1936.
O Excelsior Club foi inaugurado em 30/08/1936 com a presença do governador Argemiro de
Figueiredo.
20
80 82
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 de amigos, praticara o maior absurdo da sua vida, requerendo judicialmente a retirada
do Excelsior Club.21
João Jurema ocupou a presidência do Excelsior Club por vários mandatos, numa
demonstração de prestígio na sociedade cajazeirense. Naquela época de regime
autoritário, os partidos políticos estavam proibidos e, por causa disso, as agremiações
recreativas, culturais, literárias exerciam importantes funções sociais e políticas no
ambiente local, na medida em que funcionavam como polo agregador de atividades e
debates em torno das questões relevantes para a cidade, em paralelo às precípuas
finalidades de lazer. Os clubes era assim uma espécie de sucedâneo, um substituto,
embora meio troncho, enviesado, da ação político-partidária, terminantemente abolida
pela ditadura varguista. Aliás, um dos ingredientes do regime autoritário instaurado pelo
golpe de 10 de novembro de 1937. Em decorrência desse contexto, a direção máxima na
hierarquia do clube dava a João Jurema enorme visibilidade, aumentando-lhe o
prestígio. E mais, favorecendo também sua popularidade, no tanto em que a Difusora
Rádio Cajazeiras (DRC), alvissareiro meio de comunicação, noticiava eventos locais,
ampliando dessa forma o efeito junto à população do protagonismo dos personagens da
sociedade cajazeirense. Inaugurada em 05 de agosto de 1938 como serviço de altofalante, a DRC constituía notável instrumento de difusão comercial, cultural, política e
religiosa para a época, induzindo as pessoas a se deslocarem para as proximidades dos
alto-falantes localizados em pontos estratégicos da cidade.
5. A influência política da família
A família como esteio político é uma constante em nossa história. No passado,
muito mais do que agora. Não podia ser diferente com nosso homenageado,
constituindo, portanto, fator significativo a credenciá-lo ao exercício de mandato eletivo
quando da retomada do processo democrático. No Império e, sobretudo, na República
Velha, auge do coronelismo como sistema político, o poder local era firmado no
prestígio dos coronéis que detinham sob seu controle os cargos chaves, símbolos do
mando, num esquema de compromisso no qual os chefes locais entravam com os votos
colhidos nas famosas eleições a bico de pena. Entre as posições políticas assumidas
pelos indicados dos grandes chefes, três se revestiam de enorme realce naquela época: a
de prefeito, a de juiz e a de delegado. Um tripé responsável pela maioria das decisões
que davam suporte à força dos coronéis. Essa realidade do Brasil arcaico permaneceu
durante o regime instaurado pelo movimento revolucionário de 1930 e persistiu por
longo tempo, disfarçada em novas roupagens, amparadas em marcos legais,
administrativos e políticos. Pois bem, João Jurema recebeu por herança direta o bafejo
da influência de seu pai, Joaquim Victor Jurema, juiz de direito em Cajazeiras durante
muitos anos, com reconhecido prestígio na sociedade sertaneja e nos círculos do poder
estadual.
Outro fator relevante a esse respeito foi a presença em Cajazeiras, nos anos de
1930, 1940 e 1950, de seus irmãos médicos José e Otacílio Jurema. Em particular de
21
Estado Novo, ano I, nº 7, 16/07/1939.
81 83
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Otacílio, mercê das características de seu trabalho profissional, exercido com
desprendimento, sem apego à remuneração, o que o aproximava mais ainda da
população carente. Disso resultou forte acumulação de capital político-eleitoral que veio
a expressar-se nas diversas eleições a que Otacílio se submeteu ao longo de sua intensa
e longeva atividade partidária, muito embora não tenha demonstrado, no princípio,
muito interesse na vida política. Pelo menos é o que afirma seu próprio João Jurema:
Otacílio inicialmente era inteiramente averso à política, mas devido à influência de
amigos, integrou-se à militância política e partidária, exercendo vários cargos de
relevo não só no setor municipal, bem como no estadual e federal.22
O casamento de João Jurema com Ilina Matos de Sá, em 1945, reforçou e
estendeu as bases familiares de seu prestígio e o sucesso nas empreitadas políticas
futuras. Ilina era filha de Adalgisa Matos de Sá e Aprígio Gomes de Sá, portanto, neta
do coronel Joaquim Matos e sobrinha de Celso Matos Rolim. Lembre-se que Adalgisa
era filha do coronel Matos em seu consórcio com Maria Idalina Cartaxo de Matos
Rolim (Sinhazinha) que, por sua vez, era filha do tenente-coronel da Guarda Nacional
Emídio Emiliano do Couto Cartaxo (1849-1907), personagem importante no esquema
de poder local no final do Império e começo da República.23
Essas ligeiras referências genealógicas servem para explicitar que, por trás do
prestígio granjeado por nosso homenageado, havia poderosas raízes históricas a
alimentar suas notáveis qualidades profissionais e pessoais de caráter, de probidade, do
rigor no trato da coisa pública. Qualidades reveladas com expressão exemplar no
alvorecer de sua vida na condição de advogado, formado no Recife em 1935, de onde
retornou ao sertão para cumprir vitoriosa trajetória política e profissional. Trajetória
plasmada nas lides forenses e políticas, de início em Cajazeiras, e mais tarde, em João
Pessoa, com a redemocratização da sociedade brasileira, após a queda de Getúlio
Vargas, já então como deputado estadual constituinte, em 1947, secretário estadual de
finanças no governo de José Américo de Almeida, procurador da República durante 28
anos e professor universitário. João Jurema faleceu em 11de maio de 1995, aos 82 anos
de dedicação à família, à advocacia, ao magistério, à política e ao engrandecimento de
Cajazeiras.
Referências bibliográficas
CARNEIRO, Renato César. Origens da Justiça Eleitoral da Parahyba: de 1932 a 1937. João
Pessoa: Editora da UFPB, 2012.
______________________ A Justiça Eleitoral da Parahyba - Fragmentos de sua história
(1945-2012). João Pessoa: Editora da UFPB, 2012.
CUNHA, João Rolim da. Barra de Timbaúba (Ensaio genealógico). João Pessoa: A União, sem
data.
22
Centenário – Cem anos de honestidade, organizada por Aguinaldo Rolim.
Emídio Emiliano do Couto Cartaxo foi vereador, presidente do Conselho Municipal, delegado de
polícia. Era irmão deputado federal constituinte de 1891, Antônio Joaquim do Couto Cartaxo, e do alferes
João Antônio do Couto Cartaxo, assassinado em praça pública num entrevero político em 1872.
23
82 84
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 FERNANDES, Flávio Sátiro. História Constitucional da Paraíba. João Pessoa: Grafset, 1985.
LEITÃO, Deusdedit de Vasconcelos. Ruas de Cajazeiras. João Pessoa: 2005.
MELLO, José Octávio de Arruda. A revolução estatizada: um estudo sobre a formação do
centralismo em 30. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 1984.
PINHEIRO, Leopoldo. José Lyra Campos: gigante da iniciativa privada. João Pessoa, 1959.
ROLIM, Aguinaldo. (Organizador). Otacílio Jurema: cem anos de honestidade. Editora
Universitária/UFPB, 1998.
ROLIM, Francisco Sales Cartaxo. Do bico de pena à urna eletrônica. Recife: Edições Bagaço,
2006.
SILVA, Armando Gomes da. Cartaxos: origens e ramificações. Brasília: edição do autor, 2007.
SOUZA, Antônio José de. Cajazeiras nas crônicas de um mestre-escola. João Pessoa: Edições
UFPB, 1981.
Sem indicação de autor/organizador: Cel. Matos: um centenário. Rio: Gráfica Tupy, 1968.
Jornais da Paraíba
A Hora, de Cajazeiras. Dois números de 1935.
A União, de João Pessoa, 03 de setembro de 1936.
Estado Novo, de Cajazeiras. Diversos números de 1939, 1940, 1941 e 1943.
O Sport, de Cajazeiras. Diversos números dos anos de 1927, 1928 e 1929.
83 85
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 DORGIVAL HISTORIADOR*
Humberto Mello**
Há exatos vinte anos, cinco meses e oito dias, em 29 de janeiro de 1993,
ocupava eu esta tribuna para saudar o novo integrante do quadro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, Dorgival Terceiro Neto. Ele mesmo me escolheu e
me disse, confiante na amizade que já durava então mais de quarenta anos, e naquele
jeitão aparentemente rude, de todos os seus amigos conhecidos: "Não é para falar
muito. Se passar de cinco minutos, eu vou lá e arranco o papel de sua mão. “A amizade
vinha desde quando nos conhecemos em 1950 no liceu Paraibano, então o
único estabelecimento de ensino do Estado a oferecer o à época chamado Curso
Colegial, hoje ensino de 2º grau. Fomos colegas de turma por oito anos: três no Liceu
e cinco na Faculdade de Direito. Depois nos reencontramos na docência do Curso de
Direito, já na Universidade Federal da Paraíba e fomos confrades neste Instituto e na
Academia Paraibana de Letras. Em 2003, ele me ofereceu seu último livro publicado,
"Taperoá - crônica para sua história", com a dedicatória: "Ao colega e amigo
Humberto Meio, com a estima de mais de meio século”.
Não vim aqui, porém, para falar do amigo fraterno, do prefeito e do
governador operosos e avessos à chamada liturgia do poder e aos bajuladores
insistentes ou do jurista ilustre, mas do Dorgival historiador: é essa a faceta a ser
lembrada hoje aqui.
Ele já era sócio honorário deste Instituto, num reconhecimento da Casa
de Irineu Pinto aos serviços a ela prestados como administrador público. Quis ser
sócio efetivo, mas não veio de mãos abanando. Em 1991 publicou "Gente de ontem,
histórias de sempre". A maior parte do livro se compõe de entrevistas. O jornalista
ilustre que sempre foi permanecia. Ouviu viúvas de grandes personagens de nossa
história, como D. Júlia Peregrino e D. Rita Suassuna. Creio que foi a única entrevista
concedida pela viúva de João Suassuna. Antes eu havia tentado entrevistá-Ia para o
acervo do Núcleo de Documentação e Informação Histórica - NDIHR - da UFPB, mas
ela se recusou. Dorgival, contudo, tinha acesso familiar a ela, que era prima de sua
mãe. Ouviu Zacarias e Hermosa Sitônio, esta sobrinha do "Coronel" José Pereira e
também Eije Kumamoto, tesoureiro do "Coronel", os oficiais da Polícia Militar e exdeputados Manuel Arruda e Jacob Frantz, e o antigo tabelião de Misericórdia Zu
Silvino, todos falando sobre acontecimentos de 1930.
*Trabalho apresentado em 05 de julho de 2013, quando da Sessão Solene em homenagem ao
Historiador Dorgival Terceiro Neto.
**Sócio Efetivo do IHGP
84 86
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Em
outra
entrevista,
Arruda
falou sobre a invasão da Coluna Prestes a Piancó, da qual resultou a morte do Padre
Aristides Ferreira e de vários de seus companheiros. Entrevistou, ainda, Antônio
Menino, porteiro do jornal "A União" e Cobra Verde, último remanescente vivo do
bando de Antônio Silvino, além do Coronel do Exército Joaquim Urias, paraibano que
esteve na Itália, integrando a Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra
Mundial. Completam o livro estudos biográficos do Marechal Almeida Barreto, de
Joaquim Inojosa - este com extenso comentário de seu livro "A República de Princesa"
- e de Frei Caneca, além de estudos sobre a chegada da república na Paraíba, sobre a
revolta dos Quebra-Quilos e sobre a revolta de Augusto Santa Cruz e de Franklin
Dantas em 1912.
Em 1999 veio a lume "Parafba de ontem, evocações de hoje". Neste
apenas uma entrevista se apresenta, a que foi feita com o soldado reformado da
Polícia militar Paulo Antônio do Nascimento que falou de seus combates contra
cangaceiros. Há estudos sobre Capitães Mores e Presidentes da Província da Paraíba,
destacando-se os sobre João Fernandes Vieira, Fernando Delgado - ao abordar o
período em que a Capitania da Paraíba foi anexada a Pernambuco, Luiz Antônio da
Silva Nunes e sua viagem pela Província, Beaurepaire Rohan e os governantes
paraibanos que morreram no exercício do cargo, bem como sobre paraibanos que
governaram outros Estados. Fala sobre a participação de paraibanos na guer~a do
Paraguai e nas duas grandes guerras mundiais.
Enumera
os
bacharéis
paraibanos
na
Colônia e no Império. Trata da revolta popular denominada Ronco da Abelha e do
incidente do "rasga vales" em Campina Grande. Sobre esta cidade, relata, também, a
chacina da Praça da Bandeira na campanha eleitoral de 1950. Estuda ainda a
iluminação na Paraíba e o ouro de Piancó. Volta aos acontecimentos de 1930 para
falar do projetado bombardeio aéreo a Princesa e da invasão do quartel do 222
Batalhão de Caçadores. Perfila Frei João de Santa Delfina, refugiado em Taperoá
depois da revolução da Confederação do Equador, Epitácio Pessoa, Floriano Peixoto, o
Coronel Rego Barros, o professor Clementino Procópio, seus conterrâneos Sigismundo
Vilar e Severino da Costa Nogueira e, finalmente, em discurso proferido por ocasião do
homenageado, o professor Aníbal Moura, seu e meu mestre de História no Liceu
Paraibano e de Teoria Geral do Estado na Faculdade de Direito. Sua probidade
intelectual o levou a retificar informação dada na obra anterior sobre o verdadeiro
mandante do assassinato de João Suassuna. Sobre este livro afirmou o grande mestre
pernambucano Armando Souto Maior: “...registro uma virtude rara - a de como se
pode fazer história com humor. É um livro que se 1ê com agrado e não por obrigação
cultural." Neste como no anterior, fica evidente o que lembrou Gonzaga Rodrigues,
seu contemporâneo na Casa do Estudante e companheiro na redação de A União. no
prefácio de "Gente de ontem, histórias de sempre" - só se via Dorgivallendo: na Casa,
na rua, nos poucos instantes vagos na redação. Sua inteligência privilegiada era
constantemente enriquecida pelo saber adquirido nas leituras.
85 87
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Cheguemos à sua obra maior como historiador: "Taperoá - crônica para
sua história". Na apresentação, seu primo Ariano Suassuna assinala: “O título
esclarece, com exatidão, o que ele pretendeu fazer - crônica e história....Em seu livro
ele fundiu vários gêneros literários ou paraliterários". Hildeberto Barbosa Filho, em
artigo recentemente publicado no "Correio das Artes" salienta que Dorgival "À
monotonia descritiva do levantamento de dados, tão comum e tão insossa no âmbito
de nossa historiografia municipal...contrapões nos interstícios quase lúdicos das
'Estórias da história' - já aí se fazendo meio contador oral, meio sociólogo dos
costumes - a para literatura entre jocosa e fantástica, num texto que provoca e seduz o
imaginário do leitor." Efetivamente, o livro foge à rotina da historiografia municipal
paraibana. Se traz, como não poderia deixar de fazê-lo. Notícias dos pioneiros, dos
primeiros sítios e primeiros donos, da evolução do lugar de povoado a cidade e
comarca, passa logo às notas genealógicas das primeiras famílias ainda hoje influentes,
para mais adiante registrar outras famílias que vieram de fora e lá se estabeleceram.
Não esquece dos taperoaenses que migraram para outras regiões em busca de
melhores oportunidades de trabalho. Enumera os filhos da terra que concluíram
cursos superiores e as diversas autoridades, civis e eclesiásticas do município. Aborda
aspectos da economia municipal. E no final, como nas bodas de Caná, vem o melhor
vinho - os três capítulos Acontecimentos marcantes e entreveros, Botijas, e o já
mencionado Estórias da história. Em suma, o livro traz dados geográficos, falando dos
rios e montes, trata dos primeiros habitantes - os bravios índios sucuru - fala, como
não podia deixar de ser dos grandes proprietários rurais e dos políticos influentes, mas
também de vaqueiros e tangerinos, de padres mais atentos à exortação bíblica do
"crescei e multiplicai-vos" do que aos votos eclesiásticos de castidade, de tropeiros e
de motoristas, de tipos populares, de bêbedos de rua, de arruaceiros, de espertalhões
Livro escrito com amor à terra onde nasceu e onde quis ser sepultado. Livro definitivo,
veio para ficar.
Ultimamente, Dorgival vinha, vez ou outra, publicando artigos em
jornais da cidade sobre temas de história da Paraíba. Em janeiro deste ano,
encontramo-nos pela derradeira vez, em uma eleição na Academia Paraibana de
Letras. Ele se mostrava interessado no cangaço e nos cangaceiros. Não sei se deixou
algo sobre o assunto. Mas peço a seus filhos, a Germana, Dorgival Júnior e Adriana
que coletem o que já foi publicado, não só depois do último livro, mas também
anteriores, como "Foragido deixou botija na Paraíba" que saiu em O Norte de 12 de
janeiro de 1992, e procurem os inéditos, se houver, para reunir em um livro. Creio que
no volume também caberiam os discursos de posse aqui neste Instituto como na
Academia Paraibana de Letras, bem como o estudo 'publicado na obra "Ministros
Paraibanos nos Tribunais Superiores" coordenada por Evandro Nóbrega e publicada
pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, sobre dois poetas taperoaenses: o neoparnasiano
Raul Machado e o cantador Elísio Félix da Costa, o Canhotinho. O primeiro, bacharel,
Auditor Militar, Ministro do Tribunal .de Segurança Nacional; o segundo, analfabeto,
mas dotado de maravilhosa inspiração.
Falei sobre o historiador. Mas não posso deixar de registrar a saudade e
a emoção que me invadem ao lembrar o grande amigo, de mais de sessenta anos de
convívio fraternal. Um abraço, Dorgivai. Até breve!
João Pessoa, 5 de julho de 2013
86 88
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Inter - Relacionamento entre a História e a Literatura*
Joaquim Osterne Carneiro**
Ao iniciar estas considerações, desejamos agradecer o honroso convite que nos
foi feito pelo Escritor Alexandre Santos, Presidente da UBE - PE - União Brasileira de
Escritores de Pernambuco, para participar como Debatedor do tema Historia na
Literatura, dentro deste IV Congresso Brasileiro de Escritores de Pernambuco que se
realiza neste dia 28 de setembro de 2011, no Centro de Convenções de Pernambuco,
localizado nesta histórica cidade de Olinda. Ao nos debruçarmos sobre o tema,
facilmente constatamos que desde os primórdios, há um harmônico inter relacionamento entre a história e a literatura, a partir os poemas atribuídos a Homero
descrevendo a Guerra de Tróia no poema Ilíada e as aventuras de Ulisses ao retornar a
ilha de Ítaca, seguidos das fabulas de Esopo e de Heródoto considerado como “o pai da
historia”, em virtude de ter descrito a invasão persa na Grécia, afora a historia do Egito.
Em seguida na antiga Roma, podemos destacar no século I antes de Cristo,
Lucrécio com o seu “De Rerum Natura”, ou seja, a natureza das coisas, seguido de
Virgilio, consagrado autor de Eneida, onde descreve a saga de Enéias, como um troiano
de ascendência romana, sem esquecer Cícero, Catulo e Sêneca.
Com o declínio verificado na historia do Império Romano a partir do ano
dezoito, seguida das invasões dos bárbaros germânicos e o conseqüente isolamento
ocorrido na Europa, surge o denominado Feudalismo, quando a Igreja Católica dar
inicio ao controle da produção literária, devendo, no entanto ser destacado que a língua
latina e porque não dizer a própria civilização latina foi preservada, graças aos trabalhos
desenvolvidos pelos monges.
A partir do século X, os poemas narram às guerras e no século seguinte surgem
as Canções de Gesta, contando as guerras acontecidas nos séculos VIII e IX
respectivamente, destacando-se a conhecida Canção de Rolando, sem olvidar as
aventuras do Santo Graal e as lendas do Rei Artur.
Entre os séculos XII e XIV devemos lembrar as poesias dos trovadores e os
poemas satíricos.
No período compreendido entre os séculos XIV e XVI, tem inicio o
Humanismo, com a literatura mantendo as características religiosas, antecedendo o
Renascimento, oportunidade em que são retomadas as idéias da antiga cultura gregoromana, com destaque para os italianos Dante Alighiere, Francisco Petrarca e Giovanni
Bocaccio, afora o português Gil Vicente.
* Trabalho apresentado como Debatedor do tema Historia na Literatura, por ocasião do IV
Congresso Brasileiro de Escritores Pernambucanos realizado no Centro de Convenções de
Pernambuco em Olinda (PE), no dia 28/09/2011.
**Engenheiro Agrônomo, Escritor e Historiador. Sócio efetivo e atual Presidente do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Pertence também ao Instituto Paraibano de Genealogia e
Heráldica; a Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro - Núcleo da Paraíba; ao
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; a Academia Limoeirense de Letras;
ao Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano; ao Instituto Histórico de Campina
Grande; a União Brasileira de Escritores da Paraíba e ao Conselho Estadual de Cultura da
Paraíba.
87 89
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 No século XVI, o Classicismo resgata definitivamente a cultura grego-romana e
nesta época faz-se necessário citar o português Luis de Camões, que com Os Lusíadas
descreveu as epopéias marítimas dos descobrimentos, sem naturalmente esquecer os
escritores franceses, o grande poeta inglês William Shakespeare e o espanhol Miguel de
Cervantes.
No século seguinte, surge a denominada Contra - Reforma que ocorreu máxime
na Itália, na França e em Portugal, sendo necessário destacar as obras do dramaturgo
francês Moliere, que satirizam o comportamento humano.
Seqüenciando, temos no século XVIII o Neoclassismo, que valorizou a razão e a
ciência, com destaque especial para os filósofos franceses Voltaire, Montesquieu,
Diderot, D` Alembert e Rousseau; e, os ingleses Alexandre Pope, William Blake,
Daniel Defoe, Samuel Richardson dentre outros, período que antecedeu o Romantismo,
surgido na primeira metade do século XIX, quando se verifica a valorização da
liberdade da criação, e onde se destacaram os grandes escritores portugueses Alexandre
Herculano e Camilo Castelo Branco, além do norte americano Edgar Allan Poe.
Na segunda metade do século XIX, o chamado Realismo mostra o mundo
capitalista, retratando o ser humano com seus distintos problemas. Nesta fase merecem
ser destacados Flaubert, Charles Dickens, Tolstoi, Antero de Quental, Dostoievski,
Emile Zola, Eça de Queiroz e Baudelaire dentre outros.
O período de 1910 a 1930 se destaca pelo aparecimento de novos caminhos
literários e as personalidades mais significativas são dentre outros Ernest Hemingway,
Fernando Pessoa, Marcel Prost e Pablo Neruda.
A partir de 1940, a Segunda Guerra Mundial passa a influenciar as ações no
campo literário e os grandes nomes que marcaram a literatura mundial foram Albert
Camus, Jean - Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Posteriormente na década de 1950,
surge a fase do Consumismo, com destaque para Allen Ginsberg, Henry Miller e
Vladimir Nabokov.
Nas décadas de 1960 a 1970 identificamos o Realismo, onde podemos destacar
os autores portenhos Jorge Luis Borges e Julio Cortazar, o colombiano Gabriel Garcia
Marques e o peruano Mario Vargas Llosa, além de Ítalo Calvino, cuja concepção é
marcada pela mudança entre as relações do ser humano e a natureza, bem como o
aparecimento de uma ação critica da natureza e porque não dizer da ficção.
No tocante ao nosso país, a fase primeira da literatura brasileira é representada
pela Literatura praticada pelos Jesuítas, quando o Padre José de Anchieta ocupa lugar de
proeminência com seus sermões, poemas e hinos no seu trabalho voltado para
catequizar os indígenas, sem esquecer Pero Vaz de Caminha, que prestou informações
sobre o Brasil ao rei de Portugal.
O século XVII é a fase do Barroco, caracterizado pelos conflitos no campo
espiritual, sendo marcada pela linguagem rebuscada e tendo como principais autores
Gregório de Matos e o Padre Antonio Vieira, e, no século seguinte surge o
Neoclassicismo, também denominado Arcadismo, quando a linguagem até certo ponto
complexa foi substituída por uma linguagem direta e mais fácil. Os principais autores
deste período são Cláudio Manoel da Costa, Basílio da Gama e Tomás Antonio
Gonzaga.
No século XIX é a vez do Romantismo que é marcado pelo nacionalismo, o
espírito sonhador, a valorização da liberdade e a utilização das metáforas. Nesta fase os
grandes nomes são José de Alencar, Gonçalves Dias, Castro Alves, Cassimiro de Abreu,
Álvares de Azevedo e Junqueira Freire.
De outra parte, na segunda metade do século XIX, com o declínio do
Romantismo, surge o Realismo, que é marcado pelo objetivismo, pela valorização dos
88 90
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 personagens inspirados nas coisas reais, pela critica social e pela utilização das cenas do
cotidiano. Destaque especial é conferido a Machado de Assis, Raul Pompéia e Aluisio
de Azevedo.
O Parnasianismo surgido no final do século XIX e inicio do século XX procurou
valorizar os temas clássicos e a poesia descritiva, empregando uma linguagem
rebuscada, ignorando os problemas sociais próprios da época. Os principais autores
parnasianos são Olavo Bilac, Raimundo Correa e Alberto de Oliveira.
No final do século XIX, quando os poetas usavam uma linguagem sugestiva e
abstrata, é o período do denominado Simbolismo e os principais autores são Alphonsus
Guimarães e Cruz e Souza.
A transição verificada entre o Parnasianismo e o Modernismo, origina o Pre´Modernismo,(1902 a 1922), que é marcado pelo regionalismo e o positivismo, quando a
linguagem é coloquial e procura valorizar as questões sociais. Os principais autores
desta fase são Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos.
Com a Semana de Arte Moderna acontecida em 1922 em São Paulo, surge o
Modernismo que se estende até 1930. Este período é caracterizado pelo nacionalismo,
pelas os temas urbanos e pela liberdade no uso das palavras. Os principais autores
modernistas são Mario de Andrade, Cassiano Ricardo, Oswald de Andrade e Manuel
Bandeira.
De 1930 a 1945, é a vez do Neo-Realismo, oportunidade em que são retomados
os grandes problemas sociais, as criticas e as denuncias, afora os assuntos urbanos e
religiosos. Os nomes mais significativos deste período são José Lins do Rego,
Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cecília Meireles e Carlos Drumond de Andrade
dentre outros.
No campo da História, Frei Vicente do Salvador recebeu o epíteto de o
“HERODOTO BRASILEIRO”, por sua obra histórica concluída na cidade do Salvador
em 20 de dezembro de 1627.Trata-se da sua HISTORIA DO BRASIL que permaneceu
inédita por mais de dois séculos e meio, como afirmou o renomado historiador
paraibano Guilherme Gomes da Silveira d`Àvila Lins, Sócio Efetivo do IHGP - Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, no seu discurso de posse como Sócio Correspondente
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em sessão solene do dia 04/05/2011.
Esta obra foi impressa pela primeira vez em 1886/1887. Segundo Guilherme Gomes da
Silveira d´Avila Lins no seu pronunciamento já aludido afirmou: “O “Heródoto
Brasileiro” foi a Paraíba onde missionou índios numa época de grande carência de
religiosos nessa terra. É preciso, pois, lembrar que por ocasião da conquista da
Paraíba em 1585 o baiano de Matoim, Vicente Rodrigues Palha, futuro clérigo
secular e futuro Frei Vicente do Salvador, O.F.M., era um mancebo de
aproximadamente 21 anos, estudante na Universidade de Coimbra e que sequer havia
atingido a maioridade”.
Meus senhores e minhas senhoras, a interação e o inter-relacionamento entre a
história e demais ramos literários é no nosso entendimento uma realidade e não são
poucos os historiadores que adentram na poesia, nos diferentes campos da prosa e da
literatura como um todo, sendo muitas vezes difícil separar o romancista, o
memorialista, do historiador e vice - versa. Estas são as considerações que tínhamos de
fazer neste importante debate sobre a historia na literatura.
89 91
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 PRONUNCIAMENTO
DO
HISTORIADOR
JOAQUIM
OSTERNE
CARNEIRO*, QUANDO DA CRIAÇÃO DO INSTITUTO HISTÓRICO DE
CAMPINA GRANDE, EM 26 DE MARÇO DE 2012.
Dr. Hermano Nepomuceno, representante do Dr. Veneziano Vital do Rego Segundo,
digníssimo Prefeito municipal desta cidade; Senhor Vice Governador Rômulo José de
Gouveia; Senhor Senador Cássio Cunha Lima; Dr. Arlindo Almeida, representante do
Presidente da FIEP; Dr. Francisco de Assis Benevides Gadelha; Humberto Cesar de
Almeida e Maria Ida Steinmuller, em nome dos quais saúdo os confrades e confreiras
do Instituto Histórico desta Rainha da Borborema.
Prezados amigos, minhas senhoras e meus senhores.
Costumo afirmar e mais uma vez irei repetir, que a vida nos reserva momentos
de intensa alegria, entremeados de instantes de indescritível tristeza. Neste momento
estou vivenciando uma grande satisfação, não somente por retornar e esta aconchegante
e hospitaleira urbe, conhecida e exaltada pelo valor que confere as letras e as artes, onde
tive o ensejo de trabalhar em duas oportunidades como técnico do velho DNOCSDepartamento Nacional de Obras Contra as Secas, na década de sessenta da centúria
passada, mas principalmente por estar participando nesta data, da implantação de uma
importante instituição que será de fundamental importância para este velho burgo
sertanejo.
Assim, o Instituto Histórico de Campina Grande, a denominada Casa de Elpídio
de Almeida, que está sendo festivamente criado ou recriado como queiram, terá um
papel preponderante na preservação da memoria e no incentivo a realização de
pesquisas, tornando realidade os sonhos de muitos intelectuais campinenses e
paraibanos.
A partir de agora, professores e estudantes, especialmente das escolas públicas,
historiadores e pesquisadores das mais distintas áreas do conhecimento humano, irão
dispor de um local para desenvolver suas atividades relacionadas com a rica historia da
Paraíba como um todo e de Campina Grande em particular.
Mas minhas senhoras e meus senhores, permitam que faça uma pequena
digressão, para lembrar que após ter assumido a presidência do Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano, em 07 de setembro de 2010, constatei que fazia necessário ser
prestada uma homenagem a Elpidio de Almeida, Patrono da Cadeira Numero 5, da
centenária Casa da Memoria da Paraíba, de maneira a assinalar o seu papel como
notável historiador. Nesse sentido, mantive entendimentos com Humberto Cesar de
Almeida e com Maria Ida Steinmuller e inicialmente seria colocada sua fotografia na
galeria de honra existente no IHPG.
Posteriormente, após o V Colóquio dos Institutos Históricos Brasileiros
realizado na sede do Instituto Histórico Brasileiro, no Rio de Janeiro, no período de 19 a
21 de outubro do ano pretérito, quando o tema central foi a criação dos institutos
históricos municipais, a idéia evoluiu e o resultado foi o ressurgimento, a criação, a
implementação deste Instituto Histórico de Campina Grande.
Faz-se necessário acrescentar que, atendendo a indicação que fiz a historiadora
Maria Ida Steinmuller, na qualidade de representante do Dr. Humberto Cesar de
Almeida se fez presente ao aludido simpósio e empolgada com o que ali foi discutido,
ao regressar, de imediato se debruçou e se dedicou a criação deste Instituto Histórico
que agora se torna realidade.
*Presidente do IHGP
90 92
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Para isso, recebeu o incentivo e a colaboração de diversos estudiosos,
professores e historiadores, devendo ser destacado o apoio da Prefeitura Municipal, na
pessoa do Dr. Veneziano Vital do Rego Segundo, que demonstrando um grande
sensibilidade, se dispôs a doar o imóvel onde dentro em breve estará funcionando a
Casa da Memória de Campina Grande.
Ao encerrar, desejo me congratular com aqueles que estão preocupados em
conhecer e estudar a historia local, pois como sabemos, os fatos históricos têm inicio no
município e a partir daí se estendem para o estado e para a nação. O Instituto Histórico
de Campina Grande se constituirá no prolongamento do venerando, do centenário
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e estará em sintonia com as diretrizes
emanadas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
91 93
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 PRONUNCIAMENTO DE HUMBERTO DE ALMEIDA*, DECANO DA
FAMÍLIA DO DR. ELPÍDIO DE ALMEIDA, NA SESSÃO SOLENE DO
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO, REALIZADA NO
DIA 13 DE SETEMBRO DE 2012.
Sinto-me lisonjeado ao ser distinguido pelo meu grande amigo Joaquim Osterne
Carneiro para fazer a aposição do retrato do meu saudoso pai Elpídio de Almeida, na
Galeria dos Patronos do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano que foi fundado em
07 de setembro de 1905, sendo a mais antiga instituição cultural do nosso Estado.
Considero o momento de uma significação toda especial para mim, ao assumir a
incumbência de relatar a biografia de um homem sério de múltiplas qualidades, sendo
Patrono da Cadeira número 5 deste importante Instituto. Nasceu no dia 1º de setembro
de 1893, no sobrado da família em Areia- PB, mas há quem afirme que foi na Casa
Grande do Engenho da Várzea, do município anteriormente citado, local escolhido pelo
Governador José Américo de Almeida, para fundar a Escola de Agronomia do Nordeste,
obra educacional, em homenagem à sua terra natal, atualmente sede do Campus II, da
UFPB.
É oportuno citar a figura de José Américo de Almeida a que mais se projetou na
Família Almeida, e, não revelar a sua carreira política e o acervo de sua obra literária e
os principais títulos alcançados com sua inteligência fora do comum, seria no mínimo
inconcebível para o momento. Portanto, tenho a honra de transcrever o personagem
oriundo de família pobre, que após a morte do seu pai, aos nove anos, foi entregue aos
cuidados de um tio, Padre Odilon Bemvindo de Almeida, internando-o no Seminário de
João Pessoa. Sem vocação, deixou o Seminário e ingressou no Liceu Paraibano, para
bacharelar-se na Faculdade de Direito do Recife em 1908. Após a formatura, voltou à
Paraíba sendo nomeado Promotor da Comarca de Souza. Posteriormente ocupou
importantes cargos públicos nas esferas estadual e nacional.
Em 1937 lançou-se candidato a Presidência da República não logrando êxito,
por ser traído por Getúlio Vargas, que o apoiava, dando o golpe, surpreendendo a
Nação, fechando o Congresso Nacional, cancelando as eleições presidenciais e dando
início ao Estado Novo em 1937 a 1945. Para ilustrar a brilhante carreira política,
administrativa e cultural do ex - Ministro José Américo de Almeida, menciono os mais
importantes cargos conquistados pelo seu valor: Ministro da Viação e Obras Públicas do
Presidente Getúlio Vargas, por duas vezes, Senador da República, Membro da
Academia Brasileira de Letras, Embaixador do Brasil junto à Santa Sé. Destacou-se
como escritor, escreveu várias obras, porém sua obra prima é o romance “A Bagaceira”,
lançado em 1928 e, atualmente, com mais de trinta edições em língua portuguesa e
traduções para diversos idiomas, espanhol e inglês, o francês e o esperanto, afora outros
títulos.
Agora, sinto que é oportuno falar sobre a Família Almeida, sua origem em
Portugal. Segundo o Armorial Lusitano, provêm os Almeidas de Fernão Canelas, na
Freguesia de Mangualde, pai de João Fernandes de Almeida, que pelos anos de 1223 a
1245 fundou no Julgado de Azurara da Beira, hoje Concelho de Mangualde, uma aldeia
denominada Almeida, em 1258. Em uma das minhas viagens a Portugal, suscitou-me a
curiosidade e fui conhecer a Aldeia Almeida, hoje, mais conhecida por Almeidinha.
Dando continuidade, detalharei sobre sua formação e vida pessoal com o casamento de
Rufino Augusto de Almeida e Adelaide Jocunda da Costa Gondim, em 28 de setembro
de 1891. Do casal nasceram cinco filhos, sendo pela ordem, a mais velha Maria
Eugênia, depois Elpídio, Pedro, Horácio e José Rufino.
*Médico, Empresário e Pecuarista.
92 94
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Após concluir os preparativos, Elpidio segue de navio, para o sul, cursando,
durante o ano de 1911, Engenharia em São Paulo. Sentindo que não tinha aptidão para a
Matemática, volta ao Rio de Janeiro e faz o curso de Medicina na Faculdade Nacional
de Medicina do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha. Elpídio Josué de Almeida foi
concluinte laureado na turma de 1918 e ao fazer a defesa de sua Tese de Doutorado
“Contribuição ao Estudo da Eschistosomose Mansônica”, foi distinguido pelo eminente
Professor Miguel Couto com as seguintes palavras: “Levante-se essa cortina feita de
modéstia em que se encontra o Elpídio. Só assim se poderá ver nele o estudante modelo
que é no mais legítimo significado de expressão. Três qualidades, qual mais nobre e
honrosa, o caracterizam: uma inteligência fora do comum, um coração bem formado,
uma força de vontade sem limites. Com três dotes de espírito, quem terá dúvidas sobre
a sua vitória na vida? Um pouco menos de modéstia e um pouco mais de audácia. Que
desses filhos assim muito exigem a humanidade e a ciência, que o criam e forma para o
seu próprio bem.”
Depois de formado em Medicina ficou algum tempo no Rio de Janeiro na
expectativa de que seu parente José Américo de Almeida lhe desse a oportunidade para
exercer a profissão na Cidade Maravilhosa. Mas como o Ministro era avesso a nomear
parentes, não o ajudou. Desiludido, volta ao seu Estado e foi nomeado pelo antigo
Mestre, então Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, Doutor Carlos
Chagas, para o cargo de Inspetor Sanitário Rural. Em seguida o Governador do Estado
deu-lhe a tarefa de reorganizar o Centro de Saúde de Campina Grande, que se
encontrava em precárias condições de funcionamento. Veio para Campina Grande e
logo decidiu fixar residência. Em seguida instalou consultório em parceria com o
odontólogo Dr. Idelfonso Ayres, alugando uma casa vizinha a Farmácia Azevedo,
pertencente ao Doutor João Tavares, um dos primeiros médicos a exercer a profissão em
Campina Grande, situada na Rua Maciel Pinheiro, hoje totalmente modificada na sua
estrutura pelo ex-prefeito Vergniaud Borborema Wanderley, que administrou a cidade
por duas vezes, entre 1935 e 1945, considerado um prefeito moderno, com uma visão
voltada para o futuro. Meu pai no exercício liberal da medicina, sua verdadeira vocação,
tornou-se conhecido em toda a região da Serra da Borborema, como sendo o médico dos
pobres e assim ecoava em todo o Estado.
Fato curioso, ao voltar a Areia, sua terra natal, já formado em Medicina,
encantou-se com a filha primogênita do senhor de Engenho Josafá Cesar Falcão, seu
futuro sogro e tomou-se de amores, terminando acatando o conselho do seu pai Rufino
que via de bons olhos o casamento. Para isso, quando se encontrava com o velho
Rufino, pai de Elpídio, dizia: “Josafá, casa tua filha com o filho do teu vizinho”. Ambos
moravam na mesma Rua Santa Rita, hoje Rua Getúlio Vargas, no sobrado próximo da
Igreja de Nossa Senhora da Conceição, cujo vigário da paróquia era o Padre Odilon
Bemvindo de Almeida, que exerceu de 1888 a 30 de junho de 1912, quando faleceu.
Elpídio por ser de formação retraída e muito tímida, solicitou do seu parente e amigo
Simeão Leal, filho de Dona Maroquinha, irmã de José Américo de Almeida, para ir ao
sobrado na presença da família e pedir a mão de Adalgisa ao seu pai Josafá Cesar
Falcão, dono do Engenho Cipilho, que de bom grado aceitou. Cumprida a formalidade,
marcaram o casamento.
Hoje em dia os tempos mudaram, quase aboliram o ritual. Do casamento
nasceram quatro filhos: Humberto Cesar de Almeida, Orlando Augusto Cesar de
Almeida, Antonio Américo Cesar de Almeida e a caçula Elza Maria Cesar de Almeida,
infelizmente todos já falecidos com exceção do autor desse depoimento. No exercício
da profissão dedicou-se com tal paixão e responsabilidade que quase comprometeu a
sua saúde. Dedicava-se exclusivamente ao estudo e a leitura dos livros que o livreiro
José Pedrosa, seu grande amigo dono da saudosa Livraria Pedrosa, lhe enviava todos os
93 95
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 meses, para escolher os lançamentos sobre Medicina e Cultura geral. Sua vida era
orientada pelo relógio, absolutamente pontual, diuturnamente. A vida tem seus
caprichos e o destino quase sempre modifica os caminhos que idealizamos para as
nossas vidas. O caso do Doutor Elpídio é um exemplo desse paradigma. Sua vocação
era para ser Médico ou Professor Universitário, jamais Político.
Vejamos como o destino mudou o seu caminho. Campina Grande na época era
dominada pelo carisma do grande líder Dr. Argemiro de Figueiredo, advogado
combativo que militava no Fórum da cidade e de todo o Estado, considerado pelos seus
colegas de magistratura como um grande tribuno. Na condição de chefe da UDN,
partido majoritário do Estado, achou por bem indicar seu cunhado Major Veneziano
Vital do Rêgo, seu grande amigo, candidato a Prefeito da cidade, sem uma prévia
consulta popular. Campina Grande conhecida pela sua rebeldia agitou-se e articulou
uma reação com o apoio da oposição. Dessa reação surgiu o nome do Doutor Elpídio,
por ser um homem do povo, médico humilde, sem mácula, caráter sem jaça, honesto e
obcecado pelo trabalho. A identificação estava feita faltando apenas comunicá-lo. Daí
se formou uma comissão dos comerciantes, industriais, políticos e o povo e foram
cumprir a missão. Certa noite, sem meu pai nada saber, estávamos jantando, quando
fomos surpreendidos, bateram à porta do escritório e entraram; à frente Severino Cabral,
José Arruda, Pedro Sabino, Antonio Coutinho, vários outros amigos e parte do povo e a
ele revelaram a notícia. A missão quase não foi a termo, porque meu pai recusava o
convite que muito lhe honrava, mas não sendo político tinha razões pessoais que
considerava impedido para dar um “sim” aos amigos. Finalmente, já passava da meia
noite quando meu pai apelou para minha mãe e fez a seguinte indagação: “Adalgisa, o
que eu faço?”. Ela, que a tudo assistia calada, disse: “Elpídio, você não pode se negar a
um pedido dos seus amigos; aceite!”. E foi assim que o Doutor Elpídio se tornou
candidato do povo e venceu as eleições com uma votação esmagadora, em menos de um
mês de campanha.
Eleito Prefeito e como seu Vice o amigo e colega Doutor Severino Cavalcanti
Cruz, preocupou-se com quem convidaria para compor o secretariado. Reuniu-se com
os amigos e dividiu a responsabilidade democraticamente, chegando à conclusão, por
unanimidade, quais as pessoas convocadas para compor o quadro dos companheiros de
primeiro escalão. Se não me falha a memória foram: José Lopes de Andrade
(Sociólogo), Félix Araújo Filho, Lino Fernandes, Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque,
Austro de França Costa, Noaldo Dantas e outros bons nomes que foram chamados
posteriormente. Não sendo indicado por Partido Político ficou à vontade para fazer seu
Secretariado sem nenhuma pressão. Falou mais alto o bom senso e o espírito público.
Hoje em dia se nomeia um cidadão sem qualificação para o cargo, desprovido
totalmente de caráter. Governou Campina Grande por dois períodos de 1947 a 1951 e
reeleito para o mandato de 1955 a 1959. Foi eleito Deputado Federal, sendo votado em
quase todo o Estado e em Campina Grande, obtendo uma votação de quase todos os
eleitores da cidade. Fato inédito, jamais igualado por outro candidato. Na Prefeitura,
com o apoio e a colaboração de uma equipe valorosa e bem motivada, trabalhava com
tal entusiasmo que empolgava a população, vencendo todos os obstáculos. Doutor
Elpídio dava exemplo de um líder sério, honesto e com grande espírito público. Sem
receber nenhum auxílio dos Poderes Estadual e Federal, conseguiu com austeridade,
honestidade e muita força de vontade equilibrar as finanças, executando com um bom
planejamento grandes obras essenciais para o povo. Sem ser comunista exerceu o poder
priorizando o social e a educação. Com a valiosa colaboração de Félix Araújo, grande
vítima dos seus ideais e dos invejosos, políticos fracassados. Do grande educador
Anísio Teixeira, conhecido nacionalmente, e do seu ex-aluno Durmeval
Trigueiro, que possibilitaram ao Doutor Elpídio construir escolas para atender as
94 96
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 crianças pobres. Foi o primeiro dirigente da Liga Campinense Contra a Tuberculose e
também primeiro presidente da Sociedade Mantenedora da Faculdade de Medicina de
Campina Grande, em 1968, hoje incorporada a Universidade Federal de Campina
Grande. Foi nomeado Prefeito da cidade de João Pessoa, mas não tomou posse. Em
homenagem a mulher de Campina Grande construiu a Maternidade Municipal que
tomou o seu nome, sendo a primeira e única maternidade completa de todo o interior do
Nordeste. Criou a FUNDACT-Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e da
Técnica e tantas outras obras importantes que deixo de citar para evitar a fadiga dos
presentes a esta solenidade. Sua passagem terrena ficou imortalizada pelo seu maior
legado cultural que foi o livro HISTÓRIA DE CAMPINA GRANDE, lançado em 1962,
e que o Instituto Histórico de Campina Grande, que o homenageia dando-lhe a sub denominação de “Casa Elpídio de Almeida”, está cuidando do lançamento da 4ª. Edição
ampliada e revisada pelo próprio autor, e que será lançado no ano das comemorações do
Sesquicentenário de Emancipação Política de Campina Grande, em 2014.
Finalizando cito Noaldo Dantas, Vereador e leal companheiro do meu pai, que
guardou várias máximas em suas conversas com o Doutor Elpídio, entre elas: “A
oportunidade nunca chega. Ela reside em cada um de nós. Basta despertá-la”. “Muito
cuidado com as coisas que não têm volta: as palavras, o tempo e a ocasião”. Doutor
Elpídio foi para mim mais do que um exemplo, deixou-me uma lição. E do meu amigo
Virgílio Brasileiro, relembrando as comemorações do Centenário de Nascimento do
meu pai, escreveu em sua brilhante conferência e tomo emprestado as suas palavras
quando disse: “A vida do Doutor Elpídio podia ser contada para as crianças – Era uma
vez um homem de bem”. Muito obrigado!
95 97
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 PRONUNCIAMENTO DE TELMA PORDEUS* EM 21 DE MARÇO DE 2013, QUANDO DA
HOMENAGEM A TERESINHA DE JESUS RAMALHOS PORDEUS
Teresinha de Jesus, nome de Santo, vida sofrida de muitas batalhas.
Nasceu tão pequenina que minha avó a colocava em cima da mesa numa
caixinha de sapato. De vez em quando alguém vinha para ver se ela ainda estava
respirando, porque o médico disse para família que “a menina não deveria durar mais
que seis meses”.
Garota valente, calou todo mundo e cresceu forte e “parruda”. Sua valentia era
famosa.
O gosto pela política veio cedo, fazia e terminava comícios. Em período
eleitoreiro conduzia chapas escondidas nos bolsos da saia e cabalava votos para seus
candidatos preferidos.
Um dia seu primeiro pretendente deixou-a esperando quase no altar. Seu vestido
estava pronto, espalhado na cama, quando chegou um telegrama avisando que o noivo
não viria. Cortou suas vestes, seguiu para brincar o carnaval e fez fantasia daquele
vestido.
Do segundo Cavalheiro eu guardo até ciúmes, parece que foi romance de filme!
Mas, não sei por que não vingou.
“O terceiro foi aquele que a Teresa deu a mão”! Primo querido que um dia foi
alçado à categoria de namorado. Tendo sido aprovado num concurso foi morar longe.
Disse-lhe que voltava para casar. Mas ela pensou caso semelhante pudesse se repetir.
Um dia o namorado enviou um telegrama marcando a data do seu retorno e o
casamento. Ela pensou que era brincadeira, nem vestido de noiva fez!
Casou; mas de acordo com a sociedade marido de antigamente, não deixava a
esposa estudar nem trabalhar fora do lar.
Vieram os filhos, um menino e uma menina. O menino partiu cedo, virou
anjinho, e ela teve a tristeza de carregar seu filho morto durante horas por não querer
colocá-lo em um caixão.
O marido era bom, a amava muito, mas tinha um vício: a bebida. Morreu cedo,
também, nem aliança comemorativa pelos dez anos de casamento recebeu, ele foi antes.
Da dor, à reviravolta. Retomou aos seus cadernos, terminou os estudos e fez
faculdade; escreveu livro e entrou para os imortais do Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano – IHGP, e outros órgãos congêneres, mais recentemente a Academia
Feminina de Letras e Artes da Paraíba – AFLAP.
Mulher forte, que amou, foi amada, foi mulher, mãe, professora. Mulher
exemplo que virou a mesa, mudou sua vida e a minha. Amiga que entende que filho é
para o mundo. Deixou-me ser feliz, mesmo longe.
Com suas mãos cheias de anéis que brilham, fez lindos bordados que enfeitaram
e ainda, adornam nossa casa.
E hoje, ela vive em nossa saudade...
Telma Ramalho Pordeus, *Arquiteta, filha de Teresinha Pordeus.
96 98
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 SAUDAÇÃO DO HISTORIADOR JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO* AO
HISTORIADOR BERILO RAMOS BORBA, QUANDO DO SEU INGRESSO NO
IHGP, EM 18 DE MAIO DE 2013
A essência profunda e exuberante da vida, nos seus encontros e desencontros,
nos seus acertos e desacertos, nos seus caminhos e descaminhos que em diferentes
oportunidades feliz ou infelizmente somos obrigados a percorrer, muitas vezes nos
proporciona alegria, satisfação, contentamento, decepção, tristeza, melancolia e
desânimo, que em determinadas circunstancias nos acompanha para sempre.
Esta solenidade em que recepciono Berilo Ramos Borba, no seu ingresso como
Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, para ocupar a Cadeira N‫ﮆڎ‬
24, que tem como Patrono o inoxidável Irineu Ferreira Pinto e que se achava vaga, em
face do falecimento de Joacil de Britto Pereira, uma das figuras mais proeminentes das
letras, das artes, da política e da historia da Paraíba, do nordeste e do Brasil, ficará para
sempre na minha memoria e me acompanhará enquanto vida tiver.
Este augusto momento, este instante de sentimento e de solidariedade, de
fraternidade e de confraternização, de harmonia, de felicidade e de esperanças haverá de
permanecer comigo, haverá sempre de ocupar um espaço perene na minha mente, no
intimo do meu espírito, no meu coração, onde apesar das asperezas que enfrento no dia
a dia, ainda há lugar para sonhos e quimeras, para navegar a procura daquilo que
representa o que há de melhor e de mais importante para a humanidade, que é a paz e a
harmonia entre os homens.
Mas se estou alegre, se estou reconfortado, se me sinto orgulhoso pela confiança
recebida, por representar este cenáculo da sabedoria e da memoria, este silogeu da nossa
pequenina e heróica Paraíba vislumbro uma grande responsabilidade que terei de
enfrentar, pois estou recebendo uma personalidade das mais respeitadas no campo da
literatura, da genealogia e da historia da nossa terra, que é o professor, o historiador, o
advogado e o genealogista Berilo Ramos Borba, que infunde respeito e confiança, a
quanto têm o prazer de conhecê-lo, principalmente pela cultura jurídica e humanista que
ornamenta sua marcante personalidade.
Natural do município de São João do Cariri, localizado no coração de uma das
regiões mais adustas do nosso Estado, Berilo Ramos Borba, descende da família Correia
Lima, particularmente do Doutor Genuíno Correia Lima e de sua mulher Firmiana da
Costa Ramos. Este casal realmente se situa no rol dos verdadeiros desbravadores e
colonizadores dos municípios de São João do Cariri e Serra Branca respectivamente.
Faz-se necessário afirmar que, Genuíno Correia Lima descende de Bento Correia
Lima, senhor do Engenho Goiana Grande, de Pernambuco que em 1700 obteve terras na
Paraíba e posteriormente se fixou no município de Areia, no brejo paraibano.
Concomitantemente, da mesma família do capitão Bento Correia Lima é conveniente
lembrar o capitão Alexandre da Costa Cunha Lima e o capitão Rufo Correia Lima,
senhor do Engenho Poções, casado com Rita Francisca de Moraes Correia Lima que
constituíram a família Correia Lima nos municípios de Pilões, Areia e Serraria, os
Cunha Lima e os Azevedo Cunha, a família Cunha do município de Pilões e os Duarte
dos Santos Lima no município de Serraria também no brejo paraibano.
Nessas condições me sinto a vontade para falar a respeito de Berilo Ramos
Borba, pois seu bisavô Genuíno Correia Lima era irmão do Coronel Manoel Ildefonso
Correia Lima, avô de Maria Augusta Correia Lima, minha companheira há mais de 50
anos, esposa dedicada e devotada mãe de Francisco Antonio, Luciano e Licania
queridos filhos que nos deram 5 (cinco) netos.
*Presidente do IHGP
97 99
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Joaquim Osterne Carneiro Neto, Marcio Maciel Carneiro, Francisco Antonio
Correia Carneiro Junior, Marcela Carneiro Borges e Raphael Maciel Carneiro, meus
filhos com açúcar, que com o entusiasmo próprio dos jovens me proporcionam
condições de enfrentar o outono nesta altura da minha vida.
No respeitante a Berilo Ramos Borba, posso afirmar sem medo de contestação que é
possuidor de um opulento currículo.
Assim, concluiu o Curso de Teologia, na Pontifícia Universidade Gregoriana em
Roma, na Itália e o de Bacharel em Direito, na Universidade Federal da Paraíba.
Além disso, realizou o mestrado em Teologia também na já citada Pontifícia
Universidade Gregoriana e em Administração Pública, na Fundação Getulio Vargas, na
cidade do Rio de Janeiro, tendo igualmente concluído cursos de especialização no Brasil
e no exterior e participado de distintos congressos, simpósios e seminários.
Ao longo de sua fecunda existência é Professor Titular aposentado da Universidade
Federal da Paraíba, tendo inclusive exercido com muita proficiência os cargos de
Diretor de Pessoal, Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Membro do
Conselho Universitário, Pro - Reitor de Assuntos Comunitários e Reitor da aludida
instituição,
Afora isso, foi Professor contratado da Universidade Regional do Nordeste da
cidade de Campina Grande-PB, Secretário de Estado da Administração do Governo do
Estado da Paraíba, Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PB, Presidente
do Circulo de Estudos Sociais no Pontifício Colégio Brasileiro, em Roma, na Itália,
Delegado do Ministério da Educação no Estado da Paraíba, Presidente da Diretoria
Estadual da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade no Estado da Paraíba e
atualmente é Advogado dos mais atuantes.
Pertence ao Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, ao Instituto Hans
Kelsen, a Associação dos Advogados Católicos da Paraíba, ao Instituto Histórico e
Geográfico do Cariri Paraibano, ao Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
e a Organização Universitária Irteramericana, de Quebec, no Canadá.
Por seus indiscutíveis méritos foi agraciado com a Comenda da Grã Cruz do Mérito da
Republica Federal da Alemanha, com o titulo de Administrador Publico do Ano de
1981, em João Pessoa-PB e com titulo de Professor Honoris Causa, da Universidade
Federal do Maranhão, sendo também Cidadão Honorário das cidades de Campina
Grande, Cajazeiras, Sousa, Patos e Areia, no nosso Estado e Austin, nos Estados Unidos
da America do Norte.
È Autor de distintos trabalhos, destacando-se o livro “Correia Lima: A Saga de
uma Família no Cariri Paraibano”, em parceria com Antonia Borba de Brito, “ José Leal
e Sua Ascendência Familiar”, “A Questão Social em Santo Agostinho”, “ Serra Branca
Um Esboço Histórico” e “Estudo Sobre Aspectos Sócio - Religiosos da Diocese de
Campina Grande”.
Nessas circunstancias, tenho absoluta certeza que o novo Sócio Efetivo desta
Casa da Memória Paraibana, desempenhará importante papel no tocante ao estudo dos
fatos que chamam a atenção de quantos têm o prazer de adentrar ou de conhecer a
historia da nossa terra.
Meu caro Berilo Ramos Borba, seja bem a mais antiga instituição cultural em
funcionamento no Estado da Paraíba e que diariamente é visitada, é freqüentada por
geógrafos, historiadores, professores e especialmente por alunos das nossas escolas
publicas, que aqui encontram elementos para elaboração de seus trabalhos os mais
diversificados possíveis. Esta casa é sua!
98 100
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 DISCURSO DE POSSE DE BERILO RAMOS BORBA*, QUANDO DO SEU
INGRESSO COMO SÓCIO EFETIVO NO IHGP, EM 18 DE MAIO DE 2013
Meus Senhores, Minhas Senhoras,
Externo, neste momento, minha gratidão, primeiramente, a Deus que me deu a
vida e que a conserva, não obstante as limitações trazidas pela idade. Agradeço,
também, a todos quantos me têm apoiado e incentivado, ao longo da vida, a trilhar o
caminho do bem e da realização pessoal. Sou devedor a todos eles, por tudo o que têm
feito por mim.
Filho de pequenos agricultores e nascido no Cariri - região mais seca da Paraíba
- onde se encontram os maiores obstáculos a serem vencidos, para se alcançar uma
sobrevivência digna e um desenvolvimento pessoal satisfatório, fui preparado, desde a
mais tenra idade, para a luta, para superação das barreiras que se interpusessem no meu
caminho.
Meus pais, Joaquim Borba Filho e Josefa Ramos Borba, embora pobres e de
pouca escolaridade, possuíam, contudo, a sabedoria do bem viver. Razão por que,
sempre, me incentivaram e apontaram o caminho a ser seguido: uma vida de honradez,
honestidade e solidariedade, alcançada através do estudo e do esforço pessoal, em busca
da conquista de um lugar ao sol. Para eles, o estudo, não somente era o único bem
consistente que me poderiam proporcionar, mas, também, o meio mais eficaz, para
vencer na vida e ser alguém útil e digno na sociedade.
Foi em casa, onde aprendi as primeiras lições de vida; onde introjetei os valores
fundamentais da convivência humana, baseada na verdade, na justiça, na honestidade,
na responsabilidade, na solidariedade, no cumprimento do dever e no trabalho, os quais
forjaram o meu caráter e solidificaram minha conduta pela vida a fora.
Quinto filho de uma família numerosa de onze irmãos, sempre contei com a
ajuda e a solidariedade de todos. Fui alfabetizado, no lar, aos seis anos de idade, pelos
irmãos mais velhos. Ao entrar na escola publica de Serra Branca, em 1942, já conhecia
as letras e já lia as primeiras frases.
A Professora da Escola Reunida de Serra Branca, Da. Tereza Fernandes de
Lima, em face do meu desempenho inicial, presenteou-me com o meu primeiro livro
escolar, uma “Cartilha do Povo”, em cuja capa continha uma mão espalmada, com uma
vogal em cada unha.
As limitações da escola pública, conforme a orientação de meus pais, deveriam
ser superadas pelo estudo, em casa, quase sempre à noite, à luz da lamparina de
querosene, pois as horas disponíveis, durante o dia, deveriam ser dedicadas ao trabalho
na pequena agricultura e pecuária familiar. A vida, na infância, não era nenhum mar de
rosas! O estudo e o trabalho, mesmo naquela dade, impunham-se, preferencialmente,
como as principais obrigações a serem cumpridas.
Não foi fácil o meu acesso à educação formal. Os dois primeiros anos do Curso
Primário foram realizados em Serra Branca, para onde a minha família se deslocara, a
fim de proporcionar educação aos filhos. Entretanto, com o agravamento da seca de
1942-45, meus pais voltaram para o sítio onde haviam residido, com o objetivo de tentar
salvar os animais que estavam sendo dizimados pela longa estiagem. Morando, agora,
longe da escola, vários quilômetros deveriam ser vencidos, diariamente, a pé, ou
cavalgando um jumento, para ter acesso às aulas.
*Sócio Efetivo do IHGP
99 101
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Não obstante as dificuldades interpostas pela distância e/ou, às vezes, por falta
de professores, num esforço sobreumano de superação das barreiras encontradas, em
1948 recebi o Certificado de conclusão do Ensino Primário.
E, agora, o que fazer? Como e onde continuar a estudar? Não havia Curso
Ginasial em Serra Branca, nem meus pais poderiam custear meus estudos fora daquela
localidade. Porisso parei de frequentar a escola, por dois anos.
Para felicidade minha, em 1951, encontrava-se, naquela cidade, um mestre de
música, regente da banda local, de nome Napoleão Ferreira Leão, que, a exemplo do seu
irmão, de Campina Grande, Prof. Anésio Leão, fundou, em Serra Branca, um Curso
Preparatório para o Exame de Admissão. Abria-se, assim, uma nova perspectiva. Não
perdi tempo, matriculei-me no “Instituto Rui Barbosa” e, ao final do ano fui o aluno
laureado da turma.
Aos dezesseis anos de idade, participei de concurso para professor de Ensino
Primário, promovido pela Prefeitura Municipal de Serra Branca. Apesar de ter sido
classificado em primeiro lugar, não pude ser nomeado, por não ter, ainda, a maioridade
necessária para ocupar cargo público.
Vivendo numa família profundamente cristã, senti-me vocacionado ao
sacerdócio. Em razão desse chamado, em fevereiro de 1953, com 17 anos de idade, fui
encaminhado para o Seminário Arquidiocesano de João Pessoa, onde, após prestar o
Exame de Admissão, matriculei-me no Curso de Humanidades, com duração de seis
anos.
Concluído o Seminário Menor, entrei para o Seminário Maior, onde em 1959,
iniciei o Curso Superior de Filosofia, tendo feito os dois primeiros anos, em João Pessoa
e o terceiro, em Olinda, no Seminário Regional do Nordeste, tudo em tempo integral e
dedicação exclusiva.
Escolhido pela Diocese de Campina Grande, em que me encontrava
encardinado, como clérigo, para realizar minha formação teológica em Roma, em
setembro de 1961, viajei para a Cidade Eterna, dos Césares e dos Papas, onde me
matriculei na Pontifícia Universidade Gregoriana, para realização do Curso Superior de
Teologia, ao término do qual alcancei os graus acadêmicos de “Bacharel” e de
Licenciado”, este último equivalente ao Mestrado, completando, dessa forma, a minha
preparação para o sacerdócio.
Desistindo de ser padre, voltei para o Brasil. Valendo-me de diversos Cursos de
Especialização realizados no campo das Ciências Sociais, ministradas pelo Instituto de
Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Gregoriana, em fevereiro de 1966,
participei do concurso de professor para o Ensino Superior, promovido pela Faculdade
de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande,
tendo logrado aprovação, fui contratado Professor de Sociologia da antiga FACE/CG,
onde iniciei minha vida profissional.
Ainda não satisfeito com a formação acadêmica até então recebida, matriculeime na 1ª Turma do Curso de Direito da recém-criada Fundação Universidade Regional
do Nordeste, tendo cursado, ali, os três primeiros anos, quando, em 1969, fui
selecionado para o Curso de Mestrado em Administração Pública, da Fundação Getúlio
Vargas, no Rio de Janeiro.
Após a realização do Mestrado, fui chamado a trabalhar em João Pessoa, tendo
exercido, na Universidade Federal da Paraíba, além da função docente, vários cargos
administrativos, dentre os quais se destacam: Chefia de Departamento, Diretoria de
Centro, Diretoria do Departamento de Pessoal, Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e,
finalmente, a Reitoria daquela Universidade.
Mantive também engajamentos profissionais fora da Universidade!
100 102
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 No Estado da Paraíba: ocupei os cargos de Assessor Técnico e Secretário da
Administração do Governo Ernani Sátyro. Na OAB/PB exerci a Secretaria Geral, a
Vice-Presidência e, também, Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina.
No Ministério da Educação, ocupei a função de Delegado do MEC, na Paraíba.
Na Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, a Presidência da Diretoria Estadual,
e na Sociedade de Ensino Superior da Paraíba, o cargo de Diretor-Presidente.
Para um moço pobre nascido lá nas charnecas do Cariri, chegar onde cheguei,
representa um grande esforço de superação das limitações e dificuldades que se
interpuseram à minha vida, embora reconheça que sem a ajuda dos amigos não teria
alcançado o sucesso que coroou a minha modesta existência.
******
Hoje, com muita honra, penetro nos umbrais da “Casa de Irineu Ferreira Pinto”,
contando, mais uma vez, com o apoio dos amigos que me incentivaram, ajudaram e me
elegeram. Sou imensamente grato a todos!
Agradeço à Direção do IHGP, de modo especial ao Presidente Historiador
Joaquim Osterne Carneiro que, para honra minha, aceitou me receber nesta investidura;
ao Vice-Presidente Historiador Humberto Fonseca de Lucena, amigo e companheiro de
outras jornadas; ao Tesoureiro, o incansável pesquisador, Adauto Ramos e aos
dedicados servidores que sempre me receberam nesta casa com todo carinho e amizade.
Agradeço, também, aos sócios efetivos que sufragaram o meu nome. Sem o
apoio deles, jamais integraria esse Templo da Memória da Paraíba.
Para que meus agradecimentos se tornem mais pessoais, citá-los-ei, pela ordem
em que assinaram a “folha de votação*. São eles: Joaquim Osterne Carneiro, José
Nunes da Costa, Balila Palmeira, Adauto Ramos, Ricardo Bezerra, Diana Carmen
Martins, Marcos Cavalcanti de Albuquerque, Maria José Teixeira Lopes, Carlos
Azevedo, Natércia Suassuma Dutra, Humberto Fonseca de Lucena, Modesto Siebra
Coelho, Lúcia Guerra Ferreira, Maria Auxiliadora Bezerra Borba, Waldice Mendonça
Porto, Diana Soares de Galiza, Ernando Teixeira de Carvalho, Wellington Aguiar,
Manuel Batista de Medeiros e Osvaldo Trigueiro do Valle, a quem agradeço de todo o
coração.
Embora carente de formação específica na Ciência de Heródoto, sempre gostei
de História. Minhas dissertações, artigos, e pronunciamentos, quase sempre destituídos
de arrogos oratórios, literários ou poéticos, encerram, o mais das vezes, uma abordagem
histórica. Na minha modesta produção literária, mesmo aqueles trabalhos que não
tratam diretamente de História, estão, contudo, entremeados da análise de fatos
históricos pertinentes ao assunto.
Vejo na minha pertença ao vestuto Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, a
oportunidade de desenvolver e aprofundar estudos históricos que, em razão de inúmeros
fatores impeditivos de ordem profissional, ainda não tivera a chance de realizá-los.
A minha determinação é de honrar com minha participação ativa e produtiva, no
IHGP, a confiança em mim depositada pelos meus confrades.
Rogo a Deus que possa bem cumprir este “desideratum”!
*****
Conforme a liturgia da posse, deve o recipiendário dissertar sobre o Patrono e
sobre o Fundador ou último ocupante da Cadeira que vai ocupar.
Em sendo assim, passo, agora a traçar um perfil do Patrono da Cadeira 24, do
Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, o grande paraibano, IRINEU FEREIRA
PINTO, que pela sua contribuição intelectual e desvelado amor à Paraíba e pela
101 103
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 apaixonada dedicação à agremiação que fundara, tornou-se o Patrono maior do IHGP,
nominado, com muita justiça, como “Casa de Irineu Ferreira Pinto.”
Natural da antiga cidade da Parahyba, nome dado à nossa Capital, antes de 1930,
Irineu Ferreira Pinto veio ao mundo em 07 de abril de 1881. Foram seus progenitores:
Francisco Ferreira Pinto e Bernardina Ferreira Pinto que, estando, naquele período,
financeiramente arrasados, em razão do desmoronamento da empresa familiar, não
tiveram condições de oferecer um padrão de vida mais elevado ao seu primogênito que
sempre teve de lutar com muitas dificuldades para vencer na vida.
Sua situação tornou-se, ainda mais precária, quando, aos oito anos de idade,
Irineu ficou órfão de pai. Após as segundas núpcias de sua genitora - casamento que
não fora do agrado das antigas cunhadas - os filhos do finado foram tomados e
distribuídos entre seus parentes.
A Irineu coube ir morar com a avó paterna, D. Maria Tereza de Jesus e sua tia
Francisca, conhecida por Dondon, no sítio Barreiras, distando três quilômetos da ponte
do Sanhauá, local onde, hoje. se encontra a cidade de Bayeux.
Felizmente, suas avó e tia providenciaram a educação formal do neto e sobrinho,
matriculando-o, inicialmente, na escola primária e, mais tarde, no Lyceu Paraibano,
onde Irineu cursou os estudos de humanidades.
Sua pretensão era fazer o Curso de Direito. Entretanto, jamais realizou esse seu
desejo, pois seus familiares não tinham condições de custear seus estudos superiores
fora de sua cidade natal.
No Lyceu, IRINEU foi um aluno dedicado e criativo, que se sobressaia aos seus
colegas. Desde cedo se destacou no cultivo das letras, tornando-se sócio dos grêmios
literários da cidade.
Em 1897, com a idade de 16 anos, conforme relata seu filho, Piragibe
Pinto, no livro “IRINEU FERREIRA PINTO, Sua vida e sua obra” (1), Irineu entrou
para o Grêmio Minerva, sociedade literária de que faziam parte Esperidião Medeiros,
Frederico Neiva, Otávio de Novais, Artur Moreira Lima, Antônio Cisne, Lourenço
Moreira Lima dentre outros. Fez parte, igualmente, de um Grêmio original,
denominado “Plana Boêmia” que reunia, no adro da Catedral, a elite intelectual da
cidade. Cada participante adotava um pseudônimo com o qual se iniciava na vida
literária. O pseudônimo de Irineu era João Sacrota.
Deste Grêmio surgiu a ideia da fundação do “Clube Benjamim Constant”
sociedade que sobreviveu por muitos anos, da qual Irineu foi seu fundador e presidente,
e que promovia uma variedade de atividades, entre: debates, passeatas, exposições de
pintura e bordado, organização de cursos preparatórios para secundaristas, entre outras.
A respeito do “Clube Benjamim Constant”, o Dr. Álvaro de Carvalho, em artigo
publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico fez o seguinte registro:
“Essas agremiações de estudantes foram grandes escolas de
civismo e de letras dos moços de minha geração. Aí estudávamos,
aprendíamos a falar, a discutir, a escrever, a organizar a nossa vida
social incipiente, a disciplinar-nos no convívio franco da comunidade
vigilante. Aprendíamos História, discutindo a vida de grandes homens
em sessões plenárias a que chamávamos júris. Havia acusadores e
defensores e os debates eram sempre vigorosos.” (2)
Dos 17 aos 21 anos, Irineu publicou na imprensa local: crônicas, sonetos,
poesias, trovas. Nesta fase, como observa seu filho, na obra citada, produziu versos de
grande beleza e sensibilidade poética, como: “Creanças”, “Sentimento D’Alma” e a
“Volta ao Trabalho”, escritos entre 1900 e 1902. (3).
102 104
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Mesmo frustrado em seu desejo de fazer curso superior, Irineu Pinto não
abandonou os estudos, tornou-se, além de autodidata, um pesquisador infatigável e um
estudioso das coisas da Paraíba.
Precisando reforçar o orçamento doméstico, em 1900, com 19 anos de idade,
assumiu seu primeiro emprego, junto ao Estado da Paraíba, passando, três anos depois,
a fazer parte dos quadros dos Correios da República, na função de amanuense, cargo
que ocupou por toda sua curta vida, de 37 anos, encerrada, prematuramente, com sua
morte, em 27 de março de 1918, na cidade que lhe serviu de berço.
Divulgou-se entre seus coetanos, a ideia de que Irineu havia falecido em
consequência de uma doença pulmonar contraída no manuseio de velhos documentos
existentes no Arquivo Estadual. Tal versão foi desmentida por seu filho médico que não
concordava com a ideia de fazer de seu pai um “mártir da Ciência da História”,
falseando a verdade dos acontecimentos.
Segundo atesta Piragibe Pinto, no Cap. X, de seu precioso livro: “Irineu Fereira
Pinto, Sua Vida e Sua Obra” ao referir-se à ‘Sua Causa Mortis”, apresenta a seguinte
hipótese:
“Depois de estudar Medicina, procurei chegar a uma conclusão
a respeito do diagnóstico da doença de meu pai. Mas não consegui
chegar a um resultado satisfatório. Sei que foi uma colite crônica
rebelde que foi minando, ao longo dos anos, seu organismo, talvez
agravado com o auxílio de dietas repetidas. Teria sido uma colite
amebiana? Ou uma manifestação intestinal de uma esquistossomose?
A intervenção cirúrgica realizada em Lisboa, que parece ter sido para
curar uma hemorróida, manifestação tão comum em esquistossomose,
reforça a hipótese de ter sido esta tão grave infestação, tão comum no
Nordeste, a causa da colite crônica que o levou ao túmulo.” (4)
Irineu Pinto foi casado com d. Marcionila Figueiredo Pinto, de família potoense,
cujo enlace se deu em 1905, quando contava com a idade de 24 anos. Desse consórcio
teve três filhos: Iremar, que fez carreira militar, Ivone e Piragibe que se tornaram
médicos.
Com muita pertinência e justiça, o Instituto Histórico e Geográfico da Paraiba se
autodenomina “Casa de Irineu Ferreira Pinto”, pois, além de um dos seus fundadores,
foi ele o primeiro bibliotecário; dedicado secretário e editor dos quatro primeiros
números da sua Revista.
Era admirável o amor de Irineu Pinto pelo Instituto que ajudou a criar. Segundo
atesta seu filho na obra já citada:
“O Instituto passou a ser a sua maior paixão, a “menina dos
seus olhos”, a ponto de, anos depois, sentindo a morte próxima, pedir
ao seu amigo e consórcio, Flávio Maroja que não deixasse seu Instituto
morrer.”(3) .pág.24)
Além do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, em que exibia a condição
de Sócio fundador, Irineu Ferreira Pinto foi também sócio dos Institutos Históricos de
Pernambuco, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.
Por sua dedicação e reconhecido trabalho de pesquisa, Irineu foi designado para
representar o Estado da Paraíba em vários eventos. Esteve presente em dois congressos
nacionais de Geografia realizados em Recife e Salvador, bem como foi designado pelo
Governo Castro Pinto, em 1913, para estudar, nos arquivos portugueses, os limites entre
os Estados da Paraíba e de Pernambuco.
Desta feita, ele passou cinco meses em Lisboa, consultando os arquivos
existentes na Torre do Tombo e preparando o Relatório sobre as pesquisas realizadas
em Portugal.
103 105
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 A partir daí, ampliou-se sua ação no Exterior: tornando-se membro da Sociedade
de Geografia de Lisboa; da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris e
da Academia Real de Arquiologia da Bélgica. Foi, igualmente agraciado com a
“medalha de ouro” da Sociedade de Historia de Paris e com a “medalha de cobre” na
Exposição de Turim, na Itália.
Irineu, no curto período de sua vida, produziu uma variedade de publicações,
destacando-se: “Datas e Notas para a História da Parahyba”, entre 1908 e 1910, sua obra
mais importante e mais extensa.
São, também, de sua autoria outros trabalhos de natureza científica, publicados
nas Revistas do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, dentre os quais se
destacam: “O Cólera-morbus na Paraíba”, a Resenha dos Trabalhos Científicos”, “A
Igreja do Colégio”, “A Instrução Pública na Paraíba, “A Paraíba de Lyra Tavares”,
todos publicados em 1910; “A Abdicação”, “Notas para a História da Ordem 3ª de
Nossa Senhora do Carmo” e “O XVII Congresso de Americanistas”, publicados em
1912.
Irineu Fereira Pinto, também, produziu outros escritos: “O Heroísmo de
Cabedelo”, “Capela do Senhor do Bom Jesus”; “A Bahia e o V Congresso Brasileiro de
Geografia”; “Documentos para a bibliografia de Pedro Américo” e publicou, ainda,
inúmeros artigos, crônicas, poesias e poemas nos jornais “A União”, “O Norte”, no
“Comércio” e em jornais e revistas de outros Estados.
Sobre sua principal obra, por ocasião da publicação do volume I, o jornal “A
União”, de 24 de janeiro de 1909, trouxe uma bela crônica da qual se lê o seguinte
trecho:
“Um livro sério, motivo de admiração de justo orgulho nosso, é
esse Datas e Notas para a História da Parahyba. É um repositório
completo de ensinamentos históricos sobre a fundação da Parahyba e
sucessivos acontecimentos.
As investigações de Irineu Pinto, no volume que temos nas mãos,
datam de 1501, quando os primeiros bandeirantes portugueses,
velejando às náus de André Gonçalves, dominaram a Bahia de
Acejutibiró, até o martyrologio
dos primeiros alecerragens da
Independencia. È um livro que todos devemos possuir e manusear,
enquanto se não consolida a obra da história da Parahyba. Com sua
leitura cresce o nosso espírito de admiração a esses cento e tantos
homens de admirável coragem cívica, que foram os factores do nosso
engrandecimento de povo. Ao mesmo passo que ascencionamos no valor
dos nossos antepassados gloriosos, sentimos um íntimo respeito por esse
moço de vinte e poucos annos, batido por uma dolorosa falta de saúde
que lhe cava sulcos na face por onde parece passar a longa fieira dos
annos dolorosos.“ (4) (Citado por Piragibe Pinto, pág. 66 da obra citada).
Convém destacar que o livro “ Datas e Notas para a História da Paraíba”,
publicado pela Imprensa Official, em 1909, teve um repercussão extraordinária nos
jornais da época, não somente na Paraíba, como em outros Estados. Naquela
oportunidade, registraram o importante evento: os jornais: O Norte, A União, O Diário
de Natal (RN), o Gutemberg, de Maceió e o Estado de São Paulo e o Capital, de
Campinas.
Dentre os intelectuais que, à época, escreveram artigos laudatários sobre a obra
de Irineu Pinto, destacam-se: Coriolano de Medeiros, Alfredo de Carvalho, Jader de
Carvalho, Teodoro D’Albuquerque.
Entre as instituições que se manifestaram e ou festejaram a obra de Irineu Pinto,
acolhendo-o como Sócio honorário, estão: O Instituto Histórico e Geográfico de São
104 106
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Paulo; o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; a Sociedade
Acadêmica de História Internacional de Paris, que além do título de sócio, conferiu-lhe
também uma medalha de ouro; a Real Academia de História de Madrid; A Real
Academia de Arquiologia da Bélgica; o Centro de Ciências e Letras de Campinas, entre
outras.
A par da extrema repercussão alcançada pela obra prima de Irineu Fereira Pinto:
“Datas e Notas para a História da Paraíba”, mister se faz analisá-la, sob o ponto de vista
de seu valor, natureza histórica e importância.
Antes de tudo deve-se observar que “Datas e Notas” é uma obra duplamente
inconclusa, seja porque não abrangeu todo o período de existência da Paraíba, partindo
do início da colonização e chegando, apenas, até 1862; seja porque limitou-se a
transcrever, em ordem cronológica os fatos pesquisados, sem se deter na análise e
interpretação histórica dos acontecimentos.
Sem dúvida, a obra de Irineu Pinto, ficou inconclusa, primeiramente, por não ter
sido dado ao autor o tempo suficiente para concluí-la. Como é sabido, trabalhava o
autor, ainda, a terceira parte de sua obra, quando a morte pôs fim a sua preciosa
existência.
Doutra parte, também, não ficou claro se Irineu Ferreira Pinto pretendia, após
concluída sua pesquisa, escrever ele próprio, o compêndio da História da Paraíba.
Entretanto, não obstante as limitações apontadas, “Datas e Notas para a História
da Paraíba” é uma obra de reconhecido valor e utilidade para quem se arvora a escrever
a História da Paraíba.
Valiosa é sua pesquisa, não somente por ser imparcial, como também, por ser
completa, arrolando, como observou o Prof. Pedro Nicodemos todos os fatos:
“políticos, administrativos, eclesiásticos, econômicos, sociais e culturais”, (5)
preservando das traças e do cupim, informações preciosas que estavam fadadas ao
desaparecimento.
O próprio autor, numa nota introdutória intitulada “Duas Palavras”, revela qual
foi sua intenção ao trazer a lume esta obra:
“Publicando a presente obra não tive outro intuito que o de
reunir em volume grande, cópia de documentos relativos a história da
Parahyba, apanhados por mim com grande trabalho nos archivos deste
Estado. Alguns destes documentos se achavam em tal estado de ruína
que me foi preciso muito cuidado na abertura dos livros e usar de
lentes para lel-os. Felizmente, porém cheguei, ainda, a tempo de salvar
da voragem das traças estas preciosidades históricas que, talvez, dez
annos depois não existissem mais” (6).
Foram proféticas estas palavras de Irineu Pinto, quanto à conservação dos
arquivos públicos do Estado da Paraíba. De fato, quase tudo desapareceu, destruído pela
voragem do tempo, ou pelo abandono a que, muitas vezes, foi relegado o acervo, a
ponto de, por descuido da Administração Pública, muitos documentos terem sido
vendidos como papeis velhos.
Outro aspecto que merece analisado, no trabalho de Irineu Pinto é sua natureza
como obra histórica. Como já foi observado, salvos alguns aspectos que mereceram
alguma análise, a maior parte do livro limita-se a transcrever, em ordem cronológica, o
documento base.
Como observa o Prof. Pedro Nicodemos a respeito de sua obra:
“A visão que ele (Irineu) nos fornece do fato histórico é
fotográfica. Anota-o e, imediatamente, nos dá a transcrição do
105 107
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 documento-fonte. Não o interpreta. Fica na observação material do
fato. Não tenta a operação analítica. Nele não se completa o processo
historiográfico. Pára na heurística, vale dizer, na pesquisa, na
investigação factual. Não se dispôs à hermenêutica. Será que não se
sentiu maduro para a interpretação? Ou as suas “datas e notas” seriam
a infraestrutura sobre a qual ergueria, mais tarde, o seu compêndio
completo?”
Como quer que seja, não resta qualquer dúvida de que a obra de Irineu Pinto ,
“Datas e Notas para a História da Paraíba” encontra-se entre os mais importantes e
fidedignos subsídios para todos aqueles que se derem ao trabalho de escrever algo sobre
a História da Paraíba.
24.
JOACIL DE BRITTO PEREIRA, Fundador e último ocupante da Cadeira
Passemos, agora, a dissertar sobre o Fundador e último ocupante da Cadeira 24,
do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, o grande literata, jurista, advogado e
homem público que foi Joacil de Britto Pereira, uma fulgurante inteligência que
enalteceu a Paraíba, terra que escolheu para viver.
Nascido, em 13 de fevereiro de 1923, na cidade de Caicó, no vizinho Estado do
Rio Grande do Norte, logo após a Revolução de 30, em companhia de seus pais:
Francisco Clementino Pereira e D. Isabel de Britto Pereira, Joacil, deixando a terra
potiguar, fixou-se em João Pessoa, onde viveu quase toda a sua existência.
Chegando nesta Capital com sete anos de idade, Joacil foi matriculado no
Colégio José Bonifácio, onde fez o Curso Primário. Iniciou o Curso Ginasial do Lyceu
Paraibano, tendo ali permanecido por dois anos, quando se transferiu para o Colégio XV
de Novembro, na cidade de Garanhuns, em Pernambuco. De volta à Paraíba, entrou
novamente no Lyceu, deste vez, para concluir seus estudos secundários.
Foi no Lyceu Paraibano onde Joacil se iniciou na vida literária. Com a ajuda de
um grupo de colegas lyceanos, Joacil fundou, naquele estabelecimento de ensino o
“Teatro do Estudante”, que estreou com a peça “ SE O ANACLETO FALASSE”, de
sua autoria, na qual exerceu o papel de Diretor e de ator.
Sua inclinação para o teatro se manifestou desde cedo, Além da peça já citada,
Joacil é também autor de “A Maldição de Carlota”, que recebeu o “Prêmio Literário
cidade do Recife” e da peça “Olga Benário” com a qual concorreu à Láurea Elpídio
Câmara”, um dos grandes dramaturgos de Pernanbuco. Já como Presidente da
Academia Paraibana de Letras, escreveu a “A saga de uma Walquiria”, peça que foi
encenada com sucesso, em palcos da região.
Concluídos seus estudos de humanidade, Joacil entrou para a Faculdade de
Direito do Recife, onde se formou, em 1950, na turma cognominada a “TURMA DO
MEIO SÉCULO” da qual foi o orador oficial. Pelo seu desempenho como estudante, foi
agraciado com uma viagem a cinco países do Velho Continente.
Joacil era casado com D. Neli Santiago Pereira, de família paraibana, de cujo
enlace matrimonial, que durou mais de cinquenta anos, nasceram seus oito (8) filhos:
Isabel Cristina, Eitel Santiago, Joacil Filho, Augusto Sérgio, Amneris, Francisco José,
Nely e Rodrigo (este útimo, falecido aos quinze anos). Deixou também dezoito netos e
dois bisnetos: prole a que se dedicava com desvelado amor e carinho.
Joacil de Britto Pereira era um homem multifcetado, além de historiador,
teatrólogo, memorialista e escritor, foi, também, advogado, redator de debates, professor
universitário, servidor público, juiz do Tribunal Esportivo e parlamentar, exercendo
todas essas funções com desenvoltura, competência e esmero.
106 108
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 No campo do Direito, sua atuação se espraiava nas áreas do Direito Público e
dos direitos: Constitucional, Eleitoral, Administrativo, Fiscal e Penal. Como Professor
Universitário, lecionava: Finanças Públicas e Direito Judiciário, tendo sido fundador da
Escola de Engenharia da Paraíba, onde ministrava aulas de Ciências das Finanças. Foi
professor da Faculdade de Ciências Econômicas e da Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Paraíba, cargos em que se aposentou após 35 anos de
Magistério Superior.
No Serviço Público: exerceu a função de Secretário do Conselho Penitenciário;
ocupou os Cargos em Comissão de Secretário de Governo e Chefe da Casa Civil, do
Governo Flávio Ribeiro e de Secretário do Interior e Justiça no Governo Ivan Bichara
Sobreira, Na Assembleia Legislativa foi redator de Anais e de Debates.
No Judiciário, exerceu a função de Juiz do Tribunal de Justiça Esportiva.
Na política, foi eleito Deputado Estadual por duas legislaturas e na Câmara
Federal, foi Deputado por duas vezes, exercendo, além de vigorosa atuação parlamentar,
importantes funções: nas Comissões de Constituição, Legislação e Justiça (de que foi
Vice-Presidente) e de Relações Exteriores.
No Governo Figueiredo, integrou o Colégio de Vice-Líderes, com destacada e
corajosa atuação no Plenário da Câmara e do Congresso Nacional, onde debateu, com
desenvoltura e competência assuntos de interesse para a vida nacional.
Como escritor, era vigoroso e fluente. Escreveu uma multiplicidade de obras,
abarcando os mais variados assuntos.
No ramo do Direito, publicou: “O Estado Membro pode fiscalizar a
Administração Financeira do Município”; “O Estado Membro tem competência para
instituir “impeachement”; Escreveu, também, “A Execução da Pena – Ressocialização e
Criminologia Crítica e “Temas de Direito e Ciências Afins”
Na área da Ciência Política, publicou: “Da Conveniência da adoção do Sistema
Parlamentar de Governo”; “O Sufrágio Universal”; “Idealismo e Realismo na obra de
Maquiavel”, pela qual recebeu o Prêmio Nacional, por ocasião da comemoração do V
centenário daquele pensador italiano; “O voto distrital”; A pena de morte”, entre outros.
Como historiador, memorialista e biógrafo, escreveu: uma multiplicidade de
obras entre as quais se destacam: “Joaquim Nabuco, o Libertador de uma Raça”; “Solon
de Lucena, o Legislador e o Estadista”; “O Homem Público, Afonso Campos”; “Horário
de Almeida, as Rotas do seu Destino”; “Novais Junior, Apóstolo da Justiça e da
Caridade”; “O Gentil Homem do Sabugi,” evocando a memória de Francisco Seraphico
da Nóbrega; “Um estadista do Império e da República;” uma evocação a Gama e Melo”;
“Uma vocação política”; “Flóscolo, um Filósofo do Direito”; “Argemiro de
Figueiredo – a oratória do seu tempo”; “José Américo de Almeida – a saga de uma
vida”; “Odon Bezerra Cavalcanti – Homem de Lutas e de Letras” “Ascendino Leite –
Escritor Existencial.
São trabalhos seus, ainda: Ruy Barbosa, Severino de Albuquerque Lucena e
Humberto Lucena.
Escreveu, também, suas “Memórias” em três volumes. Publicou três títulos
sobre sua vida no Parlamento. Na área da criação literária e poética, produziu, além das
peças teatrais já citadas, obras de ficção, como: “A sedição dos cruéis” e “Um Homem e
o Destino“.
Joacil, ao longo de sua fecunda vida, pertenceu a inúmeras agremiações: ao
Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, onde exerceu sua Presidência por dois
mandatos. Pertenceu à Academia Paraibana de Letras, de que foi Presidente por quatro
vezes. Foi Membro do Instituto de Genealogia e Heráldica da Paraíba; da Associação
Paraibana de Imprensa; da Academia Campinense de Letras; da Academia Brasileira de
Ciências Morais e Políticas. Foi sócio correspondente do Instituto Histórico e
107 109
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Geográfico do Rio Grande do Norte e sócio honorário da Academia Brasileira de
Ciências Jurídicas. Por dois mandatos integrou o Conselho Estadual de Cultura da
Paraíba.
Por seus méritos pessoais, recebeu inúmeras homenagens, entre as quais se
encontram: “Títulos de Cidadão Honorário” dos municípios de João Pessoa, Bayeux,
Alagoinha, Guarabira e Teixeira. E o Título de “Cidadão Paraibano” outorgado pela
Assembleia Legislativa.
Foi condecorado com inúmeras medalhas, dentre as quais, registram-se: a
Comenda da “Legião do Mérito Presidente Antônio Carlos, no grau de “Grande Oficial;
a Comenda da Ordem do Ipiranga”; a Medalha “João Ribeiro”, outorgada pela
Academia Brasileira de Letras; a “Comenda do Mérito Cultural “José Maria dos
Santos”, do IHGP; a ‘Ordem do Mérito da Cultura e Cavalheiresca de Santo Amaro; a
Medalha “Lucídio Freitas”, outorgada pela Academia de Letras do Piaui; a Medalha
“Joaquim Nabuco” conferida pela Fundação que tem o nome do ilustre pernambucano
e, finalmente, a Medalha de “Gilberto Freire” que lhe foi outorgada por sua participação
nas comemorações do centenário do Mestre de Apipucos.
Participou, ainda, de inúmeros congressos internacionais de direito, dentre os
quais se registram aqueles realizados no México e na Inglaterra.
Um dos campos em que Joacil Pereira de Britto mais de destacou, foi na
Advocacia, onde laborou por mais de cinquenta anos, na defesa do Direito e a serviço
da Justiça, em famoso e conhecido Escritório, prestigiado pela clientela.
Como advogado, Joacil era insuperável. Reunia, em sua profissão, as virtudes
que destacam e dão nome aos grandes profissionais do Direito. Era competente,
experiente, corajoso, destemido, aguerrido e perseverante. Virtudes essas que legou aos
seus filhos advogados.
Sempre nutri grande admiração por Joacil de Britto Pereira. Normalmente, me
distinguia com atenção e lhaneza de trato. O primeiro contato que mantive com ele foi
por ocasião de uma conferência que pronunciou no Grupamento de Engenharia, sobre a
Intentona Comunista.
Enquanto Reitor da Universidade Federal da Paraíba, mantive alguns contatos
com o Deputado Federal Joacil de Britto Pereira, para tratar de assuntos de interesse da
instituição que administrava. Sempre me recebeu com fidalguia e consideração.
Ao ler o trabalho de minha autoria, intitulado “JOSÉ LEAL e SUA
ASCENDÊNCIA FAMILIAR”, publicado em “O Norte”, em sua edição de 14 de junho
de 1991, por ocasião do centenário daquele escritor e jornalista conterrâneo, Joacil me
telefonou, elogiando e escrito e dizendo: “Berilo, você devia fazer parte do Instituto
Histórico e Geográfico da Paraíba”.
Quisera o destino que, dezesseis anos depois desse episódio, viesse eu, de fato,
a entrar na Casa da Memória da Paraíba, ocupando, a mesma cadeira por ele fundada,
tornada vaga por sua pranteada morte. Sua ausência, neste momento, não deixa de ser
uma nota de tristeza, neste dia de júbilo.. São coisas da vida”!
Cabe-me, por fim, agradecer a todos os que aqui compareceram para, com suas
ilustres presenças, engrandecerem esta solenidade.
Destaco um agradecimento especial aos familiares de Joacil de Britto Pereira
que aqui compareceram.
Também sou imensamente grato aos meus familiares: a minha querida esposa,
Maria Auxiliadora, que sempre me incentivou a participar do Instituto Histórico e
Geográfico da Paraíba; aos meus filhos Débora Regina e Ricardo Berilo, ao meu genro
Fernando Virgílio, à minha nora Vanessa e aos meus queridos netinhos: Pedro Virgílio,
Maria Luíza, Beatriz, Letícia e Maria Fernanda, a quem dedico todo o meu carinho.
108 110
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Agradeço, igualmente, aos meus irmãos, sobrinhos e amigos que aqui
compareceram, para me prestigiar.
A todos o meu muito obrigado!
109 111
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 SAUDAÇÃO DO HISTORIADOR JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO*, AO
HISTORIADOR RENATO CÉSAR CARNEIRO, QUANDO DO SEU INGRESSO
COMO SOCIO EFETIVO DO IHGP – INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO PARAIBANO, EM 01/06/2013.
A respeitosa e fraterna amizade que mantemos com o historiador Renato César
Carneiro, alicerçada diuturnamente em virtude da sua presença nesta Casa da Memória
Paraibana, quando realiza suas pesquisas históricas, fez com que fossemos convidado
para recepcioná-lo neste dia em que passa a condição de Sócio Efetivo do nosso
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, onde ocupará a Cadeira 34, que tem como
Patrona Maria Ignez Marques Mariz e que se achava vaga, em face do falecimento da
historiadora Teresinha de Jesus Ramalho Pordeus, ocorrido em 23 de dezembro do ano
pretérito.
Natural do município de Patos - PB, a denominada morada do sol, ali fez os
primeiros estudos, tendo posteriormente concluído o Curso de Direito no Centro
Universitário de João Pessoa.
Em seguida realizou o mestrado em Direito e Desenvolvimento na Universidade
Federal do Ceará.
Posteriormente, concluiu o Curso de Especialização em Direito Eleitoral, na
Universidade Potiguar e o de Especialização em Direito Processual Civil, no Centro
Universitário de João Pessoa. Vale ressaltar que também realizou outros cursos no
campo do Direito.
No campo profissional, Renato César Carneiro é servidor do Tribunal Regional
Eleitoral e Professor da Universidade Federal da Paraíba e do Centro Universitário de
João Pessoa – UNIPÊ.
Historiador dedicado ao Direito Eleitoral, o novel integrante da Casa de Irineu
Pinto, é autor de distintos trabalhos dentre os quais podemos destacar os seguintes:
- ORIGENS DA JUSTIÇA ELEITORAL NA PARAHYBA: DE 1932 A 1937;
- A JUSTIÇA ELEITORAL DA PARAHYBA: FRAGMENTOS DE SUA HISTORIA
(1945-2012);
- A BAGACEIRA ELEITORAL – A HISTORIA DO VOTO NA PARAHYBA ( DE
1930 a 1965);
- CABRESTO, CURRAL E PEIA- A HISTORIA DO VOTO NA PARAHYBA ATÉ
1930;
- ELEIÇÕES 2006: AS NOVAS REGRAS DO JOGO;
- O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL.
De outra parte, tem ativa participação em bancas de trabalhos de conclusão de
curso, alem de se fazer presente em diversos eventos, especialmente em seminários,
congressos, exposições e feiras, dentre as quais podem ser citadas: I Seminário de
Direito e Processo Eleitoral.O Processo Eleitoral Brasileiro, levado a efeito em 2009;
Encontro Municipal de Juristas Populares. Crimes Eleitoras, ocorrido em 2008;
Seminário Eleitoral: Aprimorando O Momento Eleitoral: Ação De Investigação Judicial
Eleitoral, realizado em 2006; I Semana Universitária Da Faculdade de Timbauba.
Eleições 2006: Comentário À Mini Reforma Eleitoral, realizado em 2006; I Encontro
Regional De Juízes e Promotores Eleitorais. O Controle de Constitucionalidade Pelos
Juízes Eleitorais, que aconteceu em 2005; e, II Ciclo De Estudos Sobre Direto Eleitoral
E V Seminário Paraibano De Direito Eleitoral, realizado em 2004.
* Presidente do IHGP
110 112
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Em linhas gerais, este é o perfil do historiador e professor universitário Renato César
Carneiro, sertanejo de boa cepa, integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Patos,
que a partir de agora passa a fazer parte da mais antiga entidade cultural em
funcionamento no Estado da Paraíba que é este Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano.
Tenho absoluta certeza, que o confrade Renato César Carneiro agora mais do
que nunca dará continuidade as suas pesquisas, como tem feito ao longo de algum
tempo, para satisfação de todos nós seus amigos e admiradores.
111 113
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Discurso de posse de RENATO CÉSAR CARNEIRO*, proferido no Instituto
Histórico e Geográfico da Parahyba, por ocasião da sua posse na cadeira n. 34, em
01.06.2013.
Exmo. Sr. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba, Joaquim Osterne
Carneiro, em nome de quem saúdo todas as autoridades que compõem a Mesa e também
as que se encontram presentes a esta cerimônia;
Confrades e Confreiras do IHGP;
Colegas servidores do Tribunal Regional Eleitoral da Parahyba;
Estimados companheiros de docência da UNIPÊ e da UFPB;
Prezados e dedicados funcionários do IHGP, ;
Familiares e amigos;
Senhoras e Senhores:
Seguindo a tradição desta Casa, passo a dissertar sobre a patrona e a fundadora
da cadeira Nº 34, que hoje passo a ocupar.
A PATRONA DA CADEIRA
Maria IGNEZ Marques MARIZ nasceu na cidade de Sousa, Parahyba, no dia 26
de dezembro de 1905. Era filha do chefe político, médico e rábula, Dr. Antônio
Marques da Silva Mariz e de sua sobrinha materna, Dª. Maria Emília Marques Mariz.
Um dos seus quatro irmãos, José, era pai do ex-governador da Parahyba, Antônio
Mariz.
Ignez Mariz casou-se com o seu primo, Carlos Pordeus Meira, de cuja união
nasceu um único filho, Paulo Antônio, já falecido.
A escritora sousense estudou os primeiros anos escolares na sua cidade natal e
cursou Pedagogia no Colégio Nossa Senhora das Neves, localizado na capital do
Estado.
Aos dezoito anos, ela já colaborava em jornais e revistas do Alto Sertão.
Na década de 30, iniciou a “Campanha Pró-Bibliotecas Municipais”, sentindo-se
realizada com essa iniciativa.
Em 1937, Ignez publicou, pela editora José Olympio, o romance A Barragem, que
a projetou nacionalmente e foi que muito bem aceito pela crítica sulista.
Após fixar residência no Rio de Janeiro, passou a colaborar em jornais e revistas,
com destaque na revista Eu Sei Tudo, com as reportagens Revelando o Brasil para os
Brasileiros.
Preocupada com a educação sexual infantil, escreveu a monografia intitulada O
que leva a curiosidade infantil insatisfeita. Este trabalho lhe rendeu o prêmio “José de
Albuquerque”, do Círculo Brasileiro de Educação Social.
A fundadora da cadeira n. 34, a professora Terezinha de Jesus Ramalho
Pordeus, traçou um pouco do perfil da escritora souzense:
“Era uma criatura que vivia além do seu tempo, “uma mulher independente,
socializante e feminista”.
Ignez Mariz faleceu no Rio de Janeiro, em 1952, quando tinha apenas 47 anos
de idade, vítima de uma negligência médica, segundo registro feito por Evandro
Nóbrega no prefácio que fez à 2ª edição de A BARRAGEM, in verbis:
Em 1952, Ignez – cuja escritura sempre vergastou desigualdades – decidiu fazer
extraordinária experiência. Querendo escrever sobre os que infelizmente buscam
nossos hospitais e também infelizmente não os encontram, fez-se de indigente e
internou-se em nosocômio público carioca, para...
*Sócio efetivo do IHGP
112 114
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 para operar-se das amígdalas, que de nada sofria. Vocês acertaram: ela morreu
asfixiada na mesa de cirurgia (por negligência médica) – faltou oxigênio e não
houve jeito de arrumar novo tubo.
Deixou um romance inacabado – Tresloucado Gesto e um livro de contos
intitulado Roma.
A FUNDADORA DA CADEIRA
TERESINHA de Jesus Ramalho PORDEUS nasceu na cidade de Teixeira, no
dia 4 de agosto de 1929, filha de José Alves Ramalho e de Dª. Maria Soledade Pordeus
Ramalho. É viúva do funcionário federal, Ernesto Pordeus, de cuja união teve apenas
uma filha, Telma.
Seus primeiros estudos foram iniciados em Piancó, continuando em vários
municípios do Estado, uma vez que sua família vivia sempre se deslocando em virtude
do seu pai exercer a função de coletor estadual, sujeito aos humores dos políticos.
Seus cursos primário e secundário foram feitos no Colégio Cristo Rei, de Patos,
tendo cursado a Escola Técnica de Campina Grande.
Ingressou na Universidade Federal da Paraíba, tendo se titulado em História, com
Licenciatura Plena, em 1974.
Era possuidora dos cursos de: Aperfeiçoamento sobre História Colonial da Paraíba;
Atualização Didática de História e Geografia (UFPB); Atualização para Docentes de
Nível Universitário (Ministério da Educação); Segurança Nacional e Desenvolvimento
(ADESG/PB); Arte Barroca (IHGP); História e Geografia do Nordeste (UFPB).
Abraçando a carreira do magistério, Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus
lecionou História no Liceu Paraibano, Escola de Professores, no Colégio Pio X, no
Centro de Recursos Humanos e no Centro de Aperfeiçoamento de Alagoa Grande, Sapé
e Sousa.
Durante alguns anos foi pesquisadora na UFPB, na área de História.
Após obter o diploma em História, pela UFPB, passou a desenvolver uma rica
vida acadêmica, com a participação em vários cursos, os quais passo a citá-los:
SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO, pela Associação dos
Diplomados da Escola Superior de Guerra (23 de abril a 25 de julho de 1975); Curso de
Aperfeiçoamento sobre História Colonial da Paraíba (de 28 de agosto de 1974 a 16 de
maio de 1975/UFPB), em que apresentou monografia intitulada, A SEGUNDA
CONQUISTA DA PARAHYBA: O SERTÃO; Curso de Atualização Didática de
História e Geografia da Parahyba (de 04 a 20 de fevereiro de 1975); HISTÓRIA DA
PARAHYBA (16 de setembro a 11 de novembro de 1976/SECRETARIA DE
EDUCAÇÃO E CULTURA EM CONVÊNIO COM O IHGPB); Curso de Arqueologia,
Antropologia e Preservação/INSTITUTO PARAIBANO DE ARQUEOLOGIA E
ANTROPOLOGIA EM COLABORAÇÃO COM O IHGP, 12 a 15 de maio de 1975);
Curso de Arte Barroca (UFPB, Museu da Imagem e do Som e IHGPB, de 23 a 27 de
julho de 1973) e Curso de Aperfeiçoamento de professores a nível pós-universitárioCurso de História, ministrado pelo Recursos Humanos do DSU/MEC em convênio com
o Centro de Ensino Técnico de Brasília/CETEB.
A sua dinâmica atividade profissional foi proporcional à sua carreira acadêmica.
Professora de História da Parahyba, História Geral e de História do Brasil, no
Lyceu Paraibano, durante o ano de 1974; Professora de Moral e Cívica e O.S.P.B., na
Escola Polivalente PRESIDENTE MÉDICI; Assistente da Professora Carmem Isabel,
da UFPB, orientou as estagiárias de História no Lyceu Paraibano; Fiscal dos Exames
Supletivos do Lyceu Paraibano (1974) e do Colégio Nossa Senhora de Lourdes (1977);
Fiscal do Concurso do DASP (Colégio Pio X); Professora de História Geral, História do
113 115
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Brasil e Moral e Cívica do Complexo JOÃO MACHADO (1975); Coordenadora do
Centro Cívico JOSÉ PEREGRINO DE CARVALHO (Instituto de Educação da
Paraíba) e Membro da Comissão de Sindicância de Inquérito Administrativo (Instituto
de Educação da Paraíba).
Publicou as seguintes obras: A SEGUNDA CONQUISTA DA PARAÍBA: O
SERTÃO – ANCAR 1976 – que foi adotado pelo titular da cadeira de História da UFPB,
o professor, historiador e sócio efetivo deste IHGP, José Octávio de Arruda Melo, obra
esta incluída na Bibliografia de História da Paraíba, pelo mesmo Instituto; A
Participação da Mulher na História da Paraíba - 1975 (artigo selecionado por José
Américo de Almeida e publicado na Revista Paraibana de ONTEM E DE HOJE, O
Homem Americano, trabalho apresentado para ingresso no INSTITUTO PARAIBANO
DE ARQUEOLOGIA e ANTROPOLOGIA/IPAA; A Importância do 05 de Agosto
para a História da Paraíba, artigo publicado no jornal A REALIDADE, em 1976;
Diálogo com Duque de Caxias, A Pedra do Ingá e A Vida de Pedro II, (esses três
últimos trabalhos foram apresentados no Curso de Treinamento do C.D.R.H.).
A professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus não conseguiu terminar a
sua pesquisa denominada DE CABEDELO A CAJAZEIRAS – EVOLUÇÃO DAS
CIDADES DA PARAÍBA NOS SEUS ASPECTOS SOCIAL, POLÍTICO E
ECONÔMICO.
Em 1974, no dia dedicado ao professor, a historiadora Terezinha Pordeus foi
condecorada no Lyceu Paraibano com a medalha HONRA AO MÉRITO.
Era sócia-colaboradora da ADESG/ASSOCIAÇÃO DOS DIPLOMADOS DA
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, Tesoureira do INSTITUTO PARAIBANO DE
ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA E DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO PARAIBANO.
A fundadora da cadeira n. 34 teve apenas uma filha, a arquiteta THELMA
RAMALHO PORDEUS, que tem uma participação no livro A HISTÓRIA DA PARAÍBA
EM SALA DE AULA, em que dedicou um capítulo ao conjunto arquitetônico do Centro
Histórico da cidade.
Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus ingressou no Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano em data de 10 de setembro de 1978 e foi saudada pela então
presidente desta Casa, a escritora Rosilda Cartaxo.
O Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba concedeu-lhe a Comenda do
Mérito Cultural “José Maria dos Santos”.
Ela faleceu a 23 de dezembro de 2012.
Na solenidade em que foi homenageada por esta Casa, a sua filha, a Dra.
Thelma, registrou o carinho e a assiduidade com que a sua mãe frequentava o Instituto,
o que deixou de fazer apenas quando a saúde não mais lhe permitiu.
De igual modo, quero fazer do Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba a
minha segunda casa.
É importante registrar, como o fez a sua filha, naquela ocasião, que foi a
Professora Terezinha Ramalho que lutou para que algumas cadeiras da “Casa de Irineu
Ferreira Pinto” tivessem o nome de mulheres e que foi de sua iniciativa a ideia de ter a
escritora Maria Ignez Marques Mariz como a patrona da cadeira de n. 34.
Outra característica da historiadora Terezinha Ramalho foi lembrada pela Dra.
Thelma Ramalho Pordeus. Cito:
O gosto pela política veio cedo, fazia e terminava comícios, escondia chapas nos
bolsos de sua saia...
Assim como a historiadora que sucedo na cadeira n. 34, também deixei-me
influenciar pelos signos da política.
114 116
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Ainda moleque, na minha cidade natal, já demonstrava a paixão pela política. Na
fase das campanhas eleitorais, assistia a quase todos os comícios, desde a montagem das
gambiarras e da aguação da terra seca, para não subir a poeira, até o desarmar do
palanque.
O final não poderia ser diferente: trabalho há dezesseis anos no órgão
responsável pela realização das eleições no estado e ainda escrevo sobre a história das
eleições em meu estado.
Eminentes Confrades e Confreiras.
Senhoras e Senhores.
Nunca imaginei que pudesse chegar tão longe.
Quando comecei a visitar esta Casa não passava pela minha mente ser um dos
seus integrantes. A frequência diária ao IHGP se dava em razão de uma necessidade:
contar a história do Tribunal Regional Eleitoral da Parahyba na sua primeira fase, de
1932 a 1937, até então desconhecida dos servidores e juízes que integram àquela Corte
de Justiça.
A pesquisa, que durou três meses de intenso trabalho, redundou na publicação
do livro “As origens da Justiça Eleitoral da Parahyba: De 1932 a 1937” e fez parte
da solenidade comemorativa dos 80 anos de instalação da Justiça Eleitoral em terras
Tabajaras.
Continuei a frequentar o Instituto e, em julho do mesmo ano, publiquei o
segundo volume intitulado, “A Justiça Eleitoral na Parahyba: Fragmentos de sua
História (De 1945 a 2012)”, que também foi lançado em uma segunda sessão solene no
TRE, realizada no mês de agosto de 2012.
Atribuo a essas constantes visitas e a algumas publicações sobre a história do
voto na Parahyba o convite feito a mim por eminentes historiadores, para pertencer a
esta Casa, a exemplo de Joaquim Osterne Carneiro, Humberto Fonseca de Lucena e
Flávio Sátyro Fernandes, aos quais, desde já, demonstro a minha gratidão, de público.
Registro a honra de, neste momento, passar a ocupar a cadeira n. 34 do Instituto
Histórico e Geográfico da Parahyba, quem tem como patrona a romancista Maria Ignez
Marques Mariz e, como fundadora, a professora Terezinha de Jesus Ramalho
Pordeus.
Tenho com as obras de ambas, várias identificações.
De Ignez Mariz, oriunda de Sousa, guardo as mesmas impressões da terra seca,
maltratada não apenas pela ausência de chuvas, mas principalmente, pela falta de
sensibilidade de governantes que só enxergam o Sertão nordestino ainda como curral
eleitoral.
Na sua obra mais conhecida, o romance regionalista intitulado A BARRAGEM,
Ignez Mariz retrata a história de uma família de retirantes nordestinos, que, em razão
da seca de 32, vai trabalhar na construção de mais um dos mananciais de água, na
década de 1930.
Assim como A BAGACEIRA, de autoria de José Américo de Almeida, A
BARRAGEM, de Ignez Mariz, se insere no romance regionalista brasileiro. Aliás,
ressalta aos olhos que a primeira obra serve de base literária para a segunda.
Em vinte e seis capítulos de seu romance, Ignez Mariz, à moda de José
Américo, em A BAGACEIRA, faz uma análise sociológica do homem e o seu meio,
especificamente o sertanejo de São Gonçalo, espaço geográfico em torno do qual gira o
enredo.
115 117
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 A obra regionalista, que foi bem aceita no meio intelectual da época, também é
um registro historiográfico de São Gonçalo, localizado a dezoito quilômetros da cidade
de Sousa.
Como toda produção regionalista, o romance A BARRAGEM apresenta as
mesmas características daquele gênero literário, quais sejam, conteúdo sociológico,
temática social, linguagem despojada e mais voltada para os aspectos orais, caráter de
denúncia e descrição das personagens associadas ao seu meio social.
No que mais me interessa, destaco o capítulo XIX do aludido romance, em que a
escritora Ignez Mariz relata a chegada de uma caravana política no acampamento do
Instituto Federal de Obras Contra as Secas/IFOCS, em Sousa.
Duas facções – os “Bacuraus e os Urucubacas” - bem ao estilo coronelista da
época, disputavam o poder político local.
Todavia, quase toda a massa de trabalhadores de São Gonçalo, composta de
analfabetos, não votava, o que levou os caravaneiros a desistirem de prosseguir com a
campanha eleitoral e resolverem partir daquele lugar.
Passada a eleição, um dos personagens, Dr. Otto Muniz, tenta convencer os
cassacos analfabetos a mandar os filhos para a escola, para aprenderem a ler. O discurso
do Dr. Muniz é sedutor, conforme trecho, que destaco:
No Nordeste, a região mais brasileira do Brasil, nós não carecemos somente
dagua. Precisamos igualmente de livros. Livros!
A intenção de manter àqueles potenciais eleitores no cabresto era bastante
evidente nas palavras do chefe político!
Em A BAGACEIRA ELEITORAL – A História do Voto na Parahyba (De 1930 a
1965), procurei também estabelecer a relação promíscua entre o fenômeno das secas e
as eleições no interior nordestino.
Em sua obra, Ignez Mariz reproduz fatos históricos da época, associados à
cidade de Sousa, a exemplo do grito de rebeldia que aquele bravo povo deu quando da
desativação do IFOCS, durante o Governo de Artur Bernardes.
A partir da ameaça iminente e sabedores de que o material da construção dos
açudes seria levado de São Gonçalo, “Bacuraus” e “Urucubacas” puseram as
divergências políticas de lado e, pela primeira vez, se uniram em torno de um interesse
comum.
Pois bem. Seguidores das duas facções políticas dirigiram-se à estação da
estrada de ferro e, aproveitando a escuridão da noite, “tomaram à unha”, dos enviados
do IFOCS, o maquinismo da construção da barragem de São Gonçalo.
Em A BARRAGEM, Ignez Mariz ressalta ainda a importância do ministro José
Américo de Almeida à frente do Ministério da Viação e Obras. Na página 321, está
escrito:
João Pessoa matou o cangaceirismo na Parahyba. José Américo de Almeida
desprestigiou a Secca. Os dois males piores que minavam a nossa economia
desapareceram.
De igual modo, em A BAGACEIRA ELEITORAL, também destaquei a trajetória
de O SOLITÁRIO DE TAMBAÚ no Ministério da Viação e Obras, às vezes, usando a
poesia popular como recurso de linguagem, a exemplo do decassílabo recitado por um
dos irmãos Batista, Dimas, o qual cito:
De trinta a seca inconstante
Não há quem mágoas não sinta
Trinta e um foi como trinta
Trinta e dois mais torturante
enquanto o sol causticante
fazia fogo no chão,
116 118
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 apareceu um cristão
apagando a labareda
José Américo de Almeida
o salvador do sertão.
Quanto à professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus, a sua principal
obra também me serve de inspiração.
Além de densa e com boa repercussão no meio acadêmico paraibano, A
HISTÓRIA DA PARAÍBA EM SALA DE AULA, impresso pela Secretaria de Educação e
Cultura do Estado e A UNIÃO EDITORA, foi adotada pela rede estadual de ensino e já
se encontra na sua 3ª edição, que data de junho de 2003.
Nas 291 páginas da aludida obra, a autora analisou com profundidade os mais
importantes temas e personalidades que formam a história da Parahyba.
A originalidade da obra está na metodologia empregada.
Antes mesmo de conhecer esse trabalho, eu já buscava uma forma fácil de
ensinar Direito Eleitoral aos meus alunos.
A publicação de CABRESTO, CURRAL E PEIA e A BAGACEIRA ELEITORAL
foram duas tentativas de lecionar aquela área específica da Ciência do Direito a partir do
conhecimento da realidade da história político-eleitoral da Parahyba.
Mas a tarefa ainda está inacabada.
Talvez com a publicação de VINTE LIÇÕES DE DIREITO ELEITORAL, cuja
pesquisa ainda está em andamento, irei alcançar o que a Professora Terezinha de Jesus
Ramalho Pordeus já conseguiu com a sua HISTÓRIA DA PARAHYBA EM SALA DE
AULA.
É que, nem sempre é grande mestre aquele que detém mais conhecimento. O
professor ideal é o que consegue cativar o aluno, oferecendo-lhe o melhor caminho.
Eminentes Confrades e Confreiras,
Minhas Senhoras e meus Senhores.
Dez patoenses se fizeram e ainda se fazem presentes neste Instituto. Mesmo os
que já se partiram para outras dimensões, deixaram as suas contribuições à Parahyba.
Pela ordem cronológica, cito-os:
Apolônio Zenaide Peregrino de Albuquerque e João Rodrigues Coriolano
de Medeiros estiveram entre os 48 ilustres fundadores desta Casa.
Liberato Bittencourt, em uma de suas obras clássicas, Homens do Brasil, cita o
primeiro, Apolônio, como um dos paraibanos ilustres.
O segundo, João Rodrigues Coriolano de Medeiros, é patrono da cadeira nº 7,
atualmente ocupada pelo historiador Guilherme Gomes da Silveira d’Ávila Lins.
É de autoria do ilustre patoense, que é também um dos fundadores da Academia
Paraibana de Letras, o “Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba”, publicado em
1925, que representa a maior contribuição de Coriolano à história do seu estado.
Publicou ainda as seguintes obras: “Do Litoral ao Sertão” (1917); “Mestres que se
foram”(1925) e “História de Patos”(1941).
Otacílio Nóbrega de Queiroz, que nasceu em São José de Espinharas, quando
ainda era distrito de Patos, deve ser contabilizado também como mais um patoense a
integrar o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.
Ingressou no Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba em 28 de maio de
1944 e foi saudado pela professora Olivina Olívia Carneiro da Cunha.
117 119
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Publicou vários artigos de grande valor histórico em várias Revistas editadas por
esta Casa, a exemplo de: Da Paraíba o naturalista Arruda Câmara, Revista n. 13;
História e Etnologia do Meio Nordestino e Em defesa das árvores, Revista n. 14;
Documentos para a História da Paraíba, Revistas n.s 19 e 20; Literatura Nordestina
de ontem, Revista n. 25; O Semi-árido em pulsações euclidianas, Revista n. 26; e
Chateaubriand – Político no interior da Paraíba, Revista n. 29.
Ernani Ayres Sátyro e Sousa tomou posse em 1971 e foi saudado por
Humberto Nóbrega.
O “Amigo Velho” deixou duas obras de relevância histórica: “Como se fossem
Memórias” e “Retratos a Bico de Pena”.
Outro patoense, Flávio Sátyro Fernandes, passou a integrar o IHGP em 14 de
dezembro de 1980 e foi saudado por outro historiador sertanejo, Desdeudith de
Vasconcelos Leitão.
Flávio Sátyro Fernandes, que também é membro da Academia Paraibana de
Letras, ocupa da cadeira n. 04 deste Instituto, cujo patrono, Heliodoro Pires e que tem
como fundadora a professora Eudésia Vieira.
As suas obras de caráter histórico e mais relevantes são: “Subsídios para a
Historia do Ginásio Diocesano de Patos”; “Na Rota do Tempo” e o clássico
“História Constitucional da Paraíba”.
Maria de Fátima Gurgel Araújo tornou-se a primeira mulher patoense a
ingressar no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o que ocorreu em 13 de
dezembro de 1986, ocasião em que foi saudada pela historiadora Rosilda Cartaxo.
As suas obras são referências principalmente na área de história do jornalismo:
“História e Ideologia da Imprensa na Paraíba” (1983), “História da API” (1985);
Parahyba, 400 anos (1985); “Parahyba, imprensa e vida” (1986) e “Santa Rosa (Um
Teatro Centenário)”.
A historiadora patoense publicou ainda as biografias de dois importantes líderes
políticos do estado: “Antonio Mariz – A trajetória de um idealista” (1996) e
“Humberto Lucena – O verbo e a liderança” (1999).
Em 1992, foi a vez da historiadora e poetisa Maria Balila Palmeira que, a partir
de 10 de abril daquele mesmo ano, passou a ocupar a cadeira n. 19, que tem como
patrono José Leal e o seu fundador, Sinval Fernandes.
Como contribuição à historiografia paraibana, publicou as seguintes obras:
“Barão do Abiahy – Sua vida, sua obra, seus descendentes – Biografia
Genealógica' e “Caixa Econômica Federal – sua história na Paraíba”, (em coautoria com Messina Palmeira Dias); “Maria Eudócia de Queiroz Fernandes – Uma
educadora – um exemplo de vida (1998)” e “Os Teatros da Paraíba” (1999).
Depois veio José Romildo de Sousa, que tomou posse no Instituto Histórico e
Geográfico em 17 de outubro de 2006 e foi saudado por Flávio Sátyro Fernandes.
O autor da obra noventa minutos – histórias do futebol, ocupa a cadeira n. 21,
da qual é patrono João Lélis de Luna Freire. Ainda é de sua autoria a História de Patos
em versos.
Em 26 de março de 2011, tomou posse o teatrólogo, romancista e historiador,
José Mota Victor, que cupa a cadeira n. 15, da qual é patrono Fernando Delgado F. de
Castilho.
Um dos sócios-fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, José
Mota Victor, além de peças de teatro, as suas obras constituem em importantes
subsídios para os estudos de caráter histórico do Município de Patos e do Estado da
118 120
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Parahyba. Cito-as: A Cruz da Menina; Folhetim (1981); Confeitaria Glória (peça
teatral sobre a ‘Revolução de 30’- 1985); “1912 - A invasão de Patos” (2002).
São ainda de sua autoria TEMPOS DE EDVALDO MOTA(2002); O Louro
do Jabre – AFORISMOS, MÁXIMAS E PENSAMENTOS DE ALLYRIO MEIRA
WANDERLEY (2003) e O Gênio da Literatura de Cordel – Silvino Pirauá de
Lima(2009).
A partir de agora, seguindo a ordem cronológica acima descrita, passo a ser o
décimo filho de Patos a integrar a “Casa de Irineu Ferreira Pinto”.
Qualquer pessoa que estivesse, como eu, vivendo este instante, experimentaria
as emoções que estou sentindo e, ainda que não quisesse, passa neste momento em
minha mente um filme, repleto de imagens de pessoas e de fatos, que não conseguem
ser apagadas de minha memória.
A lembrança inicial vem da minha primeira professora, D. Luzia Nóbrega,
proprietária e famosa educadora da Escola Particular Padre Anchieta.
Além da tabuada e das primeiras leituras, foi com ela que aprendi a cantar o
Hino Nacional, que era obrigatório antes do início da aula, todas as segundas-feiras.
Da sua famosa palmatória nunca experimentei. Pelo contrário, quando me
despedia do seu educandário, ela abraçou-me e chorou, dizendo que eu não havia lhe
dado trabalho.
Mas, embora fosse um bom aluno, também não era nenhum santo. Por isso, não
esqueço o dia em que ela colocou-me de castigo, de joelhos em cima de milho seco,
castigo comum à época, porém mais eficiente que qualquer Estatuto da Criança e de
Adolescente dos dias de hoje.
Não havia dificuldades para o lanche, pois bastava atravessar a rua e chegar à
casa de minha avó materna, Jacauna Cezar de Oliveira, que era a minha segunda mãe.
Depois fui matriculado no Grupo Escolar de 1º Grau denominado Coriolano
de Medeiros, um dos fundadores desta Casa.
Nessa escola primária, também guardo as melhores lembranças de minha
infância. Pela manhã, estudava e, à tarde, na porta do mesmo colégio, juntamente com
os meus dois irmãos, Rênio e Antônio, vendia confeitos e doces num tabuleiro
improvisado, como forma de ajudar os meus pais a complementar a renda da numerosa
prole.
Além dos professores que ajudaram a forjar o meu caráter moral e a minha
capacidade intelectual, como esquecer também da merenda escolar que ali era servida e
que representava um incentivo a mais para não faltarmos às aulas, realidade não muito
diferente dos dias de hoje para a maioria dos alunos da rede oficial de ensino.
O que sobrava em merenda faltava em cadeiras para os alunos se sentarem.
Certa vez, num daqueles anos escolares, passamos o período todo assistindo as aulas no
chão, enquanto morcegos rodeavam as nossas cabeças, mas mesmo assim, com todas
essas dificuldades, nada nos fazia desistir dos nossos objetivos.
Em seguida, fui estudar o Curso Secundário no Instituto Educacional Vera
Cruz, colégio pertencente à rede particular de ensino, graças ao auxílio de seus
diretores, Marlene Cezar Bezerra e Murilo Cezar Bezerra, que conseguiram bolsas
de estudos para mim e para os meus irmãos.
A eles, a minha gratidão!
Em seguida, fui estudar no antigo Colégio Diocesano de Patos, à época,
denominado Escola Estadual Pedro Aleixo, hoje chamado de Escola Estadual
Monsenhor Manoel Vieira, que é o patrono da cadeira n. 12, do Instituto Histórico e
Geográfico de Patos, a qual ocupo desde dezembro de 2012.
No último ano do Curso Ginasial, em 1985, mudei-me para a capital do estado,
juntamente com os meus pais e os meus cinco irmãos, em busca de dias melhores.
119 121
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Na capital da Parahyba, ainda estudei no Liceu Paraibano e, anos depois,
quando já era pai do primeiro filho, consegui fazer o curso de Direito na UNIPÊ,
contando sempre com o apoio financeiro de parentes, pois o que ganhava não dava para
pagar a faculdade.
O meu primeiro concurso público foi para oficial de justiça, cargo que exerci
durante quatro anos. Um ano na Vara Distrital de Mangabeira; os outros três, no 2º
Tribunal do Juri da capital.
Foi durante essa fase de minha vida que comecei a sonhar em ser promotor de
justiça ou juiz de direito na cidade aonde nascí.
Em 1996, fui nomeado Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral da
Parahyba, em virtude de aprovação no concurso público de provas e títulos.A vida
financeira começava a melhorar!
Submeti-me a mais seis concursos públicos. Fui reprovado em três concursos
para juiz de direito e em três para promotor de justiça, nos estados da Parahyba, Rio
Grande do Norte e Bahia. Em todos esses certames não consegui passar da segunda
etapa, a prova escrita, de caráter subjetivo.
Para justificar a minha incapacidade técnica, arranjei uma desculpa comum, que
serviu para as seis reprovações: os membros das bancas examinadoras não entenderam a
minha péssima letra e, por isso, não tiveram paciência em corrigir a prova com a devida
justeza.
Melhor para mim porque, anos depois, fiz o Mestrado em Direito e abracei a
carreira do magistério, na qual me realizei profissionalmente.
Melhor ainda para o TRE, que não perdeu um excelente funcionário público e
para os alunos da UNIPÊ e UFPB, que continuaram a ter aulas de Direito Eleitoral
baseadas na rica e dinâmica realidade da política paraibana.
Consegui o que poucos conseguiram: unir o útil ao agradável. Teoria e prática
são constantes em meu trabalho pois, ao mesmo tempo em que aplico o Direito
Eleitoral, no TRE/PB, ensino-o em sala de aula, e vice-versa.
Sou um homem realizado, principalmente agora, ao tomar posse nesta Casa.
Por força do destino e da vontade de treze membros desta Casa, que sufragaram
o meu nome, passo a ocupar a cadeira n. 34, que tem como patrona a sertaneja Ignez
Mariz, cuja obra principal, A BARRAGEM, explora a triste realidade do Sertão
nordestino.
Embora nascido na cidade, guardo na memória as imagens das invasões de
armazéns e das feiras livres de Patos, realizadas por homens do campo, durante os
grandes períodos de estiagem.
Talvez isso explique a identificação que guardo com a seca, com o regionalismo,
enfim, com a BAGACEIRA eleitoral da minha terra.
Fiz questão de registrar essas pessoas e fatos porque os considero fundamentais
em minha formação, principalmente os meus pais, os meus primeiros, principais e
melhores educadores.
Como disse o apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos, sou devedor de
todos, de gregos e de bárbaros, de patrícios e de plebeus...
A HISTÓRIA DE UMA ELEIÇÃO
Acostumado a contar a história das eleições, (dos outros), faço um breve registro
de como ocorreu a minha, para ocupar a cadeira n. 34, deste Instituto.
Quando soube da minha inscrição, o meu amigo, colega de UNIPÊ e agora
também confrade, o professor e historiador, Humberto Cavalcanti de Mello, registrou,
120 122
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 em tom espirituoso, que lhe é peculiar: “Caso você chegue a ser eleito, Patos passará a
ter a maior bancada do Instituto.”
De fato. Somos, a partir de agora, seis patoenses sócio-efetivos a compor o
IHGP: Flávio Sátyro Fernandes; Maria de Fátima Araújo; Balila Palmeira; José
Romildo de Souza; José Mota Victor e eu.
O professor Humberto Mello, como sempre, tem razão. Não me candidatei por
nenhum partido político. À moda das eleições do passado, lancei-me de forma avulsa.
Mas ninguém é candidato de si mesmo, dizem os experientes analistas políticos
da nossa Província.
Acadêmicos da estirpe de Adauto Ramos, Ernando Luiz Teixeira de
Carvalho, Humberto Fonseca e o meu conterrâneo sertanejo, Flávio Sátyro
Fernandes, tiveram a coragem de subscrever o requerimento do registro da minha
candidatura nesta Casa.
O apoio desses “cabos eleitorais” foi fundamental para a minha eleição.
Agradeço a eles, desde já o sucesso obtido no pleito.
Candidato único, a minha campanha eleitoral foi um pouco diferente das
convencionais. Fiz propaganda eleitoral antecipada, não nego, (que o TRE não saiba),
pois, antes mesmo de registrar a candidatura, já havia começado a pedir voto.
O mais estranho, porém, aconteceu na semana em que se realizou a eleição:
dividido entre as inúmeras atribuições de professor, de servidor público e de chefe de
família, esqueci de consultar “as bases eleitorais” e pedir que o eleitorado comparecesse
ao local de votação e sufragasse o meu nome.
Abertas as urnas, em 06 de abril do ano em curso, obtive treze votos.
Como sinal de gratidão, a maior de todas as virtudes, faço questão de citar, um a
um, os meus eleitores, segundo a ordem alfabética: Adauto Ramos; Balila Palmeira;
Carlos Alberto Farias de Azevedo; Diana Carmem Martins de Assis Ferreira;
Ernando Luiz Teixeira de Carvalho; Humberto Fonseca de Lucena; Joaquim
Osterne Carneiro; José Octávio de Arruda Melo; José Nunes; Maria Auxiliadora
Bezerra Borba; Marcos Cavalcanti de Albuquerque; Maria José Teixeira Lopes
Gomes e Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra.
Não pensei que tivesse tantos votos! Recebo a honraria dos eleitores como
resposta ao meu modesto trabalho, que o faço com prazer.
Aos que não puderam comparecer à eleição, dadas as várias dificuldades,
inclusive de locomoção, também estendo a eles os meus agradecimentos pela forma
simpática que me acolheram.
Depois dessa minha primeira experiência eleitoral, passei a entender um pouco a
tensão que os políticos passam no dia de uma eleição.
Nesta ocasião, estou sendo diplomado e tomando posse ao mesmo tempo.
Estimados amigos.
Agradeço a Deus a oportunidade de integrar esta instituição reconhecidamente
carente, do ponto de vista financeiro, mas tão rica de sabedoria, de conhecimento e de
valores os quais buscarei preservar.
Como todo candidato eleito, prometo somar forças juntamente com os meus
ilustres Confrades com o fim de preservar a memória da Parahyba.
Não quero ser apenas mais um daqueles membros a adquirir o honroso título de
sócio-efetivo e desaparecer da instituição. Como tudo que faço na vida, respeitadas as
121 123
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 minhas limitações naturais, procurarei contribuir da melhor forma para a preservação do
patrimônio histórico do meu estado, como está previsto no seu Regimento Interno.
Agradeço a presença de todos nesse dia memorável, especialmente aos meus
familiares, que estiveram sempre presentes na minha caminhada: a minha esposa,
Anniele; aos meus filhos, Yasmin, Gabriel, Victor e Renato Filho; à minha mãe,
Vanda César Carneiro; à presença sempre constante do meu querido pai, Francisco
Carneiro Bastos, e aos meus irmãos, Rênio, Aparecida, Socorro e Tânia.
Aos meus pais, a minha eterna gratidão, pela educação recebida, que me
permitiu chegar a este ambiente de pessoas cultas e de pessoas de bem e que, mesmo
enfrentando todas as dificuldades que passam as famílias de uma prole numerosa,
sempre lutaram para ver todos os filhos na escola e cuja maior alegria era vê-los desfilar
no 7 de setembro, em Patos.
Agradeço a Deus, pelo dom da vida. À minha esposa e filhos, por terem
aprendido a dividir a minha atenção com a pesquisa e com os estudos, atividade que me
traz constante felicidade.
Para finalizar, faço uma homenagem à Parahyba e também ao centro do
universo, a minha querida Patos, tomando emprestada uma poesia de Jansen Filho,
decerto feita para a sua terra natal, Monteiro, intitulada CÉUS DE MINHA ALDEIA, à
qual passo a recitá-la:
FOI AQUI QUE EU NASCI NESTA ALDEIA DESERTA
ONDE O POVO É MAIS CRENTE E A TERRA MAIS ADUSTA!
ONDE TIVE UMA INFÂNCIA AREJADA E COBERTA
PELOS RAIOS DE SOL DE UMA EXISTÊNCIA JUSTA
FOI AQUI QUE LUTEI ARDENTEMENTE À CUSTA
DE TORTURAS SEM PAR – POR UMA ESTRADA INCERTA,
PROCURANDO ENCONTRAR A PAZ SOLENE E AUGUSTA
QUE HOJE VIVE EM MEU SER COMO UMA ROSA ABERTA!
FOI À LUZ DO LUAR DESTA ALDEIA SINGELA,
QUANDO A PIRA DO AMOR NOSSO PEITO INCENDEIA,
QUE EU PUDE COMPREENDER O QUANTO A VIDA É BELA!
PORISSO É QUE A SONHAR, NUM DELÍRIO PROFUNDO,
NÃO TROCO PELO AZUL DOS CÉUS DE MINHA ALDEIA
TODO O IMENSO ESPLENDOR DAS BELEZAS DO MUNDO!
Muito obrigado!
REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Liberto. HOMENS DO BRASIL. 2º Volume.
GADELHA, Julieta Pordeus. Antes que ninguém conte, João Pessoa, A União, 1986.
EHRICH, Isaías de Oliveira. ENTRE OS APITOS DA CASA-DE-FORÇA, A
BARRAGEM: DA ANÁLISE TEXTUAL À SALA DE AULA. Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da UFCG. 2009.
MARIZ, Maria Ignez Marques. A BARRAGEM. Editora José Olympio.
- Mensagem à Paraíba. Rio de Janeiro, Cia. Editora Americana, 1945.
122 124
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 NÓBREGA, Evandro. Prefácio de A Barragem, 2ª. edição, João Pessoa, A União Cia.
Editora, 1994.
PORDEUS, Terezinha de Jesus Ramalho. A HISTÓRIA DA PARAÍBA EM SALA DE
AULA. João Pessoa: Ed. A UNIÃO, 2003, 3ª ed.
PORDEUS, Thelma Ramalho. Discurso em homenagem a Terezinha de Jesus Ramalho
Pordeus. Solenidade realizada no IHGP, em de janeiro de 2013.
Ramos, Adauto. Discurso em homenagem a Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus.
Solenidade realizada no IHGP, em de janeiro de 2013.
Discurso de posse do historiador José Mota Victor, em 26 de março de 2013, no
Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba.
Documentos
Arquivos do IHGP.
Curriculum vitæ de Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus.
123 125
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 MONS. EURIVALDO CALDAS TAVARES:
O Sacerdote e o Historiador
Ednaldo Araújo*
O Instituto Histórico e Geográfico Paraibano reuniu-se hoje em sessão especial
para recordar a vida e a obra de um paraibano ilustre: Mons. Eurivaldo Caldas Tavares.
Sacerdote exemplar, professor competente, militar fidelíssimo e historiador nato; na sua
pessoa conjugavam-se, ao mesmo tempo, a profundidade do pensamento e a
simplicidade eloqüente das palavras, coisa que, aliás, não se encontra com facilidade.
Dizia muito no pouco. Era um homem de gestos simples, mais do que belos discursos.
Diferente da memória de muitos homens cuja lembrança desapareceu por trás de suas
obras, o Monsenhor Eurivaldo, podemos dizê-lo, é muito maior que suas obras.
A trajetória do Mons. Eurivaldo Caldas Tavares confunde-se com a história
recente da Arquidiocese da Paraíba que tinha nele o seu proto-presbítero, isto é, o
sacerdote mais velho tanto na idade quanto no tempo de sacerdócio. Confunde-se
também com a história deste Instituto do qual foi um dos mais insignes e prolíficos
membros. Não quero me estender aqui sobre os pormenores de sua vida e de suas obras:
a História vai encarregar-se desta tarefa. Contudo, há um pormenor de sua preciosa
existência que não convém negligenciar e que hoje, neste Instituto centenário, reaparece
com maior clareza: o Eurivaldo amante da História.
Membro de duas das famílias mais respeitáveis da Paraíba, o Monsenhor
contava entre os seus ancestrais figuras como Diógenes Caldas (patrono da cadeira que
ele ocupou neste instituto) e o Dr. Eurípedes Tavares, tendo, por assim dizer, a história
no sangue. Paraibano apaixonado, deu sinais desde cedo de uma particular predileção
pelo estudo da História e, em particular, da História da sua amada Paraíba. Teve a dita
de ascender ao presbiterado aos 4 de março de 1944, data na qual a Diocese da Paraíba
celebrava o seu Jubileu Áureo. Por várias vezes teve a ocasião de prestar valiosa
colaboração ao estudo da História da Paraíba, como, por exemplo em 1978, durante as
comemorações alusivas ao Centenário do nascimento do Presidente João Pessoa e na
organização do Arquivo Público Estadual.
Por trás do sacerdote abnegado e do historiador dedicado, estava o homem fino e
cortês, calmo e amável que muitos dos senhores que, como eu, tiveram a honra de
conviver com Monsenhor Eurivaldo, puderam conhecer. Neste nobre sacerdote, nas
suas palavras e no seu comportamento, podia-se facilmente divisar a inteligência
privilegiada de uma alma forjada pelo contato constante com a Palavra de Deus e com
os Sacramentos que constituíam para ele a força e o vigor na juventude, e, nestes
últimos anos, a fortaleza e a fonte de serenidade na velhice. Mais que um homem das
letras, mais que um historiador, mais que um militar, Monsenhor Eurivaldo era um
homem robustecido pela fé. Com toda a certeza, diante do frio mármore que lhe serve
de jazigo, recordávamos a sentença do Apóstolo das Gentes: “Combati o bom combate,
terminei a corrida, guardei a fé. Para mim agora está reservada a coroa da glória que o
Senhor, Justo Juiz me dará” (2Tm 4,7-8).
A Paraíba deve ao Mons. Eurivaldo Caldas Tavares o obséquio de perpetuar-lhe
*Monsenhor representante da Arquidiocese da Paraíba.
124 126
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 a memória para que a juventude, tão carente de referenciais, possa espelhar-se no
exemplo de religioso, de cidadão e de homem deste seu grande filho. A Arquidiocese da
Paraíba, ainda enlutada pela morte do venerando Monsenhor, agradece profundamente
ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, na pessoa do seu Presidente, Dr. Joaquim
Osterne Carneiro a justa homenagem que esta instituição tributa à memória de um dos
seus mais ilustres sacerdotes. A Arquidiocese e a Paraíba não ganharam apenas mais um
nome para inscrever na História. Estamos seguros de que, pela vida exemplar do Mons.
Eurivaldo, ganhamos no céu um intercessor que velará pelos destinos desta Paraíba que
ele tanto amou e pela qual – até o último momento – ofereceu-se no altar de Deus.
Muito obrigado.
João Pessoa, 30 de agosto de 2013.
125 127
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 PRONUNCIAMNENTO DE JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO* NA SALA DE
SESSÕES DO TRIBUNAL PLENO, - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAIBA -,
EM 04 DE SETEMBRO DE 2013, POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO
LIVRO “CENTENARIO DE NASCIMENTO DO HISTORIADOR JOSÉ
FERNANDES DE LIMA”.
Quando de centenário de nascimento do Dr. José Fernandes de Lima, ocorrido
em 11 de junho de 2012, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, realizou uma
Sessão Solene, oportunidade em que prestou uma significativa homenagem a esta
fulgurante personalidade que se constitui no maior filho do município de Mamanguape.
Em nome da centenária Casa da Memoria Paraibana, da mais antiga entidade
cultural em funcionamento no Estado da Paraíba falou o Desembargador, Escritor e
Historiador Marcos Cavalcanti de Albuquerque, Sócio Efetivo do IHGP, onde ocupa
brilhantemente a Cadeira Nº 44, que tem como Patrono Celso Marques Matiz.
O trabalho elaborado por Marcos Cavalcanti de Albuquerque chamou a atenção
pela riqueza de detalhes a respeito da vida e da obra de José Fernandes de Lima, que na
qualidade de Historiador foi Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano, tendo sido Fundador da Cadeira Nº 22, que tem como Patrono Florentino
Barbosa Leite Ferreira.
Em face da importância da sua palestra e principalmente em virtude da atenção
despertada em todos que tiveram o prazer de assisti-la, o Historiador Marcos Cavalcanti
de Albuquerque aprofundou suas pesquisas, seus estudos, seus levantamentos,
resultando a elaboração do livro “CENTENARIO DE JOSÉ FERNANDES DE LIMA”
que neste ensejo temos a honra de fazer sua apresentação.
Entendemos que faz- se necessário assinalar que, José Fernandes de Lima foi um
vitorioso em todas as atividades que empreendeu. Assim, se fez respeitado como
político, como professor, como empresário e como historiador dos mais fecundos, o que
lhe valeu ser agraciado pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano com a Comenda
do Mérito Cultural José dos Santos.
Todos estes atributos, fazem parte do trabalho que ora lhes apresentamos.
Desejamos, portanto nos congratular e parabenizar o Historiador Marcos
Cavalcanti de Albuquerque, que com este seu livro resgata as virtudes cívicas de um
homem do porte de José Fernandes de Lima, com quem mantivemos uma amizade das
mais fraternas, das mais respeitosas, já que em nossas veias corria o sangue do velho
PSD - Partido Social Democrático, que representava o patriotismo, a sabedoria, a
decência, a coerência, o bom senso e a vontade de servir.
*Presidente do IHGP
126 128
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Discurso do Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque*, no lançamento do
livro: “Centenário de Nascimento do Historiador José Fernandes de Lima”, na Sala de
Sessões do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba, em 4 de setembro de 2013.
Em maio do ano passado, a Senhora Elizabeth Fernandes Fonseca,
minha estimada amiga, por telefone, lembrava-me do centenário de nascimento do seu
saudoso tio e de meu prezado amigo, Deputado José Fernandes de Lima, dizendo-me
que, além de amigo, também era meu confrade no Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano, onde ocupou, por décadas, a Cátedra nº 22; resultando, desse telefonema, a
ideia de uma comemoração no nosso silogeu.
A data de nascimento do Político, Escritor e Historiador José
Fernandes de Lima é 11 de junho de 1912, portanto o centenário de seu nascimento
ocorreu no dia 11 de junho de ano transato.
Não pensei duas vezes, procurei o presidente do IHGP, historiador
Joaquim Osterne Carneiro, e lhe pedi que organizasse a justa homenagem a um exintegrante do sodalício. Ele acatou a ideia, afirmando que o eminente Deputado fora um
dos maiores amigos e correligionários do seu parente, o Senador Ruy Carneiro, mas
submeteu-me uma condição: ser o orador oficial do IHGP, como ocupante da estala nº
44.
Aceitei o encargo com muita alegria, porque homenagear Dr. José
Fernandes de Lima é lisonjear Mamanguape, nossa querida terra, sua pátria e minha
também. Qualquer mamanguapense sente-se honrado em poder prestar uma homenagem
ao político, advogado, empresário, industrial, escritor e historiador que dedicou sua vida
ao Vale do Mamanguape.
A sobredita galanteria ocorreu, exatamente, no dia 11 de junho de
2012, tendo a família Fernandes de Lima, oferecido um coquetel aos presentes no
encerramento da solenidade, com a presença de muitos familiares e amigos.
Após o evento, em conversa com o presidente do IHGP, foi-me
solicitado que vertesse o discurso, proferido na ocasião, em plaquete, para que a
homenagem fosse dignamente registrada, afinal, celebrávamos o centenário de
nascimento de um dos maiores vultos da política paraibana. Desde então, dediquei-me a
pesquisar para aprofundar o discurso e transformá-lo em plaquete, mas a pesquisa se
avolumou e converteu-se neste livro.
Esteio-me nesse recente pretérito, para introduzir-lhes como essa
pauta chegou às minhas mãos e como a história de vida de José Fernandes de Lima,
nesse momento, intercruzou com a minha, fazendo-me, necessariamente, o biógrafo do
filho mais ilustre e respeitado de Mamanguape.
O imortal do IHGP José Fernandes de Lima foi campão de votos em
eleições diretas - não temia as urnas. Prefeito de Mamanguape por duas vezes,
Deputado Estadual por dez legislaturas, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado
da Paraíba, por mais de uma vez, e Governador do Estado da Paraíba. Foi líder da
oposição ao Governo Militar na Casa Legislativa de Epitácio Pessoa durante toda a
ditadura, de 1964 até 1985. Nunca abdicou de suas prerrogativas políticas, sempre com
pronunciamentos independentes e fortes em favor da democracia e da liberdade. Jamais
mudou de partido político. Se as siglas mudavam, ele permanecia... Fidedigno,
ingressou no partido do Senador Ruy Carneiro, o velho PSD, depois, MDB e, por
último, PMDB, quando encerrou sua carreira política.
Só perdeu a primazia, em número de mandatos legislativos, para o
Deputado José Lacerda Neto, que lhe sobrepujou com alguns exercícios a mais.
*Sócio Efetivo do IHGP
127 129
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 Todavia, deve-se à feita de que meu compatrício, José Fernandes de
Lima, fora Prefeito da cidade de Mamanguape por duas vezes, e Governador do Estado
da Paraíba, por onze meses.
Os Fernandes estão na política do Vale do Mamanguape há setenta e
três anos, ou seja, desde 1940. Atualmente, o Vice-Prefeito de Mamanguape é Roberto
Fernandes Fonseca, irmão do ex-prefeito Fábio Fernandes e do ex-deputado Ariano
Fernandes, todos filhos de Betinha Fernandes. Os sobrinhos do deputado José
Fernandes, Dr. João Laércio e Dr. Antônio Fernandes, ocuparam cargos de Secretário de
Estado, recentemente no Governo da Paraíba. O saudoso Dr. Gustavo Fernandes de
Lima Sobrinho também foi Prefeito de Mamanguape.
Não participaram da política partidária os irmãos Dr. Gustavo
Fernandes de Lima e Carlos Fernandes de Lima, como também suas irmãs, mas
colaboravam ativamente nas campanhas eleitorais e atividades sociais, seja na
Associação das Voluntárias nesta Capital, seja na Creche Marieta Fernandes e na
Associação das Voluntárias em Mamanguape.
José e João Fernandes de Lima são caso único da história política, em
que irmãos ocuparam o Palácio da Redenção, como Governadores do Estado. Outros
filhos de Mamanguape já haviam chefiado o Executivo, como o Dr. Frederico de
Almeida e Albuquerque, que também fora Deputado Provincial, Deputado Geral e
Senador no Império; Dr. Flávio Clementino da Silva Freire, o Barão de Mamanguape,
que também obteve os mesmos cargos do exemplo anterior; Dr. João Pereira de Castro
Pinto, Deputado Estadual, Deputado Federal e Senador na República. Sem olvidar de
João Fernandes de Lima, que foi Vice-Governador, na gestão do ilustríssimo Ministro
José Américo de Almeida, tendo assumido o Governo quando José Américo se afastou
para assumir o Ministério da Viação e Obras Públicas no Governo do Presidente Getúlio
Vargas.
Os irmãos Fernandes se destacam por suas vidas de probidade, de
honestidade e de honradez na gestão dos negócios públicos. José Fernandes e Manoel
Fernandes, quando prefeitos de Mamanguape, doavam seus subsídios para associações
filantrópicas, não aceitavam nenhuma remuneração.
Presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, por mais de uma
vez, nesse último mandato, quando do governo do Dr. Tarcísio de Miranda Burity, José
Fernandes de Lima tornou-se Vice-Governador por força de mandamento
constitucional, com o falecimento do Dr. Raimundo Asfora, que fora eleito para aquele
cargo. Nessa condição, o Dr. José Fernandes de Lima foi acometido de um acidente
vascular cerebral (AVC) e precisou, com urgência, ser removido à São Paulo .
Solidário, o Governador Tarcisio Burity ofereceu os recursos para o Avião UTI, para o
transporte do Presidente da Assembleia e Vice-Governador.
Grato pelo reconhecimento oficial, o industrial Manoel Fernandes de
Lima, irmão do Deputado José Fernandes, não tardou em sua resposta que veio de
pronto: “Senhor Governador, a família Fernandes agradece muito, mas enquanto a
Usina Monte Alegre puder pagar o tratamento de José Fernandes, não aceitará um só
centavo do Estado”. E assim foi... Manoel Fernandes de Lima custeou toda a despesa
das intervenções médicas e hospitalares do seu irmão em São Paulo, inclusive o Avião
UTI, utilizado para o deslocamento do paciente.
Com registros desse gabarito, talvez, não se faça necessário quaisquer
comentários a mais sobre a nobreza de José Fernandes de Lima e sua família. E foram
esses apontamentos históricos, “causos” locais de inspiração, que fomentaram,
literalmente, o crescimento progressivo do singelo discurso, proferido no Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, em plaquete, e esta, em uma obra de duzentas e
quatro laudas.
128 130
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 A despeito do sucesso na vida pública, meu confrade, também se
dedicara à investigação histórica. O escritor José Fernandes mostrou sua faceta de
historiador diligente no livro “A Lealdade e o Heroísmo do Índio Potiguara Pedro
Poty”, em que narrou a viagem do silvícola, que fora levado à Holanda pelos
calvinistas, para, de volta à terra-mãe, instruído e falante de outros idiomas, acabar por
facilitar a conquista holandeses. Este, indubitavelmente, será um tomo melhor estudado
pelos pósteros que almejarem compreender colonização portuguesa no Nordeste do
Brasil, especialmente, na Província da Paraíba, e a ocupação holandeza liderada pelo
Conde Maurício de Nassau. Também escreveu outras obras importantes como
Atividades Parlamentares e o Herói da Guerra do Paraguai José Campelo d'Albuquerque
Galvão, o famoso Comendador Campelo.
Termino com os meus penhorados agradecimentos à Presidenta do
Tribunal de Justiça da Paraiba, Desembargadora Maria de Fátima Morais Bezerra
Cavalcanti, defensora e patrona incondicional da Comissão de Cultura e Memória do
Poder Judiciário, incentivando eventos culturais e lançamentos de livros, por vezes,
escritos por magistrados e operadores do direito, nas dependências deste Tribunal.
Agradecimentos ao Presidente do Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano, que, com brilhante pronunciamento, lançou este livro, e, finalmente, a todos
os familiares do Insígne Deputado, Escritor e Historiador José Fernandes de Lima,
representados por Dr. João Laércio Gagliarde Fernandes, pela bela fala que acaba de
fazer, sem me esquecer da estimada amiga Betinha Fernandes, sobrinha do
homenageado.
A este seleto auditório, pelo prestígio de tão honrosas presenças, meu
muito obrigado!
João Pessoa, 4 de setembro de 2013
Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque
129 131
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 PRONUNCIAMENTO DE JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO* NO IHGP EM
12 DE SETEMBRO DE 2013.
Autoridades aqui presentes.
Minhas senhoras e meus senhores.
Confreiras e confrades do IHGP
Meus amigos e familiares
É com muita satisfação que assumo pela segunda vez consecutiva o honroso
cargo de Presidente desta Casa da Memoria Paraibana, que se constitui na mais antiga
instituição cultural em funcionamento no Estado da Paraíba, também denominada Casa
de Irineu Pinto, em homenagem a um dos maiores pesquisadores e historiadores da
nossa terra.
Ao longo dos seus 108 (cento e oito) anos de existência, o Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano tem se constituído no guardião da historia da Paraíba.
Assim, inicialmente desejo agradecer o apoio recebido não somente dos integrantes da
Diretoria, como igualmente de todos os confrades e confreiras que integram nossa
entidade.
Durante este segundo mandato que compreende o triênio de 2013 a 2016, em
consonância com as diretrizes previamente estabelecidas, será dado continuidade as
tarefas já em andamento, relacionadas com a manutenção e preservação do rico acervo
aqui existente, com ênfase na digitalização de documentos, principalmente das
chamadas Obras Raras e periódicos antigos, que estão a exigir um tratamento adequado,
a fim de que não desapareçam, em face do manuseio por parte daqueles que
continuamente realizam suas pesquisas e levantamentos, direcionados para a elaboração
de trabalhos os mais diversificados possíveis.
Após digitalizados, esses documentos estarão armazenados em computadores e a
qualquer tempo poderão ser consultados sem o perigo de serem danificados.
Faz se preciso informar que, a documentação pertencente a este Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, tem despertada a atenção não somente de
pesquisadores brasileiros, representados especialmente por professores e estudantes das
escolas públicas, que diuturnamente aqui nos visitam, mas também por parte de
estudiosas estrangeiros que se debruçam no nosso acervo, em busca de relevantes
informações inéditas e muitas vezes indispensáveis a elaboração de suas atividades.
De outra parte, não será olvidado o trabalho constante que se realiza na
conservação do nosso edifício, que está aguardando a colocação de um elevador a ser
doado pelo Governo do Estado da Paraíba, por determinação do Governador Ricardo
Vieira Coutinho, em atendimento a solicitação que o fizemos, que facilitará o acesso a
todas as suas dependências, especialmente ao Auditório Humberto Nóbrega.
Ao mesmo tempo, seguindo a orientação emanada do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, quando do V Colóquio dos Institutos Históricos Brasileiros,
realizado na sede do IHGB, na cidade do Rio de Janeiro, no período de 19 a 21 de
outubro de 2011, continuaremos a incentivar a criação de Institutos Históricos
Municipais, já que a história tem inicio nos municípios e se não forem adotadas
medidas, grande parte dessa documentação tenderá a se deteriorar e até mesmo a
desaparecer.
Nesse sentido, nos dias 15 e 16 de março do corrente ano, foi realizado aqui no
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o Iº Encontro dos Institutos Históricos
Paraibanos, oportunidade em que tomamos conhecimento das atividades executados por
essas entidades.
*Presidente do IHGP
130 132
REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -­‐ 2014 No decorrer do referido evento, fomos informados dos problemas e dos
trabalhos implementados pelo Instituto Histórico e Geográfico de Bayeux, através da
palavra do seu Presidente o historiador Ariosvaldo Alves de Oliveira.
Concomitantemente, também ficamos sabendo do que vem sendo desenvolvido
pelo Instituto Histórico e Geográfico de Patos, por meio da lúcida exposição do seu
Presidente, o Historiador José Mota Victor e finalmente ouvimos da Historiadora Maria
Ida Steinmuller, Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande, que discorreu
sobre o que vem realizando esta novel instituição, denominada Casa de Elpidio de
Almeida, em homenagem ao historiador, médico, escritor, político e ambientalista, que
tanto fez em prol da Rainha da Borborema nos seus mais variados aspectos.
Aliás, a partir do dia 12 de outubro do corrente ano, o município de Campina
Grande dará inicio as comemorações alusivas aos 150 (cento e cinqüenta) anos de sua
emancipação política e este fato é por demais importante para a sua tão pujante historia.
É conveniente informar que, o Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de
Cajazeiras, o Historiador José Antonio de Albuquerque, por motivo superveniente não
pode comparecer ao encontro dos Institutos Históricos Municipais, mas teve a gentileza
de enviar um circunstanciado relatório explicitando as atividades da sua entidade.
Ao mesmo tempo, ficou acordado que no próximo ano deverá ser realizado na cidade de
Patos, o IIº Encontro dos Institutos Históricos Paraibanos, quando trataremos e
avaliaremos as atividades implementadas por todas as instituições do nosso Estado que
cuidam da nossa historia.
Em linhas gerais, minhas senhoras e meus senhores são estes os trabalhos, as
atividades que daremos andamento nesta Casa da Memória da nossa Paraíba, que é o
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, sem esquecer de cuidar da publicação da
nossa centenária Revista, que tem se encarregado de divulgar trabalhos dos nossos
associados e até mesmo de outros historiadores que não pertencem ao IHGP, afora o
Boletim Informativo Eletrônico, que mensalmente através da internet informa as
nossas atividades.
131 133
Download

REVISTA - Alexandre Santos