A CULTURA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO NA DÉCADA DE 70
JUNIOR, Carlos de Faria1
FERNANDES, Priscila Mendonça2
Palavras-Chave: Indústria Cultural. Regime Militar. Telenovelas.
Introdução
O projeto consiste na recuperação das formas de representação da cultura do Rio
de Janeiro na década de 70, mediante a análise do material audiovisual das telenovelas
produzidas pela Rede Globo. Considerando as relações existentes entre o contexto
político de regime militar e a consolidação de uma indústria cultural, as telenovelas se
apresentam como fontes de forte influência sobre os valores e comportamentos da
população brasileira. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva principalmente a
análise do discurso ditatorial militar presente nas telenovelas dos anos 70.
Procedimentos Metodológicos
A metodologia utilizada para a elaboração do projeto é de caráter qualitativo,
utilizando-se da análise de fontes primárias. A pesquisa utiliza como pressupostos
teóricos os conceitos de Nestor Garcia Canclini, por esse autor analisar as diversas
manifestações culturais e a constituição de culturas híbridas, relacionando os dois
conceitos e analisando-os em relação ao contexto em que se inserem.
A pesquisa baseou-se na análise das telenovelas produzidas pela Rede Globo
durante a década de 70. Esse material audiovisual encontra-se disponível no site
1
Doutor em História pela Universidade de São Paulo e professor no curso de Licenciatura em História da
Universidade Castelo Branco (UCB). Orientador do Programa de Pesquisa de Iniciação Científica &
Tecnológica (PIBIC&T/UCB). Linha de pesquisa “História e Ensino de História do Brasil” do
Laboratório de Pesquisas em História (LAPHIS) da Universidade Castelo Branco. Campus Realengo, Rio
de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Graduanda em História pela Universidade Castelo Branco (UCB). Acadêmica Voluntária PIBICT/UCB
(Vigência: Out/2013 a Out/2014). Linha de pesquisa “História e Ensino de História do Brasil” do
Laboratório de Pesquisas em História (LAPHIS) da Universidade Castelo Branco. Campus Realengo, Rio
de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].
Youtube, nosso principal banco de dados. É necessário salientar que são poucas as
telenovelas que possuem grande quantidade de episódios disponíveis, devido aos
incêndios ocorridos na Rede Globo, que acarretaram em grandes perdas audiovisuais.
Devido a esse fato, foram considerados todos os fragmentos de telenovelas disponíveis
e não apenas episódios completos.
Foram realizados também estudos bibliográficos de livros, textos e artigos
relacionados ao tema com o propósito de possibilitar uma maior compreensão dos
conceitos relevantes à pesquisa e do contexto histórico em destaque. Houve o destaque
para dois importantes documentos elaborados por entidades governamentais da época, o
Ato Institucional n.º 5, de 13 de dezembro de 1968, e o Decreto-Lei n.º 74, de 21 de
novembro de 1966.
Discussão dos resultados
Entre os anos 60 e 70, o Brasil passou por um processo de consolidação de uma
indústria cultural. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação e a inserção da
lógica capitalista na esfera cultural, a cultura tornou-se mercadoria e entretenimento
para as massas. Isso estimulou o desenvolvimento de uma sociedade de massas
facilmente manipulável pela mídia e pelas ideias e comportamentos propagados pelos
meios de comunicação, que assegurou maior controle sobre as decisões da sociedade.
Nesse contexto, a televisão foi um meio de comunicação de destaque que contou
com diversos aprimoramentos técnicos e artísticos. Com o surgimento do videotape,
houve possibilidade de comercialização de seus programas, além dos importantes
acontecimentos mundiais tais como a contracultura, os movimentos por direitos sociais,
e as guerras por libertação nacional terem feito dela o meio mais favorável para a
disseminação de informações. Isso gerou o aumento de sua produção e consumo, pois,
segundo Mattos, ela era “lembrada continuamente das suas responsabilidades para com
a cultura e o desenvolvimento nacional” (MATTOS, 1990, p. 17)3.
O golpe de 1964 que instaurou o regime militar no Brasil utilizou como
estratégia para a consolidação de sua legitimidade a continuidade do desenvolvimento
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MATTOS, S. “Origens e desenvolvimento histórico da televisão brasileira”. In: ______. Um Perfil da
TV Brasileira (40 anos de história: 1950-1990). Salvador: A Tarde. 1990. p. 6-21.
econômico. Interessava-lhe fomentar na sociedade o consenso de que o progresso era
capaz de garantir inúmeros benefícios à população, mas que sua manutenção era
possível apenas mediante a manutenção da ordem. Suas políticas econômicas visavam
ao desenvolvimento nacional, baseando-se numa rápida industrialização.
Dessa forma, o Estado estimulou o desenvolvimento da indústria cultural,
influenciando os meios de comunicação que passaram a favorecer as medidas adotadas
pelo governo. A maior expressão dessa afirmação se dá pela criação do Conselho
Federal de Cultura em 1966, que objetivava a elaboração do Plano Nacional de Cultura
e a maior atuação do governo no espaço cultural, possibilitando maior fiscalização dos
conteúdos que se difundiam na sociedade e facilitando a radicalização da censura.
Os meios de comunicação de massa, assim, funcionariam como um sistema
para comunicar mensagens e símbolos às massas em geral – com a missão de
divertir, entreter e informar, como também de inculcar nos indivíduos
valores, crenças e códigos de comportamento que os integrarão em estruturas
institucionais da sociedade mais ampla (FERREIRA, 1991, p. 159)4.
As produções artísticas não apenas foram impedidas de disseminar informações
contrárias ao regime vigente, como também foram utilizadas por ele para difundir a
ideia de valorização dos aspectos nacionais e importância do progresso, ideologia que,
unida à “defesa da moral e dos bons costumes” (FICO, 2003, p. 191)5, pautava o
governo. Isso revela as fortes relações mantidas entre os agentes da indústria cultural e o
Estado, perceptível no instante em que definimos esses agentes como o grande
empresariado controlador das mídias, e enfatizamos a relação entre empresariado e
regime militar.
Os anos 70 trouxeram fortes transformações na sociedade, caracterizadas pelo
rápido desenvolvimento da tecnologia e fortalecimento da censura, além do hábito
comum de autocensura adotado por grande parte dos artistas. A televisão tornou-se um
poderoso e influente meio de comunicação de massa, fortalecido pela maior produção
das telenovelas que se tornaram os programas de maior audiência e lucratividade das
emissoras.
Modernização, desenvolvimento capitalista, autoritarismo e lutas sociais pela
constituição de uma esfera pública, ou até mesmo de um outro tipo de
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FERREIRA, A. “As redes de TV e os senhores da Aldeia Global”. In: NOVAES, A. (Org.). Rede
Imaginária: televisão e democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 155-169.
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FICO, C. “Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão”. In:
DELGADO, L. A. N.; FERREIRA, J. (Org.). O Brasil Republicano: regime militar e movimentos
sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 167-205.
sociedade, entrelaçaram-se de tal maneira, sobretudo a partir dos anos 1970,
que qualquer desses aspectos só pode ser compreendido levando- se em conta
os demais (RIDENTI, 2014, p. 26)6.
Nesse período, os enredos das telenovelas abordavam temáticas do cotidiano,
exibindo rotinas do dia a dia que as aproximavam da realidade do público que as
assistia. Fugiam do exagero melodramático característico dos “dramalhões” latinos que
tanto marcaram as telenovelas dos anos 60. Na década de 70, as telenovelas possuíam
características
realistas,
com
temáticas
nacionalistas
que
evidenciavam
as
especificidades dos povos e territórios brasileiros.
É também nos anos 70 que a Rede Globo começa a se consolidar como a
emissora de maior prestígio da televisão brasileira, caracterizada por produções
inovadoras e uma visão empresarial, obtidas principalmente pelo acordo com a empresa
Time Life. Era uma emissora que mantinha fortes relações não só com o sistema
econômico que ascendia junto a ela, como também com o sistema político vigente. Isso
é perceptível quando observamos os diversos favores que lhe foram concedidos não só
pelo regime militar, mas por todos os governos em que esteve presente.
Partindo do princípio de que a emissora sempre se focou na produção de
telenovelas e de que sempre manteve firmes relações com os governos brasileiros,
podemos afirmar que nos anos 70 suas telenovelas passaram a representar com
frequência fontes de difusão e exaltação dos ideais contidos no regime militar, pois
durante a pesquisa foi possível perceber que nesse período as temáticas das telenovelas
sofreram transformações, passando a refletir as ideias que o regime militar difundia.
Como sugere Carlos Fico, era uma emissora “afinada com as diretrizes da ditadura”
(FICO, 2003, p. 193)7.
Durante o governo Médici, de 1969 a 1974, houve uma grande preocupação com
o conteúdo televisivo que seria propagado para a população, devido a forte influência
que passou a repercutir sobre a sociedade. Seu discurso enaltecia os benefícios possíveis
de ser advindos do progresso e valorizava fortemente a questão nacional. Durante o
governo Geisel, de 1974 a 1979, a situação de crise do milagre-econômico pela qual o
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RIDENTI, M. “As oposições à ditadura: resistência e integração”. In: REIS, D. A.; RIDENTI, M.;
MOTTA, R. P. S. (Org.). A Ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro:
Zahar, 2014. p. 18-28.
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FICO, C. “Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão”. In:
DELGADO, L. A. N.; FERREIRA, J. (Org.). O Brasil Republicano: regime militar e movimentos
sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 167-205.
Brasil passava foi acompanhada pelo aumento da inflação e por perdas salariais. Isso
acarretou numa transformação do discurso, visível nas temáticas abordadas pelas
telenovelas.
Mediante as análises das telenovelas produzidas pela Rede Globo na primeira
metade dos anos 70, é possível perceber a ênfase em ambientes rurais ou ambientes
urbanos, onde se desenvolve o enredo das telenovelas. As temáticas dos ambientes
rurais apresentam frequentemente forte caráter de crítica social, questionando o poder
dos chefes políticos que governavam aquelas regiões. As diferenças sociais são
enfatizadas, acompanhadas por suas consequências negativas. No entanto, é uma crítica
direcionada a uma forma específica de poder, ao dos antigos coronéis, época de
dificuldades para uma sociedade que não era pautada pelo progresso.
Nas telenovelas que se desenvolvem em ambientes urbanos, há uma tendência
contrária. Nelas, é visível uma grande facilidade e tendência para a ascensão social de
seus personagens, que muitas vezes alcançam melhores condições de vida de maneira
rápida e sem grande necessidade de esforço. O empresariado e suas relações com a
classe média e pobre aparecem em frequente destaque. Essa ideia de facilidade de
ascensão social se liga ao discurso modernizante do regime militar, de que numa
sociedade desenvolvida, todos possuem as mesmas possibilidades.
É notável também nas telenovelas urbanas uma ausência de crítica. A vida da
alta sociedade e seus privilégios se destaca por sobre as dificuldades do dia a dia da
maioria da população. A desigualdade social, os problemas financeiros, a violência e
tudo mais que caracteriza as cidades são omitidos, destacando-se o luxo e tudo de
favorável que a modernidade pode oferecer. São raras as críticas ao governo, e a
abordagem das temáticas é transferida para os conflitos pessoais, dramas familiares,
problemas amorosos e aos diferentes perfis dos indivíduos sociais.
As telenovelas produzidas pela Rede Globo a partir de 1975 mantiveram
algumas temáticas e acrescentaram outras. Permaneceram as temáticas urbanas, mas
houve destaque também para as produções de época que adaptaram diversas histórias
literárias para as telenovelas, adquirindo caráter educativo. Sendo assim, os ambientes
rurais que antes apareciam com temáticas críticas foram substituídos por romances
clássicos que valorizavam a cultura e o território brasileiros, coincidindo com a
ideologia de valorização da história e cultura nacional difundida pelo governo.
As temáticas pessoais em que prevaleciam as características da sociedade
permaneceram frequentes, no entanto, as temáticas que enfatizavam a facilidade de
ascensão social sofreram uma transformação. Não prevalecia mais o discurso único e
exclusivo de facilidade de ascensão social e financeira, pois passava a ser revelada a
possibilidade de crise. As desigualdades da sociedade moderna e suas características
negativas passaram a ser também evidenciadas, refletindo a situação pela qual o Brasil
estava passando.
Nesse contexto, as temáticas das telenovelas urbanas passaram a normalizar a
questão das diferenças sociais, revelando as dificuldades diárias pelas quais a população
passava e legitimando essa condição. Isso trazia a ideia de que, numa sociedade
moderna, os agentes sociais deveriam não apenas aprender a desfrutar das facilidades
proporcionadas pelo progresso, mas também adaptar-se às dificuldades advindas desse
mesmo progresso.
Considerações Finais
Nossa pesquisa busca a recuperação das formas de representação da cultura na
cidade do Rio de Janeiro, considerando a aceleração da urbanização sofrida pelo Brasil
durante os anos 70 e a consequente massificação dos meios de comunicação, além do
contexto histórico de ditadura militar que regia esse período caracterizado pela forte
ação da censura e propaganda.
Ao analisar as telenovelas produzidas pela Rede Globo nos anos 70, procuramos
destacar também o discurso ditatorial militar que se manifesta em suas temáticas,
evidenciando as relações existentes entre a emissora e o regime militar, a maneira como
o discurso vai se adaptando às situações vivenciadas pelo Brasil, e as formas como vai
sendo representado nessas telenovelas.
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