Entrevista com Mauro Borges (Cemig): “Cemig vai manter briga com União” SOUZA, Marcos de Moura e. “Entrevista com Mauro Borges (Cemig): ‘Cemig vai manter briga com União’”. Valor Econômico. São Paulo, 6 de julho de 2015. Valor: A derrota da Cemig no STJ fecha a porta para negociações que vinha tendo com o governo federal para tentar manter as três usinas? Mauro Borges: Não fecha a porta para a negociação. Acreditamos que ainda tem espaço para uma solução negociada enquanto o processo judicial estiver acontecendo. Ainda temos a possibilidade de outras medidas judiciais cabíveis e estamos vendo a melhor estratégia de defesa no âmbito judicial. Além disso, temos conversas frequentes com o governo. A Cemig é a maior empresa integrada do setor elétrico. Valor: Mas uma continuidade das negociações não seria um confronto com a decisão da Justiça? Borges: Se a decisão do STJ fosse a última a última etapa do processo judicial, você teria toda a razão. Mas certamente essa não vai ser a última etapa desse contencioso judicial. E uma vez que o contencioso ganhe outra natureza do ponto de vista jurídico, continuaria o esforço de uma solução negociada. Não desistimos dessa solução, acreditando que ainda temos espaço legal para continuar reivindicando o direito da renovação das três usinas. Valor: A Cemig poderá tentar levar a briga para o STF? Borges: Tem mais de um caminho possível e nós ainda estamos decidindo a melhor estratégia no campo judicial. Não está esgotado. Valor: Quando a Cemig vai reiniciar a disputa judicial? Borges: Este ano. Imediatamente após a publicação do resultado do julgamento, tomaremos as medidas judiciais que consideramos que são cabíveis. Valor: Qual é o impacto da decisão do STJ para a empresa? Borges: É muito grande. A geração das três usinas representa 40% (ou 3,2 GW/hora) da capacidade de geração atual da Cemig. Tem um impacto muito significativo tanto para geração de caixa quanto para preservação de contratos de longo prazo, o que é o mais precioso para a empresa. Valor: Esses contratos são com empresas de que setores? Borges: São usinas inteiramente dedicadas a contratos de longo prazo com a indústria mineira, com siderúrgicas, empresas de ferroligas e fundições. Valor: Caso devolvidas à União e leiloadas novamente, como pretende o governo, essas usinas não continuariam atendendo à indústria? Borges: Não, essa energia terá de ir para o mercado cativo, que é o mercado regulado, o mercado de cotas para as distribuidoras. E elas dedicam a totalidade de sua energia para consumidores residenciais e comerciais, em contratos de curto prazo, ao qual essa indústria não vai ter acesso. Valor: A Cemig tem renovado esse tipo de contrato com indústrias? Borges: Uma vez que entramos no contencioso judicial, não pudemos renovar, principalmente de médio e grande porte. Já tem centenas de indústrias que não puderam renovar com a Cemig seus contratos, pois não temos certeza que vamos ter a energia. Valor: Outra questão é o ressarcimento que a Cemig terá de fazer ao governo pelos ganhos que obteve e está obtendo enquanto opera as três usinas sob liminar judicial. Borges: Na hipótese de a Cemig não ter renovadas as concessões dessas usinas, serão colocadas duas questões: o ressarcimento desse período, desde quanto cessa o contrato. Cada usina tem um contrato diferente. Miranda vence em dezembro de 2016; São Simão venceu em janeiro deste ano. [A concessão de Jaguara venceu em agosto de 2013, mas desde junho daquele ano a companhia opera a usina por força de liminar]. Em função dos prazos de vencimento de cada usina, nós teríamos de ressarcir a União. Mas, por outro lado, temos direito indenizatório pela forma que acreditamos que é justa de contabilização de nosso investimento. Teria de ter um acerto de contas. Valor: A Cemig busca novas aquisições, como em anos recentes? Borges: Nossa atitude é bastante ativa no sentido de continuar o plano e crescimento da empresa. Esse plano tem o vetor de fusão e aquisição e outro vetor é participando de leilões. Certamente, vamos participar de leilões de térmicas. O nosso processo de aquisição tem sido, em geral, por meio dos nossos veículos privados [empresas ligadas ao grupo Cemig como Light, Taesa, Aliança e Renova ]. No caso da Renova, a maior empresa de energia de fontes renováveis do país, estamos, no momento, num processo de negociações com outros sócios para ampliar a presença no setor. Valor: Para aquisições? Borges: Aquisições e participação em leilões. Aquisições e associações, com empresas em fase de negociação. Possivelmente, teremos fato relevante à medida que elas estiverem concluídas. Valor: As outras empresas do grupo também estão fazendo apostas como essas? Borges: A Aliança Energia [empresa formada este ano em associação com a Vale ] vai ser um grande veículo, inclusive do ponto de vista de geração térmica. Vai ter leilões de térmicas neste ano e temos todo interesse. No caso de transmissão, a Taesa também tem tratativas para fortalecer nossa posição por meio de aquisições e associações. Podese esperar ainda em 2015, achamos que tem espaço. E possivelmente em 2016 vai ter algum processo de consolidação das distribuidoras privadas no Brasil, devido à crise hidrológica e das enormes dificuldades financeiras que a área de distribuição está passando. As menores sofreram mais. Valor: A Cemig terá uma papel de consolidadora? Borges: A Cemig é a maior distribuidora e a Light, que é seu veículo privado, certamente vai participar desse processo que visa um setor de distribuição mais competitivo no Brasil. Valor: Qual será o impacto da retração da indústria, e da economia de modo geral, nas vendas de energia da Cemig este ano? Borges: Isso já está afetando a empresa, apesar de os resultados divulgados até hoje e os de maio ainda serem bastante positivos. A queda do consumo de energia é significativo e terá peso direto sobre as receitas da empresa. No entanto, estamos preparados. Valor: A empresa estuda vender ativos? Borges: Não. Em termos de desinvestimentos de ativos, não temos nenhuma intenção. Valor: A política de dividendos da empresa mudou com o governo de Fernando Pimentel (PT)? Borges: Mudou. Os tempos mudaram. A disponibilidade de caixa da empresa diminuiu. Ela está tendo um resultado mais modesto dada a situação do país e a crise hidrológica foi extremamente importante. Apesar do resultado do balanço, tanto em 2014 quanto no primeiro trimestre ter sido excepcional para o padrão do setor elétrico. É claro que nossos compromissos fundamentais, pensando no longo prazo, são com o investimento, não são com distribuição de dividendo. Mudou a política. O principal compromisso do governo de Minas, do conselho de administração e dos gestores é garantir crescimento de longo prazo da empresa. O investimento é prioritário à distribuição de dividendos. Nós levamos essa discussão ao conselho, foi aprovada uma postergação do pagamento estatutária de 25% que seria feito agora em junho. Era para ter feito uma distribuição de 25% de dividendos e mais 25% no fim do ano. Fizemos um provisionamento desses 25%, uma reserva de caixa, mas não pagamos, porque isso alivia nosso gerenciamento de caixa. À medida que conseguirmos sair da crise hidrológica e do período de recessão, voltaremos à normalidade da política de distribuição, que é de 50% do resultado da empresa. Hoje, o entendimento da companhia é que a prioridade é garantir seu plano de investimento e no momento ele disputa com o pagamento total dos dividendos. O plano de investimentos, da parte da holding, é em torno de R$ 1 bilhão para 2015. Do conjunto do grupo, é de cerca de R$ 4 bilhões. Valor: O projeto de construção de um gasoduto em Minas para atender à planta de fertilizantes que a Petrobras prometia erguer em Uberaba até 2017 foi adiado? Borges: No plano de negócios da Petrobras não está explicitado um prazo e uma reserva de valor para investimento na planta de amônia. A Petrobras já realizou 30% do investimento. O que nós temos conversado com a Petrobras é que podemos pensar em um reescalonamento desse prazo [que era 2017], mas que garanta a construção da unidade de fertilizantes e do gasoduto. Uma coisa está ligada a outra. A Cemig não vai investir no gasoduto sem ter um contrato firme de consumo do gás. Estamos em tratativas com a empresa. Mas não há dúvida que houve descontinuidade do investimento da Petrobras. Nelson Fonseca Leite é presidente da ABRADEE.