FICÇÃO CONTEMPORÂNEA Guimarães Rosa & Clarice Lispector A GERAÇÃO DE 45 (1945 - 1970) João Guimarães Rosa (1908 - 1967) João Guimarães Rosa (1908 - 1967) A obra de Rosa representa o ponto máximo da ficção brasileira do século XX. Em um processo criativo assombroso, marcado pela invenção estilística, pelo uso de todos os recursos modernos da técnica narrativa e pela demonstração de um inesgotável conhecimento empírico (q. se guia pela experiência), tanto do sertão mineiro quanto dos dramas da condição humana, o autor pode ser considerado “o único ficcionista completo da América Latina”. João Guimarães Rosa Obras: Romance : Grande sertão: veredas (1956) - Contos: Saragana (1946); Primeiras estórias (1962); Tumatéia (1967); Estas estórias (1969) Novelas: Corpo de baile (Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, No Pinhém, Noites do sertão) 1956. A obra de Rosa Características básicas: A primeira grande inovação do autor = linguagem = linguajar do sertanejo (mineiro) + recriação estilística = linguagem revolucionária = processo de transfiguração estilística = invenção de um novo léxico. O mundo de Rosa Mundo retratado = sertão mineiro = imobilizado no tempo = principal traço: a consciência mítica dos personagens (realismo mágico = eventos inverossímeis de um ponto de vista racionalista= o Demônio) A revelação do sertão mineiro A) O sertão como espaço físico:Minas Gerais = caracterizado por boas pastagens para a criação de gado, com chapadões e várzeas, descrito minuciosamente em sua flora e fauna, em suas “veredas misteriosas” (vereda = caminho estreito) A revelação do sertão mineiro B) O sertão simbólico: O “labiríntico” onde o homem joga seu destino = “O sertão está fora e está dentro de cada personagem de Guimarães Rosa” (Antonio Candido). A revelação do sertão mineiro C) O sertão como estrutura histórico-cultural: Realidades diferentes = civilização sertaneja (rústica - base cultural = colonização ibérica – consciência mítico-sacral) X civilização “litorânea” (moderna, urbana e evoluída). A problematização da existência Além de fixar, de forma “realista”, o sertão arcaico de MG no exato momento em que ele começava a desaparecer, engolfado pela expansão da sociedade urbana e a consequente homogeneização cultural do país, Guimarães Rosa transforma muitos de seus personagens em sujeitos que interrogam o mundo e a si próprios em busca dos fundamentos da existência. As travessias A tentativa de captar a essência das coisas no tumulto da vida cotidiana, faz o homem mergulhar em incertezas, verdades provisórias e dúvidas metódicas... Interroga, então, o mundo e a si mesmo em busca de uma razão para a existência = a travessia metafísica (interior). Grande sertão:veredas (1956) Grande sertão:veredas (1956) Romance estruturado no jogo dialético do presente e do passado: Plano presente= O ex-jagunço e hoje fazendeiro Riobaldo narra a história de sua vida a um doutor, ao mesmo tempo em que formula uma série de interrogações sobre o sentido da existência (luta: bem x mal) a presença do demônio, etc. Grande sertão:veredas (1956) Plano do passado= Focaliza as experiências do jagunço Riobaldo pelo sertão mineiro. Ocorre tanto uma travessia exterior, por um sertão real, como uma travessia interior, que leva o protagonista ao autoconhecimento. A percepção de si mesmo surge do contato com outros homens, em especial com Diadorim = o amor + Hermógenes = o ódio Grande sertão:veredas (1956) Do ponto de vista narrativo, todas as experiências do passado são discutidas no presente, por Riobaldo, mediante um conjunto de angustiadas interrogações sobre o destino individual e a condição humana, sobre Deus e o diabo, sobre o amor e o ódio, sobre a passagem do tempo e a morte, etc. Dessa forma, passado e presente, em permanente contraposição, formam a totalidade da obra. Grande sertão:veredas (1956) As inquietações de Riobaldo: A existência ou não do demônio; A natureza nebulosa das relações entre o bem e o mal; O significado do sentimento que experimentou por Diadorin; O sentido de sua vida de jagunço; A busca de uma explicação para a condição humana. Grande sertão:veredas (1956) As travessias de Riobaldo: A) Travessia exterior = como jagunço em um sertão real, na qual ele conhece a natureza e os limites extremos da condição humana, cristalizada na selvageria e nos gestos épicos dos companheiros de jagunçagem. Grande sertão:veredas (1956) B) A travessia interior: O autoconhecimento = A profunda percepção de si mesmo e a própria formação de sua subjetividade surgem do contato com dois outros indivíduos que sintetizam as noções difusas de bem e mal. Um abre para Riobaldo as portas do medo, do ódio e da ambição: Hermógenes. O outro, mulher camuflada de homem, desencadeia a explosão do amor: Diadorin. Grande sertão:veredas (1956) C) A travessia da passagem de um tipo de consciência mítico-sacral (Riobaldo-jagunço) para outra de estrutura lógico-racional (Riobaldo-fazendeiro):a primeira é comum às sociedades indígenas e mestiças dos sertões brasileiros e latino-americanos: explica o mundo pelo mito e pelo sagrado; a segunda é própria da civilização racionalista moderna: vê o mundo de um ponto de vista científico. Grande sertão:veredas (1956) Conclusão: À medida que a racionalidade das sociedades modernas avança, o pensamento mítico-sacral, ou mágico, tende a dissolver. Assim, em Grande sertão:veredas, o diabo é um personagem fundamental, no plano do passado, dentro do universo sacral em que se movem os jagunços. Já no plano presente, quando conta sua vida ao doutor, Riobaldo tende a negar a existência do demônio. CLARICE LISPECTOR (1920 - 1977) CLARICE LISPECTOR (1920 - 1977) Romances: Perto do coração selvagem (1944); O lustre (1946); A cidade sitiada (1949); A maça no escuro (1961); A paixão segundo G. H. (1964); Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres (1969); Água viva (1973); A hora da estrela (1977) - Contos: Laços de família (1960); A legião estrangeira (1964); Felicidade clandestina (1971); etc... CLARICE LISPECTOR Elementos temáticos e procedimentos narrativos: A existência subjetiva Interesse em desvelar a existência subjetiva dos personagens, relegando a história propriamente dita a um plano secundário. Mais do que a intriga, predominam as inusitadas experiências psíquicas e as impressões fugidias dos personagens despertadas pela realidade. O monólogo interior Utilização constante do monólogo interior, isto é, de um monólogo não pronunciado, que se desenrola apenas na mente dos personagens. O monólogo interior, em sua acepção plena, expõe labirínticos fluxos de consciência dos personagens, permitindo ao ficcionista o registro dos conteúdos mais sutis e profundos da alma humana. A epifania O termo epifania significa o relato de uma experiência que mostra toda a força de inusitada revelação. É a percepção de uma realidade atordoante quando os objetos mais simples, os gestos mais banais e as situações mais cotidianas comportam súbita iluminação na consciência dos figurantes. Ao dar-se a epifania, a consciência do indivíduo se abre para outra realidade. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra Geralmente é composto por mulheres, imersas em estado de absoluta interiorização, esmagadas pelo peso da subjetividade e para quem a realidade externa é nebulosa e ameaçadora. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra Enclausuradas em dolorosa solidão, essas personagens buscam incessantemente a própria identidade. A investigação do “quem sou?” torna-se, invariavelmente, o núcleo psicológico de todos os enredos. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra São personagens em situação de dilaceramento, oscilando entre o desconforto da contínua interrogação íntima e o desejo de ruptura com a introspecção e de estabelecimento de vínculos com o mundo objetivo. Personagens dilacerados: o universo ficcional de sua obra Perpétua sensação de náusea dos personagens diante da experiência do vazio, do absurdo da vida e da liberdade ilimitada. O “contato com o outro” talvez seja a resposta a essa “náusea”, mas as personagens de Clarice raramente encontram uma saída e, quando a conseguem, deparam-se apenas com a morte, único elemento de comunhão com o outro. A náusea Trata-se da náusea existencialista, à maneira de Sartre: mais do que uma sensação física de enjoo, é uma situação de absoluta liberdade de quem a vivencia. Liberdade no sentido da destruição de todos os valores tradicionais e da morte de todas as crenças. A náusea O ser, despojado de suas antigas certezas, vaga em um universo de destroços, mas, ao mesmo tempo em que o tédio e o desespero o ameaçam, ele pode encontrar uma nova alternativa para a existência.