Escala Mínima Viável e Barreiras à Entrada em Serviços de Concretagem Marcos André Mattos de Lima 1 I. Introdução Um dos problemas que mais causa preocupações nas autoridades antitruste no Brasil, e em diversos outros países, é o movimento de verticalização das empresas cimenteiras, adquirindo uma quantidade cada vez maior de empresas prestadoras de serviços de concretagem. Há, atualmente, em análise no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) mais de dez casos envolvendo estes dois segmentos. Boa parte da controvérsia na análise destes casos reside na análise das barreiras à entrada no segmento de serviços de concretagem. Isto ocorre porque, sob a alegação de que a entrada neste segmento seria fácil, ou seja a escala mínima viável, o investimento e o tempo necessários para a entrada seriam bem reduzidos. Com base neste argumento, e em outros relacionados à impossibilidade de fechamento de mercado das cimenteiras para as concreteiras independentes, todas as operações analisadas pelo SBDC até o ano de 2004 foram aprovadas sem restrições. Porém, a partir de uma Nota Técnica exarada pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) 2 , ao investigar a denúncia de que empresas de cimento estavam se negando ou dificultando, de forma concertada, o fornecimento de cimentos do tipo CPII e CPV, concluiu-se que 3 : “os fatos extensamente narrados no decorrer do presente articulado refletem indícios de que: (i) Houve conduta concertada, por parte das cimenteiras, consistente na recusa de venda conjunta de determinados tipos de cimento (CPII e CPV) para concreteiras independentes; (ii) A recusa concertada de venda reduziu a 1 Professor do IBMEC-RJ e Gerente de Projetos da PLACON Planejamento e Consultoria Ltda. Nota Técnica n.º 104/2003/COGDC-DF/SEAE/MF, de 12 de novembro de 2003 – Procedimento Administrativo n.º 10168.003455/2002-06. 3 De acordo com informações contidas na nota, as concreteiras independentes utilizavam como instrumento de competição, para redução de custos, a adição de escória aos cimentos CPII e CP V. A alternativa seria o CPIII, entretanto este já incorpora a quantidade máxima de escória permitida pela regra da ABNT, não sendo possível adicionar qualquer outro produto. 2 capacidade de competitividade das concreteiras independentes vis à vis as coligadas, importando em verdadeiro fechamento de mercado (...); (iii) O mercado de cimento apresenta condições favoráveis para a formação e manutenção de condutas concertadas; (iv) Não há racionalidade econômica para a conduta que não seja a de excluir a concorrência das concreteiras não verticalizadas, sobretudo ao se considerar que a prática foi adotada de modo conjunto por diversos grupos cimenteiros no mesmo período.” Diante destes fatos é necessário analisar mais detidamente as barreiras à entrada no segmento de concretagem e, para tanto, é fundamental a determinação da escala mínima viável para empresas do setor. O cálculo desta escala mínima não é trivial, uma vez que os mercados de concretagem são de âmbito municipal e as operações submetidas ao SBDC, normalmente, envolvem diversos municípios e a observação de variáveis como margens de lucro, preços e quantidades de todos os agentes atuantes nestes diversos mercados torna-se muito custosa. Surge a necessidade, então, de utilizar outra metodologia para lidar com esta estimação em mercados desta natureza. Em seus artigos Bresnahan e Reiss (1987, 1990, 1991) desenvolvem um método para tratar este problema em diversos segmentos cuja concorrência se dá localmente. Neste artigo, será utilizada metodologia semelhante à desenvolvida por tais autores. Na seção II é apresentada a metodologia que será utilizada e é feita uma descrição dos dados coletados para a estimação. Na seção III são apresentados e discutidos os resultados obtidos e as principais implicações destes resultados no tratamento a ser dado para as concentrações horizontais e integrações verticais envolvendo o segmento de concretagem. Por fim, na seção IV são apresentadas as principais conclusões e possíveis extensões do presente artigo. II. Metodologia II.1- Modelo Teórico A idéia geral que norteia a metodologia de Bresnahan e Reiss (1990; 1991) é inferir o grau de competição pela observação das decisões de entrada, e sua relação com os tamanhos dos mercados locais e outras características destes mercados. Para tanto não é necessário observar os lucros individuais das firmas, estes são aproximados pelo número de firmas atuantes em cada um dos mercados. Para a determinação do tamanho do mercado necessário para suportar um determinado número de firmas é utilizado o equilíbrio de longo prazo sob a hipótese de livre entrada (lucro econômico zero no longo prazo). Estimando uma relação entre o número de entrantes e características dos mercados de um lado e indicadores dos custos das empresas de outro, pode-se obter estas medidas dos diversos tamanhos de mercados, medidos pela população. O modelo será desenvolvido a seguir. Os lucros das firmas no mercado i, no qual há n firmas é dado pela variável latente Π in que é formada por uma parte determinística ( π in ) e outra aleatória ( ε i ): Π in = π in + ε i (1) A parte determinística depende do número de firmas no mercado, enquanto a parte aleatória representa o erro para o mercado i, comum a todas as firmas neste mercado, o que implica no fato de que as firmas são homogêneas. O erro não é observado pelo pesquisador, mas é de conhecimento dos players do mercado. Estes fatores fazem com que possa ser utilizada a especificação de um ordered logit (ou probit) para a estimação do modelo. A variável Π in está ligada ao número de firmas em um dado mercado pelo fato de que só haverá entrada se isto for lucrativo (obtenção de lucros extraordinários) para a entrante. A hipótese fundamental é de que os lucros decrescem à medida em que novas firmas entram no mercado, ou seja, Π in > Π in +1 . Isso nos dá as seguintes condições: Ni = 0 se ε i < π i1 Ni = n se π in ≥ ε i > π in +1 , Ni = K se π iK ≥ ε i n = 1,..., K − 1 ( 2) Podem ser obtidas as probabilidades para estes diferentes números de firmas em um dado mercado. Para tanto basta especificar a distribuição do termo ε i . Neste caso específico será considerado que tal variável aleatória possui distribuição logística, o que configura o modelo a ser estimado como um ordered logit. A estimação é, portanto, feita utilizando o procedimento de máxima verossimilhança. II.2- Especificação do Modelo Econométrico A parcela determinística do lucro, π in , pode ser modelada como função das características do mercado (lado da demanda) e de componentes de custos (lado da oferta). O potencial de consumo de um determinado mercado é influenciado por características sócio-econômicas destes mercados. Neste caso específico foram utilizados a população (pop) e o índice de desenvolvimento humano (idh). Para os componentes de custos foram utilizadas as seguintes variáveis: rendimento médio do trabalho das firmas atuantes em cada mercado no mês de dezembro (rdez) e o número de horas trabalhadas nas firmas em cada um dos mercados (horas). Além destas variáveis foi considerada também uma medida de produtividade que foi a educação média dos trabalhadores em cada mercado (educmed). A equação estimada foi a seguinte: Π in = π in + ε i π itn = α . popit + β1 .idh + β 2 .educmed − γ 1 .rdez − γ 2 .horas − λn .Din (3) . onde, Din são variáveis binárias (dummies) para indicar o número de firmas em um determinado mercado. Os parâmetros a serem estimados têm duas utilidades fundamentais. A primeira é verificar de que forma as variáveis escolhidas impactam na performance das firmas, ou seja, em seus lucros. E a segunda é o estabelecimento de escalas mínimas (thresholds) para entrada de firmas, ou seja, o tamanho mínimo que determinados mercados devem ter para suportar um determinado número de firmas. O treshold para a entrada da enésima firma (Sn) em um determinado mercado é definido como a população necessária para fazer com que a parte determinística do lucro desta firma seja zero. A partir da equação (3) pode-se definir Sn da seguinte forma: ( βˆ1.idh + βˆ2 .educmed − γˆ1 .rdez − γˆ2 .horas − λˆn ) S =− αˆ n (4) onde βˆ1 , βˆ2 , γˆ1 , γˆ2 , λˆn , αˆ são os parâmetros estimados e idh, educmed , rdez , horas são as médias amostrais de tais variáveis. Se as escalas mínimas aumentarem sempre na mesma proporção a partir do aumento do número de firmas é sinal de que a entrada não gera impacto sobre o desempenho das firmas neste mercado. II.3- Dados Utilizados Como o mercado de serviços de concretagem é de âmbito local (aproximadamente municipal) foram coletados dados com este nível de desagregação. Os dados acerca da população residente, número de concreteiras (n), educação média dos funcionários das concreteiras (educmed), rendimento médio dos trabalhadores em dezembro (rdez) e horas trabalhadas em concreteiras durante o ano (horas) foram coletados para 3.384 municípios, com periodicidade anual, de 2000 a 2004. Os dados referentes à população foram obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto os demais têm como fonte a Relação Anual de Informações Sociais que contempla dados informados pelas empresas dos diversos segmentos. Os dados referentes ao índice de desenvolvimento humano (idh) possuem a mesma periodicidade, apesar de também serem municipais, estavam disponíveis apenas para o ano de 2000. Foram adotados os mesmos valores para todos os anos, com variação apenas entre municípios. Esta aproximação é bastante razoável, uma vez que é difícil supor que um determinado município tenha tido uma alteração significativa em sua qualidade de vida (medida pelo idh) em tão pouco tempo. Estes dados foram calculados pelo IBGE a partir do Censo realizado em 2000. III. Resultados Na tabela 1, a seguir, encontram-se os resultados para o modelo estimado. Tabela 1: Modelo Estimado Variable Coeficiente pop idh educmed rdez horas D1 D2 D3 D4 D5 D6 Pseudo R2 Observações Wald Qui-2 Log pseudolikelihood Erro Estatística Z P-valor Padrão 0,00002 0,0000002 12,47 0.0000 4,45923 0,5222151 8,54 0.0000 0,61764 0,0356131 17,34 0.0000 -0,00014 0,0000164 -8,30 0.0000 0,00462 0,0003150 14,67 0.0000 7,59800 0,2885032 9,26923 0,2913514 10,67596 0,2995928 11,93565 0,3127163 13,37742 0,3305308 14,99060 0,3695511 0,2979 16920 2959,27 (0,000) -10550,557 Pela observação do modelo estimado nota-se que todos os coeficientes estimados são estatisticamente significativos ao nível de 1%. Além disso, nota-se que os coeficientes para as variáveis que determinam as características dos mercados (pop e idh) são positivos, indicando que os lucros crescem com o número de firmas e com o nível de desenvolvimento do município (medido pelo idh). A variável de produtividade (educmed) também possui impacto positivo na lucratividade das empresas e as variáveis de custos também possuem parâmetros estimados com os sinais esperados. A partir deste modelo estimado foram calculadas as escalas mínimas (EMV) para comportar um monopolista nestes mercados, um duopolista e assim sucessivamente, até a EMV para comportar 6 firmas. Para este cálculo foi utilizada a equação (4). Os resultados encontram-se na tabela a seguir. Tabela 2: Escalas Mínimas Viáveis S1 S2 S3 S4 S5 S6 125.542 211.687 284.199 349.132 423.450 506.603 Da tabela acima pode-se concluir que a população suficiente para suportar uma empresa concreteira monopolista é de 125.542 habitantes. Para um duopolista este número cresce para 211.687. Até obtermos um número de 506.603 moradores para comportar 6 firmas em um determinado mercado. Diferentemente do resultado comumente obtido em estudos desta natureza (ver Cleeren et al. (2006) e Bresnahan e Reiss (1990, 1991)) as escalas mínimas obtidas aumentam cada vez menos com o número de firmas. Isto ocorre pela diferença entre os tipos de mercado analisados nos artigos citados (mercados de bens e serviços ofertados ao consumidor final) e o de serviços de concretagem para o qual as populações dos municípios possuem impacto indireto na contratação destes serviços pelas construtoras. Para os diversos Atos de Concentração envolvendo mercados de serviços de concretagem em análise atualmente nesta SEAE foram calculados o número previsto de concreteiras e o número atual (pré e pós-operações) no ano de 2004, no qual se iniciou a atual onda de casos envolvendo aquisição de concreteiras por empresas atuantes no mercado de cimento. Estes dados encontram-se na tabela 3 em anexo. Para boa parte dos municípios analisados (os marcados em verde) nota-se uma clara discrepância entre o número previsto e o número atual de firmas. Na verdade, o que ocorre é que estes municípios, pelos resultados estimados, comportariam bem menos concreteiras do que as que atualmente estão lá instaladas. Há duas explicações para este fato. A primeira pode estar ligada ao fato de que o mercado geográfico de atuação destas concreteiras é superior à área daquele município específico. A ocorrência deste fenômeno deve ter impacto marginal na conta apresentada uma vez que as concreteiras normalmente estão instaladas nos maiores municípios daquela região. Portanto, a inclusão de um ou dois municípios limítrofes (menores por hipótese para a maior parte dos casos) não alterará de forma significativa as conclusões obtidas. A segunda é que realmente naqueles mercados há mais concreteiras do que um mercado daquelas características deve comportar. Nestes casos as operações não devem ser vistas como necessariamente prejudiciais à concorrência, e sim como uma conseqüência natural de um processo de concorrência acirrado por um mercado que não comporta todos aqueles competidores. A tendência natural seria, portanto, a redução do número de firmas no longo prazo. E isto pode ocorrer de duas formas: (i) pela aquisição por outra concreteira já com atuação no local (de preferência uma empresa cimenteira, pois estas possuem vantagens competitivas em relação às concreteiras independentes); ou (ii) pelo fechamento das concreteiras menos eficientes. IV. Conclusão Neste artigo objetivou calcular escalas mínimas viáveis para os mercados de serviços de concretagem. Estes mercados possuem natureza local (aproximadamente municipal) e, por isso, fica dificultada a obtenção de variáveis como preços e quantidades vendidas pelas empresas atuantes nestes diversos mercados (milhares, no caso brasileiro). Com o intuito de tratar este problema foi adotada a metodologia desenvolvida por Bresnahan e Reiss (1990, 1991) que tentam aproximar a medida de escala mínima pelos tamanhos dos mercados (medidos pelas populações) suficientes para comportar determinados números de firmas. No modelo estimado todos os coeficientes tiveram o sinal esperado e foram estatisticamente significativos. A partir deste modelo foram calculadas as escalas mínimas e foram comparados os números atuais e previstos de firmas em diversos mercados, para os quais há Atos de Concentração em análise na SEAE. Pelos resultados obtidos pode-se concluir que várias das concentrações observadas não devem ser alvo de maiores preocupações pelas autoridades antitruste, uma vez que são mercados muito pequenos, de forma geral, que comportam bem menos firmas do que as que atualmente lá atuam. A metodologia, portanto, parece bastante adequada para tratar da definição de escalas mínimas em mercados de menor porte. Em relação aos mercados maiores, as capitais de estados (por exemplo), nada pode-se concluir pela comparação dos resultados do presente estudo com a observação da realidade. Possíveis extensões do presente trabalho estão relacionadas à busca de outras variáveis explicativas para a estimação do modelo apresentado e à sua aplicação a outros mercados locais, cujos casos se multiplicam no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Bibliografia Bresnahan, T.F., Reiss P.C. (1990). Entry in Monopoly Markets, Review of Economic Studies, 57 (192), 531-553. Bresnahan, T.F., Reiss, P.C. (1991). Entry and Competition in Concentrated Markets, Journal of Political Economy, 99 (5), 977-1009. Cleeren, K., Dekimpe, M.G., Verboven, F. (2006). Competition in Local-Service Sectors, mimeo. Wooldridge, J.F. (2002) Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data, MIT Press. Anexo Tabela 3: Número Previsto X Número Atual de Concreteiras em 2004 Cidade Maceio Salvador Fortaleza Brasília Vitória Belo Horizonte Juiz de Fora Uberlândia Belém Petrolina Recife Curitiba Foz do Iguaçu Londrina Maringá Cabo Frio Nova Iguaçu Rio de Janeiro Volta Redonda Parnamirim/Natal Porto Alegre Blumenau Brusque Camboriú Criciúma Florianópolis Guaramirim Joinville Lages Aracaju Atibaia Barra Bonita Bauru Botucatu Campinas Grande São Paulo Itanhaem Jaguariúna Jaú e Pederneiras UF AL BA CE DF ES MG MG MG PA PE PE PR PR PR PR RJ RJ RJ RJ RN RS SC SC SC SC SC SC SC SC SE SP SP SP SP SP SP SP SP SP População 2004 884.320 2.631.831 2.332.657 2.282.049 309.507 2.350.564 493.121 570.042 1.386.482 247.322 1.486.869 1.727.010 293.646 480.822 313.465 153.735 817.117 6.051.399 253.226 766.081 1.416.363 287.350 85.218 49.469 182.785 386.913 28.944 477.971 165.068 491.898 124.108 37.871 344.258 117.308 1.031.887 10.838.581 85.294 33.194 121.333 Firmas Firmas Previstas Firmas Atuais Operação 6 ou mais 3 6 ou mais 8 6 ou mais 6 6 ou mais 9 3 7 6 ou mais 11 5 4 6 ou mais 5 6 ou mais 4 2 2 6 ou mais 5 6 ou mais 9 3 3 5 8 3 7 1 4 6 ou mais 6 6 ou mais 13 2 5 6 ou mais 4 6 ou mais 9 3 7 1 2 1 7 1 3 4 5 1 6 5 5 1 2 5 4 1 11 1 5 3 8 1 4 6 ou mais 15 6 ou mais 16 1 3 1 3 1 8 Pós 2 7 5 8 6 10 3 4 3 1 4 7 2 7 6 3 5 12 4 3 8 5 1 6 2 2 5 1 1 3 10 4 7 3 14 15 2 2 7 Jundiai Lençóis Paulista Lindóia Mogi Mirim Penápolis Pindamonhangaba Praia Grande Ribeirão Preto São Joaquim da Barra São José do Rio Preto São José dos Campos Sumaré SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP SP 340.907 60.275 6.021 90.042 57.893 138.320 229.542 542.912 44.472 398.079 589.050 225.307 3 1 1 1 1 1 2 6 ou mais 1 4 6 ou mais 2 14 8 4 6 5 6 10 10 7 13 8 17 13 7 3 5 4 5 9 9 6 12 7 16