IHGP REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO ANO C – JOÃO PESSOA –SETEMBRO– 2014 –- Nº 43 Copyright © EDUEPB A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98. A EDUEPB segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil, desde 2009. Editora da Universidade Estadual da Paraíba Cidoval Morais de Sousa | Diretor Arão de Azevêdo Souza | Editor Assistente de projetos visuais Antonio Roberto F. da Costa | Editor Assistente de Conteúdo Design Gráfico Erick Ferreira Cabral Jefferson Ricardo Lima Araujo Nunes Lediana Costa Leonardo Ramos Araujo Comercialização e Distribução Vilani Sulpino da Silva Danielle Correia Gomes Divulgação Zoraide Barbosa de Oliveira Pereira Revisão Linguística Elizete Amaral de Medeiros Normalização Técnica Jane Pompilo dos Santos Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB 900 R454 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. - Ano C, n43 (set/2014). Campina Grande: EDUEPB, 2014. 136 p.: il:. Anual ISSN: 2358-6320 1. História. 2. Região semiárida. 3. Herckmans na Paraíba. 4. Adauto Ramos. 5. Educação na Paraíba. 6. Capitanias. 7. Seca no nordeste. 8. Literatura. 9. Política. 10. Anayde Beiriz. I. Título 21. ed. CDD IHGP REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO ANO C – JOÃO PESSOA –SETEMBRO– 2014 –- Nº 43 INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO Fundado em 7 de setembro de 1905 Declarado de Utilidade Pública pela Lei nº 317, de 1909 CNPJ: 09.249.830/001-‐21 – Fone (8 3) 3222-‐0513 58013-‐080 -‐ Rua Barão do Abiaí, 64 – João Pessoa -‐ Paraíba Gestão 2013/2016 PRESIDENTE Joaquim Osterne Carneiro VICE-‐PRESIDENTE Humberto Fonsêca de Lucena SECRETÁRIO GERAL Diana Carmem Martins de Assis Ferreira 1º SECRETÁRIO Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra 2ª SECRETÁRIO Berilo Ramos Borba TESOUREIRO Adauto Ramos DIR. ATIVIDADES CULTURAIS Martha Maria Falcão de Carvalho e Morais Santana COMISSÃO DA REVISTA Joaquim Osterne Carneiro Humberto Fonsêca de Lucena José Nunes da Costa FOTO DA CAPA: Presidente do Estado da Paraíba, Alvaro Lopes Machado, um dos fundadores do IHGP, em 7 de setembro de 1907 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...................................................................................9 SECA NO NORDESTE: UM TEMA SEMPRE ATUAL Joaquim Osterne Carneiro..................................................................11 AS AVENTURAS RUSSA, HOLANDESA, NORDESTINA E CHILENA DE ELIAS HERCKMANS, GOVERNADOR DA PARAÍBA DE 1636 A 1639 Evandro da Nóbrega...........................................................................15 O INCIDENTE DA “ILHA” Adauto Ramos....................................................................................29 FELIPE TIAGO GOMES: UM PARAIBANO QUE REVOLUCIONOU A EDUCAÇÃO DO BRASIL Berilo Ramos Borba............................................................................35 DOIS IMPORTANTES DOCUMENTOS MANUSCRITOS REFERENTES À CAPITANIA DA PARAIBA DO NORTE, ASSINADOS NO RIO DE JANEIRO POR D. JOÃO VI, DATADOS DO INÍCIO DO SÉCULO XIX E SOMENTE AGORA PUBLICADOS EM LETRA DE FORMA MEDIANTE A CORRESPONDENTE LEITURA PALEOGRÁFICA Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins...........................................43 CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTICULAÇÃO CULTURAL E PROJEÇÕES NA LITERATURA Maria Ida Steinmuller.........................................................................46 NO COTIDIANO DE UM HISTORIADOR: UM MESTRE E SEU SALÃO José Octávio de Arruda Mello.............................................................48 UM PIONEIRO DA LIMNOLOGIA NO BRASIL: STILLMAN WRIGHT (1898 – 1989) Melquíades Pinto Paiva......................................................................56 ANAYDE BEIRIZ – VÍTIMA DA REVOLUÇÃO DE 1930 Natércia Suassuna Dutra....................................................................62 AFONSO PEREIRA NAS LETRAS JURÍDICAS Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra...........................................................71 CAJAZEIRAS NO TEMPO DE JOÃO JUREMA Francisco Sales Cartaxo Rolim............................................................75 DORGIVAL HISTORIADOR Humberto Mello.................................................................................86 INTER -‐ RELACIONAMENTO ENTRE A HISTÓRIA E A LITERATURA Joaquim Osterne Carneiro..................................................................89 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA CRIAÇÃO DO INSTITUTO HISTÓRICO DE CAMPINA GRANDE, EM 26 DE MARÇO DE 2012. Joaquim Osterne Carneiro..................................................................92 PRONUNCIAMENTO NA SESSÃO SOLENE DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO, EM 13 DE SETEMBRO DE 2012. HUMBERTO DE ALMEIDA...................................................................94 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA HOMENAGEM A TERESINHA DE JESUS RAMALHO PORDEUS, EM 21 DE MARÇO DE 2013 TELMA PORDEUS................................................................................98 SAUDAÇÃO AO HISTORIADOR BERILO RAMOS BORBA, QUANDO DO SEU INGRESSO NO IHGP, EM 18 DE MAIO DE 2013 Joaquim Osterne Carneiro..................................................................99 DISCURSO DE POSSE Berilo Ramos Borba..........................................................................101 SAUDAÇÃO AO HISTORIADOR RENATO CÉSAR CARNEIRO, QUANDO DO SEU INGRESSO NO IHGP, EM 16 DE JUNHO DE 2013. Joaquim Osterne Carneiro................................................................112 DISCURSO DE POSSE Renato César Carneiro......................................................................114 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA HOMENAGEM AO MONS. EURIVALDO CALDAS TAVARES, EM 30 DE AGOSTO DE 2013 Ednaldo Araújo.................................................................................126 PRONUNCIAMNENTO QUANDO DO LANÇAMENTO DO LIVRO “CENTENARIO DE NASCIMENTO DO HISTORIADOR JOSÉ FERNANDES DE LIMA”, EM 04 DE SETEMBRO DE 2013, NA SALA DE SESSÕES DO TRIBUNAL PLENO -‐ TRIBUNAL DE JUSTIÇA -‐ PB Joaquim Osterne Carneiro................................................................128 DISCURSO PROFERIDO NO LANÇAMENTO DO LIVRO: “CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO HISTORIADOR JOSÉ FERNANDES DE LIMA”, NA SALA DE SESSÕES DO TRIBUNAL PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA, EM 4 DE SETEMBRO DE 2013. Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque.......................129 PRONUNCIAMENTO QUANDO DA POSSE DA NOVA DIRETORIA DO IHGP, EM 12 DE SETEMBRO DE 2013 Joaquim Osterne Carneiro................................................................132 APRESENTAÇÃO A Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB) tem a honra de apresentar o número 43 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibando (IHGP), que em boa hora chega aos leitores em duas versões: uma impressa e outra digital. A versão digital será disponibilizada em várias bases eletrônicas e terá, também, um lugar fixo na rede, através da plataforma SEER - Sistema de Editoração Eletrônica de Revistas, do IBICT. Recomendado pela CAPES, o SEER, criado em 2003, permite, dentre outras possibilidades, melhoria na avaliação da qualidade dos periódicos, maior rapidez no fluxo das informações e, também, que a disseminação, divulgação e preservação dos conteúdos das revistas brasileiras apresentem uma melhoria na adoção dos padrões editoriais internacionais. Neste novo sistema, que em breve estará no ar, o IHGP entra, em definitivo, no universo das publicações eletrônicas de acesso livre, tornando possível, inclusive, a consulta, por meio da web, aos números anteriores, que serão todos preparados para o novo tempo que se inaugura com o número atual. A EDUEPB, cumprindo a sua missão de divulgar e tornar acessível o conhecimento produzido em diferentes áreas, firma, a partir deste número, parceira com o IHGP, estabelcendo, desde já, como missão, a colaboração para o sucesso dessa nova fase da Revista. Sobre o conteúdo do número 43 recomendamos a leitura atenta de artigos cruciais para a compreensão de aspectos, fatos e personagens de nossa história particular, destacando, dentre eles, os trabalhos sobre Felipe Tiago Gomes e Anayde Beiriz, assim como chamaos atenção para a qualidade de alguns discursos e pronunciamentos que marcaram a trajetória recente do IHGP. Cidoval Morais de Sousa Diretor da EDUEPB 9 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 SECA NO NORDESTE: UM TEMA SEMPRE ATUAL Joaquim Osterne Carneiro * A seca que ocorreu na Região Semi-Árida do Nordeste brasileiro no ano pretérito e que tem continuidade neste ano de 2013, em face das poucas chuvas caídas é a maior dos últimos 60(sessenta) anos. Convém recordar que, as variações climáticas que determinaram a semi-aridez e as secas do Nordeste brasileiro ocorreram há mais de 20.000 (vinte mil) anos, segundo estudos realizados por BELTRÃO (1980) No entanto, a primeira noticia de seca na Região foi registrada por GUERRA (1951), em pesquisa publicada postumamente, quando declarou que a Historia da Companhia de Jesus no Brasil, do Padre Serafim Leite, se referiu a uma estiagem acontecida na Bahia em 1559. Faz - se mister destacar que, os primeiros estudos sobre previsão de seca no Nordeste do Brasil foram realizados por DERBY (1978 e 1885), quando correlacionou a grande seca de 1877- 1879, com o fenômeno das manchas solares. Naquela época, os únicos dados meteorológicos disponíveis eram as precipitações pluviométricas da cidade de Fortaleza – CE, para o período de 1849 a 1877 e da cidade do Rio de Janeiro – RJ, para o período de 1851 a 1877. De acordo com esses primeiros estudos, as secas ocorriam em ciclos de 11 (onze) anos. Ficou também constatado que, em cada ciclo, a quantidade de chuva crescia do primeiro até sua metade, decrescendo posteriormente até o seu final. No Nordeste, segundo CARVALHO et alii (1973), “ A idéia de que as secas estavam correlacionadas com os períodos de redução das atividades das manchas solares também teve aceitação por parte de estudiosos do assunto, como Thomas Pompeu de Souza Brasil Sobrinho e Rodolfo Theophilo, sendo o problema levantado pelo primeiro no seu trabalho “ O Ceará no Começo do Século XX ”, publicado em 1909. Em trabalho posterior, “ O Ceará no Centenário da Independência (1922”), o mesmo autor, com base em melhores informações, registra a curiosa observação de que, além do ciclo undecenal de atividade solar, manifestado pelo aumento das manchas solares na sua superfície, verificou-se ultimamente haver verdadeiras super-excitações daquelas atividades em períodos mais longos. Em auxilio dessa circunstancia observase que em Fortaleza, além das oscilações de 10 a 12 anos, verifica-se o aumento das chuvas em fases e 23 a 26anos”. Em 1924, Sampaio Ferraz ao falar no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro RJ, sobre as prováveis causas das secas do Nordeste informou que havia uma correlação não significativa entre as manchas solares e as chuvas caídas na cidade de Fortaleza-CE. *Engenheiro Agrônomo, escritor e historiador. Sócio Efetivo e atual Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Sócio Fundador do Instituto Histórico de Campina Grande. Pertence também ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ao Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano, ao Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, a Academia de Letras e Artes do Nordeste - Núcleo da Paraíba, a União Brasileira de Escritores da Paraíba, a Academia Limoeirense de Letras da cidade de Limoeiro do Norte - CE e integra o Conselho Estadual de Cultura do Governo do Estado da Paraíba. 9 11 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Em 1953, o mesmo estudioso dispondo de informações mais confiáveis, lançou um método empírico de previsão de secas no Nordeste, através da comparação dos anos secos com os pseudociclos das atividades solares, oportunidade em que constatou uma grande coincidência entre os anos de calma solar e as secas, tendo informado: “ Marcamos as ocorrências das secas grandes, totais e parciais, num gráfico das oscilações das manchas solares e verificamos logo a tendência delas se agruparem nas proximidades dos mínimos solares, sobretudo as secas grandes e totais”. Ainda em 1953, seguindo essa mesma linha de trabalho, Francis Reginald Hull, um inglês que residiu em Fortaleza, correlacionou as secas do Estado do Ceará, com os anos de manchas solares mínimas, a exemplo dos estudos anteriormente elaborados por Derby, Thomas Pompeu de Sousa Brasil Sobrinho, Rodolfo Theophilo e Sampaio Ferraz. O estudioso inglês acima citado informou que o fenômeno das secas aconteceria nos momentos correspondentes aos pontos mínimos da curva de atividade das manchas solares, distando um ponto mínimo do outro de 11 (onze) anos em média. Além disso, foram assinalados ciclos de 10 (dez), de 12 (doze), de 23 (vinte e três) e de 26 (vinte e seis) anos, coincidentes com as repetições das secas observadas do século XVI para cá. Em 1945, Adalberto Serra apresentou um estudo sobre a Meteorologia do Nordeste, informando que existe uma correlação entre o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical e as secas nordestinas. Como sabemos a Zona de Convergência Intertropical - ITCZ / ZCIT-, é um aglomerado de nuvens, com escala de poucas centenas de quilômetros, que estão associadas a uma zona alongada de baixa pressão, representada pelo encontro dos ventos alísios NE e SE, localizando-se entre as duas altas subtropicais dos hemisférios Norte e Sul, respectivamente. Devido a sua estrutura física, a Zona de Convergência Intertropical tem se mostrado decisiva na caracterização das condições do tempo e do clima na Região Tropical, influenciando nas precipitações dos continentes americano, africano e asiático. De conformidade com Adalberto Serra, quando a Zona de Convergência Intertropical se desloca frontalmente para o sul do Brasil e para o Golfo do México, as chuvas serão mais copiosas. De outra parte, na falta da Zona de Convergência Intertropical, o Nordeste brasileiro é dominado pelo chamado Anticiclone vindo do Atlântico Sul e os ventos alísios sopram na direção Sudeste ou Este. Neste caso, a Zona de Convergência Intertropical é afastada para o Equador. Em seguida, o mesmo SERRA (1946) concebeu um método e previsão de seca, tomando por base a correlação estatística entre as tendências de distribuição da temperatura e da pressão atmosférica, em distintos pontos do globo terrestre. Em 1967, o pesquisador americano Charles Markhan a partir dos estudos de Sampaio Ferraz e de Adalberto Serra estabeleceu um método de previsão de secas do Nordeste, correlacionando as chuvas caídas em Fortaleza-CE no mês de dezembro, com as possíveis alterações menores da radiação solar. Segundo esse estudo, caso a chuva em Fortaleza em dezembro seja menor que 10 milímetros, haverá 20 % de probabilidade 10 12 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 da precipitação do ano seguinte na Região ser inferior a 800 milímetros, o que significa uma seca parcial. Caso a chuva de Fortaleza no mês de dezembro seja superior a 30 milímetros, a probabilidade da precipitação do Nordeste no ano seguinte ser inferior a 800 milímetros é de 2 %. Em 1971, a SUDENE – Superintendência e Desenvolvimento do Nordeste firmou um convenio com o CTA - Centro Técnico Aeroespacial localizado em São José dos Campos - SP, voltado para a previsão das secas. Nesse sentido, no final de 1978, os técnicos do CTA Luis Teixeira e Carlos Giraldi, utilizando dados estatísticos das chuvas do período de 130 anos da cidade de Fortaleza e de 45 anos das cidades de Caicó - RN, Currais Novos - RN, Crato- CE, Iguatú - CE, Limoeiro do Norte - CE, Quixeramobim - CE e Ouricuri - PE, elaboraram um trabalho sobre o prognostico do tempo a longo prazo no Nordeste, concluindo que, a cada 26 anos ocorria uma longa estiagem na Região. A partir de 1974, o CNPq por meio do INPE - Instituto de Pesquisas Espaciais se engajou nas pesquisas de previsão de secas. Ultimamente, diversos estudiosos relacionam as secas nordestinas com o fenômeno “ El Niño” que é conhecido há mais de 200 anos e diz respeito ao aquecimento anormal das águas do Oceano Pacifico ao longo da região do Equador. Os cientistas observaram que, os ventos alísios que sopram sobre o Pacifico se tornam mais fracos quando a temperatura da água aumenta. Embora se localize no Oceano Pacifico, as conseqüências do “ El Niño” se espalham por todo o mundo. No Brasil é responsável pelas secas do Nordeste, pelas enchentes no Sul e pelo calor no Sudeste. Geralmente ocorre em intervalos que variam de 3 a 7 anos. Vale destacar que, estudiosos como o Professor Caio Lócio consideram, também, que a temperatura das águas do Oceano Atlântico e outros eventos contribuem para o surgimento das secas nordestinas. CARNEIRO (2000) publicou um trabalho sobre as secas no Estado da Paraíba. Diante do exposto, entendemos que se faz necessário programar estudos referentes às oscilações das manchas solares, das temperaturas do Oceano Atlântico e de outros fenômenos, que ao lado do “El Niño” tem considerável influencia na ocorrência das secas no Nordeste brasileiro. 11 13 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Bibliografia BELTRÃO, Maria da Conceição Coutinho. O Arqueólogo e a Interpretação Pelaoclimática Rio de Janeiro, UFRJ, 1980. Trabalho apresentado no Encontro sobre Seca no Nordeste. Recife, UCR, 1980. CARNEIRO, Joaquim Osterne. As Secas na Paraíba. A Paraíba Nos 500 Anos Do Brasil - Volume I. A UNIÃO - Superintendência de Imprensa e Editora, 2000. CARVALHO, Otamar de. ect alii. Plano Integrado para o Combate Preventivo aos Efeitos das Secas no Nordeste. Brasília, Minter, 1975. DERBY, Orville Adalbert. As Secas e as Manchas Solares. Diário Oficial, de 8 e 9 de junho de 1878. As Manchas Solares as Secas. Revista Engenharia, Rio de Janeiro 1885. p.85. FERRAZ, J. de Sampaio. Causas Prováveis das Secas do Nordeste Brasileiro. Rio de Janeiro, Diretoria de Meteorologia, 1924 (Conferencia no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro em 20 de dezembro de 1924) 30 p. Eminência de uma Grande Seca Nordestina. Revista Brasileira de Geografia, 1953. GIRALDI, Carlos et TEIXEIRA, Luiz. Prognostico do Tempo a Longo Prazo. São José os Campos, CTA, 1978. 18 p. (Relatório técnico ECA -06-78) GUERRA. Felipe. Secas do Nordeste. Natal, Centro de Imprensa, 1951, p.30. HULL. Francis Reginald. A freqüência das Secas no Estado do Ceará e sua Relação com a Freqüência dos Anos de Manchas Solares Mínimas. Boletim da Secretaria de Agricultura e Obras Públicas. Fortaleza, (4): 58-63, jun. 1953. MARKHAM, Charles G. Climatological. Aspects of Drought in Northeastern Brazil. Fresno, Fresno College, 1967 (Tese de doutorado) mimeografada. SERRA, Adalberto. Meteorologia do Nordeste Brasileiro. Rio de Janeiro, IBGE/CNG, 1945 (Tese preparada para a 4ª Assembléia Geral do Instituto Pan-Americano de Geografia e Historia) As Secas do Nordeste. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura/Serviço de Meteorologia, 1946. 12 14 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 AS AVENTURAS RUSSA, HOLANDESA, NORDESTINA E CHILENA DE ELIAS HERCKMANS, GOVERNADOR DA PARAÍBA DE 1636 A 1639 EVANDRO DA NÓBREGA*, escritor, jornalista, editor [[email protected]] O terceiro governante holandês da Capitania da Paraíba foi o escritor, poeta, dramaturgo, marujo, navegante, aventureiro e comandante militar Elias Herckmans (1596-1644), ainda hoje estudado também na Rússia, na Holanda e noutras partes do Mundo. Mas o interesse em torno dele não se deve somente a suas peças teatrais, seus poemas, suas canções, sua Descrição Geral da Capitania da Paraíba, sua viagem com Hendrik Brouwer ao Chile e demais realizações guerreiras, administrativas, etnográficas e intelectuais. Deve-se, também, ao fato de haver escrito, como testemunha ocular e confiável, um dos dois únicos documentos coevos sobre o chamado Tempo dos Distúrbios na Moscóvia de fins do século XVI e inícios do século XVII. Foi essa a “aventura russa” de Elias Herckmans. Por aqui, quase ninguém sabe: Elias Herckmans, holandês que governou a Paraíba de 1636 a 1639, teve uma “aventura russa” bem antes de vir para o Nordeste brasileiro. Foi testemunha ocular de muitas das sangrentas ocorrências que marcaram a transição entre as dinastias Rurik e Romanov. Esse negro período é conhecido na Rússia como Smútnoye Vryémya, “os Tempos dos Distúrbios”, de smuta = comoção, distúrbio, confusão, aflição. O conturbado período ocorreu logo depois da morte do czar Fiôdor I [Teodoro I], em 1598, e antes da assunção ao trono, em 1613, do czar da nova dinastia, Mikhail (Miguel) Romanov [pronuncia-se romanóff]. Herckmans chegou a assistir ao enforcamento do filho de sete anos, nascido do primeiro Falso Dmitry com uma polaca. Por esse tempo, o futuro governante neerlandoparaibano se achava em demorada visita à localidade portuária de Arkángelsk (Arcangel), porto marítimo do Mar Branco, no extremo noroeste do território russo. Representava ali a firma importadora-exportadora holandesa Vogelaer (na grafia moderna, Vogelaar = “Passarinheiro” ou “Caçador de Aves”). Em Holandês, Russo & Latim — De volta aos Países-Baixos, Herckmans tornarse-ia, em 1625, o segundo estrangeiro (e o segundo holandês, ao lado de Isaac ou Jsaak Massa) a escrever sobre esses violentos eventos: concluiu nesse ano alentado manuscrito sobre os Tempos de Aflições dos russos. O título do relatório é, numa das versões, Een historischen verhael van de voornaemste beroerten des Keijserrijcks van Russia, ontstaen door den Demetrium Ivanowijts, die den valschen Demetrius t’ onrecht genoemt wert. Beschreven door Elias Herckmans, anno Domini MDCXXV Amsterdam [= “Relato histórico das principais *Sócio efetivo do IHGP 13 15 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 comoções havidas no Principado da Rússia e originadas pelo príncipe Dmitry Ivánovitch, falsamente acusado de se fazer passar pelo tsárevitch; escrito por Elias Herckmans, em Amsterdam, 1625”]. Dois Títulos Bibliográficos Principais - O manuscrito dessa obra permaneceu num museu holandês, sem divulgação, surgindo depois (ou uma cópia dele) na Biblioteca Pública Imperial de São Petersburgo. Somente seria publicado, pelos russos, em holandês, no ano de 1868, fazendo-se traduções em russo e latim apenas em 1874. Dizendo de outra forma, esse relato de Herckmans (Een historischen verhael van de voornaemste beroerten des keyserrychs van Russia, ontstaen den Demetrium Ivanowyts, die den valschen Demetrius l'onrecht genoemt wert), publicado em Amsterdam em 1625, ganharia traduções para o latim e o russo em 1877, respectivamente sob os títulos de: a) Rerum Rossicarum Scriptores Exteri, a Collegio Archeographico editi, Tomus II, Isaaci Massae et Eliae Herkmanni, batavorum, narrationes [“Escritores Estrangeiros sobre a História Russa, editada pelo Colégio Arqueográfico, Tomo II, Relatos dos batavos Isaak Massa e Elias Herckmans”]; e b) “Istoritcheskoye povestvovaniye o vajneishikh smútakh v gosudarstvye Rússkom” [no livro Skazányia Massy i Gerkmana o Smútnom Vrêmeni v Róssiy, saído em São Petersburgo], como aqui se mostra nas fotos em anexo ao presente texto. Em Russo, Latim e Alemão - Uma das versões mais recentes é aquela que recebeu a denominação de “Istoritcheskoye povestvovaniye [...]", entre as páginas 211 e 262 do volume Króniki smútnovo vrêmeni, editado por A. Liberman, B. Morozov e S. Shokarev, em Moscou, para o Fundo Serghyêi Dubov, em 1998. Não é de admirar que Herckmans esteja sempre sendo citado por grande número de autores antigos e hodiernos, inclusive num dos trabalhos mais atuais de Marshall Poe, seu Foreign Descriptions of Muscovy: An Analytic Bibliography of Primary and Secondary Sources [segunda edição revisada, corrigida e aumentada, © 1995, 1999 e 2008, Slavica Publishers, Inc.]. Outra vetusta obra abordando esses relatos antigos sobre o Grão-Ducado de Muscóvia é Historien und Bericht von dem Großfürstenthumb Muschkow, de Petrus Petrejus de Erlesunda, saído pela editora Tipis Bavaricis, em 1620, encontrando-se um de seus raros exemplares na Biblioteca Nacional da Áustria. Ainda outro livro respeitável, novamente em latim, para não ficar apenas nestes, dentre muitos exemplos: Memorabilis et perinde stupenda de crudeli Moscovitarum expeditione narratio è Germanico in Latinum conuersa (qua oppidum Pleskj in Lituania situm invaserunt), saído pela editora Boscardus, em 1563. Cronologia dos Tempos de Aflição - Altamente recomendáveis, no contexto, são as obras da historiadora Maureen Perrie, professora emérita de História Russa na Universidade de Birmingham e que se volta para a publicação de trabalhos preocupados em nos explicitar em especial os séculos XVI a XX, a exemplo de Pretenders and Popular Monarchism in Early Modern Russia: The False Tsars of the Time of Troubles (1995) e The Cult of Ivan the Terrible in Stalin’s Russia (2001). Além do mais, ela 14 16 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 editou o imprescindível primeiro volume da Cambridge History of Russia (Volume I, from Early Rus' to 1689), a partir do qual os “Tempos de Aflição” podem ser assim datados: 1601–1603: grande fome na Rússia, antecedendo o início dos “Tempos das Aflições”, os quais se estenderiam até 1613; 1603: surge o primeiro Falso Dmitry, na Polônia, pretendendo o trono russo; a fome da população, aliando-se às ambições dos falsos pretendentes ao trono russo, compôs então uma situação altamente explosiva; 1604: no outono desse ano de 1604 e com todo um “exército”, o primeiro Falso Dmitry invade a Rússia; 1605: morte de Borís Godunov e assassinato de seu filho Fiôdor; o primeiro Falso Dmitry torna-se czar; 1606: derrubada e assassinato do primeiro Falso Dmitry; Vassíli Shuysky torna-se czar; e, entre 1606 e o ano seguinte, ocorre a revolta de Bolotnikov; 1607–1610: período do segundo Falso Dmitry, que desafia Shuysky; 1609: A Suécia intervém na Rússia para apoiar Shuysky; os poloneses cercam Smolensk; 1610: deposto o czar Shuysky, o trono russo é oferecido ao príncipe Wladylaw da Polônia; os poloneses ocupam Moscou e o segundo Falso Dmitry é assassinado; 1611: a primeira milícia nacional da Rússia tenta libertar Moscou; 1612: a segunda milícia nacional, liderada por Mínin e Pojarskiy, consegue finalmente libertar Moscou das mãos dos poloneses; 1613: Miguel Romanov é eleito czar, encerrando-se os Tempos das Aflições na Rússia. Ecos nos Tempos de Stálin... Maureen Perrie, professora emérita de História Russa na Universidade de Birmingham, publicou, entre outras obras de muito relevo, aquela de 1995 intitulada Pretenders and popular monarchism in early modern Russia: the false tsars of the Time of Troubles ["Pretendentes ao trono e monarquismo popular nos primórdios da Rússia moderna: os falsos czares do Tempo das Aflições] e The cult of Ivan the Terrible in Stalin's Russia ["O cuto de Ivan, o Terrível, na Rússia de Stálin], de 2001. No primeiro volume da Cambridge History of Russia [Volume I: From Early Rus' to 1689, ISBN 13 978-0-521-81227-6, 10 0-521-81227-5, Cambridge University Press, 2006, 824 páginas], todo o Capítulo 18, iniciando-se à página 409 e indo até a página 431, é de autoria de Perrie. E intitula-se justamente "The Time of Troubles (1603– 1613)". Numa observação da mais alta relevância histórica, lembra Perry que, "in the Soviet period, the term, ‘Time of Troubles’, was abandoned in favour of the concept of a ‘peasant war’, derived from Friedrich Engels’s study of the events in Germany in 1525.2 I. I. Smirnov’s [N. do R.: um historiador russo] account of the Bolotnikov revolt of 1606 identified that episode alone as the ‘first peasant war’ in Russia, but after Stalin’s death some Soviet historians argued that the entire sequence of events from 1603 (the Khlopko uprising) to 1614 (the defeat of Zarutskii’s movement) constituted a 15 17 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 ‘peasant war’. Towards the end of the Soviet era, Russian historians rejected the notion of a ‘peasant war’ and either reverted to the use of the older term, ‘Time of Troubles’, or introduced the idea of a ‘civil war’. Western historians were never persuaded by the ‘peasant war’ concept for this period, preferring to retain the term, ‘Time of Troubles’. Chester Dunning’s adoption of ‘civil war’ terminology, like that of the Russian historians R. G. Skrynnikov and A. L. Stanislavskii, involves a conscious rejection of ‘class struggle’ approaches to the period, and stresses vertical rather than horizontal divisions in Russian society. The ‘civil war’ approach also plays down the significance of foreign intervention – which was heavily stressed both in Stalin-era Soviet historiography and in some pre-revolutionary accounts – and finds the origins of the Troubles primarily in internal Russian problems." Pedro II na Rússia — Interessante notar que, dois anos depois daquela tradução russo-latina da obra de Herckmans, o imperador brasileiro Dom Pedro II visitaria a mesma cidade, ainda então com seu nome eslavo de Sankt-Petersburg e até 1918 a capital do poderoso Império Russo. A recepção a Dom Pedro deu-se em agosto de 1876, quando foi repetidamente homenageado nas célebres Academia de Ciências e Universidade locais, num périplo de visitas, conferências e debates em que demonstrou aos sábios russos profunda erudição, temperada por sua proverbial modéstia. De 1874 para cá, surgiram na Rússia e noutras partes do Planeta, em várias línguas, sucessivas edições, versões e obras baseadas nos dois relatos distintos de Herckmans e de Massa. Os próprios acadêmicos russos sempre consideraram o relato de Herckmans mais bem escrito e confiável — mesmo porque Jsaak Massa, ele próprio, se declara simples comerciante sem estudo. Ademais, seu método (ou falta de método) em grafar as palavras neerlandesas é de molde a enlouquecer até filólogos os mais pacientes. Enfim, a grafia de Massa tornou ainda mais confusa a já complicadíssima ortografia neerlandesa do século XVII. Humanista Culto — Herckmans, bem ao contrário, era um humanista culto e cosmopolita. Ao concluir o manuscrito holandês sobre os Tempos das Confusões na Moscóvia, ele já lançara, desde o ano anterior, uma peça teatral de relativo valor literário, Slach van Vlaenderen [Batalha de Flandres], em que, por meio de alegorias clássicas, louva a vitória dos holandeses no cerco de Nieuwpoort. Já o minucioso documento que Herckmans deixou sobre os Tempos de Turbulências no Principado da Moscóvia torná-lo-ia crescentemente mais célebre, não apenas na Rússia, mas na Europa e noutros países, como Inglaterra, França e Estados Unidos. Só que Herckmans é conhecido dos russos e dos eslavos em geral como Gerkman [pronuncia-se ghérkmann, com o G de gato, não de gelo] ou Ilyá Ghérkman. 16 18 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Tempo de Aflições — Para situar o leitor a respeito do Relato Histórico que Herckmans deixou sobre uma das fases mais tempestuosas da História russa, resumo aqui o que foram esses Tempos das Turbulências (ou das Aflições, das Crises, das Agitações, da Anarquia, da Baderna, das Incertezas, das Rebeliões, dos Problemas etc), como têm sido chamados. Em 1584, faleceu o penúltimo dos czares ruríquidas, Ivan IV Vasilyevitch (o equivalente a João IV, filho de Basílio). Era ele o poderoso Ivan, o Terrível, devendo-se entender “terrível” aí como “o formidável”, o “formidando”, “o que inspira medo aos inimigos”, não sendo o Diabo, portanto, tão ruim quanto o pintam... Ivan IV era querido do povo, por defendê-lo contra os boiardos e voivodas. E, ao que se diz, morreu por lento envenenamento. Um de seus filhos, o tsárevitch (o mesmo que czárevitch) Dmitry Vassílyevitch — ou seja, Demétrio dos Basílio ou filho de um Basílio — morreu em 1591, em circunstâncias estranhas. O segundo filho, Fiôdor I (Teodoro I), assumiu o trono do pai, mas também passou desta para melhor em 1598 — sem deixar descendentes. Arranjou-se então um tzar-tampão, o meio-tártaro Borís Godunov, cunhado de Fiôdor e que todos conhecemos pelo drama de Púshkin e pela ópera de Mussórgsky. Apesar de ser homem de ideias avançadas, Godunov deu azar como imperador russo: invernos rigorosíssimos, más colheitas, fome e mortes em massa provocaram violentos conflitos e rebeliões, inclusive de cossacos e camponeses. Os boiardos (grandes fazendeiros) e os voivodas (outros poderosos senhores russos) não gostavam de Godunov e lhe moveram guerra. Vendo na confusão oportunidade de abocanhar partes do território russo, primeiro os poloneses e lituanos e, depois, os suecos, invadiram os domínios do reino/grão-ducado/principado da Moscóvia. As coisas se complicaram quando, na Polônia, apareceu um sujeito dizendo ser nada menos que o príncipe, o próprio tsárevitch Dmitry Vasílyevitch — isto é, o filho (tido como morto) do falecido tzar Ivan IV. Dois Falsos Dmitrys — Em sua marcha contra Moscou, este primeiro Falso Dmitry foi arrebanhando temível exército. E os boiardos o apoiaram, querendo a todo custo derrubar Borís Godunov. Este morreu também misteriosamente, em 1605, e seu filho, Fiôdor II, que em tese seria seu sucessor, viu-se linchado pela multidão, tendo o “alegado” ou “pretenso Dmitry” (como dizem historiadores russos) assumido o trono sob aclamação. Em seu curto período, Dmitry até que não governou mal. Mas contra ele se juntaram novamente os boiardos/voivodas e o fato de se haver casado, preterindo as russas, com uma estrangeira — a polonesa Marina Mniszek, católica e não ortodoxa. As violências chegaram a um ápice: russos irados destronaram Dmitry, mataram-no e, colocando seu cadáver na boca de um canhão, dispararam-no na direção da Polônia (mandaram-no de volta, enfim). Foram brutalmente massacrados também os seguidores dmitrystas. 17 19 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 As coisas não serenaram por aí. Em meio à permanente confusão, surgiram outros espúrios pretendentes a tzar, inclusive um segundo Falso Dmitry — que, por incrível que pareça, foi “reconhecido” pela polonesa Marina como o primeiro Dmitry, que, para ela, não morrera coisa nenhuma (apesar daquela cena do canhão). Entre 1606 e 1610, um príncipe ruríquida, Vasíly Shuysky, tornou-se tzar à força, mas acabou derrubado, em Moscou, pela zemlyá sóbor, uma espécie de assembleia eleita por voto indireto. Foi a vez de uma guarnição militar assumir o poder, de 1610 a 1612, sem no entanto conseguir manter a ordem. Enforcando Crianças — A salvação do país, porém, não partiu dos militares, mas da Igreja Ortodoxa Russa. Esta, dispondo de mosteiros fortificados, pôde organizar a resistência, conclamando os russos à unificação. Teve a ajuda de um marchante com senso de liderança, Kozma (Cosme) Mínin, que reuniu grande exército popular, a partir de Níjni-Novgórod, entregando-o ao príncipe Dmitry Pojarsky. Pôde-se finalmente expulsar os invasores, pacificar internamente os espíritos e eleger um novo tzar, Mikhail I Romanov (Miguel I), de 16 anos e filho do patriarca da Igreja Ortodoxa, o boiardo e depois metropolita Fyôdor Nikititch Romanov (1553-1633), que, como chefe religioso, adotou o nome de Filaryet e ficou mandando até a maioridade de Mikhail. Quase tudo isto pode ser lido nos textos holandeses, russos e latinos do Relato Histórico escrito por Herckmans. Ele conta também inúmeras barbaridades que testemunhou, dentre as quais o enforcamento, por ordem do novo tzar, do filho de sete anos do primeiro Falso Dmitry com Marina. Era preciso executar o menino publicamente, para que não mais surgissem falsos pretendentes ao trono. Enquanto se via conduzido à forca, pelas ruas, sob o vento e a neve, a inocente criança perguntava repetidamente: “Para onde me levam?” Por ter o rapazinho pouco peso, não funcionou direito o laço da forca — e os carrascos tiveram que terminar o trabalho noutra parte do patíbulo. Penalizado, Herckmans cita Eurípedes, Hesíodo e outros clássicos, acrescentando que ninguém sabia se a mãe do pequeno fora estrangulada em seu quarto ou se morrera de dor ante a sorte do filho. Falso ou Verdadeiro? — Herckmans acreditava que o primeiro Falso Dmitry não era falso — seria o verdadeiro tsárevitch Dmitry que de alguma forma milagrosa escapara à morte e se escondera por uns tempos na Polônia. Isto porque essa indagação (era ou não um impostor?) se impunha, antigamente. Hoje em dia, prevalece a lição de grandes historiadores russos, como Platonov, Kostomarov e outros: “Quem teria sido o primeiro Dmitry já foi importante pergunta na História russa, mas, hoje, não mais. Quer tenha sido o verdadeiro tsárevitch, quer tenha sido o monge Gregor Otrepyev ou um terceiro pretendente, convencido pelos boiardos e voivodas a se acreditar o autêntico filho do tzar falecido, não se pode desconhecer que ele teve amplo apoio popular. O que se deve perguntar é: quem colocou o Falso Dmitry no poder?” 18 20 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Com Espírito de Aventura - O Dr. Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, que vem realizando excelente trabalho de revisão crítica do período holandês na Paraíba, anota que Herckmans nascera em Amsterdam por volta de 1596, tendo falecido em Recife a 8 de janeiro de 1644 e sendo enterrado no cemitério da igreja do Corpo Santo. Chegara a Pernambuco, provindo da República neerlandesa [também “República das Letras”], em 23 de dezembro de 1635, como membro do Conselho Político. “Homem dotado do espírito da aventura, porém justo e detentor de boa cultura”, o escritor e poeta Herckmans falava português, tendo-se interessado pela língua tupi e pelos costumes dos tapuias [como se interessou, no Chile, pela língua dos indígenas mapuches]. “De acordo com Joannes de Laet, ele estava no governo da Capitania de Itamaracá a partir de 7 de outubro de 1636”. Tendo sido bom administrador em Itamaracá, veio depois prestar seus serviços na Capitania da Paraíba. Barlaeus & Herckmans — Como me surgiu a ideia de escrever um livro sobre a “aventura russa” de Herckmans, algo totalmente desconhecido por aqui? De início, não havia esta intenção, a de elaborar um volume específico sobre isto. Ocorre que estava eu pesquisando para escrever outro livro, O poeta do Brasil holandês (sobre Barlaeus e quase já concluído), e meu raciocínio era sempre interrompido pela lembrança daquelas três linhas da bibliografia holandesa de Honório Rodrigues: “Trabalhando numa firma que negociava com Arcangel”, Herckmans “escreveu uma descrição histórica sobre a Moscóvia”, bem depois publicada “em edição latina e russa”. Honório soube disto ao estudar a bibliografia holandesa em inglês, nos EUA. Como não sou totalmente analfa em russo, nem em latim, nem mesmo em holandês do século XVII, comecei a ler, nas poucas horas vagas, diversos livros (em russo, holandês, latim, inglês, francês, alemão e espanhol etc) que tratam dessa contribuição de Herckmans à História da Rússia. Os paraibanos não imaginam como Herckmans é internacionalmente cotado! Decidi então sustar por uns meses a pesquisa em torno de Barlaeus — e com o mesmo entusiasmo me agarrei a Herckmans. É assim que, num futuro não mui remoto (como espero), irá aparecer também estoutro livro, Um Governador da Paraíba na Primeira Guerra Civil da Rússia, quase como um subproduto do trabalho O poeta do Brasil holandês. Livros sobre Herckmans — Em meus alfarrábios, disponho, entre outros, do volume 11, de 1893, da jamais suficientemente elogiada publicação holandesa OudHolland. Esse número enfeixa, entre as páginas 162 e 178, a primeira biografia de Herckmans, elaborada pelo estudioso neerlandês Jacob Adolf Worp. O pernambucano Alfredo de Carvalho, que tantas traduções importante fez do holandês, verteu também para nossa língua o trabalho do Dr. Worp, com observações suas, na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco. Este trabalho foi ainda depois reproduzido num livro póstumo de Carvalho, Aventuras e aventureiros do Brasil. Adicionais ensaios sobre Herckmans foram surgindo, no Brasil, na Holanda e noutros países. Por exemplo: um resumo dessa biografia de Herckmans feita por Worp foi publicada por P. C. Molhuysen e P. J. Blok no terceiro volume de seu Nieuw 19 21 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Nederlandsch Biografisch Woordenboek, de que também disponho entre minhas coleções. Mas há inúmeros outros livros que citam Herckmans. E, mais recentemente, também saiu nova biografia sua, na área da UFPB. Outras Obras de Herckmans — Outras obras deixadas por Herckmans e de que pouco se fala, entre nós, são aqui apresentadas com seus títulos reduzidos à expressão mínima (sabendo-se que os livros dessa e de outras épocas exibiam títulos quilométricos): 1624 = o drama Slach van Vlaenderen [Batalha de Flandres]; 1625 = Historische Verhael [Relato Histórico]; 1627 = a tragédia Tire ondergank [algo como A perdição de Tiro]; 1634 = Der Zee-vaert lof [O elogio da navegação]; 1635 = Encomium calvitii, ofte Lof der Kael-koppen [O elogio da calvície] et alia. O Elogio da navegação de Herckmans é obra interessantíssima, não só por constituir uma História da arte de navegar em versos. Faz um apanhado das aventuras do Homem no mar desde os tempos da... Arca de Noé, até as conquistas marítimas dos holandeses, passando, naturalmente, pelos portugueses, espanhóis, ingleses e outros povos. Ainda hoje pode ser lida com prazer, por sua originalidade e riqueza criativa. No próprio volume, Herckmans é elogiado, em versos, tanto por Barlaeus — com o poema “In artis nauticae encomium, scriptum à doctissimo ac ingeniosissimo viro Elia Herckmans” [= Encômio sobre a Arte Náutica, escrita pelo doutíssimo e engenhosíssimo cidadão Elias Herckmans] — como por Jacobus Revius e M. Z. Boxhorn, entre outros. DEPOIS DE GOVERNAR A PARAÍBA, HERCKMANS VIVE NOVA AVENTURA, DESSA VEZ NO CHILE Humanista culto, de espírito investigativo e aventureiro, gozando de certa nomeada, à época, como poeta/dramaturgo, Herckmans veio da Holanda para Recife em fins de 1935, integrando o Alto Conselho Político da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais. Como terceiro governador da Capitania paraibana, substituiu, a partir de fins de 1636, o destemperado diretor Ippo Eysens, morto em emboscada na Várzea paraibana pelo grupo de Rebelinho, em outubro desse ano. Ex-dirigente da Capitania de Itamaracá, Herckmans responsabilizou-se também pelo governo do Rio Grande do Norte. Embora fosse na Holanda um dos escritores que compunham suas obras em vernáculo, à diferença de Barlaeus e outros, que preferiam o latim, Herckmans demonstrava facilidade em aprender línguas. Provas disto: a) chegou a comunicar-se bem, em português, no Brasil; b) deixou glossários em línguas indígenas do Nordeste e dos mapuches ou araucanos do Chile; e c) nas imediações da ilha de Chiloé e das ruínas de Valdívia, pôde até entender os palavrões que, em castelhano, os inimigos espanhóis dirigiam a seus soldados... 20 22 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Foi, Sim, o Terceiro — Não pairam mais dúvidas sobre se Herckmans foi o segundo (como muitos achavam) ou o terceiro governador holandês da Paraíba. Foi o terceiro — e isto ficou estabelecido em definitivo por um dos maiores especialistas em História Colonial do Brasil, o médico, historiador e acadêmico Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins. Quando Guilherme lançou um novo livro seu, Governantes da Paraíba, defendi sua inclusão na Coleção Paraibana ante o Conselho Estadual de Cultura. Isso porque se trata de obra a dirimir de vez por todas a confusão que se veio formando, através dos séculos, em torno da definição da lista dos governadores (capitães-mores et alii) da Paraíba, no período colonial — vale dizer, entre meados da década de 1580 e a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808. Herckmans foi, sim, o terceiro governador neerlandês da Capitania paraibana, de uma lista de uns dez — rol que inclui, entre outros, o Dr. Servaes Carpentier; Ippo Eysens [aquele assassinado pelo capitão Rabellinho e sua gente]; o próprio Elias Herckmans [de antes de 26 de novembro de 1636 até antes de 1º. de julho de 1639]; o Dr. Sebastiaen van Hoogeveen [nomeado diretor da Capitania da Paraíba na primeira semana de dezembro de 1638, mas que não chegou a tomar posse, por haver falecido a 27 de fevereiro de 1639]; o Dr. Daniel Alberti; Paulus de Linge [governador por duas vezes, aproximadamente de fins de 1640 até meados de 1642 e, depois, de junho de 1645 até fins de 1646]; o Dr. Gijsbert de With; o tenente-coronel Jacob Stachhouwer; e o coronel Guillaume de Houtain. Herckmans entre os Grandes — Herckmans, em grau menor, mas sempre integrando aquela plêiade de espíritos de escol constituída por João Maurício de Nassau-Siegen, Barlaeus, Piso, Marcgrave, Post, Eckout e muitos outros, continua e continuará a ser estudado pelos tempos afora, vez que sempre haverá interesse por novos aspectos e novéis ângulos de visão sobre o autêntico fenômeno que foi a Nova Holanda na Terra Brasilis. Muitíssimos bons historiadores, seja entre nós, seja no Exterior, já se debruçaram sobre o inesgotável material relativo à presença dos holandeses no Brasil. Fiz questão de citá-los devidamente, a todos, quando redigia o livro sobre Herckmans — aquele egresso de Amsterdam que se imortalizou não apenas por sua Descrição geral da Capitania da Paraíba, mas, também, por muitos outros feitos de monta, nos diferentes campos alcançados por sua versatilidade, bem característica do Zeitgeist que presidia o Gouden Eeuw, o Século de Ouro dos Países-Baixos. Homenagem aos Maiores — Escrevendo sobre Herckmans, sobre Barlaeus e sobre outros holandeses de gênio que enriqueceram a Cultura brasileira e universal (sem jamais pretendermos “redescobrir a roda” em temas tão exaustivamente investigados na Holanda e em várias partes do Globo), não podemos esquecer o nome dos espíritos de escol que deixaram ou continuam deixando sua rica contribuição a esses estudos. É o caso de especialistas do naipe de Varnhagen, van den Branden, Geysbeek, K. ter Laan, Laet, Wätjen, Capistrano, o Barão de Studart, Francisco Lisboa, Gonsalves de Mello, van den Boogaart, Wiznitzer, Morisot, Baro, Moreau, Nieuhof, Netscher, Blonk, Hélio Viana, Alfredo de Carvalho, Câmara Cascudo, Irineu Pinto, Coriolano de 21 23 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Medeiros, Honório Rodrigues, Leite Cordeiro, Pereira da Costa, Paulo Herkenhoff, Francisco Moonen, Costa Porto, Gino Doria, Pérez Oramas, Pedro e Beatriz Corrêa do Lago, Leonardo Dantas, Max Justo, Mota Menezes, Joaquim Cardozo, Ronald Raminelli, Cândido Mendes, Souza Leão Filho, Lima Sobrinho, Ulysses Pernambucano, Nachman Falbel, David Freedberg, Amaral Júnior, Cleonir de Albuquerque, Cláudio Moreira Bento, van Basselaar, Bouman, Boxer, Teodoro Sampaio, Olavo de Medeiros Filho e, last, not least, o grande Evaldo Cabral de Mello. Em meus despretensiosos livros sobre Herckmans & Barlaeus, quase prontos para irem ao prelo, agradeço a uma lista de pessoas e instituições da Paraíba, do Brasil e de outros países que me ajudaram a dar conta da pesada tarefa. Mas, desde já, sublinho aqui agradecimentos especiais a dois historiadores: Guilherme d’Avila Lins, que, entre outras generosidades, me emprestou magnífica edição da principal obra de Barlaeus [Rerum per octennium in Brasilia]; e b) José Octávio de Arruda Mello, que me pôs à disposição o já citado volume com a Historiografia & bibliografia de Honório Rodrigues sobre o domínio holandês no Nordeste brasileiro. Herckmans Sertanista — Outro manuscrito, de autoria do já então ex-governador paraibano Herckmans, demonstra novamente que ele não era “homem de ficar parado”. Provavelmente para realçar sua dedicação à República neerlandesa, chefiou por dois meses, em 1641, a partir do Recife, a expedição através da Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí, na fracassada busca de metais preciosos. O relato dessa aventura chegaria às mãos de Barlaeus, certamente enviado, já de Haia, por Nassau, tendo como intermediário o poeta Franciscus Plante (1613-1690), capelão de Maurício e autor, em 1647, da obra Mauritias [Mauricíada, em louvor do conde]. Significativamente, essa obra de Plante saiu em Amsterdam, e não em Haia, onde residia João Maurício. Foi publicada no mesmo ano em que saíra a lume a magnífica História do Brasil Holandês [Rerum per Octennium in Brasilia] produzida por Barlaeus a pedido do conde (depois príncipe). Prova de que os dois trabalhos se relacion(av)am é que muitas das ilustrações de uma constam da outra. Plante faria também, em 1648, a oração fúnebre e o epitáfio de Barlaeus e publicados em Rotterdam sob o título de In obitum viri clarissimi Casparis Barlaei, Professoris in Illustri Amstelodamensium Gymnasio celeberrimi Poëtarum hujus seculi principis, Epicedium Francisci Plante, Rotterdami, Typis Joannis Naerani, Anno Domini 1648. Melhores Fontes — Aliás, a obra encomendada a Barlaeus pelo ex-administrador do Nordeste holandês, João Maurício, integrava a estratégia deste para obter da Casa da Orange sua indicação como supervisor (general) das operações militares na própria Holanda. Em sua Rerum per octennium in Brasilia, Barlaeus transcreveu integralmente esse documento herckmaniano, sobre a malograda incursão em busca de riquezas no interior da Paraíba e de outras Capitanias. O livro de Barlaeus e a Generale beschrijvinge de Herckmans são as melhores fontes holandesas para o entendimento da Paraíba desses recuados tempos. 22 24 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Ainda não me convenci de que, nos contatos com Barlaeus, não se tenha valido Nassau, além de Plante, dos bons préstimos de seu secretário pessoal, o judeu-lisboetaholandês Gaspar Dias Ferreira, escabino em Olinda, vicaris-generaal na Paraíba e que o acompanhara no regresso de Pernambuco à Holanda — com direito a um bivaque na Paraíba. Aventura Chilena — No governo paraibano, Herckmans deveria ser sucedido por Sebastiaen van Hoogeveen, realmente nomeado para o cargo. Mas Sebastiaen adoeceu e não pôde assumir, falecendo em inícios de 1639. O substituto de Herckmans, assim, foi Daniel Alberti. Depois de governar Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte, além de realizar a “entrada” aos sertões, Herckmans acompanharia o famoso navegador patrício Hendrik Brouwer (1581-1643) em nova aventura: a tentativa, entre 1642 e 1643, de tomar da Espanha a região próxima a Valdívia (Chile), apossando-se primeiro da ilha de Chiloé. Sobre isto, dispomos de alentados textos, em vários idiomas. São relatos inicialmente escritos em holandês do século XVII e depois traduzidos sucessivamente para o inglês (em que chega a ser citado como Herkeman, Gerkman e até Anquermans!), para o espanhol e outros idiomas. Tais textos, referentes à tentativa holandesa de apoderar-se dos redutos hispânicos no sul do Pacífico americano (era preciso atacar o inimigo espanhol onde quer que acumulasse riquezas!), foram transcritos em inúmeras obras, que tivemos a felicidade de compulsar, uma a uma, em suas línguas originais. Cadáver Incendiado — A esquadra de Brouwer/Herckmans partira de Recife e Nassau ajudara a aprestá-la. Brouwer já era então bem conhecido explorador, almirante e administrador colonial na área de atuação da Companhia (também holandesa) das Índias Orientais. Para a aventura chilena, uniu-se esta à Companhia das Índias Ocidentais. Depois de muito pelejar em águas e terras do Chile, com seus comandados, Brouwer faleceu a 7 de agosto de 1643. E quem o substituiu nesse empreendimento guerreiro foi o próprio kapitein Herckmans, seu imediato ou vice-almirante, que passou ipso facto a general, a almirante. Por várias razões, a viagem chilena fracassou, do ponto de vista militar da Companhia holandesa. Mas representou, como depois se viu, notáveis ganhos para o Conhecimento, notadamente na Geografia, Cartografia e Etnografia. E a incursão de Brouwer/Herckmans obrigou os espanhóis a gastarem muito dinheiro na fortificação de seus redutos chilenos. Ao regressar a Pernambuco, em inícios de 1644, Herckmans foi responsabilizado pelo fracasso no Chile. E, ao que se diz, sua morte, naquele ano, livrou-o de um conselho de guerra. Sepultado em Recife, seus restos mortais tiveram melhor sorte que os de Brouwer — cujo cadáver foi retirado do túmulo, nas proximidades de Valdívia, pelos irados espanhóis, e queimado até que dos ossos restassem apenas cinzas. E, para Vocês verem como se pode fazer História fajuta, há um livro em espanhol que diz: Herckmans e seus comandados foram... decapitados na Inglaterra! REMBRANDT, MAIOR PINTOR HOLANDÊS, ILUSTROU UMA OBRA DE HERCKMANS 23 25 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Se Herckmans não tivesse se notabilizado por sua Descrição geral da Capitania da Paraíba, por outras realizações intelectuais e por suas aventuras em Moscóvia, no Nordeste brasileiro e nas costas chilenas, nem assim deixaria jamais de ser frequentemente citado em obras já surgidas e a surgirem ao redor do Mundo. Isto porque não só consta de praticamente todos os dicionários biográficos holandeses, como teve a sorte de seu Elogio da navegação haver sido um dos poucos livros, na História, a contar com uma ilustração de ninguém menos que Rembrandt. De fato, o grande Rembrandt ilustrou apenas seis livros. Mas Der Zee-vaert lof exibe à página 97 bela gravura in folio assinada pelo artista nascido em Leiden e datada de 1633. Os exemplares remanescentes dessa raridade bibliográfica são de há muito disputados a peso de ouro por antiquários, justamente por causa da presença do rembrantesco desenho, intitulado “A nave da fortuna”. Apenas uma das 18 gravuras é de Rembrandt; as demais são de outro artista, não tão célebre, Willem Basse. E há esta ironia na História: apesar de contar com um livro ilustrado por Rembrandt, Herckmans nunca teve um retrato pintado, ou por Rembrandt ou por qualquer outro artista, ao que se saiba (não se conhecem retratos seus); em contrapartida, abundam retratos de Barlaeus — bem mais conhecido, mas que nunca teve qualquer de seus numerosos livros ilustrado por Rembrandt... Manassés ben Israel — A pergunta sempre foi: como Herckmans convenceu o grande Rembrandt a ilustrar seu livro? Minhas modestas pesquisas apontam numa direção (e me mostrem o erro os que mais souberem): Herckmans, como Rembrandt, era muito amigo do notável rabino, escritor, impressor, editor e diplomata luso-judeu Manasheh ben Yossef ben Yisrael — isto é, Manoel Dias Soeiro, vale dizer Manassés ben Israel (1604–1657), que instalou a primeira tipografia hebraica em Amsterdam. De família expulsa de Portugal pela Inquisição, ben Israel era também amicíssimo de Barlaeus e de outros expoentes da época, como Vossius, Grotius, Vondel e Huygens. Manassés chegou a ser cogitado para rabino da Kahal Zur Israel [= Congregação Rochedo de Israel], a primeira sinagoga das Américas, sediada em Recife, cidade que visitou no período nassoviano. Aí certamente entendeu-se com o já citado judeu lisboeta Gaspar Dias Ferreira. Este, secretário de Nassau (a quem chamava “meu senhor, amparo e protetor”), viera pobre de Portugal e chegou a ser muito influente, como uma espécie de conselheiro do conde. Foi vicaris-generaal na Paraíba, escabino em Olinda/Recife e dono de engenhos no Nordeste holandês. E não se pode esquecer: Rembrandt ilustrou um dos livros de ben Israel com quatro estampas ou águas-fortes. 24 26 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Trinta Mil Dólares — No longo poema marítimo de Herckmans, a viagem de Colombo é descrita em detalhes. É nas partes IV e V que Herckmans apresenta os feitos dos holandeses nas Índias Orientais e Ocidentais, inclusive no Brasil. A obra haver saído em “seis tomos” não significa que preencha mais de um volume: trata-se de um livro só, em seis partes, com 184 páginas e notas históricas. Se Você realmente quer ter um exemplar dessa obra de Herckmans em sua estante, deve verificar se lhe sobram uns US$ 30 mil e adquiri-la via Internet, no Antiquariaat het Bisschopshof... Deve estar, como se diz, “dentro do preço de mercado”. Basta dizer que, em 1999, a famosa casa de leilões Christie’s, de Londres, que só apregoa autênticas raridades, colocou à venda precioso lote, encabeçado justamente por um exemplar de Der Zee-vaert Lof. Referindo-se à inclusão da gravura de Rembrandt, Borba de Moraes reconhece que ela valorizou em muito o livro-poema de Herckmans, além de se tratar de obra raríssima. Exemplares remanescentes podem ser encontrados no Rijkmuseum de Amsterdam, no Brasil e em bibliotecas de raridades da Europa e dos EUA. Numa publicação preliminar deste material, incluímos cinco ilustrações que, por sua própria natureza, não mereceram simples legendas, mas necessitaram de textos-legendas para serem perfeitamente compreendidas em seu valor intríseco. Á guisa de observação complementar, apresentamos, a seguir, esses textos-legendas completos: LEGENDA DA FOTO 1 ELIAS HERCKMANS (ILYÁ GHERKMAN, EM RUSSO) — Esta é a capa da obra Khroniki Smútnogo Vryemeni [= “Crônicas dos Tempos dos Distúrbios”], um dos vários livros russos que, escritos nos séculos XIX, XX e XXI, analisam o Relato Histórico de Ilyá Gherkman (“nosso” Elias Herckmans) sobre os Smútnoye Vryêmya ou Tempo das Conflagrações na Rússia da sangrenta transição entre as dinastias dos Rurik e dos Romanov. LEGENDA DA FOTO 2 O RELATO HISTÓRICO DE HERCKMANS EM HOLANDÊS DE INÍCIOS DO SÉCULO XVII — Esta é a primeira página do importante documento legado por Herckmans à Historiografia mundial. Foi escrito em neerlandês de começos do século XVII e se intitula Historisch verhael van de voornaemste beroerten des Keyserrycks van Moscovien, ontstaen door den Tsareewyts Knaes Demetrius Ivanowyts, die men seyde hem valschelick uytegegeven te hebben voor den Tsareewyts ofte Keyserssoon des Heeren Ivani Vaciliwytsi [= Relato histórico dos distúrbios provocados no Principado de Moscóvia em virtude da ação do príncipe Dmitry Ivanovitch, falsamente acusado de fazer-se passar pelo filho do tzar Ivan Vasilievitch]. LEGENDA DA FOTO 3 EM RUSSO & EM LATIM O VALIOSO DOCUMENTO DE HERCKMANS SOBRE A HISTÓRIA DA RÚSSIA — Foi apenas entre 1851 e 1868 que se publicaram, em São Petersburgo, as traduções latina e russa do Relato Histórico de 25 27 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Herckmans sobre os distúrbios ocorridos no Principado da Moscóvia durante os Tempos das Aflições vividos pelos russos e envolvendo invasões de poloneses, lituanos e suecos. Além disso, surgiram um tsar-tampão, Borís Godunov, e dois falsos Dmitrys, aspirantes ao trono da Rússia. Acima, a página principal do Skazányia Inostrannykhy Pisatelyey o Rossiy, izdanniya Arkheografitcheskogo Kommissiyeyu, Tom' II, Izvestiya Gollandtsev' Isaaka Massy i Il'i Gherkmanna [Relatos de escritores estrangeiros sobre a Rússia, editados pela Comissão Arqueográfica, Tomo 2, Descrições feitas pelos holandeses Isaac Massa e Elias Herckmans]. Ainda se usa a antiga ortografia cirílica pré-Revolução Comunista, com o emprego de letras só tornadas obsoletas com as reformas ortográficas de 1918. LEGENDA DA FOTO 4 A VERSÃO EM LATIM DO MESMO DOCUMENTO DE HERCKMANS — O frontispício do segundo volume, em latim, da obra Rerum Rossicarum Scriptores Exteri, a Collegio Archeographico editi, Tomus II, Isaaci Massae et Eliae Herkmanni, batavorum, narrationes [Escritores Estrangeiros sobre a História Russa, editada pelo Colégio Arqueográfico, Tomo II, Relatos dos batavos Isaak Massa e Elias Herckmans]. LEGENDA DA FOTO 5 RARA GRAVURA DO CÉLEBRE REMBRANDT ILUSTROU LIVRO DO FUTURO GOVERNADOR DA PARAÍBA — Apenas seis livros foram ilustrados por gravuras do grande artista holandês Rembrandt — e uma dessas estampas, “A Nave da Fortuna”, saiu em 1634 no Elogio da Navegação, de autoria de Elias Herckmans, que logo depois governaria da Paraíba por três anos. Exemplares remanescentes dessa obra são hoje disputados, a peso de ouro, por antiquários e colecionadores internacionais. 26 28 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Adauto Ramos* O incidente da “Ilha” Coronel Claudino do Rêgo Barros Corria o ano de 1882; aqui na Parahyba era presidente da província o Dr. Manoel Ventura de Barros Leite Sampaio, e o chefe de polícia era o Dr. Gonçalo Paes de Azevedo Faro. Estava em construção a via férrea “Conde d’Eu”, partindo da capital para o interior, sob a direção do engenheiro Pacífico Pedroso Barreto. Afirma construtora era inglesa. O comendador Silvino Elvídio Carneiro da Cunha (futuro Barão do Abiaí) era uma das personagens envolvidas na construção do caminho de ferro. Na época era um dos deputados o Dr. José Joaquim de Sá e Benevides, na 24ª legislatura. “Ilha” é um lugar do antigo distrito de Cruz do Espírito Santo, termo da capital, que na época era propriedade do coronel Claudino do Rego Barros, senhor dos engenhos Santos Reis e Espírito Santo. O coronel era uma pessoa altamente respeitada na várzea do Paraíba juntamente com seus parentes. Casado com D. Josefa Antonieta de Vasconcelos Barros, filha do Barão de Maraú (minha tia Trisavó materna, sendo ele, coronel Claudino, meu tio bisavô paterno). Os terrenos por onde iria passar a estrada de ferro, na várzea do Paraíba eram indenizados nem sempre pelo que valia. O traçado da via férrea passava pelo lugar “Ilha” e o coronel Claudino recebeu uma “parca indenização”. Ali, no lugar Ilha foi construída uma ponte, que depois de pronta “desapareceu”. A construtora mudou o percurso da ferrovia e prometeu indenizar o novo terreno a ser usado. Depois, de conchavos, resolveu não mais indenizar, afirmando que o coronel Claudino já havia sido indenizado. Criou-se um impasse. *Sócio Efetivo do IHGP 27 29 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Guardadas nos alfarrábios de minha família encontrei duas folhas de papel impresso proveniente de um “Anais da Assembléia legislativa” do ano de 1882, está o relato do impasse da Ilha, fato passado a 130 anos e que aqui transcrevo. “Discurso pronunciado pelo Sr. Sá e Benevides, na assembléia legislativa provincial, em a 1ª sessão ordinária de 7 de outubro próximo findo” O Sr. Benevides: - Sr. Presidente, vou ter a honra de submeter à douta consideração da casa um requerimento vindo informações ao Exm, presidente à cerca das providências que dera para reprimir o grave atentado, que sofreu o distinto coronel Claudino do Rego Barros, cometido pelo chefe de polícia, que acompanhado de uma força pública de mais de 70 praças, foi auxiliar aos empreiteiros da via férrea “Conde d´Eu” no esbulho de parte da propriedade daquele prestimoso cidadão. Sr. Presidente: - Atravessam uma crise horrível, os nossos concidadãos, e extorcem sob o látego das violências policiais do Sr. Dr. Faro, e é preciso que esta ilustre corporação, filha primogênita de eleição direta, reaja contra os desmando. Os brios da província estão abatidos, as nossas leis conculcadas e a administração entregue ao comendador Silvino, que a tem explorado, não em benefício do partido conservador aliás tão necessário e legítimo no sistema de governo que nos _________ como partido liberal; mas em prol duma companhia estrangeira. Devemos pois erguer os brios da nossa cara Parahyba, e esforçamos quando estiver a nosso alcance dentro da esfera de nossas atribuições, para que se restabeleça o império da lei. Srs., desde que chegou a esta província o Sr. Dr. Faro, que eu tive logo sérias apreensões. O seu regulamento a cerca de amas de leite e outros despropósitos de sua produção convencera-me de que tínhamos na administração da polícia um homem sem critério, mas confiava no Sr. Dr. Ventura, de quem tive a princípio as melhores informações, e com quem o Dr. Faro era obrigado a marchar de acordo, e a não fazer por conseguinte tudo quanto quisesse. Entretanto bem cedo desvaneceu-se a minha confiança, quando soube que o Dr. Ventura dirigindo um brinde ao comendador Silvino, declarou que havia seguir as pegadas de sua administração. Quando recebi esta notícia, confesso, fiquei incomodado, tive até calafrios, e caindo em uma espécie de êxtase, vi reproduzirem-se ante os meus olhos acontecimentos e fatos, de que ainda hoje me recordo com horror; vi por exemplo o esbanjamento sem nome dos dinheiros públicos, vi a criação de impostos cerebrinos, vi a província confragada, e depois invadida por uma horda de vândalos, que se denominava batalhão 14, vi recrutamento em massa, cidadãos encoletados em couro crú, casas incendiadas, atentados a propriedade e ao pudor das famílias cometidas impunimente por soldados desenfreados. E, Srs, fiquei realmente triste, mas saindo daquele estado tranquilizei-me um pouco, refletindo do que não era possível reproduzir-se tão horríveis cenas em uma situação liberal, mesmo porque cada fato, cada acontecimento tem sua época natural. Entretanto com pesar o digo tenho visto de certo tempo para cá desperdícios de dinheiro público e um rosário de violências e atentados contra liberdade e propriedade de nossos concidadãos, que não posso deixar de censurar, censura com energia. Nesta ocasião, Sr., eu devo dar um público testemunho do meu agradecimento ao “Conservador” que tem profilgado certos altos dignos de censura, já que os jornais liberais por condescendências partidárias, e o “Jornal da Parahyba” por motivos compadresco não o tem feito. O Sr. F________ - Não apoiado. O Sr. Benevides – Sr. Presidente, depois destas considerações eu devo passar a matéria de meu requerimento, que é o seguinte: (vê) 28 30 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 V. Exc. Que não são somente exbulhados policiamento de suas propriedades os pequenos proprietários, hoje trata-se de um cidadão muito distinto e responsável que sofreu o mais violento ataque em seus direitos, de uma companhia estrangeira auxiliada pelo chefe de polícia a frente de mais de 70 praças. À prudência deste cidadão prestimoso devemos o não ter havido derramamento de sangue paraibano. É incontestável que as questões de posse e indenização pertencem ao poder judiciário, e que a polícia não deve intervir em tais questões. Portanto, se a companhia “Conde d´Eu” se julgava prejudicada, recorresse ao Poder judiciário, a quem somente competeria requisitar força para manter os seus decretos no caso de que não fosse respeitados. Diz-se, porém, que o chefe de polícia foi a “Ilha” afim de evitar conflitos. Eu não aceito esta evasiva. Concedido mesmo que o Dr. Faro duvidasse do caráter pacífico do coronel Claudino, e de seus precedentes ordeiros, e por este motivo se resolvesse a ir com aquela força ao lugar da questão, neste caso devia se limitar a manter a ordem; mas ele arvorou-se em juiz, interpretou contrato, decidiu a favor da companhia, mandou que os empreiteiros continuasse o trabalho, deu ordem a que a força fizesse carga de armas de baioneta calada sobre o coronel Claudino e seus companheiros, à quem prendera e conservava debaixo de prisão até que os empreiteiros efetuassem o esbulho. Disse também, Sr. Presidente, que o coronel Claudino não tinha o direito à indenização. Mas V. Exc. Sabe perfeitamente que o chefe de polícia não é competente para conhecer destas questões, e eu vou mostrar que o Coronel tem direito a ser indenizado com a opinião do próprio comendador Silvino, advogado da via-férrea, e que combina os interesses de advogado da companhia e do comércio com os do cargos de inspetor da alfandega e procede sempre com a máxima isenção de espírito! Levei uma carta do comendador que peço permissão para ser publicada com o meu discurso. Já se vê pois que o próprio advogado da companhia que em carta dirigida ao coronel Claudino reconhecia o seu direito a indenização. É verdade que ele reformou depois esta opinião por ter opinado de modo contrário________ presidente da província e o chefe de polícia. Admira, Srs, a inconveniência e leviandade dos Srs. Drs. Ventura e Faro pronunciando-se sobre a questão, que pertencem ao Poder judiciário, a ponto de obrigar ao advogado da estrada de ferro a mudar de opinião. Eu vou ler sobre este pronto uma outra carta do comendador Silvino. (lê). Devo porém fazer uma retificação. Conheço o Dr. João Cavalcanti à vinte ________ e _________ e o considero incapaz de dar opinião ________ sobre negócio, que tem de ser submetido seu conhecimento jurisdicional. Não quero dizer com isto que o comendador Silvino tenha faltado a verdade. Costumo respeitar à todos. Mas digo que _______ engano da parte do comendador; _______ que o muito digno Dr. João Cavalcante __________ magistrado circunspecto, sabe guardar as conveniências e não podia manifestar-se sobre uma questão, que tinha de conhecer, como Juiz. Aqui tenho também a resposta dada pelo coronel Claudino ao comendador Silvino. Deixo de ler esta peça para não cansar a paciência da casa; nas requeiro que seja publicada com o meu discurso. Também submeto à apreciação da casa um auto de declaração feito três dias depois do fato pelo chefe de polícia e remetida ao coronel Claudino para assinar. Esta peça serve para provar que o coronel Claudino e seus companheiros se achavam _________ no lugar da questão; mas não deve ser acreditada quanto ao mais; porque o chefe de polícia falta cinicamente a verdade em de justificar o seu procedimento. Srs. Fiquei surpreendido quando de viajem para esta cidade tive notícia de que o coronel Claudino tinha sido vítima de um atentado, não por que não julgasse o chefe de polícia 29 31 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 capaz de cousa piores; mas por causa da importância da pessoa ofendida. Peço ainda a pouco tempo tendo uma pobre viúva do distrito de Mulungú se destacado de um esbulho que sofrera dos empreiteiros da via-férrea, que apossara-se de parte de sua propriedade sem indenizá-la __________ previamente, mandou o Dr. Faro uma força para retornar o termo, e trazer presos a pobre viúva e seu procurador. A não ser a ponderação e prudência do digno comandante ____________ a força, teria esta cidade presenciado o triste espetáculo de ver entrar presa uma pobre velha para satisfazer-se aos intuito ______________ exploratórios dos empreiteiros da via-férrea, ou então se teria dado um conflito muito ________; porque o povo ficou indignado ao saber da ordem iníqua do chefe de polícia. Sr. Presidente, eu pretendo discutir melhor esta matéria quando vierem as inflamações que peço; entretanto deve prevenir desde já ________ as providências, que o caso exige, ou citarei de meus colegas que representam _______ no governo imperial, não só contra o chefe de polícia; mas também contra o pra... Requerimento 6.10.82 Requeiro que se repasse ao Exmo. Presidente da província as seguintes informações: Primeiro: - Se S. Exe. está inteirado de que o chefe da polícia Gonçalo Paes Azevedo Faro à frente de mais de 70 praças do corpo de polícia e da ________ de linha, fora no dia _______ do corrente mês no lugar “Ilha” do engenho Espírito Santo auxiliar aos empreiteiros da estrada de ferro “Conde d´Eu” no esbulho de parte da propriedade do coronel Claudino do Rego Barros, tendo para este mandado carregar a baioneta calada contra o mesmo coronel Claudino, Dr. Balthar, capitão Edmundo e mais companheiros que tinham vindo em defesa de sua propriedade, e tendo além disso prendido os ditos cidadãos e soltado depois de consequente esbulho. Segundo – No caso afirmativo que providência tem dado. S. Exc. para reprimir tão grave atentado. 6 de outubro de 1882. Benevides ______________x_________________x__________________ Parahyba, 18 de setembro Claudino O desastre da ponta da Ilha abriga a companhia a fazer uma pequena alteração daquele ponto para Espírito Santo. E não podendo demorar-se um momento neste serviço, peço-lhe licença, para que a companhia possa sem demora, fazer os necessários estudos da alteração, sendo você indenizado de semelhante mudança. Ao depois da manhã, vinte do corrente aí tocarei com o chefe, para tratarmos do assunto. Espero que não criar-mos-a qualquer embaraço e amanhã mesmo enceta-se o trabalho. Como sempre amigo velho e obrigado. Silvino da Cunha Parahyba, 28 de setembro Claudino Entendendo-me com o presidente de província, Dr. Chefe de polícia e Dr. Juiz de direito, aos quais apresentei o recibo da desapropriação do Espírito Santo, todos declararam-me que V. não tem direito a nova indenização, o que coincide com as suas 30 32 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 primeiras palavras em nossa conferência, isto é, que não precisa outra desapropriação, exigindo apenas V. o dano causado. Não tinha conhecimento pessoal do recibo de desapropriação, que foi passado para João Guimarães, como sabe, e de sua própria letra; mas penso agora do mesmo modo, em vista do recibo, que não há necessidade de nova desapropriação. Entretanto, os sentimentos da companhia são de tal benevolência para todos os proprietários que mantinha a minha proposta amigável_______ participo-lhe que os trabalhos da estrada vão iniciar-se no desvio, aguardando sua resposta ________. Sou com particular estima. Amigo velho e obrigado. Silvino da Cunha _________________x__________________x____________ Engenho SS. Reis, 1º de novembro de 1882 Silvino Recebi sua carta a que respondo. – Diz-me que, tendo mostrado o recibo de desapropriação ao presidente da província e Dr. Chefe de polícia e juiz de direito, estes lhe declararam que eu não tinha direito à nova desapropriação com o novo curso, que se pretende dar à estrada “Conde d´Eu”, embora ficasse com os terrenos, já desapropriados, inutilizados com as escavações feitas. Devo dizer-lhe que faço justiça ao caráter, critério e conhecimentos jurídicos desses cavalheiros, e não posso crer que eles se externecem por semelhante modo, principalmente o último, a quem conheço de perto, a menos que mui propositalmente se lhes haja ocultado certas circunstâncias. Fiz o contrato de desapropriação com os Srs. Empreiteiros, atendendo o traçado (que agora se quer mudar) pelos terrenos já inutilizados com as escavações feitas, pelos quais passa a dita estrada em adiantado estado de construção, e neste sentido recebi uma parca indenização. Não tenho culpa que a ponte construída no percurso do terreno desapropriado por onde passa a estrada conforme contrato celebrado, tenha desaparecido por mal feita, ou pela natureza do terreno. Se os Srs. empreiteiros querem dar agora nova direção à estrada por terreno, que me causam, não pequenos prejuízos, desprezando os trabalhos concluídos nos terrenos cedidos, em virtude do surpreendente desaparecimento da ponte, indenizem-me. Circulam boatos que os Ss. empreiteiros traindo a fé dos contratos, vão dar começo aos trabalhos nos terrenos do novo traçado, que pretendiam dar a estrada, o que me é confirmado por V. em sua carta, autorizados, segundo propalam, pelo presidente da província e Dr. Chefe de polícia, sobre o que, tenho dúvida! Consta-me que incitados por alguém que não V. alicião o maior número de trabalhadores para semelhante fim, recomendando-lhes que compareçam armados afim de resistirem por mais força bruta a defesa do meu sagrado direito de propriedade, pretendendo, assim realizar a usurpação de meus terrenos. Querem-me a uma posição, a que já velho e cansado, nunca pensei de chegar. Pois bem: estou disposto a defender palmo a palmo e até o último ponto o produto de meus trabalhos e fadigas quaisquer sejam as consequências, que resultarem da imprudente agressão, que se quer à força pôr em jogo e prática contra mim, que mercê de Deus nunca dei motivos de violento e falta de bom senso. Lá me encontraram, donde serei conduzido para cadeia, segundo se propala, por ordem do presidente da província e chefe de polícia ao que lhes prometeram assim 31 33 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 faculto, se por ventura opusesse eu a menor defesa, e comigo talvez os amigos que me acompanham, ou então cairei vítima de algum dos celerados trabalhadores aliciados. No primeiro caso defender-me-ei, e no segundo, cumpre-me dizer-lhe que tenho uma família que promoverá o castigo e dos responsáveis. Seu amigo, criado e obrigado. Claudino do Rego Barros Ata Aos dois dias do mês de outubro de mil oitocentos e dois, no lugar denominado “Ilha”, do distrito da Cruz do Espírito Santo, termo desta capital, onde se achava presente o Dr. Chefe de polícia da província, Gonçalo Paes de Azevedo Faro, comigo amanuense abaixo declarado, e para onde se havia dirigido da capital, afim de evitar eminentes conflitos e crimes que esperava dar-se entre os empreiteiros da via férrea “Conde d´Eu” e o proprietário dos engenhos Reis e Espírito Santo, coronel Claudino do Rego Barros, que acompanhado do irmão, genro, sobrinhos, amigos e grande número de foreiros dos seus engenhos procuravam todos obstar, que continuassem os trabalhos da estrada de ferro “Conde d´Eu”, por não ter sido mesmo proprietário indenizado dos prejuízos que dizia ter de sofrer em sua propriedade com o novo percurso que ia tomar a referida via-férrea; e depois do Dr. Chefe de polícia tomar providências e medidas em ordem à prosseguirem as respectivos trabalhos, sem que nenhum incidente desagradável desse-se entre os contendores, compareceu à presença do Dr. Chefe de polícia o engenheiro civil, Dr. Proprício Pedroso Barreto e em presença de diversos cidadãos, a saber: Capitão Luiz Maurício da Gama, o subdelegado deste distrito, engenheiro Antônio Gonçalves da Justa Araújo, Dr. Antônio Ferreira Balthar Filho, tenentes Paulino Viana, Cycero Paulino de Figueiredo, Raymundo Gomes de Sousa, Alípio Ferreira Balthar, tenente do exército João Theodoro Pereira de Melo, capitão Edmundo do Rego Barros e outros cidadãos que se achavam presentes ao ato fez sentir ao mesmo Dr. Chefe de polícia que tornava responsável ao coronel Claudino do Rego Barros por qualquer desacato e ofensa física que viesse a sofrer; pois que nenhum outro inimigo tinha. O coronel Claudino do Rego Barros retorquindo asseverou ao Dr. Chefe de polícia e à todas as pessoas ali presentes que nenhum desacato ou ofensa sofria o referido engenheiro Proprício Barreto, pois que ele coronel e todos os membros de sua família sempre foram tidos e havidos e geralmente reconhecidos por homens mansos _______ e respeitadores de seus _______ e se ali estava acompanhado de amigos ______ e moradores de seus engenhos ______ o intuito de, pelos meios que julgasse ________ defender o direito de propriedade que _______ as pessoas presentes acha-se desarmado usando apenas de foices e enxadas, instrumentos agrários, acrescentando finalmente que jamais ele coronel e seus parentes sujaram suas mãos em sangue humano. E o Dr. Chefe de polícia para tudo constar mandou tomar por termo a declaração do engenheiro Proprício Barreto e as que em seguida fizera o coronel Claudino do Rego Barros, lavrando-se o presente termo, que eu Manoel Carlos de Almeida e Albuquerque amanuense da secretaria de polícia, que segui em sua companhia o escrevi, assinando o Dr. Chefe de polícia, engenheiro Proprício e o coronel Claudino – também comigo amanuense. – Gonçalo de Faro”. 32 34 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 FELIPE TIAGO GOMES: UM PARAIBANO QUE REVOLUCIONOU A EDUCAÇÃO DO BRASIL Berilo Ramos Borba* Nascido em Picuí, no Curimataú da Paraíba, Prof. Felipe Tiago Gomes, sem possuir dinheiro ou poder político, realizou no Brasil o mais significativo movimento educacional que se tem notícia, em todos os tempos. Sua obra não foi teórica. Ele pouco escreveu. Sua contribuição para a educação nacional foi, eminentemente, prática. 1. OBRA REALIZADA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO Em mais de cinqüenta anos de luta e trabalho, ele implantou, no nosso país, cerca de mil e trezentas escolas, incentivou a muitos, com o seu amor e idealismo sem limites, a se dedicarem à causa da educação da juventude brasileira. A instituição educacional por ele criada - a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC é, no dizer da escritora Raquel de Queiroz: “uma das entidades mais sérias deste país.” (1) Obra, eminentemente, filantrópica, reconhecida de utilidade pública, a CNEC inspira-se na necessidade de tornar a educação nacional acessível a todos os brasileiros, independentemente, da condição social e econômica que possuam. A CNEC tem como uma de suas principais finalidade, conforme o seu Estatuto, fundar e manter, com a participação da comunidade e a cooperação do poder público, em todo o território nacional, escolas para os seus sócios e dependentes, bem como para jovens desprovidos de recursos financeiros. A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade não admite quaisquer discriminações, sejam elas: religiosas, raciais, de gênero, sociais ou econômicas. Aceita, quando ofertado, o apoio do poder público, mas busca na iniciativa particular, o apoio primordial para suas realizações. É, sobretudo, na comunidade local, onde a CNEC encontra a maior colaboração para a realização de sua grande obra educacional. Criada, em 1943, em Recife, sob a denominação de “Campanha do Ginasiano Pobre”, graças ao amor e ao idealismo sem limites do seu fundador e ao trabalho cooperativo de milhares de homens e mulheres de boa vontade; aos sacrifícios e lutas das comunidades locais; e à esporádica ajuda do poder público, a obra educacional de Felipe Tiago Gomes tem, hoje, dimensão nacional. A CNEC está presente em quase todos os Estados da Federação. Por suas escolas, que abrigam desde a educação infantil até o ensino superior, já passaram mais de dez milhões de brasileiros, na sua grande maioria, pobres, que sem esta obra benemérita não teriam tido condições de estudar. Dezenas de milhares de professores se dedicaram, ao longo do tempo e, ainda hoje, se entregam com entusiasmo, desprendimento e idealismo a essa grande obra de inclusão social, que serve às comunidades pobres das periferias urbanas e das pequenas cidades do interior do Brasil. A característica mais inovadora da obra de Felipe Tiago Gomes é sua marca comunitária. Sua principal contribuição para a educação nacional foi ter criado um modelo brasileiro de escola, não copiado de experiências alienígenas, mas esculpido e forjado nas necessidades, aspirações, valores culturais e caráter auctótone do povo brasileiro. Sua pedagogia não nasceu da importação de sistemas educacionais. Ela brotou da experiência e determinação do Fundador e foi alargada e refletida na ação educacional diária de cada professor cenecista. * Sócio efetivo do IHGP 33 35 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 A esse respeito, ouçamos o expressivo testemunho do Professor Raimundo Nonato Fernandes, homem competente e experiente, caldeado na têmpera do cenecismo: ”Muito mais que centenas de milhares de professores e educadores que, na saga do FUNDADOR, fizeram do Cenecismo sua fé pedagógica, mais de dez milhões de jovens brasileiros educados em suas mil e trezentas escolas, a Campanha deu ao Brasil um MODELO BRASILEIRO DE ESCOLA à altura de suas necessidades e de suas mais legítimas aspirações. O pensamento educacional do FUNDADOR tinha, já naqueles tempos da Rua da Aurora (lugar onde nasceu a CNEC, em Recife) toda a força e riqueza dos desdobramentos dialéticos de um movimento sem precedente na história da Educação Nacional. “A vocação da Campanha é a luta”, diz Felipe, de modo paladino e sua força é a verdade deste projeto não importado, mas nascido na realidade “terceiro-mundista” do Brasil. Felipe comove a alma cívica deste País. Por toda parte acorda a força da consciência nacional e o Brasil foi se pontilhando de um novo modelo de escola, de mobilização comunitária, de tal modo que, por toda parte, professores e estudantes, pais, associações e empresas se unem para fundar uma escola e nela promover um processo, uma experiência de democratização do ensino, uma escola nascida do povo, feita pelo povo e para o povo, portanto, democrática, aberta a todos e, por isso mesmo, antielitista. Esse movimento tem expansão nacional e oferece motivação nobre e apelo irrecusável à mobilização das forças sociais do povo. Cria um espaço para o diálogo e a oportunidade de convivência entre diferentes sociedades, estratos sociais, organizações religiosas e partidos políticos, todos conclamados ao superior dever de integrar seu trabalho numa obra que é de todos e onde cada um respeita, conserva e confirma sua identidade em relações essenciais de convívio, uma experiência radical de inteligência e de vida, na luta pela promoção do bem comum. A escola, então nascida sob o signo da comunidade, cria esse espaço para o diálogo e a oportunidade de se expressar e de promover sua revelação social. É a comunidade posta diante de si mesma e nesta reflexão recupera o seu direito e o seu poder de educar, porque o lugar da educação é o lugar da vida e esta mora na sociedade civil, não na sociedade política institucionalizada, assentada no poder do Estado.” (02) A revolução social da educação, em todos os níveis, feita por Felipe Tiago Gomes, se deu, não apenas por ter aberto a escola aos vários estratos da sociedade, mas também pela interiorização da educação formal pelo país afora. A CNEC chegou onde o Estado, ainda, não havia chegado. No tempo em que as escolas públicas e privadas, ainda, se concentravam na área nobre das grandes e médias cidades e se destinavam, predominantemente, às classes mais privilegiadas, a Campanha, impulsionada por Felipe, ganhou as periferias urbanas das cidades maiores e as pequenas cidades do interior do Brasil, onde não haviam chegado, nem o poder público, nem a ganância de lucro do capital privado, oferecendo ensino de qualidade, praticamente gratuito, aos jovens pobres cujos pais não podiam custear a educação de seus filhos, nos colégios de ricos. Em sua luta pela educação da juventude, Filipe Tiago Gomes palmilhou o Brasil de norte a sul, de leste a oeste, pegando carona nos aviões do Correio Aéreo Nacional, ou andando de trem, de barco, a cavalo ou a pé, sofrendo humilhações e desenganos, nas ante-salas dos gabinetes dos detentores do poder público; passando, às vezes, 34 36 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 necessidades, ou vivendo a expensas da generosidade humana, sem recursos sequer para custear suas mínimas necessidades de sobrevivência, suportando tudo isso, para a realização de seu ideal sem limites, qual seja: difundir a mensagem cenecista e fundar escolas para os deserdados da sorte. Por esse seu comportamento, Felipe tornou-se, não apenas o arauto da educação comunitária, como também o paladino da educação nacional. Ele desejava ver o Brasil crescer e se desenvolver, através da educação do seu povo. Sua ação educacional sempre aliava o saber ao fazer. Não somente ensinava ou transmitia o saber. Levava a ação. Estimulava a iniciativa social e comunitária. Em regime de mutirão, Felipe, com o apoio do poder público e com o trabalho da comunidade, construiu conjuntos residenciais destinados à população mais pobre; centros comunitários, hospitais para atendimento à população carente. Empenhava-se em propiciar aos jovens, as oportunidades de profissionalização e trabalho. Além de escolas, Felipe implantou, com o auxílio da comunidade, centros de formação profissional, fazendas-escolas, oficinas de lapidação, gráficas, pequenas fábricas e estimulou o artesanato, buscando preservar o saber popular e os valores culturais de cada região, oferecendo ao mesmo tempo, aprendizado e oportunidade de trabalho a milhares de jovens, sobretudo, aos mais desfavorecidos. Os centros de treinamento por ele implantados, em diversos Estados, destinam-se a comunitários, alunos, funcionários e professores, como celeiros para reflexão e multiplicação das idéias cenecistas. Para difusão mais ampla de sua obra educadora, serviu-se dos meios de comunicação social, utilizando-se de espaços abertos na mídia. Mantinha, inclusive, pequenos jornais e revistas e uma Rádio Cenecista. Por tudo que realizou, o Prof. Felipe Tiago Gomes é, sem dúvida, merecedor do epíteto de APÓSTOLO DA EDUCAÇÃO DO BRASIL, que lhe foi dado pelo douto Professor Raimundo Nonato Fernandes, quando, ao referir-se à CNEC, assim de expressou: “A Campanha é a religião de Felipe que transpôs os ritos piedosos do Nordeste, para encontrar a imagem de Deus na face machucada do estudante pobre. A Campanha é um trabalho de fé, de esperança e de amor, sem limites, daqueles que seguem os caminhos abertos por Felipe, o Apóstolo da Educação no Brasil.” (03). 2. PEDAGOGIA CENECISTA Felipe Tiago Gomes não era um filósofo, nem um teórico, tampouco um cientista. Ele foi, por excelência, um pregador itinerante e, como tal, soube levar à população do país inteiro, os postulados básicos de uma prática inovadora e multiplicadora, como uma contribuição relevante para a melhoria da educação nacional. Avesso à teoria, a ele interessava, tão-somente, a realização prática do que idealizava. No seu incansável labor, não teve a preocupação de formular uma teoria capaz de fundamentar a prática, contudo, a “praxis felipeana” não era destituída de fundamento doutrinário. Ao contrário, o “evangelho do cenecismo” por ele pregado, continha um conjunto de princípios, valores e métodos que poderão ser sistematizados numa espécie de Pedagogia Cenecista. Segundo o seu entendimento, enquanto comunitária, a educação cenecista devia se voltar, não apenas para a valorização da pessoa humana, mas também para sua formação integral, preparando o indivíduo, enquanto ser social, para viver e atuar na comunidade em que vive. Assim agindo, a “educação cenecista” assume uma tríplice dimensão: do “ser” (pessoal); do “pertencer” (social) e do” fazer” (acional). 35 37 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Na dimensão do “ser” ou pessoal, sem perder de vista as demais dimensões da pessoa humana, deve a educação cenecista desenvolver no educando um conjunto de qualidades que o torne capaz de se engajar na comunidade, como uma pessoa útil, ativa e produtiva. Além da família, a escola deve promover meios para o desabrochar das aptidões, potencialidades e virtualidades inerentes a cada ser humano, preparando-o para a vida e para a convivência harmoniosa e ativa na comunidade. Qualidades como: probidade, idealismo, otimismo, justiça, lealdade, solidariedade, desprendimento, disponibilidade, entusiasmo, altruísmo, entre outras, devem ser desenvolvidas como parte da formação integral do aluno. Liderança, capacidade para refletir e julgar, senso de justiça, consciência crítica, capacidade de tomar decisão, coragem pessoal, desinibição e criatividade são habilidades que deverão ser treinadas durante a formação escolar. Valores inerentes à vida em sociedade, à cultura, à cidadania, à família, à escola, à comunidade, à nação devem ser incutidos e preservados na educação cenecista. O aluno deverá ser preparado para ser um agente de mudança no ambiente em que vive e atua, buscando sempre o bem comum e o desenvolvimento da comunidade. Na dimensão do “pertencer” ou social, a escola cenecista deve ajudar o aluno a tomar consciência de que ele pertence à família, a diversos grupos sociais, à comunidade, ao bairro, à cidade, enfim, à nação. Nele deve ser despertada a consciência de que pertencer não importa, apenas, numa condição passiva, ao contrário, pertencer leva a uma condição ativa, de engajamento, de solidariedade, de ação, de luta. “A vocação da CNEC é a luta”. Em razão disso, ele deve tomar conhecimento dos papéis que poderá exercer no seu meio social, como participante da comunidade e preparar-se, como cidadão, como cenecista, como pessoa, para agir, positivamente, em prol da melhoria da sociedade em que vive. Ao entrar na escola, o aluno, automaticamente, torna-se um “sócio da CNEC”. Enquanto tal, ele se torna co-responsável pela escola e por tudo o que a ela pertence e passa a exercer um conjunto de atividades, em benefício da própria escola e da instituição como um todo. A escola cenecista constitui-se um primeiro campo de treinamento, para o engajamento do aluno na comunidade e do cidadão, na sociedade. As dimensões do “ser” e do “pertencer” desdobram-se numa terceira dimensão, a do “fazer”, que se traduz numa ação útil e produtiva. Para agir, o aluno deve estar preparado, através de uma formação integral. Além das qualidades, ele deve também possuir as habilidades indispensáveis a se tornar um elemento ativo no seu meio. Sua ação deve se pautar pelos valores prevalentes no meio social em que vive. Seu agir não deve ser isolado, egoístico, egocêntrico, competitivo e desagregador. Ao contrário, sua ação deve ser solidária, cooperativa, responsável, sociável, agregadora e participativa. O verdadeiro cenecista é aquele que busca parceiros. A exemplo do fundador da CNEC, o cenecista procura engajar pessoas, entusiasmá-las com o seu idealismo, incendiá-las com o seu amor pela causa da educação e do desenvolvimento da comunidade e, finalmente, torná-las partícipes da sua causa. A educação cenecista caracteriza-se por ser uma educação participativa e dinâmica. O aluno deve ser encarado, ao mesmo tempo, como um agente e destinatário do seu aprendizado. Enquanto, em formação, ele deve ser estimulado, ajudado, acompanhado, cobrado e corrigido pelos professores e educadores. A ênfase da educação cenecista é a de transformar cada aluno em uma pessoa ativa e útil à comunidade; como um agente de mudanças e de transformações sociais. A ele deve ser dada a consciência de sua dimensão social, de suas potencialidades, bem como das necessidades sociais e dos problemas a serem resolvidos na comunidade. Sua consciência crítica, sua capacidade de diagnosticar, sua criatividade e sua liderança deverão estar a serviço dos outros. Cada pessoa humana tem um papel insubstituível no 36 38 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 meio em que vive. Sua ação deverá enriquecer, cada vez mais, a comunidade. Sua omissão, ao contrário, torna mais pobre a sociedade, constituindo-se num pecado de dimensão social. A soma dos esforços positivos de cada um torna-se uma grande força capaz de realizar milagres. A CNEC é um exemplo disso. Em relação à própria escola, o papel do aluno é de co-responsabilidade. Como sócio, sua ação cooperativa se prende, não somente à sua própria formação, como também à educação dos demais companheiros. Enquanto sócio e aluno ele se torna coresponsável pela manutenção da escola, não apenas, enquanto possa contribuir financeiramente para sua existência, como também, quando age e zela pela conservação dos prédios, móveis e equipamentos e, sobretudo, pela defesa da fama e do bom nome da instituição. Ao aluno deve ser dada a consciência de que a escola não é, apenas, da CNEC, mas pertence aos alunos, aos colegas e à comunidade como um todo. Daí, a obrigação de trabalhar e lutar por ela. Não se deve esquecer que a escola deve ser encarada como o primeiro campo de treinamento do educando, na sua preparação para exercer a cidadania. Os alunos, seus pais e a comunidade local participam da escola, seja como sócios, seja como membro do “Conselho Comunitário”, órgão de deliberação coletiva, responsável pelo seu planejamento e sustentação. A escola cenecista é da comunidade e para a comunidade, por isso, esta deve tomar parte ativa na sua criação, conservação e manutenção. Numa palavra, a escola cenecista será o que dela fizer a comunidade. Eis, em síntese, o conjunto de princípios, valores e ações que constituem a “Pedagogia Cenecista.” 3. FELIPE TIAGO GOMES, ORIGEM, PERFIL E VIDA Felipe nasceu, no Sítio do Pedro, nas proximidades da cidade de Picuí, no Estado da Paraíba, em 01 de maio de 1921. Seus pais viviam da atividade agrícola. Como a grande maioria dos pequenos agricultores daquela região do Curimataú, eram pobres. Não tinham condição de educar a família, constituída de cinco filhos. Por esta razão, Felipe, o caçula, enfrentou enormes dificuldades para estudar. Foi alfabetizado, em casa, por sua irmã Francisca, que já havia concluído, com distinção, o Curso Primário. Cursou, em Picuí, a escolinha de Dona Natívia, que tinha a função de “desasnar” as crianças. Ainda em Picui, entre 1933 e 1935, freqüentou a escola pública daquela cidade. Felipe não queria parar no Curso Primário, como acontecia com dezenas dos seus colegas, por não terem condições de continuar seus estudos, fora da cidade natal. Seu sonho era fazer o Curso de Direito. Mas como realizá-lo, se não tinha condição financeira, para custear seus estudos fora de Picuí? Conhecedor de sua inteligência e aspirações, seu professor do Curso Primário, Dr. Manoel Pereira do Nascimento, vendo o interesse de Felipe pelos estudos, aconselhou seus pais a deixá-lo ir para Campina Grande, onde devia prosseguir seus estudos. Aquele mesmo professor o conduziu ao Colégio Pio XI, em Campina Grande. Alí chegando, Felipe submeteu-se ao exame de admissão, tendo sido aprovado no quinto lugar, o que, para ele, foi uma grande vitória, para quem vinha do interior, com um curso primário, interrompido várias vezes, em razão das secas, ou da distância da escola. Ao final do primeiro ano ginasial, por seu elevado desempenho, tornou-se conhecido do Diretor do Colégio, Padre Odilon Alves Pedrosa, que, vendo as dificuldades por que passava Felipe, para manter-se no Colégio, o indagou se ele 37 39 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 voltaria no ano seguinte. Felipe, com profunda tristeza, respondeu-lhe que não, pois seus pais não tinham condições de pagar-lhe o internato. O Padre Odilon Pedrosa, ao ver a tristeza estampada no rosto de Felipe, disselhe: “Você é um jovem de juízo. Venha me ajudar a tomar conta dos menores”. (4) O internato do Colégio era dividido em três segmentos, de acordo com a idade. A “divisão dos menores”, abrigava crianças de 8 a 12 anos. Assim sendo, Felipe, constituído “prefeito da divisão dos menores”, voltou ao Colégio, onde trabalhava e estudava, conseguindo, assim, concluir o Curso Ginasial. Ao término do Ginásio, foi abalado com a morte de sua mãe, grande lutadora. Sua situação financeira piorou, ainda mais. Para colação de grau, conforme ele próprio comenta: “não tive gosto, nem roupa.” (5) Terminado o Curso Ginasial, Felipe teve de voltar para Picuí, por não ter condições de continuar seus estudos. Via, assim, esvair-se seu sonho de cursar Direito, cujo único curso existente, na região, era em Recife. Entretanto, conforme relata o próprio Felipe: “Deus, porém, ouviu-me as súplicas e tocou o coração do Juiz de Direito, Dr. José Saldanha, que sentindo minha aflição, falou com o Dr. Morais, dentista, com parentes no Recife.” (6) Depois da coleta de algum dinheiro entre os parentes, Felipe viajou para Recife, ficando hospedado na casa do próprio Dr. Morais. Todavia, naquela casa de gostos aristocráticos, Felipe não se sentia à vontade. Ele próprio confessa: “senti-me como um estranho na casa e passei a “almoçar” com outros amigos, andando nas ruas e comendo bananas, sentando em bancos de praça, sem saber o que fazer. Mais uma vez a sorte veio ao meu encontro: Everardo Luna, colega de Campina Grande, convidou-me para morar na Casa do Estudante de Pernambuco. Foi um alívio!” (7). Na Casa do Estudante, Felipe conseguiu uma vaga de porteiro, em seguida, a convite do Presidente daquela instituição, passou a ser bibliotecário, onde auferia alguns tostões, que lhe permitiam continuar seus estudos. Por orientação do colega Everardo Luna, procurou o Ginásio Pernambucano, onde conseguiu se matricular, mediante um atestado de pobreza, no Curso Pré-jurídico. Naquela instituição centenária, Felipe passou a conviver com colegas que viviam as mesmas dificuldades. Ele próprio contou: “Convivendo com colegas pobres, percebi que não estava sozinho na luta. Passei a sentir a beleza da vida e a solidariedade humana, ao encontrar moços iguais a mim, dispostos a vencer dificuldades. Eu não ia a cinemas, nem a festas.”...” A alimentação da Casa do Estudante era fraca e, com o clima de Guerra, piorou. Dormia cedo para enganar o estômago até o café da manhã: um pão ou um pedaço de macacheira e café. Eu era tão magro que o meu tio Pedro Marçal, ao visitar-me, pensou que estivesse tuberculoso.” (8) Em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, as dificuldades se multiplicaram. Recife vivia às escuras. Por causa do blecaute não se podia sair à noite, sem correr o risco de ser assaltado. Enclausurado na Casa do Estudante, Filipe, a despeito da responsabilidade pela administração da biblioteca, dedicou-se à leitura, oportunidade em que lhe caiu às mãos uma obra de John Gunther, intitulada DRAMA DA AMÉRICA LATINA, que relatava a experiência do líder peruano, Haya de La Torre, que criara escolas de alfabetização para os índios, tendo como professores, estudantes que lecionavam gratuitamente.. Já como acadêmico de Direito, conhecendo, na própria carne, as dificuldades encontradas pelos jovens pobres, para levar à frente os seus estudos e inspirado pelas idéias de Haya de La Torre, Felipe resolveu criar um ginásio para o estudante pobre. 38 40 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Pragmático, decidido e obstinado, como era, embora de saúde frágil, tinha o espírito forte. Movido por seu idealismo sem limites, Felipe lançou-se, de corpo e alma, à realização do seu intento. Eis como a escritora Raquel de Queiroz, por ocasião da comemoração dos quarenta anos de fundação da CNEC, numa crônica intitulada “O Sonho do Professor Felipe”, narra o nascedouro de um movimento que se tornou o maior sistema de ensino comunitário da América Latina: “Era o ano de 1943. E ele, Felipe Tiago Gomes que conhecia, na própria carne, o drama do estudante pobre, do jovem que quer estudar e não pode, teve uma idéia: por que não iniciar ali no Recife uma experiência idêntica (refere-se à experiência de Haya de La Torre)* visando ajudar o estudante secundário? Criar uma instituição particular que oferecesse aos moços pobres possibilidades de obter conhecimentos capazes de vencer os obstáculos naturais existentes numa sociedade em mudança? Conversou com o companheiro de quarto, que aprovou a idéia. Convocou outros colegas que se entusiasmaram e assim se fundou a Campanha do Ginasiano Pobre (núcleo inicial da CNEC”). “De material para começar, os nossos cinco heróis só dispunham mesmo do entusiasmo. Não tinham dinheiro, não tinham relações, nem poder público, nenhum elemento de ajuda e não ser essa coisa dentro do peito que os mandava ir para adiante – coisa que se costuma chamar de ideal.” (9) O entusiasmo de Felipe e de seus companheiros multiplicou-se, solidária e milagrosamente, por toda a parte, levando essa benfazeja campanha aos quatro cantos do Brasil. Não resta dúvida de que a CNEC nasceu dum milagre. Aliás foi o que profetizou o grande orador conterrâneo, Alcides Vieira Carneiro inspirado nos arrogos de sua oratória: “Essa Campanha nasceu de um milagre e um milagre não de desperdiça. Só Deus faz milagres sozinho. Nós, os mortais, fazemos os nossos com a ajuda dos outros, de acordo com aquele preceito evangélico que alguém disse ser a súmula divina de toda a experiência humana: ajudai-vos uns aos outros”.(10). A essa campanha benfazeja Felipe dedicou, literalmente, toda a sua vida. Esqueceu-se de si mesmo. Passou a viver inteiramente para a CNEC. Exerceu um verdadeiro sacerdócio. Não constituiu família. Seus companheiros cenecistas tornaramse sua família. Não acumulou bens. Os poucos que recebeu de herança ou ganhou de presente, doou-os à CNEC. Viveu e morreu, franciscanamente. Após essa incessante luta, de toda uma vida, consumida em prol da CNEC, Felipe veio a faleceu, aos 75 anos de idade, em Brasília, sede da CNEC, em 21 de setembro de 1996. Por uma ironia do destino, essa “grande baraúna”, que nasceu no “dia do trabalho”, tombou no “dia da árvore”. O seu singelo sepultamento, no cemitério da Capital Federal, foi presenciado, apenas, por uma centena de amigos e companheiros cenecistas que ali compareceram para prantear sua morte. Apesar da importância de sua obra, seu falecimento não repercutiu no grande público. Apenas esparsas notícias sobre sua morte foram veiculadas na mídia nacional. As homenagens póstumas, que lhe foram e têm sido prestadas, são escassas e bem menores do que, por justiça, deveriam lhe ser tributadas. 39 41 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. QUEIROS, Raquel de - “O SONHO DO PROFESSOR FELIPE, in Felipe Tiago Gomes – ESCOLAS DA COMUNIDADE, pág 05, CNEC Edições, Brasília – 6ª ed 1989; 2. FERNANDES, Raimundo Nonato, Professor –APRESENTAÇÃO, in Felipe Tiago Gomes, CNEC- A FORÇA DE UM IDEAL, pág. 8-13, ed. CNEC Edições, Brasília, 1986; 3. FERNANDES, Raimundo Nonato, ibidem.; 4. GOMES, Felipe Tiago – PREFÁCIO, pág. 31-35, in COLETÁNIA CENECISTA, Vol. I. ed. CNEC Edições, Brasília, 1994. 5. GOMES, Felipe Tiago, ibidem; 6. GOMES, Felipe Tiago, ibidem; 7. GOMES, Felipe Tiago, ibidem; 8. GOMES, Felipe Tiago, ibidem 9. QUEIROZ, Raquel de, op. cit. 10. CARNEIRO. Alcides Vieira, citado por Felipe Tiago Gomes in CNEC, A FORÇA DE UM IDEAL, PÁG. 3, ed. CNEC Edições, Brasília, 1986. 40 42 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 DOIS IMPORTANTES DOCUMENTOS MANUSCRITOS REFERENTES À CAPITANIA DA PARAIBA DO NORTE, ASSINADOS NO RIO DE JANEIRO POR D. JOÃO VI, DATADOS DO INÍCIO DO SÉCULO XIX E SOMENTE AGORA PUBLICADOS EM LETRA DE FORMA MEDIANTE A CORRESPONDENTE LEITURA PALEOGRÁFICA* Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins** Aqui são oferecidos aos estudiosos da História da Paraíba, pela primeira vez em letra de forma, dois importantes documentos relativos à já então denominada Capitania da Paraíba do Norte. Os respectivos textos dizem respeito à então recentemente criada Vila Real do Brejo de Areia (atual município de Areia), datados respectivamente de 08 de Novembro de 1819 e 22 de Fevereiro de 1820. Considerando o valor desses dois textos para a nossa História, os quais continuam até hoje inéditos em letra de forma, resolvi proceder a sua leitura paleográfica a fim de lhes dar a devida divulgação. Na medida do possível mantive a redação original desses dois documentos inalterada com o objeto de conservar ao máximo a fidelidade aos mesmos. O documento mais recente corresponde à nomeação de Bartholomeu da Costa Pereira para o posto de Capitão-Mor [atualmente Prefeito] da Vila Real do Brejo de Areia [atualmente Município de Areia] que, aliás, foi o primeiro a exercê-lo nessa Vila. A propósito, neste caso em particular cumpre ressaltar que, embora circule nesta terra a notícia de que Bartholomeu da Costa Pereira havia sido nomeado para este posto pelo Governador da Capitania da Paraíba do Norte, isso não passa de uma equivocação ou, quiçá, decorre do desconhecimento dos dispositivos das Ordenações do Reino acerca dessa matéria, uma vez que a nomeação efetiva para tal posto constituía um privilégio real e é exatamentre isto o que se pode verificar na respectiva CARTA PATENTE RÉGIA em tela. Já o documento mais antigo aqui publicado corresponde a uma CARTA PATENTE RÉGIA DE CONFIRMAÇÃO, noutras palavras representa a efetivação, obviamente por ordem do Rei, de uma anterior e necessária nomeação interina levada a cabo pelo Governador da Capitania da Paraíba do Norte em favor de Felix Antonio Ferreira de Albuquerque para o posto de Sargento-Mor das Ordenanças (significando então o Comandante das Armas) da Vila Real do Brejo de Areia. Aliás, naquela época o posto de Sargento-Mor (Sargento Maior) corresponderia ao do atual Major. Incidentalmente Felix Antonio Ferreira de Albuquerque era genro de Bartholomeu da Costa Pereira pois havia se casado com a filha primogênita deste último, D. Maria Joaquina de Sant’Anna de intrépida memória. Ademais, o Sargento-Mor Felix Antonio Ferreira de Albuquerque, por ocasião da Revolução de 1824, conhecida como a Confederação do Equador, veio a ser aclamado Presidente Temporário da Paraíba. Como tal ele liderou fugazmente as forças revolucionárias dessa terra. Tempos depois de abafada essa insurreição, Felix Antonio veio a ser assassinado de forma traiçoeira e vil (durante o sono) nas mãos de um falso amigo que pretendia receber um prêmio que o governo imperial estava oferecendo por sua cabeça. *Documento manuscrito original, cuja leitura paleográfica foi efetuada por Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins ** Membro Efetivo da Academia de Letras de Areia (Paraíba), da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, além de tetraneto de Bartholomeu da Costa Pereira, primeiro Capitão-Mor [Prefeito] da Vila Real do Brejo de Areia, provido nesse posto através da CARTA PATENTE RÉGIA acima transcrita, assinada pelo Rei D. João VI no dia 22 de fevereiro de 1820. 41 43 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Enfim, o assassino jamais colocou as mãos naquele prêmio pois nessa ocasião já havia sido promulgada a anistia para os revoltosos de 1824.Passo agora à reprodução dos textos de ambos os documentos prometidos. CARTA PATENTE RÉGIA Capitão mor da Villa Real do Brejo de Area, Bartholameo [Bartholomeu] da Costa Per.a [Pereira] * Dom João [o VI deste nome] por Graça de Deos, Rei do Reino unido de Portugal, e do Brazil, e Algarves, d’aquem e d’alem Mar em Africa, Senhor da Guine e da Conquista [,] Navegação [,] Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India & Faço saber aos que esta Minha Carta Patente virem, que tendo consideração ao que Me foi presente em Consulta do Meu Conselho Superior Militar sobre a Proposta da Camara da Villa do Brejo d’Area novamente se manda, para o Posto de Capitão Mor [, atualmente Prefeito,] d’ella e ao mais que n’elle expôz na dita Consulta, com o parecer d’aqual fui servido confirmar elle, Hei por bem Promover como por esta Promovo, a Bartholomeu da Costa Pereira, Capitão das Ordenanças; ao Posto de Capitão mor das Ordenanças da referida Villa do Brejo d’Area novamente [recentemente] criada o qual [Posto] servirá em quanto Eu ouver por bem e com elle não haverá soldo algum de Minha Real Fazenda, mas gozará de todas as honras, privilégios, liberdades, isenções, e franquezas [imunidades], que dereitamente [diretamente] lhe pertencerem, pelo que Mando ao Governador da Capitania da Parahiba [Joaquim Rebello Fonseca Rosado] , q[ue] mandando-lhe dar pofse [posse (ocorrida na data de dois de Janeiro de 1821)] deste Posto, jurando primeiramente digo primeiro cumprir suas obrigações, o dever [rasurado] e exercitar; e os Officiaes Maiores e mais Cabos de Guerra, o tenhaõ [tenham]e conheçaõ [conheçam] por tal [,] honrem e estimem e os Officiaes e soldados q[ue] l[h]e forem subordinados, lhe obedeçaõ [obedeçam] e guardem suas Ordens, em tudo o q[ue] tocar ao Meu serviço taõ enteiramente [inteiramente] como devem e saõ obrigados. Em firmeza do que lhe mandei pafsar [passar] a prezente por Mim assynada, e sellada com o Sello Grande de Minhas Armas. Dada nesta Cidade do Rio de Janeiro, aos vinte dous dias do mez de fevereiro, do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo, de mil oito centos e vinte. El Rey. CARTA PATENTE RÉGIA DE CONFIRMAÇÃO Sargento Mor das Ordenanças da Villa Real do Brejo de Arêa a Felis [Felix] Antonio Ferr.ª [Ferreira] de Albuquerque Dom Joaõ [o IV deste nome] por Graça de Deos, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brazil, e Algarves, d’aquem e d’alem Mar em Africa, Senhor da Guine, e da Conquista [,] Navegaçaõ [,] Comercio da Ethiopia [,] Arabia Persia, e da India &. Faço saber aos que esta Minha Carta Patente de Confirmaçaõ virem: Que tendo consideração, aos merecimentos e mais partes que concorrem na pefsoa [pessoa] de Felis [Felix] Antonio Ferreira de Albuquerque, e achar-se [interinamente] provido por Thomaz de Souza Mafra Governador da Capitania da Paraiba do Norte no Posto de Sargento Mor das Ordenanças da Villa Real do Brejo de Arêa, e esperar delle que em tudo o de que for encarregado, servirá muito ao Meu contento, por todos estes respeitos Hei por bem de o confirmar com por esta confirmo, no mencionado Posto de Sargento Mor das Ordenanças da Villa Real do Brejo de Arêa, e seu termo novamente [recentemente] criada, o qual servirá em quanto me houver por bem; e gozará de todas as honras, privilegios, liberdades, isenções, e franquezas [imunidades] que direitamente [diretamente] lhe pertencerem, pelo que Mando ao sobredito Governador, o deixe 42 44 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 servir, e exercitar aquelle Posto de baixo [debaixo] da pofse, [posse] e juramento já prestados ao Capitão Mor das Mesmas Ordenanças, Officiaes Maiores, e mais Cabos de Guerra, o tenhaõ [tenham], e conheçaõ [conheçam], por tal honrem e estimem e os Officiaes e soldados, que lhe forem subordinados lhe obedeçaõ [obedeçam] e guardem suas Ordens em tudo o que tocar ao Meu Serviço, taõ enteiramente [inteiramente] como devem e são obrigados. Em firmeza do que lhe Mandei pafsar [passar] a prezente Carta por Mim afsignada [assinada], e sellada com o Sello Grande de Minhas Armas. Dada nesta Cidade do Rio de Janeiro, aos oito dias do mez de Novembro, Anno de Nosso Senhor Jezus Christo de 1819. El Rei. 43 45 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Considerações sobre Articulação Cultural e Projeções na Literatura* Maria Ida Steinmuller** Desejo inicialmente agradecer o gentil convite que nos foi feito pelo Escritor Alexandre Santos, Presidente da UBE/PE, para participar deste evento, atendendo a indicação do Historiador Joaquim Osterne Carneiro, Presidente do IHGP - Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a centenária instituição guardiã da história da Paraíba. Nesse sentido, ao adentrar no importante tema deste Debate, entendemos que se faz necessário tecer algumas considerações a respeito da Fundação Artístico Cultural Manuel Bandeira (FACMA), entidade que integro e que há mais de quatro décadas atua na cidade de Campina Grande, Estado da Paraíba, desenvolvendo ações culturais com o objetivo de cultivar e difundir o gosto pelas artes literárias, cênicas e plásticas em geral, e nas ciências sociais, mantendo intercâmbio cultural entre a Paraíba e outros Estados do Brasil. Assim, dentro desta ordem de idéias, a FACMA com a posse de sua nova Diretoria em 06 de agosto de 2011, gestão 2011-2014, procurará estabelecer diretrizes que foquem a revitalização, dinamização e diversificação do seu trabalho sócio-cultural e também filantrópico, para promover articulações de parcerias com distintos organismos em nível Estadual, Nacional e Internacional, como acontece em relação ao IHGP-Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, através da assinatura de um Convênio de Cooperação, direcionado para realização de pesquisas, levantamentos, troca de informações, cessão de livros, editoração de revistas, livros e impressos, realização de seminários, encontros e simpósios. A referida avença encontra-se em fase final de discussão e dentro em breve será firmada. Por outro lado, em consonância com a premente necessidade de resgatar a rica história da “Rainha da Borborema” que, na sua condição de cidade Pólo de Desenvolvimento Tecnológico e larga atuação no campo da Educação em todos os níveis, estamos cuidando da fundação do Instituto Histórico de Campina Grande, levando em conta o modelo e a atuação dos Institutos Históricos e Geográficos de âmbito Nacional e Estaduais. A missão contará com o respaldo incontinenti do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, instituição cultural mais antiga do Estado da Paraíba e que abriga em seu acervo obras, objetos e registros de valores inestimáveis, fonte permanente de consulta de público qualificado à procura de conhecimento. Convém registrar que, no período de 19 a 21 de outubro próximo, o IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, estará promovendo, na cidade do Rio de Janeiro, o “V Colóquio dos Institutos Históricos e Geográficos Brasileiros” e um dos temas do evento será a possibilidade de fundação dos Institutos Históricos e Geográficos Municipais, assunto que permeia a discussão de estudiosos das mais distintas áreas do conhecimento humano e dada a relevância do assunto, estaremos participando desse encontro integrando a representação da Paraíba. *Texto apresentado no Debate Sobre Articulação Cultural e Projeções na Literatura, no IV Congresso Brasileiro de Escritores em Pernambuco, realizado no Centro de Convenções de Pernambuco, em Olinda - PE, no dia 28/09/2011. ** Poetisa, Administradora de Empresas, Especializada em Agribusiness, Secretária Geral da Fundação Artístico Cultural Manuel Bandeira (FACMA), da cidade de Campina Grande PB; Sócia Fundadora e Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande; Sócia Honorária do Instituto Histórico e Geográfico; e integrante do Conselho Estadual de Cultura do Estado da Paraíba. 44 46 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 O tema deste debate e as considerações sobre a articulação cultural e as projeções na literatura como um todo, é, sem sombra de dúvidas, da mais alta importância e que devem ser postas em prática. 45 47 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 NO COTIDIANO DE UM HISTORIADOR: UM MESTRE E SEU SALÃO1 José Octávio de ARRUDA MELLO** Sumário: 1.1. Centro de Estudos em Foco. 1.2. Rotina de trabalho. 1.3. Presença paraibana. 1.4. Objetividade e discussões. 1.5. JHR e as Relações Internacionais. 1.6. Política brasileira e Academia. 1.7. Conclusões – a serviço do Brasil. 1 Estudo preparado em julho de 2013, no ano do centenário de José Honório Rodrigues. ** Historiador de ofício, com doutorado em História Social, pela USP, em 1992. Integrante dos IHGB, IHGP e APL, assessor da SECULT e professor aposentado das UFPB e UEPB, com exercício no curso de Direito do UNIPÊ. Autor, com a dra. Lêda B. Rodrigues, de José Honório Rodrigues: Um Historiador na Trincheira (1994) e, isoladamente, Sociedade e Poder Político no Nordeste – O Caso da Paraíba 1945/1964 (2001), Da Resistência ao Poder – O (P)MDB na Paraíba (1965/1999), 2010, e História da Paraíba – Lutas e Resistência (12ª ed., 2013). 46 48 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Vamireh Chacon anunciou, de certa feita, que o historiador José Honório Rodrigues polarizava salão cultural na própria residência. Isso é fato. Esse salão podia não dispor da consistência do de Aníbal Machado – festejado em memoráveis crônicas de Rubem Braga e Paulo Mendes Campos1 – ou dos de Hélio Jaguaribe e Alzira Abreu. Estes dois últimos a evoluir para instituições como os IBESP/ISEB e CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.2 1.1. Centro de Estudos em foco – Mesmo assim, o apartamento da rua Paul Redfern, 23, no Rio de Janeiro, equivalia a verdadeiro centro de estudos. Pela competência e disponibilidade do anfitrião que, tendo ao lado a esposa – a também historiadora e constitucionalista Lêda Boechat Rodrigues – esmerava-se em atender os que o procuravam, com indicações de leitura e pesquisa, análise do momento político e recomendações culturais. Entre os que o procuravam, Honório revelava predileção por dois tipos de ouvintes – jovens e jornalistas. Os primeiros porque perenizariam sua obra e os outros porque a amplificavam. Como me enquadrasse nas duas categorias – ainda hoje me considero jovem e periodista – tornei-me um dos mais assíduos frequentadores desse cenáculo, desde a noite em que lá fui jantar a convite de Dra. Lêda que estranhou apenas o vermelhão da calça boca de sino e o sapato de salto alto – cacoetes daquele ano de 1973.3 Não era raro José Honório convidar para jantar aqueles com que se identificava. Para tanto, contava com eficiente cozinheira – dona Tereza, que morreu, levando para o túmulo a receita de bobó de camarão, especialidade da casa – e a presteza de Lêda que velava pelas amizades do marido. 1.2. Rotina de trabalho – O salão dos Rodrigues ancorava na constância de hábitos do marido. Este, que acordava cedo, costumava caminhar pela praia de Ipanema, onde conversava – mais que conversava, discutia – após o que, em casa, de café tomado, punha-se a escrever. Aproveitando os levantamentos biobliográficos habitualmente procedidos pela esposa, JHR redigia a mão com caligrafia de letra irregular, mas facilmente legível. Com esta, preenchia resmas de um comprido papel que, enquanto durasse o estudo, eram colocados em gavetões, depositários dos inéditos. A propósito, já falei com o presidente Arno Wheling, do IHGB, para pesquisar essa produção – uma das pastas deve conter pelo menos os esboços de História do Brasil anunciada e frequentemente protelada.4 Era assim pela manhã que José Honório mais produzia. Conforme ele próprio, tal se impunha porque, com isso, já ganhava o dia. A descida à cidade verificava-se pelas catorze horas, quando seu destino eram as instituições a que pertencia – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Academia Brasileira de Letras e Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio em cuja Carta Mensal colaborava5 – além de sêbos, livrarias, e por vezes os Arquivo Público e Biblioteca Nacional. A visita a esses dois últimos não se regularizavam por dispor em casa de excelente biblioteca, com documentação especializada – a coleção completa da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por exemplo – e jornais nacionais e estrangeiros que costumava recortar. Desde o momento em que estabilizou a condição econômico-financeira, por volta de 1958, quando montou o apartamento da rua Paul Redfern, de jardim decorado por Burle Marx, José Honório deixou de trabalhar à noite. Isso só aconteceu em raras ocasiões. Como no prefácio das obras de Capistrano de Abreu, preparados velozmente às vésperas de uma viagem. Por essa razão, só o dos Capítulos de História Colonial, assim como o do primeiro volume da Correspondência, fez-se mais completo.6 47 49 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Essa rotina permitia-lhe animar o salão cujo funcionamento, regado a água e cafezinho, ocorria duas vezes por semana, das 20:15 às 22:45 h. Antes, o historiador, além de jantar, recolhia recomendações de Lêda, o resumo dos noticiários televisivos de Tereza e emitia alguns telefonemas. 1.3. Presença paraibana – As informais reuniões do cenáculo ocorriam na própria sala de estar do casal, à vista de um óleo de mestre, de autoria do pintor Manuel Bandeira.7 Só quando o número de convivas, mesmo sem jamais ultrapassar os doze, crescia, é que nos deslocávamos para o terraço, à vista do mar de Ipanema. Um dos mais constantes paraibanos dessas reuniões – o jurista e historiador Geraldo Joffily – percebeu o potencial desses encontros, resumido numa das cartas que me enviou: “Vamos ao Rio de Janeiro, companheiro, onde a cobertura do Honório nos espera”.8 Sob a liderança do Grupo José Honório Rodrigues, não eram poucos os paraibanos que lá compareciam – além de mim, Eduardo Raposo, Humberto Mello, o advogado Andrade Guedes, o casal Lindberg (Ana Maria) Farias, que JHR achava “bonito”, o tributarista César de Oliveira Lima, o crítico paraibano-pernambucano Joaquim Inojosa, os irmãos Celso e Cleantho de Paiva Leite, o professor Oswaldo Trigueiro do Vale e o Governador Tarcísio Burity. Enquanto Oswaldo discutia teses posteriormente transformados nos livros O Supremo Tribunal Federal e a instabilidade político-institucional (1976) e O General Dutra e a Redemocratização de 45 (1978), respectivamente prefaciados por Lêda e Honório, Burity, por vezes acompanhado da esposa, Glauce, voltava-se para o Espaço Cultural que por essa época planejava para a capital paraibana. Dessa edificação, José Honório tornou-se espécie de consultor ad hoc como responsável, inclusive, pela indicação do arquivista José Pedro Esposel. Aos dois, JHR não cessava de recomendar: - Procurem fazer como no Canadá que funde bibliotecas e arquivos, conjugando espaços e barateando custos.9 1.4. Objetividade e discussões – Esse encaminhamento do Espaço Cultural José Lins do Rêgo, efetivamente alentado na Paul Redfern, evidencia que o salão José Honório Rodrigues não era de alcance bovarista ou ornamental. Numa palavra, ali não se tagarelava porque as discussões eram objetivas e concretas. Por essa razão nele surgiram iniciativas as mais variadas, como seminários, teses, artigos e livros. Os Seminários Paraibanos de Cultura Brasileira, realizados entre 1976 e 88, e de cujas sete edições José Honório participou de três, Hélio Jaguaribe e Vamireh Chacon de duas e Cândido Mendes de uma, ocuparam boa parte da pauta dos trabalhos.10 Quais as principais discussões do cenáculo da rua Paul Redfern? Como observado por Cleantho de Paiva Leite, José Honório sempre representou um ativista contra os governos militares. “Detesto as ditaduras militares e proletárias”, constituía expressão muito sua e amiúde repetida em publicações e palestras. Sem nunca haver aceitado o regime de 64, datando daí a constância com que subscreveu os manifestos 1964/65, de iniciativa dos intelectuais da Civilização Brasileira, além do que partidário do nacionalismo mameluco de João Ribeiro, teve dificuldade em aceitar os que, escudados no modelo capitalista de dependência associada de Fernando Henrique Cardoso, consideravam “revolucionários” alguns elementos econômicos do sistema militar. Quando levantei essas questões, desenvolvidas décadas depois em Da Sociologia à Política no Heterodoxo FHC, ainda inédito, José Honório retrucou azedo: - E o Fernando pensa assim?!... 48 50 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 O entendimento sobrevinha porque, sem aplaudir o chamado milagre brasileiro sobre o qual arengava, permanentemente, com o economista Glycon de Paiva, nas areias de Ipanema, José Honório sustentava que a economia brasileira experimentaria dificuldades, quando os governos democratas lhe negassem créditos. Ora, foi exatamente o que ocorreu com a Inglaterra do Labour Party, em 1974, e Estados Unidos da presidência Jimmy Carter, em 1977. Este último, enviando a primeira dama Roseline Carter para se reunir com o MDB e questionar a vigência de torturas, junto ao Presidente Ernesto Geisel..11 No caso do Labour, José Honório publicou artigo sobre o embargo de armas e créditos pelo governo trabalhista ao regime militar brasileiro. Intitulado “O Partido Trabalhista Britânico e o Brasil” viu-se prontamente vetado pela censura, com o público dele tomando conhecimento mediante inserção na coletânea Tempo e Sociedade (1986).12 Não foi essa a única vez em que o historiador se viu às voltas com restrições ao pensamento. Perseguido pelo sistema que suspendeu a edição de Revista do IBRI, pela Imprensa Nacional, em vista da editoração honoriana, viu colocados no índex seus estudos sobre Frei Caneca, encomendados pela revista Manchete. Ambos somente foram publicados, anos depois, no livro História, Corpo do Tempo (1976). Expressão do liberalismo radical que Rodrigues esgrimia contra o generalismo autoritário, frei Joaquim do Amor Divino Caneca era “a luz gloriosa do martírio”.13 1.5. JHR e as relações internacionais – Essas peripécias de embaraço de empréstimos estrangeiros ao governo militar, interdição da Revista do IBRI e (contra) pressões externas conduziam José Honório Rodrigues a um dos temas de sua predileção – as Relações Internacionais. Ex-professor do Instituto Rio Branco cujas aulas lhe valeriam o manual póstumo História Diplomática do Brasil 1531-1945 (1995), complementado por Ricardo Seitenfus e organizado por Lêda Boechat Rodrigues, era com visível satisfação que José Honório discorria sobre o tema nas reuniões do grupo de estudos. Partidário da tese de que “Elaboramos História Nacional e consumimos História Universal”, entendia que era do plano externo que adviria a retomada do Estado de Direito Democrático e vigência dos Direitos Humanos no Brasil. Refratário à Política Externa Interdependente dos chancelers Vasco Leitão da Cunha e Juracy Magalhães, por ele rotulada de “Ideologia do suicídio nacional”, José Honório aplaudiu o pragmatismo terceiromundista dos ministros Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro, o primeiro dos quais africanista, sendo o segundo mais objetivo. Para o historiador, a reorientação da política externa brasileira, sobrevinda com o Governo Geisel, que reconheceu o regime angolano de Agostinho Neto – um dos intelectuais da predileção rodrigueana, com quem se avistou em Luanda, repelindo a idéia de constituir a língua portuguesa construção imperialista14 – sintonizava com seu livro Interesse Nacional e Política Externa (1967). Este preconizou fortalecimento das relações e celebração de acordo atômico com a Alemanha, para neutralização da hegemonia norteamericana, prestígio à China Popular maoísta, sem exclusão de Formosa, e aproximação das jovens nações afroasiáticas. Como essas constituíssem as diretrizes da segunda fase do regime militar, José Honório revelou sua anterior identificação a tais princípios a antigo diplomata, partidário do governo castrense – o embaixador Hélio Scarabotolo.15 Tal como para Hermes Lima em Travessia-memórias (1974), livro que, aliás, acolheu simpaticamente, mas lamentando a contenção e ceticismo do autor em certas passagens16, José Honório considerava que a Política Externa representava projeção da congênere interna – a luva que a outra mão calça. 49 51 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Por isso foi para a abertura democrática e retomada do Estado de Direito que se voltou com todas as forças. As reuniões do cenáculo logo refletiram essa particularidade. Ele aprovou a maneira como o Presidente Geisel enfrentou e desmontou a comunidade de segurança e informação do sistema mas, cem por cento liberal radical, como comprovado no discurso de posse da APL, centrado em Tavares Bastos, “o menino de ouro dos liberais”17 repeliu o autoritarismo do general presidente, em texto preliminarmente preparado para a revista Isto É: “(...) Soberbo, inconciliável, arrogante, perseguindo até os grandes mortos do país, para os quais se tentou negar ou se negaram homenagens devidas, como foram os casos de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda, o Governo Geisel revelava, auxiliado por seu mágico assessor geopolítico, uma lógica global e fria de untraconservadores ou direitistas que pretendiam criar no país um capitalismo singular e único, o capitalismo autoritário”.18 1.6. Política brasileira e Academia – Nessa altura, as predileções políticas do historiador voltaram-se para o General Euler Bentes que, candidato da oposição emedebista, nas eleições presidenciais indiretas de 1978, combinava liberalismo e nacionalismo. Com Bentes, JHR encontrou-se na companhia de numeroso grupo de intelectuais na residência do cientista político Hélio Jaguaribe. Em reuniões do cenáculo, José Honório não poupou elogios ao chefe militar paraense que lhe parecia talhado para encaminhamento da abertura democrática. Resplandeciam, então, certas passagens de Aspirações Nacionais: - Além do mais Euler Bentes é bastante consciente de nossos valores. Difere profundamente, desse ministro de Minas e Energia [Shigeaki Ueiki] que anuncia aumento do preço da gasolina e em seguida ri...19 Tanto quanto eu seiba, José Honório levava essa mesma determinação para a ABL onde costumava sentar-se entre dois grandes amigos, os romancistas Herberto Sales e José Cândido de Carvalho, da Bahia e Estado do Rio. Autor, na Academia, de esplêndido necrológio de José Américo, a quem idolatrava, como a voz da democracia e do Nordeste, José Honório Rodrigues alardeou, em outubro de 1975, franca predileção pela candidatura do ex-presidente Juscelino contra o escritor goiano Bernardo Ellis. Percebeu, então, que a questão não era cultural mas política, como peça da abertura que se desenhava. Nesse ponto, recebia o assessoramento da esposa, Dra. Lêda, para quem, com as memórias editadas pela Bloch, JK era também escritor de mão cheia.20 Quando da derrota de Juscelino, estranhamente rejeitado pelos setores mais avançados da ABL, porque os três Limas – Barbosa Sobrinho, Alceu de Amoroso e Hermes Lima – não o sufragaram, José Honório entendeu que a decisão passara pelo presidente Austregésilo de Athayde. Com alguns colegas cogitou, então, de Afonso Arinos de Melo Franco para a presidência da Casa de Machado de Assis. Comunicado ao cenáculo, o movimento, porém, logo arrefeceu. 1.7. Conclusões – a serviço do Brasil – Esse o perfil de José Honório Rodrigues que me cabe formular. Faço-o sob, a inspiração da Nova História, sensível aos fermentos de cotidiano e imaginário social. Essa corrente, todavia, não era da predileção de José Honório. Também distanciado de modismos, como História Quantitativa e Estruturalismo, sua concepção historiográfica – firmemente delineada na Teoria da História do Brasil (4ª ed., 1978) – expressava viés combatente, presenteista e nacionalista, de inspiração histórico-política e econômico-social.21 50 52 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Várias de suas obras, até nos títulos, refletiam essa inclinação. Sem dogmatismos, mas com convicção, essa orientação era repassada aos integrantes do salão. Entre eles eu me situava como o mais humilde mas também o mais atento dos discípulos. Essa a razão por que, nas reuniões do apartamento, quando tinha de se ausentar por alguns instantes, era a mim que passava o comando. Refletindo a orientação do mestre, cabia-me seguir os trabalhos, consciente do paradoxo que se estabelecia. Enquanto a Universidade de minha terra cerrava-me as portas, no Rio de Janeiro cabia-me, em reunião da própria casa, substituir um dos maiores historiadores brasileiros de todos os tempos. Foram os dois mais altos momentos de minha vida intelectual: presidir a reuniões do Grupo José Honório Rodrigues, em lugar do patrono, e servir de motorista para Ulysses Guimarães, durante dia inteiro, quando este esteve, de certa feita, em João Pessoa, para cumprimento de agenda político-cultural. Em ambos os casos, era ao Brasil que servia. Notas e Bibliografia 1 Tido como o mais famoso de todos, o salão do escritor mineiro Aníbal Machado, localizado na Visconde de Pirajá, foi objeto de crônicas de Rubem Braga – “A Casa Viaja no Tempo”, no primeiro tomo de Quadrante (Editora do autor, 1962) e Paulo Mendes Campos, este último em página da revista Manchete, republicada, sob a denominação de “Aníbal e o partido de vida” in MACHADO, Aníbal M. – A Arte de Viver e Outras Artes – Rio: Graphia Editorial, 1994, p. XII/XIII, livro que contém às p. XVI/XXII tocante depoimento de Leandro Konder – “Lembranças de uma casa de Ipanema”. 2 Do Grupo de Itatiaia aos Cadernos de Nosso Tempo, IBESP e ISEB, o cenáculo de Hélio Jaguaribe foi enviesadamente retratado por Nelson Werneck Sodré em “História do ISEB” que, depois de publicado na revista Temas de Ciências Sociais I e II, S. Paulo, 1977, gerou, pela Avenir Editora, o livro A Verdade sobre o ISEB (1977?), de conteúdo reproduzido pelo autor em “A Luta pela Cultura”, do segundo volume das Memórias de um Escritor, pela Civilização Brasileira. Já o salão de Alzira Abreu gerou o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, especializado em História Oral, depois que essa historiadora realizou curso em Paris juntamente com as colegas Aspásia Camargo, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Lúcia Lippi e Rosa Maria Barbosa de Araújo. (cf. “Um Abrigo para a História” in Veja de 13 de abril de 1977, p. 3/6). 3 A singularidade desse encontro foi transmitido por Lêda a minha esposa, Amável, e em carta constante dos Arquivos do Grupo José Honório Rodrigues, doravante AGJHR. A companheira de JHR considerou-me “jovem e bem parecido mas de terrível mau gosto”. 4 Em uma das cartas que me endereçou José Honório foi enfático: “Você devia saber que eu tinha e tenho um projeto de História do Brasil”. A mesma observação foi transmitida ao historiador Francisco Iglesias. Não sabemos, porém, em que nível foi deixado esse projeto. 5 Na Carta Mensal da Confederação Nacional do Comércio, JHR publicou estudos como “História e Economia: A Década de 1870-1880” (abril de 1971), “Centenário da Morte de José Tomás Nabuco de Araújo” (outubro de 1978), “O bravo e liberal Osório” 51 53 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 (janeiro de 1980), “História e Cliometria – Métodos Quantitativos” (julho de 1980) e “O Movimento rebelde de 1930: A situação econômica, social e política” (agosto de 1981). A maioria desses estudos foi aproveitada em livros como História, Corpo do tempo (1976), História Combatente (1982) e Tempo e Sociedade (1986). 6 Em conversas comigo, JHR reconhecia que o prefácio dos Capítulos fora bem cuidado, ao contrário dos demais, procedidos às carreiras, nas vésperas de viagem ao exterior. Pessoalmente, também considero de alto nível a introdução e prefácio ao primeiro volume da Correspondência de Capistrano de Abreu, alusivo ao centenário (1977) e onde o mini ensaio “Capistrano de Abreu e a Historiografia Brasileira” viu-se inserido em outras obras historiográficas de Honório. 7 Segundo a nova governanta Maria da Penha, esse óleo foi um dos primeiros bens retirados por quem, no primeiro semestre de 2012, se dispôs a afastar livros e patrimônio do apartamento da Paul Redfern, para custear o tratamento de Dra. Lêda. A biblioteca foi encaixotada em containers. 8 Carta de Geraldo Ireneo Joffily a José Octávio, de 18 de maio de 1979, in AGJHR. Como GIJ comparecia ao salão de JHR acompanhado da esposa, Cristine, colega de Lêda no STF, formavam-se dois grupos reunidos em diferentes lugares do apartamento. Um era constituído por José Honório, Geraldo e José Octávio e outro pelas mulheres Lêda, Cristine e Amável. 9 Para José Honório que repetiu o conceito no Seminário Paraibano de Cultura Brasileira “quem nunca foi ao Canadá não sabe o que é a organização de um Arquivo Histórico”. 10 MELLO, José Octávio de Arruda. “Os Seminários Paraibanos de Cultura Brasileira como Fontes para a História” in Debates de História Regional nº 1, Maceió – UFAL, 1992, p. 55/68, com coordenação do historiador Douglas Apratto Tenório. 11 Enquanto o publicista pernambucano Fernando Coelho, à época deputado federal confirmou a reunião de Rosaline Carter com o MDB, o historiador e diplomata Vasco Mariz negou que ela houvesse recriminado o Presidente Ernesto Geisel, em reunião com este. 12 RODRIGUES, José Honório. “O Partido Trabalhista Britânico e o Brasil in Tempo e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 51/55. No texto, o artigo apareceu sem as indicações passadas a J.O. em encontro no cenáculo. 13 _______________. “Frei Caneca: A Luz Gloriosa do Martírio” in História Corpo do Tempo. São Paulo: Perspectiva, 1976. A censura a esse estudo sobreveio depois da publicação, pela revista da Bloch, do estudo “Paixão e Morte de Tiradentes”, constante do Corpo do Tempo (p. 101/118). 14 Na visita que fez a Angola, em 1977 José Honório entrevistou-se com o presidente Neto junto a quem objetou a feição imperialista da língua portuguesa porque esta constituiu-se no Brasil, mediante uma grande guerra de línguas, cf. “A vitória da Língua Portuguesa no Brasil colonial” in História Viva. S. Paulo: Global, 1985, p. 11/48. Nesse estudo, como em tantos outros, o historiador sustenta que os bandeirantes não falavam português, mas a língua geral, compilada pelos jesuítas. 15 RODRIGUES, José Honório. Interesse Nacional e Política Externa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, passim, e depoimento a José Octávio, em reunião do Grupo José Honório, Rio de Janeiro, 1979. 52 54 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 16 Cf. LIMA, Hermes. Travessia (memórias). Rio: José Olympio, 1974, e RODRIGUES, José Honório “Hermes Lima, Um Pensador Político” in História Combatente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 165/169. Ao comentar esse livro, em reunião do cenáculo, JHR revelou que, em suas memórias, “não faria como Hermes que escondeu muita coisa, porque vou contar tudo”. Foi a única vez que o historiador aludiu ao preparo de memórias, seguramente não iniciadas. 17 No Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras, proferido a 5 de dezembro de 1969 e inserido como Separata da Revista de História nº 81, S. Paulo, 1970, José Honório ressalta a orientação política de Tavares Bastos “Ideólogo do liberalismo” com as seguintes palavras: “Tavares Bastos se revela o maior pensador político que o Brasil já conheceu, comparado em termos relativos a seus antecessores, contemporâneos e sucessores. (...) Desculpe-se Nabuco a apologia de seu Pai, grande entre os raros grandes. Mas revelador doutrinário na obra escrita, nenhum se compara a Tavares Bastos” (p. 10/11). Reafirmando sua visão social do liberalismo, José Honório voltou a destacar o pensador alagoano na nota introdutória à segunda edição de Os Males do Presente e as Esperanças do Futuro (S. Paulo: Cia Editora Nacional, 1976, p. 9/14). 18 RODRIGUES, José Honório. “O Presidente, a Tropa e a Nação” in Isto É, 14 de março de 1979, pgs. 36/38, com reprodução in História Combatente, cit., p. 175/82. As colocações do historiador carioca fizeram-se tão contundentes que o ex-presidente pretextou entrevista à TV Globo para replicá-las no programa dominical de horário nobre “Fantástico”. Fui eu que, pelo telefone, imediatamente relatei o ocorrido a JHR. 19 No V Seminário Paraibano de Cultura Brasileira, de outubro de 1981, com livro não editado, 1978, embora preparado,- José Honório considerou que a desnacionalização das cultura e economia brasileiras principiava pela Presidência da República onde o Presidente Ernesto Geisel – aliás Geissél ou Gésilo – provinha dos Erbrart da Prússia Oriental. Por conseguinte, tratava-se de um teuto-alemão de primeira geração, tanto quanto o novo Ministro da Guerra, Hugo Bethlem. Já o da Viação – Mário Andreazza – era de origem italiana e o das Minas e Energia, japonesa. Para JHR tal gerava distorções como a do texto. 20 A favorável visão cultural juscelinista de Lêda transferiu-se ao afilhado que, em 2005, preparou para a SBPH o estudo “Memórias de JK – Uma fonte para a História” in Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica – Anais da XXIV Reunião – SBPH, Curitiba, 2005, p. 273/8. Esse estudo de José Octávio foi também apresentado nas UEPB e UNIPÊ. 21 MELLO, José Octávio de Arruda. “Revisão e Combate no Grupo José Honório Rodrigues” in RODRIGUES, Lêda Boechat e MELLO, José Octávio de Arruda. José Honório Rodrigues, um Historiador na Trincheira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994, passim, e também WITTER, José Sebastião, “O historiador combatente” in Diário da Tarde. São Paulo: 1º de outubro de 1994. 53 55 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 UM PIONEIRO DA LIMNOLOGIA NO BRASIL: STILLMAN WRIGHT (1898 – 1989) Melquíades Pinto Paiva (1) (1) – Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (2) – Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP. 54 56 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 RESUMO Este trabalho trata de Stillman Wright (1898 – 1989), um dos fundadores de estudos limnológico no Brasil, onde trabalhou durante cinco anos (1933 – 1937), como pesquisador da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste. São apresentados dados biográficos e lista dos seus trabalhos publicados no Brasil, com os comentários pertinentes. ABSTRACT A pioneer of limnology in Brazil: Stillman Wright (1898 – 1989) This paper deals with Stillman Wright (1898 – 1989), one of limnological studies founders in Brazil, where worked during five years (1933 – 1937) as researcher of Northeast Brazil Technical Fishculture Commission. Biographical data and list of his papers published in Brazil are presented, with appropriated remarks. Até o início dos anos ‘30 (século XX), pouco se conhecia das características e ciclos anuais das águas dos açudes do nordeste do Brasil. O que se sabia resultava de observações empíricas dos sertanejos, desprovidas de efetivo valor científico. Esta precária situação começou a se modificar após a criação da Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste, em 12 de novembro de 1932, vinculada à Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, por José Américo de Almeida (1887 – 1980), titular do Ministério de Viação e Obras Públicas. O fundador e primeiro diretor da nova instituição foi o cientista Rodolpho Theodor Wilhelm Gaspar von Ihering (1883 – 1939), que logo sentiu a premente necessidade de conhecimento limnológico dos açudes, para orientar a ciração de peixes. Daí o convite encaminhado a Stillman Wright (1898 – 1989) – (FIGURA 1), para vir preencher tal lacuna. Ele chegou em 1933, desembarcando no porto do Recife (PE); pouco depois, vieram a esposa Doris e o filho Tomy, este apenas com 8 meses de vida. A família permaneceu no Brasil até o final de 1937, retornando aos Estados Unidos da América. Enfrentaram precárias condições de vida e de trabalho, e mesmo de segurança (BONANÇA, 1983). Esboço biográfico As informações biográficas contidas neste esboço resultam da consulta aos seguintes trabalhos: WRIGHT, FREDINE & STEVENSON, 1989; REID, 1989; NOMURA, 1991. Stillman Wright nasceu em Chicago, mas se criou em Berlin (Wisconsin). Ingressou no Beloit College (Beloit – Wisconsin) em 1916, mas interrompeu os estudos, para servir à Marinha (1918 – 1919). Voltando à escola, obteve o bacharelato em Geologia (1921). Após breve período como professor, retornou à University of Wisconsin, onde se tornou doutor (1928), com especialização em limnologia, orientado por Chancey Juday. Veio para o Brasil, quando serviu à Comissão Técnica de Piscicultura do Nordeste (1933 – 1937), pesquisando açudes na área semi-árida. Além da movimentação expedicionária na região, andou pela Amazônia e, por pouco tempo, em São Paulo (Brasil) e na Argentina. Esteve sediado em Campina Grande (PB) e em Fortaleza (CE). 55 57 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Com o regresso ao seu país, ingressou no U. S. Bureau of Fisheries (Logan – Utah), começando brilhante carreira, passando por Chicago e Washington. FIGURA 1 – Stillman Wright (1898 – 1989) – Fotografia tirada em Campina Grande (PB), no ano de 1934. Aposentou-se em 1963. Por fim, foi para Chapel Hill (North Carolina), onde morreu em 19 de fevereiro de 1989. Teve longa vida, pois nasceu em 27 de setembro de 1898. Membro da American Fisheries Society, American Association for the Advancement of Science, American Society of Limnology and Oceanography, Wisconsin Academy of Sciences, Arts and Letters, correspondente da Internationale Vereinigung für Limnology, curador de crustáceos do Michigan Museum of Zoology. Ainda pertenceu à Academia Brasileira de Ciências, American Microscopical Society, Sigma Xi, Phi Sigma e Gramma Alpha. Limnologia dos açudes “His studies of physical and chemical properties of impoundments in the Brazilian Northeast constituted some of the earliest limnological research carried out in that country.” (REID, 1989 : 82). WRIGHT, S. – 1934 – Alguns dados da phisica e da chimica das aguas dos Açudes Nordestinos. Bol. Insp. Fed. Obr. Contr. Sêc., Rio de Janeiro, 1 (4) : 164 – 169, [14] ests. Uma tabela em 3 páginas não numeradas. A estratificação térmica das águas dos açudes resulta do empobrecimento de oxigênio dissolvido nas camadas profundas. Com as chuvas, desaparece tal estratificação e baixa o nível de cloretos, retornando às condições anteriores nos meses secos. As zonas de alta e baixa salinidade têm limites bem definidos. “Das 88 amostras examinadas apenas 8 contêm de 100 a 300 partes de chloreto por milhão, sendo de notar porém que 4 delas provêm de rios, dos quais é sabido estarem sujeitos a amplas variações na salinidade, dentro de período de tempo restricto.” (p. 168). 56 58 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 WRIGHT, S. – 1935 a – Da Physica e da Chimica das aguas do Nordeste do Brasil. II – Chloretos e Carbonatos. Publicações da Commissão Techinica de Piscicultura do Nordeste do Brasil, Fortaleza, (8) : 15 – 26, 1 fig. Foram estudados 133 açudes dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. “In general the picture presented is one the rapid decrease in the rainy season and gradual increase afterward. (…) For the most part fresh and salty waters are not found in the same area, but there are some notable exceptions to this rule. Few waters have chloride content between 100 and 300 p.p.m., and there is no evidence of transition zones between the zones of high and low chloride. (…) In many cases, low carbonate is associated with low chloride, and high carbonated with high chloride, but there are too many exceptions to permit of generalization.” (p. 20). WRIGHT, S. – 1935b – A Limnologia e a Piscicultura. Publicações da Commissão Technica de Piscicultura do Nordeste do Brasil, Fortaleza, (11) : 39 – 42, 4 figs. “Quasi nada era conhecido até á presente observação quanto ás condições da existência de peixes nos açudes.” (p. 42). WRIGHT, S. – 1936c – Thermal conditions in some waters of Northeast Brazil. An. Acad. Bras. Ciên., Rio de Janeiro, 8 (3) : 163 – 177. Foram estudados 4 açudes perto de Campina Grande (PB), durante cerca de um ano. As águas estavam sujeitas à circulação e à estratificação intermitentes. Não havia evidência de um período definido de estratificação, em relação com as estações do ano. WRIGHT, S. – 1937b – Chemical conditions in some waters of Northeast Brazil. An. Acad. Bras. Ciên., Rio de Janeiro, 9 (4) : 277 – 306, 4 figs., 3 ests. No açude Bodocongó (Campina Grande – PB), durante a seca prolongada, a água continha muito cloreto e carbonato, e era bastante alcalina. Com as chuvas pesadas de março, a água nova a reduziu a um terço da anteriormente observada. Abundante matéria orgânica foi trazida pelas enxurradas, fazendo baixar a alcalinidade, até tornar a água ácida para fenolfitaleina; estas transformações se realizam rapidamente. Cessadas as chuvas, se inicia um longo período de gradual concentração de sais em solução pela evaporação, e a acidez baixa à medida que a matéria orgânica vai sendo destruída. A estratificação térmica foi observada em todos os açudes estudados, mas as diferenças entre as temperaturas das águas superficiais e dos fundos nunca foram grandes. WRIGHT, S. – 1938a – Da Física e da Química das águas do Nordeste do Brasil. IV – Condições químicas. Bol. Insp. Fed. Obr. Contr. Sêc., Rio de Janeiro, 10 (1) : 37 – 54, 3 figs., III ests. Foram estudados 4 açudes em Campina Grande (PB). As principais conclusões são as seguintes: 1) não ocorreram condições químicas capazes de prejudicar os organismos aquáticos encontrados; 2) não existiu um período definido e prolongado de estratificação térmica; 3) por causa das temperaturas elevadas nas águas mais profundas, a decomposição prosseguiu rapidamente, causando grandes modificações químicas, realizadas em pouco tempo. X Os estudos de Stillman Wright sobre a física e a química das águas dos açudes nordestinos, evidenciam fenômenos de estratificação térmica, de gases e sais dissolvidos, bem como a concentração de cloretos e carbonatos no período seco (FIGURA 2). 57 59 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Outros trabalhos brasileiros WRIGHT, S. – 1936a – A revision of the South American species of Pseudodiaptomus. An. Acad. Bras. Ciênc., Rio de Janeiro, 8 (1) : 1 – 24, 3 ests. As espécies do gênero Pseudodiaptomus Herrick, 1884, encontradas na América do Sul, estão abaixo relacionadas: * P. gracilis (Dahl, 1894) – Bem distribuída no Baixo Amazonas, com preferência pelas águas doces. Restrita à região amazônica. * P. richardi (Dahl, 1894) – Vive bem em águas doces e salobras de baixa salinidade. Tem ampla distribuição, desde o Rio Pará até o Rio da Prata. * P. acutus (Dahl, 1894) – Vive em águas salobras de alta salinidade. Encontrada desde o Rio Pará até os estuários perto de Santos (SP). * P. marshi sp. n. Vive em águas marinhas, desde a Baía de São Marcos (MA) até o estuário do Rio Capibaribe (PE). WRIGHT, S. – 1936b – Preliminary report on six new species of Diaptomus from Brazil. An. Acad. Bras. Ciênc., Rio de Janeiro, 8 (2) : 79 – 85, 2 ests. As seis espécies descritas, com as respectivas áreas de ocorrência, são as seguintes; * D. dahli sp. n. – Rio Arary (Ilha de Marajó – PA). * D. cearensis sp. n. – Açudes do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; FIGURA 2 – Esquema padrão das variações mensais sofridas pelos principais fatores químicos que caracterizam as águas de um açude [AZEVEDO & VIEIRA, 1940]. * D. isabelae sp. n. – Poços perto de Jatobá (atual Petrolândia – PE), ligados ao Rio São Francisco; 58 60 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 * D. jatobensis sp. n. – Cachoeira de Itaparica, no lado baiano do Rio São Francisco, perto de Jatobá (atual Petrolândia – PE); * D. corderoi sp. n. – Lagoa Santa (MG); * D. paulistanus sp. n. – São Paulo (SP) e Juiz de Fora (MG). WRIGHT, S. – 1936d – Limnologia das aguas de São Paulo. Arch. Inst. Biol., São Paulo, 7 (7) : 65 – 73. Foram ligeiramente estudadas as águas de reservatórios do Rio Grande (1), Guarapiranga e Sorocaba, águas próximas de Amparo, Campinas e São Paulo. Além disto, foram feitas investigações taxonômicas, que mostraram ser as águas muito pobres de Diapterus, e mesmo poucas delas os possuem. Apresenta medidas de temperatura, oxigênio dissolvido, dióxido de carbono, pH e CaCo3 . WRIGHT, S. – 1937a – A review of some species of Diaptomus from São Paulo. An. Acad. Bras. Ciên., Rio de Janeiro, 9 (1) : 65 – 82, 3 ests. As espécies revistas foram as seguintes: D. paulistanus Wright, 1936; D. furcatus Sears, 1901; D. conifer Sears, 1901 e D. coronatus Sears, 1901. WRIGHT, S. – 1938b – Distribuição geographica das especies de Diaptomus na América do Sul. In: Livro Jubilar do Professor Lauro Travassos, pp 561 – 566, 1 est., Rio de Janeiro. Editado pelo Instituto Oswaldo Cruz. As espécies encontradas no Brasil são as seguintes: D. gibber Poppe, 1889; D. deilersi Poppe, 1891; D. henseni Dahl, 1894; D. furcatus Sars, 1901; D. conifer Sars, 1901; D. coronatus Sars, 1901; D. gracilipes Van Douwe, 1911; D. aculeatus Van Douwe, 1911; D. perelegans Wright, 1927; D. mesrillae Wright, 1927; D. pearsei Wright, 1927; D. santaremensis Wright, 1927; D. insolitus Wright, 1927; D. calamensis Wright, 1927; D. flexipes Wright, 1927; D. coniferoides Wright, 1927; D. silvaticus Wright, 1927; D. infrequens Wright, 1927; D. inflatus Kiefer, 1933; D. nordestinus Wright, 1935; D. amazonicus Wright, 1935; D. iheringi Wright, 1935; D. azevedoi Wright, 1935; D. dahli Wright, 1936; D. cearensis Wright, 1936; D. isabelae Wright, 1936; D. jatobensis Wright, 1936; D. corderoi Wright, 1936; D. paulistanus Wright, 1936. Agradecimentos: Sou grato as seguintes pessoas, pelas ajudas recebidas durante o preparo deste trabalho: Anésia Torres Vieira Bayma, Hitoshi Nomura, Kraig Adler e Janet W. Reid. Bibliografia consultada [AZEVEDO, P. & VIEIRA, B. B.] – 1940 – Realizações da Comissão Técnica de Piscicultura – 1940. Boletim da Inspetoria Federal de Obras Contras as Sêcas, Rio de Janeiro, 13 (2) : 113 – 124, [28] figs. BONANÇA, D. v. I. – 1983 – Ciência e Belezas nos Sertões do Nordeste. In: IHERING, R. v. & BONANÇA, D. v. I. – Ciência e Belezas nos Sertões do Nordeste, pp. 15 – 139, figs. 1 – 25. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, 305 pp., 44 figs., Fortaleza. ESTEVES, F. A. (coord.) – (1988) 2011 – Fundamentos da Limnologia. Editora Interciência Ltda., 3ª. ed., 826 pp., ilus., Rio de Janeiro. IHERING, R. v. & WRIGHT, S. – 1935 – Fisheries Investigations in Northeast Brazil. Tans. Amer. Fish. Soc., Washington, 65 : 267 – 271. NOMURA, H. – 1991 – Vultos da Zoologia Brasileira – volume II. Coleção Mossoroense, série C/volume DCLXII, pp. 122 – 236, Mossoró. Nota sobre Stillman Wright : pp. 127 – 129. PAIVA, M. P. – 1963 – Sinopse sôbre as águas interiores do nordeste brasileiro. Bol. Soc. Cear. Agron., Fortaleza, 4 : 1 – 15. REID, J. W. – 1989 – Stillman Wright (1898 – 1989). Journal of Crustacean Biology, San Antonio, 9 (4) : 680 – 683, 1 fig. WRIGHT, D. A.; FRENINE, G. & STEVENSON, J. – 1989 – Obituary : Dr. Stillman Wright (1898 – 1989). Fisheries, Washington, 14 (3) : 22, 1 fig. 59 61 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 ANAYDE BEIRIZ – Vítima da Revolução de 1930 Natércia Suassuna Dutra* ANAYDE BEIRIZ - sempre que tenho oportunidade de falar sobre essa mulher inteligente e altiva sinto-me tomada por um sentimento de revolta e tristeza, no desenrolar da sua história. Foi uma paraibana injustiçada pela sociedade mesquinha e pela política injusta, falsa e perseguidora da época. Ela está ligada a História da Paraíba em virtude da tragédia em que foi envolvida, tendo sido sacrificada na Revolução de 1930, somente por dedicar um amor puro e sincero ao seu noivo, o jornalista e advogado – João Duarte Dantas. ANAYDE DE AZEVEDO BEIRIZ nasceu na Parahyba, capital do Estado da Parahyba do Norte, a 18 de fevereiro de 1905. Filha de José da Costa Beiriz e da sertaneja Maria Augusta de Azevedo Beiriz. Anayde tinha três irmãos: Antônio, Helena e Maria José – a Zezita. Seu pai era tipógrafo do jornal A UNIÃO, morador da Rua da República, homem pobre, sem educação superior, mas era dado às letras, gostava de discutir política e problemas sociais. Era muito apegado a filha Anayde, transmitindo a ela o gosto pela intelectualidade. Via na menina muito interesse pelas letras e fez o possível para colocá-la em uma boa escola. Com muito sacrifício a matriculou na tradicional Escola Normal da Parahyba, frenquentada por moças das melhores famílias, onde Anayde foi uma aluna aplicada. Durante o período escolar conquistou um espaço destacado. Era sempre solicitada nas festas da escola para recitar poesias e participar de peças teatrais. Anayde ressaltava vivacidade de espírito, o bom comportamento disciplinar e o aproveitamento na Escola. Concluiu o Curso Normal no ano de 1922, com 17 anos de idade (era a mais jovem), foi laureada com o 1º lugar dessa turma. As amizades feitas nessa escola permitiram a Anayde freqüentar a sociedade, participando de tertúlias e saraus, denominados de lítero dançante, realizados em residências e salões da melhor sociedade da cidade. Se sobressaía, e sempre a sua presença e das suas irmãs, Zezita e Maria Helena Beiriz, eram citadas na Crônica Social, dita como noticiário elegante. Era sempre convidada para as recepções na residência do destacado comerciante, coronel João Porciúncula, de tradicional família paraibana. Frequentava ativamente esses acontecimentos, principalmente na residência do seu padrinho, o Dr. José Maciel. Recitava com voz impostada, caprichando na gesticulação, poemas da sua lavra ou de terceiros, sendo aplaudida com entusiasmo. *Sócia Efetiva do IHGP 60 62 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Anayde brilhava entre as senhoritas da mais alta burguesia, que eram suas amigas, entre elas: Nini e Martha Porciúncula, Eimar e Áurea Pinto Pessoa, Nevinha e Maria do Carmo Oliveira, Iracy e Iracema Maia, Nautília Freire, Dedé Atahyde, Elza, Odacy e Oda de Queiroz, Maria, Clélia, Yolanda e Deborah Seixas, Maria Isabel Leite, Zenayde Silva, Dárdna e Dedra Lima, Sérvola e Maria do Carmo Velloso, Ninália Freire, Jacyntha Dantas (esta, irmã de João Duarte Dantas), entre outras. Com o diploma de professora foi lecionar na Colônia de Pescadores, em Cabedelo. Durante o dia ensinava as criança e no turno da noite desenvolvia trabalhos educativos com jovens e adultos. Foi uma professora muito respeitada e querida por seus alunos. Em março de 1930 foi eleita, por unanimidade, Secretária da Colônia. Ela costumava dizer: Realmente nasci para o magistério. No período que trabalhou em Cabedelo hospedava-se na casa da sua tia Noca. Anayde sempre procurava progredir. Em 1927 concluiu o Curso de Datilografia na Escola Remington, na 1ª turma mista da conceituada escola, tendo sido, inclusive, colega de Ana Alice Mello de Almeida, esposa do escritor José Américo de Almeida. Era independente, rompia as barreiras impostas ao sexo feminino na década de 1920. Usava ruge e batom; saia às ruas desacompanhada, usava o cabelo a la garsonne (não foi a primeira a usar esse corte de cabelo, aqui na Paraíba). Era a favor do divórcio, escandalizando os moralistas. Tornou-se jornalista, colaboradora da Revista Cidade e O Jornal, do Recife. Escrevia contos para a revista Belém Nova, do Pará. Colaborava, também, para as revistas paraibanas: Era Nova e Revista da Semana. Seus escritos eram conhecidos nacionalmente. Com certeza Anayde teria sido membro da Academia Brasileira de Letras, não tenho a menor dúvida. A escritora e poetisa Maria da Penha Beiriz Carneiro, membro da Academia de Letras do Extremo Oeste do Paraná, sobrinha de Anayde, assim defini a sua tia: Inteligente e culta, pragmática, espontânea e coerente, escritora de pensamentos claros e despojados (...) De temperamento romântico e altivo, se dava inteira às coisas assumidas. Anayde se destacava das demais moças da sua época, por sua simpatia e desenvoltura cultural. Era atraente. O escritor José Américo de Almeida descrevia, assim, o seu tipo genético: Estatura mediana, morena, olhos expressivos, boca carnuda e nariz afilado. (...) O penteado de pastinha cobria-lhe parte da face esquerda. (...) Vaidosa, vestia-se com bom gosto, dentro do estilo dos anos 20, que tinha na melindrosa, de corpo inteiro e saia curta. Com elegância equilibrava-se nos saltos Luiz XV e caminhava levitando como se tivesse asas nos pés. (...) Mesmo sendo uma moça de hábitos simples, não foi impedimento para frequentar um centro onde pontificavam Nininha Norat, Analice Caldas, Olivina Olívia Carneiro da Cunha. (...) Deixou aos amigos a imagem de suave e doce, personificando o que havia de mais jovial e alegre. Anayde nasceu no dia 18 de fevereiro, era do signo de Aquarius. Dizem, aqueles que acreditam em horóscopo, que os aquarianos vivem 100 anos a frente do seu tempo. E Anayde era assim. Seus pensamentos e atitudes eram muito avançados para a época. Tinha forte personalidade e muita coragem para enfrentar a sociedade conservadora e machista. Passou a defender abertamente a liberdade da mulher; tornou-se uma feminista, uma das primeiras na Paraíba. Lutou a favor do direito da mulher votar e ser 61 63 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 votada. Ícone feminino do modernismo na Paraíba. Em 1925, obteve o primeiro lugar em um concurso de beleza promovido pelo jornal “Correio da Manhã”. Comentava um jornalista desse mesmo jornal: Com beleza invulgar, a presença da “miss” chamava a atenção. Os amores de Anayde Anayde não teve muitos namorados. Quando se fala dos seus amores, a primeira lembrança é do nome do advogado João Dantas. Antes dele ela teve namoros passageiros com Jorge Baia e com Orris Soares. No ano de 1924, Anayde viveu um amor platônico com Heriberto Paiva, estudante de Medicina no Rio de Janeiro, ou quase platônico, se assim pode-se dizer, pois conviveram apenas um mês, período de férias de Hery, como Anaylde o tratava. A família de Heriberto Paiva não aceitava o seu namoro com Anayde, via grande diferença entre eles (vejam a discriminação), os parentes do rapaz faziam estas comparações: Heriberto: branco, louro dos olhos azuis; ela: morena, olhos escuros e cabelos negros; ele, filho de um rico comerciante, e ela, de um simples tipógrafo. Heriberto foi proibido pelo pai, de vir à Parahyba. Mesmo assim o namoro continuou, por correspondência e por um longo período, de agosto de 1924 a setembro de 1926. Uma paixão vivida através de simples cartas. Dois anos depois do término desse namoro (por correspondência), Anayde iniciou o seu romance com João Dantas, no ano de 1928. Um namoro respeitoso, Ela não era leviana como acreditam alguns, era uma jovem séria e respeitada. Dona Amélia Costa, moradora da Rua Santo Elias, vizinha da viúva Maria Augusta de Azevedo Beiriz, mãe da homenageada, dizia sobre o namoro de Anayde e João Dantas: Presenciei muitas vezes o namoro de beleza e ingenuidade desse jovem casal. Digo a vocês, comentário de vizinhas, sobre o namoro dos jovens, é comum e sempre verdadeiro, elas vêm tudo. O de Anayde e João Dantas era considerado pela vizinha, “de beleza e ingenuidade”. O saudoso Joacil de Britto Pereira na sua apreciação, que leva o título – Traços e Retraços -, do livro João Dantas e Anayde Beiriz – Vidas Diferentes – Destinos Iguais, da autoria de Maria de Lourdes Luna, diz o seguinte: Nem Anayde Beiriz era doidivana e nem João Dantas um degenerado. Eles nutriam, um pelo outro, um amor puro e elevado. (...) Tinham no coração um sentimento tão lindo e sincero que não os uniu na terra. As cartas de amor Falam muito sobre as cartas de Anayde para João Dantas, que eram cheias de erotismo, mas muita gente desconhece o teor das cartas dela para Heriberto Paiva (Hery, como Anayde, carinhosamente, o chamava) essas, sim, eram cheias de paixão e amor. As cartas de Anayde e de João Dantas não li nenhuma, mas as de Heriberto, sim, li várias. Eram cartas bem escritas, que retratavam o quanto Anayde era romântica e sonhadora. Sua imaginação era fértil. Ao escrever ela via aquelas cenas se realizarem, era como se estivesse escrevendo um romance, não as descrevia com volúpia por ser uma mulher vulgar, mas, sim, enlevada pelo grande amor que sentia por Hery. E lembrem-se vocês, sem nenhum contato físico, só por correspondência, pelo período de dois anos. Essas cartas estão no livro de Marcus Aranha – Anayde Beiriz – Pantera dos Olhos Dormentes, 2005, tive oportunidade de ler algumas. Eram cartas feitas com amor 62 64 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 e grande paixão, nascendo dali desejos e volúpias que nunca se realizaram. Cartas como essas só são feitas por poetas. E Anayde era uma grande poetisa. O que ela escrevia vinha da alma. Se fossem feitas agora, nos dias atuais, a realidade era outra, Anayde seria comparada as nossas grandes novelistas: Janete Clair, Ivani Ribeiro, Glória Perez, que escreveram novelas inesquecíveis, com muitas cenas de amor, com certeza, cenas nunca praticadas por elas, as autoras. Anayde deveria estar incluída entre esses gênios, fazendo grande sucesso. Transcrevo pequenos trechos das cartas de Heriberto e Anayde, do livro citado, páginas 81 e 83: De Hery para Anayde – Rio, 10 de outubro de 1925 (...) Ah! Anayde, como desejo nesse momento estar junto de ti, com que fervor aspiro os teus lábios que somente foram maculados por mim, como anseio enlaçar-te nos meus braços, apertar-te violentamente, até sentir o teu corpo fremente desfalecer sobre o meu peito! E, além disso, como me alegraria ao ver-te perder as forças lentamente dominada por mim, enquanto os teus lábios desejosos murmuram o nome de Hery. É o delíquio do amor! O delírio da paixão. Resposta de Anayde para Hery – Parahyba, 29 de outubro de 1925 (...) Ah! Meu Hery, como as tuas palavras chegaram-me ardentes e como me infiltraram na carne o doce veneno do desejo! Do desejo de ver-me enlaçada por teus baços fortes, de sentir-me desfalecida, machucada por tuas mãos inteiramente abandonadas à tua paixão e ao teu amor... Todo o meu corpo tremeria, numa agonia violenta de prazer e de loucura. E seria uma alegria, uma ventura ilimitada e suprema, a certeza de seres somente meu, de ser eu unicamente tua. (...) Mas, isso tudo, meu amor, é um sonho que talvez não chegue a se tornar realidade, pois que é demasiadamente alto, demasiadamente bom. Hoje vemos ao vivo, na televisão, cenas muito mais chocantes, sem nenhuma demonstração de amor e carinho, algumas chegam a ferir a nossa sensibilidade. E o pior, são vistas pelas nossas crianças e adolescentes. O fatídico ano de 1930 Após a morte do Presidente da Parahyba, em 1930, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, assassinado por João Dantas, que teve sua integridade moral atingida, a começar pelo arrombamento do seu escritório e residência, com um agravante maior, teve seus documentos e correspondências pessoais expostas ao público. Não suportando as perseguições e humilhações provocadas por aquele presidente, cometeu esse desatino. João Duarte Dantas era um homem pacato e correto. Advogado de grande valor. Intelectual; jornalista e poeta. Na entrevista à jornalista Regina von Söhsten para o Especial – A História que marcou a Paraíba e o Brasil, do jornal A União, datado de 26 de julho de 2013, Eda Augusta Dantas, sobrinha de João Dantas (que não chegou a conhecê-lo), diz o que ouviu da sua prima Lygia, filha de Augusto Caldas e da sua tia Jacinta, sobre a personalidade de João Dantas: 63 65 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Era uma figura apaixonante. Não era bandido, muito menos tarado, nem malfeitor. Alegre, adorava cantar. Respeitado e comunicativo, além de poeta e romântico. Sua verve poética se revelava nas páginas dos jornais de Pernambuco. Aqui, na sua terra, a ele tudo era proibido e negado. No final do ano de 1930, veio a Revolução com perseguições e assassinatos, até mesmo pessoas inocentes foram sacrificadas, a exemplo de Augusto Caldas, Anayde Beiriz e do ex-Presidente João Suassuna. No dia 06 de outubro – dentro da Casa de Detenção do Recife, foram sangrados João Dantas e o seu cunhado Augusto Moreira Caldas, este foi a primeira vítima, morreu jurando a sua inocência. Não houve piedade. No dia 09 de outubro – João Suassuna foi assassinado, covardemente, no Rio de Janeiro, a mando da família Pessoa; No dia 22 de outubro morre Anayde Beiriz. Suicídio? No mesmo Especial do jornal A União, de 26 de julho de 2013, o jornalista, historiador e acadêmico Otávio Sitônio Pinto, no seu artigo - A União na Tragédia de 30 -, fala sobre os assassinatos dentro da Casa de Detenção: João Dantas tomou o caso como ofensa pessoal, não mais política, e, a 26 de julho de 1930, na última viagem de João Pessoa ao Recife, matou o presidente a tiros de revólver na Confeitaria Glória. O advogado foi baleado pelo motorista de João Pessoa, e preso, A 06 de outubro foi sangrado na prisão, após violenta luta com uma comitiva da polícia paraibana, comandada pelo mesmo inimigo dos Dantas que os prendera em Teixeira, o tenente Ascendino Feitosa – segundo o cangaceiro Antônio Silvino, que cumpria pena na sela vizinh, João Dantas foi degolado juntamente com seu cunhado, o engenheiro Augusto Caldas, porque este o hospedara em Olinda. Anayde Beiriz por ser noiva de João Dantas, foi perseguida até por aqueles que se diziam seus amigos e admiradores. Mesmo sabendo que ela não tinha culpa da atitude tomada por seu noivo, passaram a considerá-la leviana e todos se achavam com direito de agredi-la moralmente. Para não ser morta, escondeu-se em um navio de bandeira internacional, ancorado no Porto de Cabedelo. Com certeza não teria sido poupada. O ódio se alastrou por todo o Estado da Parahyba, contra a pobre Anayde. Conta Ialmita Beiriz que sua tia Anayde conseguiu fugir da Parahyba, para a cidade do Recife, ficando hospedada na Avenida Caxangá, na casa da sua prima Didi, e que a tia sempre visitava seu noivo, João Dantas, na Casa de Detenção. A deturpação da História da Parahyba Ai vem, no ano de 1982, a cineasta Tizuka Yamazaki com um filme “pornô”, Parahyba, Mulher Macho, deturpando parte da História da Paraíba e transformando a nossa poeta em prostituta, apresentando fortes cenas de sexo explícito; Anayde e João Dantas, nus, no escritório, e a terrível cena Anayde sendo estuprada por um aluno, a luz do dia, em Cabedelo. Isso é revoltante. Quando sabemos que Anayde Beiriz era uma professora querida e respeitada pelos seus alunos. Como dizia, indignado, o saudoso Dr. Higino Brito: É um filme grosseiro, ferino e de mau gosto. 64 66 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 José Américo de Almeida que chegou a trabalhar com João Dantas em um escritório de advocacia, conhecendo bem os hábitos do seu colega, dizia: João Dantas não se exibia em trajes sumários, muito menos em pele e osso e até para vestir o pijama, não o fazia em presença de alguém. Diz Marcus Aranha no seu livro Anayde Beiriz – Pantera dos Olhos Dormentes – 2005, página 35: Os depoimentos históricos sobre João Dantas contradizem frontal e escandalosamente o licenciamento poético com o qual Tizuka o mostrou no filme dela. Por coisas semelhantes, e incentivada por amigos da família, Helena Beiriz, irmã de Anayde, chegou a fazer reclamação na 1ª Vara Criminal de João Pessoa que, transformada em ação judicial, em agosto de 1985, com uma cobertura sensacional e espetacular da mídia, terminou sendo julgada como improcedente. Recentemente o senhor Paulo Vieira apresentou uma peça no Teatro Santa Roza, arrasando a moral de Anayde, com cenas horríveis, como se diz vulgarmente, Anayde era uma prostituta que fazia “todo serviço”, isso explícito no palco do teatro. Continuam ganhando dinheiro as custas de uma paraibana que viveu honestamente e foi sacrificada na Revolução de 1930. Usam sua imagem sem respeitar a memória dessa mulher guerreira. Anayde Beiriz era noiva de João Dantas, não sua amante. A verdadeira amante de João Dantas chamava-se Conceição, uma bonita mulata, criada da professora Maria Hamilton. O triste fim de Anayde Beiriz Anayde Beyriz terminou os seus dias no Asilo do Bom Pastor, na Rua do Benfica, no Recife, onde cometeu o suicídio a 22 de outubro de 1930. Em um bilhete à diretora do albergue, sóror Maria José de Nazaré, Anayde solicitava que seu corpo fosse autopciado. Seu pedido foi atendido. O resultado do exame saiu dias depois, sendo constatado o seu estado de virgindade. Foi divulgado em matéria do jornal DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Ialmita Beiriz, na entrevista no Especial do jornal A União, esclarece: O enterro da sua tia Anayde aconteceu no Cemitério Santo Amaro, em Recife, e foi providenciado pela família de João Dantas. Ela não foi enterrada como indigente, segundo informam alguns historiadores, assegura. igreja. Até mesmo a Missa de 7º dia, na intenção da sua alma, foi negada pela própria Depois de muitos anos da tragédia, Anayde Beiriz vem sendo, merecidamente, homenageada. É nome de Rua na cidade de Santa Rita e de uma Praça na capital paraibana. No Bairro das Indústrias, dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida”, foi construído, aqui na capital, o “Residencial Anayde Beiriz “. 65 67 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 A acadêmica Maria da Penha Beiriz, sobrinha de Anayde, citada anteriormente, anos atrás, publicou no jornal O Norte, uma súplica: Enterrem definitivamente Anayde Beiriz e João Dantas, eles não são absolutamente dois bruxos, Eles não merecem a fogueira. O historiador Humberto Fonseca de Lucena, atual vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP, escreveu na Orelha do livro Anayde Beiriz – Pantera dos Olhos Dormentes – 2005, da autoria do médico e jornalista Marcus Antônio Aranha de Macedo: (...) A figura de Anayde Beiriz continuará a fascinar, intrigar e interessar, mais ainda, não apenas aos historiadores, mas também às outras pessoas... 41: Encerro este trabalho transcrevendo do citado livro de Marcus Aranha, na página (...) Uma Anayde que almejava um casamento, uma casinha, dois filhos, paz e outras trivialidades pertinentes a um estado de espírito ainda hoje apelidado de Felicidade. (...) Era realmente a verdadeira personalidade da professora, intelectual, cronista, contista e poetisa, sobretudo a MULHER, a Anayde Beiriz, que nasceu e viveu na PARAHYBA. Paraíba, outubro de 2013 66 68 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Helena Antônio Anayde Beiriz João Duarte Dantas 67 69 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Anayde – maio de 1922 Referências: Aranha, Marcus. Anayde Beiriz – Pantera dos Olhos Adormecidos. J. Pessoa-‐PB. Manufatura, 2005 Jornal A União. J. Pessoa-‐PB, editado em 26/07/2013 Luna, |Maria de Lourdes. João Dantas e Anayde Beiriz – Vidas diferentes, Destinos Iguais. J. Pessoa-‐PB. A União Editora, 1995 Fotografias: Acervo de Ialmita Beiriz 68 70 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Afonso Pereira nas letras jurídicas* Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra** Como historiador e pesquisador das Instituições Culturais do Estado da Paraíba, já tendo escrito a História da Academia Paraibana de Poesia e em fase conclusiva sobre a Fundação Fortaleza de Santa Catarina, da União Brasileira de Escritores, da Academia de Letras e Artes do Nordeste, do Clube do Escritor Paraibano, do Gabinete Paraibano de Cultura, entre outras, venho, também, debruçando-me sobre a Academia Paraibana de Letras Jurídicas, que graças à confiança da Escritora Clemilde Pereira, detenho os documentos oficiais e originais de tão importante entidade cultural para nosso cenário histórico de nossas Instituições. O Livro de Ata tem abertura do Imortal Afonso Pereira da Silva, retratando sua fundação em 11 de agosto de 1977 – DIA DO JURISTA – que por volta das vinte e uma horas, no Salão de Convenções do Hotel Tambaú, nesta Capital, tendo como comemoração o Sesquicentenário de Fundação dos Cursos Jurídicos, subscritos por trinta e um (31) bacharéis em direito, sendo eles: Afonso Pereira da Silva; Aurélio Moreno de Albuquerque; Antonio Carlos Escorel de Almeida; Carlos Augusto Romero; Cláudio Santa Cruz Costa; Dorgival Terceiro Neto; Edigardo Ferreira Soares; Edinaldo de Holanda Borges; Flávio Colaço Chaves; Flávio Sátiro; Geraldo Teixeira de Carvalho; Joacil de Brito Pereira; José Eweton Nóbrega Araújo; José Alves de Oliveira; José Gabínio de Farias; Luiz Nunes Alves; Luiz de Oliveira Lima; Manoel Batista de Medeiros; Mário Moacyr Porto; Newton Soares de Oliveira; Otávio de Sá Leitão; Otacílio Silva da Silveira; Paulo Américo Maia de Vasconcelos; Rivando Bezerra Cavalcanti; Ridalvo Costa; Raimundo Gadelha Fontes; Rômulo R. Rangel; Sabino Ramalho Lopes; Semeão Cardoso Cananéia; Tarcísio de Miranda Burity e Yanko Cyrillo. Quando estava à frente da União Brasileira de Escritores da Paraíba, no ano de 2010, precisamente no dia 10 de novembro, tendo como Secretária Geral a Escritora Maria José Teixeira Lopes, iniciamos as pesquisas e informações para reestruturar a Academia Paraibana de Letras Jurídicas, tomando, entre algumas iniciativas, a consulta por Ofício à Academia Brasileira de Letras Jurídicas sobre a filiação nesta Academia daquela Instituição, onde naquela data estava como Presidente o Acadêmico e Professor Francisco Amaral, com sede no Rio de Janeiro. A Academia Brasileira de Letras Jurídicas foi fundada em 1975, demonstrandose total repercussão a nível nacional que logo após dois anos já concretizava sua instalação estadual. Assim foi que recebemos da ABLJ a confirmação em 28 de dezembro de 2010 que a APLJ era filiada e que se encontrava “inativa”. O Estatuto estabelece como composição do seu quadro de sócios efetivos a totalidade de cinqüenta (50), onde cada membro efetivo terá um Patrono, não tendo havido a sua composição na forma estatutária. Passados cerca de trinta e cinco anos de sua fundação há de se verificar que muitos já faleceram e que em sua reestruturação caberá como justa homenagem a listagem dos mesmos como Patronos, dando-se como exemplo Afonso Pereira da Silva na Cadeira nº 01 por ter sido o idealizador da Academia, somando-se aos demais e inúmeros entes culturais que mapeiam nossa história. Seguindo-se por Tarcísio de Miranda Burity, Mário Moacyr Porto, Otávio de Sá Leitão, entre outros. * Discurso proferido no dia 11 de setembro de 2013 no Arquivo Afonso Pereira, durante a Solenidade de Homenagem ao fundador da APLJ, Afonso Pereira. **Sócio Efetivo do IHGP 69 71 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Foi concedido ao Ministro Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello o Título de Presidente Perpétuo. Com o Título de Fundador Honorário o Professor Ivan Bichara Sobreira e aos Juristas Raul Floriano da Silva, José Maria Othon Sidou e Sílvio A. B. Meira. Foram agraciados, ainda, com o Título de Benemérito os Doutores José Ferreira Ramos, Samuel Duarte, Osias Nacre Gomes e Hermes Pessoa. Integra a estrutura da Instituição o Instituto de Altos Estudos Jurídicos que é administrado por um Colegiado de três membros da APLJ, tendo regimento próprio e autonomia. Foram seus primeiros integrantes os bacharéis Tarcísio de Miranda Burity, Paulo Américo Maia de Vasconcelos e Mário Moacyr Porto. Observa-se, portanto, que a Academia Paraibana de Letras Jurídicas é uma Instituição rica em dados para pesquisa e engrandecimento da cultura paraibana, por conter em seus quadros nomes expressivos da nossa cultura jurídica. Outros nomes não estão contemplados como fundadores no Estatuto, mas constam do livro de Ata e que merecem todo o respeito como Fundador, onde destacamos Ofélia Gondim, Antonio Carlos Costa Moreira da Silva, Miguel Levino de Oliveira Ramos, Francisco de Assis Martins, Johnson Gonçalves de Abrantes, João Bosco Fernandes, entre outros. O Estatuto da APLJ foi publicada em 13 de dezembro de 1977 no Diário Oficial do Estado da Paraíba. Este perfil da Academia Paraibana de Letras Jurídicas é um perfil, também, de um homem envolvido materialmente e emocionalmente com as letras, fundando Colégios e Universidades, levando cultura e saber a milhares de pessoas, sem análise de seu meio social, mas de uma análise da sua necessidade de instrução, cultura e formação. Relatei em meu discurso de posse na Presidência da APLJ, no dia 11 de agosto do corrente ano, que: “O sorriso largo e franco daquele homem branco de olhos irradiantes, de braços abertos nos chás acadêmicos na Casa de Coriolano de Medeiros (Academia Paraibana de Letras), em suas tardes acolhedoras, unindo as gerações citadas, permitiu-me aprender a lutar pelos meus sonhos. Que ora possibilito realizá-lo por causa do sonho de um homem que absorveu a lição de que Cajazeiras ensinou a Paraíba a ler para ofertar ao Estado uma rede de Escolas e Universidades, entre outras ações, apenas para socializar o ensino e fortalecer as raízes do sertanejo.” Abordei ainda que “Os chás acadêmicos são saudáveis momentos para trocas de ideias”, como relatou o Imortal Carlos Romero, na contemplação dos Imortais, em suas Galerias, por serem sempre lembrados, fugindo do esquecimento da morte, mesmo que seja uma imortalidade acadêmica. Estamos hoje em mais um chá acadêmico promovido por Afonso Pereira, sendo que agora em sua eterna, a sua casa da memória, o Arquivo Afonso Pereira. O Chá Acadêmico nos conduz ao princípio da Imortalidade, onde esta é considerada de duração perpétua. Neste conceito de perpetuidade defino que o Acadêmico enquanto vivo detém apenas a qualidade de imortal e não a imortalidade. Assim, ao ser eleito e após devidamente empossado passa a usufruir da imortalidade, que nunca terá fim; que jamais será esquecido por estar eternizado na memória dos homens. Esta eternização absorvida pelo Escritor o faz caminhar entre duas correntes administrativas das Instituições Culturais. A primeira é que a luta ou o trabalho políticoadministrativo para inscrição e eleição para a Cadeira momentaneamente vaga tem sua revitalização quando o Acadêmico se torna um Escritor participativo das ações culturais e administrativas da Instituição e quando contribui com o pagamento dos valores, 70 72 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 mensais ou anuais, atribuídos como receita da Instituição e devidos pelos Acadêmicos. A segunda corrente é quando o Escritor possui no seu íntimo a intenção da “busca pela imortalidade” apenas para composição curricular e status social, abandonando logo em seguida as ações culturais e administrativas das Instituições e, principalmente, não pagando mais qualquer valor contributivo para os cofres da Instituição, passando a compor um QUADRO DE EFETIVOS INADIMPLENTES DA PERPETUAÇÃO ACADÊMCIA. Quando tratamos de ACADEMIA fazemos uma associação imediata à Academia Francesa de Letras e à Academia Brasileira de Letras. Estas Instituições tradicionais e conservadoras dos princípios acadêmicos jamais colocarão em discussão a inadimplência acadêmica. Porém, as demais Instituições já passam a discutir o tema e algumas já colocam em seus Estatutos a perda do Título de Acadêmico em virtude da inadimplência acadêmica e assiduidade nas ações culturais e administrativas da Instituição. Fato este já consolidado pela nova legislação vigente desde o advento no novo código civil de 2002. Considerando que o Escritor eleito para uma Cadeira em uma Academia de Letras, onde esta tem caráter de uma “sociedade” e que nesta sociedade o Escritor, na condição de pessoa enquanto viva detém apenas a qualidade de imortal e não a imortalidade, por ser esta de duração perpétua e que nunca terá fim, onde jamais será esquecido por estar eternizado na memória dos homens, dar-se-á como perpetuado após a sua morte. O conceito de imortalidade passa, então, a não mais ser definitivamente agregado ao Escritor eleito para uma determinada Cadeira de uma Academia de Letras, mas quando efetivamente fizer cumprir através de suas ações culturais e administrativas, como da adimplência, os objetivos da Instituição, até que a morte o venha consagrar com a IMORTALIDADE. A Instituição Cultural hoje terá que inserir em seus estatutos os requisitos de admissibilidade, exclusão e renúncia passando o Escritor a ser detentor da qualidade de Imortal enquanto cumprir as obrigações administrativas e financeiras, onde a sua morte no pleno uso e gozo da titularidade da Cadeira ocupada irá lhe proporcionar e consagrar a verdadeira IMORTALIDADE. Afonso Pereira da Silva tem a verdadeira Imortalidade, não pela condição da inércia do seu corpo, mas pelo cumprimento fiel que fez até seu último suspiro por todas as Instituições pelas quais passou e integrou, nunca se furtando de contribuir intelectualmente e financeiramente. A Imortalidade de Afonso Pereira está na sua obra, sendo esta material em todos os tijolos que colocou em cada escola, universidade ou prédio que tivesse a intenção de fomentar cultura e saber; mas, também, no que ensinou, tanto na vida como na cátedra, como afirma o Poeta e Tribuno YANKO CIRYLLO nos seu Discurso de 50 anos de Formatura, dizendo: “Com Afonso Pereira, aprendemos a grandiosidade do direito romano permeado com a sabedoria grega, cujos institutos prestaram-se a arcabouço e estrutura de uma composição greco-romana, reportando até os dias atuais como foco de irradiação cultural sem o que nenhum adepto do Direito restará totalmente instruído, completo e acatado.” 71 73 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Reportar-me neste instante ao Mestre Afonso Pereira apenas quanto aos seus dados biográficos seria repetir e não acrescentar dados à sua imortalidade, considerando que muito já se falou sobre este homem ímpar no seu exercício da cidadania, sendo necessário enfocá-lo com maior ênfase ao seu mundo jurídico, principalmente nas LETRAS JURÍDICAS que se alicerçam na Academia Paraibana de Letras Jurídicas, por ele idealizada e fundada. Para o Padre Schimitt “ninguém morre, enquanto permanece vivo no coração de alguém”. Assim, Afonso Pereira se imortaliza em suas ações culturais e permanece em nossos corações. Afonso Pereira criou Colégios e Universidades. Criou a Academia Paraibana de Letras Jurídicas. Ele na criação deu a raiz. Na permanência das ações os seus seguidores, como sua filha Ana Flávia à frente da UNIPÊ, vem dando asas à sua criação, proporcionando o selo da perpetuidade a ser alcançado por todos. José Américo de Almeida na pág. 58, 1989, do livro “Walfredo Rodrigues e a Cultura Paraibana” diz: “Eu vos dei as raízes, outros vos darão asas e selo da perpetuidade.” A Comenda Acadêmica, a Veste Talar e do Diploma de Honra ao Mérito outorgados neste instante ao seu fundador Afonso Pereira da Silva, para compor seu acervo histórico do Arquivo Afonso Pereira é o reconhecimento das Letras Jurídicas ao seu filho ilustre. 72 74 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Cajazeiras no tempo de João Jurema 2 Francisco Sales Cartaxo Rolim 3 Não falo do guarda chuva nem do homem sisudo a transitar com andar macio pelo mundo do poder. Do poder mágico aos meus olhos de menino em Cajazeiras nas imagens afloradas, muitos anos depois, quando Ivan Bichara Sobreira me trouxe para o ambiente oficial do governo da Paraíba, numa fase em que a ditadura dava sinais de declínio e tentava revigorar-se através da estratégia de abertura política lenta, gradual e segura, formulada pelo general Golbery do Couto e Silva. Nesse tempo eu enxergava na figura do Procurador da República, João Guimarães Jurema, o advogado, o deputado estadual, que eu via de longe como um símbolo da autoridade, do prestígio, da força política. Aliás, um forte símbolo, associado ao poder, tal qual registrado nas lembranças da infância. Por isso, sinto-me feliz em participar desta homenagem a João Jurema, no ano de seu centenário de nascimento. E o faço como um gesto de amor a Cajazeiras, a sua história, da qual o juiz Joaquim Victor Jurema e seus filhos são personagens inseparáveis. É disto, portanto, que venho falar aqui: da história política de Cajazeiras no tempo de João Jurema, atendendo sugestão do historiador José Octávio de Arruda Mello. 1. Cajazeiras nas primeiras décadas do século 20 Nascido em 25 de outubro de 1912, 14 anos após seu irmão Otacílio Jurema, o jovem João Jurema foi contemporâneo de acontecimentos relevantes para a comunidade cajazeirense, dos quais mais tarde ele mesmo se fez protagonista. Por essa razão, impõese rememorar esses eventos, dando-lhes o encadeamento indispensável à compreensão do contexto no qual ele galgou posições de relevo na política paraibana. As primeiras décadas do século 20 foram tempos de mudança no perfil de Cajazeiras. Não apenas no acanhado quadro urbano, mas em muitos outros aspectos: econômico, religioso, político, cultural, tendo como bases de impulso, pelos menos, os fatos a seguir enunciados. 2 Este ensaio é ampliação de texto lido em sessão comemorativa do centenário de João Guimarães Jurema, no Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, em 31 de outubro de 2012. 3 Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales), bacharel em direito, pós-graduado em desenvolvimento econômico, trabalhou na SUDENE e no BNB. Foi secretário de Planejamento da Paraíba, chefe de gabinete do superintendente da SUDENE, secretárioadjunto da Fazenda de Pernambuco, secretário-adjunto de Planejamento da prefeitura do Recife. Filiado à União Brasileira de Escritores/Pernambuco. Publicou: Política nos currais (Ed. Acauã, João Pessoa, 1979), Do bico de pena à urna eletrônica (Ed. Bagaço, Recife, 2006). 73 75 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 a) Criação da diocese de Cajazeiras, em 1914, e posse de dom Moisés Coelho no ano seguinte. b) Retomada das atividades do antigo colégio do padre Inácio de Sousa Rolim, sob a orientação da diocese. c) Realização, em 1939, do Primeiro Congresso Eucarístico Diocesano, evento que mobilizou o mundo católico do sertão e levou a Cajazeiras expressivas figuras do clero nacional, interventores estaduais e outras autoridades de estados vizinhos. d) Impacto econômico e social das obras contra as secas levadas a cabo pelo governo de Epitácio Pessoa, retomadas com vigor, após a Revolução de 30, sob a supervisão do ministro José Américo de Almeida, em particular, a construção dos açudes públicos de Pilões, São Gonçalo, Boqueirão de Piranhas. e) Chegada dos trilhos da Rede de Viação Cearense (RVC), em 1923, e com eles os trens de carga e passageiros, abrindo caminho para o progresso, como então se dizia, ao estimular a expansão das atividades agrícolas, industriais e comercais, incluindo a instalação de moderno complexo industrial derivado do algodão, compreendendo a produção e prensagem de pluma, torta, óleo e sabão, empreendimento indissociável da figura do coronel Joaquim Matos. f) Energia elétrica gerada em usina movida a óleo diesel. g) Consolidação de Cajazeiras como polo comercial, com destaque para as revendas de automóveis (Ford, em 1924), Chevrolet, (em 1927), instalação da Caixa Rural Operária (1928), embrião do Banco Agrícola de Cajazeiras. h) Aparecimento de jornais e revistas responsáveis pela difusão dos acontecimentos econômicos, culturais, religiosos, políticos, sociais, festivos e policiais do sertão paraibano. i) Fortalecimento do grupo político familiar, comandado pelo coronel Sabino Rolim, notadamente após a morte, em 1913, do coronel Justino Bezerra e da sua própria eleição para a Assembleia Legislativa da Paraíba, em 1915, ano da afirmação do mando quase absoluta da poderosa oligarquia chefiada por Epitácio Pessoa. j) Cisão no bloco político dominante, gerando profundos reflexos na história de Cajazeiras, no final da República Velha, no curtíssimo interregno democrático imediatamente após a Revolução de 30, no Estado Novo, estendendo-se até o começo da experiência democrática após a queda de Getúlio Vargas, em 1945. Todos esses acontecimentos, aqui apenas listados, sintetizam o ambiente de mudança e servem como pano de fundo para apreender-se o cenário cajazeirense que permitiu o desabrochar político do jovem João Jurema, como tento demonstrar neste estudo. 74 76 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 2. Dissidência na oligarquia dominante Enquanto o adolescente João Jurema estudava a fim de, mais tarde, tornar-se advogado, a política de Cajazeiras atravessava tempos de inflexão que influenciaram na moldagem de sua personalidade e lhe balizaram os caminhos a percorrer na vida adulta. Daí porque é indispensável definir o contexto local, no qual ele veio a ser figura proeminente poucos anos depois. O bloco hegemônico na política cajazeirense, desde o tempo do Império, formado pelas famílias das raízes do município, cindiu-se, irremediavelmente, a partir dos meados da década de 1920, em virtude da dissidência aberta pelo coronel Joaquim Gonçalves de Matos Rolim (1868-1940) no forte bloco político/familiar, chefiado pelo seu primo, o coronel Sabino Gonçalves Rolim (1865-1944), filho e principal herdeiro político do Comandante Vital de Sousa Rolim (1829-1915), tenente-coronel da Guarda Nacional.4 Antes de dissentirem, o coronel Sabino e o coronel Matos coparticiparam da direção do município de Cajazeiras, na qualidade de prefeito e vice, respectivamente, em mais de uma oportunidade. O dissidente coronel Matos passou a aglutinar forças econômicas e políticas, estimulado pelo seu espírito inovador, determinante da implantação de moderno complexo industrial à base do algodão, aqui já mencionado, o que o credenciava a transplantar para a gestão pública princípios e práticas adotados à frente de seus bem sucedidos negócios privados.5 Um dos fatos que contribuíram para afastar mais ainda os dois chefes políticos foi um desentendimento entre o coronel Matos e o delegado de polícia, Jayme Carneiro, cuja atuação muito o desagradou ao ponto de dar margem a um ultimato daquele chefe que se julgou desprestigiado por essa autoridade perante o prefeito municipal e Juvêncio Carneiro, presidente do conselho municipal, (tio de Jayme Carneiro) solicitando a demissão do referido delegado. Sendo, porém, denegada a execução do pedido por aqueles dois chefes, o sr. Joaquim Matos julgandose como era natural, mais melindrado, declarou que assim sendo, retiraria o seu apoio político ao partido chefiado pelo cel. Sabino.6 Essa foi a leitura feita pelo jornal O Sport, àquela altura porta-voz da facção do coronel Matos. O mesmo jornal, seis meses depois, em nota de primeira página, assim comemora a exoneração do delegado Jayme Carneiro: já é do conhecimento público a alvissareira nova de que Cajazeiras possui um novo delegado de polícia – velha aspiração de sua gente. Fora nomeado o tenente João Pessoa, oficial criterioso, honesto e justiceiro, com longo tirocínio na vida da caserna, já tendo exercido em 4 O avô do Comandante Vital era outro Vital de Sousa Rolim, este casado com Ana Francisca de Albuquerque (Mãe Aninha), pais do padre Inácio de Sousa Rolim, considerados os fundadores de Cajazeiras. 5 Ver Cel. Matos – um centenário (1968), depoimentos acerca da trajetória empresarial e política. 6 Jornal O Sport, ano II, nº 85, de 25/03/1928. 75 77 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 diversas localidades do Estado o cargo que a confiança do governo lhe depositou neste termo, consulta bem de perto os interesses da coletividade a que vem a servir.7 Recorde-se que a exoneração do delegado, pivô do agravamento da cisão interna no bloco cajazeirense do Partido Republicano da Paraíba, deu-se às vésperas da posse do novo governante paraibano, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, ocorrida em 22 de outubro de 1928. O governo do presidente João Pessoa, ao ensaiar a ruptura de velhos costumes políticos na Paraíba, despertou enorme expectativa de mudanças entre os partidários do coronel Joaquim Matos. No entanto, tal estímulo foi bloqueado pelo sucesso do velho chefe cajazeirense, o coronel Sabino Rolim que, mesmo tendo sido afastado da prefeitura pelo novo presidente, em 1928, logrou colocar em seu lugar, interinamente, o coronel Juvêncio Vieira Carneiro (1880-1944), seu amigo e colaborador inseparável. Esse fato causou enorme frustração nas hostes do coronel Matos, tanto que a facção por ele comandada deixou de apresentar candidatos a vereador na eleição de 31 de dezembro de 1928. Seus adeptos justificaram a ausência às urnas, por amor à coesão e pujança do partido em cujas fileiras sempre militou sem desfalecimento nem atitudes equívocas, nas palavras, escritas no calor dos fatos, pelo ardoroso defensor do coronel Joaquim Matos, o professor Antônio de Souza. No mesmo artigo, aquele jornalista aconselha o eleitorado livre de Cajazeiras a se abster do pleito a se ferir depois de amanhã como uma demonstração viva, candente de nosso altruísmo político.8 O resultado da eleição de 31 de dezembro de 1928, processada ainda a bico de pena, correspondente à décima legislatura da câmara municipal de Cajazeiras, reconduziu quase todos os vereadores, salvo, obviamente, àqueles mais ligados ao coronel Matos. Esse resultado, comemorado pelos partidários do coronel Sabino Rolim, teve leitura diferente da dissidência chefiada pelo coronel Joaquim Matos. Basta ler a avaliação editorial d’O Sport, baluarte da facção dissidente, que, depois de registrar o esforço da situação em arregimentar votantes e insinuar o uso de suspeitos processos de ajuda aos eleitores em forma de custeio de transporte, aquisição de indumentárias, o que, aliás, é muito natural em política, conclui irônico: E nem por isso deixou o nosso corpo eleitoral, que se compõe de cerca de 1.200 cidadãos hábeis para o exercício do voto, de receber com uma sintomática frieza as espertezas dos “meisinhadores” de última hora, dos politiqueiros da terra. E se gabam que têm prestígio e valor político com 335 sufrágios em que figuraram gregos e troianos!9 Transcrevo essas opiniões para colocar em relevo o grau de animosidade existente entre as facções políticas abrigadas no Partido Republicano da Paraíba, cujo chefe maior, o presidente João Pessoa, tentava implantar novos métodos de administrar a coisa pública e inovar as relações de poder, em particular, com a base tradicional de 7 Jornal O Sport, ano III, nº 112, de 30/09/1928. Jornal O Sport, ano III, nº 124, de 29/12/1928. 9 Jornal O Sport, ano III, nº 125, de 05/01/1929. 8 76 78 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 sustentação do coronelismo, antecipando modelo preconizado pelos revolucionários de 30, aglutinados na Aliança Liberal.10 A expectativa gerada no seio da dissidência era a de que a prefeitura deveria ser entregue ao coronel Joaquim Matos, mas quem assumiu, interinamente, como vimos, foi o coronel Juvêncio Vieira Carneiro, que presidia o Conselho Municipal, até a nomeação, em caráter definitivo, do professor Hildebrando Leal, um intelectual piauiense radicado em Cajazeiras, com livre trânsito entre as correntes políticas, fundador e diretor do Instituto São Luiz, diretor da prestigiada revista Flor de Liz e pessoa de total confiança do bispo dom Moisés Sizenando Coelho (1877-1959), prelado cajazeirense afinado com o coronel Sabino Rolim. Por todas essas circunstâncias, o enfrentamento aberto no interior do bloco oligárquico hegemônico de Cajazeiras ficou para mais adiante. Toda essa movimentação política de Cajazeiras era acompanhada de longe, de Fortaleza, pelo estudante João Jurema, onde cursara o ensino secundário e ingressara na Faculdade de Direito, antes de transferir-se para a do Recife. Ou era vista de perto, nos períodos de férias escolares gozadas na terra natal. Os desdobramentos de tudo isso, teria seu desfecho formal no embate eleitoral de 1935, quando João Jurema teria participação mais próxima, pois estava prestes a terminar seus estudos no Recife e, sobretudo, porque seu pai, Victor Jurema, funcionou como Juiz Eleitoral e o irmão mais velho, o médico Otacílio Jurema, foi candidato a vereador. 3. 1935: o embate definitivo na eleição para prefeito No ano em que João Jurema conclui o curso na Faculdade de Direito do Recife, Cajazeiras viveu um dos momentos mais relevantes de sua história política do século 20. Não apenas porque se realiza a primeira eleição direta e secreta de prefeito, sob a égide da recém-criada Justiça Eleitoral,11 mas notadamente pelas consequências de seu desfecho, resultante do confronto definitivo no interior do bloco hegemônico da política cajazeirense, cuja cisão vinha tomando corpo havia quase 10 anos. Dois partidos se formaram para concorrer ao pleito de 9 de setembro de 1935: o Partido Popular Cajazeirense, tendo como candidato a prefeito o coronel Joaquim Matos Rolim, e a Legião Católica, que apresentou o médico Vital Cartaxo Rolim,12 filho do coronel Sabino Rolim. Era, portanto, o tira-teima, o embate direto entre as duas facções mais representativas do poder local. Dessa disputa saiu vitoriosa a corrente que pregava a mudança dos costumes políticos, a oxigenação da gestão pública que permanecia, havia muitas décadas, em mãos do coronel Sabino Rolim, com seu feitio conservador e tradicionalista, a usar métodos reprovados pelas forças emergentes da Revolução de 30. A campanha eleitoral se deu, portanto, em redor de temas ligados à renovação política, impulsionada pela presença do industrial Joaquim Matos, na condição de 10 Ver A Revolução Estatizada, de José Octávio de Arruda Mello. O Decreto-lei nº 21.076, de 24/02/1932, aprova o Código Eleitoral e institui a Justiça Eleitoral. 12 Médico cirurgião, na época morava em Campina Grande. 11 77 79 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 candidato a prefeito, como realçava a propaganda de página inteira do jornal A Hora,13 tabloide criado por Cristiano Cartaxo para divulgar as bandeiras de luta do Partido Popular Cajazeirense. Pois bem, não é sem razão que, ao lado do coronel Matos alinharam-se jovens profissionais liberais que retornavam a Cajazeiras, exibindo seus diplomas obtidos no Recife, Rio, Salvador e Fortaleza. Na Legião Católica, além de antigos amigos e correligionários do coronel Sabino Rolim, reuniram-se também jovens empresários, entre os quais a figura polêmica de grande realce era, sem dúvida, a do empresário José Lyra Campos (19031956) que desenvolvia atividades comerciais, em particular, a de revendedor autorizado de automóveis. Além disso, José Lyra marcou forte presença no setor da construção civil com o Edifício OK,14 ousado empreendimento imobiliário, um pioneiro centro de comércio e lazer, com características que, por si só, deram a seu idealizador e executor um enorme prestígio na sociedade cajazeirense. A presença de José Lyra, junto a antigos companheiros do coronel Sabino Rolim abrigados na Legião Católica, teria desdobramentos sociais, econômicos e políticos, nos quais o jovem advogado João Jurema vai assumir o papel de protagonista, como narro mais adiante. Agora, importa o resultado da eleição, na qual saiu vitorioso o coronel Joaquim Matos, com a expressiva votação de 600 votos contra os 345 obtidos pelo médico Vital Rolim. Essa eleição representa uma inflexão na política cajazeirense no sentido de determinar o fim de um ciclo dominado pela política típica da República Velha, dando lugar a novas lideranças, compostas por bacharéis em direito, médicos, farmacêuticos, dentistas, comerciantes, professores, jornalistas. Essa mudança, todavia, não implica na perda dos vínculos substantivos à base econômica de sustentação do poder local, representada pela propriedade da terra, pelos negócios comerciais, em particular os da agroindústria do algodão.15 4. Despontar de novas lideranças no Estado Novo O regime de exceção, inaugurado com o golpe de 10 e novembro de 1937, interrompeu o engatinhar da nascente e frágil democracia brasileira. Uma das medidas iniciais postas em prática pelo ditador Getúlio Vargas foi fechar as casas legislativas, proibir a criação e funcionamento dos partidos políticos, eliminar eleições, diretas ou indiretas, de governador e prefeito. A partir daí, Vargas governou, autoritariamente, de modo que a gestão pública, associada às atividades políticas, passou a ser conduzida com intermediação de interventores nos estados, por ele nomeados. Entre outras prerrogativas, os interventores recebiam delegação para nomear os prefeitos municipais. Em vista dessa nova ordem, implantada pelo Estado Novo, a Paraíba foi governada, de início, pelo interventor Argemiro de Figueiredo, ele que já vinha exercendo o mandado de governador, escolhido pela Assembleia Estadual Constituinte, eleita em 14 de outubro de 1934. 13 Jornal A Hora, nº VI, de 14/08/1935. O Edifício OK, inaugurado em 1936, compreendia cinema, teatro, clube, fábrica de gelo, sorveteria, bar, bilhares e barbearia. 15 Ver Do bico de pena à urna eletrônica, em particular, parte 1, capítulos 2 e 3. 14 78 80 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Eleito no final de 1935, o mandato constitucional do coronel Joaquim Matos durou somente até 1938, com pequena interrupção formal logo após o golpe varguista de 10 de novembro de 1937, quando ele foi afastado, muito embora tenha deixado em seu lugar, respondendo pelo expediente da prefeitura de Cajazeiras, o secretário Francisco Patrício de Barros,16 até 04 de dezembro. Nesta data, volta o coronel Matos, agora, nomeado prefeito pelo interventor Argemiro de Figueiredo, permanecendo no exercício até completar 70 anos de idade, portanto, sendo atingido pela lei da compulsória, então posta em vigor. Mas a prefeitura de Cajazeiras ficou em casa. O médico Celso Matos Rolim, seu filho, o substituiu por nomeação do mesmo interventor para assumir o cargo de prefeito, em 23 de novembro de 1938. A presença de Celso Matos na cena política, primeiro como deputado estadual, eleito que fora em 1934, e depois como prefeito nomeado, é exemplo simbólico da reprodução das elites locais em nome do paradoxal processo de renovação política sob os auspícios do novo regime instaurado por Vargas. Na esteira desse sistema surge em Cajazeiras o jornal Estado Novo, semanário criado em junho de 1939, cujas matérias retratam a nova ordem, dando visibilidade a lideranças que, a partir dali, se sobressaíram na política cajazeirense até o golpe de 1964. Aliás, muitas delas integrantes do Expediente daquele periódico, inclusive o bacharel João Jurema, na condição de seu diretor. O Expediente do Estado Novo indicava em sua primeira fase: diretor, João Jurema; redator-chefe, Celso Matos, mais tarde, Otacílio Dantas Cartaxo; secretário, Antônio Costa Assis, depois, Antônio José de Souza; gerente, Antônio Carvalho. E apontava os seguintes colaboradores: Cristiano Cartaxo, Bandeira de Melo, Otacílio Dantas Cartaxo, Arnaldo Leite, Otacílio Jurema, Fernandes Melo, Deodato Cartaxo, José Jurema, Ferreira Júnior, Arsênio Araruna, Antônio de Souza, Antônio Assis Costa. Ali estava, portanto, boa parte dos médicos, advogados, dentistas, farmacêuticos que atuavam em Cajazeiras, como se pode conferir na seção Indicador Profissional, que o mesmo jornal Estado Novo publica em diversos números.17 Entre as novas lideranças, aparecem com destaque João Jurema e seu irmão mais velho Otacílio Jurema, uma dupla quase perfeita: um médico querido pela população pobre a quem ele prestava serviços gratuitos e um advogado atuante no sertão, com inserção na sociedade cajazeirense. Ambos, filhos do juiz Joaquim Victor Jurema,18 com passagem visível na história do judiciário paraibano. João Jurema surge como nova liderança. Exemplo sintomático foi sua escolha para saudar o governador da Paraíba, em visita oficial a Cajazeiras. João Jurema ainda não festejara o primeiro aniversário de formatura e já era escalado pela Associação Comercial de Cajazeiras para representar as 16 Patrício de Barros era empregado de J. Matos e Cia, empresa industrial do coronel Matos. Advogados: João Jurema, Otacílio Dantas Cartaxo, Manuel Ferreira Júnior, Arnaldo Gomes Leite. Médicos: Otacílio Jurema, Deodato Cartaxo, José Jurema, Celso Matos, Nilo Costa. Dentistas: João Fernandes de Melo, João Evangelista Uchoa, Genézio Cabral, Antônio Ellery. Farmácias: Higino Rolim, Cruz Vermelha, Confiança. 18 Victor Jurema nasceu no distrito de São José da Lagoa Tapada (Sousa), formou-se no Recife em 1892, foi Juiz Municipal de Cajazeiras e de São João do Rio do Peixe. Voltou a Cajazeiras como Juiz de Direito em 1908, até aposentar-se em 1937. 17 79 81 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 então chamadas classes produtoras, em homenagem feita ao governador Argemiro de Figueiredo, num banquete a ele oferecido no Palácio Episcopal. Na ocasião, João Jurema fez um discurso focado não apenas nas costumeiras louvações aos donos do poder, mas desce ao exame da problemática sertaneja, vista com o olhar de sua época, talvez sob a influência dos temas em debate no meio pernambucano, de onde regressara recém formado. Num evidente sinal de prestígio, sua fala foi transcrita, na íntegra, pelo jornal A União, três dias após ser proferida.19 Fundado em junho de 1939, o Estado Novo esteve sob sua direção durante os anos iniciais até o final de 1942 ou início de 1943, quando Cristiano Cartaxo Rolim assumiu a direção intelectual, a gerência foi entregue ao tipógrafo Pedro Gonçalves. A partir de então, o semanário passou a adotar o lema de jornal de opinião independente, em lugar do tradicional jornal da mocidade cajazeirense, da fase dirigida por João Jurema. A ação de João Jurema extrapolou, e muito, a condição de diretor do Estado Novo. Ele se afirmava no exercício da advocacia no alto sertão paraibano, numa época de raros profissionais do ramo. Destaque mais expressivo ainda foi o papel por ele desempenhado na sociedade cajazeirense, como analiso logo a seguir, a despeito do temperamento reservado e do seu jeito circunspecto, conforme depoimentos de contemporâneos seus. Excelsior Club: agremiação aglutinadora de forças políticas Ao lado de atividades forenses, João Jurema teve também intensa participação na sociedade de Cajazeiras, entre as quais, a de presidente do Excelsior Club,20 agremiação recreativa influente na vida social, cultural e política. Como demonstração da importância do Excelsior, convém registrar que, em 1939, o clube sofreu ação judicial de despejo, movida, ao que se presume, por motivação política, na medida em que o autor da ação, o empresário José Lyra Campos, fora membro ativo do grupo político adversário do coronel Joaquim Matos na eleição de 1935! O caso pode ser resumido assim. O Excelsior Club funcionava no primeiro andar do Edifício OK, de propriedade de José Lyra, que resolveu pedir, provavelmente, para instalar entidade semelhante. Talvez pelo insucesso nas negociações, ele decidiu ir à Justiça. É o que se deduz da leitura de matérias publicadas no decorrer do ano de 1939 no jornal Estado Novo, a exemplo da que foi divulgada na coluna, não assinada, Comentos da Semana, a seguir transcrita em parte. O gesto deselegante do Sr. José Lira Campos, em pedir judicialmente o pavimento ocupado pelo Excelsior Club merece veemente protesto. Os motivos que o levaram a tomar essa atitude são sobejamente conhecidos. (...) Os filhos de Candinha já diziam que o sr. Lira havia construído o majestoso edifício OK para impressionar os incautos a ganhar as eleições municipais que pleiteara e fora fragorosamente derrotado, como vem de ser na renovação da diretoria do tradicional e elegante grêmio diversional da cidade. O que ainda lhe salva é reconhecer e proclamar que, atendendo às instâncias 19 Jornal A União, 03/09/1936. O Excelsior Club foi inaugurado em 30/08/1936 com a presença do governador Argemiro de Figueiredo. 20 80 82 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 de amigos, praticara o maior absurdo da sua vida, requerendo judicialmente a retirada do Excelsior Club.21 João Jurema ocupou a presidência do Excelsior Club por vários mandatos, numa demonstração de prestígio na sociedade cajazeirense. Naquela época de regime autoritário, os partidos políticos estavam proibidos e, por causa disso, as agremiações recreativas, culturais, literárias exerciam importantes funções sociais e políticas no ambiente local, na medida em que funcionavam como polo agregador de atividades e debates em torno das questões relevantes para a cidade, em paralelo às precípuas finalidades de lazer. Os clubes era assim uma espécie de sucedâneo, um substituto, embora meio troncho, enviesado, da ação político-partidária, terminantemente abolida pela ditadura varguista. Aliás, um dos ingredientes do regime autoritário instaurado pelo golpe de 10 de novembro de 1937. Em decorrência desse contexto, a direção máxima na hierarquia do clube dava a João Jurema enorme visibilidade, aumentando-lhe o prestígio. E mais, favorecendo também sua popularidade, no tanto em que a Difusora Rádio Cajazeiras (DRC), alvissareiro meio de comunicação, noticiava eventos locais, ampliando dessa forma o efeito junto à população do protagonismo dos personagens da sociedade cajazeirense. Inaugurada em 05 de agosto de 1938 como serviço de altofalante, a DRC constituía notável instrumento de difusão comercial, cultural, política e religiosa para a época, induzindo as pessoas a se deslocarem para as proximidades dos alto-falantes localizados em pontos estratégicos da cidade. 5. A influência política da família A família como esteio político é uma constante em nossa história. No passado, muito mais do que agora. Não podia ser diferente com nosso homenageado, constituindo, portanto, fator significativo a credenciá-lo ao exercício de mandato eletivo quando da retomada do processo democrático. No Império e, sobretudo, na República Velha, auge do coronelismo como sistema político, o poder local era firmado no prestígio dos coronéis que detinham sob seu controle os cargos chaves, símbolos do mando, num esquema de compromisso no qual os chefes locais entravam com os votos colhidos nas famosas eleições a bico de pena. Entre as posições políticas assumidas pelos indicados dos grandes chefes, três se revestiam de enorme realce naquela época: a de prefeito, a de juiz e a de delegado. Um tripé responsável pela maioria das decisões que davam suporte à força dos coronéis. Essa realidade do Brasil arcaico permaneceu durante o regime instaurado pelo movimento revolucionário de 1930 e persistiu por longo tempo, disfarçada em novas roupagens, amparadas em marcos legais, administrativos e políticos. Pois bem, João Jurema recebeu por herança direta o bafejo da influência de seu pai, Joaquim Victor Jurema, juiz de direito em Cajazeiras durante muitos anos, com reconhecido prestígio na sociedade sertaneja e nos círculos do poder estadual. Outro fator relevante a esse respeito foi a presença em Cajazeiras, nos anos de 1930, 1940 e 1950, de seus irmãos médicos José e Otacílio Jurema. Em particular de 21 Estado Novo, ano I, nº 7, 16/07/1939. 81 83 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Otacílio, mercê das características de seu trabalho profissional, exercido com desprendimento, sem apego à remuneração, o que o aproximava mais ainda da população carente. Disso resultou forte acumulação de capital político-eleitoral que veio a expressar-se nas diversas eleições a que Otacílio se submeteu ao longo de sua intensa e longeva atividade partidária, muito embora não tenha demonstrado, no princípio, muito interesse na vida política. Pelo menos é o que afirma seu próprio João Jurema: Otacílio inicialmente era inteiramente averso à política, mas devido à influência de amigos, integrou-se à militância política e partidária, exercendo vários cargos de relevo não só no setor municipal, bem como no estadual e federal.22 O casamento de João Jurema com Ilina Matos de Sá, em 1945, reforçou e estendeu as bases familiares de seu prestígio e o sucesso nas empreitadas políticas futuras. Ilina era filha de Adalgisa Matos de Sá e Aprígio Gomes de Sá, portanto, neta do coronel Joaquim Matos e sobrinha de Celso Matos Rolim. Lembre-se que Adalgisa era filha do coronel Matos em seu consórcio com Maria Idalina Cartaxo de Matos Rolim (Sinhazinha) que, por sua vez, era filha do tenente-coronel da Guarda Nacional Emídio Emiliano do Couto Cartaxo (1849-1907), personagem importante no esquema de poder local no final do Império e começo da República.23 Essas ligeiras referências genealógicas servem para explicitar que, por trás do prestígio granjeado por nosso homenageado, havia poderosas raízes históricas a alimentar suas notáveis qualidades profissionais e pessoais de caráter, de probidade, do rigor no trato da coisa pública. Qualidades reveladas com expressão exemplar no alvorecer de sua vida na condição de advogado, formado no Recife em 1935, de onde retornou ao sertão para cumprir vitoriosa trajetória política e profissional. Trajetória plasmada nas lides forenses e políticas, de início em Cajazeiras, e mais tarde, em João Pessoa, com a redemocratização da sociedade brasileira, após a queda de Getúlio Vargas, já então como deputado estadual constituinte, em 1947, secretário estadual de finanças no governo de José Américo de Almeida, procurador da República durante 28 anos e professor universitário. João Jurema faleceu em 11de maio de 1995, aos 82 anos de dedicação à família, à advocacia, ao magistério, à política e ao engrandecimento de Cajazeiras. Referências bibliográficas CARNEIRO, Renato César. Origens da Justiça Eleitoral da Parahyba: de 1932 a 1937. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. ______________________ A Justiça Eleitoral da Parahyba - Fragmentos de sua história (1945-2012). João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. CUNHA, João Rolim da. Barra de Timbaúba (Ensaio genealógico). João Pessoa: A União, sem data. 22 Centenário – Cem anos de honestidade, organizada por Aguinaldo Rolim. Emídio Emiliano do Couto Cartaxo foi vereador, presidente do Conselho Municipal, delegado de polícia. Era irmão deputado federal constituinte de 1891, Antônio Joaquim do Couto Cartaxo, e do alferes João Antônio do Couto Cartaxo, assassinado em praça pública num entrevero político em 1872. 23 82 84 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 FERNANDES, Flávio Sátiro. História Constitucional da Paraíba. João Pessoa: Grafset, 1985. LEITÃO, Deusdedit de Vasconcelos. Ruas de Cajazeiras. João Pessoa: 2005. MELLO, José Octávio de Arruda. A revolução estatizada: um estudo sobre a formação do centralismo em 30. Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 1984. PINHEIRO, Leopoldo. José Lyra Campos: gigante da iniciativa privada. João Pessoa, 1959. ROLIM, Aguinaldo. (Organizador). Otacílio Jurema: cem anos de honestidade. Editora Universitária/UFPB, 1998. ROLIM, Francisco Sales Cartaxo. Do bico de pena à urna eletrônica. Recife: Edições Bagaço, 2006. SILVA, Armando Gomes da. Cartaxos: origens e ramificações. Brasília: edição do autor, 2007. SOUZA, Antônio José de. Cajazeiras nas crônicas de um mestre-escola. João Pessoa: Edições UFPB, 1981. Sem indicação de autor/organizador: Cel. Matos: um centenário. Rio: Gráfica Tupy, 1968. Jornais da Paraíba A Hora, de Cajazeiras. Dois números de 1935. A União, de João Pessoa, 03 de setembro de 1936. Estado Novo, de Cajazeiras. Diversos números de 1939, 1940, 1941 e 1943. O Sport, de Cajazeiras. Diversos números dos anos de 1927, 1928 e 1929. 83 85 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 DORGIVAL HISTORIADOR* Humberto Mello** Há exatos vinte anos, cinco meses e oito dias, em 29 de janeiro de 1993, ocupava eu esta tribuna para saudar o novo integrante do quadro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Dorgival Terceiro Neto. Ele mesmo me escolheu e me disse, confiante na amizade que já durava então mais de quarenta anos, e naquele jeitão aparentemente rude, de todos os seus amigos conhecidos: "Não é para falar muito. Se passar de cinco minutos, eu vou lá e arranco o papel de sua mão. “A amizade vinha desde quando nos conhecemos em 1950 no liceu Paraibano, então o único estabelecimento de ensino do Estado a oferecer o à época chamado Curso Colegial, hoje ensino de 2º grau. Fomos colegas de turma por oito anos: três no Liceu e cinco na Faculdade de Direito. Depois nos reencontramos na docência do Curso de Direito, já na Universidade Federal da Paraíba e fomos confrades neste Instituto e na Academia Paraibana de Letras. Em 2003, ele me ofereceu seu último livro publicado, "Taperoá - crônica para sua história", com a dedicatória: "Ao colega e amigo Humberto Meio, com a estima de mais de meio século”. Não vim aqui, porém, para falar do amigo fraterno, do prefeito e do governador operosos e avessos à chamada liturgia do poder e aos bajuladores insistentes ou do jurista ilustre, mas do Dorgival historiador: é essa a faceta a ser lembrada hoje aqui. Ele já era sócio honorário deste Instituto, num reconhecimento da Casa de Irineu Pinto aos serviços a ela prestados como administrador público. Quis ser sócio efetivo, mas não veio de mãos abanando. Em 1991 publicou "Gente de ontem, histórias de sempre". A maior parte do livro se compõe de entrevistas. O jornalista ilustre que sempre foi permanecia. Ouviu viúvas de grandes personagens de nossa história, como D. Júlia Peregrino e D. Rita Suassuna. Creio que foi a única entrevista concedida pela viúva de João Suassuna. Antes eu havia tentado entrevistá-Ia para o acervo do Núcleo de Documentação e Informação Histórica - NDIHR - da UFPB, mas ela se recusou. Dorgival, contudo, tinha acesso familiar a ela, que era prima de sua mãe. Ouviu Zacarias e Hermosa Sitônio, esta sobrinha do "Coronel" José Pereira e também Eije Kumamoto, tesoureiro do "Coronel", os oficiais da Polícia Militar e exdeputados Manuel Arruda e Jacob Frantz, e o antigo tabelião de Misericórdia Zu Silvino, todos falando sobre acontecimentos de 1930. *Trabalho apresentado em 05 de julho de 2013, quando da Sessão Solene em homenagem ao Historiador Dorgival Terceiro Neto. **Sócio Efetivo do IHGP 84 86 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Em outra entrevista, Arruda falou sobre a invasão da Coluna Prestes a Piancó, da qual resultou a morte do Padre Aristides Ferreira e de vários de seus companheiros. Entrevistou, ainda, Antônio Menino, porteiro do jornal "A União" e Cobra Verde, último remanescente vivo do bando de Antônio Silvino, além do Coronel do Exército Joaquim Urias, paraibano que esteve na Itália, integrando a Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Completam o livro estudos biográficos do Marechal Almeida Barreto, de Joaquim Inojosa - este com extenso comentário de seu livro "A República de Princesa" - e de Frei Caneca, além de estudos sobre a chegada da república na Paraíba, sobre a revolta dos Quebra-Quilos e sobre a revolta de Augusto Santa Cruz e de Franklin Dantas em 1912. Em 1999 veio a lume "Parafba de ontem, evocações de hoje". Neste apenas uma entrevista se apresenta, a que foi feita com o soldado reformado da Polícia militar Paulo Antônio do Nascimento que falou de seus combates contra cangaceiros. Há estudos sobre Capitães Mores e Presidentes da Província da Paraíba, destacando-se os sobre João Fernandes Vieira, Fernando Delgado - ao abordar o período em que a Capitania da Paraíba foi anexada a Pernambuco, Luiz Antônio da Silva Nunes e sua viagem pela Província, Beaurepaire Rohan e os governantes paraibanos que morreram no exercício do cargo, bem como sobre paraibanos que governaram outros Estados. Fala sobre a participação de paraibanos na guer~a do Paraguai e nas duas grandes guerras mundiais. Enumera os bacharéis paraibanos na Colônia e no Império. Trata da revolta popular denominada Ronco da Abelha e do incidente do "rasga vales" em Campina Grande. Sobre esta cidade, relata, também, a chacina da Praça da Bandeira na campanha eleitoral de 1950. Estuda ainda a iluminação na Paraíba e o ouro de Piancó. Volta aos acontecimentos de 1930 para falar do projetado bombardeio aéreo a Princesa e da invasão do quartel do 222 Batalhão de Caçadores. Perfila Frei João de Santa Delfina, refugiado em Taperoá depois da revolução da Confederação do Equador, Epitácio Pessoa, Floriano Peixoto, o Coronel Rego Barros, o professor Clementino Procópio, seus conterrâneos Sigismundo Vilar e Severino da Costa Nogueira e, finalmente, em discurso proferido por ocasião do homenageado, o professor Aníbal Moura, seu e meu mestre de História no Liceu Paraibano e de Teoria Geral do Estado na Faculdade de Direito. Sua probidade intelectual o levou a retificar informação dada na obra anterior sobre o verdadeiro mandante do assassinato de João Suassuna. Sobre este livro afirmou o grande mestre pernambucano Armando Souto Maior: “...registro uma virtude rara - a de como se pode fazer história com humor. É um livro que se 1ê com agrado e não por obrigação cultural." Neste como no anterior, fica evidente o que lembrou Gonzaga Rodrigues, seu contemporâneo na Casa do Estudante e companheiro na redação de A União. no prefácio de "Gente de ontem, histórias de sempre" - só se via Dorgivallendo: na Casa, na rua, nos poucos instantes vagos na redação. Sua inteligência privilegiada era constantemente enriquecida pelo saber adquirido nas leituras. 85 87 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Cheguemos à sua obra maior como historiador: "Taperoá - crônica para sua história". Na apresentação, seu primo Ariano Suassuna assinala: “O título esclarece, com exatidão, o que ele pretendeu fazer - crônica e história....Em seu livro ele fundiu vários gêneros literários ou paraliterários". Hildeberto Barbosa Filho, em artigo recentemente publicado no "Correio das Artes" salienta que Dorgival "À monotonia descritiva do levantamento de dados, tão comum e tão insossa no âmbito de nossa historiografia municipal...contrapões nos interstícios quase lúdicos das 'Estórias da história' - já aí se fazendo meio contador oral, meio sociólogo dos costumes - a para literatura entre jocosa e fantástica, num texto que provoca e seduz o imaginário do leitor." Efetivamente, o livro foge à rotina da historiografia municipal paraibana. Se traz, como não poderia deixar de fazê-lo. Notícias dos pioneiros, dos primeiros sítios e primeiros donos, da evolução do lugar de povoado a cidade e comarca, passa logo às notas genealógicas das primeiras famílias ainda hoje influentes, para mais adiante registrar outras famílias que vieram de fora e lá se estabeleceram. Não esquece dos taperoaenses que migraram para outras regiões em busca de melhores oportunidades de trabalho. Enumera os filhos da terra que concluíram cursos superiores e as diversas autoridades, civis e eclesiásticas do município. Aborda aspectos da economia municipal. E no final, como nas bodas de Caná, vem o melhor vinho - os três capítulos Acontecimentos marcantes e entreveros, Botijas, e o já mencionado Estórias da história. Em suma, o livro traz dados geográficos, falando dos rios e montes, trata dos primeiros habitantes - os bravios índios sucuru - fala, como não podia deixar de ser dos grandes proprietários rurais e dos políticos influentes, mas também de vaqueiros e tangerinos, de padres mais atentos à exortação bíblica do "crescei e multiplicai-vos" do que aos votos eclesiásticos de castidade, de tropeiros e de motoristas, de tipos populares, de bêbedos de rua, de arruaceiros, de espertalhões Livro escrito com amor à terra onde nasceu e onde quis ser sepultado. Livro definitivo, veio para ficar. Ultimamente, Dorgival vinha, vez ou outra, publicando artigos em jornais da cidade sobre temas de história da Paraíba. Em janeiro deste ano, encontramo-nos pela derradeira vez, em uma eleição na Academia Paraibana de Letras. Ele se mostrava interessado no cangaço e nos cangaceiros. Não sei se deixou algo sobre o assunto. Mas peço a seus filhos, a Germana, Dorgival Júnior e Adriana que coletem o que já foi publicado, não só depois do último livro, mas também anteriores, como "Foragido deixou botija na Paraíba" que saiu em O Norte de 12 de janeiro de 1992, e procurem os inéditos, se houver, para reunir em um livro. Creio que no volume também caberiam os discursos de posse aqui neste Instituto como na Academia Paraibana de Letras, bem como o estudo 'publicado na obra "Ministros Paraibanos nos Tribunais Superiores" coordenada por Evandro Nóbrega e publicada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, sobre dois poetas taperoaenses: o neoparnasiano Raul Machado e o cantador Elísio Félix da Costa, o Canhotinho. O primeiro, bacharel, Auditor Militar, Ministro do Tribunal .de Segurança Nacional; o segundo, analfabeto, mas dotado de maravilhosa inspiração. Falei sobre o historiador. Mas não posso deixar de registrar a saudade e a emoção que me invadem ao lembrar o grande amigo, de mais de sessenta anos de convívio fraternal. Um abraço, Dorgivai. Até breve! João Pessoa, 5 de julho de 2013 86 88 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Inter - Relacionamento entre a História e a Literatura* Joaquim Osterne Carneiro** Ao iniciar estas considerações, desejamos agradecer o honroso convite que nos foi feito pelo Escritor Alexandre Santos, Presidente da UBE - PE - União Brasileira de Escritores de Pernambuco, para participar como Debatedor do tema Historia na Literatura, dentro deste IV Congresso Brasileiro de Escritores de Pernambuco que se realiza neste dia 28 de setembro de 2011, no Centro de Convenções de Pernambuco, localizado nesta histórica cidade de Olinda. Ao nos debruçarmos sobre o tema, facilmente constatamos que desde os primórdios, há um harmônico inter relacionamento entre a história e a literatura, a partir os poemas atribuídos a Homero descrevendo a Guerra de Tróia no poema Ilíada e as aventuras de Ulisses ao retornar a ilha de Ítaca, seguidos das fabulas de Esopo e de Heródoto considerado como “o pai da historia”, em virtude de ter descrito a invasão persa na Grécia, afora a historia do Egito. Em seguida na antiga Roma, podemos destacar no século I antes de Cristo, Lucrécio com o seu “De Rerum Natura”, ou seja, a natureza das coisas, seguido de Virgilio, consagrado autor de Eneida, onde descreve a saga de Enéias, como um troiano de ascendência romana, sem esquecer Cícero, Catulo e Sêneca. Com o declínio verificado na historia do Império Romano a partir do ano dezoito, seguida das invasões dos bárbaros germânicos e o conseqüente isolamento ocorrido na Europa, surge o denominado Feudalismo, quando a Igreja Católica dar inicio ao controle da produção literária, devendo, no entanto ser destacado que a língua latina e porque não dizer a própria civilização latina foi preservada, graças aos trabalhos desenvolvidos pelos monges. A partir do século X, os poemas narram às guerras e no século seguinte surgem as Canções de Gesta, contando as guerras acontecidas nos séculos VIII e IX respectivamente, destacando-se a conhecida Canção de Rolando, sem olvidar as aventuras do Santo Graal e as lendas do Rei Artur. Entre os séculos XII e XIV devemos lembrar as poesias dos trovadores e os poemas satíricos. No período compreendido entre os séculos XIV e XVI, tem inicio o Humanismo, com a literatura mantendo as características religiosas, antecedendo o Renascimento, oportunidade em que são retomadas as idéias da antiga cultura gregoromana, com destaque para os italianos Dante Alighiere, Francisco Petrarca e Giovanni Bocaccio, afora o português Gil Vicente. * Trabalho apresentado como Debatedor do tema Historia na Literatura, por ocasião do IV Congresso Brasileiro de Escritores Pernambucanos realizado no Centro de Convenções de Pernambuco em Olinda (PE), no dia 28/09/2011. **Engenheiro Agrônomo, Escritor e Historiador. Sócio efetivo e atual Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Pertence também ao Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica; a Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro - Núcleo da Paraíba; ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; a Academia Limoeirense de Letras; ao Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano; ao Instituto Histórico de Campina Grande; a União Brasileira de Escritores da Paraíba e ao Conselho Estadual de Cultura da Paraíba. 87 89 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 No século XVI, o Classicismo resgata definitivamente a cultura grego-romana e nesta época faz-se necessário citar o português Luis de Camões, que com Os Lusíadas descreveu as epopéias marítimas dos descobrimentos, sem naturalmente esquecer os escritores franceses, o grande poeta inglês William Shakespeare e o espanhol Miguel de Cervantes. No século seguinte, surge a denominada Contra - Reforma que ocorreu máxime na Itália, na França e em Portugal, sendo necessário destacar as obras do dramaturgo francês Moliere, que satirizam o comportamento humano. Seqüenciando, temos no século XVIII o Neoclassismo, que valorizou a razão e a ciência, com destaque especial para os filósofos franceses Voltaire, Montesquieu, Diderot, D` Alembert e Rousseau; e, os ingleses Alexandre Pope, William Blake, Daniel Defoe, Samuel Richardson dentre outros, período que antecedeu o Romantismo, surgido na primeira metade do século XIX, quando se verifica a valorização da liberdade da criação, e onde se destacaram os grandes escritores portugueses Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco, além do norte americano Edgar Allan Poe. Na segunda metade do século XIX, o chamado Realismo mostra o mundo capitalista, retratando o ser humano com seus distintos problemas. Nesta fase merecem ser destacados Flaubert, Charles Dickens, Tolstoi, Antero de Quental, Dostoievski, Emile Zola, Eça de Queiroz e Baudelaire dentre outros. O período de 1910 a 1930 se destaca pelo aparecimento de novos caminhos literários e as personalidades mais significativas são dentre outros Ernest Hemingway, Fernando Pessoa, Marcel Prost e Pablo Neruda. A partir de 1940, a Segunda Guerra Mundial passa a influenciar as ações no campo literário e os grandes nomes que marcaram a literatura mundial foram Albert Camus, Jean - Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Posteriormente na década de 1950, surge a fase do Consumismo, com destaque para Allen Ginsberg, Henry Miller e Vladimir Nabokov. Nas décadas de 1960 a 1970 identificamos o Realismo, onde podemos destacar os autores portenhos Jorge Luis Borges e Julio Cortazar, o colombiano Gabriel Garcia Marques e o peruano Mario Vargas Llosa, além de Ítalo Calvino, cuja concepção é marcada pela mudança entre as relações do ser humano e a natureza, bem como o aparecimento de uma ação critica da natureza e porque não dizer da ficção. No tocante ao nosso país, a fase primeira da literatura brasileira é representada pela Literatura praticada pelos Jesuítas, quando o Padre José de Anchieta ocupa lugar de proeminência com seus sermões, poemas e hinos no seu trabalho voltado para catequizar os indígenas, sem esquecer Pero Vaz de Caminha, que prestou informações sobre o Brasil ao rei de Portugal. O século XVII é a fase do Barroco, caracterizado pelos conflitos no campo espiritual, sendo marcada pela linguagem rebuscada e tendo como principais autores Gregório de Matos e o Padre Antonio Vieira, e, no século seguinte surge o Neoclassicismo, também denominado Arcadismo, quando a linguagem até certo ponto complexa foi substituída por uma linguagem direta e mais fácil. Os principais autores deste período são Cláudio Manoel da Costa, Basílio da Gama e Tomás Antonio Gonzaga. No século XIX é a vez do Romantismo que é marcado pelo nacionalismo, o espírito sonhador, a valorização da liberdade e a utilização das metáforas. Nesta fase os grandes nomes são José de Alencar, Gonçalves Dias, Castro Alves, Cassimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e Junqueira Freire. De outra parte, na segunda metade do século XIX, com o declínio do Romantismo, surge o Realismo, que é marcado pelo objetivismo, pela valorização dos 88 90 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 personagens inspirados nas coisas reais, pela critica social e pela utilização das cenas do cotidiano. Destaque especial é conferido a Machado de Assis, Raul Pompéia e Aluisio de Azevedo. O Parnasianismo surgido no final do século XIX e inicio do século XX procurou valorizar os temas clássicos e a poesia descritiva, empregando uma linguagem rebuscada, ignorando os problemas sociais próprios da época. Os principais autores parnasianos são Olavo Bilac, Raimundo Correa e Alberto de Oliveira. No final do século XIX, quando os poetas usavam uma linguagem sugestiva e abstrata, é o período do denominado Simbolismo e os principais autores são Alphonsus Guimarães e Cruz e Souza. A transição verificada entre o Parnasianismo e o Modernismo, origina o Pre´Modernismo,(1902 a 1922), que é marcado pelo regionalismo e o positivismo, quando a linguagem é coloquial e procura valorizar as questões sociais. Os principais autores desta fase são Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos. Com a Semana de Arte Moderna acontecida em 1922 em São Paulo, surge o Modernismo que se estende até 1930. Este período é caracterizado pelo nacionalismo, pelas os temas urbanos e pela liberdade no uso das palavras. Os principais autores modernistas são Mario de Andrade, Cassiano Ricardo, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira. De 1930 a 1945, é a vez do Neo-Realismo, oportunidade em que são retomados os grandes problemas sociais, as criticas e as denuncias, afora os assuntos urbanos e religiosos. Os nomes mais significativos deste período são José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cecília Meireles e Carlos Drumond de Andrade dentre outros. No campo da História, Frei Vicente do Salvador recebeu o epíteto de o “HERODOTO BRASILEIRO”, por sua obra histórica concluída na cidade do Salvador em 20 de dezembro de 1627.Trata-se da sua HISTORIA DO BRASIL que permaneceu inédita por mais de dois séculos e meio, como afirmou o renomado historiador paraibano Guilherme Gomes da Silveira d`Àvila Lins, Sócio Efetivo do IHGP - Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, no seu discurso de posse como Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em sessão solene do dia 04/05/2011. Esta obra foi impressa pela primeira vez em 1886/1887. Segundo Guilherme Gomes da Silveira d´Avila Lins no seu pronunciamento já aludido afirmou: “O “Heródoto Brasileiro” foi a Paraíba onde missionou índios numa época de grande carência de religiosos nessa terra. É preciso, pois, lembrar que por ocasião da conquista da Paraíba em 1585 o baiano de Matoim, Vicente Rodrigues Palha, futuro clérigo secular e futuro Frei Vicente do Salvador, O.F.M., era um mancebo de aproximadamente 21 anos, estudante na Universidade de Coimbra e que sequer havia atingido a maioridade”. Meus senhores e minhas senhoras, a interação e o inter-relacionamento entre a história e demais ramos literários é no nosso entendimento uma realidade e não são poucos os historiadores que adentram na poesia, nos diferentes campos da prosa e da literatura como um todo, sendo muitas vezes difícil separar o romancista, o memorialista, do historiador e vice - versa. Estas são as considerações que tínhamos de fazer neste importante debate sobre a historia na literatura. 89 91 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 PRONUNCIAMENTO DO HISTORIADOR JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO*, QUANDO DA CRIAÇÃO DO INSTITUTO HISTÓRICO DE CAMPINA GRANDE, EM 26 DE MARÇO DE 2012. Dr. Hermano Nepomuceno, representante do Dr. Veneziano Vital do Rego Segundo, digníssimo Prefeito municipal desta cidade; Senhor Vice Governador Rômulo José de Gouveia; Senhor Senador Cássio Cunha Lima; Dr. Arlindo Almeida, representante do Presidente da FIEP; Dr. Francisco de Assis Benevides Gadelha; Humberto Cesar de Almeida e Maria Ida Steinmuller, em nome dos quais saúdo os confrades e confreiras do Instituto Histórico desta Rainha da Borborema. Prezados amigos, minhas senhoras e meus senhores. Costumo afirmar e mais uma vez irei repetir, que a vida nos reserva momentos de intensa alegria, entremeados de instantes de indescritível tristeza. Neste momento estou vivenciando uma grande satisfação, não somente por retornar e esta aconchegante e hospitaleira urbe, conhecida e exaltada pelo valor que confere as letras e as artes, onde tive o ensejo de trabalhar em duas oportunidades como técnico do velho DNOCSDepartamento Nacional de Obras Contra as Secas, na década de sessenta da centúria passada, mas principalmente por estar participando nesta data, da implantação de uma importante instituição que será de fundamental importância para este velho burgo sertanejo. Assim, o Instituto Histórico de Campina Grande, a denominada Casa de Elpídio de Almeida, que está sendo festivamente criado ou recriado como queiram, terá um papel preponderante na preservação da memoria e no incentivo a realização de pesquisas, tornando realidade os sonhos de muitos intelectuais campinenses e paraibanos. A partir de agora, professores e estudantes, especialmente das escolas públicas, historiadores e pesquisadores das mais distintas áreas do conhecimento humano, irão dispor de um local para desenvolver suas atividades relacionadas com a rica historia da Paraíba como um todo e de Campina Grande em particular. Mas minhas senhoras e meus senhores, permitam que faça uma pequena digressão, para lembrar que após ter assumido a presidência do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em 07 de setembro de 2010, constatei que fazia necessário ser prestada uma homenagem a Elpidio de Almeida, Patrono da Cadeira Numero 5, da centenária Casa da Memoria da Paraíba, de maneira a assinalar o seu papel como notável historiador. Nesse sentido, mantive entendimentos com Humberto Cesar de Almeida e com Maria Ida Steinmuller e inicialmente seria colocada sua fotografia na galeria de honra existente no IHPG. Posteriormente, após o V Colóquio dos Institutos Históricos Brasileiros realizado na sede do Instituto Histórico Brasileiro, no Rio de Janeiro, no período de 19 a 21 de outubro do ano pretérito, quando o tema central foi a criação dos institutos históricos municipais, a idéia evoluiu e o resultado foi o ressurgimento, a criação, a implementação deste Instituto Histórico de Campina Grande. Faz-se necessário acrescentar que, atendendo a indicação que fiz a historiadora Maria Ida Steinmuller, na qualidade de representante do Dr. Humberto Cesar de Almeida se fez presente ao aludido simpósio e empolgada com o que ali foi discutido, ao regressar, de imediato se debruçou e se dedicou a criação deste Instituto Histórico que agora se torna realidade. *Presidente do IHGP 90 92 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Para isso, recebeu o incentivo e a colaboração de diversos estudiosos, professores e historiadores, devendo ser destacado o apoio da Prefeitura Municipal, na pessoa do Dr. Veneziano Vital do Rego Segundo, que demonstrando um grande sensibilidade, se dispôs a doar o imóvel onde dentro em breve estará funcionando a Casa da Memória de Campina Grande. Ao encerrar, desejo me congratular com aqueles que estão preocupados em conhecer e estudar a historia local, pois como sabemos, os fatos históricos têm inicio no município e a partir daí se estendem para o estado e para a nação. O Instituto Histórico de Campina Grande se constituirá no prolongamento do venerando, do centenário Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e estará em sintonia com as diretrizes emanadas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 91 93 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 PRONUNCIAMENTO DE HUMBERTO DE ALMEIDA*, DECANO DA FAMÍLIA DO DR. ELPÍDIO DE ALMEIDA, NA SESSÃO SOLENE DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO, REALIZADA NO DIA 13 DE SETEMBRO DE 2012. Sinto-me lisonjeado ao ser distinguido pelo meu grande amigo Joaquim Osterne Carneiro para fazer a aposição do retrato do meu saudoso pai Elpídio de Almeida, na Galeria dos Patronos do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano que foi fundado em 07 de setembro de 1905, sendo a mais antiga instituição cultural do nosso Estado. Considero o momento de uma significação toda especial para mim, ao assumir a incumbência de relatar a biografia de um homem sério de múltiplas qualidades, sendo Patrono da Cadeira número 5 deste importante Instituto. Nasceu no dia 1º de setembro de 1893, no sobrado da família em Areia- PB, mas há quem afirme que foi na Casa Grande do Engenho da Várzea, do município anteriormente citado, local escolhido pelo Governador José Américo de Almeida, para fundar a Escola de Agronomia do Nordeste, obra educacional, em homenagem à sua terra natal, atualmente sede do Campus II, da UFPB. É oportuno citar a figura de José Américo de Almeida a que mais se projetou na Família Almeida, e, não revelar a sua carreira política e o acervo de sua obra literária e os principais títulos alcançados com sua inteligência fora do comum, seria no mínimo inconcebível para o momento. Portanto, tenho a honra de transcrever o personagem oriundo de família pobre, que após a morte do seu pai, aos nove anos, foi entregue aos cuidados de um tio, Padre Odilon Bemvindo de Almeida, internando-o no Seminário de João Pessoa. Sem vocação, deixou o Seminário e ingressou no Liceu Paraibano, para bacharelar-se na Faculdade de Direito do Recife em 1908. Após a formatura, voltou à Paraíba sendo nomeado Promotor da Comarca de Souza. Posteriormente ocupou importantes cargos públicos nas esferas estadual e nacional. Em 1937 lançou-se candidato a Presidência da República não logrando êxito, por ser traído por Getúlio Vargas, que o apoiava, dando o golpe, surpreendendo a Nação, fechando o Congresso Nacional, cancelando as eleições presidenciais e dando início ao Estado Novo em 1937 a 1945. Para ilustrar a brilhante carreira política, administrativa e cultural do ex - Ministro José Américo de Almeida, menciono os mais importantes cargos conquistados pelo seu valor: Ministro da Viação e Obras Públicas do Presidente Getúlio Vargas, por duas vezes, Senador da República, Membro da Academia Brasileira de Letras, Embaixador do Brasil junto à Santa Sé. Destacou-se como escritor, escreveu várias obras, porém sua obra prima é o romance “A Bagaceira”, lançado em 1928 e, atualmente, com mais de trinta edições em língua portuguesa e traduções para diversos idiomas, espanhol e inglês, o francês e o esperanto, afora outros títulos. Agora, sinto que é oportuno falar sobre a Família Almeida, sua origem em Portugal. Segundo o Armorial Lusitano, provêm os Almeidas de Fernão Canelas, na Freguesia de Mangualde, pai de João Fernandes de Almeida, que pelos anos de 1223 a 1245 fundou no Julgado de Azurara da Beira, hoje Concelho de Mangualde, uma aldeia denominada Almeida, em 1258. Em uma das minhas viagens a Portugal, suscitou-me a curiosidade e fui conhecer a Aldeia Almeida, hoje, mais conhecida por Almeidinha. Dando continuidade, detalharei sobre sua formação e vida pessoal com o casamento de Rufino Augusto de Almeida e Adelaide Jocunda da Costa Gondim, em 28 de setembro de 1891. Do casal nasceram cinco filhos, sendo pela ordem, a mais velha Maria Eugênia, depois Elpídio, Pedro, Horácio e José Rufino. *Médico, Empresário e Pecuarista. 92 94 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Após concluir os preparativos, Elpidio segue de navio, para o sul, cursando, durante o ano de 1911, Engenharia em São Paulo. Sentindo que não tinha aptidão para a Matemática, volta ao Rio de Janeiro e faz o curso de Medicina na Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha. Elpídio Josué de Almeida foi concluinte laureado na turma de 1918 e ao fazer a defesa de sua Tese de Doutorado “Contribuição ao Estudo da Eschistosomose Mansônica”, foi distinguido pelo eminente Professor Miguel Couto com as seguintes palavras: “Levante-se essa cortina feita de modéstia em que se encontra o Elpídio. Só assim se poderá ver nele o estudante modelo que é no mais legítimo significado de expressão. Três qualidades, qual mais nobre e honrosa, o caracterizam: uma inteligência fora do comum, um coração bem formado, uma força de vontade sem limites. Com três dotes de espírito, quem terá dúvidas sobre a sua vitória na vida? Um pouco menos de modéstia e um pouco mais de audácia. Que desses filhos assim muito exigem a humanidade e a ciência, que o criam e forma para o seu próprio bem.” Depois de formado em Medicina ficou algum tempo no Rio de Janeiro na expectativa de que seu parente José Américo de Almeida lhe desse a oportunidade para exercer a profissão na Cidade Maravilhosa. Mas como o Ministro era avesso a nomear parentes, não o ajudou. Desiludido, volta ao seu Estado e foi nomeado pelo antigo Mestre, então Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, Doutor Carlos Chagas, para o cargo de Inspetor Sanitário Rural. Em seguida o Governador do Estado deu-lhe a tarefa de reorganizar o Centro de Saúde de Campina Grande, que se encontrava em precárias condições de funcionamento. Veio para Campina Grande e logo decidiu fixar residência. Em seguida instalou consultório em parceria com o odontólogo Dr. Idelfonso Ayres, alugando uma casa vizinha a Farmácia Azevedo, pertencente ao Doutor João Tavares, um dos primeiros médicos a exercer a profissão em Campina Grande, situada na Rua Maciel Pinheiro, hoje totalmente modificada na sua estrutura pelo ex-prefeito Vergniaud Borborema Wanderley, que administrou a cidade por duas vezes, entre 1935 e 1945, considerado um prefeito moderno, com uma visão voltada para o futuro. Meu pai no exercício liberal da medicina, sua verdadeira vocação, tornou-se conhecido em toda a região da Serra da Borborema, como sendo o médico dos pobres e assim ecoava em todo o Estado. Fato curioso, ao voltar a Areia, sua terra natal, já formado em Medicina, encantou-se com a filha primogênita do senhor de Engenho Josafá Cesar Falcão, seu futuro sogro e tomou-se de amores, terminando acatando o conselho do seu pai Rufino que via de bons olhos o casamento. Para isso, quando se encontrava com o velho Rufino, pai de Elpídio, dizia: “Josafá, casa tua filha com o filho do teu vizinho”. Ambos moravam na mesma Rua Santa Rita, hoje Rua Getúlio Vargas, no sobrado próximo da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, cujo vigário da paróquia era o Padre Odilon Bemvindo de Almeida, que exerceu de 1888 a 30 de junho de 1912, quando faleceu. Elpídio por ser de formação retraída e muito tímida, solicitou do seu parente e amigo Simeão Leal, filho de Dona Maroquinha, irmã de José Américo de Almeida, para ir ao sobrado na presença da família e pedir a mão de Adalgisa ao seu pai Josafá Cesar Falcão, dono do Engenho Cipilho, que de bom grado aceitou. Cumprida a formalidade, marcaram o casamento. Hoje em dia os tempos mudaram, quase aboliram o ritual. Do casamento nasceram quatro filhos: Humberto Cesar de Almeida, Orlando Augusto Cesar de Almeida, Antonio Américo Cesar de Almeida e a caçula Elza Maria Cesar de Almeida, infelizmente todos já falecidos com exceção do autor desse depoimento. No exercício da profissão dedicou-se com tal paixão e responsabilidade que quase comprometeu a sua saúde. Dedicava-se exclusivamente ao estudo e a leitura dos livros que o livreiro José Pedrosa, seu grande amigo dono da saudosa Livraria Pedrosa, lhe enviava todos os 93 95 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 meses, para escolher os lançamentos sobre Medicina e Cultura geral. Sua vida era orientada pelo relógio, absolutamente pontual, diuturnamente. A vida tem seus caprichos e o destino quase sempre modifica os caminhos que idealizamos para as nossas vidas. O caso do Doutor Elpídio é um exemplo desse paradigma. Sua vocação era para ser Médico ou Professor Universitário, jamais Político. Vejamos como o destino mudou o seu caminho. Campina Grande na época era dominada pelo carisma do grande líder Dr. Argemiro de Figueiredo, advogado combativo que militava no Fórum da cidade e de todo o Estado, considerado pelos seus colegas de magistratura como um grande tribuno. Na condição de chefe da UDN, partido majoritário do Estado, achou por bem indicar seu cunhado Major Veneziano Vital do Rêgo, seu grande amigo, candidato a Prefeito da cidade, sem uma prévia consulta popular. Campina Grande conhecida pela sua rebeldia agitou-se e articulou uma reação com o apoio da oposição. Dessa reação surgiu o nome do Doutor Elpídio, por ser um homem do povo, médico humilde, sem mácula, caráter sem jaça, honesto e obcecado pelo trabalho. A identificação estava feita faltando apenas comunicá-lo. Daí se formou uma comissão dos comerciantes, industriais, políticos e o povo e foram cumprir a missão. Certa noite, sem meu pai nada saber, estávamos jantando, quando fomos surpreendidos, bateram à porta do escritório e entraram; à frente Severino Cabral, José Arruda, Pedro Sabino, Antonio Coutinho, vários outros amigos e parte do povo e a ele revelaram a notícia. A missão quase não foi a termo, porque meu pai recusava o convite que muito lhe honrava, mas não sendo político tinha razões pessoais que considerava impedido para dar um “sim” aos amigos. Finalmente, já passava da meia noite quando meu pai apelou para minha mãe e fez a seguinte indagação: “Adalgisa, o que eu faço?”. Ela, que a tudo assistia calada, disse: “Elpídio, você não pode se negar a um pedido dos seus amigos; aceite!”. E foi assim que o Doutor Elpídio se tornou candidato do povo e venceu as eleições com uma votação esmagadora, em menos de um mês de campanha. Eleito Prefeito e como seu Vice o amigo e colega Doutor Severino Cavalcanti Cruz, preocupou-se com quem convidaria para compor o secretariado. Reuniu-se com os amigos e dividiu a responsabilidade democraticamente, chegando à conclusão, por unanimidade, quais as pessoas convocadas para compor o quadro dos companheiros de primeiro escalão. Se não me falha a memória foram: José Lopes de Andrade (Sociólogo), Félix Araújo Filho, Lino Fernandes, Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, Austro de França Costa, Noaldo Dantas e outros bons nomes que foram chamados posteriormente. Não sendo indicado por Partido Político ficou à vontade para fazer seu Secretariado sem nenhuma pressão. Falou mais alto o bom senso e o espírito público. Hoje em dia se nomeia um cidadão sem qualificação para o cargo, desprovido totalmente de caráter. Governou Campina Grande por dois períodos de 1947 a 1951 e reeleito para o mandato de 1955 a 1959. Foi eleito Deputado Federal, sendo votado em quase todo o Estado e em Campina Grande, obtendo uma votação de quase todos os eleitores da cidade. Fato inédito, jamais igualado por outro candidato. Na Prefeitura, com o apoio e a colaboração de uma equipe valorosa e bem motivada, trabalhava com tal entusiasmo que empolgava a população, vencendo todos os obstáculos. Doutor Elpídio dava exemplo de um líder sério, honesto e com grande espírito público. Sem receber nenhum auxílio dos Poderes Estadual e Federal, conseguiu com austeridade, honestidade e muita força de vontade equilibrar as finanças, executando com um bom planejamento grandes obras essenciais para o povo. Sem ser comunista exerceu o poder priorizando o social e a educação. Com a valiosa colaboração de Félix Araújo, grande vítima dos seus ideais e dos invejosos, políticos fracassados. Do grande educador Anísio Teixeira, conhecido nacionalmente, e do seu ex-aluno Durmeval Trigueiro, que possibilitaram ao Doutor Elpídio construir escolas para atender as 94 96 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 crianças pobres. Foi o primeiro dirigente da Liga Campinense Contra a Tuberculose e também primeiro presidente da Sociedade Mantenedora da Faculdade de Medicina de Campina Grande, em 1968, hoje incorporada a Universidade Federal de Campina Grande. Foi nomeado Prefeito da cidade de João Pessoa, mas não tomou posse. Em homenagem a mulher de Campina Grande construiu a Maternidade Municipal que tomou o seu nome, sendo a primeira e única maternidade completa de todo o interior do Nordeste. Criou a FUNDACT-Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e da Técnica e tantas outras obras importantes que deixo de citar para evitar a fadiga dos presentes a esta solenidade. Sua passagem terrena ficou imortalizada pelo seu maior legado cultural que foi o livro HISTÓRIA DE CAMPINA GRANDE, lançado em 1962, e que o Instituto Histórico de Campina Grande, que o homenageia dando-lhe a sub denominação de “Casa Elpídio de Almeida”, está cuidando do lançamento da 4ª. Edição ampliada e revisada pelo próprio autor, e que será lançado no ano das comemorações do Sesquicentenário de Emancipação Política de Campina Grande, em 2014. Finalizando cito Noaldo Dantas, Vereador e leal companheiro do meu pai, que guardou várias máximas em suas conversas com o Doutor Elpídio, entre elas: “A oportunidade nunca chega. Ela reside em cada um de nós. Basta despertá-la”. “Muito cuidado com as coisas que não têm volta: as palavras, o tempo e a ocasião”. Doutor Elpídio foi para mim mais do que um exemplo, deixou-me uma lição. E do meu amigo Virgílio Brasileiro, relembrando as comemorações do Centenário de Nascimento do meu pai, escreveu em sua brilhante conferência e tomo emprestado as suas palavras quando disse: “A vida do Doutor Elpídio podia ser contada para as crianças – Era uma vez um homem de bem”. Muito obrigado! 95 97 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 PRONUNCIAMENTO DE TELMA PORDEUS* EM 21 DE MARÇO DE 2013, QUANDO DA HOMENAGEM A TERESINHA DE JESUS RAMALHOS PORDEUS Teresinha de Jesus, nome de Santo, vida sofrida de muitas batalhas. Nasceu tão pequenina que minha avó a colocava em cima da mesa numa caixinha de sapato. De vez em quando alguém vinha para ver se ela ainda estava respirando, porque o médico disse para família que “a menina não deveria durar mais que seis meses”. Garota valente, calou todo mundo e cresceu forte e “parruda”. Sua valentia era famosa. O gosto pela política veio cedo, fazia e terminava comícios. Em período eleitoreiro conduzia chapas escondidas nos bolsos da saia e cabalava votos para seus candidatos preferidos. Um dia seu primeiro pretendente deixou-a esperando quase no altar. Seu vestido estava pronto, espalhado na cama, quando chegou um telegrama avisando que o noivo não viria. Cortou suas vestes, seguiu para brincar o carnaval e fez fantasia daquele vestido. Do segundo Cavalheiro eu guardo até ciúmes, parece que foi romance de filme! Mas, não sei por que não vingou. “O terceiro foi aquele que a Teresa deu a mão”! Primo querido que um dia foi alçado à categoria de namorado. Tendo sido aprovado num concurso foi morar longe. Disse-lhe que voltava para casar. Mas ela pensou caso semelhante pudesse se repetir. Um dia o namorado enviou um telegrama marcando a data do seu retorno e o casamento. Ela pensou que era brincadeira, nem vestido de noiva fez! Casou; mas de acordo com a sociedade marido de antigamente, não deixava a esposa estudar nem trabalhar fora do lar. Vieram os filhos, um menino e uma menina. O menino partiu cedo, virou anjinho, e ela teve a tristeza de carregar seu filho morto durante horas por não querer colocá-lo em um caixão. O marido era bom, a amava muito, mas tinha um vício: a bebida. Morreu cedo, também, nem aliança comemorativa pelos dez anos de casamento recebeu, ele foi antes. Da dor, à reviravolta. Retomou aos seus cadernos, terminou os estudos e fez faculdade; escreveu livro e entrou para os imortais do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano – IHGP, e outros órgãos congêneres, mais recentemente a Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba – AFLAP. Mulher forte, que amou, foi amada, foi mulher, mãe, professora. Mulher exemplo que virou a mesa, mudou sua vida e a minha. Amiga que entende que filho é para o mundo. Deixou-me ser feliz, mesmo longe. Com suas mãos cheias de anéis que brilham, fez lindos bordados que enfeitaram e ainda, adornam nossa casa. E hoje, ela vive em nossa saudade... Telma Ramalho Pordeus, *Arquiteta, filha de Teresinha Pordeus. 96 98 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 SAUDAÇÃO DO HISTORIADOR JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO* AO HISTORIADOR BERILO RAMOS BORBA, QUANDO DO SEU INGRESSO NO IHGP, EM 18 DE MAIO DE 2013 A essência profunda e exuberante da vida, nos seus encontros e desencontros, nos seus acertos e desacertos, nos seus caminhos e descaminhos que em diferentes oportunidades feliz ou infelizmente somos obrigados a percorrer, muitas vezes nos proporciona alegria, satisfação, contentamento, decepção, tristeza, melancolia e desânimo, que em determinadas circunstancias nos acompanha para sempre. Esta solenidade em que recepciono Berilo Ramos Borba, no seu ingresso como Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, para ocupar a Cadeira Nﮆڎ 24, que tem como Patrono o inoxidável Irineu Ferreira Pinto e que se achava vaga, em face do falecimento de Joacil de Britto Pereira, uma das figuras mais proeminentes das letras, das artes, da política e da historia da Paraíba, do nordeste e do Brasil, ficará para sempre na minha memoria e me acompanhará enquanto vida tiver. Este augusto momento, este instante de sentimento e de solidariedade, de fraternidade e de confraternização, de harmonia, de felicidade e de esperanças haverá de permanecer comigo, haverá sempre de ocupar um espaço perene na minha mente, no intimo do meu espírito, no meu coração, onde apesar das asperezas que enfrento no dia a dia, ainda há lugar para sonhos e quimeras, para navegar a procura daquilo que representa o que há de melhor e de mais importante para a humanidade, que é a paz e a harmonia entre os homens. Mas se estou alegre, se estou reconfortado, se me sinto orgulhoso pela confiança recebida, por representar este cenáculo da sabedoria e da memoria, este silogeu da nossa pequenina e heróica Paraíba vislumbro uma grande responsabilidade que terei de enfrentar, pois estou recebendo uma personalidade das mais respeitadas no campo da literatura, da genealogia e da historia da nossa terra, que é o professor, o historiador, o advogado e o genealogista Berilo Ramos Borba, que infunde respeito e confiança, a quanto têm o prazer de conhecê-lo, principalmente pela cultura jurídica e humanista que ornamenta sua marcante personalidade. Natural do município de São João do Cariri, localizado no coração de uma das regiões mais adustas do nosso Estado, Berilo Ramos Borba, descende da família Correia Lima, particularmente do Doutor Genuíno Correia Lima e de sua mulher Firmiana da Costa Ramos. Este casal realmente se situa no rol dos verdadeiros desbravadores e colonizadores dos municípios de São João do Cariri e Serra Branca respectivamente. Faz-se necessário afirmar que, Genuíno Correia Lima descende de Bento Correia Lima, senhor do Engenho Goiana Grande, de Pernambuco que em 1700 obteve terras na Paraíba e posteriormente se fixou no município de Areia, no brejo paraibano. Concomitantemente, da mesma família do capitão Bento Correia Lima é conveniente lembrar o capitão Alexandre da Costa Cunha Lima e o capitão Rufo Correia Lima, senhor do Engenho Poções, casado com Rita Francisca de Moraes Correia Lima que constituíram a família Correia Lima nos municípios de Pilões, Areia e Serraria, os Cunha Lima e os Azevedo Cunha, a família Cunha do município de Pilões e os Duarte dos Santos Lima no município de Serraria também no brejo paraibano. Nessas condições me sinto a vontade para falar a respeito de Berilo Ramos Borba, pois seu bisavô Genuíno Correia Lima era irmão do Coronel Manoel Ildefonso Correia Lima, avô de Maria Augusta Correia Lima, minha companheira há mais de 50 anos, esposa dedicada e devotada mãe de Francisco Antonio, Luciano e Licania queridos filhos que nos deram 5 (cinco) netos. *Presidente do IHGP 97 99 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Joaquim Osterne Carneiro Neto, Marcio Maciel Carneiro, Francisco Antonio Correia Carneiro Junior, Marcela Carneiro Borges e Raphael Maciel Carneiro, meus filhos com açúcar, que com o entusiasmo próprio dos jovens me proporcionam condições de enfrentar o outono nesta altura da minha vida. No respeitante a Berilo Ramos Borba, posso afirmar sem medo de contestação que é possuidor de um opulento currículo. Assim, concluiu o Curso de Teologia, na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, na Itália e o de Bacharel em Direito, na Universidade Federal da Paraíba. Além disso, realizou o mestrado em Teologia também na já citada Pontifícia Universidade Gregoriana e em Administração Pública, na Fundação Getulio Vargas, na cidade do Rio de Janeiro, tendo igualmente concluído cursos de especialização no Brasil e no exterior e participado de distintos congressos, simpósios e seminários. Ao longo de sua fecunda existência é Professor Titular aposentado da Universidade Federal da Paraíba, tendo inclusive exercido com muita proficiência os cargos de Diretor de Pessoal, Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Membro do Conselho Universitário, Pro - Reitor de Assuntos Comunitários e Reitor da aludida instituição, Afora isso, foi Professor contratado da Universidade Regional do Nordeste da cidade de Campina Grande-PB, Secretário de Estado da Administração do Governo do Estado da Paraíba, Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PB, Presidente do Circulo de Estudos Sociais no Pontifício Colégio Brasileiro, em Roma, na Itália, Delegado do Ministério da Educação no Estado da Paraíba, Presidente da Diretoria Estadual da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade no Estado da Paraíba e atualmente é Advogado dos mais atuantes. Pertence ao Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, ao Instituto Hans Kelsen, a Associação dos Advogados Católicos da Paraíba, ao Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano, ao Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e a Organização Universitária Irteramericana, de Quebec, no Canadá. Por seus indiscutíveis méritos foi agraciado com a Comenda da Grã Cruz do Mérito da Republica Federal da Alemanha, com o titulo de Administrador Publico do Ano de 1981, em João Pessoa-PB e com titulo de Professor Honoris Causa, da Universidade Federal do Maranhão, sendo também Cidadão Honorário das cidades de Campina Grande, Cajazeiras, Sousa, Patos e Areia, no nosso Estado e Austin, nos Estados Unidos da America do Norte. È Autor de distintos trabalhos, destacando-se o livro “Correia Lima: A Saga de uma Família no Cariri Paraibano”, em parceria com Antonia Borba de Brito, “ José Leal e Sua Ascendência Familiar”, “A Questão Social em Santo Agostinho”, “ Serra Branca Um Esboço Histórico” e “Estudo Sobre Aspectos Sócio - Religiosos da Diocese de Campina Grande”. Nessas circunstancias, tenho absoluta certeza que o novo Sócio Efetivo desta Casa da Memória Paraibana, desempenhará importante papel no tocante ao estudo dos fatos que chamam a atenção de quantos têm o prazer de adentrar ou de conhecer a historia da nossa terra. Meu caro Berilo Ramos Borba, seja bem a mais antiga instituição cultural em funcionamento no Estado da Paraíba e que diariamente é visitada, é freqüentada por geógrafos, historiadores, professores e especialmente por alunos das nossas escolas publicas, que aqui encontram elementos para elaboração de seus trabalhos os mais diversificados possíveis. Esta casa é sua! 98 100 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 DISCURSO DE POSSE DE BERILO RAMOS BORBA*, QUANDO DO SEU INGRESSO COMO SÓCIO EFETIVO NO IHGP, EM 18 DE MAIO DE 2013 Meus Senhores, Minhas Senhoras, Externo, neste momento, minha gratidão, primeiramente, a Deus que me deu a vida e que a conserva, não obstante as limitações trazidas pela idade. Agradeço, também, a todos quantos me têm apoiado e incentivado, ao longo da vida, a trilhar o caminho do bem e da realização pessoal. Sou devedor a todos eles, por tudo o que têm feito por mim. Filho de pequenos agricultores e nascido no Cariri - região mais seca da Paraíba - onde se encontram os maiores obstáculos a serem vencidos, para se alcançar uma sobrevivência digna e um desenvolvimento pessoal satisfatório, fui preparado, desde a mais tenra idade, para a luta, para superação das barreiras que se interpusessem no meu caminho. Meus pais, Joaquim Borba Filho e Josefa Ramos Borba, embora pobres e de pouca escolaridade, possuíam, contudo, a sabedoria do bem viver. Razão por que, sempre, me incentivaram e apontaram o caminho a ser seguido: uma vida de honradez, honestidade e solidariedade, alcançada através do estudo e do esforço pessoal, em busca da conquista de um lugar ao sol. Para eles, o estudo, não somente era o único bem consistente que me poderiam proporcionar, mas, também, o meio mais eficaz, para vencer na vida e ser alguém útil e digno na sociedade. Foi em casa, onde aprendi as primeiras lições de vida; onde introjetei os valores fundamentais da convivência humana, baseada na verdade, na justiça, na honestidade, na responsabilidade, na solidariedade, no cumprimento do dever e no trabalho, os quais forjaram o meu caráter e solidificaram minha conduta pela vida a fora. Quinto filho de uma família numerosa de onze irmãos, sempre contei com a ajuda e a solidariedade de todos. Fui alfabetizado, no lar, aos seis anos de idade, pelos irmãos mais velhos. Ao entrar na escola publica de Serra Branca, em 1942, já conhecia as letras e já lia as primeiras frases. A Professora da Escola Reunida de Serra Branca, Da. Tereza Fernandes de Lima, em face do meu desempenho inicial, presenteou-me com o meu primeiro livro escolar, uma “Cartilha do Povo”, em cuja capa continha uma mão espalmada, com uma vogal em cada unha. As limitações da escola pública, conforme a orientação de meus pais, deveriam ser superadas pelo estudo, em casa, quase sempre à noite, à luz da lamparina de querosene, pois as horas disponíveis, durante o dia, deveriam ser dedicadas ao trabalho na pequena agricultura e pecuária familiar. A vida, na infância, não era nenhum mar de rosas! O estudo e o trabalho, mesmo naquela dade, impunham-se, preferencialmente, como as principais obrigações a serem cumpridas. Não foi fácil o meu acesso à educação formal. Os dois primeiros anos do Curso Primário foram realizados em Serra Branca, para onde a minha família se deslocara, a fim de proporcionar educação aos filhos. Entretanto, com o agravamento da seca de 1942-45, meus pais voltaram para o sítio onde haviam residido, com o objetivo de tentar salvar os animais que estavam sendo dizimados pela longa estiagem. Morando, agora, longe da escola, vários quilômetros deveriam ser vencidos, diariamente, a pé, ou cavalgando um jumento, para ter acesso às aulas. *Sócio Efetivo do IHGP 99 101 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Não obstante as dificuldades interpostas pela distância e/ou, às vezes, por falta de professores, num esforço sobreumano de superação das barreiras encontradas, em 1948 recebi o Certificado de conclusão do Ensino Primário. E, agora, o que fazer? Como e onde continuar a estudar? Não havia Curso Ginasial em Serra Branca, nem meus pais poderiam custear meus estudos fora daquela localidade. Porisso parei de frequentar a escola, por dois anos. Para felicidade minha, em 1951, encontrava-se, naquela cidade, um mestre de música, regente da banda local, de nome Napoleão Ferreira Leão, que, a exemplo do seu irmão, de Campina Grande, Prof. Anésio Leão, fundou, em Serra Branca, um Curso Preparatório para o Exame de Admissão. Abria-se, assim, uma nova perspectiva. Não perdi tempo, matriculei-me no “Instituto Rui Barbosa” e, ao final do ano fui o aluno laureado da turma. Aos dezesseis anos de idade, participei de concurso para professor de Ensino Primário, promovido pela Prefeitura Municipal de Serra Branca. Apesar de ter sido classificado em primeiro lugar, não pude ser nomeado, por não ter, ainda, a maioridade necessária para ocupar cargo público. Vivendo numa família profundamente cristã, senti-me vocacionado ao sacerdócio. Em razão desse chamado, em fevereiro de 1953, com 17 anos de idade, fui encaminhado para o Seminário Arquidiocesano de João Pessoa, onde, após prestar o Exame de Admissão, matriculei-me no Curso de Humanidades, com duração de seis anos. Concluído o Seminário Menor, entrei para o Seminário Maior, onde em 1959, iniciei o Curso Superior de Filosofia, tendo feito os dois primeiros anos, em João Pessoa e o terceiro, em Olinda, no Seminário Regional do Nordeste, tudo em tempo integral e dedicação exclusiva. Escolhido pela Diocese de Campina Grande, em que me encontrava encardinado, como clérigo, para realizar minha formação teológica em Roma, em setembro de 1961, viajei para a Cidade Eterna, dos Césares e dos Papas, onde me matriculei na Pontifícia Universidade Gregoriana, para realização do Curso Superior de Teologia, ao término do qual alcancei os graus acadêmicos de “Bacharel” e de Licenciado”, este último equivalente ao Mestrado, completando, dessa forma, a minha preparação para o sacerdócio. Desistindo de ser padre, voltei para o Brasil. Valendo-me de diversos Cursos de Especialização realizados no campo das Ciências Sociais, ministradas pelo Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Gregoriana, em fevereiro de 1966, participei do concurso de professor para o Ensino Superior, promovido pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Paraíba, em Campina Grande, tendo logrado aprovação, fui contratado Professor de Sociologia da antiga FACE/CG, onde iniciei minha vida profissional. Ainda não satisfeito com a formação acadêmica até então recebida, matriculeime na 1ª Turma do Curso de Direito da recém-criada Fundação Universidade Regional do Nordeste, tendo cursado, ali, os três primeiros anos, quando, em 1969, fui selecionado para o Curso de Mestrado em Administração Pública, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Após a realização do Mestrado, fui chamado a trabalhar em João Pessoa, tendo exercido, na Universidade Federal da Paraíba, além da função docente, vários cargos administrativos, dentre os quais se destacam: Chefia de Departamento, Diretoria de Centro, Diretoria do Departamento de Pessoal, Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e, finalmente, a Reitoria daquela Universidade. Mantive também engajamentos profissionais fora da Universidade! 100 102 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 No Estado da Paraíba: ocupei os cargos de Assessor Técnico e Secretário da Administração do Governo Ernani Sátyro. Na OAB/PB exerci a Secretaria Geral, a Vice-Presidência e, também, Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina. No Ministério da Educação, ocupei a função de Delegado do MEC, na Paraíba. Na Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, a Presidência da Diretoria Estadual, e na Sociedade de Ensino Superior da Paraíba, o cargo de Diretor-Presidente. Para um moço pobre nascido lá nas charnecas do Cariri, chegar onde cheguei, representa um grande esforço de superação das limitações e dificuldades que se interpuseram à minha vida, embora reconheça que sem a ajuda dos amigos não teria alcançado o sucesso que coroou a minha modesta existência. ****** Hoje, com muita honra, penetro nos umbrais da “Casa de Irineu Ferreira Pinto”, contando, mais uma vez, com o apoio dos amigos que me incentivaram, ajudaram e me elegeram. Sou imensamente grato a todos! Agradeço à Direção do IHGP, de modo especial ao Presidente Historiador Joaquim Osterne Carneiro que, para honra minha, aceitou me receber nesta investidura; ao Vice-Presidente Historiador Humberto Fonseca de Lucena, amigo e companheiro de outras jornadas; ao Tesoureiro, o incansável pesquisador, Adauto Ramos e aos dedicados servidores que sempre me receberam nesta casa com todo carinho e amizade. Agradeço, também, aos sócios efetivos que sufragaram o meu nome. Sem o apoio deles, jamais integraria esse Templo da Memória da Paraíba. Para que meus agradecimentos se tornem mais pessoais, citá-los-ei, pela ordem em que assinaram a “folha de votação*. São eles: Joaquim Osterne Carneiro, José Nunes da Costa, Balila Palmeira, Adauto Ramos, Ricardo Bezerra, Diana Carmen Martins, Marcos Cavalcanti de Albuquerque, Maria José Teixeira Lopes, Carlos Azevedo, Natércia Suassuma Dutra, Humberto Fonseca de Lucena, Modesto Siebra Coelho, Lúcia Guerra Ferreira, Maria Auxiliadora Bezerra Borba, Waldice Mendonça Porto, Diana Soares de Galiza, Ernando Teixeira de Carvalho, Wellington Aguiar, Manuel Batista de Medeiros e Osvaldo Trigueiro do Valle, a quem agradeço de todo o coração. Embora carente de formação específica na Ciência de Heródoto, sempre gostei de História. Minhas dissertações, artigos, e pronunciamentos, quase sempre destituídos de arrogos oratórios, literários ou poéticos, encerram, o mais das vezes, uma abordagem histórica. Na minha modesta produção literária, mesmo aqueles trabalhos que não tratam diretamente de História, estão, contudo, entremeados da análise de fatos históricos pertinentes ao assunto. Vejo na minha pertença ao vestuto Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, a oportunidade de desenvolver e aprofundar estudos históricos que, em razão de inúmeros fatores impeditivos de ordem profissional, ainda não tivera a chance de realizá-los. A minha determinação é de honrar com minha participação ativa e produtiva, no IHGP, a confiança em mim depositada pelos meus confrades. Rogo a Deus que possa bem cumprir este “desideratum”! ***** Conforme a liturgia da posse, deve o recipiendário dissertar sobre o Patrono e sobre o Fundador ou último ocupante da Cadeira que vai ocupar. Em sendo assim, passo, agora a traçar um perfil do Patrono da Cadeira 24, do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, o grande paraibano, IRINEU FEREIRA PINTO, que pela sua contribuição intelectual e desvelado amor à Paraíba e pela 101 103 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 apaixonada dedicação à agremiação que fundara, tornou-se o Patrono maior do IHGP, nominado, com muita justiça, como “Casa de Irineu Ferreira Pinto.” Natural da antiga cidade da Parahyba, nome dado à nossa Capital, antes de 1930, Irineu Ferreira Pinto veio ao mundo em 07 de abril de 1881. Foram seus progenitores: Francisco Ferreira Pinto e Bernardina Ferreira Pinto que, estando, naquele período, financeiramente arrasados, em razão do desmoronamento da empresa familiar, não tiveram condições de oferecer um padrão de vida mais elevado ao seu primogênito que sempre teve de lutar com muitas dificuldades para vencer na vida. Sua situação tornou-se, ainda mais precária, quando, aos oito anos de idade, Irineu ficou órfão de pai. Após as segundas núpcias de sua genitora - casamento que não fora do agrado das antigas cunhadas - os filhos do finado foram tomados e distribuídos entre seus parentes. A Irineu coube ir morar com a avó paterna, D. Maria Tereza de Jesus e sua tia Francisca, conhecida por Dondon, no sítio Barreiras, distando três quilômetos da ponte do Sanhauá, local onde, hoje. se encontra a cidade de Bayeux. Felizmente, suas avó e tia providenciaram a educação formal do neto e sobrinho, matriculando-o, inicialmente, na escola primária e, mais tarde, no Lyceu Paraibano, onde Irineu cursou os estudos de humanidades. Sua pretensão era fazer o Curso de Direito. Entretanto, jamais realizou esse seu desejo, pois seus familiares não tinham condições de custear seus estudos superiores fora de sua cidade natal. No Lyceu, IRINEU foi um aluno dedicado e criativo, que se sobressaia aos seus colegas. Desde cedo se destacou no cultivo das letras, tornando-se sócio dos grêmios literários da cidade. Em 1897, com a idade de 16 anos, conforme relata seu filho, Piragibe Pinto, no livro “IRINEU FERREIRA PINTO, Sua vida e sua obra” (1), Irineu entrou para o Grêmio Minerva, sociedade literária de que faziam parte Esperidião Medeiros, Frederico Neiva, Otávio de Novais, Artur Moreira Lima, Antônio Cisne, Lourenço Moreira Lima dentre outros. Fez parte, igualmente, de um Grêmio original, denominado “Plana Boêmia” que reunia, no adro da Catedral, a elite intelectual da cidade. Cada participante adotava um pseudônimo com o qual se iniciava na vida literária. O pseudônimo de Irineu era João Sacrota. Deste Grêmio surgiu a ideia da fundação do “Clube Benjamim Constant” sociedade que sobreviveu por muitos anos, da qual Irineu foi seu fundador e presidente, e que promovia uma variedade de atividades, entre: debates, passeatas, exposições de pintura e bordado, organização de cursos preparatórios para secundaristas, entre outras. A respeito do “Clube Benjamim Constant”, o Dr. Álvaro de Carvalho, em artigo publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico fez o seguinte registro: “Essas agremiações de estudantes foram grandes escolas de civismo e de letras dos moços de minha geração. Aí estudávamos, aprendíamos a falar, a discutir, a escrever, a organizar a nossa vida social incipiente, a disciplinar-nos no convívio franco da comunidade vigilante. Aprendíamos História, discutindo a vida de grandes homens em sessões plenárias a que chamávamos júris. Havia acusadores e defensores e os debates eram sempre vigorosos.” (2) Dos 17 aos 21 anos, Irineu publicou na imprensa local: crônicas, sonetos, poesias, trovas. Nesta fase, como observa seu filho, na obra citada, produziu versos de grande beleza e sensibilidade poética, como: “Creanças”, “Sentimento D’Alma” e a “Volta ao Trabalho”, escritos entre 1900 e 1902. (3). 102 104 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Mesmo frustrado em seu desejo de fazer curso superior, Irineu Pinto não abandonou os estudos, tornou-se, além de autodidata, um pesquisador infatigável e um estudioso das coisas da Paraíba. Precisando reforçar o orçamento doméstico, em 1900, com 19 anos de idade, assumiu seu primeiro emprego, junto ao Estado da Paraíba, passando, três anos depois, a fazer parte dos quadros dos Correios da República, na função de amanuense, cargo que ocupou por toda sua curta vida, de 37 anos, encerrada, prematuramente, com sua morte, em 27 de março de 1918, na cidade que lhe serviu de berço. Divulgou-se entre seus coetanos, a ideia de que Irineu havia falecido em consequência de uma doença pulmonar contraída no manuseio de velhos documentos existentes no Arquivo Estadual. Tal versão foi desmentida por seu filho médico que não concordava com a ideia de fazer de seu pai um “mártir da Ciência da História”, falseando a verdade dos acontecimentos. Segundo atesta Piragibe Pinto, no Cap. X, de seu precioso livro: “Irineu Fereira Pinto, Sua Vida e Sua Obra” ao referir-se à ‘Sua Causa Mortis”, apresenta a seguinte hipótese: “Depois de estudar Medicina, procurei chegar a uma conclusão a respeito do diagnóstico da doença de meu pai. Mas não consegui chegar a um resultado satisfatório. Sei que foi uma colite crônica rebelde que foi minando, ao longo dos anos, seu organismo, talvez agravado com o auxílio de dietas repetidas. Teria sido uma colite amebiana? Ou uma manifestação intestinal de uma esquistossomose? A intervenção cirúrgica realizada em Lisboa, que parece ter sido para curar uma hemorróida, manifestação tão comum em esquistossomose, reforça a hipótese de ter sido esta tão grave infestação, tão comum no Nordeste, a causa da colite crônica que o levou ao túmulo.” (4) Irineu Pinto foi casado com d. Marcionila Figueiredo Pinto, de família potoense, cujo enlace se deu em 1905, quando contava com a idade de 24 anos. Desse consórcio teve três filhos: Iremar, que fez carreira militar, Ivone e Piragibe que se tornaram médicos. Com muita pertinência e justiça, o Instituto Histórico e Geográfico da Paraiba se autodenomina “Casa de Irineu Ferreira Pinto”, pois, além de um dos seus fundadores, foi ele o primeiro bibliotecário; dedicado secretário e editor dos quatro primeiros números da sua Revista. Era admirável o amor de Irineu Pinto pelo Instituto que ajudou a criar. Segundo atesta seu filho na obra já citada: “O Instituto passou a ser a sua maior paixão, a “menina dos seus olhos”, a ponto de, anos depois, sentindo a morte próxima, pedir ao seu amigo e consórcio, Flávio Maroja que não deixasse seu Instituto morrer.”(3) .pág.24) Além do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, em que exibia a condição de Sócio fundador, Irineu Ferreira Pinto foi também sócio dos Institutos Históricos de Pernambuco, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Por sua dedicação e reconhecido trabalho de pesquisa, Irineu foi designado para representar o Estado da Paraíba em vários eventos. Esteve presente em dois congressos nacionais de Geografia realizados em Recife e Salvador, bem como foi designado pelo Governo Castro Pinto, em 1913, para estudar, nos arquivos portugueses, os limites entre os Estados da Paraíba e de Pernambuco. Desta feita, ele passou cinco meses em Lisboa, consultando os arquivos existentes na Torre do Tombo e preparando o Relatório sobre as pesquisas realizadas em Portugal. 103 105 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 A partir daí, ampliou-se sua ação no Exterior: tornando-se membro da Sociedade de Geografia de Lisboa; da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris e da Academia Real de Arquiologia da Bélgica. Foi, igualmente agraciado com a “medalha de ouro” da Sociedade de Historia de Paris e com a “medalha de cobre” na Exposição de Turim, na Itália. Irineu, no curto período de sua vida, produziu uma variedade de publicações, destacando-se: “Datas e Notas para a História da Parahyba”, entre 1908 e 1910, sua obra mais importante e mais extensa. São, também, de sua autoria outros trabalhos de natureza científica, publicados nas Revistas do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, dentre os quais se destacam: “O Cólera-morbus na Paraíba”, a Resenha dos Trabalhos Científicos”, “A Igreja do Colégio”, “A Instrução Pública na Paraíba, “A Paraíba de Lyra Tavares”, todos publicados em 1910; “A Abdicação”, “Notas para a História da Ordem 3ª de Nossa Senhora do Carmo” e “O XVII Congresso de Americanistas”, publicados em 1912. Irineu Fereira Pinto, também, produziu outros escritos: “O Heroísmo de Cabedelo”, “Capela do Senhor do Bom Jesus”; “A Bahia e o V Congresso Brasileiro de Geografia”; “Documentos para a bibliografia de Pedro Américo” e publicou, ainda, inúmeros artigos, crônicas, poesias e poemas nos jornais “A União”, “O Norte”, no “Comércio” e em jornais e revistas de outros Estados. Sobre sua principal obra, por ocasião da publicação do volume I, o jornal “A União”, de 24 de janeiro de 1909, trouxe uma bela crônica da qual se lê o seguinte trecho: “Um livro sério, motivo de admiração de justo orgulho nosso, é esse Datas e Notas para a História da Parahyba. É um repositório completo de ensinamentos históricos sobre a fundação da Parahyba e sucessivos acontecimentos. As investigações de Irineu Pinto, no volume que temos nas mãos, datam de 1501, quando os primeiros bandeirantes portugueses, velejando às náus de André Gonçalves, dominaram a Bahia de Acejutibiró, até o martyrologio dos primeiros alecerragens da Independencia. È um livro que todos devemos possuir e manusear, enquanto se não consolida a obra da história da Parahyba. Com sua leitura cresce o nosso espírito de admiração a esses cento e tantos homens de admirável coragem cívica, que foram os factores do nosso engrandecimento de povo. Ao mesmo passo que ascencionamos no valor dos nossos antepassados gloriosos, sentimos um íntimo respeito por esse moço de vinte e poucos annos, batido por uma dolorosa falta de saúde que lhe cava sulcos na face por onde parece passar a longa fieira dos annos dolorosos.“ (4) (Citado por Piragibe Pinto, pág. 66 da obra citada). Convém destacar que o livro “ Datas e Notas para a História da Paraíba”, publicado pela Imprensa Official, em 1909, teve um repercussão extraordinária nos jornais da época, não somente na Paraíba, como em outros Estados. Naquela oportunidade, registraram o importante evento: os jornais: O Norte, A União, O Diário de Natal (RN), o Gutemberg, de Maceió e o Estado de São Paulo e o Capital, de Campinas. Dentre os intelectuais que, à época, escreveram artigos laudatários sobre a obra de Irineu Pinto, destacam-se: Coriolano de Medeiros, Alfredo de Carvalho, Jader de Carvalho, Teodoro D’Albuquerque. Entre as instituições que se manifestaram e ou festejaram a obra de Irineu Pinto, acolhendo-o como Sócio honorário, estão: O Instituto Histórico e Geográfico de São 104 106 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Paulo; o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; a Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris, que além do título de sócio, conferiu-lhe também uma medalha de ouro; a Real Academia de História de Madrid; A Real Academia de Arquiologia da Bélgica; o Centro de Ciências e Letras de Campinas, entre outras. A par da extrema repercussão alcançada pela obra prima de Irineu Fereira Pinto: “Datas e Notas para a História da Paraíba”, mister se faz analisá-la, sob o ponto de vista de seu valor, natureza histórica e importância. Antes de tudo deve-se observar que “Datas e Notas” é uma obra duplamente inconclusa, seja porque não abrangeu todo o período de existência da Paraíba, partindo do início da colonização e chegando, apenas, até 1862; seja porque limitou-se a transcrever, em ordem cronológica os fatos pesquisados, sem se deter na análise e interpretação histórica dos acontecimentos. Sem dúvida, a obra de Irineu Pinto, ficou inconclusa, primeiramente, por não ter sido dado ao autor o tempo suficiente para concluí-la. Como é sabido, trabalhava o autor, ainda, a terceira parte de sua obra, quando a morte pôs fim a sua preciosa existência. Doutra parte, também, não ficou claro se Irineu Ferreira Pinto pretendia, após concluída sua pesquisa, escrever ele próprio, o compêndio da História da Paraíba. Entretanto, não obstante as limitações apontadas, “Datas e Notas para a História da Paraíba” é uma obra de reconhecido valor e utilidade para quem se arvora a escrever a História da Paraíba. Valiosa é sua pesquisa, não somente por ser imparcial, como também, por ser completa, arrolando, como observou o Prof. Pedro Nicodemos todos os fatos: “políticos, administrativos, eclesiásticos, econômicos, sociais e culturais”, (5) preservando das traças e do cupim, informações preciosas que estavam fadadas ao desaparecimento. O próprio autor, numa nota introdutória intitulada “Duas Palavras”, revela qual foi sua intenção ao trazer a lume esta obra: “Publicando a presente obra não tive outro intuito que o de reunir em volume grande, cópia de documentos relativos a história da Parahyba, apanhados por mim com grande trabalho nos archivos deste Estado. Alguns destes documentos se achavam em tal estado de ruína que me foi preciso muito cuidado na abertura dos livros e usar de lentes para lel-os. Felizmente, porém cheguei, ainda, a tempo de salvar da voragem das traças estas preciosidades históricas que, talvez, dez annos depois não existissem mais” (6). Foram proféticas estas palavras de Irineu Pinto, quanto à conservação dos arquivos públicos do Estado da Paraíba. De fato, quase tudo desapareceu, destruído pela voragem do tempo, ou pelo abandono a que, muitas vezes, foi relegado o acervo, a ponto de, por descuido da Administração Pública, muitos documentos terem sido vendidos como papeis velhos. Outro aspecto que merece analisado, no trabalho de Irineu Pinto é sua natureza como obra histórica. Como já foi observado, salvos alguns aspectos que mereceram alguma análise, a maior parte do livro limita-se a transcrever, em ordem cronológica, o documento base. Como observa o Prof. Pedro Nicodemos a respeito de sua obra: “A visão que ele (Irineu) nos fornece do fato histórico é fotográfica. Anota-o e, imediatamente, nos dá a transcrição do 105 107 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 documento-fonte. Não o interpreta. Fica na observação material do fato. Não tenta a operação analítica. Nele não se completa o processo historiográfico. Pára na heurística, vale dizer, na pesquisa, na investigação factual. Não se dispôs à hermenêutica. Será que não se sentiu maduro para a interpretação? Ou as suas “datas e notas” seriam a infraestrutura sobre a qual ergueria, mais tarde, o seu compêndio completo?” Como quer que seja, não resta qualquer dúvida de que a obra de Irineu Pinto , “Datas e Notas para a História da Paraíba” encontra-se entre os mais importantes e fidedignos subsídios para todos aqueles que se derem ao trabalho de escrever algo sobre a História da Paraíba. 24. JOACIL DE BRITTO PEREIRA, Fundador e último ocupante da Cadeira Passemos, agora, a dissertar sobre o Fundador e último ocupante da Cadeira 24, do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, o grande literata, jurista, advogado e homem público que foi Joacil de Britto Pereira, uma fulgurante inteligência que enalteceu a Paraíba, terra que escolheu para viver. Nascido, em 13 de fevereiro de 1923, na cidade de Caicó, no vizinho Estado do Rio Grande do Norte, logo após a Revolução de 30, em companhia de seus pais: Francisco Clementino Pereira e D. Isabel de Britto Pereira, Joacil, deixando a terra potiguar, fixou-se em João Pessoa, onde viveu quase toda a sua existência. Chegando nesta Capital com sete anos de idade, Joacil foi matriculado no Colégio José Bonifácio, onde fez o Curso Primário. Iniciou o Curso Ginasial do Lyceu Paraibano, tendo ali permanecido por dois anos, quando se transferiu para o Colégio XV de Novembro, na cidade de Garanhuns, em Pernambuco. De volta à Paraíba, entrou novamente no Lyceu, deste vez, para concluir seus estudos secundários. Foi no Lyceu Paraibano onde Joacil se iniciou na vida literária. Com a ajuda de um grupo de colegas lyceanos, Joacil fundou, naquele estabelecimento de ensino o “Teatro do Estudante”, que estreou com a peça “ SE O ANACLETO FALASSE”, de sua autoria, na qual exerceu o papel de Diretor e de ator. Sua inclinação para o teatro se manifestou desde cedo, Além da peça já citada, Joacil é também autor de “A Maldição de Carlota”, que recebeu o “Prêmio Literário cidade do Recife” e da peça “Olga Benário” com a qual concorreu à Láurea Elpídio Câmara”, um dos grandes dramaturgos de Pernanbuco. Já como Presidente da Academia Paraibana de Letras, escreveu a “A saga de uma Walquiria”, peça que foi encenada com sucesso, em palcos da região. Concluídos seus estudos de humanidade, Joacil entrou para a Faculdade de Direito do Recife, onde se formou, em 1950, na turma cognominada a “TURMA DO MEIO SÉCULO” da qual foi o orador oficial. Pelo seu desempenho como estudante, foi agraciado com uma viagem a cinco países do Velho Continente. Joacil era casado com D. Neli Santiago Pereira, de família paraibana, de cujo enlace matrimonial, que durou mais de cinquenta anos, nasceram seus oito (8) filhos: Isabel Cristina, Eitel Santiago, Joacil Filho, Augusto Sérgio, Amneris, Francisco José, Nely e Rodrigo (este útimo, falecido aos quinze anos). Deixou também dezoito netos e dois bisnetos: prole a que se dedicava com desvelado amor e carinho. Joacil de Britto Pereira era um homem multifcetado, além de historiador, teatrólogo, memorialista e escritor, foi, também, advogado, redator de debates, professor universitário, servidor público, juiz do Tribunal Esportivo e parlamentar, exercendo todas essas funções com desenvoltura, competência e esmero. 106 108 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 No campo do Direito, sua atuação se espraiava nas áreas do Direito Público e dos direitos: Constitucional, Eleitoral, Administrativo, Fiscal e Penal. Como Professor Universitário, lecionava: Finanças Públicas e Direito Judiciário, tendo sido fundador da Escola de Engenharia da Paraíba, onde ministrava aulas de Ciências das Finanças. Foi professor da Faculdade de Ciências Econômicas e da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba, cargos em que se aposentou após 35 anos de Magistério Superior. No Serviço Público: exerceu a função de Secretário do Conselho Penitenciário; ocupou os Cargos em Comissão de Secretário de Governo e Chefe da Casa Civil, do Governo Flávio Ribeiro e de Secretário do Interior e Justiça no Governo Ivan Bichara Sobreira, Na Assembleia Legislativa foi redator de Anais e de Debates. No Judiciário, exerceu a função de Juiz do Tribunal de Justiça Esportiva. Na política, foi eleito Deputado Estadual por duas legislaturas e na Câmara Federal, foi Deputado por duas vezes, exercendo, além de vigorosa atuação parlamentar, importantes funções: nas Comissões de Constituição, Legislação e Justiça (de que foi Vice-Presidente) e de Relações Exteriores. No Governo Figueiredo, integrou o Colégio de Vice-Líderes, com destacada e corajosa atuação no Plenário da Câmara e do Congresso Nacional, onde debateu, com desenvoltura e competência assuntos de interesse para a vida nacional. Como escritor, era vigoroso e fluente. Escreveu uma multiplicidade de obras, abarcando os mais variados assuntos. No ramo do Direito, publicou: “O Estado Membro pode fiscalizar a Administração Financeira do Município”; “O Estado Membro tem competência para instituir “impeachement”; Escreveu, também, “A Execução da Pena – Ressocialização e Criminologia Crítica e “Temas de Direito e Ciências Afins” Na área da Ciência Política, publicou: “Da Conveniência da adoção do Sistema Parlamentar de Governo”; “O Sufrágio Universal”; “Idealismo e Realismo na obra de Maquiavel”, pela qual recebeu o Prêmio Nacional, por ocasião da comemoração do V centenário daquele pensador italiano; “O voto distrital”; A pena de morte”, entre outros. Como historiador, memorialista e biógrafo, escreveu: uma multiplicidade de obras entre as quais se destacam: “Joaquim Nabuco, o Libertador de uma Raça”; “Solon de Lucena, o Legislador e o Estadista”; “O Homem Público, Afonso Campos”; “Horário de Almeida, as Rotas do seu Destino”; “Novais Junior, Apóstolo da Justiça e da Caridade”; “O Gentil Homem do Sabugi,” evocando a memória de Francisco Seraphico da Nóbrega; “Um estadista do Império e da República;” uma evocação a Gama e Melo”; “Uma vocação política”; “Flóscolo, um Filósofo do Direito”; “Argemiro de Figueiredo – a oratória do seu tempo”; “José Américo de Almeida – a saga de uma vida”; “Odon Bezerra Cavalcanti – Homem de Lutas e de Letras” “Ascendino Leite – Escritor Existencial. São trabalhos seus, ainda: Ruy Barbosa, Severino de Albuquerque Lucena e Humberto Lucena. Escreveu, também, suas “Memórias” em três volumes. Publicou três títulos sobre sua vida no Parlamento. Na área da criação literária e poética, produziu, além das peças teatrais já citadas, obras de ficção, como: “A sedição dos cruéis” e “Um Homem e o Destino“. Joacil, ao longo de sua fecunda vida, pertenceu a inúmeras agremiações: ao Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, onde exerceu sua Presidência por dois mandatos. Pertenceu à Academia Paraibana de Letras, de que foi Presidente por quatro vezes. Foi Membro do Instituto de Genealogia e Heráldica da Paraíba; da Associação Paraibana de Imprensa; da Academia Campinense de Letras; da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas. Foi sócio correspondente do Instituto Histórico e 107 109 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Geográfico do Rio Grande do Norte e sócio honorário da Academia Brasileira de Ciências Jurídicas. Por dois mandatos integrou o Conselho Estadual de Cultura da Paraíba. Por seus méritos pessoais, recebeu inúmeras homenagens, entre as quais se encontram: “Títulos de Cidadão Honorário” dos municípios de João Pessoa, Bayeux, Alagoinha, Guarabira e Teixeira. E o Título de “Cidadão Paraibano” outorgado pela Assembleia Legislativa. Foi condecorado com inúmeras medalhas, dentre as quais, registram-se: a Comenda da “Legião do Mérito Presidente Antônio Carlos, no grau de “Grande Oficial; a Comenda da Ordem do Ipiranga”; a Medalha “João Ribeiro”, outorgada pela Academia Brasileira de Letras; a “Comenda do Mérito Cultural “José Maria dos Santos”, do IHGP; a ‘Ordem do Mérito da Cultura e Cavalheiresca de Santo Amaro; a Medalha “Lucídio Freitas”, outorgada pela Academia de Letras do Piaui; a Medalha “Joaquim Nabuco” conferida pela Fundação que tem o nome do ilustre pernambucano e, finalmente, a Medalha de “Gilberto Freire” que lhe foi outorgada por sua participação nas comemorações do centenário do Mestre de Apipucos. Participou, ainda, de inúmeros congressos internacionais de direito, dentre os quais se registram aqueles realizados no México e na Inglaterra. Um dos campos em que Joacil Pereira de Britto mais de destacou, foi na Advocacia, onde laborou por mais de cinquenta anos, na defesa do Direito e a serviço da Justiça, em famoso e conhecido Escritório, prestigiado pela clientela. Como advogado, Joacil era insuperável. Reunia, em sua profissão, as virtudes que destacam e dão nome aos grandes profissionais do Direito. Era competente, experiente, corajoso, destemido, aguerrido e perseverante. Virtudes essas que legou aos seus filhos advogados. Sempre nutri grande admiração por Joacil de Britto Pereira. Normalmente, me distinguia com atenção e lhaneza de trato. O primeiro contato que mantive com ele foi por ocasião de uma conferência que pronunciou no Grupamento de Engenharia, sobre a Intentona Comunista. Enquanto Reitor da Universidade Federal da Paraíba, mantive alguns contatos com o Deputado Federal Joacil de Britto Pereira, para tratar de assuntos de interesse da instituição que administrava. Sempre me recebeu com fidalguia e consideração. Ao ler o trabalho de minha autoria, intitulado “JOSÉ LEAL e SUA ASCENDÊNCIA FAMILIAR”, publicado em “O Norte”, em sua edição de 14 de junho de 1991, por ocasião do centenário daquele escritor e jornalista conterrâneo, Joacil me telefonou, elogiando e escrito e dizendo: “Berilo, você devia fazer parte do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba”. Quisera o destino que, dezesseis anos depois desse episódio, viesse eu, de fato, a entrar na Casa da Memória da Paraíba, ocupando, a mesma cadeira por ele fundada, tornada vaga por sua pranteada morte. Sua ausência, neste momento, não deixa de ser uma nota de tristeza, neste dia de júbilo.. São coisas da vida”! Cabe-me, por fim, agradecer a todos os que aqui compareceram para, com suas ilustres presenças, engrandecerem esta solenidade. Destaco um agradecimento especial aos familiares de Joacil de Britto Pereira que aqui compareceram. Também sou imensamente grato aos meus familiares: a minha querida esposa, Maria Auxiliadora, que sempre me incentivou a participar do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba; aos meus filhos Débora Regina e Ricardo Berilo, ao meu genro Fernando Virgílio, à minha nora Vanessa e aos meus queridos netinhos: Pedro Virgílio, Maria Luíza, Beatriz, Letícia e Maria Fernanda, a quem dedico todo o meu carinho. 108 110 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Agradeço, igualmente, aos meus irmãos, sobrinhos e amigos que aqui compareceram, para me prestigiar. A todos o meu muito obrigado! 109 111 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 SAUDAÇÃO DO HISTORIADOR JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO*, AO HISTORIADOR RENATO CÉSAR CARNEIRO, QUANDO DO SEU INGRESSO COMO SOCIO EFETIVO DO IHGP – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO, EM 01/06/2013. A respeitosa e fraterna amizade que mantemos com o historiador Renato César Carneiro, alicerçada diuturnamente em virtude da sua presença nesta Casa da Memória Paraibana, quando realiza suas pesquisas históricas, fez com que fossemos convidado para recepcioná-lo neste dia em que passa a condição de Sócio Efetivo do nosso Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, onde ocupará a Cadeira 34, que tem como Patrona Maria Ignez Marques Mariz e que se achava vaga, em face do falecimento da historiadora Teresinha de Jesus Ramalho Pordeus, ocorrido em 23 de dezembro do ano pretérito. Natural do município de Patos - PB, a denominada morada do sol, ali fez os primeiros estudos, tendo posteriormente concluído o Curso de Direito no Centro Universitário de João Pessoa. Em seguida realizou o mestrado em Direito e Desenvolvimento na Universidade Federal do Ceará. Posteriormente, concluiu o Curso de Especialização em Direito Eleitoral, na Universidade Potiguar e o de Especialização em Direito Processual Civil, no Centro Universitário de João Pessoa. Vale ressaltar que também realizou outros cursos no campo do Direito. No campo profissional, Renato César Carneiro é servidor do Tribunal Regional Eleitoral e Professor da Universidade Federal da Paraíba e do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Historiador dedicado ao Direito Eleitoral, o novel integrante da Casa de Irineu Pinto, é autor de distintos trabalhos dentre os quais podemos destacar os seguintes: - ORIGENS DA JUSTIÇA ELEITORAL NA PARAHYBA: DE 1932 A 1937; - A JUSTIÇA ELEITORAL DA PARAHYBA: FRAGMENTOS DE SUA HISTORIA (1945-2012); - A BAGACEIRA ELEITORAL – A HISTORIA DO VOTO NA PARAHYBA ( DE 1930 a 1965); - CABRESTO, CURRAL E PEIA- A HISTORIA DO VOTO NA PARAHYBA ATÉ 1930; - ELEIÇÕES 2006: AS NOVAS REGRAS DO JOGO; - O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA ELEITORAL. De outra parte, tem ativa participação em bancas de trabalhos de conclusão de curso, alem de se fazer presente em diversos eventos, especialmente em seminários, congressos, exposições e feiras, dentre as quais podem ser citadas: I Seminário de Direito e Processo Eleitoral.O Processo Eleitoral Brasileiro, levado a efeito em 2009; Encontro Municipal de Juristas Populares. Crimes Eleitoras, ocorrido em 2008; Seminário Eleitoral: Aprimorando O Momento Eleitoral: Ação De Investigação Judicial Eleitoral, realizado em 2006; I Semana Universitária Da Faculdade de Timbauba. Eleições 2006: Comentário À Mini Reforma Eleitoral, realizado em 2006; I Encontro Regional De Juízes e Promotores Eleitorais. O Controle de Constitucionalidade Pelos Juízes Eleitorais, que aconteceu em 2005; e, II Ciclo De Estudos Sobre Direto Eleitoral E V Seminário Paraibano De Direito Eleitoral, realizado em 2004. * Presidente do IHGP 110 112 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Em linhas gerais, este é o perfil do historiador e professor universitário Renato César Carneiro, sertanejo de boa cepa, integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, que a partir de agora passa a fazer parte da mais antiga entidade cultural em funcionamento no Estado da Paraíba que é este Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Tenho absoluta certeza, que o confrade Renato César Carneiro agora mais do que nunca dará continuidade as suas pesquisas, como tem feito ao longo de algum tempo, para satisfação de todos nós seus amigos e admiradores. 111 113 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Discurso de posse de RENATO CÉSAR CARNEIRO*, proferido no Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba, por ocasião da sua posse na cadeira n. 34, em 01.06.2013. Exmo. Sr. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba, Joaquim Osterne Carneiro, em nome de quem saúdo todas as autoridades que compõem a Mesa e também as que se encontram presentes a esta cerimônia; Confrades e Confreiras do IHGP; Colegas servidores do Tribunal Regional Eleitoral da Parahyba; Estimados companheiros de docência da UNIPÊ e da UFPB; Prezados e dedicados funcionários do IHGP, ; Familiares e amigos; Senhoras e Senhores: Seguindo a tradição desta Casa, passo a dissertar sobre a patrona e a fundadora da cadeira Nº 34, que hoje passo a ocupar. A PATRONA DA CADEIRA Maria IGNEZ Marques MARIZ nasceu na cidade de Sousa, Parahyba, no dia 26 de dezembro de 1905. Era filha do chefe político, médico e rábula, Dr. Antônio Marques da Silva Mariz e de sua sobrinha materna, Dª. Maria Emília Marques Mariz. Um dos seus quatro irmãos, José, era pai do ex-governador da Parahyba, Antônio Mariz. Ignez Mariz casou-se com o seu primo, Carlos Pordeus Meira, de cuja união nasceu um único filho, Paulo Antônio, já falecido. A escritora sousense estudou os primeiros anos escolares na sua cidade natal e cursou Pedagogia no Colégio Nossa Senhora das Neves, localizado na capital do Estado. Aos dezoito anos, ela já colaborava em jornais e revistas do Alto Sertão. Na década de 30, iniciou a “Campanha Pró-Bibliotecas Municipais”, sentindo-se realizada com essa iniciativa. Em 1937, Ignez publicou, pela editora José Olympio, o romance A Barragem, que a projetou nacionalmente e foi que muito bem aceito pela crítica sulista. Após fixar residência no Rio de Janeiro, passou a colaborar em jornais e revistas, com destaque na revista Eu Sei Tudo, com as reportagens Revelando o Brasil para os Brasileiros. Preocupada com a educação sexual infantil, escreveu a monografia intitulada O que leva a curiosidade infantil insatisfeita. Este trabalho lhe rendeu o prêmio “José de Albuquerque”, do Círculo Brasileiro de Educação Social. A fundadora da cadeira n. 34, a professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus, traçou um pouco do perfil da escritora souzense: “Era uma criatura que vivia além do seu tempo, “uma mulher independente, socializante e feminista”. Ignez Mariz faleceu no Rio de Janeiro, em 1952, quando tinha apenas 47 anos de idade, vítima de uma negligência médica, segundo registro feito por Evandro Nóbrega no prefácio que fez à 2ª edição de A BARRAGEM, in verbis: Em 1952, Ignez – cuja escritura sempre vergastou desigualdades – decidiu fazer extraordinária experiência. Querendo escrever sobre os que infelizmente buscam nossos hospitais e também infelizmente não os encontram, fez-se de indigente e internou-se em nosocômio público carioca, para... *Sócio efetivo do IHGP 112 114 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 para operar-se das amígdalas, que de nada sofria. Vocês acertaram: ela morreu asfixiada na mesa de cirurgia (por negligência médica) – faltou oxigênio e não houve jeito de arrumar novo tubo. Deixou um romance inacabado – Tresloucado Gesto e um livro de contos intitulado Roma. A FUNDADORA DA CADEIRA TERESINHA de Jesus Ramalho PORDEUS nasceu na cidade de Teixeira, no dia 4 de agosto de 1929, filha de José Alves Ramalho e de Dª. Maria Soledade Pordeus Ramalho. É viúva do funcionário federal, Ernesto Pordeus, de cuja união teve apenas uma filha, Telma. Seus primeiros estudos foram iniciados em Piancó, continuando em vários municípios do Estado, uma vez que sua família vivia sempre se deslocando em virtude do seu pai exercer a função de coletor estadual, sujeito aos humores dos políticos. Seus cursos primário e secundário foram feitos no Colégio Cristo Rei, de Patos, tendo cursado a Escola Técnica de Campina Grande. Ingressou na Universidade Federal da Paraíba, tendo se titulado em História, com Licenciatura Plena, em 1974. Era possuidora dos cursos de: Aperfeiçoamento sobre História Colonial da Paraíba; Atualização Didática de História e Geografia (UFPB); Atualização para Docentes de Nível Universitário (Ministério da Educação); Segurança Nacional e Desenvolvimento (ADESG/PB); Arte Barroca (IHGP); História e Geografia do Nordeste (UFPB). Abraçando a carreira do magistério, Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus lecionou História no Liceu Paraibano, Escola de Professores, no Colégio Pio X, no Centro de Recursos Humanos e no Centro de Aperfeiçoamento de Alagoa Grande, Sapé e Sousa. Durante alguns anos foi pesquisadora na UFPB, na área de História. Após obter o diploma em História, pela UFPB, passou a desenvolver uma rica vida acadêmica, com a participação em vários cursos, os quais passo a citá-los: SEGURANÇA NACIONAL E DESENVOLVIMENTO, pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (23 de abril a 25 de julho de 1975); Curso de Aperfeiçoamento sobre História Colonial da Paraíba (de 28 de agosto de 1974 a 16 de maio de 1975/UFPB), em que apresentou monografia intitulada, A SEGUNDA CONQUISTA DA PARAHYBA: O SERTÃO; Curso de Atualização Didática de História e Geografia da Parahyba (de 04 a 20 de fevereiro de 1975); HISTÓRIA DA PARAHYBA (16 de setembro a 11 de novembro de 1976/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA EM CONVÊNIO COM O IHGPB); Curso de Arqueologia, Antropologia e Preservação/INSTITUTO PARAIBANO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA EM COLABORAÇÃO COM O IHGP, 12 a 15 de maio de 1975); Curso de Arte Barroca (UFPB, Museu da Imagem e do Som e IHGPB, de 23 a 27 de julho de 1973) e Curso de Aperfeiçoamento de professores a nível pós-universitárioCurso de História, ministrado pelo Recursos Humanos do DSU/MEC em convênio com o Centro de Ensino Técnico de Brasília/CETEB. A sua dinâmica atividade profissional foi proporcional à sua carreira acadêmica. Professora de História da Parahyba, História Geral e de História do Brasil, no Lyceu Paraibano, durante o ano de 1974; Professora de Moral e Cívica e O.S.P.B., na Escola Polivalente PRESIDENTE MÉDICI; Assistente da Professora Carmem Isabel, da UFPB, orientou as estagiárias de História no Lyceu Paraibano; Fiscal dos Exames Supletivos do Lyceu Paraibano (1974) e do Colégio Nossa Senhora de Lourdes (1977); Fiscal do Concurso do DASP (Colégio Pio X); Professora de História Geral, História do 113 115 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Brasil e Moral e Cívica do Complexo JOÃO MACHADO (1975); Coordenadora do Centro Cívico JOSÉ PEREGRINO DE CARVALHO (Instituto de Educação da Paraíba) e Membro da Comissão de Sindicância de Inquérito Administrativo (Instituto de Educação da Paraíba). Publicou as seguintes obras: A SEGUNDA CONQUISTA DA PARAÍBA: O SERTÃO – ANCAR 1976 – que foi adotado pelo titular da cadeira de História da UFPB, o professor, historiador e sócio efetivo deste IHGP, José Octávio de Arruda Melo, obra esta incluída na Bibliografia de História da Paraíba, pelo mesmo Instituto; A Participação da Mulher na História da Paraíba - 1975 (artigo selecionado por José Américo de Almeida e publicado na Revista Paraibana de ONTEM E DE HOJE, O Homem Americano, trabalho apresentado para ingresso no INSTITUTO PARAIBANO DE ARQUEOLOGIA e ANTROPOLOGIA/IPAA; A Importância do 05 de Agosto para a História da Paraíba, artigo publicado no jornal A REALIDADE, em 1976; Diálogo com Duque de Caxias, A Pedra do Ingá e A Vida de Pedro II, (esses três últimos trabalhos foram apresentados no Curso de Treinamento do C.D.R.H.). A professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus não conseguiu terminar a sua pesquisa denominada DE CABEDELO A CAJAZEIRAS – EVOLUÇÃO DAS CIDADES DA PARAÍBA NOS SEUS ASPECTOS SOCIAL, POLÍTICO E ECONÔMICO. Em 1974, no dia dedicado ao professor, a historiadora Terezinha Pordeus foi condecorada no Lyceu Paraibano com a medalha HONRA AO MÉRITO. Era sócia-colaboradora da ADESG/ASSOCIAÇÃO DOS DIPLOMADOS DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, Tesoureira do INSTITUTO PARAIBANO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA E DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PARAIBANO. A fundadora da cadeira n. 34 teve apenas uma filha, a arquiteta THELMA RAMALHO PORDEUS, que tem uma participação no livro A HISTÓRIA DA PARAÍBA EM SALA DE AULA, em que dedicou um capítulo ao conjunto arquitetônico do Centro Histórico da cidade. Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus ingressou no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano em data de 10 de setembro de 1978 e foi saudada pela então presidente desta Casa, a escritora Rosilda Cartaxo. O Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba concedeu-lhe a Comenda do Mérito Cultural “José Maria dos Santos”. Ela faleceu a 23 de dezembro de 2012. Na solenidade em que foi homenageada por esta Casa, a sua filha, a Dra. Thelma, registrou o carinho e a assiduidade com que a sua mãe frequentava o Instituto, o que deixou de fazer apenas quando a saúde não mais lhe permitiu. De igual modo, quero fazer do Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba a minha segunda casa. É importante registrar, como o fez a sua filha, naquela ocasião, que foi a Professora Terezinha Ramalho que lutou para que algumas cadeiras da “Casa de Irineu Ferreira Pinto” tivessem o nome de mulheres e que foi de sua iniciativa a ideia de ter a escritora Maria Ignez Marques Mariz como a patrona da cadeira de n. 34. Outra característica da historiadora Terezinha Ramalho foi lembrada pela Dra. Thelma Ramalho Pordeus. Cito: O gosto pela política veio cedo, fazia e terminava comícios, escondia chapas nos bolsos de sua saia... Assim como a historiadora que sucedo na cadeira n. 34, também deixei-me influenciar pelos signos da política. 114 116 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Ainda moleque, na minha cidade natal, já demonstrava a paixão pela política. Na fase das campanhas eleitorais, assistia a quase todos os comícios, desde a montagem das gambiarras e da aguação da terra seca, para não subir a poeira, até o desarmar do palanque. O final não poderia ser diferente: trabalho há dezesseis anos no órgão responsável pela realização das eleições no estado e ainda escrevo sobre a história das eleições em meu estado. Eminentes Confrades e Confreiras. Senhoras e Senhores. Nunca imaginei que pudesse chegar tão longe. Quando comecei a visitar esta Casa não passava pela minha mente ser um dos seus integrantes. A frequência diária ao IHGP se dava em razão de uma necessidade: contar a história do Tribunal Regional Eleitoral da Parahyba na sua primeira fase, de 1932 a 1937, até então desconhecida dos servidores e juízes que integram àquela Corte de Justiça. A pesquisa, que durou três meses de intenso trabalho, redundou na publicação do livro “As origens da Justiça Eleitoral da Parahyba: De 1932 a 1937” e fez parte da solenidade comemorativa dos 80 anos de instalação da Justiça Eleitoral em terras Tabajaras. Continuei a frequentar o Instituto e, em julho do mesmo ano, publiquei o segundo volume intitulado, “A Justiça Eleitoral na Parahyba: Fragmentos de sua História (De 1945 a 2012)”, que também foi lançado em uma segunda sessão solene no TRE, realizada no mês de agosto de 2012. Atribuo a essas constantes visitas e a algumas publicações sobre a história do voto na Parahyba o convite feito a mim por eminentes historiadores, para pertencer a esta Casa, a exemplo de Joaquim Osterne Carneiro, Humberto Fonseca de Lucena e Flávio Sátyro Fernandes, aos quais, desde já, demonstro a minha gratidão, de público. Registro a honra de, neste momento, passar a ocupar a cadeira n. 34 do Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba, quem tem como patrona a romancista Maria Ignez Marques Mariz e, como fundadora, a professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus. Tenho com as obras de ambas, várias identificações. De Ignez Mariz, oriunda de Sousa, guardo as mesmas impressões da terra seca, maltratada não apenas pela ausência de chuvas, mas principalmente, pela falta de sensibilidade de governantes que só enxergam o Sertão nordestino ainda como curral eleitoral. Na sua obra mais conhecida, o romance regionalista intitulado A BARRAGEM, Ignez Mariz retrata a história de uma família de retirantes nordestinos, que, em razão da seca de 32, vai trabalhar na construção de mais um dos mananciais de água, na década de 1930. Assim como A BAGACEIRA, de autoria de José Américo de Almeida, A BARRAGEM, de Ignez Mariz, se insere no romance regionalista brasileiro. Aliás, ressalta aos olhos que a primeira obra serve de base literária para a segunda. Em vinte e seis capítulos de seu romance, Ignez Mariz, à moda de José Américo, em A BAGACEIRA, faz uma análise sociológica do homem e o seu meio, especificamente o sertanejo de São Gonçalo, espaço geográfico em torno do qual gira o enredo. 115 117 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 A obra regionalista, que foi bem aceita no meio intelectual da época, também é um registro historiográfico de São Gonçalo, localizado a dezoito quilômetros da cidade de Sousa. Como toda produção regionalista, o romance A BARRAGEM apresenta as mesmas características daquele gênero literário, quais sejam, conteúdo sociológico, temática social, linguagem despojada e mais voltada para os aspectos orais, caráter de denúncia e descrição das personagens associadas ao seu meio social. No que mais me interessa, destaco o capítulo XIX do aludido romance, em que a escritora Ignez Mariz relata a chegada de uma caravana política no acampamento do Instituto Federal de Obras Contra as Secas/IFOCS, em Sousa. Duas facções – os “Bacuraus e os Urucubacas” - bem ao estilo coronelista da época, disputavam o poder político local. Todavia, quase toda a massa de trabalhadores de São Gonçalo, composta de analfabetos, não votava, o que levou os caravaneiros a desistirem de prosseguir com a campanha eleitoral e resolverem partir daquele lugar. Passada a eleição, um dos personagens, Dr. Otto Muniz, tenta convencer os cassacos analfabetos a mandar os filhos para a escola, para aprenderem a ler. O discurso do Dr. Muniz é sedutor, conforme trecho, que destaco: No Nordeste, a região mais brasileira do Brasil, nós não carecemos somente dagua. Precisamos igualmente de livros. Livros! A intenção de manter àqueles potenciais eleitores no cabresto era bastante evidente nas palavras do chefe político! Em A BAGACEIRA ELEITORAL – A História do Voto na Parahyba (De 1930 a 1965), procurei também estabelecer a relação promíscua entre o fenômeno das secas e as eleições no interior nordestino. Em sua obra, Ignez Mariz reproduz fatos históricos da época, associados à cidade de Sousa, a exemplo do grito de rebeldia que aquele bravo povo deu quando da desativação do IFOCS, durante o Governo de Artur Bernardes. A partir da ameaça iminente e sabedores de que o material da construção dos açudes seria levado de São Gonçalo, “Bacuraus” e “Urucubacas” puseram as divergências políticas de lado e, pela primeira vez, se uniram em torno de um interesse comum. Pois bem. Seguidores das duas facções políticas dirigiram-se à estação da estrada de ferro e, aproveitando a escuridão da noite, “tomaram à unha”, dos enviados do IFOCS, o maquinismo da construção da barragem de São Gonçalo. Em A BARRAGEM, Ignez Mariz ressalta ainda a importância do ministro José Américo de Almeida à frente do Ministério da Viação e Obras. Na página 321, está escrito: João Pessoa matou o cangaceirismo na Parahyba. José Américo de Almeida desprestigiou a Secca. Os dois males piores que minavam a nossa economia desapareceram. De igual modo, em A BAGACEIRA ELEITORAL, também destaquei a trajetória de O SOLITÁRIO DE TAMBAÚ no Ministério da Viação e Obras, às vezes, usando a poesia popular como recurso de linguagem, a exemplo do decassílabo recitado por um dos irmãos Batista, Dimas, o qual cito: De trinta a seca inconstante Não há quem mágoas não sinta Trinta e um foi como trinta Trinta e dois mais torturante enquanto o sol causticante fazia fogo no chão, 116 118 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 apareceu um cristão apagando a labareda José Américo de Almeida o salvador do sertão. Quanto à professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus, a sua principal obra também me serve de inspiração. Além de densa e com boa repercussão no meio acadêmico paraibano, A HISTÓRIA DA PARAÍBA EM SALA DE AULA, impresso pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado e A UNIÃO EDITORA, foi adotada pela rede estadual de ensino e já se encontra na sua 3ª edição, que data de junho de 2003. Nas 291 páginas da aludida obra, a autora analisou com profundidade os mais importantes temas e personalidades que formam a história da Parahyba. A originalidade da obra está na metodologia empregada. Antes mesmo de conhecer esse trabalho, eu já buscava uma forma fácil de ensinar Direito Eleitoral aos meus alunos. A publicação de CABRESTO, CURRAL E PEIA e A BAGACEIRA ELEITORAL foram duas tentativas de lecionar aquela área específica da Ciência do Direito a partir do conhecimento da realidade da história político-eleitoral da Parahyba. Mas a tarefa ainda está inacabada. Talvez com a publicação de VINTE LIÇÕES DE DIREITO ELEITORAL, cuja pesquisa ainda está em andamento, irei alcançar o que a Professora Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus já conseguiu com a sua HISTÓRIA DA PARAHYBA EM SALA DE AULA. É que, nem sempre é grande mestre aquele que detém mais conhecimento. O professor ideal é o que consegue cativar o aluno, oferecendo-lhe o melhor caminho. Eminentes Confrades e Confreiras, Minhas Senhoras e meus Senhores. Dez patoenses se fizeram e ainda se fazem presentes neste Instituto. Mesmo os que já se partiram para outras dimensões, deixaram as suas contribuições à Parahyba. Pela ordem cronológica, cito-os: Apolônio Zenaide Peregrino de Albuquerque e João Rodrigues Coriolano de Medeiros estiveram entre os 48 ilustres fundadores desta Casa. Liberato Bittencourt, em uma de suas obras clássicas, Homens do Brasil, cita o primeiro, Apolônio, como um dos paraibanos ilustres. O segundo, João Rodrigues Coriolano de Medeiros, é patrono da cadeira nº 7, atualmente ocupada pelo historiador Guilherme Gomes da Silveira d’Ávila Lins. É de autoria do ilustre patoense, que é também um dos fundadores da Academia Paraibana de Letras, o “Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba”, publicado em 1925, que representa a maior contribuição de Coriolano à história do seu estado. Publicou ainda as seguintes obras: “Do Litoral ao Sertão” (1917); “Mestres que se foram”(1925) e “História de Patos”(1941). Otacílio Nóbrega de Queiroz, que nasceu em São José de Espinharas, quando ainda era distrito de Patos, deve ser contabilizado também como mais um patoense a integrar o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Ingressou no Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba em 28 de maio de 1944 e foi saudado pela professora Olivina Olívia Carneiro da Cunha. 117 119 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Publicou vários artigos de grande valor histórico em várias Revistas editadas por esta Casa, a exemplo de: Da Paraíba o naturalista Arruda Câmara, Revista n. 13; História e Etnologia do Meio Nordestino e Em defesa das árvores, Revista n. 14; Documentos para a História da Paraíba, Revistas n.s 19 e 20; Literatura Nordestina de ontem, Revista n. 25; O Semi-árido em pulsações euclidianas, Revista n. 26; e Chateaubriand – Político no interior da Paraíba, Revista n. 29. Ernani Ayres Sátyro e Sousa tomou posse em 1971 e foi saudado por Humberto Nóbrega. O “Amigo Velho” deixou duas obras de relevância histórica: “Como se fossem Memórias” e “Retratos a Bico de Pena”. Outro patoense, Flávio Sátyro Fernandes, passou a integrar o IHGP em 14 de dezembro de 1980 e foi saudado por outro historiador sertanejo, Desdeudith de Vasconcelos Leitão. Flávio Sátyro Fernandes, que também é membro da Academia Paraibana de Letras, ocupa da cadeira n. 04 deste Instituto, cujo patrono, Heliodoro Pires e que tem como fundadora a professora Eudésia Vieira. As suas obras de caráter histórico e mais relevantes são: “Subsídios para a Historia do Ginásio Diocesano de Patos”; “Na Rota do Tempo” e o clássico “História Constitucional da Paraíba”. Maria de Fátima Gurgel Araújo tornou-se a primeira mulher patoense a ingressar no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o que ocorreu em 13 de dezembro de 1986, ocasião em que foi saudada pela historiadora Rosilda Cartaxo. As suas obras são referências principalmente na área de história do jornalismo: “História e Ideologia da Imprensa na Paraíba” (1983), “História da API” (1985); Parahyba, 400 anos (1985); “Parahyba, imprensa e vida” (1986) e “Santa Rosa (Um Teatro Centenário)”. A historiadora patoense publicou ainda as biografias de dois importantes líderes políticos do estado: “Antonio Mariz – A trajetória de um idealista” (1996) e “Humberto Lucena – O verbo e a liderança” (1999). Em 1992, foi a vez da historiadora e poetisa Maria Balila Palmeira que, a partir de 10 de abril daquele mesmo ano, passou a ocupar a cadeira n. 19, que tem como patrono José Leal e o seu fundador, Sinval Fernandes. Como contribuição à historiografia paraibana, publicou as seguintes obras: “Barão do Abiahy – Sua vida, sua obra, seus descendentes – Biografia Genealógica' e “Caixa Econômica Federal – sua história na Paraíba”, (em coautoria com Messina Palmeira Dias); “Maria Eudócia de Queiroz Fernandes – Uma educadora – um exemplo de vida (1998)” e “Os Teatros da Paraíba” (1999). Depois veio José Romildo de Sousa, que tomou posse no Instituto Histórico e Geográfico em 17 de outubro de 2006 e foi saudado por Flávio Sátyro Fernandes. O autor da obra noventa minutos – histórias do futebol, ocupa a cadeira n. 21, da qual é patrono João Lélis de Luna Freire. Ainda é de sua autoria a História de Patos em versos. Em 26 de março de 2011, tomou posse o teatrólogo, romancista e historiador, José Mota Victor, que cupa a cadeira n. 15, da qual é patrono Fernando Delgado F. de Castilho. Um dos sócios-fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, José Mota Victor, além de peças de teatro, as suas obras constituem em importantes subsídios para os estudos de caráter histórico do Município de Patos e do Estado da 118 120 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Parahyba. Cito-as: A Cruz da Menina; Folhetim (1981); Confeitaria Glória (peça teatral sobre a ‘Revolução de 30’- 1985); “1912 - A invasão de Patos” (2002). São ainda de sua autoria TEMPOS DE EDVALDO MOTA(2002); O Louro do Jabre – AFORISMOS, MÁXIMAS E PENSAMENTOS DE ALLYRIO MEIRA WANDERLEY (2003) e O Gênio da Literatura de Cordel – Silvino Pirauá de Lima(2009). A partir de agora, seguindo a ordem cronológica acima descrita, passo a ser o décimo filho de Patos a integrar a “Casa de Irineu Ferreira Pinto”. Qualquer pessoa que estivesse, como eu, vivendo este instante, experimentaria as emoções que estou sentindo e, ainda que não quisesse, passa neste momento em minha mente um filme, repleto de imagens de pessoas e de fatos, que não conseguem ser apagadas de minha memória. A lembrança inicial vem da minha primeira professora, D. Luzia Nóbrega, proprietária e famosa educadora da Escola Particular Padre Anchieta. Além da tabuada e das primeiras leituras, foi com ela que aprendi a cantar o Hino Nacional, que era obrigatório antes do início da aula, todas as segundas-feiras. Da sua famosa palmatória nunca experimentei. Pelo contrário, quando me despedia do seu educandário, ela abraçou-me e chorou, dizendo que eu não havia lhe dado trabalho. Mas, embora fosse um bom aluno, também não era nenhum santo. Por isso, não esqueço o dia em que ela colocou-me de castigo, de joelhos em cima de milho seco, castigo comum à época, porém mais eficiente que qualquer Estatuto da Criança e de Adolescente dos dias de hoje. Não havia dificuldades para o lanche, pois bastava atravessar a rua e chegar à casa de minha avó materna, Jacauna Cezar de Oliveira, que era a minha segunda mãe. Depois fui matriculado no Grupo Escolar de 1º Grau denominado Coriolano de Medeiros, um dos fundadores desta Casa. Nessa escola primária, também guardo as melhores lembranças de minha infância. Pela manhã, estudava e, à tarde, na porta do mesmo colégio, juntamente com os meus dois irmãos, Rênio e Antônio, vendia confeitos e doces num tabuleiro improvisado, como forma de ajudar os meus pais a complementar a renda da numerosa prole. Além dos professores que ajudaram a forjar o meu caráter moral e a minha capacidade intelectual, como esquecer também da merenda escolar que ali era servida e que representava um incentivo a mais para não faltarmos às aulas, realidade não muito diferente dos dias de hoje para a maioria dos alunos da rede oficial de ensino. O que sobrava em merenda faltava em cadeiras para os alunos se sentarem. Certa vez, num daqueles anos escolares, passamos o período todo assistindo as aulas no chão, enquanto morcegos rodeavam as nossas cabeças, mas mesmo assim, com todas essas dificuldades, nada nos fazia desistir dos nossos objetivos. Em seguida, fui estudar o Curso Secundário no Instituto Educacional Vera Cruz, colégio pertencente à rede particular de ensino, graças ao auxílio de seus diretores, Marlene Cezar Bezerra e Murilo Cezar Bezerra, que conseguiram bolsas de estudos para mim e para os meus irmãos. A eles, a minha gratidão! Em seguida, fui estudar no antigo Colégio Diocesano de Patos, à época, denominado Escola Estadual Pedro Aleixo, hoje chamado de Escola Estadual Monsenhor Manoel Vieira, que é o patrono da cadeira n. 12, do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, a qual ocupo desde dezembro de 2012. No último ano do Curso Ginasial, em 1985, mudei-me para a capital do estado, juntamente com os meus pais e os meus cinco irmãos, em busca de dias melhores. 119 121 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Na capital da Parahyba, ainda estudei no Liceu Paraibano e, anos depois, quando já era pai do primeiro filho, consegui fazer o curso de Direito na UNIPÊ, contando sempre com o apoio financeiro de parentes, pois o que ganhava não dava para pagar a faculdade. O meu primeiro concurso público foi para oficial de justiça, cargo que exerci durante quatro anos. Um ano na Vara Distrital de Mangabeira; os outros três, no 2º Tribunal do Juri da capital. Foi durante essa fase de minha vida que comecei a sonhar em ser promotor de justiça ou juiz de direito na cidade aonde nascí. Em 1996, fui nomeado Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral da Parahyba, em virtude de aprovação no concurso público de provas e títulos.A vida financeira começava a melhorar! Submeti-me a mais seis concursos públicos. Fui reprovado em três concursos para juiz de direito e em três para promotor de justiça, nos estados da Parahyba, Rio Grande do Norte e Bahia. Em todos esses certames não consegui passar da segunda etapa, a prova escrita, de caráter subjetivo. Para justificar a minha incapacidade técnica, arranjei uma desculpa comum, que serviu para as seis reprovações: os membros das bancas examinadoras não entenderam a minha péssima letra e, por isso, não tiveram paciência em corrigir a prova com a devida justeza. Melhor para mim porque, anos depois, fiz o Mestrado em Direito e abracei a carreira do magistério, na qual me realizei profissionalmente. Melhor ainda para o TRE, que não perdeu um excelente funcionário público e para os alunos da UNIPÊ e UFPB, que continuaram a ter aulas de Direito Eleitoral baseadas na rica e dinâmica realidade da política paraibana. Consegui o que poucos conseguiram: unir o útil ao agradável. Teoria e prática são constantes em meu trabalho pois, ao mesmo tempo em que aplico o Direito Eleitoral, no TRE/PB, ensino-o em sala de aula, e vice-versa. Sou um homem realizado, principalmente agora, ao tomar posse nesta Casa. Por força do destino e da vontade de treze membros desta Casa, que sufragaram o meu nome, passo a ocupar a cadeira n. 34, que tem como patrona a sertaneja Ignez Mariz, cuja obra principal, A BARRAGEM, explora a triste realidade do Sertão nordestino. Embora nascido na cidade, guardo na memória as imagens das invasões de armazéns e das feiras livres de Patos, realizadas por homens do campo, durante os grandes períodos de estiagem. Talvez isso explique a identificação que guardo com a seca, com o regionalismo, enfim, com a BAGACEIRA eleitoral da minha terra. Fiz questão de registrar essas pessoas e fatos porque os considero fundamentais em minha formação, principalmente os meus pais, os meus primeiros, principais e melhores educadores. Como disse o apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos, sou devedor de todos, de gregos e de bárbaros, de patrícios e de plebeus... A HISTÓRIA DE UMA ELEIÇÃO Acostumado a contar a história das eleições, (dos outros), faço um breve registro de como ocorreu a minha, para ocupar a cadeira n. 34, deste Instituto. Quando soube da minha inscrição, o meu amigo, colega de UNIPÊ e agora também confrade, o professor e historiador, Humberto Cavalcanti de Mello, registrou, 120 122 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 em tom espirituoso, que lhe é peculiar: “Caso você chegue a ser eleito, Patos passará a ter a maior bancada do Instituto.” De fato. Somos, a partir de agora, seis patoenses sócio-efetivos a compor o IHGP: Flávio Sátyro Fernandes; Maria de Fátima Araújo; Balila Palmeira; José Romildo de Souza; José Mota Victor e eu. O professor Humberto Mello, como sempre, tem razão. Não me candidatei por nenhum partido político. À moda das eleições do passado, lancei-me de forma avulsa. Mas ninguém é candidato de si mesmo, dizem os experientes analistas políticos da nossa Província. Acadêmicos da estirpe de Adauto Ramos, Ernando Luiz Teixeira de Carvalho, Humberto Fonseca e o meu conterrâneo sertanejo, Flávio Sátyro Fernandes, tiveram a coragem de subscrever o requerimento do registro da minha candidatura nesta Casa. O apoio desses “cabos eleitorais” foi fundamental para a minha eleição. Agradeço a eles, desde já o sucesso obtido no pleito. Candidato único, a minha campanha eleitoral foi um pouco diferente das convencionais. Fiz propaganda eleitoral antecipada, não nego, (que o TRE não saiba), pois, antes mesmo de registrar a candidatura, já havia começado a pedir voto. O mais estranho, porém, aconteceu na semana em que se realizou a eleição: dividido entre as inúmeras atribuições de professor, de servidor público e de chefe de família, esqueci de consultar “as bases eleitorais” e pedir que o eleitorado comparecesse ao local de votação e sufragasse o meu nome. Abertas as urnas, em 06 de abril do ano em curso, obtive treze votos. Como sinal de gratidão, a maior de todas as virtudes, faço questão de citar, um a um, os meus eleitores, segundo a ordem alfabética: Adauto Ramos; Balila Palmeira; Carlos Alberto Farias de Azevedo; Diana Carmem Martins de Assis Ferreira; Ernando Luiz Teixeira de Carvalho; Humberto Fonseca de Lucena; Joaquim Osterne Carneiro; José Octávio de Arruda Melo; José Nunes; Maria Auxiliadora Bezerra Borba; Marcos Cavalcanti de Albuquerque; Maria José Teixeira Lopes Gomes e Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra. Não pensei que tivesse tantos votos! Recebo a honraria dos eleitores como resposta ao meu modesto trabalho, que o faço com prazer. Aos que não puderam comparecer à eleição, dadas as várias dificuldades, inclusive de locomoção, também estendo a eles os meus agradecimentos pela forma simpática que me acolheram. Depois dessa minha primeira experiência eleitoral, passei a entender um pouco a tensão que os políticos passam no dia de uma eleição. Nesta ocasião, estou sendo diplomado e tomando posse ao mesmo tempo. Estimados amigos. Agradeço a Deus a oportunidade de integrar esta instituição reconhecidamente carente, do ponto de vista financeiro, mas tão rica de sabedoria, de conhecimento e de valores os quais buscarei preservar. Como todo candidato eleito, prometo somar forças juntamente com os meus ilustres Confrades com o fim de preservar a memória da Parahyba. Não quero ser apenas mais um daqueles membros a adquirir o honroso título de sócio-efetivo e desaparecer da instituição. Como tudo que faço na vida, respeitadas as 121 123 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 minhas limitações naturais, procurarei contribuir da melhor forma para a preservação do patrimônio histórico do meu estado, como está previsto no seu Regimento Interno. Agradeço a presença de todos nesse dia memorável, especialmente aos meus familiares, que estiveram sempre presentes na minha caminhada: a minha esposa, Anniele; aos meus filhos, Yasmin, Gabriel, Victor e Renato Filho; à minha mãe, Vanda César Carneiro; à presença sempre constante do meu querido pai, Francisco Carneiro Bastos, e aos meus irmãos, Rênio, Aparecida, Socorro e Tânia. Aos meus pais, a minha eterna gratidão, pela educação recebida, que me permitiu chegar a este ambiente de pessoas cultas e de pessoas de bem e que, mesmo enfrentando todas as dificuldades que passam as famílias de uma prole numerosa, sempre lutaram para ver todos os filhos na escola e cuja maior alegria era vê-los desfilar no 7 de setembro, em Patos. Agradeço a Deus, pelo dom da vida. À minha esposa e filhos, por terem aprendido a dividir a minha atenção com a pesquisa e com os estudos, atividade que me traz constante felicidade. Para finalizar, faço uma homenagem à Parahyba e também ao centro do universo, a minha querida Patos, tomando emprestada uma poesia de Jansen Filho, decerto feita para a sua terra natal, Monteiro, intitulada CÉUS DE MINHA ALDEIA, à qual passo a recitá-la: FOI AQUI QUE EU NASCI NESTA ALDEIA DESERTA ONDE O POVO É MAIS CRENTE E A TERRA MAIS ADUSTA! ONDE TIVE UMA INFÂNCIA AREJADA E COBERTA PELOS RAIOS DE SOL DE UMA EXISTÊNCIA JUSTA FOI AQUI QUE LUTEI ARDENTEMENTE À CUSTA DE TORTURAS SEM PAR – POR UMA ESTRADA INCERTA, PROCURANDO ENCONTRAR A PAZ SOLENE E AUGUSTA QUE HOJE VIVE EM MEU SER COMO UMA ROSA ABERTA! FOI À LUZ DO LUAR DESTA ALDEIA SINGELA, QUANDO A PIRA DO AMOR NOSSO PEITO INCENDEIA, QUE EU PUDE COMPREENDER O QUANTO A VIDA É BELA! PORISSO É QUE A SONHAR, NUM DELÍRIO PROFUNDO, NÃO TROCO PELO AZUL DOS CÉUS DE MINHA ALDEIA TODO O IMENSO ESPLENDOR DAS BELEZAS DO MUNDO! Muito obrigado! REFERÊNCIAS: BITENCOURT, Liberto. HOMENS DO BRASIL. 2º Volume. GADELHA, Julieta Pordeus. Antes que ninguém conte, João Pessoa, A União, 1986. EHRICH, Isaías de Oliveira. ENTRE OS APITOS DA CASA-DE-FORÇA, A BARRAGEM: DA ANÁLISE TEXTUAL À SALA DE AULA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da UFCG. 2009. MARIZ, Maria Ignez Marques. A BARRAGEM. Editora José Olympio. - Mensagem à Paraíba. Rio de Janeiro, Cia. Editora Americana, 1945. 122 124 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 NÓBREGA, Evandro. Prefácio de A Barragem, 2ª. edição, João Pessoa, A União Cia. Editora, 1994. PORDEUS, Terezinha de Jesus Ramalho. A HISTÓRIA DA PARAÍBA EM SALA DE AULA. João Pessoa: Ed. A UNIÃO, 2003, 3ª ed. PORDEUS, Thelma Ramalho. Discurso em homenagem a Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus. Solenidade realizada no IHGP, em de janeiro de 2013. Ramos, Adauto. Discurso em homenagem a Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus. Solenidade realizada no IHGP, em de janeiro de 2013. Discurso de posse do historiador José Mota Victor, em 26 de março de 2013, no Instituto Histórico e Geográfico da Parahyba. Documentos Arquivos do IHGP. Curriculum vitæ de Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus. 123 125 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 MONS. EURIVALDO CALDAS TAVARES: O Sacerdote e o Historiador Ednaldo Araújo* O Instituto Histórico e Geográfico Paraibano reuniu-se hoje em sessão especial para recordar a vida e a obra de um paraibano ilustre: Mons. Eurivaldo Caldas Tavares. Sacerdote exemplar, professor competente, militar fidelíssimo e historiador nato; na sua pessoa conjugavam-se, ao mesmo tempo, a profundidade do pensamento e a simplicidade eloqüente das palavras, coisa que, aliás, não se encontra com facilidade. Dizia muito no pouco. Era um homem de gestos simples, mais do que belos discursos. Diferente da memória de muitos homens cuja lembrança desapareceu por trás de suas obras, o Monsenhor Eurivaldo, podemos dizê-lo, é muito maior que suas obras. A trajetória do Mons. Eurivaldo Caldas Tavares confunde-se com a história recente da Arquidiocese da Paraíba que tinha nele o seu proto-presbítero, isto é, o sacerdote mais velho tanto na idade quanto no tempo de sacerdócio. Confunde-se também com a história deste Instituto do qual foi um dos mais insignes e prolíficos membros. Não quero me estender aqui sobre os pormenores de sua vida e de suas obras: a História vai encarregar-se desta tarefa. Contudo, há um pormenor de sua preciosa existência que não convém negligenciar e que hoje, neste Instituto centenário, reaparece com maior clareza: o Eurivaldo amante da História. Membro de duas das famílias mais respeitáveis da Paraíba, o Monsenhor contava entre os seus ancestrais figuras como Diógenes Caldas (patrono da cadeira que ele ocupou neste instituto) e o Dr. Eurípedes Tavares, tendo, por assim dizer, a história no sangue. Paraibano apaixonado, deu sinais desde cedo de uma particular predileção pelo estudo da História e, em particular, da História da sua amada Paraíba. Teve a dita de ascender ao presbiterado aos 4 de março de 1944, data na qual a Diocese da Paraíba celebrava o seu Jubileu Áureo. Por várias vezes teve a ocasião de prestar valiosa colaboração ao estudo da História da Paraíba, como, por exemplo em 1978, durante as comemorações alusivas ao Centenário do nascimento do Presidente João Pessoa e na organização do Arquivo Público Estadual. Por trás do sacerdote abnegado e do historiador dedicado, estava o homem fino e cortês, calmo e amável que muitos dos senhores que, como eu, tiveram a honra de conviver com Monsenhor Eurivaldo, puderam conhecer. Neste nobre sacerdote, nas suas palavras e no seu comportamento, podia-se facilmente divisar a inteligência privilegiada de uma alma forjada pelo contato constante com a Palavra de Deus e com os Sacramentos que constituíam para ele a força e o vigor na juventude, e, nestes últimos anos, a fortaleza e a fonte de serenidade na velhice. Mais que um homem das letras, mais que um historiador, mais que um militar, Monsenhor Eurivaldo era um homem robustecido pela fé. Com toda a certeza, diante do frio mármore que lhe serve de jazigo, recordávamos a sentença do Apóstolo das Gentes: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Para mim agora está reservada a coroa da glória que o Senhor, Justo Juiz me dará” (2Tm 4,7-8). A Paraíba deve ao Mons. Eurivaldo Caldas Tavares o obséquio de perpetuar-lhe *Monsenhor representante da Arquidiocese da Paraíba. 124 126 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 a memória para que a juventude, tão carente de referenciais, possa espelhar-se no exemplo de religioso, de cidadão e de homem deste seu grande filho. A Arquidiocese da Paraíba, ainda enlutada pela morte do venerando Monsenhor, agradece profundamente ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, na pessoa do seu Presidente, Dr. Joaquim Osterne Carneiro a justa homenagem que esta instituição tributa à memória de um dos seus mais ilustres sacerdotes. A Arquidiocese e a Paraíba não ganharam apenas mais um nome para inscrever na História. Estamos seguros de que, pela vida exemplar do Mons. Eurivaldo, ganhamos no céu um intercessor que velará pelos destinos desta Paraíba que ele tanto amou e pela qual – até o último momento – ofereceu-se no altar de Deus. Muito obrigado. João Pessoa, 30 de agosto de 2013. 125 127 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 PRONUNCIAMNENTO DE JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO* NA SALA DE SESSÕES DO TRIBUNAL PLENO, - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAIBA -, EM 04 DE SETEMBRO DE 2013, POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO LIVRO “CENTENARIO DE NASCIMENTO DO HISTORIADOR JOSÉ FERNANDES DE LIMA”. Quando de centenário de nascimento do Dr. José Fernandes de Lima, ocorrido em 11 de junho de 2012, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, realizou uma Sessão Solene, oportunidade em que prestou uma significativa homenagem a esta fulgurante personalidade que se constitui no maior filho do município de Mamanguape. Em nome da centenária Casa da Memoria Paraibana, da mais antiga entidade cultural em funcionamento no Estado da Paraíba falou o Desembargador, Escritor e Historiador Marcos Cavalcanti de Albuquerque, Sócio Efetivo do IHGP, onde ocupa brilhantemente a Cadeira Nº 44, que tem como Patrono Celso Marques Matiz. O trabalho elaborado por Marcos Cavalcanti de Albuquerque chamou a atenção pela riqueza de detalhes a respeito da vida e da obra de José Fernandes de Lima, que na qualidade de Historiador foi Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, tendo sido Fundador da Cadeira Nº 22, que tem como Patrono Florentino Barbosa Leite Ferreira. Em face da importância da sua palestra e principalmente em virtude da atenção despertada em todos que tiveram o prazer de assisti-la, o Historiador Marcos Cavalcanti de Albuquerque aprofundou suas pesquisas, seus estudos, seus levantamentos, resultando a elaboração do livro “CENTENARIO DE JOSÉ FERNANDES DE LIMA” que neste ensejo temos a honra de fazer sua apresentação. Entendemos que faz- se necessário assinalar que, José Fernandes de Lima foi um vitorioso em todas as atividades que empreendeu. Assim, se fez respeitado como político, como professor, como empresário e como historiador dos mais fecundos, o que lhe valeu ser agraciado pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano com a Comenda do Mérito Cultural José dos Santos. Todos estes atributos, fazem parte do trabalho que ora lhes apresentamos. Desejamos, portanto nos congratular e parabenizar o Historiador Marcos Cavalcanti de Albuquerque, que com este seu livro resgata as virtudes cívicas de um homem do porte de José Fernandes de Lima, com quem mantivemos uma amizade das mais fraternas, das mais respeitosas, já que em nossas veias corria o sangue do velho PSD - Partido Social Democrático, que representava o patriotismo, a sabedoria, a decência, a coerência, o bom senso e a vontade de servir. *Presidente do IHGP 126 128 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Discurso do Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque*, no lançamento do livro: “Centenário de Nascimento do Historiador José Fernandes de Lima”, na Sala de Sessões do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba, em 4 de setembro de 2013. Em maio do ano passado, a Senhora Elizabeth Fernandes Fonseca, minha estimada amiga, por telefone, lembrava-me do centenário de nascimento do seu saudoso tio e de meu prezado amigo, Deputado José Fernandes de Lima, dizendo-me que, além de amigo, também era meu confrade no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, onde ocupou, por décadas, a Cátedra nº 22; resultando, desse telefonema, a ideia de uma comemoração no nosso silogeu. A data de nascimento do Político, Escritor e Historiador José Fernandes de Lima é 11 de junho de 1912, portanto o centenário de seu nascimento ocorreu no dia 11 de junho de ano transato. Não pensei duas vezes, procurei o presidente do IHGP, historiador Joaquim Osterne Carneiro, e lhe pedi que organizasse a justa homenagem a um exintegrante do sodalício. Ele acatou a ideia, afirmando que o eminente Deputado fora um dos maiores amigos e correligionários do seu parente, o Senador Ruy Carneiro, mas submeteu-me uma condição: ser o orador oficial do IHGP, como ocupante da estala nº 44. Aceitei o encargo com muita alegria, porque homenagear Dr. José Fernandes de Lima é lisonjear Mamanguape, nossa querida terra, sua pátria e minha também. Qualquer mamanguapense sente-se honrado em poder prestar uma homenagem ao político, advogado, empresário, industrial, escritor e historiador que dedicou sua vida ao Vale do Mamanguape. A sobredita galanteria ocorreu, exatamente, no dia 11 de junho de 2012, tendo a família Fernandes de Lima, oferecido um coquetel aos presentes no encerramento da solenidade, com a presença de muitos familiares e amigos. Após o evento, em conversa com o presidente do IHGP, foi-me solicitado que vertesse o discurso, proferido na ocasião, em plaquete, para que a homenagem fosse dignamente registrada, afinal, celebrávamos o centenário de nascimento de um dos maiores vultos da política paraibana. Desde então, dediquei-me a pesquisar para aprofundar o discurso e transformá-lo em plaquete, mas a pesquisa se avolumou e converteu-se neste livro. Esteio-me nesse recente pretérito, para introduzir-lhes como essa pauta chegou às minhas mãos e como a história de vida de José Fernandes de Lima, nesse momento, intercruzou com a minha, fazendo-me, necessariamente, o biógrafo do filho mais ilustre e respeitado de Mamanguape. O imortal do IHGP José Fernandes de Lima foi campão de votos em eleições diretas - não temia as urnas. Prefeito de Mamanguape por duas vezes, Deputado Estadual por dez legislaturas, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba, por mais de uma vez, e Governador do Estado da Paraíba. Foi líder da oposição ao Governo Militar na Casa Legislativa de Epitácio Pessoa durante toda a ditadura, de 1964 até 1985. Nunca abdicou de suas prerrogativas políticas, sempre com pronunciamentos independentes e fortes em favor da democracia e da liberdade. Jamais mudou de partido político. Se as siglas mudavam, ele permanecia... Fidedigno, ingressou no partido do Senador Ruy Carneiro, o velho PSD, depois, MDB e, por último, PMDB, quando encerrou sua carreira política. Só perdeu a primazia, em número de mandatos legislativos, para o Deputado José Lacerda Neto, que lhe sobrepujou com alguns exercícios a mais. *Sócio Efetivo do IHGP 127 129 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 Todavia, deve-se à feita de que meu compatrício, José Fernandes de Lima, fora Prefeito da cidade de Mamanguape por duas vezes, e Governador do Estado da Paraíba, por onze meses. Os Fernandes estão na política do Vale do Mamanguape há setenta e três anos, ou seja, desde 1940. Atualmente, o Vice-Prefeito de Mamanguape é Roberto Fernandes Fonseca, irmão do ex-prefeito Fábio Fernandes e do ex-deputado Ariano Fernandes, todos filhos de Betinha Fernandes. Os sobrinhos do deputado José Fernandes, Dr. João Laércio e Dr. Antônio Fernandes, ocuparam cargos de Secretário de Estado, recentemente no Governo da Paraíba. O saudoso Dr. Gustavo Fernandes de Lima Sobrinho também foi Prefeito de Mamanguape. Não participaram da política partidária os irmãos Dr. Gustavo Fernandes de Lima e Carlos Fernandes de Lima, como também suas irmãs, mas colaboravam ativamente nas campanhas eleitorais e atividades sociais, seja na Associação das Voluntárias nesta Capital, seja na Creche Marieta Fernandes e na Associação das Voluntárias em Mamanguape. José e João Fernandes de Lima são caso único da história política, em que irmãos ocuparam o Palácio da Redenção, como Governadores do Estado. Outros filhos de Mamanguape já haviam chefiado o Executivo, como o Dr. Frederico de Almeida e Albuquerque, que também fora Deputado Provincial, Deputado Geral e Senador no Império; Dr. Flávio Clementino da Silva Freire, o Barão de Mamanguape, que também obteve os mesmos cargos do exemplo anterior; Dr. João Pereira de Castro Pinto, Deputado Estadual, Deputado Federal e Senador na República. Sem olvidar de João Fernandes de Lima, que foi Vice-Governador, na gestão do ilustríssimo Ministro José Américo de Almeida, tendo assumido o Governo quando José Américo se afastou para assumir o Ministério da Viação e Obras Públicas no Governo do Presidente Getúlio Vargas. Os irmãos Fernandes se destacam por suas vidas de probidade, de honestidade e de honradez na gestão dos negócios públicos. José Fernandes e Manoel Fernandes, quando prefeitos de Mamanguape, doavam seus subsídios para associações filantrópicas, não aceitavam nenhuma remuneração. Presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, por mais de uma vez, nesse último mandato, quando do governo do Dr. Tarcísio de Miranda Burity, José Fernandes de Lima tornou-se Vice-Governador por força de mandamento constitucional, com o falecimento do Dr. Raimundo Asfora, que fora eleito para aquele cargo. Nessa condição, o Dr. José Fernandes de Lima foi acometido de um acidente vascular cerebral (AVC) e precisou, com urgência, ser removido à São Paulo . Solidário, o Governador Tarcisio Burity ofereceu os recursos para o Avião UTI, para o transporte do Presidente da Assembleia e Vice-Governador. Grato pelo reconhecimento oficial, o industrial Manoel Fernandes de Lima, irmão do Deputado José Fernandes, não tardou em sua resposta que veio de pronto: “Senhor Governador, a família Fernandes agradece muito, mas enquanto a Usina Monte Alegre puder pagar o tratamento de José Fernandes, não aceitará um só centavo do Estado”. E assim foi... Manoel Fernandes de Lima custeou toda a despesa das intervenções médicas e hospitalares do seu irmão em São Paulo, inclusive o Avião UTI, utilizado para o deslocamento do paciente. Com registros desse gabarito, talvez, não se faça necessário quaisquer comentários a mais sobre a nobreza de José Fernandes de Lima e sua família. E foram esses apontamentos históricos, “causos” locais de inspiração, que fomentaram, literalmente, o crescimento progressivo do singelo discurso, proferido no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em plaquete, e esta, em uma obra de duzentas e quatro laudas. 128 130 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 A despeito do sucesso na vida pública, meu confrade, também se dedicara à investigação histórica. O escritor José Fernandes mostrou sua faceta de historiador diligente no livro “A Lealdade e o Heroísmo do Índio Potiguara Pedro Poty”, em que narrou a viagem do silvícola, que fora levado à Holanda pelos calvinistas, para, de volta à terra-mãe, instruído e falante de outros idiomas, acabar por facilitar a conquista holandeses. Este, indubitavelmente, será um tomo melhor estudado pelos pósteros que almejarem compreender colonização portuguesa no Nordeste do Brasil, especialmente, na Província da Paraíba, e a ocupação holandeza liderada pelo Conde Maurício de Nassau. Também escreveu outras obras importantes como Atividades Parlamentares e o Herói da Guerra do Paraguai José Campelo d'Albuquerque Galvão, o famoso Comendador Campelo. Termino com os meus penhorados agradecimentos à Presidenta do Tribunal de Justiça da Paraiba, Desembargadora Maria de Fátima Morais Bezerra Cavalcanti, defensora e patrona incondicional da Comissão de Cultura e Memória do Poder Judiciário, incentivando eventos culturais e lançamentos de livros, por vezes, escritos por magistrados e operadores do direito, nas dependências deste Tribunal. Agradecimentos ao Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, que, com brilhante pronunciamento, lançou este livro, e, finalmente, a todos os familiares do Insígne Deputado, Escritor e Historiador José Fernandes de Lima, representados por Dr. João Laércio Gagliarde Fernandes, pela bela fala que acaba de fazer, sem me esquecer da estimada amiga Betinha Fernandes, sobrinha do homenageado. A este seleto auditório, pelo prestígio de tão honrosas presenças, meu muito obrigado! João Pessoa, 4 de setembro de 2013 Desembargador Marcos Cavalcanti de Albuquerque 129 131 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 PRONUNCIAMENTO DE JOAQUIM OSTERNE CARNEIRO* NO IHGP EM 12 DE SETEMBRO DE 2013. Autoridades aqui presentes. Minhas senhoras e meus senhores. Confreiras e confrades do IHGP Meus amigos e familiares É com muita satisfação que assumo pela segunda vez consecutiva o honroso cargo de Presidente desta Casa da Memoria Paraibana, que se constitui na mais antiga instituição cultural em funcionamento no Estado da Paraíba, também denominada Casa de Irineu Pinto, em homenagem a um dos maiores pesquisadores e historiadores da nossa terra. Ao longo dos seus 108 (cento e oito) anos de existência, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano tem se constituído no guardião da historia da Paraíba. Assim, inicialmente desejo agradecer o apoio recebido não somente dos integrantes da Diretoria, como igualmente de todos os confrades e confreiras que integram nossa entidade. Durante este segundo mandato que compreende o triênio de 2013 a 2016, em consonância com as diretrizes previamente estabelecidas, será dado continuidade as tarefas já em andamento, relacionadas com a manutenção e preservação do rico acervo aqui existente, com ênfase na digitalização de documentos, principalmente das chamadas Obras Raras e periódicos antigos, que estão a exigir um tratamento adequado, a fim de que não desapareçam, em face do manuseio por parte daqueles que continuamente realizam suas pesquisas e levantamentos, direcionados para a elaboração de trabalhos os mais diversificados possíveis. Após digitalizados, esses documentos estarão armazenados em computadores e a qualquer tempo poderão ser consultados sem o perigo de serem danificados. Faz se preciso informar que, a documentação pertencente a este Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, tem despertada a atenção não somente de pesquisadores brasileiros, representados especialmente por professores e estudantes das escolas públicas, que diuturnamente aqui nos visitam, mas também por parte de estudiosas estrangeiros que se debruçam no nosso acervo, em busca de relevantes informações inéditas e muitas vezes indispensáveis a elaboração de suas atividades. De outra parte, não será olvidado o trabalho constante que se realiza na conservação do nosso edifício, que está aguardando a colocação de um elevador a ser doado pelo Governo do Estado da Paraíba, por determinação do Governador Ricardo Vieira Coutinho, em atendimento a solicitação que o fizemos, que facilitará o acesso a todas as suas dependências, especialmente ao Auditório Humberto Nóbrega. Ao mesmo tempo, seguindo a orientação emanada do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, quando do V Colóquio dos Institutos Históricos Brasileiros, realizado na sede do IHGB, na cidade do Rio de Janeiro, no período de 19 a 21 de outubro de 2011, continuaremos a incentivar a criação de Institutos Históricos Municipais, já que a história tem inicio nos municípios e se não forem adotadas medidas, grande parte dessa documentação tenderá a se deteriorar e até mesmo a desaparecer. Nesse sentido, nos dias 15 e 16 de março do corrente ano, foi realizado aqui no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o Iº Encontro dos Institutos Históricos Paraibanos, oportunidade em que tomamos conhecimento das atividades executados por essas entidades. *Presidente do IHGP 130 132 REVISTA DO IHGP – Nº 43 – ANO C -‐ 2014 No decorrer do referido evento, fomos informados dos problemas e dos trabalhos implementados pelo Instituto Histórico e Geográfico de Bayeux, através da palavra do seu Presidente o historiador Ariosvaldo Alves de Oliveira. Concomitantemente, também ficamos sabendo do que vem sendo desenvolvido pelo Instituto Histórico e Geográfico de Patos, por meio da lúcida exposição do seu Presidente, o Historiador José Mota Victor e finalmente ouvimos da Historiadora Maria Ida Steinmuller, Presidente do Instituto Histórico de Campina Grande, que discorreu sobre o que vem realizando esta novel instituição, denominada Casa de Elpidio de Almeida, em homenagem ao historiador, médico, escritor, político e ambientalista, que tanto fez em prol da Rainha da Borborema nos seus mais variados aspectos. Aliás, a partir do dia 12 de outubro do corrente ano, o município de Campina Grande dará inicio as comemorações alusivas aos 150 (cento e cinqüenta) anos de sua emancipação política e este fato é por demais importante para a sua tão pujante historia. É conveniente informar que, o Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Cajazeiras, o Historiador José Antonio de Albuquerque, por motivo superveniente não pode comparecer ao encontro dos Institutos Históricos Municipais, mas teve a gentileza de enviar um circunstanciado relatório explicitando as atividades da sua entidade. Ao mesmo tempo, ficou acordado que no próximo ano deverá ser realizado na cidade de Patos, o IIº Encontro dos Institutos Históricos Paraibanos, quando trataremos e avaliaremos as atividades implementadas por todas as instituições do nosso Estado que cuidam da nossa historia. Em linhas gerais, minhas senhoras e meus senhores são estes os trabalhos, as atividades que daremos andamento nesta Casa da Memória da nossa Paraíba, que é o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, sem esquecer de cuidar da publicação da nossa centenária Revista, que tem se encarregado de divulgar trabalhos dos nossos associados e até mesmo de outros historiadores que não pertencem ao IHGP, afora o Boletim Informativo Eletrônico, que mensalmente através da internet informa as nossas atividades. 131 133