CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
ANDRESSA DE SOUSA E SILVA
O SISTEMA DE GOVERNANÇA DA SOJA
GENETICAMENTE MODIFICADA E OS PRINCÍPIOS
NORTEADORES DA BIOSSEGURANÇA
BRASÍLIA
2008
ANDRESSA DE SOUSA E SILVA
O SISTEMA DE GOVERNANÇA DA SOJA
GENETICAMENTE MODIFICADA E OS PRINCÍPIOS
NORTEADORES DA BIOSSEGURANÇA
Dissertação apresentada como requisito parcial
para conclusão do Programa de Mestrado em
Direito do Centro Universitário de Brasília.
Orientador: Dr. Marcelo Dias Varella
BRASÍLIA
2008
Silva, Andressa de Sousa e.
O sistema de governança da soja geneticamente modificada e os
princípios norteadores da biossegurança / Andressa de Sousa e Silva. –
Brasília : O autor, 2008.
237 f.
Dissertação apresentada como requisito parcial para conclusão do
Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília.
Orientador: Dr. Marcelo Dias Varella.
1. Soja. 2. Alimento geneticamente modificado. 3 Biossegurança. I.
Título. II. Varella, Marcelo Dias.
Ficha catalográfica elaborada por Tatiana Barroso de A. Lins / CRB1-1588
ANDRESSA DE SOUSA E SILVA
O SISTEMA DE GOVERNANÇA DA SOJA
GENETICAMENTE MODIFICADA E OS PRINCÍPIOS
NORTEADORES DA BIOSSEGURANÇA
Dissertação apresentada como requisito parcial
para conclusão do Programa de Mestrado em
Direito do Centro Universitário de Brasília.
Orientador: Dr. Marcelo Dias Varella.
Brasília, ____ de _________________ de 2008.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Dr. Marcelo Dias Varella
_______________________________________________
Dr. Daniel Amin Ferraz
_______________________________________________
Dr. Josemar Xavier de Medeiros
Ao meu pai, eterno e idolatrado.
À minha mãe, símbolo e gratidão.
Ao Adriano, referencial de tudo o que mais prezo.
AGRADECIMENTO
Agradeço inicialmente aos meus pais, pela semente plantada de um futuro
abundante e pela luta em promover o alcance desta realização. Minha admiração eterna por
vocês.
Agradeço ao Adriano, meu anjo de luz, pela dedicação e pelo carinho constantes
nos momentos mais difíceis desta empreitada. Motivo de inspiração e de todo o meu amor.
Agradeço ao Diogo Henrique, pessoa incomparável a quem dedico total apreço
e admiração, pela sua lealdade e cumplicidade, bem como pelos momentos em que se
disponibilizou a colaborar na execução deste trabalho.
Agradeço ao corpo de professores do mestrado, com quem tive a honra de
trilhar os caminhos que me levaram ao desenvolvimento deste trabalho, bem como aos
amigos Ivan e Marley da Secretaria do curso, pela injeção de ânimo e de coragem diária.
Agradeço ao Professor e Mestre Marcelo Dias Varella, pela confiança, pelas
oportunidades proporcionadas, pela disponibilidade e pelas lições, que ficarão para sempre.
Agradeço à Amanda, amiga e confidente, pelo respeito e pela tolerância. Minha
gratidão pela disposição incessante em colaborar com meu desenvolvimento pessoal e
profissional, motivo da minha admiração por você.
Agradeço à Claudinha, pontinho de luz que irradia alegria, carinho e beleza.
Pelos momentos em que, ainda que sem saber, me proporcionou paz e conforto. Pela amizade
e pela oportunidade de convivência.
Agradeço aos meus irmãos, pelo convívio que me faz sempre relembrar os bons
momentos de infância e pela fé que sei, sempre depositaram em mim.
Agradeço à Maria, tia querida que me faz querer ser sempre mais e melhor.
Lembrança de amor e dedicação. Gratidão eterna por todos os momentos compartilhados.
Por fim, agradeço à Deus, Pai amado que colocou em meu caminho anjos fiéis e
motivo de toda a felicidade e fé no futuro.
“O bom senso é a coisa do mundo melhor
partilhada: pois cada um pensa estar tão bem
provido dele, que mesmo os mais difíceis de
contentar em qualquer outra coisa não costumam
desejar tê-lo mais do que têm.”
René Descartes
RESUMO
As transformações sociais decorrentes da moderna biotecnologia têm
despertado na sociedade contemporânea o questionamento acerca dos limites toleráveis de
riscos, especialmente quanto aos organismos geneticamente modificados. A possibilidade de
riscos relacionados à segurança alimentar e ambiental, em função dos transgênicos, impõe a
necessidade de medidas de segurança ao consumidor e ao meio ambiente, sem prejuízo do
livre desenvolvimento científico e econômico. Neste contexto, as regras de governança
pública e privada da soja geneticamente modificada, objeto desta pesquisa, devem ser
analisadas tendo em vista a tentativa de conciliação entre três elementos-chave: segurança
alimentar, proteção ambiental e desenvolvimento econômico. Pretende-se com isto avaliar o
grau de conformação da governança da soja geneticamente modificada, com os parâmetros
principiológicos da biossegurança, tendo em vista os riscos oferecidos pelos organismos
geneticamente modificados.
Palavras-chave: Governança. Soja geneticamente modificada. Biossegurança.
ABSTRACT
The social transformations due to modern biotechnology has called societies’
attention to the debate on the tolerable limits of the risks involving genetically modified
organisms. The possibility of risks concerning GMOs and food security as well as
environmental issues demand policies that protect consumers without slowing down
economic and scientific development. In this context, the public and private rules that deal
with genetically modified soybean seeds, the object of this research, are to be analyzed
according to these three key-elements: food or nutritional security, environmental protection
and internal development. This text intends to evaluate in what degree genetically modified
soybean governance conforms with biosafety principles having in mind the risks involving
GMOs.
Key words: Governance. Genetically Modified Soybean. Biosafety.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
1 A EVOLUÇÃO DAS INOVAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS NO CENÁRIO
BRASILEIRO .................................................................................................................... 13
1.1 A REVOLUÇÃO VERDE E O SURGIMENTO DOS TRANSGÊNICOS ..................... 13
1.2 BIOSSEGURANÇA APLICADA AOS TRANSGÊNICOS ........................................... 17
1.2.1 OS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS NA SOCIEDADE DE
RISCO .......................................................................................................................................19
1.2.2 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA BIOSSEGURANÇA ..........................................25
1.2.2.1 Definição de princípios ............................................................................................. 25
1.2.2.2 Aplicação dos princípios à biossegurança ................................................................. 29
1.2.2.2.1 Princípio da precaução ........................................................................................... 31
1.2.2.2.2 Princípio da informação ......................................................................................... 33
2 A CONSTRUÇÃO DA GOVERNANÇA DA SOJA GENETICAMENTE
MODIFICADA ................................................................................................................... 36
2.1 O INGRESSO DA SOJA GENETICAMENTE MODIFICADA NO BRASIL ............... 36
2.1.1 A formação de grupos de interesses em face das novas tecnologias...............................38
2.1.2 O PROCESSO DE LIBERAÇÃO DA SOJA GENETICAMENTE MODIFICADA ..........49
2.1.3 A NECESSIDADE DE CONFORMAÇÃO DOS INTERESSES ENTRE OS ATORES
ENVOLVIDOS ..........................................................................................................................62
3 GOVERNANÇA PÚBLICA E PRIVADA DA SOJA GM ............................................ 68
3.1 GOVERNANÇA PÚBLICA E A ESTRUTURA INSTITUCIONAL-NORMATIVA
DA BIOSSEGURANÇA ...................................................................................................... 68
3.1.1 ANÁLISE DA ESTRUTURA NORMATIVA INTERNACIONAL ......................................69
3.1.2 O SUPORTE NORMATIVO DA GOVERNANÇA PÚBLICA E OS PRINCÍPIOS DA
BIOSSEGURANÇA: ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO TRF 1ª REGIÃO NO CASO DA
LIBERAÇÃO DA SOJA RR .......................................................................................................76
3.1.2.1 O advento da lei de biossegurança e reflexos sobre o cenário de OGM ..................... 91
3.1.3 A GESTÃO DOS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS PELOS
ÓRGÃOS PÚBLICOS .............................................................................................................106
3.2 GOVERNANÇA PRIVADA E AS REGRAS ENTRE PARCEIROS COMERCIAIS .. 121
3.2.1 Análise da estrutura normativa internacional ...............................................................121
a) Acordo TRIPS ............................................................................................. 121
b) Convenção da UPOV .................................................................................. 125
3.2.2 O CONTROLE PRIVADO POR MEIO DE NORMAS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL .......................................................................................................................127
3.2.3 O CONTROLE PRIVADO POR MEIO DE CONTRATOS ............................................134
3.2.3.1 Royalties ................................................................................................................ 134
3.2.3.2 Sistema de contratos ............................................................................................... 139
3.2.4 PONTOS A PONDERAR ...............................................................................................159
CONCLUSÃO .................................................................................................................. 166
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 171
ANEXO A - ENTREVISTA COM DR. LUIZ ANTÔNIO BARRETO DE CASTRO .. 181
ANEXO B - QUESTIONÁRIO SUBMETIDO AO DR. MARCUS VINÍCIUS
SEGURADO COELHO ................................................................................................... 188
ANEXO C - ENTREVISTA DR. JOSEMAR MEDEIROS – UNB................................ 192
ANEXO D - ENTREVISTA COM DR. DIOGO THOMPSON ANDRADE ................. 197
ANEXO E - ACORDO GERAL PARA LICENCIAMENTO DE DIREITOS DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL DA TECNOLOGIA ROUNDUP READY® ........... 199
ANEXO F – FOLHETO DISTRIBUÍDO PELA MONSANTO AOS
AGRICULTORES ........................................................................................................... 223
ANEXO G – CONTRATO DE LICENCIAMENTO PARA COMERCIALIZAÇÃO
DE SOJA TRANSGÊNICA ............................................................................................. 235
10
INTRODUÇÃO
Este estudo pretende analisar o grau de incidência dos princípios da
biossegurança na formulação das regras públicas de gestão dos transgênicos e das regras
privadas que orientam os trâmites entre parceiros comerciais. A adoção de um modelo de
desenvolvimento voltado para a exploração tecnológica da biodiversidade impõe a
necessidade de observância a padrões mínimos de segurança alimentar e ambiental. Para
tanto, a instituição de princípios que determinem a diminuição de riscos ao meio ambiente, a
garantia de informação ao consumidor, para o livre exercício do direito de escolha, a
preocupação com a saúde humana e a possibilidade de participação pública é de fundamental
relevância para a afirmação do novo modelo tecnológico imposto.
O desenvolvimento da biotecnologia representa uma área relevante e
estratégica para o país, não só em função do ativo disponível em termos de matéria prima,
mas também do potencial científico existente. De um lado, a exploração desse novo ramo
requer o estabelecimento de um marco regulatório estável e seguro, que promova a
estimulação de investimentos na área, bem como uma estrutura necessária para que o mercado
se estabeleça. De outro lado, a necessidade de controle que garanta a segurança dos projetos
na área de biotecnologia impõe o cumprimento aos princípios estabelecidos, tendo em vista a
melhora da qualidade de vida do país, por meio do desenvolvimento de produtos e processos
que tragam benefícios para a sociedade, considerando, entretanto, os impactos que podem ser
gerados no meio ambiente, a necessidade de cuidados com a preservação da saúde humana, e
o estabelecimento de condições que permitam o controle adequado das atividades que
envolvam a biotecnologia.
O locus adotado para a aferição da observância aos princípios será o cenário
jurídico e institucional dos transgênicos, com ênfase na interação dos atores que compõem a
11
cadeia produtiva da soja. Esta abordagem permitirá divisar o jogo de forças no contexto dos
transgênicos e as diversas implicações decorrentes dos interesses conflitantes que circundam a
polêmica dos novos produtos.
As maiores dificuldades de implementação da biotecnologia no país
repousam no ajustamento da infra-estrutura brasileira ao desenvolvimento dos novos
produtos. Este ajustamento pressupõe um maior grau de informação dos consumidores acerca
dos produtos consumidos, participação pública nas audiências que determinam as liberações
de transgênicos, com a efetiva oitiva da população interessada, além da conciliação de
interesses no âmbito do próprio governo.
Para a consecução dos objetivos propostos, proceder-se-á à avaliação da
conformação do sistema de governança pública aos princípios da proteção do meio ambiente e
do consumidor, tendo em vista a polêmica da liberação da soja transgênica Roundup Ready
(RR) no país. Por sua vez, a análise do avanço do poder econômico da Monsanto,
possibilitado pela concessão da patente sobre a tecnologia RR desenvolvida, permitirá a
avaliação do atendimento aos comandos que determinam o direito de escolha do consumidor e
a segurança alimentar.
A pesquisa demanda, ainda, a verificação da conformidade da legislação
brasileira, bem como das práticas privadas, com as regras internacionais que disciplinam os
múltiplos interesses envolvidos no desenvolvimento científico da produção agrícola, em
escala global.
Nesta medida, o enfoque da pesquisa deve girar em torno da noção de
governança, entendida como os meios e processos utilizados, tanto na esfera privada como na
administrativa e política, com vistas à condução de negócios comuns. Isto implica na
determinação de um pacto social atualizado, orientado pela necessidade de participação dos
setores públicos e de instituições privadas para a realização de um projeto de interesse mútuo.
12
Aplicando esta idéia à proposta da pesquisa em comento, busca-se analisar o
grau de adequação das regras de governança da soja geneticamente modificada aos princípios
da biossegurança, com ênfase na conciliação entre a segurança alimentar, a proteção
ambiental e o desenvolvimento econômico.
13
1 A EVOLUÇÃO DAS INOVAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS NO CENÁRIO
BRASILEIRO
1.1 A REVOLUÇÃO VERDE E O SURGIMENTO DOS TRANSGÊNICOS
As inovações tecnológicas na seara da transgenia decorrem de longo
processo evolutivo do setor agrícola em nível mundial. Determinar, no tempo e no espaço, as
ocorrências que culminaram no desenvolvimento das sementes geneticamente modificadas
por técnicas diversas do melhoramento genético tradicional, implica em identificar o advento
dos transgênicos na linha evolutiva da produção agrícola, ao tempo em que proporciona o
entendimento acerca da importância deste avanço para a sociedade como um todo.
O incremento tecnológico das práticas agrícolas surgiu no pós – 2ª Guerra
Mundial em atendimento à necessidade de aumento da produtividade das atividades
agropecuárias, bem como da busca de soluções para a fome nos países em desenvolvimento.
Neste contexto é que surge a chamada Revolução Verde, expressão que determina o
implemento de novas tecnologias na área agrícola, em virtude de um ideário produtivo, nos
moldes a seguir analisados 1.
A Revolução Verde eclodiu na década de 1950 como resultado da adoção de
um modelo tecnológico de produção agrícola, baseado na promessa de aumento da
produtividade das lavouras, consubstanciando-se no uso intensivo de agroquímicos pelos
países em desenvolvimento, mecanização e diminuição do custo de manejo. O declínio do
modelo apoiado no uso de insumos químicos verificou-se em função do surgimento de
problemas ambientais (salinização, erosão do solo, etc.), econômicos (declínio da
1
GIANEZINI, Miguelangelo. Produtos agrícolas geneticamente modificados: um risco fabricado controlável da
modernidade? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 13, Recife, 2007. Anais do... Disponível
em: <http://www.sbsociologia.com.br/congresso_v02/papers/GT13%20Globaliza%C3%A7%C3%A3o%20da
%20Agricultura%20e%20dos%20Alimentos/Microsoft%20Word%20%20SBS_GT13_Paper_Miguelangelo_
Gianezini.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2008.
14
produtividade marginal, dependência do setor agrícola dos países pobres aos insumos
desenvolvidos pelas transnacionais) e sociais (exclusão de pequenos produtores, concentração
de renda), a partir da década de 19702.
Com efeito, as estratégias de desenvolvimento utilizadas por este modelo
não foram capazes de solucionar o problema da fome, além de gerar crescentes externalidades
sociais e ambientais, já que não se adequaram satisfatoriamente às condições sócioeconômicas e agro-ecológicas brasileiras3.
Para Oliveira4, não obstante os importantes conhecimentos advindos da
Revolução Verde, esta política agrícola, elaborada pelos Estados Unidos com o ideal de
combater a fome e aumentar a produtividade agrícola, mais significou a ampliação de
mercado nos setores de sementes, fertilizantes, pesticidas e maquinarias norte-americanos,
que propriamente a solução para os problemas vislumbrados.
A Revolução Verde trouxe consigo o aumento das dívidas externas dos
países “ajudados”, além do surgimento de novas variedades de pragas, substituição da
agricultura de subsistência, com culturas variadas, pela monocultura de cereais, subordinação
dos agricultores à agroindústria, entre outros problemas.
Diante do esgotamento do paradigma tecnológico até então adotado, a
biotecnologia surgiu como um novo modelo tecnológico, ecológica e economicamente
sustentável que, através do desenvolvimento de sementes geneticamente modificadas, mitigou
o uso de fertilizantes, herbicidas e pesticidas, tendo em vista uma agricultura sustentável.
2
3
4
ALBERGONI, Leide. Da Revolução Verde à transgenia: ruptura e continuidade de paradigmas tecnológicos.
Disponível em: <http://www.pet-economia.ufpr.br/textos/relatorio_evinci_leide.htm>. Acesso em: 30 nov.
2007.
GIANEZINI, Miguelangelo. Produtos agrícolas geneticamente modificados: um risco fabricado controlável da
modernidade? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 13, Recife, 2007. Anais do... Disponível
em: <http://www.sbsociologia.com.br/congresso_v02/papers/GT13%20Globaliza%C3%A7%C3%A3o%20da
%20Agricultura%20e%20dos%20Alimentos/Microsoft%20Word%20%20SBS_GT13_Paper_Miguelangelo_
Gianezini.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2008.
Cf. OLIVEIRA, Fátima. Afinal, qual é mesmo o ‘suave veneno’ dos transgênicos? In: REUNIÓN de Expertos
sobre Globalización, Cambio Tecnológicoy Equidad de Gênero. São Paulo, Brasil, 5 e 6 de novembro de 2001.
Disponível em: <http://www.eclac.org/mujer/noticias/noticias/0/8260/fatima.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2008.
15
A comparação entre os dois modelos tecnológicos pode ser graficamente
representada conforme a figura abaixo:
FIGURA 1: PARADIGMAS DA REVOLUÇÃO VERDE E DA AGRIBIOTECNOLOGIA
Fonte: ALBERGONI, Leide. Da Revolução Verde à transgenia: ruptura e continuidade de paradigmas
tecnológicos. Disponível em: <http://www.pet-economia.ufpr.br/textos/relatorio_evinci_leide.htm>. Acesso em:
30 nov. 2007.
A biotecnologia é termo utilizado para designar o conjunto de técnicas que
utilizam organismos vivos, ou partes destes, para produzir ou modificar produtos, melhorar
geneticamente plantas ou animais, ou ainda, desenvolver microorganismos para fins
específicos. No que diz respeito ao melhoramento genético, a moderna biotecnologia se
sobressai por possuir ferramentas que dão rapidez, agilidade e segurança em programas de
melhoramento de plantas5.
A ferramenta biotecnológica que permite a transferência de material
genético de um organismo para o outro foi primeiramente desenvolvida em 1973. Por meio
5
SANTOS, Patrícia Melo dos; SOUZA JR., Manoel Teixeira. Desenvolvimento de plantas transgênicas. In:
VALLE, Sílvio; TELLES, José Luiz (Org.). Bioética e biorrisco: abordagem transdisciplinar. Rio de Janeiro:
Interciência, 2003. p. 3-30.
16
das técnicas de engenharia genética e da tecnologia do DNA recombinante6, os cientistas
conseguiram que o gene7 que contém a informação para a síntese de determinada proteína de
interesse pudesse ser transferido para outro organismo, que então produzirá a proteína
desejada8.
Em termos gerais, os organismos geneticamente modificados são resultado
da introdução, em um organismo receptor, de genes originados da mesma espécie, de outra
espécie ou mesmo de outro reino9. Esta característica implica na diferenciação entre as
terminologias “geneticamente modificado” e “transgênico”10.
O organismo geneticamente modificado pode ser transgênico ou não. Se o
organismo for modificado geneticamente por um ou mais genes de um organismo da mesma
espécie do organismo alvo, este é considerado um OGM. É considerado transgênico, por sua
vez, o organismo cujo material genético foi alterado por meio da tecnologia do DNA
recombinante, pela introdução de fragmentos de DNA exógenos, ou seja, proveniente de
organismos de espécie diferente da espécie do organismo alvo11.
Muito embora o melhoramento genético seja praticado pelo homem desde
os primórdios da civilização, a exemplo da reserva de sementes da melhor safra para
replantio, o melhoramento convencional, resultante da capacidade de cruzamento entre os
organismos, difere sobremaneira do melhoramento proveniente da produção de OGM.
6
Técnica que consiste em cortar genes e emendá-los em outros organismos transferindo, assim, características
biológicas de um ser vivo para outro. Registre-se que esta transferência de genes somente é possível por
intermédio da intervenção humana, jamais se verificando na natureza, entre espécies diferentes.
MAGALHÃES, Vladimir Garcia. O princípio da precaução e os organismos transgênicos. In: VARELLA,
Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005.
7
Os genes são responsáveis pela definição das características dos organismos e são constituídos por seqüências
específicas de DNA, que codificam proteínas. LACORTE, Cristiano; MANSUR, Elisabeth. Organismos
geneticamente modificados (OGMs): segurança alimentar e ambiental. Revista de Biologia da Faculdade de
Ciências da Saúde do Centro Universitário de Brasília, Brasília, v. 1 n. 1, p. 35-40, 2000.
8
GUERRANTE, Rafaela Di Sabato; ANTUNES, Adelaide Maria de Souza; PEREIRA JR., Nei. Transgênicos: a
difícil relação entre ciência, sociedade e mercado. In: VALLE, Sílvio; TELLES, José Luiz (Org.). Bioética e
biorrisco: abordagem transdisciplinar. Rio de Janeiro: Interciência, 2003.
9
LACORTE; MANSUR op. cit.
10
Para efeitos deste trabalho consideram-se organismos transgênicos como sinônimo para organismos
geneticamente modificados.
11
GUERRANTE; ANTUNES; PEREIRA JR. op cit.
17
Isto
porque
enquanto
o
melhoramento
convencional
decorre
de
cruzamentos, de uma espécie ou de espécies próximas, realizados pelo homem, a produção de
OGM promove a introdução de genes de espécies muito distantes, o que não seria alcançável
pelos métodos de melhoramento convencional. Ademais disto, diferentemente do
melhoramento convencional, a engenharia genética possibilita, a priori, a transferência apenas
dos genes desejados à nova variedade.
O advento da biotecnologia gerou importantes reflexos no ambiente social,
entre eles, a necessidade de conciliação entre ciência, sociedade e mercado, mediante o
controle ou a minimização dos riscos advindos das novas tecnologias. Neste contexto é que
surge a biossegurança, encarregada de garantir a segurança das descobertas científicas ou
determinar os limites de riscos decorrentes de atividades potencialmente perigosas que
envolvam organismos vivos.
Desta forma, impende esclarecer acerca da biossegurança aplicada aos
transgênicos, com vistas a delimitar o espectro de riscos decorrentes de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados, para então apresentar os princípios que
devem orientar estas atividades.
1.2 BIOSSEGURANÇA APLICADA AOS TRANSGÊNICOS
A biossegurança visa ao estabelecimento de mecanismos de proteção para o
uso da biotecnologia moderna. Nesta medida, difere substancialmente da biotecnologia.
Enquanto esta aborda o potencial e a natureza das tecnologias, aquela se destina a discutir os
18
impactos e os riscos oriundos da primeira, por meio de ações voltadas para a prevenção e
minimização de riscos12.
A necessidade de se estabelecer normas de segurança decorre da percepção
de riscos relativamente aos organismos geneticamente modificados, notadamente quanto à
proteção ambiental e à segurança alimentar. No que tange ao meio ambiente, atividades como
a liberação planejada de OGM e o plantio comercial de plantas transgênicas requerem, por si
só, a análise de risco com respaldo em Estudos Prévios de Impacto Ambiental, normas de
licenciamento ambiental entre outros cuidados, determinados pelos órgãos competentes.
Isto porque, tendo em vista o desconhecimento sobre as conseqüências das
construções genéticas, especialmente quanto ao controle sobre o sítio de inserção do transgene
e os efeitos de sua disseminação, a condução dos estudos com biotecnologia deve ser
promovida sob normas rígidas de controle e segurança dos transgênicos.
No que se refere à segurança alimentar, a avaliação de segurança dos
alimentos transgênicos envolve a detecção de efeitos não intencionais, análise da identidade,
fonte e composição do OGM, o processo de transformação, os efeitos do processamento, além
de análise do produto da expressão da proteína do novo DNA, a fim de analisar os potenciais
de toxicidade e alergenicidade do produto, entre outros13.
Em ambos os casos – segurança alimentar ou proteção ambiental, é
imprescindível a avaliação de riscos, baseada nas melhores e mais atualizadas evidências
científicas disponíveis. Tendo em vista esta conjuntura, torna-se imperioso analisar o
comportamento das atividades que envolvam OGM na sociedade de risco, partindo,
inicialmente, dos argumentos levantados a favor e contra os novos produtos, e dos riscos a
12
13
VALLE, Sílvio; GUERRA, Miguel Pedro; NODARI, Rubens. Manipulação de plantas transgênicas em
contenção. In: VALLE, Sílvio; TELLES, José Luiz (Org.). Bioética e Biorrisco: abordagem transdisciplinar.
Rio de Janeiro: Interciência, 2003. p. 69-89.
WATANABE, Edson; NUTTI, Marília Regini; OLEJ, Beni; et al. Avaliação de segurança dos alimentos
geneticamente modificados. In: VALLE, Sílvio; TELLES, José Luiz (Org.). Bioética e Biorrisco: abordagem
transdisciplinar. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. p. 91-112.
19
que estão expostos o meio ambiente e a saúde humana, em função da disseminação dos
transgênicos.
1.2.1 OS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS NA SOCIEDADE DE
RISCO
A intensidade dos debates acerca dos transgênicos repousa sobre as posições
antagônicas existentes quanto aos benefícios ou prejuízos que esta nova tecnologia pode
trazer para a sociedade. Desta forma, os termos do debate acerca dos organismos
geneticamente modificados são os seguintes14:
De um lado, os defensores dos novos produtos apontam para a importância
do cultivo de transgênicos no combate à fome mundial, uma vez que seu cultivo implica em
aumento da produção de alimentos. Agregue-se a isso a utilização menos intensiva de
agrotóxicos e, via de conseqüência, a redução de danos ao meio ambiente e a maior
rentabilidade dos produtores.
Os que combatem a nova tecnologia argumentam que os cultivos
geneticamente modificados de fato ampliam a produtividade15, mas também cedem lugar à má
distribuição, diretamente relacionada às desigualdades regionais e sociais que dão causa à
fome mundial. Afirmam ainda que, ao longo do tempo, ervas e insetos se tornarão cada vez
mais resistentes aos agroquímicos utilizados em seu combate, pelo próprio processo de
14
15
Cf. MENASCHE, Renata. Os grãos da discórdia e o risco à mesa: um estudo antropológico das
representações sociais sobre cultivos e alimentos transgênicos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003. 283
f. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Não obstante os argumentos citados, dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) apontam para
um aumento do uso de agrotóxicos no período entre 2000 e 2005, concomitantemente ao avanço da área
plantada de soja, verificada no mesmo período. A pesquisa revela um aumento do consumo de herbicidas
utilizados na soja, provocado pelo maior uso de herbicidas à base de glifosato, princípio ativo recomendado
para a soja transgênica roundup ready, produzida pela multinacional Monsanto. Ainda, especialistas afirmam
que a soja transgênica não implica em aumento de produtividade das lavouras, apenas dá mais flexibilidade ao
produtor ao racionalizar tratos culturais e diminuir riscos e custos. TRANSGÊNICOS aumentam o uso de
agrotóxico. Disponível em: <http://www.idec.org.br/emacao.asp?id=1281>. Acesso em: 03 jun. 2007.
20
seleção natural, o que demandará dosagens cada vez mais elevadas de agroquímicos,
acarretando danos ao meio ambiente e baixa rentabilidade aos produtores.
Alguns argumentam que a adoção de novas tecnologias favoreceria a
subordinação dos interesses nacionais às corporações transnacionais detentoras das patentes
de sementes transgênicas, ao passo que outros entendem que a não-adesão à transgenia
implicaria perda de competitividade em escala global.
Cite-se, ainda, a falta de conhecimento por parte dos consumidores e
ambientalistas quanto aos efeitos de OGMs para a saúde humana e para o meio ambiente,
ainda que setores pró-OGM afirmem a inexistência de danos comprovados, além da
impossibilidade de se exigir de qualquer tecnologia ou alimento risco zero. Não obstante, o
padrão de adoção da soja GM no Brasil demonstra um aumento significativo do plantio de
transgênicos desde a entrada ilegal do produto no país, conforme ilustrado abaixo:
FIGURA 2 – PADRÃO DE ADOÇÃO DA SOJA GM NO BRASIL
Fonte: GALVÃO, Anderson. Benefícios econômicos e ambientais da biotecnologia no Brasil. Disponível em:
<http://www.celeres.com.br>. Acesso em: 09 jan. 2008.
As transformações sociais decorrentes do desenvolvimento científico e
tecnológico impõem ao homem a responsabilidade pela geração e remediação de seus
21
próprios males, tendo em vista o surgimento e aumento de novos riscos, catalisadores de
situações e eventos perigosos. Diante da consideração de risco, cabe ao próprio homem
desenvolver a capacidade de os interpretar e analisar, para melhor controlá-los e remediar16.
A idéia de progresso e desenvolvimento, arraigada na sociedade
contemporânea, reflete o novo paradigma tecnoeconômico que, baseado na crença de que o
avanço científico pode melhorar a condição humana ilimitadamente, tem repercutido nas
relações sócio-econômicas, transformando os estilos de vida, o padrão de consumo, o
processo produtivo e gerado efeitos questionáveis17.
Relativamente aos efeitos provocados pelos transgênicos, sua percepção
merece ser analisada com base na compreensão de risco18, que para os fins deste trabalho,
deve ser entendido como a possibilidade de acontecer determinado evento, relacionado com a
concretização de danos ao meio ambiente ou à saúde humana.
A compreensão acerca do risco pressupõe a noção de limites toleráveis,
identificados como os padrões de aceitabilidade estabelecidos pela ciência para determinadas
situações de risco. Registre-se que esses limites não impedem a concretização de prejuízos,
mas apenas selecionam os que sejam aceitáveis. A situação de risco está, em geral,
relacionada com o desenvolvimento da razão tecnológica e seus aspectos não conhecidos por
parte dos cientistas e pela população em geral.
É necessário enfatizar que a autoridade conferida à ciência para o
estabelecimento destes padrões acabou por dar ensejo à crise científica decorrente da
16
FREITAS, Carlos Machado de. Avaliação de riscos dos transgênicos orientada pelo princípio da precaução. In:
VALLE, Sílvio; TELLES, José Luiz (Org.). Bioética e biorrisco: abordagem transdisciplinar. Rio de Janeiro:
Interciência, 2003. p. 113-142.
17
MARCHIONI, Alessandra. Aspectos do projeto de “desenvolvimento” brasileiro e da gestão da sociedade de
risco. In: VARELLA, Marcelo Dias (Org). Direito, sociedade e riscos: a sociedade contemporânea vista a
partir da idéia de risco. Brasília: UNICEUB; UNITAR, 2006.
18
Tendo em vista a proposta deste trabalho, relacionada ao estudo dos princípios da biossegurança e das relações
de governança da soja geneticamente modificada, a idéia de risco aqui desenvolvida escapa à profundidade do
diagrama conceitual desenvolvido por Luhmann, Douglas e Beck para desempenhar papel instrumental na
seleção dos princípios da biossegurança.
22
constatação de falibilidade na previsão e controle de alguns riscos19. A incapacidade funcional
da ciência para o correto diagnóstico dos riscos, revelou-se à constatação de que determinados
efeitos de tecnologias inéditas e emergentes não puderam ser convenientemente controlados e,
sobretudo regulados pelo grau de conhecimento técnico-especializado disponível no momento
de seu desenvolvimento, o que resultou na produção de efeitos negativos que não puderam ser
objeto de previsão e antecipação20.
Atualmente, a concepção de risco tem sido cada vez mais objeto de estudo,
em função de seu alcance, já que os riscos presentes na sociedade moderna qualificam-se pelo
potencial global de abrangência, onde os danos não mais se limitam ao espaço geográfico em
que a atividade perigosa foi produzida21.
Entretanto, não é toda a espécie de riscos que mobilizam a sociedade. Muito
embora a concepção de risco possa sofrer influência de fatores sociais e culturais, a tendência
humana é ignorar os riscos simples e comuns e enfatizar os menos freqüentes, mas com maior
poder de dano, o que por sua vez, gera uma falsa ilusão de segurança, já que não se
consideram os riscos menores e mais prováveis e sim os grandes, que dificilmente ocorrem22.
A necessidade de avaliação de risco decorre da existência de ameaças que
podem vir a se concretizar. A ameaça presente no contexto da diversidade biológica refere-se
à situação de liberação de um OGM, devido às propriedades do transgene ou de sua
transferência ou expressão em outras espécies. A ameaça à espécie humana, por sua vez,
19
TRENNEPHOL, Natascha Dorneles. Contornos de uma crise ambiental e científica na sociedade qualificada
pelo risco. In: VARELLA, Marcelo Dias (Org). Direito, sociedade e riscos: a sociedade contemporânea vista
a partir da idéia de risco. Brasília: UNICEUB; UNITAR, 2006.
20
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Transdisciplinariedade e a proteção jurídicoambiental em sociedades de risco: direito, ciência e participação. In: LEITE, José Rubens Morato; BELLO
FILHO, Ney de Barros (Orgs.). Direito ambiental na sociedade de risco. Barueri: Manole, 2004.
21
TRENNEPHOL, op cit.
22
Ibidem.
23
decorre dos possíveis efeitos provocados pelo consumo de alimentos oriundos de plantas
transgênicas23.
A avaliação de riscos ocorre quando dados ambientais e dados de saúde
indicam haver perigo de dano potencial, o que demanda análise quantitativa e qualitativa dos
efeitos sobre a saúde e o meio ambiente, com vistas a oferecer subsídios para a tomada de
decisões. O objeto da avaliação consiste na mensuração do grau de probabilidade dos efeitos
adversos de um certo produto ou método, bem como da gravidade destes efeitos potenciais,
extensível à saúde humana e ao meio ambiente24.
No Brasil, a necessidade de avaliação e gerenciamento de riscos de origem
tecnológica surgiu em decorrência do aumento de casos relacionados ao assunto, que
alcançaram a esfera judicial e impeliram o Estado a ampliar seu papel institucional, mediante
o desenvolvimento da legislação no campo da saúde, da segurança e do meio ambiente25.
A concepção de risco aliada aos possíveis impactos gerados pelas novas
tecnologias na área agrícola impõe a observância de padrões de proteção adequados ao meio
ambiente e à saúde humana, sem que isso signifique a paralisação do desenvolvimento
econômico e científico. Desta forma é que emerge a necessidade de ponderar os princípios
que asseguram a biossegurança juntamente com as regras públicas e privadas desenvolvidas
no contexto dos transgênicos, com ênfase na conciliação da já mencionada estrutura:
segurança alimentar, proteção ambiental e desenvolvimento econômico.
Tendo em vista o reconhecimento de possíveis impactos no meio ambiente e
na saúde humana, pelo desenvolvimento de atividades que envolvam OGM, alguns
23
24
25
NODARI, Rubens Onofre; GUERRA, Miguel Pedro. Plantas transgênicas: avaliação e biossegurança.
Disponível em: <http://www.farmacia.ufrj.br/consumo/leituras/lg_nodari_1999.rtf>. Acesso em: 07 nov.
2007.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. O princípio da precaução e a avaliação de riscos. Revista dos Tribunais,
São Paulo, v. 96, n. 856, p. 35-50, fev. 2007.
COVELLO, V.; MUMPOWER, J., Risk Analysis and risk managment: an historical perspective. Risk
Analysis. p. 103-120, 1985 apud FREITAS, Carlos Machado de. Avaliação de riscos dos transgênicos
orientada pelo princípio da precaução. In: VALLE, Sílvio; TELLES, José Luiz (Org.). Bioética e biorrisco:
abordagem transdisciplinar. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. p. 113-142.
24
questionamentos colocam-se em evidência: a possibilidade do indivíduo indagar acerca dos
perigos que corre ao adquirir determinado produto que lhe é dado para consumir; a
razoabilidade de se impor ônus aos que desempenham atividades potencialmente causadoras
de danos ao meio ambiente; a preponderância da lógica do mercado ou da racionalidade
econômica em face dos interesses sociais26.
Nesta medida, princípios básicos devem ser eleitos com vistas a nortear as
atividades que envolvam riscos provenientes dos novos produtos. Especialmente para a
análise em comento, dois princípios devem compor a base garantidora da biossegurança nas
situações relacionadas a OGM: o princípio da precaução e o princípio da informação.
O princípio da precaução foi desenvolvido como resposta aos problemas
que envolvem as limitações na capacidade de predição da ciência para questões práticas,
porquanto determina que a ausência da certeza científica formal, bem como a existência de
um risco de dano sério ou irreversível, requer a implementação de medidas que possam prever
e equacionar este dano. Desta forma, deve o princípio da precaução servir de diretriz para a
avaliação de riscos e para processos decisórios relativos ao gerenciamento de riscos, como
forma de assegurar seu controle e minimização na sociedade contemporânea.
Busca-se com a conjugação do princípio da precaução à moderna
biotecnologia, evitar que as incertezas quanto aos efeitos dos transgênicos permitam que a
dificuldade na avaliação de riscos desses alimentos sirva de justificativa para a tomada de
decisões baseadas em uma abordagem limitada, que considera apenas os efeitos para os quais
existem provas e que culmine na aceitação dessas escolhas pelos cidadãos, muitas vezes
baseadas na perspectiva de mercado.
Também o princípio da informação deve ser considerado na ponderação dos
riscos expostos à sociedade moderna, como forma de salvaguardar a segurança alimentar e,
26
ARAÚJO, Luiz Ernani Bonesso de et al. Sociedade de risco e meio ambiente: reflexões democráticas no
mundo globalizado. Revista do Direito Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, n. 25, p. 121148, jan./jun. 2006.
25
via de conseqüência, a saúde humana. Ademais disto, importa consignar que somente com
uma publicidade adequada, aliada a uma eficiente difusão de informações sobre o conteúdo e
extensão dos riscos, a sociedade estará efetivamente preparada para oferecer propostas
idôneas e eficazes para lidar com os riscos.27
1.2.2 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA BIOSSEGURANÇA
1.2.2.1 Definição de princípios
Princípios podem ser definidos com proposições que remetem o intérprete a
valores e a diferentes modos de promover resultados. São, nesta medida, meio legislativos
utilizados para preservar, em maior escala, a segurança jurídica e a justiça geral28. Entretanto,
cumpre proceder à diferenciação entre princípios e regras, para uma correta interpretação da
conjuntura sub exame na presente pesquisa. Os critérios usualmente empregados para
distinguir princípios de regras são: a) critério do caráter hipotético-condicional; b) critério do
modo final de aplicação; c) critério do relacionamento normativo; e d) critério do fundamento
axiológico29.
Segundo o critério hipotético-condicional, as regras gravitam em torno do
modo se, então, já que possuem uma hipótese e uma conseqüência que predeterminam a
decisão, ao passo que os princípios apenas indicam o fundamento a ser utilizado in abstrato,
para futuramente encontrar a regra aplicável ao caso concreto.
27
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Transdisciplinariedade e a proteção jurídicoambiental em sociedades de risco: direito, ciência e participação. In: LEITE, José Rubens Morato; BELLO
FILHO, Ney de Barros (Orgs.). Direito ambiental comtemporâneo. São Paulo: Manole, 2004.
28
ÁVILA, Humberto. Princípios e regras e a segurança jurídica. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n.
1, p. 189-206, 2006.
29
Ibidem.
26
Disto decorre que enquanto as regras possuem elemento descritivo, os
princípios funcionam como diretrizes. A este propósito, ressalte-se que o fundamento deste
critério não é a ausência de prescrição de comportamentos e de conseqüências no caso dos
princípios, mas o tipo da prescrição de comportamentos e de conseqüências. Nas regras,
privilegia-se o aspecto comportamental, nos princípios, o aspecto teleológico, ambos,
entretanto, passíveis de indicar, ainda que em nível abstrato, as espécies de comportamentos a
serem adotados30.
O critério do modo final de aplicação determina que enquanto as regras são
aplicadas de modo absoluto “tudo ou nada”, os princípios são aplicáveis de modo gradual
“mais ou menos”. Desta forma, enquanto as regras instituem obrigações definitivas31 (ou a
regra é válida ou não, sem superação por normas contrapostas), os princípios estabelecem
obrigações prima facie, já que podem ser superadas por outros princípios colidentes.
Importa ressaltar, todavia, que princípios e regras permitem a consideração
de aspectos concretos e individuais que determinam sua aplicação, com a diferença de que os
princípios estabelecem um estado de coisas que deve ser promovido, sem, contudo, descrever
diretamente o comportamento devido, ao passo que no caso das regras, é a própria regra que
funciona como razão para a adoção do comportamento 32.
O critério do conflito normativo, por sua vez, indica que, havendo conflito
entre as regras, a antinomia resolve-se pela invalidade de uma das regras ou com a criação de
uma exceção, enquanto que o relacionamento entre os princípios permite a solução de
conflitos mediante ponderação que atribua uma dimensão de peso a cada um deles33.
30
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2004.
31
Atente-se para a possibilidade, entretanto, de haver a superação de determinada obrigação, por circunstâncias
particulares não previstas pela própria ou outra norma. Ibidem.
32
Ibidem.
33
Importa consignar que não obstante a definição do critério, pode ocorrer em alguns casos, de o conflito entre
regras não determinar, necessariamente, a perda de sua validade, mas impor a atribuição de peso maior a uma
delas. Ibidem.
27
Sobre este mister, registre-se que a diferença entre princípios e regras está
menos no fato de as regras serem aplicáveis no todo e os princípios na medida máxima, do
que no fato da determinação da prescrição de conduta que resulta da sua interpretação. Assim
é que, os princípios não determinam diretamente a conduta a ser seguida, mas indicam fins
normativamente relevantes, cuja concretização depende de um ato institucional de aplicação
mediante comportamento necessário à promoção do fim. As regras, por sua vez, já contêm o
comportamento previamente previsto no corpo da própria norma34.
Por fim, o critério do fundamento axiológico considera os princípios como
fundamentos axiológicos para a decisão a ser tomada, ao contrário das regras. A partir destas
digressões, podem-se definir as regras como sendo proposições descritivas com pretensão de
decidibilidade, para cuja aplicação pelo poder público exige a correspondência entre a
descrição normativa e a hipótese dos fatos, sob o amparo da finalidade que lhe dá suporte ou
dos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes.
A definição dos princípios, por sua vez, contempla a proposição de normas
finalísticas, com pretensão de complementaridade e parcialidade, para cuja aplicação se
demanda a correspondência entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes
da conduta havida como necessária a sua promoção.
Nesta medida, podem-se ilustrar as distinções entre princípios e regras
conforme o quadro abaixo:
QUADRO 1 – QUADRO ESQUEMÁTICO
DEVER IMEDIATO
DEVER MEDIATO
PRINCÍPIOS
Promoção de um estado ideal de coisas
Adoção da conduta necessária
REGRAS
Adoção da conduta descrita
Manutenção de fidelidade à finalidade
subjacente e aos princípios superiores
Correspondência entre o conceito da
norma e o conceito do fato
Exclusividade e abarcância
Correlação entre efeitos da conduta e o
JUSTIFICAÇÃO
estado ideal de coisas
PRETENSÃO DE
Concorrência e parcialidade
DECIDIBILIDADE
Fonte: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 70.
34
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2004.
28
Assim, para os fins desta pesquisa, consideram-se princípios como normas
finalísticas, que exigem a delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de
comportamentos necessários a esta realização. Registre-se que neste intuito, os princípios não
determinam, entretanto, o meio cuja adoção produzirá efeitos que contribuirão para promovêlo35.
Nesta perspectiva, importa delinear a eficácia dos princípios. Na perspectiva
da eficácia interna, os princípios servem à compreensão do sentido das regras, uma vez que
atuam sobre outras normas de maneira direta ou indireta, ou seja, mediante intermediação ou
não de um outro princípio ou de regras. Já no que diz com a eficácia externa, esta ultrapassa a
atuação sobre a compreensão de outras normas, estendendo-se à compreensão dos próprios
fatos e provas, por meio da definição de fatos pertinentes e exame de valoração para a
aplicação de princípios, mediante a interpretação dos fatos36.
Assim, como os princípios estabelecem indiretamente um valor, através do
estabelecimento de um estado ideal de coisas, acabam por fornecer o parâmetro para o exame
da pertinência dos fatos e da sua valoração. Na medida em que se busca, por exemplo, a
segurança alimentar e a proteção ambiental, a interpretação dos fatos deverá, por conseguinte,
ser feita de modo a selecionar todos os fatos que puderem alterar este estado de coisas.
Uma vez identificados os fatos e procedido à valoração dos mesmos,
aplicam-se os princípios que subjazem as regras, com vistas à composição de um estado ideal
de coisas. Desta forma é que, tendo em vista a existência de riscos proporcionados pelos
organismos transgênicos e diante da necessidade de preservação da biodiversidade e da
proteção da saúde humana, impõe-se a observância de normas assecuratórias destes valores,
com ênfase na correlação entre os efeitos da conduta discriminada e o estado ideal de coisas.
35
ÁVILA, Humberto. Princípios e regras e a segurança jurídica. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n.
1, p. 189-206, 2006.
36
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2004.
29
1.2.2.2 Aplicação dos princípios à biossegurança
Conforme demonstrado anteriormente, a existência de riscos em torno dos
produtos e das atividades que envolvam organismos geneticamente modificados, decorrência
das novas técnicas de engenharia genética, impõe a necessidade de observância aos princípios
norteadores da biossegurança na sistemática de governança da soja geneticamente modificada.
O ponto de partida para um conhecimento adequado do problema é a
classificação dos riscos essenciais atribuídos à liberação de OGM para plantio e consumo, a
partir de onde será possível conjecturar acerca dos princípios que devem nortear os avanços
tecnológicos na área agrícola, tendo em vista a segurança alimentar e ambiental.
Para fins desta pesquisa, os riscos considerados serão divididos em duas
esferas: riscos relacionados à saúde humana e riscos associados ao meio ambiente. Os riscos
relacionados à saúde humana referem-se, basicamente, à segurança alimentar. Conforme
mencionado anteriormente, o processo de produção de OGM envolve a introdução de um
gene exógeno na composição original do organismo. O gene introduzido, por sua vez,
representa uma proteína a mais no organismo transgênico. Ao ser ingerido pelo ser humano, a
preocupação está em que esta nova proteína, presente em determinado produto transgênico,
possa causar reação alérgica a algumas pessoas, não pelo simples fato do organismo ser
transgênico, mas sim em razão da nova proteína que foi introduzida.37
Outra preocupação refere-se à possibilidade de que genes de organismos
transgênicos, que conferem resistência a antibióticos, sejam transferidos para bactérias
patogênicas presentes no intestino. Estes genes são introduzidos nos organismos transgênicos
37
Anote-se que o risco da liberação de OGM é associado ao tipo específico de gene introduzido em uma
linhagem específica e não à tecnologia em si. LACORTE, Cristiano; MANSUR, Elisabeth. Organismos
geneticamente modificados (OGMs): segurança alimentar e ambiental. Revista de Biologia da Faculdade de
Ciências da Saúde do Centro Universitário de Brasília, Brasília, v. 1 n. 1, p. 35-40, 2000.
30
visando à seleção das células transformadas. Seu consumo pelo ser humano, deve ser
criteriosamente avaliado, a fim de eliminar qualquer risco à saúde humana.
Acrescente-se, ainda, o aumento de resíduos de agrotóxicos, para aqueles
transgênicos que apresentam resistência aos seus efeitos, já que esta resistência permitiria a
aplicação de mais veneno na plantação, cujos resíduos permaneceriam nos alimentos, além de
poluir os rios e o solo. Por fim, ressalte-se a potencialização dos efeitos de substâncias
tóxicas, causada pela manipulação de plantas que possuem substâncias tóxicas naturais para
defesa contra insetos, por exemplo, aumentando o nível dessas toxinas38.
Quanto aos riscos associados ao meio ambiente, estes se referem,
principalmente, aos genes de resistência a insetos e a herbicidas, como é o caso da tecnologia
Roundup Ready. A preocupação aqui está na possibilidade desses genes escaparem da planta
geneticamente modificada para seus parentes selvagens ou para ervas daninhas, o que poderia
causar conseqüências desconhecidas a longo prazo. Citem-se ainda, o aumento de resíduos
tóxicos, pela elevação do uso de agrotóxicos, a impossibilidade de controle sobre os efeitos da
introdução de uma espécie transgênica no meio ambiente e, por fim, a alteração do equilíbrio
dos ecossistemas.
Disto decorre a imposição dos seguintes princípios, com vistas ao
implemento da biossegurança: o princípio da informação, em sentido amplo, e o princípio da
precaução. O princípio da informação decorre da observância aos direitos dos consumidores,
especialmente no que diz com o aspecto do acesso a informações necessárias ao consumo
seguro de alimentos, bem como a publicidade quanto aos atos decorrentes da liberação de
transgênicos e a possibilidade de participação da sociedade civil nos processos que envolvam
a questão da segurança dos transgênicos.
38
LACORTE, Cristiano; MANSUR, Elisabeth. Organismos geneticamente modificados (OGMs): segurança
alimentar e ambiental. Revista de Biologia da Faculdade de Ciências da Saúde do Centro Universitário de
Brasília, Brasília, v. 1 n. 1, p. 35-40, 2000.
31
Por outro lado, o princípio da precaução impõe a realização de estudos
científicos suficientes para garantir a segurança ambiental, consoante a determinação
constitucional referente à obrigação de salvaguardar o direito fundamental ao meio ambiente
sadio, com a adoção de medidas antecipatórias e proporcionais, ainda que nos casos de
incerteza quanto à produção dos danos39.
Neste sentido, importa proceder à análise dos princípios que servirão de
base para a pesquisa adiante desenvolvida.
1.2.2.2.1 Princípio da precaução
A aplicação do princípio da precaução no âmbito da governança pública e
privada comporta diferentes acepções. Para a avaliação da governança privada, o enfoque
dado ao princípio da precaução comporta acepções relacionadas tanto ao nível de incerteza
que alavanca uma resposta regulatória, quanto ao instrumento que deve ser escolhido em face
da incerteza40.
Assim é que, muito embora as possíveis interpretações a este princípio,
importa aqui delimitar duas: Princípio da Precaução Informativo e Revelador; Princípio da
Precaução de Incentivo Econômico. A primeira variação do princípio sugere que, em face da
incerteza, aqueles que sujeitam pessoas a riscos potenciais devem revelar informação
relevante àqueles submetidos a tal exposição. A segunda variação indica que em face de
dúvida, incentivos econômicos devem ser usados para reduzir riscos potenciais.
39
FREITAS, Juarez. Princípio da precaução: vedação de excesso e de inoperância. Interesse Público, Porto
Alegre, v. 7, n. 35, p. 33-48, jan./fev. 2006.
40
SUNSTEIN, Cass R. Para além do princípio da precaução. Interesse Público, Porto Alegre, v. 8, n. 37, p. 119171, maio/jun. 2006.
32
Por sua vez, a avaliação do princípio da precaução41 no âmbito da
governança pública, requer a interpretação do princípio conforme previsão da Declaração
Rio-92, Princípio 15, segundo a qual, quando houver ameaça de danos certos ou irreversíveis,
a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
medidas destinadas a prevenir a degradação ambiental.
Diante de um caso concreto de aplicação da precaução, a concepção do
princípio pode assumir três diferentes tendências: a) posição maximalista; b) posição
minimalista; c) posição intermediária. De acordo com a posição maximalista, o princípio da
precaução é ilimitado e superior a todos os demais e deve ser considerado, independentemente
da natureza dos danos que teoricamente devem ser evitados. Para a concepção minimalista, as
necessidades econômicas são mais relevantes que a aplicação do princípio, razão pela qual
devem ser prevalentes.
A posição intermediária, por sua vez, busca estabelecer um mecanismo de
equilíbrio entre todos os aspectos envolvidos no caso concreto, privilegiando a solução de
compromisso entre os diferentes atores. Para tanto, o princípio não pode ser considerado
como um instrumento de paralisação das atividades e das pesquisas, mas sim como a adoção
de medidas de controle e monitoramento para a realização de uma determinada atividade,
ressalvando-se a possibilidade de existência concreta de danos.42
41
Cumpre delimitar o teor do princípio da prevenção, a fim de diferenciá-lo do princípio da precaução, objeto
deste trabalho. No princípio da prevenção, “antevê-se, com segurança, o resultado maléfico e,
correspondentemente, nos limites das atribuições legais, surge a obrigação de o Estado tomar medidas
interruptivas da rede causal, de molde a evitar o dano antevisto”. Desta forma, os elementos da prevenção
resumem-se na certeza de dano; atribuição e possibilidade de o Poder Público evitá-lo; o Estado arca com o
ônus de produzir a prova da excludente reserva do possível ou de outra excludente do nexo de causalidade. O
princípio da precaução, por sua vez, baseia-se em juízo de verossimilhança quanto à certeza do dano, de modo
que, o dano se afigura somente provável, a partir de indícios e presunções. Desta forma, a diferença básica
entre os dois princípios reside no grau estimado de probabilidade da ocorrência do dano. FREITAS, Juarez.
Princípio da precaução: vedação de excesso e de inoperância. Interesse Público, Porto Alegre, v. 7, n. 35, p.
33-48, jan./fev. 2006.
42
ANTUNES, Paulo de Bessa. Princípio da precaução: breve análise de sua aplicação pelo Tribunal Regional
Federal da 1ª Região. Interesse Público, Belo Horionte, v. 9, n. 43, p. 41-74, maio/jun. 2007.
33
Adota-se, para os fins aqui pretendidos, a posição intermediária.
Especificamente no caso da soja transgênica, a posição maximalista parece ter sido
subrogada43, porquanto na decisão definitiva do Tribunal Regional Federal 1ª Região,
rejeitou-se, no caso concreto, o entendimento segundo o qual o princípio da precaução teria o
condão de impor ao administrador a ultrapassagem dos padrões legais vigentes44.
Ressalte-se, entretanto, que não obstante a relativização da posição
maximalista, os interesses levados em conta para a decisão definitiva, tendo em vista o caso
concreto, comportam controvérsias. Análise da sentença permitirá vislumbrar se interesses
econômicos foram decisivos para o desfecho da questão ou se as razões de ordem social –
meio ambiente e saúde humana – foram consideradas suficientemente justificadas pelo
decisum.
Resta saber se no âmbito da governança privada a aplicação do princípio
tem se pautado pela concepção intermediária, segundo a qual prestigiam-se as decisões
administrativas proferidas pelos órgãos encarregados da proteção ao meio ambiente, da saúde
pública e da segurança, face ao lançamento de produtos no meio ambiente, ou se a posição
minimalista se sobrepôs aos interesses sociais.
1.2.2.2.2 Princípio da informação
O princípio da informação, no que se refere aos transgênicos, guarda estreita
pertinência com a questão da segurança alimentar. O ordenamento jurídico brasileiro reflete a
preocupação com a atuação estatal na promoção da saúde e na defesa do consumidor em
43
44
Muito embora a decisão final tenha acompanhado o parecer favorável da CTNBio, quanto à liberação da soja
RR, as autorizações da CTNBio têm sido obstadas pelo Poder Judiciário, de forma recorrente, sob argumentos
relacionados à necessidade de proteção ambiental. Este assunto será oportunamente analisado, em tópico
específico.
A decisão judicial definitiva que autorizou a liberação da soja transgênica será objeto de análise em tópico
específico.
34
diversos dispositivos. Assim é que, de acordo com a CF/88, a saúde é um direito social (art.
6º), “um direito de todos e dever do Estado” (196), e as ações e serviços de saúde,
consideradas de relevância pública (art. 197).
A Constituição determina ainda que “o Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor”. A concretização da proteção à saúde realiza-se, por sua vez, através
de leis que criam direitos para a população e deveres para os agentes econômicos, como é o
caso do Código de Defesa do Consumidor (CDC)45. Com vistas a dar maior transparência às
relações de consumo, vários dispositivos do CDC criam para o fornecedor um dever de
informar o consumidor (ex vi arts. 4º, caput, 6º I, II, III, 9º e 31). Sendo assim, é pressuposto
da relação de consumo que toda informação relevante seja devidamente propiciada, porquanto
somente dispondo de dados completos sobre cada aspecto dos bens ofertados, o consumidor
torna-se apto a exercer seu direito de escolha.
A necessidade de informação e publicidade quanto aos riscos dos
transgênicos opera no sentido de proporcionar meios para que o consumidor exerça seu direito
de escolha, consubstanciando-se em importante ferramenta para prevenir o consumidor dos
riscos e de possíveis prejuízos causados pelos produtos.
Ao lado dos direitos atinentes à defesa do consumidor, repousam os direitos
relativos às liberdades públicas – livre iniciativa (art. 170 CF/88) e liberdade científica (art.
218 Cf/88). Tendo em vista as proposições esposadas, cumpre ao Estado promover
mecanismos de conciliação entre a atividade econômica e os direitos sociais. Uma vez que a
defesa da saúde do consumidor tenha por fundamento a supremacia do interesse público sobre
45
São artigos do Código de Defesa do Consumidor, relacionados à proteção pela segurança alimentar:
Art. 4º: Política Nacional de Relações de Consumo;
Art. 6º: Direitos Básicos do Consumidor;
Arts. 8º ao 10: Riscos à saúde e segurança dos consumidores;
Arts. 12 ao 14: Responsabilidade Objetiva do Fornecedor (Responsabilidade pelo fato do produto)
Art 31: Dever de informar do fornecedor no caso de produtos ofertados;
Arts. 63 e 64: Normas penais sobre omissão de informação nos produtos perigosos ou nocivos.
BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 11 ago.
2007.
35
os interesses privados, a livre iniciativa e a liberdade científica devem estar harmonizados
com os referidos princípios assegurados na Constituição e nas legislações pertinentes, tendo
em vista os valores sociais eleitos.
A questão central no debate sobre biossegurança e transgênicos é instituir
meios para subsidiar os processos decisórios apoiados sobre as novas tecnologias. Esta
necessidade decorre do reconhecimento de riscos provenientes de organismos transgênicos e
aponta para a correta atenção aos impactos relacionados aos novos produtos.
Tendo em vista que a simples cientificação e tecnificação das questões que
comportam riscos tem se mostrado, muitas vezes, insuficiente, universais em escala,
irreversíveis ou de difícil gestão, além de envolverem fatos científicos incertos, diferentes
valores e interesses em jogo, soluções mais eficientes devem ser buscadas para harmonizar os
diversos aspectos envolvidos46.
Neste sentido, os princípios aqui relacionados como diretrizes a serem
seguidas e como fundamento para as decisões atinentes aos transgênicos devem ser
permanentemente empregados no sentido de se implementar ações de prevenção e controle
por parte do Estado, ainda que não haja certezas, além da ampla participação em termos de
conhecimento e de processos decisórios.
46
FREITAS, Carlos Machado de. Avaliação de riscos dos transgênicos orientada pelo princípio da precaução. In:
VALLE, Sílvio; TELLES, José Luiz (Org.). Bioética e biorrisco: abordagem transdisciplinar. Rio de Janeiro:
Interciência, 2003. p. 113-142.
36
2 A CONSTRUÇÃO DA GOVERNANÇA DA SOJA GENETICAMENTE
MODIFICADA
2.1 O INGRESSO DA SOJA GENETICAMENTE MODIFICADA NO BRASIL
O objeto de estudo da governança da soja geneticamente modificada são as
relações desencadeadas entre diversos agentes em decorrência do advento da tecnologia
Roundup Ready na produção agrícola nacional.
Muito embora as informações sobre o
ingresso da soja RR no país apontem para o plantio clandestino de soja transgênica oriunda da
Argentina, a partir do Sul do país, a dificuldade em encontrar fontes idôneas que atestem esta
tese restringe a possibilidade de se estender sobre assunto.
Entretanto, tendo em vista o reflexo da entrada de soja transgênica no Brasil
em diversos setores sociais (consumidores, empresas, pesquisadores, etc.) e, principalmente,
na agricultura nacional, torna-se imperioso relatar, ainda que de forma pouca aprofundada, o
processo que culminou na disputa judicial emblemática acerca dos transgênicos.
As primeiras sementes de soja transgênica a ingressar no país foram
contrabandeadas da Argentina e cultivadas de forma clandestina no norte do Rio Grande do
Sul. Além da ineficiência da fiscalização por parte do Ministério da Agricultura acerca dos
cultivos ilegais, também a fiscalização deficitária nas fronteiras é apontada como causa para o
alastramento de soja geneticamente modificada no Brasil47.
As investigações sobre a entrada de soja transgênica tiveram início em 1998,
quando em fevereiro, mediante denúncia acerca de sementes transgênicas no país, foi
instaurado na Delegacia de Polícia Federal de Passo Fundo o inquérito 004/98 –
DPF.B/PFO/RS. Resultado das investigações deu-se a apuração de que muitos agricultores
47
FLORIANI, Adriano. A fiscalização dos transgênicos. Disponível em: <http://www.terra.com.br/reporterterra/
transgenicos>. Acesso em: 08 jan. 2008.
37
teriam adquirido a soja transgênica48 por meio de caminhões vindos da cidade uruguaia de
Mercedes, e que a mercadoria também havia chegado ao Paraná e ao Mato Grosso do Sul.
O fato é que, não obstante a ilegalidade da prática49, os agricultores, em sua
maioria, assumiram o risco de manter lavouras clandestinas, haja vista as vantagens com a
redução de custos, em função da limitação no uso de herbicidas, e melhor controle do inço,
como são chamadas as ervas daninhas no Rio Grande do Sul50.
Outra motivação para os agricultores que se comprometeram com o plantio
de soja contrabandeada era a confiança no fato de o setor representar importante parcela na
economia nacional. Isto tudo aconteceu, entretanto, sob o risco da importação de pragas com
as sementes argentinas contrabandeadas, muitas vezes sem laudo fitossanitário, além da
ausência de testes ambientais específicos para o plantio no solo brasileiro.
Instaurada para apurar as responsabilidades relativas ao contrabando de
sementes transgênicas de soja, bem como seu plantio ilegal, realizado em todo o território
48
As sementes de soja transgênica provenientes da Argentina foram apelidadas de “maradona”, já que eram
pequenas, produtivas e argentinas, como o jogador de futebol. Estima-se que em 1998 a produção clandestina
de soja geneticamente modificada tenha ultrapassado a faixa de 30% do total de área cultivada em todo o
Estado. GASPAR, Malu. A rota dos transgênicos. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/031203/p_110.
html>. Acesso em: 08 jan. 2008.
49
Sobre a ilegalidade do plantio, vale ressaltar disposição do texto da lei 8974/95 acerca da entrada de produto
contendo OGM no país:
“Lei 8974/95:
[...]
Art. 7º - Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da
Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia
Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer técnico conclusivo da CTNBio e os
mecanismos estabelecidos na regulamentação desta lei:
[...]
V - a emissão de autorização para a entrada no País de qualquer produto contendo OGM ou derivado de
OGM;”
Requisito este, dispensado pelos agricultores quando do ingresso de soja GM no Brasil, além do disposto no
art. 13 da mesma lei:
“Art. 13 – Constituem crimes:
[...]
V - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela
CTNBio e constantes na regulamentação desta lei.”
BRASIL. Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamenta os incisos II e V do § 1º do art. 225 da
Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio
ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da
Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8974.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.
50
FLORIANI, Adriano. Os produtores de soja transgênica no Sul do país. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/reporterterra/transgenicos>/. Acesso em: 08 jan. 2008.
38
brasileiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Contrabando e Plantio de Soja
Transgênica51, que durou de novembro de 2003 a março de 2005, não teve relatório final, o
que resultou na inexistência de atribuição de responsabilidade no caso concreto52.
Tendo em vista as considerações tecidas acima, importa relacionar os
reflexos provenientes da nova conjuntura agrícola, especialmente no que diz com a formação
do sistema de governança da soja geneticamente modificada.
2.1.1 A FORMAÇÃO DE GRUPOS DE INTERESSES EM FACE DAS NOVAS
TECNOLOGIAS
O sistema de governança pública da soja geneticamente modificada surgiu
em decorrência dos conflitos resultantes da discussão sobre transgênicos no país. Na ocasião
da liberação da soja transgênica, vários foram os grupos de interesse que se destacaram em
função dos impactos políticos, sociais e econômicos que uma eventual liberação poderia gerar
no cenário nacional.
Com vistas a identificar os interesses que mobilizaram os diversos atores na
composição do sistema atual de governança, busca-se analisar como estes atores interagiram
no processo de liberação da soja transgênica e quais os princípios que se fizeram presentes
nesta fase inicial de construção dos grupos de interesse53.
51
Trata-se do Requerimento nº 928/2003, sob a Presidência do Senador João Capiberibe do Partido Socialista
Brasileiro – PSB do Amapá e relatoria do Senador Leomar Quintanilha do Partido do Movimento
Democrático brasileiro – PMDB do Tocantins. O relator sustentava que três crimes foram praticados por
ocasião do plantio de soja transgênica: ingresso ilegal de produtos transgênicos, plantio de produto proibido e
violação dos direitos de propriedade intelectual. BRASIL. CPI - Transgênicos - RQS Nº 928, de 2003.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Comissoes/consComCPI.asp?com=1258>. Acesso
em: 08 jan 2008.
52
ATIVIDADES Legislativas: Comissões Parlamentares de Inquérito. Disponível em: <http://www.senado.
gov.br/sf/atividade/Comissoes/consComCPI.asp?com=1258>. Acesso em: 10 jan. 2008.
53
A divisão de grupos relacionada neste tópico representa os atores que se fizeram presentes no processo de
formação da governança da soja geneticamente modificada, eleitos em função da sua participação no episódio
da liberação da soja geneticamente modificada, que será analisada em tópico específico.
39
Os atores envolvidos no processo de governança da soja transgênica podem
ser divididos em 6 grandes grupos de interesse: 1) as autoridades públicas que participam do
mecanismo de tomada de decisão; 2) a comunidade científica; 3) as empresas multinacionais;
4) os agricultores; 5) os consumidores; 6) a sociedade civil organizada 54.
1) autoridades públicas envolvidas no mecanismo de tomada de decisão;
É dever do Estado a promoção da saúde, bem como a manutenção de um
meio ambiente ecologicamente equilibrado55. Essas atribuições revelam a incumbência das
autoridades públicas relativa à tomada de decisões políticas em conformidade com a maior
garantia quanto à segurança alimentar e ambiental.
Todavia, a tomada de decisões por atores políticos impõe a observância de
fatores outros que não apenas a preocupação com a saúde humana e o meio ambiente, mas
também em relação ao desenvolvimento científico e à saúde do mercado. Nesse aspecto,
pode-se citar a preocupação em assegurar o volume das exportações sem perda da
competitividade e a busca pelo incremento tecnológico nas práticas agrícolas, a fim de refrear
a dependência tecnológica em relação a outros países56.
O dilema deste grupo de atores revela-se, pois na garantia do
desenvolvimento interno com absoluta segurança alimentar e respaldo social. Tendo em vista
a necessidade de ajustamento entre os fatores de interesse designados, impõe-se às
autoridades públicas a ponderação entre a abertura de mercados e investimento em
biotecnologia de um lado e a proteção da saúde humana e do meio ambiente do outro.
54
VARELLA, Marcelo Dias. O tratamento jurídico-político dos OGM no Brasil. In: VARELLA, Marcelo Dias;
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Del Rey,
2005. p. 3-60.
55
Cf. artigos 196 e 225 da Constituição Federal.
56
VARELLA, op. cit.
40
O atendimento a tal mister requer, por sua vez, a formação de consenso na
esfera política, por meio da promoção de debates e difusão de informação para a sociedade
civil, a fim de se obter o apoio consciente da opinião pública, reforçado por uma tomada de
decisão sustentável a longo prazo.
Há que se considerar ainda, no campo de atuação dos tomadores de
decisões, o risco de formação de oligopólio em função do ingresso de tecnologia agrícola no
país por meio das multinacionais. Isto porque não obstante o Brasil represente enorme
potencial no desenvolvimento de tecnologia agroalimentar, muito em função do
desenvolvimento tecnológico promovido pela EMBRAPA, na prática, algumas ocorrências
são capazes de limitar os ganhos potenciais com as atividades desenvolvidas57.
Basta que se reporte ao controle da tecnologia RR pela empresa Monsanto.
Por ocasião da concessão de patente sob gene desenvolvido pela multinacional, esta empresa
detém o monopólio da comercialização sobre o gene RR e desenvolveu, em função disto, um
avançado sistema de recolhimento de royalties pela tecnologia desenvolvida. Conforme será
visto em tópico específico, este sistema possibilitou a formação de contratos entre a Monsanto
e os diversos atores da cadeia produtiva da soja transgênica, limitando o poder de decisão do
agricultor, que diante das vantagens oferecidas pelo produto, acaba por optar pela soja RR.
Muito embora a EMBRAPA seja a grande detentora de tecnologia de
produção em larga escala, em climas tropicais, ela não possui um sistema instituído de
remuneração pelo uso da tecnologia nos moldes da Monsanto. Ademais disto, visando
estender sua tecnologia a variedades ainda não desenvolvidas pela Monsanto, a multinacional
entabulou contrato com a EMBRAPA, representado pelo ato de concentração n.º
57
Cite-se, por exemplo, a dispensa do EIA/RIMA no caso específico da soja transgênica desenvolvida pela
Monsanto, o que desincumbiu a multinacional de dispensar recursos para a promoção de Estudos de Impacto
Ambiental, e, no que diz com o sistema de recolhimento de royalties, as desvantagens da empresa pública
Embrapa na instituição de sistema de recolhimento eficaz (conforme análise detalhada em tópico específico).
41
08012.004808/2000-01, junto ao Conselho de Defesa Econômica (CADE)58, que permite o
aumento do seu poder econômico no país.
Vale dizer que o próprio investimento da EMBRAPA nas pesquisas com
transgênicos demonstra a preocupação em obter vantagens competitivas para o Brasil tendo
em vista o risco de que a dominação desta tecnologia por empresas multinacionais possa criar
dependência econômica e tecnológica externa59.
Nesta perspectiva, os tomadores de decisão deparam-se com a seguinte
dialética: de um lado, o aumento do poder econômico de empresas multinacionais pode
implicar na restrição de mercado para empresas nacionais, com reflexos negativos sobre o
mercado em geral; de outro lado, a abertura de mercado para a tecnologia internacional
representa incremento do desenvolvimento econômico, geração de empregos e redução de
preços no mercado, fatores estes que devem ser considerados na tomada de decisões pelas
autoridades públicas.
Tendo em vista as diversas questões advindas do desenvolvimento da
biotecnologia, compete aos tomadores de decisões o papel de conciliador das demandas
sociais, sempre com vistas à maior proteção ao meio ambiente e à saúde humana, sem que
isso represente a paralisação do desenvolvimento científico e econômico. Aliado a isto,
impõe-se uma política eficaz de informação para a sociedade como um todo, no sentido da
promoção de informações, na transparência das decisões e na participação social ampla, com
vistas à harmonização dos valores envolvidos no campo de atuação deste grupo de interesse.
58
59
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Ato de Concentração nº
08012.004808/2000-01. Ato de Concentração – Acordo firmado entre Monsanto e Embrapa para utilização da
tecnologia do gene round-up – possibilidade de dano à concorrência - Apresentação da operação intempestiva.
Alteração da cláusula 4.3 do contrato de cooperação técnica – Parecer pela aprovação com restrições.
Disponível em: <http://www.cade.gov.br/ASPIntranet/temp/t251200811481359.pdf>. Acesso em: 21 ago.
2007.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA. A Embrapa e os transgênicos. Disponível em:
<http://www.anbio.org.br/noticias/embrapa3.htm>. Acesso em: 22 nov. 2007.
42
2) Comunidade científica
Diante do desconhecimento da maioria da sociedade em relação aos
benefícios e os eventuais riscos dos produtos geneticamente modificados, cabe à comunidade
científica demonstrar se os OGM são nocivos ou não e em que condições. Ademais disto, a
comunidade científica é incumbida também de contribuir para gerar e disseminar informações
confiáveis, capazes de reduzir as dúvidas e as preocupações em torno do tema, bem como
contribuir para o aperfeiçoamento das políticas públicas nacionais sobre a matéria.
Os cientistas deparam-se com a escolha entre proceder a pesquisas
financiadas pelo setor privado, muitas vezes voltadas para o convencimento da sociedade no
sentido da não nocividade dos produtos, ou adotar precauções que podem durar longas
décadas, mas promover a transparência necessária aos resultados submetidos à sociedade60.
Os impactos do melhoramento genético de espécies por meio das técnicas
de DNA recombinante revelam-se nas políticas que envolvem avaliação de segurança dos
novos produtos, bem como nas implicações econômicas e sociais dessas tecnologias. Diante
desta conjuntura, os cientistas brasileiros acordam na necessidade de se promover avaliação
de segurança para cada novo produto geneticamente modificado, visando atestar a segurança
para a saúde humana, incluindo a toxidade e alergenicidade, bem como riscos para o meio
ambiente.
Ao mesmo tempo, defendem a ampliação dos recursos destinados à pesquisa
e desenvolvimento na área, bem como a formação de recursos humanos em todos os
segmentos envolvidos com essas novas tecnologias, além do desenvolvimento de produtos, o
60
VARELLA, Marcelo Dias. O tratamento jurídico-político dos OGM no Brasil. In: VARELLA, Marcelo Dias;
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Del Rey,
2005. p. 3-60.
43
licenciamento, o monitoramento e a avaliação dos possíveis danos à saúde humana e os
impactos ao meio ambiente61.
3) empresas multinacionais ;
A problemática deste grupo de atores gira em torno da escolha entre o
investimento em progresso tecnológico, a fim de absorver seus benefícios a posteriori, e a
promoção de marketing, com vistas a influenciar positivamente os consumidores. No que
tange à comercialização da soja transgênica, a multinacional Monsanto enfrentou resistência
de ambientalistas, políticos, agricultores e consumidores diante da incerteza acerca da
segurança alimentar, contaminação ambiental, redução da diversidade genética e detenção de
patentes de cultivares tradicionais por empresas estrangeiras62.
As dúvidas quanto à nocividade dos produtos transgênicos não são
despropositadas. Basta que se registre a possibilidade de contaminação não-intencional de
cultivos alimentares por sementes transgênicas, o que por si só geraria efeitos ao meio
ambiente e, potencialmente, aos consumidores.
Não se pode deixar de ressaltar, no entanto, que boa parte do movimento
contra transgênicos está subsidiada nas ações anti-globalização, mormente quanto ao receio
de submissão da produção de alimentos a interesses econômicos internacionais. Assim, a
preocupação do grupo composto por multinacionais deveria orientar-se, primeiramente, pela
busca de formação de opinião positiva junto a consumidores e ambientalistas a fim de garantir
o investimento em tecnologia com apoio abalizado nos diferentes grupos de interesse.
61
62
BROOKES, Graham; BARFOOT, Peter. Global impact of biotech crops: socio-economic and environmental
effects in the first ten years of commercial use. Disponível em: <http://www.agbioforum.org/v9n3/v9n3a02brookes.htm>. Acesso em: 10 jan 2008.
Em relação a este mister, é importante registrar que dois fatores podem ser apontados como justificativa para
esta resistência, além das preocupações com meio ambiente e saúde: o fator ideológico, ilustrado por
movimentos anti-globalização que se opõem à abertura do mercado; também o fato de ser a Monsanto a única
detentora da tecnologia em comento, sem que haja concorrência capaz de limitar o poderio da multinacional,
o que contribui para que alguns grupos de oposição se estabeleçam frente a esta causa.
44
Não obstante, haja vista a competitividade própria do mercado global, as
empresas envolvidas nesse “jogo de sobrevivência” agem de forma autônoma e diferenciada,
o que inviabiliza a preparação de uma estratégia conjunta de afirmação no mercado global,
mediante a difusão dos benefícios trazidos pelas novas tecnologias.
4) agricultores ;
A categoria “agricultores” abrange os pequenos, médios e grandes
agricultores, além das cooperativas de produtores agrícolas. A questão enfrentada pelos
agricultores diz respeito à escolha entre seu lançamento nas novas biotecnologias alimentares
ou a luta pela preservação de métodos de melhoramento genético tradicionais, arriscando sua
rentabilidade e competitividade.
Atualmente, a escolha de sementes GM ou não GM para plantio varia de
uma safra para outra, em função do preço das sementes, ou da resistência à doenças como a
ferrugem asiática, contudo, é importante registrar que as sementes convencionais ainda são
procuradas em função da sua maior produtividade63.
No caso da soja transgênica, as vantagens proporcionadas pelo organismo
transgênico, aliadas às regras privadas instituídas para fins de recolhimento de royalties
contribuem para que o agricultor fique cada vez mais dependente do uso das novas
tecnologias64.
No Brasil, a lei de cultivares garante ao produtor o direito de reproduzir
sementes e guardá-las de um ano para o outro, enquanto a Lei de Propriedade Industrial
63
64
REIS, Patrício. Percepção dos distribuidores de sementes e insumos para a produção de soja no Mato Grosso.
Seminário sobre a Governança Internacional e Comércio de Organismos Geneticamente Modificados
(GICOGM), realizado em Brasília, 6 e 7 de dezembro de 2007.
Atribui-se como vantagem do plantio de soja transgênica a redução de custos pela diminuição do uso de
herbicidas variados, bem como a comodidade do agricultor no manejo do plantio. Em contrapartida, as
desvantagens estão associadas à imposição de pagamento de royalties à Monsanto, detentora da tecnologia
Roundup, e a perda da produtividade.
45
garante à empresa o direito de cobrar royalties pelo uso da tecnologia65. Não obstante a
proteção da obtenção vegetal no Brasil seja garantida pela lei de cultivares, decisão do
Instituto Nacional de Proteção Industrial (INPI) permitiu a aquisição de patente sobre o gene
RR66, o que impõe ao agricultor o pagamento de royalties a cada plantio, no lugar de produzir
livremente seus insumos, sob pena de se ver excluído do agronegócio.
Diante deste cenário, os agricultores buscam estabelecer-se perante a nova
sistemática de diferentes formas. Enquanto alguns grupos optam por aliarem-se às
multinacionais com vistas a auferir as vantagens advindas dos contratos firmados, outros
optam pela oposição ao domínio das multinacionais, como é o caso da Cooperativa
Cotricampo, que ajuizou Ação para discutir na justiça a obrigação de pagar royalties pelo uso
da tecnologia Roundup Ready67.
Tendo em vista este descompasso é que se faz imperiosa a análise da cadeia
de produção, mercado e uso da soja geneticamente modificada, mormente no que diz respeito
à avaliação das práticas privadas desenvolvidas entre os agentes desta cadeia.
5) consumidores;
Não obstante a ausência de “consciência coletiva” deste grupo, os
consumidores detêm um forte poder de direcionamento das políticas públicas que envolvem a
biossegurança. Enquanto na Europa os consumidores são ativos no exercício do seu direito de
informação sobre riscos e benefícios dos OGM e pelo direito de opção, no Brasil, a falta de
efetividade da participação democrática compromete o direito à informação e, via de
conseqüência, à escolha.
65
ESCOBAR, Herton. Uma polêmica alimentada por especulações, exageros e factóides. Disponível em:
<http://br.geocities.com/mcrost06/transgenicos_27.htm>. Acesso em: 13 set. 2007.
66
A decisão do INPI quanto à concessão de patente da soja RR será objeto de estudo em tópico apropriado.
67
Trata-se de Ação movida pela Cooperativa Tritícola Mista Campo Novo Ltda, junto à 18ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sob o número 70010740264.
46
O debate sobre transgênicos no Brasil só foi acelerado depois da liberação
pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio das primeiras licenças de soja
transgênica, e os consumidores nunca foram realmente consultados sobre a questão68. O
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) garante os direitos do consumidor à
informação e à liberdade de escolha (art. 6º, III e II, respectivamente). Nesse intuito é que foi
editado o Decreto 4680/2003, que determina a informação do consumidor sobre a natureza
transgênica do produto.
Entretanto, até hoje não houve a implementação deste Decreto de forma
efetiva, seja pela resistência das empresas em identificar seus produtos e correrem o risco de
rejeição pelos consumidores, seja pela incapacidade operacional do Estado de fiscalizar e
fazer cumprir a legislação69.
Cumpre ressaltar que muito embora a rotulagem se faça necessária ao
atendimento dos princípios garantidores dos direitos de consumidor, isoladamente, ela é
inoperante no que diz respeito à “sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras
gerações”, de onde se extrai a imperiosa observância aos demais princípios da
biossegurança70. Todavia, ainda que assim o seja, a rotulagem é etapa imprescindível de um
processo que culmina na efetivação do direito de informação do consumidor e da livre escolha
dos produtos por eles consumidos, razão pela qual não deve ser preterida.
68
Isto porque as medidas provisórias levadas a efeito com vistas à liberação das safras de soja RR
contrabandeadas da Argentina, fizeram disponibilizar no mercado produtos de origem transgênica sem a
devida especificação.
69
Uma vez que as proposições aqui analisadas têm por referencial os princípios da precaução e da informação, o
fato de as informações referentes à quantidade de transgênicos que possuem os produtos disponibilizados no
mercado não chegarem de forma adequada aos consumidores, implica na inferência de que o objetivo da
rotulagem, qual seja, a viabilização do direito de informação do consumidor, não fora implementado de forma
satisfatória no país, já que o consumidor não está devidamente ciente das informações que determinam seu
direito de escolha.
70
PRUDENTE, Antônio Souza. Transgênicos, biossegurança e o princípio da precaução. Disponível em:
<http://agenciact.mct.gov.br/index.php/content/view/17836.html>. Acesso em: 04 out. 2007.
47
6) sociedade civil organizada;
Este grupo é representado pelos movimentos sociais preocupados com os
impactos dos organismos geneticamente modificados no meio ambiente, na agricultura e na
saúde da população71. A sociedade civil organizada representa importante papel na
mobilização da sociedade em defesa dos princípios da biossegurança. Entretanto, haja vista o
teor ideológico que responde por grande parte das manifestações deste grupo, cumpre às
autoridades públicas ponderar as reivindicações dos atores que o compõem e promover
debates abertos com vistas a captar as verdadeiras demandas da sociedade como um todo.
Muito embora a participação pública possa ser apontada como forma de
solução para a maioria dos dilemas aqui apresentados, na prática esse recurso não tem sido
eficiente. Não obstante o caráter democrático da legislação brasileira acerca da liberação
intencional de produtos geneticamente modificados, a inoperância fática de tais dispositivos
legais é flagrante. Cite-se a não implementação da rotulagem de transgênicos de maneira
eficaz, a difusão ineficiente de informação acerca das liberações de alimentos transgênicos72 e
a pouca acessibilidade às chamadas audiências públicas promovidas pela Comissão Nacional
Técnica de Biotecnologia (CTNBio).
A fim de ilustrar a ineficácia da participação pública no que se refere aos
transgênicos no país, cite-se o episódio ocorrido em maio deste ano de 2007, de evidente
obstrução aos princípios da publicidade, moralidade e legalidade das reuniões e atos dos
71
72
A sociedade civil organizada tem sua importância acentuada no processo de liberação da soja transgênica,
especialmente quanto à atuação do Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC e do Greenpeace no processo
judicial que determinou a validade do Parecer da CTNBio quanto à liberação da soja transgênica, conforme
será analisado no tópico subseqüente.
Muito embora os órgãos governamentais encarregados da avaliação da segurança dos transgênicos para
liberação comercial, a exemplo da CTNBio e da ANVISA, disponibilizem informações acerca da avaliação
desses produtos, a sociedade não tem sido devidamente mobilizada quanto as questões que envolvem o trato
com OGM e nem os meios de oposição social às liberações são devidamente oportunizados. A difusão dos
benefícios e riscos das atividades decorrentes da engenharia genética por outros meios e de forma mais
intensiva talvez pudesse fazer frente à necessidade de implementação da participação pública.
48
órgãos públicos73, princípios estes a que se obriga a CTNBio em função da sua natureza
pública e de prestação de serviços de relevância pública.
Diante da solicitação do Greenpeace pela autorização da presença de três
representantes da sociedade civil organizada nas reuniões de 21 e 22 de maio do corrente ano,
na qualidade de ouvintes, o Presidente da CTNBio determinou a retirada do Plenário de tais
representantes, a fim de deliberar em sigilo sobre o pedido em pauta, invocando para tanto o
art. 26 do Decreto 5.591/2005, que regulamenta a Lei 11.105/2005, com a mesma redação do
art. 11, §10 desta lei, in verbis74: "Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter
excepcional, representantes da comunidade científica, do setor público e de entidades da sociedade
civil, sem direito a voto." (grifo nosso)
Os confrontos presenciados entre a CTNBio e representantes do Greenpeace
evidenciam a inoperância de mecanismos de informação e de participação pública no debate
sobre biossegurança, o que demanda em contrapartida, maior atuação da sociedade civil no
sentido de cobrar uma política de segurança alimentar estruturada. Em relação ao governo,
por sua vez, espera-se maior sensibilidade aos anseios populares, viabilizando acesso às
principais questões referentes à biossegurança e disponibilizando meios efetivos de interação
com a sociedade.
A análise dos grupos de interesses mobilizados em função do progresso
científico da biotecnologia permitiu identificar os fatores que influenciam o sistema de
governança da soja GM. De um lado, a corrida pelo desenvolvimento científico e pelos
interesses econômicos, de outro, a preocupação com a saúde humana, o meio ambiente e a
participação pública na proposição de políticas que garantem a biossegurança. Tendo em vista
73
74
Conforme art. 37§5º, inciso LV, da Constituição Federal. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm>. Acesso em: 07 set. 2007.
CORDIOLI, Maria Soares Camelo. MPF defende participação do Greenpeace em reunião da CTNBio.
Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/transgenicos/noticias/mpf-defende-participa-o-do-gr>.
Acesso em: 09 out. 2007.
49
esta conjuntura, proceda-se à análise da evolução do sistema de governança da soja GM, com
ênfase nas disputas jurídicas e nos debates políticos que determinaram o atual sistema de
governança.
2.1.2 O PROCESSO DE LIBERAÇÃO DA SOJA GENETICAMENTE MODIFICADA
O estudo da governança, na cadeia produtiva da soja, pressupõe a análise da
formação do sistema de governança, em meio a interesses públicos e privados, bem como da
evolução das relações entre os atores que compõem o sistema. Esta análise é de fundamental
importância para se compreender de que maneira esse sistema reflete as diversas demandas
emanadas da estrutura do mercado, da política e sociedade.
Neste sentido, uma avaliação profunda da percepção dos diversos setores
quanto à liberação da soja transgênica deve ser realizada com vistas a uma abordagem
prospectiva acerca das decorrências das atividades que envolvem organismos geneticamente
modificados. Adicionalmente a isto, a análise dos entraves atuais, resultado da preocupação
de diversos grupos quanto ao futuro dos transgênicos, é indispensável à compreensão do tema
proposto.
A fim de elucidar a influência da governança de transgênicos na esfera
social, política e mercadológica, cumpre indagar, inicialmente, acerca dos processos que
culminaram na atual estrutura da governança e suas relações intrínsecas. Para tanto,
necessário se faz o estudo do caso emblemático de liberação de transgênicos para cultivo
comercial – o caso da soja roundup ready, com ênfase no aspecto político da interação entre
os grupos de interesse atuantes no desfecho da disputa judicial que culminou na estrutura
atual de governança.
50
A exposição quanto à evolução do sistema de governança da soja no Brasil,
com enfoque nos interesses que orientaram o processo de edificação normativa da
biossegurança, permitirá apreender os critérios levados em consideração para a legitimação
dos transgênicos no país, bem como a mensuração do peso dos princípios sobre as decisões
políticas tomadas. Inicialmente, as considerações acerca do contexto jurídico da liberação da
soja transgênica.
a) Contexto jurídico
A liberação da soja transgênica no âmbito da CTNBio ensejou o
acirramento das discussões em torno dos transgênicos no país. De um lado, os defensores da
nova tecnologia e os agricultores que comprometeram seu plantio pela entrada de soja
transgênica no país de maneira ilegal. De outro, os movimentos sociais em defesa do meio
ambiente e dos direitos do consumidor. No meio do embate, a sociedade civil, impotente, no
aguardo do desenlace da questão.
A polêmica em relação à liberação da soja transgênica se estabelece a partir
do pedido realizado pela Monsanto em 1998 junto à Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio75, com vistas a autorização para cultivo da soja roundup ready (RR)
em escala comercial.
75
Em decorrência do parecer favorável emitido pela CTNBio
A CTNBio é órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia responsável pela autorização, normatização e
fiscalização de experimentos envolvendo organismos geneticamente modificados, bem como pela produção
de pareceres técnicos acerca da produção comercial desses organismos. Cabe aos órgãos e entidades de
registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do
Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República
emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que utilizem OGM e seus derivados
destinados, respectivamente, a uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e áreas afins, a uso humano,
farmacológico, domissanitário e áreas afins, a OGM a serem liberados nos ecossistemas naturais, e a OGM
destinados ao uso na pesca e aqüicultura. (Cf. arts 10 e 16 da lei 11.105/2005). BRASIL. Lei 11.105 de 24 de
março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente
modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança
– PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de
2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>.
Acesso em: 04 jun. 2007.
51
(Comunicado n. 54)76, embasado em análises de riscos, sem exigência do Estudo de Impacto
ambiental no país, surgiram os conflitos que tiveram por justificativa a promoção excessiva da
biotecnologia em detrimento da biossegurança.
A regulamentação pelo Congresso Nacional da liberação da soja RR,
entretanto, apenas se deu de forma definitiva, com o advento da Lei de Biossegurança – Lei
11.105, em 200577. Nesse ínterim, várias foram as batalhas judiciais acerca dessa polêmica,
tendo como marco a sentença do Juiz Antônio Souza Prudente, em junho de 200078. A disputa
judicial decorrente da autorização do cultivo comercial da soja transgênica da Monsanto foi
emblemática em função do alinhamento dos diferentes grupos de interesse verificado no
debate acerca da questão dos transgênicos no país.
O processo judicial que determinou o futuro da soja transgênica no país
resultou do ingresso do Greenpeace e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(IDEC) com Ação Civil Pública e Medida Cautelar no Tribunal Regional Federal da 3ª
Região79, contra o parecer da CTNBio, objetivando impedir a liberação da soja RR no Brasil.
76
O parecer técnico conclusivo exarado pela CTNBio por meio do Comunicado nº 54 deu origem à Instrução
Normativa nº 18, de 15.12.98 da CTNBio que corrobora o entendimento constante no Comunicado.
77
Conforme arts. 35 e 36 da Lei de Biossegurança:
Art. 35. Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente
modificadas tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional de Cultivares - RNC do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Art. 36. Fica autorizado o plantio de grãos de soja geneticamente modificada tolerante a glifosato, reservados
pelos produtores rurais para uso próprio, na safra 2004/2005, sendo vedada a comercialização da produção
como semente. BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do
art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades
que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre
a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>. Acesso em: 04 jun. 2007.
78
Trata-se da sentença de mérito prolatada pelo Juízo da 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília-DF, que julgou
procedente a Ação Civil Pública de nº. 1998.34.00.027682-0, condenando a União Federal a exigir a
realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da Monsanto do Brasil Ltda, para liberação de espécies
geneticamente modificadas e de todos os outros pedidos formulados à CTNBio, declarando, em conseqüência,
a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 2º do Decreto nº 1.752/95, bem assim a das Instruções
Normativas nº 03 e 10 – CTNBio, no que possibilitam a dispensa do EIA/RIMA.
79
Apesar do processo judicial ter sido iniciado no TRF de São Paulo, ele foi transferido para a 6ª Vara da Justiça
Federal em Brasília (DF), porque já havia um processo semelhante sobre o tema na capital federal.
TRANSGÊNICOS no Brasil. Disponível em: <http://greenpeace.terra.com.br/transgenicos/pdf/
cronologia_juridica.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2007.
52
Segue, em linhas gerais, quadro cronológico com o desfecho da ação
judicial relativa à liberação da soja transgênica da Monsanto para a comercialização no
Brasil80:
1998 – junho: Monsanto solicita à CTNbio autorização para cultivo comercial
da soja Roundup Ready;
1998 – setembro – parecer favorável da CTNBio sobre a soja RR;
1998 – setembro, Greenpeace e IDEC ingressam com Medida Cautelar e Ação
Civil Pública na 6ª Vara da Justiça Federal, em Brasília (DF), com o objetivo de
impedir que a CTNBio autorize qualquer pedido de plantio de transgênicos antes
da devida regulamentação da matéria e exigência do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA/RIMA).
1998 – setembro: concedida liminar que impede autorização do cultivo
comercial da soja transgênica no País, em cumprimento ao Princípio da
Precaução;
1999 – fevereiro – Ibama ingressa na ação civil pública movida pelo IDEC e
Greenpeace;
1999 - junho – A Monsanto interpõe apelação no TRF objetivando a suspensão
da liminar da medida cautelar que impede a autorização para cultivo e
comercialização da soja transgênica. O TRF rejeita o requerimento da
Monsanto.
1999 – agosto – o Juiz Antônio Souza Prudente confirma por meio de sentença a
medida cautelar que suspende o plantio de soja transgênica no país até que seja
realizado o EIA/RIMA, confirmando o mérito da decisão tomada em junho.
2000 - junho: sentença do Juiz Antônio Souza Prudente81, contrária a Monsanto
e União (Eia-Rima como pré-condição);
80
Cf. MENASCHE, Renata. Os grãos da discórdia e o risco à mesa: um estudo antropológico das
representações sociais sobre cultivos e alimentos transgênicos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003. 283
f. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
81
Trata-se de sentença de mérito proferida no processo de número 1998.34.00.027682-0, no qual o Juiz Antônio
Souza Prudente julgou procedente a ação civil pública promovida pelo IDEC, com condenação à União
Federal, no sentido de que seja exigida a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da Monsanto do
Brasil Ltda, para liberação de espécies geneticamente modificadas e de todos os outros pedidos formulados à
CTNBio, ao que foi declarado, em conseqüência, a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 2º do Decreto
nº 1.752/95, bem assim a das Instruções Normativas nº 03 e 10 – CTNBio, no que possibilitam a dispensa do
EIA/RIMA, na espécie dos autos. Segue trecho do artigo publicado pelo Magistrado em relação à decisão
proferida:
″Tais decisões, com eficácia mandamental-inibitória, têm força de lei entre as partes (CPC, art. 468), já com a
autoridade de ato jurídico perfeito e de coisa julgada formal (CP, art. 5º, XXXVI), não devendo ser afrontadas
como o foram por medidas provisórias ou leis formais (Medida Provisória nº 113, de 25/03/2003, convertida
na Lei nº 10.688, de 13/06/2003, e Medida Provisória nº 131, de 25/09/2003, convertida na Lei nº 10.814, de
15/12/2003) que não se prestam a funcionar, validamente, no plano normativo, como instrumentos
reformadores de decisões judiciais, sob pena de seus agressores responderem, em tese, por crime de
responsabilidade perante o Senado Federal (CF, arts. 52, I e II, e 85, VII) e de prevaricação, junto ao Supremo
Tribunal Federal (CF, art. 102, inciso I, alíneas b e c), sem prejuízo das sanções pecuniárias, ali, previstas. Na
força determinante desses julgados, o principio da precaução foi incorporado, com ênfase, ao Protocolo de
Cartagena sobre Biossegurança, firmado em Montreal, Canadá, em 28 de janeiro de 2000, dentro da
Convenção sobre Diversidade Biológica. Esse protocolo representa um avanço significativo na tentativa de se
fixarem normas-padrão de biossegurança, servindo como referência internacional para a proteção da
diversidade biológica e da saúde humana, em relação a eventuais danos que possam advir da liberação de
OGMs, no meio ambiente, ou do consumo de produtos ou alimentos transgênicos.” PRUDENTE, Antônio
Souza. Transgênicos, biossegurança e o princípio da precaução. Disponível em: <www.cjf.gov.br/
revista/numero25/artigo11.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2007.
53
2000 – junho: O Ibama é retirado do processo por meio de medida provisória
que determina que nos casos em que a União esteja nas duas partes do
processo (in casu, a favor e contra a liberação do cultivo comercial da soja
transgênica, pela União e pelo Ibama, respectivamente), a Advocacia Geral
da União (AGU) deve decidir qual parte seja retirada do processo, o que
tornou possível a retirada do Ibama;
2004 – Decisão definitiva do TRF quanto à Ação Civil Pública;
Impetradas as referidas ações, na Justiça Federal em Brasília, o Juízo da 6ª
Vara concedeu a liminar da Ação Cautelar, pelo decisum do Juiz Antônio Souza Prudente. A
sentença determinava o impedimento da comercialização dos cultivares roundup ready até a
edição, pelo governo federal, de regras acerca da segurança, rotulagem e comercialização do
produto, bem como mediante estudo de impacto ambiental. Com vistas a enfatizar a
necessidade de Estudo de Impacto Ambiental, a sentença determinou o plantio restrito da soja
transgênica, tendo em vista a realização de testes e monitoramentos, em reconhecimento ao
princípio da precaução.
Citem-se trechos da decisão prolatada82:
II - Ficam impedidas as referidas empresas de comercializarem as sementes
da soja geneticamente modificada, já produzidas, até que seja regulamentada
e definida, pelo poder público competente, as normas de biossegurança e de
rotulagem de organismos geneticamente modificados, no País.
III - Fica suspenso o cultivo, em escala comercial do referido produto, sem
que sejam suficientemente esclarecidas, no curso da instrução processual, as
questões técnicas suscitadas por pesquisadores de renome, a respeito das
possíveis falhas apresentadas pela CTNBio em relação ao exame do pedido
de desregulamentação da soja round up ready, o que, certamente, ocorrerá,
com a apresentação do Estudo Conclusivo de Impacto Ambiental, já
referido. Enquanto se realiza tal Estudo, o plantio da soja transgênica será
restrito ao necessário, para realização de testes e do próprio EIA/RIMA, em
regime monitorado e em área de contenção, delimitada e demarcada, com a
proibição de serem comercializados os frutos obtidos com os aludidos testes,
nas diversas fases que integram a feitura do EIA/RIMA.
82
De acordo com relatório de informações sobre a liberação da soja transgênica no Brasil, produzido pela
Associação Nacional de Biossegurança - ANBIO as principais alegações do Juiz Prudente no processo
foram:1) Alegação de que a CTNBio não havia estabelecido normas para avaliação de segurança dos
produtos transgênicos; 2) Alegação de que a CTNBio não teria autoridade para dispensar o Estudo de Impacto
Ambiental; 3) Alegação de inconstitucionalidade do Decreto 1752/95 que atribui a competência da CTNBio a
exigência ou não de Estudo prévio de Impacto Ambiental, se entender necessário, por esta competência não
estar prevista em lei e sim num Decreto; 4) Alegação de inexistência de normas para rotulagem de alimentos
produzidos a partir desses produtos. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA. Relatório sobre a
liberação comercial da soja transgênica no Brasil. Disponível em: <http://www.anbio.org.br/noticias/
relatorio.htm>. Acesso em: 12 jun. 2007.
54
Mantida a liminar da Ação Cautelar, por unanimidade, após recurso
impetrado pela União e Monsanto no TRF (apelação cível n. 2000.01.00.014661-1/DF), a
Monsanto e a União Federal perdem ainda, em primeira instância, o processo da Ação Civil
Pública, ocasião em que outro recurso é interposto.
Na Ação Civil Pública, a apelação interposta pela Monsanto e União
(apelação cível n. 1998.34.00.027682-0), sob a relatoria da Desembargadora Federal Selene
Maria de Almeida determinou o provimento das apelações no sentido da suspensão da
sentença de primeira instância que proibia o cultivo e comercialização da soja transgênica.
A decisão levou em conta os seguintes aspectos: 1) a afirmação da
competência da CTNBio, haja vista a legalidade das normas infraconstitucionais de
biossegurança (Lei 8974/95 e Decreto 1752/95); 2) observância do princípio da precaução na
Lei 8974/95; 3) competência da CTNBio para exigir Estudo de Impacto Ambiental, com
supedâneo no art. 225 CF/88; 4) eficácia vinculante junto aos demais órgãos do setor público
do parecer técnico conclusivo da CTNBio; 5) a falta de competência do CONAMA para
legislar sobre a matéria transgênicos, haja vista a especificidade da Lei de Biossegurança
frente a generalidade da Lei Ambiental; 6) a existência de normas de segurança para produtos
transgênicos, a exemplo das IN 3, 10 e 20.
Conclui o relato da Desembargadora Selene Maria de Almeida pela
inexistência de razões de natureza técnico-científica ou jurídica que impedissem a
comercialização da soja RR no Brasil, aprovada pelo Comunicado n. 54 da CTNBio.
Além do conflito entre entidades representantes do meio ambiente
(Greenpeace) e dos direitos dos consumidores (IDEC) com a empresa Monsanto, o jogo de
forças entre os atores do sistema que emergia é realçado, ainda, pelo posicionamento do
Governo Federal, à época favorável à Monsanto na ação judicial, e do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e Recursos Renováveis - IBAMA – órgão do Meio Ambiente, que na ocasião
55
se somaria ao IDEC e ao Greenpeace (em fevereiro de 1999), posicionando-se contrariamente
à empresa transnacional.
Não obstante a ambigüidade inicial, em julho de 2000, enquanto o IBAMA
se retirava da ação judicial, o Governo Federal assumiu a defesa dos organismos
geneticamente modificados no país, desta feita com o apoio de seis ministros, dentre os quais
o do Meio Ambiente83.
O desfecho das batalhas judiciais em torno da liberação comercial da soja
transgênica veio definitivamente com a superveniência da Lei de Biossegurança
(11.105/2005), que autorizou a produção e comercialização de soja geneticamente modificada
tolerante a glifosato, não obstante a oposição de grupos de interesse e a ilegalidade do plantio
na sua origem.
b) Contexto político
O Estado do Rio Grande do Sul assume posição de destaque nesta temática,
não apenas em razão do cultivo ilegal da soja transgênica, a partir de sementes
contrabandeadas da Argentina, ter se propagado largamente no Estado, mas também em razão
do conflito existente à época entre o Governo Federal e o Governo Estadual do Rio Grande do
Sul, haja vista as diferentes posturas políticas adotadas por cada um dos Governos em relação
ao tema.
A disputa entre o Poder Público Federal e Estadual foi representada pela
campanha do Governo de Olívio Dutra no sentido de tornar o Rio Grande do Sul livre de
transgênicos. Para tanto, o governador assinou um decreto (39.314/99) que determinava a
83
Cf. MENASCHE, Renata. Os grãos da discórdia e o risco à mesa: um estudo antropológico das
representações sociais sobre cultivos e alimentos transgênicos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003. 283
f. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
56
obrigatoriedade de apresentação de Estudo de Impacto Ambiental como condição prévia para
a realização de experimentos no Estado84.
Enquanto o governo do Rio Grande do Sul ameaçava as lavouras
clandestinas de soja transgênica, representantes de organizações não-governamentais e
movimentos sociais diversos se mobilizavam em oposição à ação do governo, com
fundamento na vantagem competitiva da soja transgênica, além da iminente e inevitável
suspensão da proibição do cultivo comercial de lavouras transgênicas.
Na Assembléia Legislativa verificava-se a mobilização de políticos pró e
contra a adesão aos novos produtos com a apresentação de projetos de lei relativos ao tema.
Localmente, vários municípios aprovavam legislações proibitivas ou autorizativas do cultivo
de organismos geneticamente modificados85.
O Governo Estadual iniciou política fiscalizatória com vistas à substituição
das lavouras transgênicas por lavouras convencionais, o que provocou a mobilização das
lideranças pró-OGM tendo em vista a integridade das lavouras. Por seu turno, a Assembléia
Legislativa lutava pelo cerceamento da ação do Executivo estadual, vindo a aprovar lei
(11.463/00) que restringia a responsabilidade de fiscalização do cultivo de transgênicos ao
Governo Federal86.
84
O Decreto regulamentava a lei estadual (9.453, de 10 de dezembro de 1991) que dispõe sobre pesquisas, testes,
experiências ou atividades nas áreas de biotecnologia e engenharia genética, envolvendo organismos
geneticamente modificados, bem como produtos advindos dessa tecnologia. O decreto determina a notificação
ao poder público estadual das áreas onde há pesquisas com transgênicos, estabelecendo exigências como
apresentação de estudo e relatório de impacto ambiental. MENASHCE, Renata. Cronologia da luta contra os
transgênicos. Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/cronologialutatransgenicos.html>. Acesso em:
12 set. 2007.
85
MENASCHE, Renata. Os grãos da discórdia e o risco à mesa: um estudo antropológico das representações
sociais sobre cultivos e alimentos transgênicos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003. 283 f. Tese
(Doutorado em Antropologia Social)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
86
“Cf. Lei 11.463/00:
Art. 1º - O cultivo comercial e as atividades com organismos geneticamente modificados (OGMs), inclusive
as de pesquisa, testes, experiências, em regime de contenção ou ensino, bem como os aspectos ambientais e
fiscalização obedecerão estritamente à legislação federal específica”. RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 11.463
de 17 de abril de 2000. Dispõe sobre Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Disponível em:
<http://br.geocities.com/ambientche/lei_11463.htm>. Acesso em: 12 jun 2007.
57
Mediante a votação da referida lei pela Assembléia, o Governo Estadual
interpôs veto (abril de 2000), derrubado pela maioria dos deputados, ao que obteve, perante o
Supremo Tribunal Federal, liminar (novembro de 2000) suspendendo a lei estadual87. Não
obstante a suspensão da lei, o governo permaneceu impedido de realizar vistorias em lavouras
semeadas ilegalmente com soja geneticamente modificada durante o tempo de discussão
acerca da lei estadual (um ano).
Logo após a suspensão da lei estadual, o Governo empenhou-se na completa
erradicação da soja transgênica na safra 2000-2001, vindo a editar Nota de Esclarecimento
aos compradores de Soja da Safra 99/2000 a fim de justificar sua atuação, tendo em vista o
alinhamento com a determinação da Justiça Federal. A Nota buscou atestar oficialmente a
qualidade da soja produzida no Rio Grande do Sul, impor medidas assecuratórias da não
contaminação intencional, bem como a proibição do plantio de soja transgênica e a
erradicação completa dessa linhagem na safra 2000/2001.
Cite-se inteiro teor da Nota de Esclarecimento editada pelo Governo do Rio
Grande do Sul como decorrência da polêmica travada entre os setores pró-transgênicos e a
posição governamental. Registre-se que a atuação do Governo Estadual era pautada pela
orientação das decisões judiciais até então exaradas pela Justiça Federal e com afinco na
erradicação da soja transgênica naquele Estado. (Figura 2).
87
A decisão do STF, no que diz respeito à competência de organização administrativa para exercer a fiscalização
ambiental, tem esteio na previsão do artigo 23 da Constituição Federal, segundo o qual a competência é
comum, cumulativa ou paralela. Desta forma, tanto a União quanto os estados membros e municípios podem
simultaneamente fiscalizar flora e fauna.
Cite-se que este artigo 23 tem previsão de uma lei complementar que viria disciplinar o chamado federalismo
cooperativo, a forma de cooperação entre os entes da Federação de exercer estas competências. No entanto,
esta lei complementar nunca foi promulgada.
Já no que diz respeito à competência para legislar, está prevista no artigo 24 da Constituição Federal, e é uma
competência concorrente entre a União e os estados membros. Podem determinar o licenciamento e o Estudo
de Impacto Ambiental, e também realizar a fiscalização ambiental no caso dos transgênicos, tanto a União,
como os municípios e os Estados. E podem legislar sobre esta matéria a União e os Estados. BELMONTE,
Roberto Villar. Lei que libera venda da soja transgênica fere princípios de direito ambiental. Disponível em:
<http://www.agirazul.com.br/fsm4/_fsm/00000191.htm>. Acesso em: 12 set. 2007.
58
Constata-se que a responsabilidade pela fiscalização da safra semeada em
1999 e colhida em 2000 foi atribuída à União, por força de lei estadual, sob a competência do
Ministério da Agricultura. No final de 2000, a restituição da competência para a fiscalização
das lavouras suspeitas de transgenia ao Governo Estadual já não surtiria efeitos, já que a safra
de soja 2000-2001 já havia sido, em boa parte, semeada. Acrescente-se a isso, as mobilizações
dos movimentos pró-OGM, pontuadas pelo bloqueio de estradas e boicotes que impuseram a
suspensão das vistorias das lavouras suspeitas de transgenia88.
FIGURA 3 – NOTA DE ESCLARECIMENTO AOS COMPRADORES DE SOJA DA SAFRA 99/2000
Nota de Esclarecimento aos Compradores de Soja da Safra 99/200089
Como é do conhecimento de todos, diante da suspeita de plantio de soja modificada geneticamente (transgênica)
em algumas regiões, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul agiu no sentido de inibir o seu plantio, em
observância à proibição determinada pela Justiça Federal.
Neste sentido, no final de 1999 o Governo do Estado estabeleceu um pacto político com diversas entidades
representativas dos produtores rurais conclamando-os a substituir sementes "transgênicas" por cultivares
convencionais.
A iniciativa contou com a participação de cooperativas agropecuárias, representantes da maior fatia da produção,
obtendo grande sucesso. Destaque-se que foram analisadas amostras de sementes das cooperativas,
comprovando a inexistência de semente transgênica nas mesmas. Além disso, as lavouras de soja transgênica
identificadas pela fiscalização do Estado foram interditadas.
As providências mencionadas e a vigilância constante para eliminar a soja modificada geneticamente, ou sua
mistura com a tradicional, nos permite assegurar que a produção gaúcha enquadra-se nos parâmetros de
exigibilidade técnica e legal.
Diante da repercussão distorcida causada pela veiculação da constatação mencionada e das respectivas
providências adotadas, bem como pela desconfiança induzida sobre a produção gaúcha, houve por bem o Estado
reunir novamente as entidades representativas do setor envolvidas na cadeia produtiva da soja e os agentes de
merca
1. A soja produzida no Rio Grande do Sul apresenta o mais elevado grau de qualidade;
2. Não haverá assombro ou embargo na comercialização do produto gaúcho;
3. As entidades envolvidas no recebimento e comercialização zelarão para evitar a mistura da eventual soja
transgênica produzida, assegurando o ingresso nos armazéns comerciais do produto regular;
4. O Governo do Estado oferece os armazéns da Companhia Estadual de Silos e Armazéns - Cesa, aos
compradores para o depósito do produto convencional gaúcho;
5. O Governo do Estado orientará a produção e comercialização para produção de sementes, exclusivamente
convencionais para o plantio da próxima safra;
6. As entidades subscritoras comprometem-se a continuar empenhadas na orientação aos produtores rurais
quanto à proibição do plantio de soja transgênica objetivando sua completa erradicação na safra 2000/2001.
88
As lideranças pró-transgênicos consideravam ilegais as vistorias realizadas pelo Governo do Estado, sob
alegação de invasão de privacidade, uma vez que entendiam ser atribuição do Governo Federal tal mister.
Agregue-se a isso a visão segundo a qual o Governo estaria usando o combate à ilegalidade das lavouras de
soja transgênicas como pretexto para a desapropriação de terras para fins de Reforma Agrária e prioridade à
agricultura familiar. MENASCHE, Renata. Os grãos da discórdia e o risco à mesa: um estudo antropológico
das representações sociais sobre cultivos e alimentos transgênicos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre,
2003. 283 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
89
Ibidem, p. 62.
59
O Governo do Estado e as entidades signatárias desta Nota de Esclarecimento conclamam os demais agentes
econômicos envolvidos na comercialização de soja e derivados, bem como as entidades representativas do setor
a se somarem neste esforço e viabilizar a comercialização do produto sem sobressaltos.
Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Sindicato da Indústria de Óleos Vegetais do RS (Sindióleo),
Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Federação das Cooperativas Agropecuárias do RS
Ltda. (Fecoagro), Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (Coceargs), Associação Brasileira de
Agribusiness (Abag), Central Única dos Trabalhadores (CUT-Departamento Rural), Copalma, Coopermarau,
Cotripal, Cotrimaio, Cotrijuí, Agropan, Cotrisul.
A par da presunção de provisoriedade carreada pelos defensores de cultivos
transgênicos, somava-se a omissão do Governo Federal diante das lavouras clandestinas, o
que servia de elemento legitimador das lavouras ilegais.
No que se refere à posição do Governo Federal, sua atuação verificou-se,
basicamente, na edição de medidas provisórias para liberações periódicas da soja transgênica,
tendo como pano de fundo a necessidade de salvaguardar os sojicultores brasileiros e seus
interesses econômicos.
A miríade de expedição de medidas provisórias no caso da liberação de
OGM no Brasil pode ser assim sintetizada: A primeira liberação legal de um organismo
geneticamente modificado foi em 2003, mediante a Medida Provisória 113/03, convertida na
Lei nº. 10.688 de 13 de junho de 2003, quando a soja Roundup Ready foi liberada para
comercialização como grão até 31 de janeiro de 2004. Nos anos posteriores, novas liberações
legais para plantio e comercialização de soja GM foram realizadas, em 2004 pela Medida
Provisória 131/03, convertida na Lei nº. 10.814 e em 2005 pela Medida Provisória 223/04,
convertida na Lei nº. 11.09290.
90
Nestes dois últimos anos, os agricultores que vinham plantando soja transgênica firmaram um Termo de
Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de conduta junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), mediante o Decreto nº. 4.846, que definia área, localidade do plantio e
responsabilidades do agricultor advindas do uso da Biotecnologia. BRASIL. Decreto N° 4.846, de 25 de
setembro de 2003. Regulamenta o art. 3º da Medida Provisória no 131 , de 25 de setembro de 2003, que
estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja da safra de 2004 e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/portal/page?_pageid=33,964732&_dad=
portal&_schema=PORTAL>. Acesso em: 20 jun. 2007.
60
A MP nº 11391 tinha por objetivo excluir a safra de soja colhida no primeiro
semestre de 2003 das exigências da Lei 8974/95, com as alterações da MP 2191, e estabelecer
as condições para a regularização das próximas safras, bem como as proibições para o plantio
irregular e clandestino de sementes de variedades de soja não autorizadas pelo Poder Público.
Assim, a MP regulamentou a venda da soja transgênica da safra de 2003 para o mercado
interno ou externo até 31 de janeiro de 2004, impondo ao agricultor a rotulagem do produto,
com vistas a informar se o produto era ou não geneticamente modificado.
A medida foi editada tendo em vista a diminuição dos prejuízos dos
agricultores com a perda da safra. Em contrapartida, proíbe a utilização da soja transgênica
produzida como semente na safra posterior e determina a incineração do estoque não
comercializado.
Objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3036-1, a MP 131/0392
libera para plantio as sementes de soja geneticamente modificadas da safra plantada em 2003
e colhida no primeiro semestre de 2004. Conforme entendimento esposado na ADIn, a
Medida Provisória liberou, para o cultivo da safra de soja - 2004, o uso de sementes
geneticamente modificadas não autorizadas pelo poder público, e independentemente da
realização de estudo prévio de impacto ambiental93.
Os argumentos pela inconstitucionalidade das Medidas Provisórias cingemse ao fato de que ao dispensarem, nos anos de 2003 e 2004, as exigências das Leis 6938/81,
91
92
93
BRASIL. Medida Provisória 113 de 26 de março de 2003. Estabelece normas para a comercialização da
produção de soja da safra de 2003 e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/MPV/Antigas_2003/113.htm>. Acesso em: 21 jun. 2007. Convertida na lei 10.688/2003
BRASIL. Medida Provisória 131 de 25 de setembro de 2003. Estabelece normas para o plantio e
comercialização da produção de soja da safra de 2004, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Antigas_2003/131.htm>. Acesso em: 21 jun. 2007. Convertida
na Lei 10814 de 2003.
Os motivos relacionados à interposição da ADIn são os seguintes: 1) inobservância dos pressupostos de
relevância e urgência para a edição da Medida Provisória; 2) obrigatoriedade de realização de estudo prévio
de impacto ambiental para atividades potencialmente degradadoras, como elemento densificador do princípio
da precaução – CF, art. 225, caput e §3°, III; 3) ofensa ao princípio da razoabilidade; 4) violação ao princípio
da independência e harmonia entre os Poderes, e 5) violação ao princípio democrático. SZKLAROWSKY,
Leon Frejda. Os transgênicos e a vida humana. Intelligentia Jurídica, v. 4, n. 64, out. 2006. Disponível em:
<http://www.intelligentiajuridica.com.br/old-set2004/artigo10.html> Acesso em: 24 set. 2007.
61
8974/95 e da MP 2191/2001 para o plantio e a comercialização da soja, as Medidas
Provisórias 113 e 131 teriam colidido com a Constituição, uma vez que esta impõe como
condição necessária para instalação de obra ou atividade que possam causar grave degradação
ao meio ambiente, o prévio estudo ambiental.
Assim, ao exonerarem o plantio e a comercialização da soja transgênica das
restrições constitucionais e legais, sem comprovação cabal de que esta atividade não seria
potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, as Medidas Provisórias
mostraram-se materialmente inconstitucionais.
Além da regulamentação da venda da safra 2003/2004, a MP 131 também
autorizou o registro provisório da soja transgênica no Registro Nacional de Cultivares, o que
permitiu ampliar o estoque de sementes de soja geneticamente modificada94. A edição da
medida teve por fim não prejudicar a economia agrícola do estado e do país, uma vez que os
agricultores alegavam ter apenas sementes geneticamente modificadas.
A MP determinava que as sementes deveriam ser plantadas até 31 de
dezembro de 2003, com vedação da comercialização das sementes transgênicas. Ainda, a
autorização para o plantio da soja transgênica passou a ser condicionada à assinatura de
Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta (TAC) por parte de
cada produtor95.
O TAC em questão consta no anexo do Decreto nº 4846 de 25 de setembro
de 2003, que regulamenta o art. 3º da Medida provisória nº 131 de 25 de setembro de 2003,
estabelecendo normas para o plantio e comercialização da produção de soja da safra de 2004,
entre outras providências. O Termo de Ajustamento de Conduta é firmado perante a União
Federal, representada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
94
95
Esta autorização tem importante reflexo sobre a redação do artigo 35 da lei de biossegurança, que libera a
produção e comercialização da soja RR previamente registrada no Registro Nacional de Cultivares (RNC).
BARBOZA, Mariana Pereira. Os transgênicos na imprensa: o caso da liberação da soja Roundup Ready. Em
Questão, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 435-447, jul/dez. 2004. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/
emquestao/pdf_2004_v10_n2/EmQuestaoV10_N2_2004_ac05.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2007.
62
Consoante disposição do Termo, o Compromissado reconhece a ilicitude do
plantio de soja geneticamente modificada sem o cumprimento das exigências da lei 8974/95
(Cláusula Segunda), ao tempo em que se compromete a regras quanto à comercialização da
safra de 200496 e ao cumprimento das exigências legais para o plantio de soja geneticamente
modificada97.
Verifica-se dos acontecimentos relativos ao cultivo de transgênicos no
Brasil, um processo de legitimação da ilegalidade que fulminava o ato de liberação da soja
transgênica desde a sua origem, haja vista a entrada ilegal da soja no país. Entretanto, o país
respirava a idéia de ilegalidade provisória, com a contribuição do próprio Governo Federal,
tendo em vista a ausência de fiscalização satisfatória pelo poder público diante das lavouras
clandestinas e a edição de medidas provisórias sobre o tema, resultando na inevitabilidade da
adoção da transgenia no país, diante do caso concreto.
2.1.3 A NECESSIDADE DE CONFORMAÇÃO DOS INTERESSES ENTRE OS ATORES
ENVOLVIDOS
A discussão acerca dos organismos geneticamente modificados deve estar
alicerçada nos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito brasileiro. Dentre
96
Cf. Cláusula Quarta e Quinta do Termo de Ajustamento de Conduta:
“Cláusula Quarta - A soja objeto deste Termo deverá ser obrigatoriamente comercializada como grão ou sob
outra forma que destrua as suas propriedades reprodutivas, sendo vedada sua utilização ou comercialização
como semente.
Cláusula Quinta - Cláusula Quinta - A safra da soja de 2004, em poder do COMPROMISSADO, não
comercializada até o dia 31 de dezembro de 2004, deverá ser destruída mediante incineração,
comprometendo-se o COMPROMISSADO a deixar, até o dia 31 de janeiro de 2005, todos os seus espaços
de armazenagem completamente limpos para receber a safra de 2005.” BRASIL. Decreto N° 4.846, de 25 de
setembro de 2003. Regulamenta o art. 3º da Medida Provisória no 131 , de 25 de setembro de 2003, que
estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja da safra de 2004 e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/portal/page?_pageid=33,964732&_dad=
portal&_schema=PORTAL>. Acesso em: 20 jun. 2007.
97
Cf. Cláusula Sexta e Sétima do TAC:
“Cláusula Sexta - Cláusula Sexta - O COMPROMISSADO compromete-se a observar, para o plantio da safra
de soja de 2005 e posteriores, os termos da Lei nº 8.974, de 1995, e demais instrumentos legais pertinentes.
Cláusula Sétima - O COMPROMISSADO compromete-se a receber para o plantio, armazenagem ou
escoamento da soja da safra de 2005 apenas sementes e grãos de produtores/fornecedores certificados ou
fiscalizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.” Ibidem.
63
esses princípios encontram-se o princípio da precaução98 e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (art 225, CF/88), o princípio da informação (art. 5º, CF/88), o
incentivo ao desenvolvimento científico e à pesquisa (art. 218, CF/88), o direito do
consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88), e os princípios de livre iniciativa e livre concorrência
(art. 1º CF/88). Tendo por base esses princípios é que as regras de governança relativamente
aos transgênicos devem ser analisadas99.
Assim também, as relações entre os atores que compõem o sistema de
governança devem ser norteadas pelos princípios básicos do Estado Democrático de Direito.
O surgimento das inovações tecnológicas na área agrícola despertou o interesse de diversos
segmentos sociais, juntamente com a necessidade de que estes interesses sejam
contemporizados. Entretanto, o que se percebe é a concorrência contumaz entre os valores que
determinam as relações advindas do incremento da biotecnologia, relativizando o livre
exercício de cada um dos agentes que integram o sistema, em razão dos interesses específicos
de cada grupo e dos dilemas que eles enfrentam.
98
99
O princípio da precaução foi instituído por meio da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, resultante da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(ECO-92), e está previsto expressamente no Princípio 15, que assim dispõe:
“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos
Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e
economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
No ordenamento jurídico brasileiro o princípio encontra assento na própria lei de biossegurança
(11.105/2005), no artigo 1º, in verbis:
“Art. 1º Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo,
a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a
pesquisa, a comercialização, o consumo,a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos
geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico
na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a
observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.” BRASIL. Lei 11.105 de 24 de
março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente
modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança
– PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de
2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>.
Acesso em: 04 jun. 2007. (grifo nosso).
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm>. Acesso em: 02 jun. 2007.
64
No caso concreto da liberação da soja transgênica evidenciou-se a
necessidade de composição entre interesses diversos como a preservação da situação
econômica, no que dependia da produção agrícola de soja, a proteção ambiental e a
preocupação com a saúde humana, relativamente à produção de OGM, e o desenvolvimento
científico no que se refere ao implemento da tecnologia em questão.
Malgrado a ausência de regulamentação dos novos produtos, o Brasil se
tornou um dos maiores produtores de transgênicos de todo o mundo, conforme quadro
demonstrativo de áreas plantadas com culturas GM, abaixo indicado:
FIGURA 4 – ÁREA PLANTADA DE TRANSGÊNICOS EM 2006 (MILHÕES DE HECTARES)
Fonte: INTERNACIONAL SERVICE FOR THE ACQUISITION OF AGRI-BIOTECH APPLICATIONS –
ISAAA. Global area of biotech crops in 2006: by Country (million hectares). 2006. Disponível em:
<http://www.isaaa.org/resources/publications/briefs/35/executive summary/default.html>. Acesso em: 09 jan.
2007.
O aumento da produção de soja transgênica, por sua vez, refletiu
diretamente sobre o volume de exportação da soja brasileira (Figura 5).
Relativamente aos benefícios econômicos obtidos com a soja, pesquisas
demonstram o impacto do atraso na adoção da tecnologia sobre a rentabilidade dos produtores
brasileiros. Nos últimos dez anos, o benefício com o emprego da soja GM chega a um valor
acumulado de U$ 1,5 bilhões. Levando-se em conta o potencial de adoção para o período,
com base no perfil observado nos Estados Unidos e na Argentina, o benefício com o uso de
soja GM no Brasil poderia ter chegado a U$ 4,6 bilhões ao longo dos últimos dez anos.
65
FIGURA 5 – EXPORTAÇÃO DE SOJA NO BRASIL E ADOÇÃO DA SOJA GM
Área plantada em milhões de toneladas. Fonte: GALVÃO, Anderson. Benefícios econômicos e ambientais da
biotecnologia no Brasil. Disponível em: <http://www.celeres.com.br>. Acesso em: 09 jan. 2008.
Segue abaixo valores demonstrativos, com base em dados de pesquisa
desenvolvida no ano corrente:
FIGURA 6 – BENEFÍCIO ECONÔMICO DOS PRODUTORES RURAIS COM A ADOÇÃO DA SOJA GM
Fonte: GALVÃO, Anderson. Benefícios econômicos e ambientais da biotecnologia no Brasil. Disponível em:
<http://www.celeres.com.br>. Acesso em: 09 jan. 2008.
66
Conforme pesquisas realizadas acerca dos impactos ambientais dos
transgênicos, a porcentagem de redução total de impacto ambiental verificado com o plantio
de soja geneticamente modificada nos países em desenvolvimento foi de 47% em 2005, em
função de dois fatores: 1) a redução na aplicação de herbicidas; 2) a diminuição do uso de
combustível nas lavouras, haja vista a redução do pesticida e, conseqüência disto, a redução
na emissão de gás carbônico pelas lavouras transgênicas.100
Por outro lado, conforme demonstrado em capítulos anteriores, argumentos
distintos são utilizados para sustentar o potencial dano ao meio ambiente, bem como a
possibilidade de dano à saúde humana, o que é ratificado tendo em vista a edição de normas
de segurança pelo simples reconhecimento, no âmbito social e científico, da probabilidade de
riscos provenientes da produção de OGM. Esta constatação, cumulada com pesquisas
desenvolvidas acerca do ganho econômico com a adoção da soja, faz com que se reflita sobre
os verdadeiros valores levados em conta na tensão entre os diversos interesses que compõem
a governança da soja GM.
Em meio a um universo de tantas incertezas, posicionamentos diversos e
diferentes interesses, identificar as questões que de alguma maneira merecem ser objeto de
discussão, com vistas à tomada de decisão mais segura e sustentável, é o maior desafio
enfrentado pelas instâncias governamentais. Uma decisão segura, que possa ponderar
corretamente os valores que estão em jogo na nova conjuntura imposta pela biotecnologia
requer, portanto, uma interação pró-ativa entre os setores que integram a governança da soja
GM, bem como uma análise de riscos comprometida com a proteção da biodiversidade e com
a saúde humana.
100
BROOKES, Graham; BARFOOT, Peter. Global impact of biotech crops: socio-economic and environmental
effects in the first ten years of commercial use. Disponível em: <http://www.agbioforum.org/v9n3/v9n3a02brookes.htm>. Acesso em: 10 jan 2008.
67
Para tanto, é necessário a análise da estrutura governamental encarregada de
administrar as atividades que envolvam OGM e do grau de interatividade entre os agentes que
compõem a governança privada da soja GM, a partir da legislação pertinente à biossegurança.
Com base nesta análise, será possível avaliar como estão sendo conciliados os valores que
compõe o sistema de governança da soja GM e que alternativas podem ser sugeridas para que
estes valores sejam harmonizados de modo a promover desenvolvimento e bem-estar social.
68
3 GOVERNANÇA PÚBLICA E PRIVADA DA SOJA GM
3.1 GOVERNANÇA PÚBLICA E A ESTRUTURA INSTITUCIONAL-NORMATIVA
DA BIOSSEGURANÇA
Os princípios estabelecidos na órbita da biotecnologia e biossegurança têm
sua configuração voltada para a preocupação, em escala global, com a saúde humana e a
preservação do meio ambiente. Assim é que os princípios convencionados nos diversos
Tratados dos quais o Brasil é signatário implicam no ajustamento da estrutura nacional aos
reclames da população em nível mundial. Os documentos internacionais que primeiramente
expressaram a necessidade de revisão de parâmetros para o desenvolvimento tecnológico das
produções agrícolas foram a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) e o Protocolo
de Cartagena, estabelecido em decorrência da CDB.
O estudo dos referidos Tratados importa para a avaliação da adequação
normativa aos princípios da biossegurança, mormente em razão de que as diretrizes
internacionais exercem grande influência na produção normativa interna dos países
signatários. Ademais disto, importa consignar o alcance dos princípios assecuratórios da
biossegurança, instituídos em escala global, tendo em vista o potencial ativo em
biodiversidade que o Brasil dispõe.
O compromisso brasileiro com o cumprimento dos princípios estabelecidos
internacionalmente deve ser avaliado com base no grau de incorporação desses princípios
pelo ordenamento jurídico interno. De posse dessa avaliação, será possível vislumbrar o
alcance dos princípios na edificação das normas públicas, bem como no comportamento dos
agentes privados que laboram mediante as determinações legais domésticas.
69
3.1.1 ANÁLISE DA ESTRUTURA NORMATIVA INTERNACIONAL
A análise do cenário internacional na conjuntura da soja geneticamente
modificada se impõe em razão de se tratar de referencial normativo acerca da biossegurança,
em nível mundial. Identificar as diretrizes emanadas pela ordem mundial permite contemplar
o estágio alcançado pelo Brasil em termos de proteção à população diante das inovações
proporcionadas pela biotecnologia.
Para tanto, integram este estudo a análise da Convenção sobre a Diversidade
Biológica e do Protocolo de Biossegurança, com enfoque no grau de adequação entre os
princípios instituídos internacionalmente e o ordenamento jurídico brasileiro. Com base nessa
análise, será possível identificar, também, o esteio internacional para as práticas privadas
exercidas pelas grandes empresas sementeiras.
a) A Convenção sobre a Diversidade Biológica e o Protocolo de Cartagena
Não obstante a preocupação de diversos países acerca da regulamentação da
biossegurança, no Brasil, apenas em 1995 se editou a primeira lei específica a respeito do
tema101. Em nível internacional, a Convenção pioneira na temática em referência foi a
Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), assinada no Rio de Janeiro, em 1992,
durante a Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A
referida Convenção se destina a sugerir princípios gerais voltados à regulamentação da
matéria no âmbito nacional.
101
Trata-se da lei 8974/95, que entre outras coisas regulamenta os incisos II e V do § 1º, art. 225 da Constituição
Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de
organismos geneticamente modificados e autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da
República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. BRASIL. Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995.
Regulamenta os incisos II e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das
técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados,
autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L8974.htm>. Acesso em: 7 jul. 2007.
70
A CDB, que não admite reservas, é o primeiro instrumento internacional
com força de lei que contém disposições sobre biotecnologia, refletindo seus benefícios e
riscos potenciais102. Neste sentido, preconiza o consumo racional e sustentável dos recursos
da biodiversidade, bem como a partilha justa e equânime dos benefícios desta utilização. Isto
porque a vulnerabilidade do patrimônio genético e dos recursos naturais em face do
surgimento das novas tecnologias representa, especialmente entre os países em
desenvolvimento, potenciais riscos de dano ambiental e dano à saúde, haja vista sua
abundância em biodiversidade103.
A Convenção considera em seu bojo104 a necessidade de se estabelecer um
Protocolo entre as Partes, que fixasse procedimentos adequados a fim de sobrepujar os efeitos
adversos para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. Esta disposição
evidencia a concordância dos Estados-Parte acerca da plausibilidade da existência de riscos
associados à biotecnologia105.
Assim, negociado por ocasião da Convenção sobre a Diversidade Biológica,
está em vigor, desde 11 de setembro de 2003, o Protocolo de Biossegurança, também
conhecido como Protocolo de Cartagena, que somente recebeu a adesão do Brasil em 22 de
fevereiro de 2004. Foi criado com vistas à consagração do princípio da precaução106 e
102
KOESTER, Veit. Um novo ponto crítico no conflito comércio-meio ambiente. In: VARELLA, Marcelo Dias;
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Delrey,
2005. p. 87-122.
103
AMORIM, João Alberto Alves. O Protocolo de Cartagena e a Bio (in) segurança brasileira. In: DERANI,
Cristiane (Org). Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2005. p. 97-133.
104
Conforme previsão do art. 19, item 3 da Convenção:
“As Partes devem examinar a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleça procedimentos
adequados, inclusive, em especial, a concordância prévia fundamentada, no que respeita à transferência,
manipulação e utilização seguras de todo organismo vivo modificado pela biotecnologia, que possa ter efeito
negativo para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica”. BRASIL. Ministério do Meio
Ambiente. Convenção sobre a diversidade biológica. Aprova o texto da Convenção sobre Diversidade
Biológica, assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada na cidade do Rio de Janeiro, no período de 5 a 14 de junho de 1992. Decreto Legislativo nº 2 de
1994. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sbf/chm/doc/cdbport.pdf>. Acesso em: 09 jul. 2007.
105
AMORIM, op. cit.
106
Conforme Princípio 15 da Declaração do Rio:
“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos
Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a
71
implementado com o fim de regulamentar o comércio internacional de Organismos Vivos
Modificados – OVM, tais como sementes e vegetais geneticamente modificados107.
O objetivo de regulamentação do Protocolo é precaver os possíveis efeitos
adversos oriundos da biotecnologia moderna para a conservação da biodiversidade e para a
saúde humana, razão pela qual o Protocolo elege como princípio corolário, o princípio da
precaução, tendo em vista a segurança na biotecnologia108.
O Protocolo é considerado um marco na discussão da relação entre
comércio e meio ambiente109. Com efeito, sua abrangência tem enormes implicações sobre os
interesses econômicos, haja vista operar quase exclusivamente por meio de medidas
reguladoras do comércio, compreendendo a avaliação e administração de risco, no âmbito
doméstico, e os movimentos transfronteiriços, em nível internacional110.
O alcance formal do Protocolo está delimitado no seu artigo 4º, que
disciplina o movimento transfronteiriço, trânsito, manipulação e utilização de todos os
organismos vivos modificados que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso
sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde
humana.
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e
economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. DECLARAÇÃO do Rio sobre meio
ambiente e desenvolvimento. Disponível em: http://www.ana.gov.br/AcoesAdministrativas/RelatorioGestao/
Rio10/Riomaisdez/documentos/1752-Declaracadorio.doc.147.wiz. Acesso em: 19 jul. 2007.
107
Organismo Vivo Modificado é qualquer organismo vivo que possua uma nova combinação de material
genético obtida pelo uso de moderna biotecnologia. KOESTER, Veit. Um novo ponto crítico no conflito
comércio-meio ambiente. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org).
Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Delrey, 2005. p. 87-122.
108
BERTOLDI, Márcia Rodrigues. Biossegurança: uma análise do Protocolo de Cartagena. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, v. 10, n. 38, p. 140-159, abr./jun. 2005.
109
KOESTER, op. cit.
110
O Protocolo “permite aos governos o direito de proibir, por razões sanitárias ou ambientais, a importação de
organismos vivos modificados (OVM) destinados a ser plantados ou liberados no meio ambiente. [...] Tratase de garantir um nível de proteção adequado com relação à segurança na transferência, no tratamento e na
utilização dos OVM suscetíveis de produzir efeitos nefastos sobre a conservação da Diversidade Biológica e
sua preservação, levando-se sempre em conta os riscos para a saúde humana”. MALJEAN-DUBOIS,
Sandrine. As relações entre o direito internacional ambiental e o direito da OMC, à luz do exemplo da
regulamentação do comércio internacional de organismos geneticamente modificados. In: VARELLA,
Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005. p. 180.
72
Em termos materiais, o âmbito de aplicação do Protocolo envolve
procedimentos para a segurança da biotecnologia aplicáveis aos organismos vivos
modificados destinados a introdução deliberada no meio ambiente e aqueles destinados ao uso
direto como alimento humano ou animal ou para processamento111.
Internamente, as Partes deverão velar para que o desenvolvimento, a
manipulação, o transporte, a utilização, transferência e liberação de todos os OVM se realize
de maneira a evitar ou reduzir os riscos para a diversidade biológica e para a saúde humana
(art. 2º).
O Protocolo prevê o instrumento do Consentimento Previamente Notificado
(AIA, em inglês). Segundo este instrumento, a Parte exportadora notificará, ou exigirá que o
exportador assegure a notificação por escrito, à autoridade nacional competente da Parte
importadora, antes do movimento transfronteiriço intencional de um organismo vivo
modificado, a fim de que a Parte importadora possa tomar uma decisão informada sobre a
importação.
Aplica-se este instrumento ao primeiro movimento transfronteiriço
intencional de organismos vivos modificados destinados à introdução deliberada no meio
ambiente da Parte importadora, com exceção dos organismos vivos modificados destinados ao
uso direto como alimento humano ou animal ou ao beneficiamento (arts. 7º, 8º e 11).
Esta determinação implica no reconhecimento de que a engenharia genética
comporta riscos e que, por esta razão, deve ser controlada. Neste intuito, o Protocolo
determina que, para todos os produtos, nenhuma importação será permitida até que a parte
importadora a tenha aprovado. Torna-se, portanto, fundamental que o exportador forneça
111
BERTOLDI, Márcia Rodrigues. Biossegurança: uma análise do Protocolo de Cartagena. Revista de Direito
Ambiental, São Paulo, v. 10, n. 38, p. 140-159, abr/jun 2005.
73
informações ao país importador, relativas às características e à avaliação de risco do
organismo geneticamente modificado112.
O cotejo entre Protocolo, intimamente ligado ao princípio da precaução, e o
AIA, instituído em seu âmbito, permitem concluir que a ausência de certeza científica, pela
insuficiência de informação e conhecimento da extensão dos potenciais efeitos adversos de
um OVM sobre a conservação e uso sustentável da biodiversidade na Parte Importadora,
levando-se em consideração ainda os riscos à saúde humana, não deve impedir essa Parte de
tomar uma decisão com respeito à importação do OVM em questão, a fim de evitar ou
minimizar tais efeitos potenciais adversos113.
Quanto à identificação dos OVMs, o Protocolo dispõe que quando
destinados à introdução no meio ambiente, a sua documentação deve identificá-los claramente
como OVM (art. 18, 2, c). Já para aqueles com a finalidade de alimento, nutrição ou
processamento, a obrigação se restringe à exigência de que a documentação que o acompanha
identifique claramente que esses organismos "podem conter" organismos vivos modificados e
que não estão destinados à introdução intencional no meio ambiente (art. 18, 2, a).
O Protocolo disciplina ainda a avaliação e administração de riscos114 com o
fim de que as partes possam identificar e avaliar os possíveis efeitos adversos dos organismos
vivos modificados (art. 15). A este propósito, cite-se que a responsabilidade pela avaliação e
gestão de riscos é atribuída aos poderes executivos de cada país, que para esse fim, devem
112
SUZUKI, Jorge Brunetti. OGM: aspectos polêmicos e a nova lei de biossegurança. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8148&p=3>. Acesso em: 10 dez. 2007.
113
KOESTER, Veit. Um novo ponto crítico no conflito comércio-meio ambiente. In: VARELLA, Marcelo Dias;
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Delrey,
2005, p. 87-122.
114
Quanto à avaliação de risco:
Art. 15 [...]
2. A Parte importadora velará para que sejam realizadas avaliações de risco para a tomada de decisões no
âmbito do artigo 10. A Parte importadora poderá solicitar ao exportador que realize a avaliação de risco.
3. O custo da avaliação de risco será arcado pelo notificador se a Parte importadora assim o exigir.
PROTOCOLO de Cartagena sobre Biossegurança. Disponível em: <http://www.ctnbio.gov.br/index.php/
content/view/1177.html>. Acesso em: 02 ago. 2007.
74
contar com instituições competentes para embasar e assegurar a adoção de uma decisão
segura.
Infere-se da interpretação do Protocolo a necessidade de vinculação do
Estado-Parte, em seu plano interno, à observância do princípio da precaução, por ocasião da
liberação do uso de OGM em seu mercado nacional, tendo em vista a possibilidade, ainda que
indireta, de que estes elementos venham a compor produtos a serem exportados, destinados ao
consumo humano e animal, como é o caso da soja115.
No que se refere ao grau de incorporação das disposições do Protocolo ao
ordenamento jurídico brasileiro, aponta-se a impropriedade de determinadas disposições
legais como o principal obstáculo à eficácia interna do Protocolo. Em matéria ambiental, a
impropriedade repousa sob a discricionariedade atribuída à CTNBio116 para requerer Estudo
Prévio de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente,
quando entender necessário, bem como o caráter vinculante de suas decisões aos demais
órgãos da Administração Pública117.
Argumenta-se para tanto, que o conteúdo constitucional relativo à proteção
ambiental informa em sentido diverso à discricionariedade colocada à disposição da CTNBio
para decidir unilateralmente, com base em seus próprios critérios e classificação de risco e
com força vinculante, sobre a potencialidade de dano que um OGM possa causar ao meio
ambiente118.
A exigência de EIA/RIMA para atividades potencialmente causadoras de
dano ao meio ambiente é disposição de aplicação obrigatória imposta pela Constituição
115
AMORIM, João Alberto Alves. O Protocolo de Cartagena e a Bio (in) segurança brasileira. In: DERANI,
Cristiane (Org). Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2005. p. 97-133.
116
A discricionariedade deriva do poder atribuído à CTNBio para decidir sobre os casos em que a atividade é
potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como a necessidade de licenciamento
ambiental, nos termos dos incisos XII, XIII, XX da Lei 11.105/2005. LEHFELD, Lucas de Souza. Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e a responsabilidade objetiva na proteção da biodiversidade.
Revista Fafibe. São Paulo, n. 3, ago 2007. Disponível em: <http://www.fafibe.br/revistaonline/arquivos/
lucas_comissao_biosseguranca_responsabilidade_prevencao.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2007.
117
AMORIM, op. cit.
118
LEHFELD, op. cit.
75
Federal (art. 225, §1º, IV). Ademais disto, a Resolução nº 305/2002119 considera a liberação
de OGM no meio ambiente atividade potencialmente causadora de significativo impacto
ambiental. Desta forma, considera-se afeito ao princípio da precaução a exigência do
EIA/RIMA, tendo em vista determinação constitucional e legislação especial neste sentido.
No que diz respeito à segurança alimentar, a determinação da ANVISA
acerca do regulamento técnico para o ingrediente Glifosato, produzido pela Monsanto
(proprietária da patente da soja RR), coloca em dúvida a observância de disposições legais e
Tratados firmados com vistas à proteção da saúde humana contra os potenciais riscos dos
transgênicos. Em 31 de outubro de 2003 foi publicada consulta pública pela ANVISA, acerca
da proposta de novo regulamento técnico para o ingrediente Glifosato, consistente no pedido,
pela Monsanto, de aumento da concentração residual tolerável deste produto químico na soja.
Em resposta ao requerimento, aos 16 dias do mês de fevereiro de 2004, a
ANVISA publicou a Resolução RE nº 33, de 16 de fevereiro de 2004120, que elevou de 0,2
mg/Kg para 10,0 mg/Kg o Limite Máximo de Resíduo para a soja RR, o que equivale dizer
que a cada kilograma de soja GM consumida, a população brasileira passou a consumir, por
autorização da ANVISA, o equivalente a uma colher de chá de glifosato121.
Todas estas constatações colocam em cheque o compromisso firmado pelo
Brasil, perante a comunidade internacional, com o tratamento da biossegurança dentro de um
enfoque precautório, mediante a evidencia do descompasso entre os valores eleitos pela
119
A Resolução 305/2002 do CONAMA dispõe sobre Licenciamento Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental
e Relatório de Impacto no Meio Ambiente de atividades e empreendimentos com OGM e seus derivados,
tendo em vista os princípios da participação pública, da publicidade e da garantia de acesso à informação; o
princípio da precaução, cristalizado no Princípio 15 da Declaração do Rio, reafirmado pela Convenção sobre
Diversidade Biológica, pelo Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, e no art. 225 da Constituição
Federal; e o desconhecimento dos eventuais impactos de OGM à saúde e ao meio ambiente, conforme
disposição do seu preâmbulo. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 305 de 12 de
junho de 2002. Dispõe sobre Licenciamento Ambiental, Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de
Impacto no Meio Ambiente de atividades e empreendimentos com Organismos Geneticamente Modificados e
seus derivados. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiano1.cfm?codlegitipo=3&
ano=2002. Acesso em: 25 ago. 2007.
120
D.O.U. de 17.02.2004.
121
AMORIM, João Alberto Alves. O Protocolo de Cartagena e a Bio (in) segurança brasileira. In: DERANI,
Cristiane (Org). Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2005. p. 97-133.
76
comunidade internacional e a realidade normativa existente. Malgrado a existência de normas
públicas alinhadas com as disposições acordadas internacionalmente122, os regulamentos
criados para remediar situações estabelecidas comprometem a efetivação dos princípios
instituídos, no âmbito interno.
A este propósito, registre-se que a imperatividade jurídica interna do
princípio da Precaução ultrapassa a previsão dos Tratados Internacionais firmados pelo Brasil
(em especial CDB e Protocolo de Biossegurança), alcançando previsão do próprio texto
constitucional (art. 225, §1º, IV), pela exigência de avaliação de impacto ambiental para
atividade potencialmente danosa ao meio ambiente, revelada em virtude da necessidade de
tomada de decisão razoável, diante da potencialidade, em qualquer grau diferente de zero, de
que o dano ocorra123.
3.1.2 O SUPORTE NORMATIVO DA GOVERNANÇA PÚBLICA E OS PRINCÍPIOS DA
BIOSSEGURANÇA: ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO TRF 1ª REGIÃO NO CASO
DA LIBERAÇÃO DA SOJA RR
O processo de conformação da governança da soja GM é composto por uma
gama de elementos que concorreram para a concepção da estrutura vigente. Dentre eles, os já
comentados, atinentes aos atores que integram a estrutura de governança e os principais
eventos responsáveis pela composição do atual sistema. Além disso, é mister a análise
institucional e organizacional da cadeia de governança, na tentativa de compreender a
adequação das regras privadas e públicas relacionadas à OGM, aos princípios da
biossegurança.
122
123
Conforme analisado no tópico subseqüente.
MAGALHÃES, Vladimir Garcia. O princípio da precaução e os organismos transgênicos. In: VARELLA,
Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo
Horizonte: Del Rey, 2005. p. 61-86.
77
A este propósito, faz-se necessário esclarecer que enquanto a análise
institucional diz com as regras públicas que orientam as atividades relacionadas com
organismos geneticamente modificados, a análise organizacional refere-se à própria estrutura
governamental de fiscalização, controle e acompanhamento dessas atividades.
Desta forma, proceda-se inicialmente a análise organizacional referente às
normas públicas que dirigem a atuação dos atores envolvidos com OGM, mediante análise
conjunta dos princípios informativos da biossegurança. A compreensão da base
principiológica que deve orientar todo o processo normativo da biossegurança será útil para o
desencadeamento do tema em comento, na medida em que proporcionará uma visão objetiva
dos critérios levados em conta na legitimação dos transgênicos.
Em seguida, será analisada a estrutura institucional da governança pública,
com ênfase na atuação dos órgãos públicos incumbidos de conformar as atividades
envolvendo OGMs, objetivando a ilustração dos processos que concretizam as disposições
legais.
Essa discussão pressupõe, essencialmente, o estudo da liberação da soja
transgênica, com ênfase nos instrumentos normativos que regulamentaram a matéria à época,
além das normas nacionais que viabilizaram o desfecho do debate em comento, através de
estudo quanto ao processo evolutivo da normatividade no contexto dos transgênicos.
Tendo em vista o enfoque principiológico da presente pesquisa, a análise
das normas públicas que subsidiaram o caso da liberação da soja transgênica terá por objeto a
sentença de mérito exarada no bojo da Ação Civil Pública impetrada pelo IDEC e IBAMA na
ocasião da liberação da soja RR, da lavra do Juiz Antônio Souza Prudente, haja vista a
tentativa de conciliação das normas públicas à base principiológica instituída, esposada na
referida sentença, seguida do exame da sentença definitiva da Desembargadora Selene Maria
de Almeida no deslinde da questão.
78
A análise da sentença referida permitirá examinar o cabedal normativo que
orientava a regulação da matéria, bem como os instrumentos jurídicos utilizados na afirmação
da soja transgênica no cenário brasileiro. Destaque-se nesta apreciação a aplicação da lei
8974/95 e instrumentos correlatos, o Decreto 4680/2003, a Constituição Federal e leis
ambientais que se aplicavam ao caso concreto.
Na sentença em comento, analisa-se a Ação Civil Pública impetrada
inicialmente pelo IDEC contra a União (Ação Civil Pública nº. 1998.34.00.027682-0),
objetivando a condenação da União a:
a) exigir da CTNBio a elaboração de normas de segurança relativas à
questão alimentar, à comercialização e consumo dos alimentos transgênicos,
tudo em conformidade com a Constituição Federal, o Código de Defesa do
Consumidor e a legislação ambiental pertinente, antes de atender a qualquer
pedido atinente a produto geneticamente modificado;
b) exigir a realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Monsanto e
de todos os outros pedidos formulados à CTNBio;
c) obrigar a CTNBio, posteriormente à elaboração das normas, a emitir novo
parecer técnico conclusivo, relativo ao pedido da Monsanto;
d) condenar a CTNBio na obrigação de não emitir parecer técnico
conclusivo a nenhum pedido antes das exigências legais;
e) declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2º, XIV, do
Decreto nº 1753-95, bem como das Instruções Normativas nº 03 e 10, no que
se referem à discricionariedade da CTNBio quanto à exigência de
EIA/RIMA.
Os argumentos utilizados pelo IDEC na proposição da Ação foram a
emissão do parecer pela CTNBio à ausência de atitude prudente quanto à solicitação da
Monsanto; a admissão, pela própria CTNBio, da possibilidade de riscos ainda não
identificados, pela liberação do produto em questão; ausência de normas necessárias à
regulamentação da segurança alimentar, comercialização e rotulagem dos alimentos
transgênicos; inexistência de EIA em solo brasileiro, aliado ao desconhecimento das
conseqüências da liberação para a saúde humana e o meio ambiente, considerando, pois a
decisão da CTNBio como lesiva aos interesses da população brasileira.
O
esteio legal das argumentações repousa
sob
a
alegação de
descumprimento do art. 10 da Lei 6938/81, que define a Política Nacional do Meio Ambiente,
79
e das Resoluções 01/86 e 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA,
quanto à exigência de EIA em caso de introdução e espécies geneticamente modificadas no
meio ambiente; descumprimento do princípio da precaução, com violação do art. 225, § 1º, IV
da CF/88, que obriga o Poder Público a promover o EIA e dar-lhe publicidade; e a
necessidade de exigência pela CTNBio de rotulagem dos produtos contendo OGM, em
cumprimento ao CDC, arts. 6º, I, III, 9º e 31.
A par da União, contra a qual se erigiu a referida Ação, figurou como
litisconsorte passiva a Monsanto do Brasil Ltda124. Nos seus argumentos, a Monsanto
sustentou a inexistência de efeitos nocivos da soja RR à saúde humana, sendo desnecessários
o EIA/RIMA e a rotulagem da soja para fins de segurança alimentar, argumentando ainda pela
constitucionalidade do Decreto nº 1752/95 e das IN nº 03 e 10, impugnadas pelo IDEC.
O IBAMA e o Greenpeace, também integrantes da relação processual da
Ação Cautelar mencionada, foram chamados ao feito para se manifestar diante das
argumentações esposadas no processo, oportunidade em que permaneceram silentes a
respeito. Por sua vez, a MONSOY Ltda, chamada a integrar o feito como litisconsorte passivo
alegou a observância ao princípio da precaução, bem como a segurança alimentar e ambiental
da soja RR, além da constitucionalidade das normas impugnadas.
Em manifestação do Ministério Público Federal, o representante do MPF,
Aurélio Veiga Rios, pugnou pela realização do EIA/RIMA, pelo direito do consumidor à
informação e pela inconstitucionalidade da norma que permite à CTNBio tangenciar
obrigação constitucional e legal.
Em relação ao requerimento de exigência do EIA/RIMA, entendeu-se que o
Estudo de Impacto Ambiental não deveria configurar mera faculdade que pudesse ser
dispensada no exame das conseqüências do descarte de OGM no meio ambiente.
124
A Monsanto figurava previamente nos autos do processo cautelar nº 98.34.00.027681-8, Preparatório da Ação
Civil Pública sub exame.
80
Adicionalmente a isto, a exigência constitucional referente à exigência do EIA (art. 225, IV)
não poderia ser limitada por Decreto Regulamentar. Por fim, a determinação legal, com
previsão na Lei 6938/81 e na Resolução nº 237/97 do CONAMA, quanto a exigência de
licença ambiental em casos de introdução de espécies geneticamente modificadas no meio
ambiente impunha a realização de EIA.
Para sustentar os argumentos erigidos, alegou-se o caráter instrumental do
EIA para fins de cumprimento do princípio da precaução, uma vez que a avaliação prévia das
atividades humanas torna possível a previsão de potenciais danos ao meio ambiente,
decorrentes do descarte de OGM, tendo-se em conta também, que somente através do
diagnóstico acerca do risco do prejuízo é possível ponderar sobre os meios de evitá-lo. Nesse
sentido já dispunha o princípio 17 da Declaração do Rio, em 1992, in verbis:
A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser
empreendida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto
negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma
decisão de autoridade nacional competente.
Em conformidade com as disposições internacionais, também a Constituição
Federal adotou este instrumento jurídico de prevenção do dano ambiental, quando apôs no seu
art. 225, §1º, IV, a exigência do EIA para atividades potencialmente causadoras de
significativa degradação do meio ambiente, ao que se determina a publicidade do estudo.
A Resolução do CONAMA nº 001/86, por sua vez, contempla a realização
do EIA/RIMA na avaliação dos impactos ambientais, mediante a identificação, previsão da
magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, por meio da
discriminação dos impactos quanto à nocividade, temporalidade e grau de reversibilidade.
Decorrência da importância do EIA para o caso em comento, foi ventilada a
impropriedade do art. 2º, XIV do Decreto 1752/95, que torna facultativo o EIA, dispositivo
este vetado pelo Presidente da República, na ocasião da votação da Lei 8974/95, tendo em
vista a relevância da matéria em questão. Note-se que a criação, estruturação e atribuições de
81
órgãos públicos somente se realizam por meio de projetos de lei de iniciativa do Presidente da
República, de modo que a possibilidade de discricionariedade do EIA é matéria que deveria
estar contida em projeto de lei de iniciativa do Presidente da República e não regulamentada
por Decreto.
Além da impossibilidade de limitação constitucional por meio de Decreto,
argumentou-se que a indicação da CTNBio para avaliar a necessidade de EIA carecia de
plausibilidade, uma vez que o referido órgão nem mesmo faz parte do Sistema Nacional do
Meio Ambiente – SISNAMA, não sendo, portanto licenciado a dispensar a obrigatoriedade do
EIA/RIMA.
Alegou-se ainda acerca da ausência de estudos decorrentes da introdução no
meio ambiente de sementes de soja RR para o plantio, voltados especificamente para o caso
brasileiro, tendo em vista as particularidades climáticas e demais condições diversas daquelas
encontradas nos Estados Unidos e Canadá, onde foram realizados os estudos pertinentes.
Aliado a isto, também o fato de ter sido a soja RR o primeiro caso de transgênicos deliberado
no país concorreu para a expectativa de maiores cuidados na análise do pedido de liberação125.
Tendo em vista os argumentos esposados é que o MPF manifestou-se pela
inconstitucionalidade do art. 2º, do Decreto 1752/95, que ao regulamentar as atribuições e
competências da CTNBio, facultou-lhe a exigência de EIA/RIMA junto às empresas de
biotecnologia, quanto a projetos que envolvam a liberação de OGM no meio ambiente,
possibilitando a desoneração da Monsanto, no particular, quanto à apresentação de EIA
referente ao cultivo da soja RR no território nacional.
125
Cumpre observar que não obstante a CTNBio tenha suprimido o EIA/RIMA, outros estudos foram
promovidos no âmbito da análise de riscos à saúde humana e ao meio ambiente. Contudo, a
instrumentalidade do EIA repousa justamente na possibilidade de que a população interessada tenha acesso
aos estudos desenvolvidos e possa assim se manifestar acerca da liberação do transgênico. Em entrevista
concedida pelo Dr. Luiz Antônio Barreto de Castro, presidente da CTNBio à época da emissão do parecer
favorável da Comissão, foi relatado que a realização de Avaliação Prévia de Riscos, promovida na ocasião
da liberação da soja RR, atendeu perfeitamente à avaliação da questão ambiental e foi além, desenvolvendo
estudos também na área da saúde humana, razão pela qual não há que se questionar acerca da falta de
estudos específicos para o caso brasileiro. (ANEXO A).
82
A discussão acerca da liberação da soja transgênica foi erigida sob a égide
da Lei 8974/95, lei de biossegurança então em vigor. Uma vez que a referida lei contemplava
normas de segurança para as atividades afeitas à engenharia genética, admite-se
implicitamente a existência de riscos que devem ser geridos. A própria criação da CTNBio
teve por escopo a instituição de normas e regulamentos sobre biossegurança, tendo em vista a
prevenção de efeitos não desejados, que potencialmente podem ser produzidos pelas espécies
geneticamente alteradas. Diante da constatação do “significativo impacto” ao meio ambiente,
nos termos do art. 225, IV, CF/88, a realização do EIA no caso específico da soja, era de
observância obrigatória.
Neste esteio, a sentença ora analisada acompanhou o parecer do MPF e
contestou o poder discricionário da CNTBio para solicitar, ao seu arbítrio, o EIA, bem como o
poder de vinculação do Parecer Técnico Conclusivo emitido pela Comissão, relativamente aos
Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, que deveriam adotá-lo sem reservas ou
críticas.
Isto porque, de acordo com a lei de biossegurança em vigor, à época, o
Parecer da CTNBio não teria o condão de vincular os Ministérios, mas apenas impunha que
os argumentos ali consignados fossem levados em conta pela Administração Federal. Sobre
este mister, registre-se que, conforme disposição da então lei 8974/95, conquanto a
Administração apresentasse razões fundamentadas no interesse da vida, da saúde do homem,
dos animais, das plantas e do meio ambiente, ela não estaria obrigada a seguir o Parecer.
A realização do Estudo seria suficiente para verificar o cumprimento do
princípio constitucional, haja vista a análise de risco e de medidas de precaução ambiental,
além de legitimar junto à sociedade a decisão tomada pela Administração, haja vista a
consulta às partes interessadas através do Relatório de Impacto Ambiental que seria
produzido. A dispensa do EIA, por sua vez, apenas concorreu para o entendimento pela
83
insuficiência de informações necessárias à tomada de decisão com vistas a regulamentação do
produto no Brasil.
O Juízo da 6ª Vara126 dispôs acerca da inexistência de estudos quanto às
reações tóxicas que o herbicida poderia causar à espécie humana, uma vez que,
contrariamente ao que alega a empresa no processo, há estudos que comprovam a
prejudicialidade do produto a peixes, ratos, minhocas e insetos, além do desconhecimento das
implicações da planta transgênica na agricultura e, para ser mais específico, na microbiota
brasileira.
Agregue-se entre os efeitos da liberação de transgênicos no meio ambiente o
fato de que o cultivo das plantas transgênicas em grandes extensões poderia trazer como
conseqüência um aumento da uniformidade genética, ou seja, uma homogeneização capaz de
aumentar a vulnerabilidade genética, podendo facilitar a ocorrência de grandes epidemias.
Segundo a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6938/81), a
prevenção é instrumento indispensável à realização da política do meio ambiente, devendo
ocorrer por meio da avaliação dos impactos ambientais, com obrigação de se prevenir ou
evitar o dano ambiental, quando o mesmo puder ser detectado antecipadamente127.
Já o princípio da precaução implica em proteção contra o simples risco, que
pode ser minimizado tendo em vista a redução da extensão, da freqüência ou da incerteza do
dano. Registre-se que o aludido princípio não serve à imobilização das atividades humanas,
mas visa tão-somente a durabilidade da sadia qualidade de vida das presentes e futuras
gerações.
126
Em citação a GUERRA, M. P.; NODARI, R. O.; ZANCAN, G. Soja transgênica e a cidadania. Jornal da
Ciência, Rio de Janeiro, v. 12, N. 39, p. 9, ago. 1998.
127
Art. 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
[...]
III – a avaliação de impactos ambientais. BRASIL. Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 29 ago.
2007.
84
O princípio da precaução ostenta que a ausência de certeza científica não
deve retardar a adoção de medidas efetivas e proporcionais visando prevenir o risco de danos
graves e irreversíveis ao meio ambiente, de modo que a precaução não só deve impedir o
prejuízo ambiental resultante das ações ou omissões humanas, ainda que incerto, como
também deve atuar na prevenção oportuna desse prejuízo. Isto porque o dano ambiental
somente pode ser evitado a partir da prevenção no tempo certo. Importa ressaltar ainda que,
no âmbito do direito ambiental, prevalece a máxima segundo a qual na dúvida, opta-se pela
solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente (indubio pro
salute ou in dúbio pro natura).
A importância do princípio da precaução como regra fundamental de
proteção ambiental no direito internacional, funda-se não apenas no aspecto ambiental, mas
também na perspectiva do Princípio da Precaução de Incentivo Econômico, segundo o qual
deve ser dada prioridade às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente
em contraposição ao lucro imediato. Sob o aspecto social, levantou-se que a busca pelo
aumento da capacidade de competição do Brasil no mercado internacional poderia atropelar
os direitos dos cidadãos, uma vez que a questão dos transgênicos coloca em jogo também a
soberania tecnológica nacional e os interesses e direitos dos agricultores e pesquisadores
nacionais.
Relativamente à atuação da Administração Pública brasileira segundo o
princípio da precaução, anote-se que a conduta calcada na precaução está em conformidade
com os princípios expostos no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Isto porque a
postergação de medidas de precaução que demandam aplicação imediata contraria a
moralidade e a legalidade. Os acordos ou licenciamentos não previamente submetidos à
apreciação pública, a fim de que os setores interessados possam participar do procedimento
das decisões violam, por sua vez, o princípio da publicidade e da impessoalidade.
85
Ainda, a busca pela prevenção de danos para o ser humano e o meio
ambiente está em alinhamento com o princípio da eficiência, de modo que a omissão da
Administração na prática de medidas de precaução que, no futuro, ocasionarão prejuízos,
revela o descumprimento do princípio da eficiência, tornando-a co-responsável pelos
prejuízos.
Anote-se que a implementação da prevenção e da precaução para a defesa
do ser humano e do meio ambiente dependem, em grande medida, da prática dos princípios da
informação ampla e da participação das pessoas e de organizações sociais no processo de
decisões dos aparelhos burocráticos. A este respeito, o julgador chega a afirmar que da
maneira como a CTNBio avaliou a questão, a participação da população restringiu-se ao seu
uso, contra a sua vontade consciente, assim como em um laboratório, para testar os produtos
transgênicos.
Por estas argumentações, o Juiz Souza Prudente entendeu pela preterição do
princípio da precaução pelo parecer da CTNBio. A exigência de monitoramento pela
Comissão apenas revela a incerteza quanto à segurança do produto, além de que ele só teria
sentido em ser realizado antes do uso comercial do produto, caso em que, não apresentando
dano significativo, poderia ser livremente plantado e comercializado.
Após o levantamento de argumentos necessários a subsidiar a exigência do
princípio da precaução, tendo em vista a proteção da vida e saúde do homem, dos animais, das
plantas, dos seres vivos em geral e de todo o meio ambiente, o Magistrado aduziu que a
construção de uma sociedade nos moldes do art. 3º, I128, CF/88 pressupõe a busca por uma
ordem econômica que assegure a todos uma existência digna (art. 170, caput, CF/88), com
128
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituiçao.htm>. Acesso em: 30 ago. 2007.
86
observância aos princípios da soberania nacional, da defesa do consumidor e do meio
ambiente (art. 170, I, V, VI, CF/88)129.
A tutela do meio ambiente pauta-se pela prevenção em detrimento da
reparação, razão pela qual impõe-se a tutela inibitória do ato lesivo ao meio ambiente. Ainda
que seja lícito ao administrador divergir da conclusão do EIA, este ato deverá ser
fundamentado, com indicação das razões que o levaram a optar por uma solução diversa,
mormente na avaliação da adequação da motivação esposada à finalidade da norma.
Sobre este mister, ressalte-se que a finalidade do processo de licenciamento,
bem como das normas que sobre ele discorrem é a preservação e a conservação do meio
ambiente, de onde se extrai que a decisão administrativa não pode destoar, sem propósito, da
finalidade da norma.
Nesse sentido, a Resolução nº 001/86 do CONAMA:
Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio
ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das
atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.
O art. 9º, III, da lei 6938/81, por sua vez, já previa o EIA como instrumento
da Política Nacional do Meio Ambiente:
Artigo 9° - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
[...]
III - a avaliação de impactos ambientais;
Além da previsão constitucional, que assim determina:
129
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
[...]
V - defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm>.
Acesso em: 30 ago. 2007.
87
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
[...]
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
Assentado no texto legal de nº 6938/81 está, ainda, a determinação no
sentido de se compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, como objetivo da Política nacional do
Meio Ambiente (art. 4º, I)130.
Ressaltada a adequação do princípio da precaução ao caso em análise,
passa-se ao exame do princípio da participação pública. No que diz com a proteção ambiental,
vale ressaltar que a publicidade imanente ao EIA vai além da simples publicação do pedido de
licenciamento da atividade, haja vista a finalidade de expor aos interessados o conteúdo do
produto em análise, com vistas a dirimir dúvidas e recolher críticas e sugestões a respeito.
Essa determinação diz com o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes
e futuras gerações, sem as interferências do abuso do poder econômico.
Por estas razões é que se julgou pela inconstitucionalidade do art. 2º do
Decreto 1752/95 e das Instruções Normativas nº 03 e 10 da CTNBio, no que possibilitam a
dispensa do EIA para a liberação de organismos geneticamente modificados. Como contraargumento, a disposição do art. 10 da Lei 6938/81131, das Resoluções nº 01/86 e 237/97 do
130
Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
I – à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico. BRASIL. Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 29 ago. 2007.
131
In verbis:
Artigo 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os
capazes sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão
estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. Ibidem.
88
CONAMA, que exigem a licença ambiental prévia, no caso de introdução de espécies
geneticamente modificadas no meio ambiente, de forma explícita.
Também a exigência de elaboração de normas pela CTNBio, relativas à
segurança alimentar, comercialização e consumo dos alimentos transgênicos, encontra abrigo
constitucional e legal, conforme se verifica a seguir. O art. 225, §1º, V da Constituição
Federal132 determina ao Poder Público o controle da produção, da comercialização e do
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente.
No âmbito infraconstitucional, a Lei 8078/90 (Código de Defesa do
Consumidor -CDC) alerta para a observância do princípio da informação, em sentido amplo,
conforme se verifica da redação dos artigos 6º, I e III, 9º e 31:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor133:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por
práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou
nocivos;
[...]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou
perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e
adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da
adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa
sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre
os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
132
Art. 225
[...]
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
[...]
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 30 ago. 2007.
133
BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 2 set.
2007.
89
Diante da exposição dos argumentos trazidos à baila, a Ação impetrada pelo
IDEC foi julgada procedente, com condenação da União à exigência de prévio Estudo de
Impacto Ambiental da Monsanto, para a liberação de espécies geneticamente modificadas,
bem como de todos os outros pedidos formulados à CTNBio; declarou-se, ainda, a
inconstitucionalidade do inciso XIV, art. 2º do Decreto 1752/95 e das Instruções Normativas
nº 03 e 10, no que se refere à discricionariedade quanto à dispensa de EIA/RIMA.
Ademais disto, a União foi condenada à elaboração de normas relativas à
segurança alimentar, comercialização e consumo de alimentos transgênicos, em conformidade
com as disposições da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor e da
legislação ambiental pertinente.
A sentença ora examinada expressou a veia maximalista do princípio da
precaução, quando determinou a prevalência deste princípio às orientações de órgãos
administrativos, in casu, a CTNBio, questionando seu poder de deliberação em face da
necessidade superior de proteção do meio ambiente. Deve-se lembrar, entretanto, que a
posição intermediária do princípio da precaução impõe, a contrário sensu, a proteção
ambiental sem prejuízo do desenvolvimento científico e das atividades econômicas. Isto não
significa a preterição da proteção ambiental, mas tão-somente a conciliação entre diferentes
valores eleitos pela sociedade.
Neste sentido, o TRF-1 contemplou, por meio da decisão definitiva do caso,
a liberação de organismo transgênico no meio ambiente (soja RR) impondo a composição do
desenvolvimento tecnológico com o atendimento aos princípios de defesa do consumidor e do
meio ambiente, ao que evidenciou a preocupação com a defesa de direitos difusos e coletivos,
a serem salvaguardados pela legislação em vigor.
90
No julgamento da apelação interposta à sentença acima examinada134, a
relatora do processo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Desembargadora Federal
Selene Maria de Almeida discorreu no sentido de que, não obstante as determinações
constitucionais referentes à proteção ambiental, o princípio da precaução não implica na
vedação do uso de tecnologia nova. A esse propósito, a Desembargadora esclarece que o
Constituinte de 1988 estabeleceu que a política agrícola deverá levar em conta,
principalmente, o incentivo à pesquisa e à tecnologia135.
De outro lado, assevera não ser suficiente a avaliação da segurança
alimentar em outro produto que não a soja RR, contraditando argumento utilizado pela
Monsanto acerca da segurança dos transgênicos, como um todo136. Com isso a relatora
entendeu que cada produto de engenharia genética deve possuir uma avaliação de risco
específica, considerando, entre outros aspectos, o gene introduzido, o organismo parental, o
ambiente de liberação, a interação entre esses e a aplicação pretendida.
A relatora ponderou ainda, a finalidade da avaliação de risco, qual seja, o
controle da atividade discricionária da Administração relativamente à liberação dos OGMs
para liberação e consumo. Para tanto, enfatizou o seguinte:
Os principais escopos da avaliação de risco em caso de liberação de OGMs
para plantio e consumo são: a) prevenção do dano ambiental; b) prevenção
de dano à saúde e bem estar das pessoas e animais; c) transparência
administrativa quanto aos efeitos de segurança alimentar e ambiental de
um OGM; d) consulta aos interessados; e) ensejar decisões administrativas
motivadas e fundadas em dados da realidade. (grifo nosso).
134
Apelação cível nº. 1998.34.00.027682-0;
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de
produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de
armazenamento e de transporte, levando em conta, especialmente:
[...]
II – os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização. BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm>. Acesso em: 02 set. 2007.
136
Especialmente quanto à segurança do milho Bt, da batata com gene de óleo de mamona que alimentou ratos
na Escócia, o arroz dourado com vitamina "A" e outros produtos da biotecnologia não submetidos, in casu,
ao exame de sua legalidade, cf. inferência do inteiro teor da sentença analisada.
135
91
Deflui-se disto que a transparência é princípio diretor no procedimento de
liberação de OGMs, devendo pautar-se pelo princípio da publicidade e da participação.
Aplicados aos transgênicos, estes princípios impõem que qualquer pessoa tem o direito de
conhecer os atos praticados pela CTNBio, no âmbito do princípio da publicidade, e que
pessoa física ou jurídica (incluindo-se aí as organizações da sociedade civil) têm o direito de
intervir no procedimento de tomada de decisão após a avaliação de risco pelo colegiado, no
exercício do direito à participação pública.
Evidencia-se claramente, da interpretação da decisão em análise, a
preocupação com a maior proteção pelos princípios garantidores dos direitos dos
consumidores e da população em geral, mormente no que diz com a defesa do meio ambiente,
sem prejuízo do implemento tecnológico. É razoável sustentar a promoção do
desenvolvimento na área da biotecnologia, conquanto seja levada em conta a responsabilidade
para com a preservação do meio ambiente e da saúde humana.
Quanto maior o rol de procedimentos que avultem a proteção da sociedade
diante das inovações tecnológicas, maior cumprimento estará se dando ao princípio da
precaução, que juntamente com os princípios da publicidade e participação pública devem
condicionar a atividade relativa aos organismos geneticamente modificados.
3.1.2.1 O advento da lei de biossegurança e reflexos sobre o cenário de OGM
Resultado da preocupação com a biossegurança relativa às inovações
tecnológicas nas diversas áreas das ciências da vida, a lei de biossegurança surgiu como forma
de composição de interesses, tendo em vista o avanço das necessidades sociais frente à
capacidade de regulamentação normativa destas necessidades.
92
A lei de biossegurança, de 24 de março de 2005, é o instrumento legal
vigente responsável pelo tratamento de questões relacionadas à biossegurança no país, tendo
por objetivo dispor sobre a Política Nacional de Biossegurança. Para tanto, a lei estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos
geneticamente modificados e seus derivados, além de criar o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, e reestruturar a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança –
CTNBio, com vistas à conformação de sua Política137.
As normas de biossegurança visam controlar todos os atos relacionados com
os organismos geneticamente modificados, tais como a importação, o transporte, a pesquisa, o
cultivo em contenção, a liberação planejada no meio ambiente e a comercialização destes
produtos e de seus derivados. Cabe às normas também estabelecer a competência dos agentes
públicos para elaborar, implementar e controlar o direito sobre o tema.
Sendo assim, o estudo do quadro normativo sobre produção, comércio e uso
de OGM, no que toca às normas públicas, pressupõe o exame da legislação nacional acerca da
biossegurança, bem como da competência dos órgãos públicos no processo de liberação,
controle e fiscalização de organismos geneticamente modificados.
Para tanto, cumpre inicialmente explanar acerca das competências definidas
por esfera administrativa - União, Estados e Municípios, no que se refere à questão da
biossegurança no país, para então discorrer sobre as alterações promovidas pelo novo texto
legal acerca da biossegurança, e delinear suas atribuições no que tange às novas tecnologias
aplicadas à produção agrícola nacional.
137
BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da
Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre
a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato
2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>. Acesso em: 04 jun. 2007.
93
a) Organização administrativa brasileira
O Brasil é uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos
Estados, Municípios e do Distrito Federal, conforme disposição do art. 1º, CF/88. O
federalismo brasileiro caracteriza-se pela união de vários Estados, que cederam sua soberania
a um ente central, mantendo somente poderes de autoconstituição, auto-organização,
autogoverno e auto-administração. Isso implica dizer que o exercício do poder de império se
encontra ramificado no Estado Federal. Desta forma, a competência para o tratamento dos
organismos geneticamente modificados se distribui entre todos os entes da Federação,
incluindo-se a União.
Na Federação brasileira, o princípio geral da repartição de competência é
orientado pela predominância do interesse. Assim, à União compete tratar de matérias de
interesse nacional, aos Estados, de interesse regional e aos Municípios, matérias de interesse
local. Contudo, matérias, em especial no Direito ambiental, correlatas à questão da
biossegurança, podem despertar interesse nos três níveis de organização, razão pela qual o
constituinte criou competências exclusivas, privativas com possibilidade de delegação e
concorrentes, com a formação de normas gerais, pela União, suplementares e residuais pelos
Estados e Municípios.
A determinação das competências serve à descentralização da proteção do
objeto da norma e tem sua importância revelada pelo fato de se definir, a partir dela, as
entidades responsáveis pela fiscalização em determinados setores correspondentes à matéria
regulamentada.
Verifica-se que em determinadas matérias, várias das proposições que
integram a competência privativa da União estão também arroladas nas competências comum
e concorrente dos diversos integrantes da Federação. Relativamente à biossegurança, cumpre
esclarecer que não existe uma lei que delimite claramente o conteúdo da competência de cada
94
uma das entidades políticas que constituem a Federação brasileira. Contudo, se avulta o papel
desempenhado pela União, a quem cabe estabelecer os princípios gerais da legislação de
biossegurança, sendo que suas normas servem de referencial para Estados e Municípios.
A Competência privativa, prevista no art 22, parágrafo único, CF/88, é
competência legislativa que só pode ser exercida pelos Estados mediante autorização dada por
lei complementar federal, para casos específicos. Já a Competência comum – art 23, CF/88 –
não se trata de competência legislativa, mas de cooperação administrativa. Trata-se, pois, de
uma imposição constitucional para que os diversos integrantes da Federação atuem em
cooperação administrativa recíproca.
A Competência concorrente – art 24 –, por sua vez, indica a possibilidade de
legislar sobre determinadas matérias. Indica que a União deve estabelecer os parâmetros
gerais a serem observados pelos demais integrantes da Federação. De acordo com essa
disposição, Estados e Municípios jamais poderão legislar de modo a oferecer menos proteção
ao objeto da norma que a União.
Relativamente à Competência estadual, a previsão constitucional repousa
nos artigos 23 (cooperação administrativa) e 24 (competência legislativa própria para os
Estados). Isto em razão de que enquanto à União cabe estabelecer normas gerais, caberá aos
Estados detalhar os aspectos da proteção in concreto, ou seja, os Estados podem suplementar
a legislação federal. Inexistindo legislação federal, os Estados exercerão competência
legislativa plenamente, de molde a atender às suas peculiaridades. No momento em que passe
a existir legislação federal sobre normas gerais, a legislação estadual, naquilo que contrariar a
norma federal, perde eficácia.
Finalmente, quanto à Competência municipal, são esses os artigos
relacionados: art 23, CF/88 (cooperação administrativa); art 30, II (competência para
suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber), tudo em consonância com a
95
máxima “agir localmente, pensar globalmente”138. É o município que passa a reunir efetivas
condições de atender de modo imediato às necessidades locais, em especial em um país como
o Brasil, de proporções continentais e culturais diversificada.
Contudo, cumpre consignar que os municípios não podem legislar sobre
proteção ambiental em matéria de engenharia genética, mas podem fazê-lo em se tratando de
Direito do consumidor. Nesse sentido, registre-se que diversos municípios já elaboraram suas
normas locais para reforçar o tratamento dado pela União e pelos Estados139.
Diante da exposição delineada acima, é possível concluir que a competência
legislativa em matéria de biossegurança é concorrente, porquanto pressupõe a edição de
normas gerais pela União, com possibilidade de legislação suplementar ou complementar por
Estados e municípios. Tendo em vista esta determinação constitucional é que devem ser
analisadas as produções normativas na área da biossegurança.
b) Novas disposições incorporadas pela Lei 11.105/2005
A necessidade de regulamentação de normas de biossegurança, em função
da iminência da introdução dos transgênicos na agricultura, nos alimentos, nos medicamentos
e de seu consumo em larga escala, desencadeou uma preocupação legislativa que redundou na
apreciação, pelo Congresso Nacional, de mais de três dezenas de projetos de lei sobre o
assunto, dentre os quais: a proibição de plantio e de importação; os limites ao consumo de
138
139
Lema adotado pela Política de Desenvolvimento Sustentável que valoriza as iniciativas locais, porque
surgem de maneira espontânea, de acordo com as necessidades e aspirações da própria comunidade, razão
pela qual consideram-se importantes dinamizadores do processo de desenvolvimento global.
DESENVOLVIMENTO local. Disponível em: <http://www.eicos.psycho.ufrj.br/anexos/port_desenlocal.
htm>. Acesso em: 10 jan. 2008.
A exemplo das leis nº 2.656, de 03 de abril de 2001 do Município de Amparo, Lei Estadual nº 13.494 de 05
de abril de 2000 de Minas Gerais, Lei Municipal nº 12.173 de Curitiba, Lei nº 13.725, de 9 de janeiro de
2004 do Município de São Paulo, entre outras.
96
produtos transgênicos (na merenda escolar, nos hospitais, etc.); incentivos à pesquisa;
obrigatoriedade de rotulagem, entre outros140.
As principais alterações na nova configuração da Lei de Biossegurança
situam-se no campo organizacional, onde a lei buscou delimitar melhor as competências dos
órgãos públicos e estruturar o processo de regulamentação e registro de OGM. Uma análise
comparativa a partir das inovações da atual lei de biossegurança em relação à anterior
permitirá verificar os avanços da regulamentação em termos de biossegurança, bem como os
aspectos positivos destas alterações.
A criação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) é exemplo da
intenção de se alterar o fluxo decisório dos agentes que compunham o sistema de avaliação e
liberação dos transgênicos. Trata-se de órgão de instância superior à CTNBio, com
especialidade política (e não técnica ou científica), voltada ao aperfeiçoamento institucional
da biossegurança no país141.
O CNBS funciona como um “poder moderador”, criado para sopesar a
ampliação de poderes da CTNBio e a retirada de poderes dos Ministérios por meio de uma
instância política que poderá ser convocada a intervir quando os interesses de algum
ministério forem contrariados pelas deliberações emanadas da CTNBio142.
140
141
142
Especificamente no âmbito da Câmara dos Deputados, as atividades mais significativas desempenhadas com
vistas à aprovação da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) foram: a) Apreciação dos Projetos de Lei pela
Câmara dos Deputados; b) Audiências Públicas e seminários realizados na Câmara; c) Relatório final da
Proposta de Fiscalização e Controle nº 34/2000, destinada a fiscalizar “os procedimentos adotados pelo Poder
Executivo para autorizar a liberação de plantas transgênicas no país”, aprovado na Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, da Câmara dos Deputados, em 2003. d) Relatório final da
subcomissão especial “destinada a estudar a situação dos alimentos transgênicos”, aprovado pela Comissão
de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, em 2003; e) Estudos e
artigos produzidos pela Câmara dos Deputados e; f) Apreciação de medidas provisórias pela Câmara dos
Deputados. O resultado dos estudos e debates presenciados nesta Casa Legislativa foi a publicação do texto
final da atual Lei de Biossegurança. ARAÚJO, José Cordeiro de; DOLABELLA, Rodrigo H. C.
Transgênicos, biossegurança e Congresso Nacional. Revista Plenarium, Brasília, ano 4, n. 4, p. 198-213, jun.
2007.
ARAÚJO, José Cordeiro de; DOLABELLA, Rodrigo H. C. Transgênicos, biossegurança e Congresso
Nacional. Revista Plenarium, Brasília, ano 4, n. 4, p. 198-213, jun. 2007.
Cite-se que nas questões relativas à aprovação de liberações comerciais, a atuação do CNBS não será
habitual, visto que ficará restrita à demanda pela CTNBio ou, conforme previsto no Art. 16, § 7º, se houver
recurso por parte de um ou mais ministérios envolvidos na questão. Ibidem.
97
A efetividade da atuação do CNBS, no entanto, é questionável em função de
se tratar de Conselho formado apenas por ministros de Estado, considerando a dificuldade em
reunir conselhos desta natureza e a complexidade científica do assunto, tendo em vista que
nem todos os ministros serão necessariamente afeitos ao tema.
Outra importante disposição da lei de biossegurança diz com o alargamento
de competências da CTNBio perante os ministérios responsáveis pelo registro e fiscalização
de produtos. À época, a polarização dos debates acerca das atribuições da CTNBio na nova lei
de biossegurança foi acentuada em função da coexistência de dois posicionamentos diversos.
De um lado, os que prezavam pelo avanço da ciência e tecnologia,
juntamente com a modernização dos processos produtivos; de outro lado, os que entendiam
pela prevalência do princípio da precaução em face da possibilidade de riscos ao meio
ambiente e aos consumidores, decorrentes da liberação de OGM. Estes pugnavam pela
manutenção das atribuições dos ministérios como última instância de registro e autorização de
liberação de atividades envolvendo OGM143; aqueles, defendiam a concessão de poderes a
CTNBio e vinculação dos ministérios às decisões da Comissão144.
Na nova versão da lei, a CTNBio detém poderes totais para autorizar
pesquisas com OGM (art. 14§3º), podendo eventualmente ter sua decisão condicionada pelo
CNBS, na hipótese de liberação comercial. Os ministérios, por sua vez submetem-se ao
parecer vinculante da CTNBio (art. 14, §§1º e 2º). Sendo assim, mediante autorização da
CTNBio para execução de projeto de pesquisa, por entidade pública ou privada, ao ministério
caberá o registro e fiscalização da atividade, sem manifestação acerca da conveniência da
pesquisa e das suas condições de execução. Registre-se que no caso de divergência suscitada
143
Cf. art. 7º, inciso III e IV da Lei 8974/95. BRASIL. Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamenta os
incisos II e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de
engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o
Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L8974.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.
144
ARAÚJO, José Cordeiro de; DOLABELLA, Rodrigo H. C. Transgênicos, biossegurança e Congresso
Nacional. Revista Plenarium, Brasília, ano 4, n. 4, p. 198-213, jun. 2007.
98
pelo ministério encarregado de dar seguimento à liberação comercial, poderá haver recurso ao
CNBS145.
A composição da CTNBio também foi objeto de debate por ocasião da nova
lei de biossegurança. Enquanto a antiga lei estabelecia a composição da CTNBio por 18
membros, a nova lei estabelece (Art. 11) que a CTNBio será composta por 27 cidadãos
brasileiros, com grau de doutor (o que não era exigido na lei anterior). Inovação da lei de
biossegurança determina ainda a exclusão da participação de representantes das empresas de
pesquisa em biotecnologia, prevista no Decreto regulamentar da lei anterior146.
Segundo Decreto 5591/2005, o quorum de deliberação de matérias
relacionadas à liberação comercial de OGM deveria ser de dois terços dos membros, ou seja,
18 (dezoito) votos favoráveis em 27. No entanto, tendo em vista as dificuldades encontradas
para obtenção do mínimo de votos com vistas à aprovação de matérias importantes no âmbito
da CTNBio, seu quorum foi alterado pela superveniência da lei 11.1460/2007147.
Dentre as diversas disposições do Decreto nº. 5591/2005, que regulamenta a
lei de biossegurança, está a determinação no sentido de que as decisões da CTNBio serão
tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros, exceto nos processos de
liberação comercial de OGM e derivados, para os quais se exigirá que a decisão seja tomada
com votos favoráveis de pelo menos dois terços dos membros.
Não obstante, a lei 11.460/2007 estabeleceu a diminuição do número de
votos necessário para validar as decisões da Comissão para os processos de liberação
comercial de OGM e seus derivados. Para o deputado Paulo Pimenta, relator do projeto de lei
de conversão da medida provisória nº. 327 de 2006, posteriormente convertida na lei
145
As atribuições do Conselho serão detalhadas em tópico posterior.
Cf. art 3º, inciso V do Decreto 1752/95.
147
A alteração do quorum de votação da CTNBio, na visão dos ambientalistas, implica na possibilidade de maior
celeridade na liberação de transgênicos, que deverá ocorrer em maior número. ARAÚJO, José Cordeiro de;
DOLABELLA, Rodrigo H. C. Transgênicos, biossegurança e Congresso Nacional. Revista Plenarium,
Brasília, ano 4, n. 4, p. 198-213, jun. 2007.
146
99
11.460/2007, a redução dos impasses provocados pelo quorum anteriormente estabelecido, no
âmbito da CTNBio, justifica a diminuição do quorum, de dois terços de seus membros
(dezoito votos favoráveis) para maioria absoluta (quatorze votos favoráveis)148.
Os argumentos utilizados na ocasião apontam para o fato de que a
disposição da lei de biossegurança fazia prevalecer a vontade da minoria, já que esta era
determinante para o deferimento ou não da liberação comercial, enquanto que a alteração do
texto legal, por meio da mudança do quorum de votação, apenas fez privilegiar a vontade da
maioria dos membros da CTNBio. Assim como no Congresso Nacional, a lei impôs a
preponderância da vontade da maioria149.
Exemplo da necessidade de alteração da lei foi o caso da vacina transgênica
contra a doença Aujeszky, que acomete suínos. Muito embora a presença desta doença tenha
sido motivo de imposição de barreiras sanitárias por países importadores de carne brasileira,
148
Reprodução do atual texto legal pontua:
Art. 3o - O art. 11 da Lei no 11.105, de 24 de março de 2005, passa a vigorar acrescido do seguinte § 8o-A:
“Art. 11
[...]
§ 8o-A As decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus
membros”. (ex vi BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do
art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades
que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre
a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>. Acesso em: 04 jun. 2007.
149
Essa alteração resgata, em parte, a intenção dos parlamentares quando da apreciação do Projeto de Lei de
Biossegurança no Congresso Nacional. Naquela ocasião, foi aprovado o quorum da maioria dos presentes à
reunião, desde que respeitado o mínimo de catorze presentes para a sua instalação. Na prática, o número
mínimo de votos para deliberações seria de apenas oito membros, considerando-se a metade de catorze mais
um. Tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, sob o argumento de que “não havia
razoabilidade para que questões polêmicas e complexas que afetam a saúde pública e o meio ambiente
fossem decididas por apenas oito brasileiros [...]”. Assim, estabeleceu-se por meio do Decreto Presidencial
nº5.591, de 2005, que regulamentou a Lei de Biossegurança, o quorum atualmente em vigor, de dois terços
dos membros da Comissão Técnica.
Todavia, a experiência da aplicação do disposto no Decreto tem demonstrado que essa exigência de dois
terços para liberação comercial restringe sobremaneira as deliberações da CTNBio. Mais que isso, pequeno
número de votos contrários impede a aprovação de produtos da engenharia genética, muitos fundamentais
para o avanço do agronegócio brasileiro. BRASIL. Medida Provisória nº 327 de 2006. Mensagem nº 914.
Dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação, acrescenta
dispositivos à Lei nº 9985 de 18 de julho de 2000 e dá outras providências. Relator: Deputado Paulo Pimenta.
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/deputados/index.html/loadFrame.html>. Acesso em: 10 out.
2007.
100
em novembro de 2006, por 17 (dezessete) votos favoráveis e apenas 4 (quatro) contrários, o
pedido da multinacional Shering-Plough para comercialização da vacina foi negado. Decorre
disto que não obstante 81% de aprovação dos 21 (vinte e um) cientistas presentes à votação,
estes restaram derrotados, em função do elevado quorum exigido para aprovação.
A situação exposta acima revela o desafio imposto pela questão dos
transgênicos, quando da ponderação entre o avanço científico na área de biossegurança e
biotecnologia e a necessidade de proteção à vida, à saúde humana, animal e vegetal, além da
observância ao princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.
Após quase 10 anos de utilização da soja RR, sem verificação de qualquer
dano concreto ao meio ambiente ou à saúde humana, a Comissão mostrou-se merecedora
deste acréscimo de autonomia. Contudo, não se pode esquecer que por trás das razões
expostas em favor da redução do quorum, existem questões econômicas atreladas aos
interesses comerciais que devem ser sopesadas na avaliação de um caso concreto.
Relativamente à segurança alimentar dos consumidores, a lei de
biossegurança trouxe a preocupação de determinar a rotulagem de produtos que contenham
OGM (art. 40)150, já prevista por Decreto (4680/2003), com vistas ao cumprimento do direito
de informação ao consumidor. Mediante esta determinação, os produtos que contenham ou
sejam produzidos a partir de ingredientes transgênicos devem ser rotulados segundo critérios
constantes em regulamentação.
150
“Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham
ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos,
conforme regulamento”. BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do
§ 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de
atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho
Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio,
dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a
Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814,
de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>. Acesso em: 04 jun. 2007.
101
A forma convencionada para a identificação de transgênicos pelas empresas
que devem atender a aludida determinação, configura o principal óbice à concretização do
direito à informação, conforme idealizado pelo Decreto 4680/2003.
O símbolo dos transgênicos, estabelecido pela Portaria nº 2.658 de 22 de
dezembro de 2003 do Ministério da Justiça151 é apontado como discriminatório152 dos
produtos oferecidos ao consumidor, que diante da verificação do símbolo, pode entender que
sua segurança alimentar esteja ameaçada em função da presença de ingredientes
geneticamente modificados, os quais desconhece e, assim, optar por produtos que não o
contenham, comprometendo a saída de produtos contendo transgênicos em sua composição.
Segue, por oportuno, a ilustração do símbolo dos transgênicos:
FIGURA 7 – SÍMBOLO DOS TRANSGÊNICOS
Ademais destas constatações, a lei de biossegurança permitiu o registro de
alimentos que tivessem obtido decisão técnica favorável da CTNBio para comercialização até
a entrada em vigor da lei153, o que por sua vez permitiu o registro da soja RR, autorizada pela
151
BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria GM nº 2.658 de 22 de dezembro de 2003. Define o símbolo e
regulamenta o emprego do símbolo transgênico. Relatório Final da Consulta Pública. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/main.asp?View={4521CE7B-732B-40EB-B529-F9200C365E93>. Acesso em: 12
jan. 2008.
152
O advogado e doutrinador Paulo de Bessa Antunes chega a afirmar que a administração pública teria buscado
criar um símbolo com lembrança visual daqueles que indicam perigo no trânsito ou perigo nuclear. Afirma
ainda que “a Portaria do Ministério da Justiça é informação inadequada, pois vincula os produtos contendo
OGM a símbolos de perigo e risco”. ANTUNES, Paulo de Bessa. Rotulagem de produtos transgênicos.
Disponível
em:
<http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=pba12&pos=5.7&lng=pt>.
Acesso em: 12 jan. 2008.
153
“Art. 30. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a sua liberação comercial até a
entrada em vigor desta Lei poderão ser registrados e comercializados, salvo manifestação contrária do
CNBS, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da publicação desta Lei”. BRASIL. Lei 11.105 de 24
102
CTNBio desde 1998, com convalidação dos registros provisórios concedidos por ocasião da
MP 131 (convertida na Lei 10814/2003), tornando permanente seu registro no Registro
Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura154.
Por disposição do art. 35 da lei, ficam autorizadas a produção e a
comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificada tolerantes a
glifosato, previamente registradas no Registro Nacional de Cultivares, com destaque para a
soja RR, primeiro produto transgênico autorizado pela CTNBio para liberação comercial155.
Por fim, o art. 36 consagra a legalidade dos plantios clandestinos de soja
RR, conforme ocorrido com a edição da MP 113, mediante a autorização para plantio de grãos
de soja geneticamente modificada tolerante a glifosato reservadas pelos produtores para uso
próprio na safra 2004/2005156.
Conforme observado pela análise comparativa da atual lei de biossegurança
com a lei 8974/95, os ajustes demandados em função do episódio da liberação da soja GM
foram realizados mediante o favorecimento da situação de fato, que consistia na remediação
dos efeitos provocados pelo plantio ilegal da soja.
Também as atribuições deferidas à CTNBio, pela atual lei de biossegurança,
sugerem o atendimento às demandas dos setores que propugnavam por maior flexibilidade na
de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente
modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança
– PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de
2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105
.htm>. Acesso em: 04 jun. 2007.
154
“Art. 34. Ficam convalidados e tornam-se permanentes os registros provisórios concedidos sob a égide da Lei
no 10.814, de 15 de dezembro de 2003”. Ibidem.
155
ARAÚJO, José Cordeiro de; DOLABELLA, Rodrigo H. C. Transgênicos, biossegurança e Congresso
Nacional. Revista Plenarium, Brasília, ano 4, n. 4, p. 198-213, jun. 2007.
156
BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da
Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre
a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>. Acesso em: 04 jun. 2007.
103
liberalização dos transgênicos. Contudo, é necessário análise pormenorizada da prática
observada nos processos de liberação dos produtos transgênicos, para então concluir com
segurança acerca dos efeitos da lei 11.105/2005 sob a realidade dos transgênicos no país.
c) Definição de competências da Lei de Biossegurança
No que tange à regulamentação das atividades que envolvam transgênicos, a
lei 11.105/2005 mostra-se relativamente abrangente nas suas atribuições. Com vistas a
abordar os principais aspectos da lei, relacionados à segurança das atividades que envolvam
OGM, a análise do texto legal será procedida mediante divisão dos assuntos cardeais que
orientam o disciplinamento da norma.
Sendo assim, pode-se dividir a extensão da lei de biossegurança nos
seguintes tópicos: 1) das atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados; 2) das
proibições no âmbito das atividades relacionadas à OGM; 3) da criação de órgãos para a
implementação da Política Nacional de Biossegurança;
1) das atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados
No que se refere às atividades e projetos que envolvam OGM e seus
derivados, a lei diferencia, inicialmente, a atividade de pesquisa157 da atividade de uso
157
Art. 1º
[...]
§ 1o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de pesquisa a realizada em laboratório, regime de
contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de avaliação da
biossegurança de OGM e seus derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a
manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a liberação no meio
ambiente e o descarte de OGM e seus derivados. BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta
os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e
mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e
seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a
Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts.
5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm. Acesso em: 03 set. 2007.
104
comercial de OGM e seus derivados158. No que tange às atividades relacionadas à pesquisa,
ensino, desenvolvimento tecnológico e produção industrial, que envolvam OGM e seus
derivados, a lei veda a atuação autônoma de pessoas físicas e restringe o âmbito de atuação
com OGM a entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela observância
da lei e pelas conseqüências de seu descumprimento. Nos termos da lei, esta limitação não se
estende às atividades relacionadas ao uso comercial de OGM e seus derivados
159
.
Tendo em vista a efetiva responsabilização pelos efeitos do descumprimento
da lei, o texto legal impõe a necessidade de autorização da CTNBio para a realização das
atividades previstas na lei e a exigência do Certificado de Qualidade em Biossegurança
(CQB), sob pena de co-resposabilidade das organizações financiadoras ou patrocinadoras de
atividades ou de projetos referidos na lei (art. 2º §§ 3º,4º).
2) das proibições no âmbito das atividades relacionadas à OGM
A lei proíbe a destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus
derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades
158
Art. 1º
[...]
§ 2o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de uso comercial de OGM e seus derivados a que não se
enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da
transferência, da comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da
liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais. (grifo nosso) LEI 11.105
159
Nos termos da lei:
“Art. 2º As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com
manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção
industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis
pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas eventuais conseqüências ou
efeitos advindos de seu descumprimento. (grifo nosso)
[...]
§2º As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação autônoma
e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.”
(grifo nosso). BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art.
225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre
a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>. Acesso em: 04 jun. 2007.
105
de registro e fiscalização. De igual maneira, a lei veda a liberação no meio ambiente de OGM
ou seus derivados, no âmbito das atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da
CTNBio; nos casos de liberação comercial, a vedação é imposta quando ausente o parecer
técnico favorável da Comissão ou o licenciamento do órgão ou entidade ambiental
responsável, nos casos em que a CTNBio considere a atividade potencialmente causadora de
degradação ambiental; ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS,
quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma da Lei e de sua regulamentação. (art.
6º, inc. V, VI).
Relativamente à responsabilidade civil e administrativa decorrentes do
descumprimento do texto legal, a lei determina que sem prejuízo da aplicação das penas
previstas na Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão,
solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência
de culpa, configurando, pois uma responsabilidade civil objetiva (art. 20).
3) da criação de órgãos para a implementação da Política Nacional de
Biossegurança
A lei de biossegurança cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS),
vinculado à Presidência da República, órgão de assessoramento superior do Presidente da
República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNB
(art. 8º). Cumpre ressaltar que a importância do CNBS é simbólica, representada pela criação
de uma instância política, acima das instâncias técnicas, regida por uma racionalidade social.
Nesta instância política encontra-se um fórum além do técnico, que garante que mesmo
quando existe consenso cientifico sobre um determinado tema, pode haver interdição da
liberação por outras questões de interesse social e político.
106
Ao lado da criação do CNBS, a lei reestrutura a CTNBio, órgão cuja a
regulamentação consta do Decreto nº 5591/2005, estabelecendo sua composição,
funcionamento e suas competências. No que se refere aos órgãos e entidades de registro e
fiscalização, dispõe acerca da competência dos Ministérios e Secretarias responsáveis pelo
registro e fiscalização de OGM.
Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética ou
realizar pesquisas com OGM e seus derivados deverá criar uma Comissão Interna de
Biossegurança - CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para cada projeto
específico (art. 17). Ao Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, caberá a gestão das
informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e
acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados (art. 19).
Toda essa estrutura existe para auxiliar o controle das atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados. Contudo, na prática pouco se observou
sobre a fiscalização e o controle necessários ao cumprimento das normas de segurança
estabelecidas160. Os reflexos do advento da lei de biossegurança sobre a governança pública e
privada da soja transgênica serão oportunamente analisados, em tópico específico.
3.1.3 A GESTÃO DOS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS PELOS
ÓRGÃOS PÚBLICOS
A atuação dos órgãos públicos nos diversos processos decorrentes da
questão dos transgênicos é de fundamental relevância na análise da tônica da governança
pública. Neste sentido, é imperiosa a definição da competência dos órgãos públicos na
avaliação, controle e fiscalização dos novos produtos, bem como a análise da articulação entre
os diversos órgãos na promoção da biossegurança.
160
Basta apontar a ausência de efetivação das decisões da CTNBio, em razão de sobrestamento judicial, e do
acompanhamento dos monitoramentos exigidos por ocasião das liberações.
107
Trata-se de uma análise de bastidores, a ser complementada pelo estudo das
interações entre atores da cadeia produtiva da soja, no âmbito privado. Neste sentido, o
presente tópico tem por finalidade estabelecer a articulação dos diversos órgãos que compõem
a estrutura organizacional da governança pública de OGM, com vistas a identificar o grau de
transparência, publicidade e informação desses órgãos, bem como as medidas que integram os
procedimentos de segurança quanto aos organismos geneticamente modificados.
Para tanto, o estudo da estrutura organizacional da governança pública será
dividida em dois tópicos: I) análise dos órgãos responsáveis pela avaliação da biossegurança;
II) análise dos órgãos responsáveis pela concessão de propriedade intelectual. No primeiro
tópico enquadram-se o CNBS, a CTNBio, as CIBios e os Ministérios, com vistas a percepção
das exigências burocráticas perante os órgãos públicos para a regulamentação das pesquisas e
das liberações de OGMs. Para fins de averiguação do cumprimento de princípios relativos aos
direitos do consumidor, entrará nesta análise também a atuação da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária – ANVISA, órgão responsável pela fiscalização de produtos alimentares
com vistas à preservação da saúde humana. No segundo tópico, a análise restringe-se aos
procedimentos junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI e ao Serviço
Nacional de Proteção de Cultivares - SNPC, de maneira instrumental, tendo em vista o estudo
das relações privadas em tópico posterior.
I) Órgãos responsáveis pela avaliação da biossegurança
A CTNBio é órgão integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia,
incumbida da avaliação acerca da biossegurança das atividades que envolvam OGM. Para
tanto, compete à Comissão a análise e controle das estruturas nacionais de pesquisa, a
proposição da Política Nacional de Biossegurança, dentre outras atribuições. A Comissão é
responsável também por emitir normas, a serem observadas por todas as entidades que lidam
108
com OGM, relativamente às atividades que envolvem manipulação, pesquisa, cultivo,
liberação e comercialização de organismos geneticamente modificados.
A natureza jurídica de suas normas é de instrução normativa, que como toda
norma desta natureza, está abaixo da Constituição Federal, das leis nacionais, dos decretos e
de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Não obstante, as
normas criadas pela CTNBio, devem ser atendidas por todas as entidades que lidam com
organismos geneticamente modificados, pelos ministérios envolvidos e pelas autoridades
nacionais.
As principais atribuições da CTNBio são161:
- formulação de normas
- certificação e controle das estruturas de pesquisa em biotecnologia
- exigência de estudos de impacto ambiental
- autorização de pesquisas em contenção
- emissão de pareceres sobre a liberação de organismos geneticamente
modificados no meio ambiente.
Tendo em vista a classificação acima, proceda-se ao detalhamento das
competências da CTNBio:
- Competência para formulação de normas
A CTNBio exerce seu poder de formulação de normas por meio de
instruções normativas com grande poder de alcance, abrangendo a regulação de atividades e
projetos que contemplem construção, cultivo, manipulação, uso, transporte, armazenamento,
comercialização, consumo, liberação e descarte relacionados a organismos geneticamente
modificados. Ressalte-se que é vedado à CTNBio emitir instruções normativas que versem
161
VARELLA, Marcelo Dias. O tratamento jurídico-político dos OGM no Brasil. In: VARELLA, Marcelo Dias;
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Del Rey,
2005. p. 3-60.
109
sobre matéria penal (a ser feito por leis, cf. Art. 5º, XXXIX, CF/88) e sobre direitos
individuais, que são indelegáveis (art. 68 §1º, II, CF/88).
- Competência para a certificação e controle das estruturas de pesquisa em
biotecnologia
Uma vez que a CTNBio tem por objetivo aumentar a capacitação das áreas
de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com vistas a maximizar a proteção humana,
dos animais, das plantas e do meio ambiente, a ela cumpre a emissão de autorização de
funcionamento para atividades relativas ao estudo e à prática de pesquisas com OGMs. Para
tanto, a CTNBio emitirá Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB, que
condicionará a instituição de pesquisa ou empresa a estabelecer procedimentos de segurança
em caso de urgência, sob o acompanhamento de uma Comissão Interna de Biossegurança –
CIBio162.
- Competência para exigir estudos de impacto ambiental
A CTNBio tem competência discricionária, definida em lei163, subsidiada
pelo artigo 225 §1º da CF/88, para exigir Estudos de Impacto Ambiental (EIA), sem prejuízo
da competência de todos os outros órgãos relacionados com o tema. Isto porque a disposição
constitucional relativa à exigência do EIA se refere àquelas atividades capazes de causar
162
A CIBio contribui para um melhor controle das atividades em andamento pelo Poder Público além de zelar
para que as normas internas sejam cumpridas e seus membros co-responsáveis pelas informações prestadas
juntamente com os pesquisadores e com os membros da CTNBio, na medida da sua culpa.
163
Conforme consta no art. 16 § 3º da Lei de Biossegurança:
“Art. 16
[...]
§ 3o A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou
efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento
ambiental”. BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art.
225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre
a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de
dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2005/Lei/L11105.htm. Acesso em: 03 set. 2007
No mesmo sentido, é o Art. 54 do Decreto 5591/2005.
110
significativa degradação ambiental. Uma vez que a Constituição Federal remeteu ao
legislador ordinário a incumbência de qualificar o que seja significativo, é legítimo à CTNBio
proceder a esta qualificação, tendo em vista ainda a especificidade da lei de biossegurança, no
que tange ao tratamento de OGM.
- Competência para a autorização de pesquisas em contenção164
No caso de realização de pesquisas de campo para análise do
comportamento dos organismos em ambiente semi-aberto, caberá à Comissão zelar pela
segurança do local e verificar o uso adequado dos instrumentos de controle, além da
possibilidade de sancionar os infratores.
- Competência para emissão de pareceres sobre a liberação de OGM no
meio ambiente
A CTNBio deverá elaborar parecer acerca da liberação e comercialização do
OGM, após devidamente medidos os seus riscos de impacto no meio ambiente. Com vistas a
orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e fiscalização competentes, a decisão
técnica da CTNBio deverá ser fundamentada tecnicamente e conter explicação acerca das
medidas de segurança e eventuais restrições ao uso do OGM e seus derivados165.
No caso de decisão favorável da CTNBio, acerca da biossegurança no
âmbito da atividade de pesquisa, o processo será remetido aos órgãos de registro fiscalização
para o exercício de suas atribuições.166 Observe-se que “quanto aos aspectos de biossegurança
de OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades
da administração”167.
164
Neste caso, o pesquisador principal remete o pedido de autorização de trabalho em contenção ao responsável
legal da entidade, que assina e o envia à CIBio. Esta, de acordo, encaminha o pedido à CTNBio para
verificação das condições, deferimento ou não, conforme a satisfação dos requisitos legais e técnicos.
165
Nos termos do art. 40 do Decreto 5591/2005.
166
Ex vi art. 39 do Decreto 5591/2005.
167
Cf. art. 37 do Decreto 5591/2005.
111
O Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS tem previsão legal no art.
8º da Lei 11.105/2005. Criado com o objetivo de assessorar o Presidente da República na
formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança, o Conselho foi instituído
em 27 de maio de 2005. Não obstante a atribuição da CTNBio para liberar o cultivo de
sementes geneticamente modificadas no país, caso algum órgão do governo, encarregado da
gestão de OGM, não concorde com a decisão da Comissão, a decisão final será dada pelo
Conselho Nacional de Biossegurança.
O Conselho é órgão colegiado formado pelos ministros e presidido pela
Casa Civil. O CNBS decidirá politicamente sobre a conveniência socioeconômica da
liberação comercial de OGM, nos casos em que a CTNBio o requerer, e dará a decisão final
no caso de divergência entre os diferentes órgãos competentes no processo administrativo de
liberação comercial (art 16 § 7º lei 11.105/2005), além de fixar princípios gerais que nortearão
as pesquisas. Pode-se afirmar, portanto, que o Conselho dilui o poder da CTNBio,
funcionando como mediador dos interesses dos Ministérios.
Ainda no âmbito da CTNBio, cumpre ilustrar a determinação legal para a
criação de Comissão Interna de Biossegurança (CIBio)
168
168
, direcionada a toda entidade de
Art. 18. Compete à CIBio, no âmbito da instituição onde constituída:
I – manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade, quando suscetíveis de serem
afetados pela atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os
procedimentos em caso de acidentes;
II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua
responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação
desta Lei;
III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, para
efeito de análise, registro ou autorização do órgão competente, quando couber;
IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento que
envolvam OGM ou seus derivados;
V – notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e às
entidades de trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas,
bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico;
VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM e seus
derivados e notificar suas conclusões e providências à CTNBio. BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de
2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de
segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados
– OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB,
revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e
112
pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico que utilize técnicas e métodos de
engenharia genética. Cada instituição que atenda à esta descrição deverá ainda indicar um
técnico principal responsável para cada projeto específico169.
As Comissões Internas de Biossegurança são o principal elo entre a
atividade desenvolvida pelas instituições autorizadas e a CTNBio, bem como entre os
funcionários da própria instituição e a sociedade civil, porquanto elas alimentam o Sistema de
Informações em Biossegurança, que serve como um portal de esclarecimentos para a
sociedade civil. Ademais disto, as CIBios são responsáveis pelo monitoramento e vigilância
dos trabalhos de engenharia genética, manipulação, produção e transporte de OGMs e por
fazer cumprir a regulamentação de biossegurança.
Pode-se dividir a competência da CIBio em quatro modalidades170:
normatização; avaliação; controle e informação. A competência de normatização impõe a
observância às normas institucionais, que não podem ser contrárias às instruções normativas
da CTNBio ou às demais normas nacionais. A CIBio é responsável pela fixação de normas de
procedimento para cada modalidade de pesquisa e também pelo controle da aplicação das
normas, podendo indicar possíveis infrações, para que sejam punidos os seus infratores.
A competência de avaliação possibilita a análise da adequação da instituição
às normas gerais. A CIBio também encaminha à CTNBio o pedido assinado pelo responsável
legal, relativo à emissão dos Certificados de Qualidade em Biossegurança - CQB, verificando
se o que está no pedido está de acordo com a realidade da instituição e, nesta medida, torna-se
co-responsável pela veracidade dos fatos. Registre-se que o referido atestado de qualidade em
os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm. Acesso em: 03
set. 2007.
169
A CIBio, bem como o pesquisador principal se tornam solidariamente responsáveis civil, criminal e
administrativamente pelas atividades desenvolvidas.
170
VARELLA, Marcelo Dias. O tratamento jurídico-político dos OGM no Brasil. In: VARELLA, Marcelo Dias;
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Del Rey,
2005. p. 3-60.
113
biossegurança configura pré-requisito para autorização de funcionamento da instituição de
pesquisa, e deverá ser encaminho à CTNBio, que mediante análise, defere ou não a emissão
do certificado.
O controle refere-se à verificação da observância, pela instituição, das
normas internas, estaduais e nacionais de biossegurança. A ação preventiva de acidentes, por
sua vez, diz com a identificação de riscos existentes e elaboração de procedimentos para
evitar acidentes, danos ao meio ambiente, à saúde humana e animal.
A competência de informação, compreendida em sentido amplo, implica em
informar aos funcionários as regras existentes em nível institucional e extra-institucional, bem
como promover atividades de treinamento e capacitação dos funcionários.
A comunicação com os órgãos superiores refere-se à comunicação com a
Comissão informando acerca do nível da qualidade de condições da instituição, sob pena de
se tornar co-responsável em caso de risco de dano ou dano concreto. Sua competência se
restringe à comunicação das novas condições e não o seu julgamento, que ficará a cargo da
CTNBio, que por sua vez, decidirá se mantém ou se retira a autorização de funcionamento.
A CIBio é responsável também pela emissão de parecer avaliativo para fins
de subsidiar o parecer técnico conclusivo da CTNBio, em caso de disseminação planejada de
OGM171. O registro de documentos, também a cargo da CIBio, diz com a construção de um
histórico das atividades exercidas no âmbito institucional, com vistas ao acompanhamento
mais eficaz das atividades desenvolvidas.
Feitas as considerações acerca das atribuições da CTNBio e das CIBios,
passa-se à análise do papel dos Ministérios na governança pública dos transgênicos. A Lei de
171
“Para que um projeto de pesquisa seja autorizado, necessita de um parecer de qualidade em biossegurança.
Em seguida, pode ser necessária a importação de material biológico para pesquisa. Enfim, a realização de
trabalhos em contenção. Todas essas atividades mereceram tratamentos específicos, com procedimentos
burocráticos indispensáveis que devem ser autorizados pela Comissão Interna, em muitos casos, mas
também pela Comissão Nacional, conforme o grau de risco envolvido”. VARELLA, Marcelo Dias. O
tratamento jurídico-político dos OGM no Brasil. In: VARELLA, Marcelo Dias; BARROS-PLATIAU, Ana
Flávia (Org.). Organismos geneticamente modificados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p.43.
114
Biossegurança, em seu art. 16, procede à ressalva de que um mesmo organismo pode
necessitar da aprovação de diversos ministérios, órgãos, secretarias, antes de ser liberado.
De maneira geral, ao Ministério da Agricultura caberá a apreciação dos
OGM destinados à agricultura, pecuária ou agroindústria. Ao Ministério da Saúde, por sua
vez, caberá avaliar os produtos destinados ao consumo humano. Ao Ministério do Meio
Ambiente, cabe a liberação de OGM na natureza sempre que houver impacto ambiental.
O poder de fiscalização dos Ministérios é exercido através de instituições
vinculadas a cada Ministério, conforme a matéria designada para fiscalização. A Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, por exemplo, é órgão vinculado ao Ministério da
Saúde, responsável pela regulamentação, controle e fiscalização de produtos e serviços que
envolvam riscos à saúde pública172. Na ocasião da polêmica causada pela liberação da soja
transgênica, incertezas no âmbito político, jurídico e normativo obstavam a solução do
problema de forma definitiva. No que se refere ao âmbito político, a omissão estatal diante da
constatação de plantio ilegal da soja RR, não obstante as denúncias ocorridas à época, teria
sido responsável pelo clima de ilegalidade provisória dos transgênicos173.
Neste cenário, o papel dos Ministérios era essencial na função de
fiscalização que lhes cabia, o que, entretanto, não ocorreu de forma satisfatória. Tendo em
vista o plantio ilegal, era responsabilidade dos órgãos de fiscalização dos Ministérios do Meio
Ambiente, da Saúde e da Agricultora, Pecuária e Abastecimento, garantir a segurança
172
Conforme anexo I do Regimento interno da ANVISA: “Art. 1º. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA, autarquia especial vinculada ao Ministério da Saúde, criada pela Lei n.º9.782, de 26 de janeiro de
1999, regulamentada pelo Decreto n. 3.029, de 16 de abril de 1999, tem por finalidade institucional promover
a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de
produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e
das tecnologias a eles relacionados, e de portos, aeroportos e fronteiras.” BRASIL. Agência Nacional de
Vigilância Sanitária. Portaria nº 354, de 11 de agosto de 2006. Versão Republicada em 21 ago. 2006.
Disponível em: <http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=23441&word=>. Acesso em: 20
set. 2007.
173
A omissão estatal referida é verificada, seja pela ausência de fiscalização que pudesse impedir as primeiras
plantações clandestinas de soja, seja pela liberação das safras subseqüentes ao descobrimento do plantio
ilegal.
115
necessária à liberação de OGMs no meio ambiente e à comercialização de alimentos
transgênicos, haja vista a competência legal que detinham.
Nenhum dos ministérios cumpriu adequadamente o papel previsto na lei
(8974/95, art. 7º). Atribui-se a deficiência da fiscalização à carência de recursos humanos e de
estrutura, uma vez que este campo de atuação exige infra-estrutura de alta tecnologia com
vistas a garantia de segurança à saúde do consumidor e a integridade do meio ambiente174.
Diante do estágio avançado do plantio de transgênicos no país, várias
medidas provisórias foram editadas a fim de evitar o prejuízo dos agricultores, o que
possibilitou a disponibilidade de produtos com composição transgênica nos mercados. Esta
situação resultou na posterior regulamentação do direito de informação quanto aos produtos
produzidos a partir de OGMs, assegurado pela lei 8078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), por meio do Decreto 4680/2003.
Tendo em vista a emissão do Decreto, sua efetividade na fiscalização de
alimentos e ingredientes alimentares, destinados ao consumo humano ou animal, que
contivessem ou fossem produzidos a partir de organismos geneticamente modificados estava a
depender de regulamentação, o que se deu por meio da Instrução Normativa Interministerial
nº 01 de 1º de abril de 2004. Nesta ocasião, a atribuição da competência para fiscalizar foi
designada à ANVISA, sem prejuízo dos demais órgãos competentes175.
174
FARIA, Carmen Rachel S. M. Polêmica dos transgênicos: aspectos técnicos, legais e econômicos. Disponível
em: <http://www.senado.gov.br/conleg/artigos/politicasocial/ApolemicadosTransgenicos.pdf>. Acesso em:
24 set. 2007.
175
Conforme teor do artigo 2º da IN 01: “Art. 2o A fiscalização do cumprimento do Regulamento Técnico de
que trata o art. 1o será exercida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pelo Ministério da Justiça e demais autoridades estaduais e
municipais, no âmbito de suas respectivas competências.
Parágrafo único. Os órgãos identificados no caput prestarão colaboração recíproca para a consecução dos
objetivos definidos nesta Instrução Normativa.” BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Instrução
normativa interministerial n. 1. Disponível em: <http://www.transgenicos.pr.gov.br/modules/conteudo/
conteudo.php?conteudo=16>. Acesso em: 24 set. 2007.
116
A comercialização do produto da soja transgênica passou então a integrar a
pauta do debate acerca dos transgênicos176. Não obstante as diversas denúncias acerca da
presença de componentes transgênicos nas prateleiras dos supermercados, especialmente de
soja, pouco se observou, à época, da atuação da Agência de Vigilância Sanitária no caso in
concreto177.
A situação parece ter sido revertida após a conformação do problema.
Recentemente, em 27 de julho de 2007, a ANVISA editou nota acerca da Consulta Pública nº
63178, a ser disponibilizada com vistas a definir padrões para procedimentos de avaliação de
segurança de alimentos contendo transgênicos, tendo em vista sua incumbência em proteger a
saúde
da
população
de
possíveis
riscos
decorrentes
de
alimentos
modificados
geneticamente179.
De acordo com a nota divulgada, os critérios técnicos previstos na consulta
pública subsidiarão a atuação da ANVISA junto a Comissão de Biossegurança em Saúde180
176
Nesta ocasião, a responsabilidade pela fiscalização de alimentos e de defesa do consumidor era apontada aos
órgãos de vigilância sanitária – como a ANVISA, e de agricultura (a exemplo do MAPA e secretarias
estaduais e municipais de agricultura), no que se refere aos alimentos, e ao Departamento de Proteção e
Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e os PROCONs estaduais e municipais.
177
MARINHO, Carmem L. C.; MINAYO-GOMEZ, Carlos. Decisões conflitivas na liberação dos transgênicos
no Brasil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 3, jul./set. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000300011&script=sci_arttext>. Acesso em: 28 set.
2007.
178
A ementa da consulta n. 63 dispõe, ypis litteris: “Proposta de Regulamento Técnico que dispõe sobre os
Procedimentos Para a Avaliação de Segurança, Para o Consumo Humano, de Alimentos Contendo ou
Consistindo de Organismo Geneticamente Modificados e de alimentos contendo ou consistindo de produtos
derivados de animais alimentados com OGM ou com seus produtos derivados.
Fica aberto, a contar da data de publicação desta Consulta Pública, o prazo de 60 (sessenta) dias para que
sejam apresentadas críticas e sugestões relativas à proposta de Regulamento Técnico que dispõe sobre os
Procedimentos Para a Avaliação de Segurança, Para o Consumo Humano, de Alimentos Contendo ou
Consistindo de Organismo Geneticamente Modificados e de alimentos contendo ou consistindo de produtos
derivados de animais alimentados com OGM ou com seus produtos derivados, em anexo”.
179
De acordo com a Lei de Biossegurança (nº 11.105/05), a liberação comercial de OGM e derivados é
competência da CTNBio, respeitadas as competências legais de fiscalização e regulamentação de outras
instituições federais. Por isso, no caso dos transgênicos, o processo de liberação comercial passa por análise
da CBS, da qual a Anvisa é membro permanente. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Alimento geneticamente modificado: critérios garantirão mais segurança. Brasília: Assessoria de imprensa da
Anvisa, 2007. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2007/240707.htm> . Acesso em 27
set. 2007.
180
Instituída no âmbito do Ministério da Saúde pela portaria nº 343/GM em 19 de fevereiro de 2002.
117
(CBS) do Ministério da Saúde. A pedido da CTNBio181, o processo de liberação comercial
dos transgênicos passa por análise da CBS, Comissão da qual a ANVISA é membro
permanente. O relatório resultante da consulta pública servirá de auxílio técnico à CBS, na
sua função de proceder ao levantamento e à análise das questões referentes a biossegurança,
visando identificar seus impactos e suas correlações com a saúde humana182.
Cumpre destacar, que o índice adotado pelo governo para a rotulagem (1%)
é baixo, relativamente à disposição internacional a respeito183, e por isso capaz de captar
níveis de contaminação, ou seja, sujeito a alegação, por parte das indústrias, no sentido de
haverem comprado soja comum, que no entanto, teria se contaminado quando do transporte
em local onde havia anteriormente transgênico. Esta situação configura verdadeiro óbice a
fiscalização eficaz por parte da Agência, responsável pela coleta e análise do produto em
laboratório para verificação da presença e quantidade de soja GM.
Ademais disto, a ausência de percepção, pelo consumidor, dos produtos
disponíveis no mercado com composição transgênica, gera uma sensação de insegurança em
relação ao processo de rotulagem, que macula sua credibilidade junto à sociedade civil. Não
obstante, em defesa da eficácia do processo de rotulagem de produtos que contenham OGM
acima de 1% em sua composição, argumenta-se no sentido de que tendo em vista a
porcentagem estabelecida pelo Decreto 4680/2003 para a determinação da rotulagem, torna-se
realmente difícil encontrar produtos rotulados como tal. Exemplo disso é a composição do
óleo de soja, que em razão de seu processamento, não dispõe de concentração suficiente de
ingredientes transgênicos para se exigir a rotulagem (ANEXO B).
181
182
183
Isso porque conforme a lei de biossegurança, a liberação comercial de OGM e derivados é competência da
CTNBio, respeitadas, contudo, as competências legais de fiscalização e regulamentação de outras instituições
federais.
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Ciência e Tecnologia. Portaria 343/GM de 19 de fevereiro
de 2002. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sctie/decit/legislacao/343.htm>. Acesso em: 28 set.
2007.
Que recomenda a rotulagem a partir da presença de 4% de ingredientes transgênicos na composição do
produto.
118
Registre-se, por fim, que tendo em vista o histórico de omissão dos órgãos
públicos para com a fiscalização dos transgênicos e a avaliação de riscos à saúde humana, a
iniciativa da ANVISA em promover a interação da sociedade civil na formulação de normas
de interesse comum representa um avanço não apenas em função da efetiva preocupação com
a realidade dos transgênicos184, mas também pela viabilização da participação civil na
composição das políticas necessárias ao cabal tratamento da questão.
II) Órgãos responsáveis pela concessão de propriedade intelectual
A propriedade intelectual é gênero do qual são espécies os Direitos Autorais
(Lei 9610/98 e Lei 9609/98); o Direito de Propriedade Industrial (Lei 9279/96); e o Direito
das Obtenções Vegetais (Lei 9456/97). São metas da atribuição de patentes a proteção e
recompensa do autor, bem como o estímulo ao progresso industrial por meio da divulgação do
evento185. Nesta perspectiva, é incumbência do Estado a concessão da exclusividade de
exploração da invenção. No Brasil, o órgão estatal encarregado de expedir a carta patente é o
Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI186, autarquia federal vinculada ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que se dedica a executar as
leis que regulamentam a propriedade industrial.187.
184
A Consulta Pública 63 propõe 119 questões que permitirão avaliar se os dados apresentados pelos
interessados em obter liberação comercial de produtos com OGM comprovam ou não a segurança de uso
para o consumo humano. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Alimento geneticamente
modificado: critérios garantirão mais segurança. Brasília: Assessoria de imprensa da Anvisa, 2007.
Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2007/240707.htm> . Acesso em 27 set. 2007.
185
Anote-se a divergência existente acerca da titularidade do privilégio da invenção: o inventor propriamente
dito versus o requerente do privilégio, mormente o empregador, a empresa para a qual o inventor presta
serviços. Sobre este mister, salienta Del Nero: “O Estado garante o monopólio ao titular por intermédio da
concessão do privilégio de invenção, em troca da divulgação científica e tecnológica do invento. Portanto, é
da essência do funcionamento da patente o estímulo à produção técnico-científica. Verifica-se que o
pesquisador, que é o responsável pela concepção e pela realização da invenção, em virtude do processo de
expropriação legal que sofre, na prática, é desestimulado, pois não desfruta de vantagem econômica
nenhuma, a não ser sua remuneração”. DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade intelectual: a tutela
jurídica da biotecnologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 100.
186
Ibidem.
187
Conforme disposição do Decreto regulamentar 68.104/71 da Lei de criação do INPI (5.648/70).
119
A atuação do INPI é regulamentada pela Lei da Propriedade Industrial
(9279/96), substituta da lei 5772/71, antigo Código de Propriedade Industrial. O INPI deve
atuar em conformidade com o princípio da legalidade188, de maneira que deverá observar os
parâmetros fixados em lei para a outorga do privilégio de patente, sem qualquer margem de
liberdade quanto à concessão ou não. Assim, para que o inventor possa registrar seu invento
junto ao INPI, é necessário que sua invenção não figure no rol das proibições fixadas nos
artigos 10 e 18 da Lei 9279/96189. Anote-se que, uma vez concedida no Brasil, a patente
somente terá validade neste país, haja vista o critério territorial que orienta a concessão de
patentes. Deste modo, caberá ao titular do objeto de proteção adotar as medidas necessárias
para proceder ao registro no país que desejar.
Ademais, o Código de Propriedade Industrial dispõe no seu artigo 46 e
seguintes acerca da nulidade do privilégio de patente, conquanto não observadas as
disposições do referido diploma legal. A nulidade da patente poderá ocorrer via procedimento
administrativo (art. 50 da Lei 9279/96), caso em que a providência tomada não opera coisa
julgada, mas tão somente preclusão administrativa, podendo a decisão ser revista pelo Poder
Judiciário, ou diretamente pela via judicial (artigos 56 e 57 da Lei 9279/96) 190.
188
Importa consignar o reflexo do pós-TRIPS na estruturação do INPI. Antes da alteração do Código de
Propriedade Industrial pela lei 9279/96, o INPI era o órgão responsável pela aprovação dos termos de
contrato de transferência de tecnologia no país. No entanto, o Instituto foi reduzido pela lei de propriedade
industrial (9279/96), pós-TRIPS, a apenas um artigo, o 211, o que manifesta o alinhamento com os
princípios fixados nos contratos internacionais, objeto de análise em tópico posterior. Vide, por oportuno, a
dicção do artigo 211 do Código de Propriedade Industrial: “O INPI fará o registro dos contratos que
impliquem em transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares, para produzirem efeitos em
relação a terceiros”. Note-se que o artigo não fala em análise ou avaliação, mas somente registro dos
contratos. ACORDO TRIPS: acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual. Brasília: INESC,
2003. Texto baseado em palestra do professor Cícero Gontijo, em abril de 2002, na sede do INESC, em
Brasília.
189
Segundo dicção dos referidos artigos, presume-se que conquanto a hipótese de proteção não se afigure dentre
as proibições elencadas nestes dispositivos legais, todas as demais hipóteses poderão ser objeto de concessão
de patente, caso em que estarão, portanto, sujeitas ao reconhecimento e à proteção do Estado.
190
A ação de nulidade da patente poderá ser promovida pelo próprio INPI ou por qualquer pessoa interessada,
observado o disposto no artigo 46 e seguintes da Lei 9279/96. Registre-se que em se tratando de autarquia
federal, o INPI poderá rever seus atos a qualquer tempo, declarando a nulidade de patente sempre que se
afigure necessário, tendo em vista que eivada de nulidade a patente, o direito de monopólio não estará
legalmente constituído. DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade intelectual: a tutela jurídica da
biotecnologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
120
No que se refere à regulamentação da propriedade intelectual de obtenções
vegetais, seus procedimentos ocorrem no âmbito do Serviço Nacional de Proteção de
Cultivares. O SNPC foi instituído pela Lei 9456/97, com a incumbência de aplicar a lei e
acatar os pedidos de proteção de cultivares191, com vistas à garantia do livre exercício do
direito de propriedade intelectual dos obtentores de novas cultivares vegetais distintas,
homogêneas e estáveis192. O sistema relativo à proteção de cultivares impõe que desde que o
processo de obtenção de plantas não se restrinja a uma única etapa e, cumulativamente, não
seja um processo biológico natural e atenda aos três requisitos necessários, pode ser
protegido193.
Ainda no que tange a atuação do SNPC, a proteção dos direitos intelectuais
sobre a cultivar se opera mediante a Concessão de Proteção de Cultivar, único certificado
capaz de obstar a livre autorização de plantas ou de suas partes, de reprodução ou
multiplicação vegetativa no país (art. 2º).
O trâmite do pedido de patente supracitado, bem como as implicações no
contexto interno serão objeto de maior análise no tópico relativo às normas privadas de
governança. Assim também, a análise acerca da concessão dessas patentes, bem como do seu
cabimento perante o ordenamento jurídico nacional, constará em tópico específico referente
às regras de governança privada da soja geneticamente modificada.
191
Cultivar é uma variedade de qualquer gênero vegetal claramente distinta de outras variedades conhecidas e
que resulta de um trabalho de melhoramento genético. CARVALHO, José Maria Marques de;
EVANGELISTA, Francisco Raimundo. A lei de proteção de cultivares decodificada. Disponível em:
<http://www.bnb.gov.br/content/Aplicacao/ETENE/Rede_Irrigacao/Docs/A%20Lei%20de%20Protecao%20
de%20Cultivares%20Decodificada.PDF>. Acesso em: 08 out. 2007.
192
SERVIÇO NACIONAL DE PROTEÇÃO DE CULTIVARES. Informações aos usuários do SNPC..
Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/MAPA/SERVICOS/CULTIVARES/
PROTECAO/MENU_LATERAL_PROTECAO/INFORMA%C7%D5ES%20AOS%20USU%C1RIOS%20
DO%20SNPC.PDF. Acesso em 07 out. 2007.
193
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. INPI dá orientações na área de
biotecnologia.
Disponível
em:
<http://www5.inpi.gov.br/noticias/inpi-da-orientacoes-na-area-debiotecnologia>. Acesso em: 07 out . 2007.
121
3.2 GOVERNANÇA PRIVADA E AS REGRAS ENTRE PARCEIROS COMERCIAIS
3.2.1 ANÁLISE DA ESTRUTURA NORMATIVA INTERNACIONAL
a) Acordo TRIPS
A análise do sistema internacional de regras de biossegurança contempla
não apenas os aspectos referentes à proteção do meio ambiente e da saúde humana, mas
também a preocupação com questões econômicas relacionadas ao avanço da biotecnologia. A
abordagem dos organismos geneticamente modificados pela ótica econômica, na órbita
internacional, refere-se, basicamente ao tratamento dispensado à propriedade intelectual de
obtenções vegetais.
O Acordo TRIPS194 ou Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual
relativos ao Comércio, é fruto das discussões a respeito da propriedade intelectual no contexto
da Rodada Uruguai do GATT195. No Brasil, a adesão ao Acordo foi justificada tendo em vista
as pressões internacionais, especialmente em função das sanções comerciais impostas ao país
pelo Governo dos Estados Unidos196. As referidas sanções eram aplicadas sob o pretexto de
que os mecanismos legais de proteção da propriedade intelectual brasileiros eram
194
“O TRIPs foi o primeiro acordo de âmbito legal internacional sobre propriedade intelectual a cobrir a área de
biotecnologia agrícola. Está em vigor no Brasil desde janeiro de 1995. Esse acordo impôs requisitos mínimos
a nível global para os direitos de propriedade intelectual a serem reconhecidos e implementados pelos países
signatários – membros da Organização Mundial do Comércio (OMC)” GARCIA, Selemara Berckembrock
Ferreira. Reflexos da globalização sobre a lei de proteção de cultivares no Brasil. Juris Doctor: Revista
Jurídica Online, Ano 1, n. 1. Disponível em: <http://www.jurisdoctor.adv.br/revista/rev-01/art04-01.htm.
Acesso em: 29 set. 2007.
195
A Rodada Uruguai de 1986 foi estabelecida pelo GATT com o objetivo de rediscutir os temas relacionados ao
comércio internacional. As negociações foram encerradas em Montevidéu, em 1994, tendo sido aprovado ao
final da Rodada o texto do tratado TRIPS, já sob administração da Organização Mundial do Comércio
(OMC). YAMAMURA, Simone; SALLES FILHO, Sérgio Luiz Monteiro; CARVALHO, Sérgio Medeiros
Paulino de. Propriedade intelectual em tratados internacionais: controvérsias e reflexos sobre políticas
nacionais de CT&I. Disponível em: <http://www.cori.unicamp.br/IAU/completos/Propriedade%
20Intelectual%20em%20Tratados%20Internacionais%20Controversias%20e%20Reflexos%20sobre%20Polit
icas%20Nacionais%20de%20CTI.doc>. Acesso em: 30 set. 2007.
196
As sanções eram autorizadas com fundamento na Seção 301 da Lei de Comércio norte-americana (Trade Act
de 1974).
122
insuficientes e, portanto, impunham restrições indevidas nas relações comerciais com os
Estados Unidos.
A concepção do TRIPS, como resultado da Rodada Uruguai do GATT, foi
essencial à institucionalização de princípios gerais sobre propriedade intelectual, que
serviriam de base para o aprimoramento das legislações dos países signatários. Registre-se
que a adesão aos termos da Rodada Uruguai deveria ser integral, sob pena de exclusão do país
que não aderisse ao Acordo do novo sistema multilateral de comércio então instituído, a
Organização Mundial do Comércio – OMC197.
O TRIPS, em vigor no Brasil desde 1º de janeiro de 1995, contempla as
invenções biotecnológicas, impondo direitos de propriedade intelectual sobre a obtenção de
variedades vegetais. O Acordo possibilita aos Estados-Membros a escolha do sistema de
proteção de variedades vegetais por patentes ou por proteção de cultivares, tendo o Brasil,
dentre outros países em desenvolvimento, optado pelo sistema de proteção de cultivares, com
vistas à maior proteção aos agricultores e às empresas sementeiras nacionais198.
O Acordo TRIPS não discorre acerca da obrigação de patenteabilidade dos
genes, o que motivou a existência de duas interpretações possíveis: Os países mais inovadores
em biotecnologia conferem a patenteabilidade dos genes ao entendimento de que os genes são
moléculas químicas independentes da planta ou animal nos quais são ativos. Por sua vez,
outros Estados, adeptos ao sistema sui generis de proteção intelectual, consideram os genes
como parte da planta, uma vez que nada mais é que uma combinação das seqüências de DNA.
197
A OMC foi instituída pelo art. I da Rodada Uruguai do GATT, como foro internacional para solução de
controvérsias comerciais. Note-se que o ingresso do Brasil na OMC parecia fundamental, especialmente
diante da necessidade de amparo legal face à imposição unilateral de sanções comerciais, a exemplo das
impostas pelos Estados Unidos. Contudo, após a aprovação do TRIPS, os EUA já utilizaram a seção 301 três
vezes. Ainda que não o tenha feito contra o Brasil, nada impede que o faça se julgar necessário. ACORDO
TRIPS: acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual. Brasília: INESC, 2003. Texto baseado
em palestra do professor Cícero Gontijo, em abril de 2002, na sede do Inesc, em Brasília.
198
Conforme art. 27.3 do Acordo TRIPS:
“3. [...] Não obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja
por meio de um sistema "sui generis" eficaz, seja por uma combinação de ambos”. TRIPS: Acordo sobre
aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio. Disponível em:
<http://www.museu-goeldi.br/NPI/docs/TRIPS.doc>. Acesso em: 22 set. 2007.
123
De acordo com esse entendimento, a patenteabilidade dos genes não seria possível, haja vista
a patente indireta sobre a planta199.
A adoção da proteção de cultivares pelos países pouco inovadores justificase em função da ausência de direitos rígidos de propriedade intelectual sobre seus produtos,
tendo em vista a possibilidade de usar plantas geneticamente modificadas sem pagar taxas
excessivas. As características nucleares do sistema de proteção de cultivares no Brasil são, em
linhas gerais: pagamento devido ao titular da invenção somente na primeira comercialização;
a pesquisa é livre sobre o objeto de proteção; critério diferenciado para a outorga dos direitos,
qual seja, homogeneidade, estabilidade e distinção das demais plantas conhecidas200.
Entretanto, a escolha pelo sistema de proteção de cultivares, no caso
brasileiro, não foi suficiente para subjugar os contratos privados entre empresas sementeiras
multinacionais e brasileiras, a importação ilegal de sementes geneticamente modificadas, e o
reconhecimento de patentes sobre plantas, ainda que indiretamente. Toda esta conjuntura
acabou por resultar no domínio do mercado brasileiro de soja transgênica por uma só empresa
biotecnológica, conforme será verificado oportunamente.
A sistemática de proteção intelectual imposta pelo TRIPS comporta uma
observação quanto a patenteabilidade. Não obstante o país opte por não adotar o sistema de
patentes, ao exportar seu produto para país que acolha tal sistema, este deverá prevalecer. Na
cena internacional vigente existem direitos de patentes sobre plantas nos Estados Unidos e na
Europa, contudo, não existem tais direitos na Argentina e no Brasil. Uma vez que grande
199
200
Conforme artigo 27.3 b do Acordo TRIPS, que determina os países-membros deverem proceder à proteção
patentária sobre microorganismos e processos microbiológicos, podendo excluir plantas e animais de suas
leis. ANDRADE, Priscila Pereira. Biodiversidade e conhecimentos tradicionais. Prismas: Direito, Política e
Mundialização, Brasília, v. 3, n. 1, p. 7-28. jan./jun. 2006. Acrescente-se a isso o disposto no artigo 18, III da
Lei 9279/96.
Enquanto na proteção por patentes o objeto deve ser novo, ter atividade inventiva e ser passível de inserção
em um processo industrial.
124
parte da soja brasileira e argentina é exportada para a Europa, conclui-se que as liberdades
daqueles países são extremamente limitadas no que se refere à patenteabilidade201.
No Brasil, especialmente, onde a Monsanto mantém contratos com boa
parte das empresas sementeiras202, o controle das exportações de soja geneticamente
modificada, em razão do monopólio da tecnologia RR, favorece a imposição da
patenteabilidade no momento da exportação do produto. Sobre este mister, importa consignar
que no Brasil, a soja exportada com a tecnologia da Monsanto é, em verdade, resultado do
cruzamento da soja brasileira tradicional com a soja modificada, importada ilegalmente da
Argentina. Esta nova espécie de soja seria considerada, de acordo com os critérios de proteção
do direito de obtenção vegetal, uma variedade distinta e, portanto, juridicamente independente
da soja da Monsanto203.
Não obstante, uma vez que os direitos de que trata a Lei de Patentes e a Lei
de Proteção de Cultivares não são excludentes, mas complementares, já que protegem
matérias distintas e são regidas por regras diferentes, reconhece-se o direito conferido à
espécie desenvolvida no Brasil de igual maneira204.
As críticas dispensadas ao Acordo TRIPS em geral referem-se à quantidade
de conceitos vagos trazidos pelo texto, bem como à falta de definições para as terminologias
apresentadas, o que possibilita maior margem aos países-membros para a adoção de suas
próprias definições, em função de interesses particulares. Acrescente-se a isso, o risco de
201
VARELLA, M. D. Propriedade intelectual e sementes: mecanismos de controle das exportações agrícolas
pelas empresas multinacionais. Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, v. 86, p. 18-27,
2007.
202
A exemplo da Cargill, cf. Ato de Concentração n.º 08012.005135/98-01, que será analisado em tópico
específico.
203
VARELLA, op. cit.
204
MOREIRA, Pedro P. R. Proteção de plantas no Brasil: Lei de Propriedade Industrial e Lei de Proteção de
Cultivares. Disponível em: <http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=dsnews_200512_1
&pos=5.98&lng=pt>. Acesso em: 14 jan. 2008.
125
aumento da dependência tecnológica e conseqüente fluxo financeiro dos países do Sul para os
países do Norte205.
b) Convenção da UPOV
A análise da cena internacional até o presente momento demonstrou a
intersecção entre três elementos fundamentais à compreensão da temática “transgênicos”: o
comércio, a propriedade intelectual e o meio ambiente. Tendo em vista estes elementos é que
se sobressaem as questões de ordem econômica, relacionadas à concessão de monopólios
intelectuais sobre variedades de plantas. Estas questões, por sua vez, refletem-se,
sobremaneira, nos ganhos e perdas dos países em desenvolvimento.
A primeira Convenção da União para Proteção das Obtenções Vegetais –
UPOV, foi realizada em 1961, tendo em vista a necessidade de um sistema internacional
harmônico e uniforme de proteção de vegetais. A Convenção de 1961 passou por três
alterações, em 1972, 1978 e 1991206, sendo que as principais mudanças no sistema foram
decorrentes da passagem da Ata de 1978 para 1991. A Ata de 1991 inova em relação à de
1978 na tentativa de expandir a proteção a novos eventos da biotecnologia, regular o acesso às
variedades recorrentes, facultar a proteção dos dois sistemas (proteção e patente), facultar a
extensão do direito até o produto final (grão), entre outras207.
O Brasil passou a fazer parte da UPOV por meio do Decreto 3.109/99, em
30 de junho de 1999. É bom ressaltar que no âmbito da UPOV, a Convenção determina as
205
206
207
BERGEL, Salvador Darío. Qué sistema de protección para lãs innovaciones biotecnológicas em América
Latina? Prismas: Direito, Política e Mundialização. Brasília, v. 3, n. 1, p. 29-50, jan./jun. 2006.
Das três revisões sofridas pela Covenção, estão em vigor hoje a de 1978 e a de 1991, que oferecem aos
governos dois modelos de proteção de plantas – patentes ou sistema sui generis. Registre-se que os países
que aderiram até 1995 puderam optar por uma dessas duas Convenções, após esta data, apenas a versão de
1991 estaria disponível. GARCIA, Selemara Berckembrock Ferreira. Reflexos da globalização sobre a lei de
proteção de cultivares no Brasil. Júris Doctor: Revista Jurídica Online, Ano 1, n. 1. Disponível em:
<http://www.jurisdoctor.adv.br/revista/rev-01/art04-01.htm. Acesso em: 29 set. 2007.
ZIMMER, Paulo Dejalma. A proteção, pesquisa e desenvolvimento na agricultura brasileira. Disponível em:
<http://www.abrasem.com.br/materia_tecnica/2005/0003_a_prote%E7ao_pesquisa_e_desenvolvimento.htm.>
Acesso em: 29 set. 2007.
126
características essenciais da legislação de proteção à variedade de plantas para os paísesmembros, possibilitando a cada Estado estabelecer seus próprios critérios em nível nacional.
A Ata de 1978 estabelece, como necessários à proteção de gêneros e
espécies vegetais, os critérios de distinção, homogeneidade, estabilidade, novidade. A
proteção deve recair sobre o material de reprodução da variedade, sendo devida a toda nova
geração. Ainda, a Ata proíbe a adoção dos dois sistemas de proteção (patente/sui generis)
simultaneamente, devendo o Estado optar por apenas um.
O tratado de 1991, por sua vez, exige a autorização do titular do bem
protegido para produzir, reproduzir, comercializar, exportar, importar ou estocar a cultivar,
além de assegurar ao titular direitos que impedem que agricultores utilizem parte do material
de reprodução de suas colheitas para iniciar novos plantios sem consentimento prévio do
titular do direito. A Ata permite ainda a dupla proteção, por patente e sistema sui generis.
Anote-se que a outorga desses direito fica a cargo da legislação nacional, sendo, entretanto
exigido do Estado-membro o reconhecimento de tais direitos relativamente aos demais
Estados.
Tendo em vista as disposições acerca do sistema de proteção intelectual
imposto pelo Acordo TRIPS e as determinações da Convenção da UPOV, cumpre identificar
como o Brasil incorporou as diretrizes internacionais, no particular, bem como se a aplicação
prática dessas diretrizes no âmbito nacional se amolda aos princípios da biossegurança, em
especial no que diz com a atenção ao direito de informação, em sentido amplo.
Proceda-se à análise da legislação nacional de proteção intelectual das
obtenções vegetais, seguida do estudo das práticas privadas, realizadas entre parceiros
comerciais, com supedâneo nas determinações nacionais e internacionais.
127
3.2.2 O CONTROLE PRIVADO POR MEIO DE NORMAS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL
a) Lei de proteção de cultivares (9.456/97) versus Lei de Patentes (9279/96)
A edificação do sistema de proteção intelectual de variedades vegetais
surgiu em decorrência do avanço tecnológico no setor de melhoria genética, que impôs a
criação de um sistema de direitos e obrigações relativo à biotecnologia vegetal. Em sua
origem, os direitos de propriedade intelectual surgiram como um estímulo para a atividade
criativa do homem, outorgando ao inventor a concessão de um direito que o permita obter,
durante um período determinado de tempo, uma renda de forma monopólica.
Em se tratando da proteção envolvendo soja geneticamente modificada, o
reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual determinam a imposição, por cada
país, de um sistema de recompensa eqüitativa a favor do titular dos direitos concernentes ao
setor de sementes, o que pode ocorrer de formas variadas.
No Brasil, a proteção de plantas é realizada por meio de um sistema sui
generis de proteção de cultivares, com base na UPOV 1978. Esta proteção foi instituída pela
Lei 9456/97, regulamentada pelo Decreto 2366/97. O regime de patentes no Brasil, por sua
vez, é regulado pela Lei 9279/66, tendo por base o acordo TRIPS208.
A Lei de Proteção de Cultivares (LPC) atribui às cultivares melhoradas a
possibilidade de apropriação intelectual, por meio do direito de melhorista. Os requisitos
necessários a essa proteção são a novidade, distinção, homogeneidade e estabilidade.
Observe-se, entretanto, que a Lei de Cultivares não concede patente de plantas, mas sim uma
proteção específica para novas variedades vegetais obtidas por melhoramento genético,
208
BRUCH, Kelly Lissandra; ZIBETTI, Fabíola Wust. A proteção de plantas pelo direito de propriedade
intelectual no Brasil, Estados Unidos e Europa. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/
arquivos/anais/campos/fabiola_wust_zibetti.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2008.
128
notadamente quanto às relações que tenham por finalidade a venda, reprodução, exportação,
importação, armazenamento ou cessão, a qualquer título, do cultivar.
A matéria relativa à proteção de cultivares foi remetida para legislação
especial em razão da importância do objeto a ser regulamentado, porque atinente à
biotecnologia e à vida humana, haja vista o lançamento de novos produtos no meio ambiente.
O objeto de proteção é o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta
inteira, sendo assim, protege-se a semente e não o grão. O direito de proteção abrange a
reprodução comercial, ficando vedado a terceiros vender, oferecer à venda, reproduzir,
importar, exportar, embalar, armazenar ou ceder, a qualquer título, sem prévia autorização.
O sistema de patentes deferido pela Lei de Propriedade Intelectual (LPI),
por sua vez, abrange a proteção do cultivar como um todo, no conjunto de suas características,
e confere ao titular do registro o direito a todos os royalties referentes à variedade protegida.
De maneira geral, o patenteamento na área vegetal dá-se com o registro da planta no órgão
competente, em geral vinculado ao Ministério da Indústria e Comércio. No Brasil, seria o
Instituto Nacional de Propriedade Industrial, mas a priori as plantas não são patenteáveis no
país. São requisitos necessários à proteção, pelo sistema de patentes, os critérios de novidade,
atividade inventiva e aplicação industrial do bem a ser protegido, com vistas à aceitação do
pedido e conseqüente registro.
As modalidades do sistema de patentes e dos direitos de melhorista ou
proteção de cultivares diferem, basicamente, nos efeitos da sua proteção, visto que ambos têm
a finalidade específica de promover a proteção intelectual de plantas, embora em diferentes
perspectivas.
Os efeitos do direito de proteção por patente abrangem a necessidade de
autorização para o desenvolvimento de pesquisas, de concessão para a venda das sementes, de
129
pagamento de royalties a cada comercialização e de proibição da reprodução da matéria viva
em causa, ou seja, da criação dos campos de replantio para formação de novas sementes.
A proteção por direitos de melhorista, por sua vez, se sobressai ao de
patentes em razão da sua eficiência, haja vista demandar menos burocracia, relativamente ao
pagamento dos direitos, já que o pagamento devido a título de proteção intelectual ocorre uma
vez só, na comercialização do material reprodutivo da soja.
A livre circulação da semente protegida para a realização de pesquisas
independe da autorização do detentor do registro. Ainda, é possível a formação de campos de
replantio para sementes, de modo que o agricultor poderá comprar uma semente protegida,
plantá-la e utilizar os melhores grãos de sua safra como sementes para o próximo plantio.
No Brasil, a planta não poderá ser idêntica a uma já existente na natureza e,
obviamente, também não poderá ser idêntica a uma já registrada no país ou em países com os
quais o Brasil mantém Tratados. Mesmo que seja apenas semelhante a outro cultivar já
existente, não poderá ser registrada, medida que serve para evitar as ‘maquilagens’ ou fraudes
biotecnológicas.
Em síntese, os traços distintivos do sistema de patentes do sistema de
proteção de cultivares são:
- o sistema de proteção de cultivares estabelece que os agricultores não
devem pagar para cada multiplicação da planta protegida, como nas
patentes;
- a pesquisa é livre, diferentemente do sistema de patentes, sendo livre
também a nova obtenção;
- na proteção de cultivares o período de proteção pode variar em função da
espécie, diferentemente do sistema de patentes, em que a proteção é de 20
anos;
- para a proteção pelo sistema de proteção de cultivares, as plantas devem
ser homogêneas, estáveis e distintas das demais plantas conhecidas,
enquanto que no sistema de patentes, a proteção requer que o objeto seja
130
novo, represente atividade inventiva e seja passível de inserção em um
processo industrial.
- o retorno dos investimentos no sistema de patentes é mais atrativo que no
sistema de proteção de cultivares, porquanto naquele, a cada nova safra os
produtores devem pagar royalties proporcionalmente à quantidade colhida,
de modo que o retorno sobre uma mesma semente patenteada ocorre várias
vezes, enquanto que no sistema de proteção de cultivares é livre a obtenção
de novas sementes pelos próprios agricultores. Ainda, os agricultores podem
usar as sementes que eles colheram, mas não podem vendê-la.
Feitas as considerações de ordem estrutural acerca da LPI e da LPC,
necessário se faz proceder ao detalhamento das referidas leis, no que tange ao seu alcance,
com vistas a delinear o objeto de proteção de cada uma delas. A Lei de Propriedade
Intelectual considera como patenteável a invenção que atenda aos três requisitos
anteriormente citados – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Para tanto, a lei classifica em seu artigo 10, tudo o que não considera
invenção, excluindo das hipóteses de patenteabilidade “o todo ou parte de seres vivos naturais
e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o
genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e processos biológicos naturais” (grifo
nosso)209.
Por outro lado, a lei permite a proteção de microorganismos transgênicos
(art. 18, III), que se tornam, portanto, a única possibilidade de patenteamento, nestas
circunstâncias:
Art. 18 – Não são patenteáveis:
[..]
III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos
transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade,
209
BRASIL. Lei 9279 de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 19 dez. 2007.
131
atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não
sejam mera descoberta210. (grifo nosso)
Registre-se que não obstante esta possibilidade, a definição da lei para
microorganismos transgênicos, qual seja, “organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou
de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética,
uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais”211,
restringe a hipótese de proteção permitida pela dicção do inciso III, artigo 18 c/c parágrafo
único, artigo 18, já que excetua das possibilidades de proteção microorganismos que
constituam o todo ou parte de plantas.
A favor da possibilidade de patenteamento de microorganismos nestas
condições concorre apenas o fato de que, em princípio, desde que atendam aos requisitos de
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, todas as invenções são patenteáveis. Há
quem argumente, porém, que as pesquisas biológicas e de engenharia genética não estão
compreendidas no quesito “atividade inventiva”, uma vez que não passam de descobertas e
não invenções, pelo que apenas são submetidas a recombinação de materiais genéticos
preexistentes ou a isolamento de substâncias que ocorrem na natureza212.
Não obstante, o fato é que a lei possibilita a concessão de patentes a
microorganismos, ainda que constituam parte de plantas, mediante interpretação reflexa do
texto legal. Neste caso, o melhor entendimento repousa no fato de que embora plantas e
animais superiores não sejam patenteáveis no país, as tecnologias relacionadas à manipulação
genética envolvendo microorganismos tornaram-se, por disposição de artigo da lei, passíveis
de patenteamento. A corroborar este entendimento, segue análise das disposições da lei de
cultivares quanto ao tema.
210
BRASIL. Lei 9279 de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 19 dez. 2007.
211
Cf. parágrafo único, art. 18 da Lei 9279/96. Ibidem.
212
FARIA, Carmem Rachel Scavazzini
Marcondes. Patentes biológicas.
Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/conleg/artigos/politicasocial/Patentesbiologicas.pdf>. Acesso em: 08 out. 2007.
132
Ao delinear seu âmbito de proteção, a lei de cultivares impõe como
condição essencial a capacidade natural e própria do cultivar de se reproduzir sem a
necessidade de interferência do homem, assim como ocorre na natureza. Isso equivale dizer
que pós-melhoramento, a reprodução da planta deve ser independente da interferência
humana e garantir as mesmas características identificadas pelos seus descritores, consagrando
a estabilidade, distinguibilidade e homogeneidade, condições necessárias à proteção do
cultivar213.
Pode-se definir o gene como sendo uma seqüência única de DNA que
codifica informação genética, constituindo a base para o código genético. A moderna
biotecnologia possibilita o isolamento do gene, capaz de cumprir às características de
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, necessárias à proteção por patente, no
âmbito da Lei de Propriedade Intelectual.
Importa consignar que esse gene ou microorganismo transgênico não
constitui, para os fins da lei de proteção de cultivar, nem no todo, nem na parte de uma planta
capaz de se reproduzir por si só, necessitando para tanto da intervenção humana, tanto para a
sua construção, quanto para sua transferência a fim de que expresse sua característica numa
outra planta ou organismo.
Sendo assim, a proteção do gene, considerado isoladamente passa a ser
atribuição da Lei de Propriedade Industrial, uma vez que esse microorganismo não cumpre a
característica de reprodução independente do homem. Ocorre que, uma vez protegido o gene
pela patente, esta se estenderá aos produtos gerados a partir dele214, haja vista a nova
213
CARRARO, Ivo Marcos. Cultivar e gene, proteção e patente: a distinção é necessária. Disponível em:
<http://www.coodetec.com.br/artigos.asp?id=104>. Acesso em: 08 out. 2007.
214
Já que por determinação do art. 42, item II, da Lei 9279/96, os produtos obtidos diretamente por um processo
patenteado encontram-se no âmbito de proteção conferida pela patente, ou seja, uma planta ou um animal
obtido por determinado processo patenteável será indiretamente protegido pela patente do processo.
133
característica inserida através deste gene, não alcançável pela espécie em condições
naturais215.
Assim, não obstante a proteção pela lei de cultivares, a cultivar estará
também sujeita à proteção pelo sistema de patentes, haja vista o produto final desta cultivar
depender do novo gene inserido. Isso porque enquanto que pelo sistema de Patentes são
patenteados microorganismos e processos resultantes de engenharia genética, pela Lei de
Proteção de Cultivares são protegidas espécies de plantas que sofreram melhoramento, o que
possibilita a proteção de um mesmo organismo pelos dois sistemas instituídos.
A adoção do sistema de proteção de cultivares pelo Brasil revela sua
intenção em proteger os agricultores, mediante o reconhecimento de direitos de propriedade
intelectual menos rígidos. Contudo, há questões relevantes acerca dos mecanismos de
proteção intelectual estabelecidos pelas empresas multinacionais, que merecem destaque:
como as empresas impõem o pagamento de royalties a produtores agrícolas de países que não
reconhecem o direito de patente sobre as plantas e os genes; como ocorre o controle da
exportação brasileira de soja GM pela empresa Monsanto; quais são os impactos dos contratos
e da patente sobre os produtores agrícolas, etc.
Estas questões serão tratadas com maior ênfase no tópico referente às regras
privadas de governança da soja geneticamente modificada, ocasião em que serão apreciadas
também decisões judiciais envolvidas no processo de legitimação do pagamento de royalties
para a empresa transnacional.
215
CARRARO, Ivo Marcos. Cultivar e gene, proteção e patente: a distinção é necessária. Disponível em:
<http://www.coodetec.com.br/artigos.asp?id=104>. Acesso em: 08 out. 2007.
134
3.2.3 O CONTROLE PRIVADO POR MEIO DE CONTRATOS
3.2.3.1 Royalties
Conforme visto anteriormente, a tentativa do TRIPS em estabelecer
parâmetros mínimos com vistas à uniformização da propriedade intelectual culminou na
determinação aos países signatários para a adoção de sistemas de proteção intelectual
representados pelo sistema de patentes e o sistema de proteção de cultivares. Tendo em vista a
maior proteção aos agricultores e às empresas sementeiras nacionais, o Brasil, dentre outros
países em desenvolvimento, optou pelo sistema de proteção de cultivares, no que se refere às
obtenções vegetais216.
Em linhas gerais, o Acordo TRIPS possibilitava a exclusão de patentes das
seguintes invenções217:
a) contrárias à ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida
e saúde humana, animal ou vegetal, ou para evitar sério prejuízo ao meio
ambiente.
b) métodos de diagnóstico, de tratamento e de cirurgia, animal ou humana.
c) animais que não sejam microorganismos;
d) plantas que não sejam microorganismos, mas quanto às variedades de
plantas deve haver um sistema de proteção específica;
e) processos essencialmente biológicos para produção de animais e de
plantas, exceto processos não biológicos ou microbiológicos.
Assim, ao país signatário era permitido excluir a patenteabilidade de plantas,
conquanto instituísse um sistema sui generis efetivo de proteção intelectual. A ratificação do
TRIPS pelo Brasil impôs o compromisso de ajustamento da legislação doméstica às diretrizes
internacionais, por meio da regulamentação da propriedade intelectual. Decorrência disto foi a
alteração do Código de Propriedade Industrial, pelo advento da Lei 9279/96 e, em 1997, a
216
217
VARELLA, M. D. Propriedade intelectual e sementes: mecanismos de controle das exportações agrícolas
pelas empresas multinacionais. Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, v. 86, p. 18-27,
2007.
BARBOSA, Denis Borges. Biotecnologia e propriedade intelectual. Disponível em: <http://denisbarbosa.
addr.com/81.doc>. Acesso em: 28 out. 2007.
135
criação da Lei de Proteção de Cultivares (9456/97) e seu Decreto regulamentar (2366/97).
Ambos sob orientação do modelo aprovado pela Convenção da UPOV de 1978, o qual
garante os direitos de melhorista aos brasileiros, no caso de exploração comercial de
cultivares desenvolvidas no Brasil, relativamente aos países filiados a UPOV218.
Tendo em vista esta normatividade é que será analisada a pertinência das
práticas privadas à conjuntura do quadro normativo brasileiro. Neste intuito, vale a pena
proceder a uma construção inversa àquela esposada para fins de delineamento do alcance das
leis que prevêem a concessão de direitos de propriedade intelectual, a fim de proporcionar o
tratamento do tema com base nos diversos pontos de vista correlatos.
No item anterior, a concessão patentária sobre matéria viva foi justificada
com base no fato de que, enquanto a lei de proteção de cultivares tem por objeto de proteção
as novas obtenções vegetais, o objeto da lei de propriedade intelectual cinge-se à proteção das
tecnologias utilizadas para alcançar a espécie protegida por aquele sistema.
Contudo, malgrado a interpretação legal permissiva neste sentido, verificase que na busca pela proteção da tecnologia empregada no melhoramento genético dos
organismos, também este, considerado parte do objeto de proteção da lei de cultivares, acaba
por se tornar objeto da proteção por patente.
A lei de propriedade intelectual (9279/96) define como invenções
patenteáveis aquelas que atendam aos seguintes requisitos: novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial, desde que não sejam mera descoberta (art. 8º). Ademais disto, a lei não
considera invenção seres vivos encontrados na natureza, no todo ou em parte, bem como os
materiais biológicos de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais (art. 10,
IX)219.
218
GARCIA, Selemara Berckembrock Ferreira. Reflexos da globalização sobre a lei de proteção de cultivares no
Brasil.
Júris
Doctor:
Revista
Jurídica
Online,
Ano
1,
n.
1.
Disponível
em:
<http://www.jurisdoctor.adv.br/revista/rev-01/art04-01.htm. Acesso em: 29 set. 2007.
219
Conforme dicção dos referidos artigos:
136
Em complemento à discriminação anterior, a lei define como matéria nãopatenteável os seres vivos ou partes de seres vivos, com exceção dos microorganismos
transgênicos220. Conforme esta interpretação, entende-se pela não patenteabilidade de células
ou genes de plantas geneticamente modificadas ou não, uma vez que a patenteabilidade
apenas é viável para organismos que não configurem o todo ou parte de plantas ou de
221
animais
.
O cotejo entre os artigos 10 e 18 do Código de Propriedade Industrial
permite concluir que ainda que o homem tenha procedido à modificação genética de seres
vivos, uma vez que não se trate de microorganismo, sob aqueles (plantas, tecidos celulares ou
genes) não poderá recair a patente, mesmo que resultante de engenharia genética. Tudo em
razão de que no Brasil, conforme visto anteriormente, não se permite o patenteamento de
plantas, animais ou parte deles.
No caso específico da soja RR, o entendimento do INPI acerca do
requerimento da Monsanto para a concessão da patente foi justamente no sentido inverso a
este demonstrado. A estratégia utilizada pela empresa na apresentação do pedido pautou-se na
“Art. 8º- É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade e aplicação.
Art. 10 - Não se considera invenção nem modelo de utilidade:
[...]
IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela
isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos
naturais.” BRASIL. Lei 9279 de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade
industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 19 dez.
2007.
220
A esse propósito, tendo em vista o conceito genérico de seres vivos, conclui-se não ser patenteável qualquer
gene, de seres vivos naturais ou não naturais.
221
De acordo com o artigo 18 da lei 9279/96:
“Art. 18. Não são patenteáveis:
III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos
de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não
sejam uma mera descoberta.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte
de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética,
uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.” BRASIL. Lei 9279 de
14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 19 dez. 2007.
137
identificação do gene não como ser vivo, mas como proteína, e como tal, uma substância
química patenteável. A esse entendimento acompanhou o INPI.
Segundo esta linha de raciocínio, uma vez que se considere passível de
patenteabilidade os microorganismos transgênicos que não resultem de processos biológicos
naturais, ou seja, que sejam, pois, modificados pela ação humana em sua composição
genética, pode-se considerar microorganismo transgênico222:
(a) Proteínas extraídas, sintetizadas ou purificadas a partir de fontes
naturais;
(b) Ácidos nucléicos;
(c) Genes e seqüências de genes;
(d) Oligonucleotídeos;
(e) Vetores de clonagem (plasmídeos, fagos, cosmídeos);
(f) Vírus, bactérias;
(g) Organismos parasitários;
(h) Células e linhagem de células; e
(i) Vegetais e partes de vegetais.
Sendo assim, vislumbra-se no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que de
forma indireta, a proteção de plantas por meio do sistema de patentes, não obstante o disposto
no art. 2º da Lei 9456/97, que impõe a proteção intelectual referente a cultivar pela Lei de
Proteção de Cultivares. Desta forma, além de se permitir a concessão patentária de produtos e
processos, admite-se também a proteção do organismo em si, desde que geneticamente
modificado223.
Ocorre que os direitos de propriedade intelectual conferidos pelo sistema do
direito de obtenção vegetal diferem sobremaneira do sistema de patentes. O sistema de
proteção de cultivares comporta um regime de propriedade intelectual específico para plantas
e com normas muito menos rígidas relativamente ao sistema de proteção pelo sistema de
patentes de plantas e seqüências de DNA. Registre-se que a utilização do sistema sui generis
222
BRUCH, Kelly Lissandra; ZIBETTI, Fabíola Wust. A proteção de plantas pelo direito de propriedade
intelectual no Brasil, Estados Unidos e Europa. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/
anais/campos/fabiola_wust_zibetti.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2008.
223
Ibidem.
138
representado pela proteção de cultivares no lugar da proteção por patentes é opção prevista
pelo próprio Acordo TRIPS.
Não obstante a adoção do sistema de proteção de cultivares pelo Brasil e a
determinação de não patenteabilidade de plantas, no todo ou em parte, a Monsanto logrou o
patenteamento de genes valendo-se de brechas na legislação que possibilitaram a
exclusividade comercial sobre uma planta que não poderia ser patenteada no Brasil224. Tendo
em vista a abertura conferida pelo texto da lei, a Monsanto conseguiu o patenteamento de
planta, indiretamente, através do reconhecimento de patente sobre a tecnologia RR.
A atribuição de propriedade intelectual à Monsanto viabilizou o seu controle
sobre a produção e a venda de sementes de soja RR produzidas pelos agricultores, em virtude
da contratos entabulados no interior da cadeia produtiva da soja. Valendo-se desta estratégia a
Monsanto promoveu acordos para recolhimento de royalties, bem como cooptou empresas
concorrentes, tendo em vista as vantagens oferecidas pelo seu produto patenteado.
A Monsanto obteve, por meio de contratos, os bancos de germoplasma de
empresas concorrentes, ou seja, a base genética adaptada ao clima e as tecnologias
adversárias, estendendo seu poder econômico sob a produção da soja nacional. Isto significa
dizer que a empresa logrou o reconhecimento de patente de genes, em oposição à
interpretação legal mais favorável ao país, e beneficiou-se pelo incremento da tecnologia a
partir dos contratos entabulados com empresas locais.
Além do domínio sobre a produção doméstica de sementes de soja RR, a
Monsanto exerce ainda o controle das exportações de soja geneticamente modificada,
224
Trata-se do pedido realizado junto ao INPI, com vistas ao registro de invenção, traduzido nos requerimentos
de patente de genes quiméricos (PI 1100007-4, 06/08/1998), de seqüência de DNA para intensificar a
eficácia da transcrição (PI 1101067-3, 14/05/1997) e de uma construção de DNA para melhorar a eficácia da
transcrição (PI 1101045-2, 14/05/1997).
139
resultado do monopólio da exploração comercial da soja RR.225 Desta forma é que a empresa
Monsanto consegue impor o sistema de patentes graças a sua dominação comercial e ao
conseqüente controle dos mercados estratégicos.
Verifica-se, portanto, que a atribuição de direitos de propriedade intelectual
à Monsanto promoveu o domínio da produção de soja transgênica, pela concessão do seu
monopólio comercial, bem como o controle sobre a exportação deste produto, haja vista
previsão do acordo TRIPS.
Considerando o processo artificioso de aquisição da propriedade intelectual
da soja RR, tendo em vista a interpretação dúbia da lei, as decorrências deste episódio
merecem ser analisadas com base na avaliação dos contratos entabulados pela Monsanto com
produtores e agricultores, seguida da avaliação da legitimidades dos referidos contratos.
3.2.3.2 Sistema de contratos
Conforme visto anteriormente, não obstante o plantio ilegal da soja
transgênica resistente a glifosato no país, circunstâncias de ordem econômica e política
viabilizaram a legalização para cultivo e comercialização da referida soja. Como resultado da
legalização da soja geneticamente modificada, decorreu a atribuição de direitos de
propriedade intelectual à Monsanto, pela tecnologia RR, presente na soja.
Entretanto a concessão de direitos na órbita da propriedade industrial foi
resultado de uma interpretação legal contrária ao objeto da lei, atendendo a interesses
privados, porquanto no Brasil não se admite a patenteabilidade de partes de plantas,
incluindo-se aí os genes. A despeito da legislação vigente, o Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI), autarquia federal responsável pela concessão de privilégios patentários,
225
VARELLA, M. D. Propriedade intelectual e sementes: mecanismos de controle das exportações agrícolas
pelas empresas multinacionais. Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual, v. 86, p. 18-27,
2007.
140
concedeu a patente de gene à Monsanto, mediante a qual a empresa iniciou o processo de
recolhimento de royalties junto aos produtores e agricultores.
Como forma de indenização pelo uso da tecnologia RR, a Monsanto
instituiu sistema de remuneração de forma unilateral, através do qual a cobrança de valores
ocorre na venda das sementes pelos produtores e na sua produção pelos agricultores, no caso
de utilização não autorizada das sementes transgênicas. Ressalte-se que este sistema de
cobrança de taxa tecnológica, proposto para a cadeia produtiva da soja, é o único no mundo
que impõe a cobrança na venda das sementes e sobre a produção, esta no caso de utilização
não autorizadas das sementes transgênicas226.
A análise da legitimidade dos contratos privados da Monsanto, que
garantem remuneração a título de direitos de propriedade intelectual, requer o exame dos
acordos privados entabulados no âmbito da cadeia produtiva da soja para o recolhimento de
royalties. Por sua vez, o exame dos acordos permitirá avaliar a ocorrência de abuso do poder
econômico pela empresa e o alcance dos contratos, considerando ainda a possível caducidade
da patente sob a qual se impõe o pagamento de royalties.
Antes, cumpre designar os diversos agentes que compõem a cadeia
produtiva da soja (ANEXO C). O primeiro agente da cadeia é o originador da semente,
representado pela Monsanto. O originador produz a semente básica e não a vende diretamente
para o produtor, mas para o multiplicador da semente. Há ainda, outro agente entre o
multiplicador e o originador da semente, identificado como a matriz, detentora de banco de
germoplasma capaz de adaptar a semente de soja GM ao local de plantio. (ANEXO D).
O multiplicador, que em geral é subsidiário da Monsanto (a exemplo da
Monsoy) pode ou não fazer a venda direta para o produtor. Caso não o faça, ele multiplica a
226
REIS, Maria Rita. Propriedade Intelectual, Sementes e o Sistema de Cobrança de Royalties implementado
pela Monsanto no Brasil. .Disponível em: <http://www.monsantowatch.org:80/moduleinterface.php?cntnt01
action=print&cntnt01articleid=39&cntnt01returnid=7&id=cntnt01&module=News>. Acesso em: 22 jun.
2007.
141
semente transgênica da Monsanto e a vende com o rótulo da multiplicadora. Em seguida a
multiplicadora entrega as sementes para o revendedor, varejista, encarregado de fazer o
cadastro do agricultor e encaminhá-lo, juntamente com a nota fiscal de compra, para a
Monsanto. De posse dos dados cadastrais do agricultor, a Monsanto providencia emissão de
boleto a ser encaminhado para o agricultor com vistas ao recolhimento dos royalties devidos
por ocasião da compra de sementes transgênicas (ANEXO C).
Analise-se, por oportuno, o esquema para cobrança de royalties
desenvolvido pela Monsanto no processo de conformação da cobrança, pós-concessão da
patente. Para tanto, servirá de base contrato entabulado com referência à safra 2005/2006
(ANEXO E). O sistema de remuneração pelo uso de tecnologia operacionalizado pela
Monsanto do Brasil, referente à soja RR, é viabilizado por meio de instrumento particular
denominado “Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade Intelectual da
Tecnologia Roundup Ready”.
O Acordo realizado entre a Monsanto e o multiplicador227 que opta pela
venda direta ao agricultor, prevê a atribuição ao multiplicador de efetuar o licenciamento da
tecnologia RR nas sementes utilizadas pelos sojicultores, na qualidade de mandatário,
imputando-lhe, ainda, o dever de cobrança de royalties, a ser revertido integralmente à
Monsanto, nas hipóteses determinadas pelo Acordo.
O referido Acordo admite o uso, pelo multiplicador, da tecnologia
desenvolvida pela transnacional relativa à seqüência genética que confere à soja tolerância aos
herbicidas à base de glifosato (tecnologia RR). A denominada tecnologia sujeita o
multiplicador ao pagamento de remuneração a título de direitos de propriedade intelectual, em
consonância com a legislação internacional sobre patentes. Entretanto, a Monsanto oferece
227
No acordo objeto de análise o multiplicador é denominado “produtor” ou “empresa licenciada”.
142
vantagem ao multiplicador, que pode usar o gene da Monsanto em suas variedades, sem que
tenha que pagar diretamente por isso228.
O preâmbulo do Acordo Geral para Licenciamento possibilita também a
cobrança de valores no procedimento de entrega de grãos de soja RR pelos agricultores aos
compradores de grãos, em função da possibilidade de haver uso ou comercialização de
sementes RR sem o recolhimento da remuneração pela tecnologia, a que faz jus a
transnacional. Assim, o agricultor que obtém a semente de soja transgênica e não regulariza o
plantio junto à Monsanto, fica sujeito ao recolhimento da taxa no momento da
comercialização com os compradores de grãos.
Por outro lado, esta previsão possibilita ao agricultor que procede ao plantio
de forma regular a prorrogação do pagamento das taxas de recolhimento. Desta forma, ao
invés de pagar a taxa no ato da compra das sementes, fica facultado ao agricultor o pagamento
no momento da sua comercialização, procedimento este legitimado por assinatura de Acordo
no momento da compra, que impõe o reconhecimento da legitimidade da cobrança,
impossibilitando objeções futuras por parte do agricultor.
A legitimidade fática alegada pela Monsanto para a cobrança de valores a
título de indenização quando da entrega de grãos de soja RR à compradores de grãos, pelos
agricultores, repousa no fato de que tendo em vista a forma ilegal com que a semente de soja
RR ingressou no Brasil, sequer foi possibilitado à transnacional, detentora da tecnologia em
questão, a oportunidade de autorizar a aquisição, o cultivo, o uso e a comercialização da soja
RR, sendo devida, pois a suscitada cobrança.
Conforme previsão do Acordo229 entabulado entre a Monsanto e a empresa
licenciada, esta somente poderá comercializar sementes RR a distribuidores (revendedores)
228
Em troca, o multiplicador compromete-se a recolher dos agricultores um valor pela taxa de uso de tecnologia
e repassá-lo integralmente à Monsanto.
229
Cumpre esclarecer que o Acordo até então examinado é precedido de Acordo para Licenciamento relativo à
multiplicação de sementes RR (“Acordo para Licenciamento de Multiplicação de sementes Roundup
143
que houverem previamente firmado acordo de licenciamento com a Monsanto, o que será
evidenciado por documento escrito. De igual maneira, a empresa licenciada somente
fornecerá sementes RR a sojicultores mediante assinatura, por estes, de Termo de Condições
Gerais para Licenciamento230. Esta estratégia assegura o recebimento de remuneração pela
Monsanto, bem como o controle sobre toda produção de soja transgênica.
Entretanto, além da maneira censurável com que foi concedido o privilégio
patentário sobre gene231, a atitude da Monsanto em se fixar no controle da produção e
exportação de soja transgênica, por meio do sistema de remuneração instituído, ameaça os
direitos dos consumidores, pela imposição indireta do produto geneticamente modificado e,
ainda, submete os agricultores brasileiros em razão do controle dos custos de produção pela
Monsanto.
Valores compensatórios são cobrados pela Monsanto sobre volumes de soja
RR produzidos sem o devido licenciamento, no momento da comercialização da soja RR.
Para evitar a cobrança de valores compensatórios sobre volumes de soja RR já licenciados, o
sojicultor fará jus a créditos para produção de soja RR, concedidos no momento de cada
licenciamento, de acordo com os volumes de sementes RR adquiridas e/ou sementes RR
reservadas licenciadas232.
Ao serem concedidos, os créditos ficarão bloqueados no Sistema Eletrônico,
até que os royalties sejam efetivamente pagos ao Multiplicador/Distribuidor ou diretamente à
Monsanto, ocasião em que o sojicultor estará liberado do pagamento de valor DPI nas
Ready”), o qual autoriza exclusivamente a multiplicação de sementes, ficando sua comercialização sujeita ao
Acordo ora analisado.
230
O Termo de Condições Gerais para Licenciamento da Tecnologia Roundup Ready impõe o reconhecimento,
ao sojicultor, de que a produção de soja RR, bem como o plantio, armazenamento ou qualquer forma de
utilização das sementes RR dependem de prévios “licenciamentos” escritos da Monsanto e estarão sujeitas ao
pagamento de royalties. Os licenciamentos, por sua vez, são referentes ao plantio de sementes RR adquiridas
junto a produtores e/ou distribuidores credenciados (Extratos de licenciamento) e ao plantio de sementes RR
reservadas para uso próprio (Termos para sementes reservadas RR).
231
Não apenas em razão da interpretação legal desfavorável à época para o país, mas também em função da
ausência de regulamentação da margem de cobrança de royalties.
232
Anote-se que para a emissão de Créditos de Isenção, é necessário que o sojicultor tenha previamente assinado
Termo de Condições supra descrito.
144
entregas de soja RR, até o limite autorizado pelos referidos créditos. O Termo impõe que no
caso de o sojicultor optar por reservar sementes RR para uso próprio, deverá evidenciar à
Monsanto o cumprimento das disposições legais e obter licenciamento para as respectivas
sementes reservadas RR.
O pagamento de royalties será, portanto devido sempre por ocasião da
compra de sementes RR, bem como dos licenciamentos para uso de sementes reservadas RR,
devendo o Multiplicador, encarregado de cobrar os referidos royalties, verter tal pagamento
integralmente à Monsanto.
Tomando por referência, ainda, a safra 2005/2006, sob as sementes RR
comercializadas para plantio, bem como sob o licenciamento de sementes reservadas RR
incide o valor de R$ 0,88 (oitenta e oito centavos de real) por quilo de sementes RR a título de
pagamento de royalties. Por sua vez, em contraprestação aos serviços realizados pelo produtor
(multiplicador), a este caberá remuneração composta de um valor fixo (preço mínimo) e outro
variável (preço variável), quando aplicável, de até R$ 0,38 (trinta e oito centavos de real) por
quilo de sementes RR comercializadas e/ou sementes reservadas RR licenciadas pelo
produtor. (ANEXO E).
A Monsanto exime o Produtor quanto à responsabilidade acerca de matérias
referentes ao meio ambiente, biossegurança ou propriedade intelectual, assegurando ao
Produtor direito de regresso.
Em contrapartida ao “Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de
Propriedade Intelectual da Tecnologia Roundup Ready”, realizado entre o multiplicador e a
Monsanto, a empresa produz um folheto que explicita como o agricultor poderá utilizar a soja
RR de forma regular, tendo em vista os direitos de propriedade intelectual da transnacional
(ANEXO F). Conforme o folheto, a obtenção do direito de utilização da Tecnologia RR
pressupõe a assinatura de “Termo de Condições Gerais para Licenciamento de Tecnologia
145
RR”, já analisado. O referido Termo é disponível junto a multiplicadoras de sementes ou
distribuidores credenciados pela Monsanto. O Termo prevê prazo indeterminado, de maneira
que o sojicultor poderá, sempre que quiser, adquirir sementes de soja RR e obter os
respectivos licencimentos.
Uma vez licenciado, o sojicultor poderá produzir quantidades de soja de
forma regular, adquirindo ainda direito a créditos para isenção dos valores de compensação
que são cobrados na ocasião da comercialização das produções de soja RR não licenciadas.
Ainda com referência à safra 2005/2006, o folheto exemplifica o crédito de isenção concedido
à região de Goiás. Neste caso, ao agricultor que optou pela compra de 800 quilos de sementes
RR, conforme tabela de Créditos de Isenção, para cada quilo de semente adquirido, ele obterá
o direito a comercializar 70 quilos de soja. Desta forma, o agricultor terá crédito de isenção
para 56.000 quilos de soja.
Importa consignar que os créditos gerados pelo licenciamento terão validade
até o dia 31 de janeiro de cada ano subseqüente à colheita da safra a qual tenham sido
concedidos os referidos créditos. Assim, a produção da safra 2005/2006 deve ser
comercializada até 31 de janeiro de 2007 para que o agricultor possa usufruir os créditos. No
período de julho a outubro, os agricultores providenciam a compra da semente para plantio da
soja, que ocorre entre os meses de outubro e novembro. Ao preencher o cadastro junto ao
multiplicador, a Monsanto concede prazo até 31 de dezembro para o recolhimento dos
royalties, tendo em vista a cobrança pela venda. Anote-se que o pagamento realizado pelo
agricultor em data posterior à aprazada pela Monsanto, ou seja, apenas na comercialização
(entrega de grãos nos armazéns) penaliza o agricultor, que será onerado com acréscimo de
valor sobre o montante devido.
Registre-se que as datas aprazadas para pagamento de royalties junto à
Monsanto, bem como o valor mensurado são impostos unilateralmente pela transnacional.
146
Assim, a rede de atores composta pelo multiplicador de sementes de soja, o comerciante de
grãos e a Monsanto deixam o agricultor impossibilitado de escapar do sistema de
remuneração imposto pela empresa, sob pena de não poder comercializar sua safra233.
Duas situações podem ocorrer para o agricultor que procede ao pagamento
dos royalties somente na comercialização. Na ocasião da comercialização, se a soja for
declarada transgênica pelo agricultor, ele pagará 2% sobre o valor da produção, a guisa de
taxa tecnológica. Se o agricultor declarar que a soja não é transgênica, estará submetido à
realização de teste desenvolvido pela Monsanto, que atestará a veracidade da alegação. Se o
teste der positivo para transgênico (acima de 5% do total de grãos), o agricultor pagará então
3% sobre o valor da produção, a título de multa pelo oportunismo (ANEXO C).
Os problemas relacionados a este sistema de remuneração parecem não estar
na adequação legal, mas sim nas circunstâncias fáticas que envolvem o processo de cobrança.
Citem-se, por exemplo, a possibilidade de contaminação da soja convencional pela soja
RR234. Não obstante o alto custo da segregação235, a constatação de contaminação, ainda que
em porcentagem irrisória (a partir de 5% do total), já autoriza a cobrança de royalties no
momento da comercialização. Além da unilateralidade do teste, a verificação a que é
submetido o agricultor é ainda abusiva, já que o teste não é capaz de identificar a porcentagem
exata destes grãos no lote. Desta forma, o teste qualitativo imposto por determinação da
233
Registre-se que a opção pela soja transgênica é feita pelo agricultor em razão das vantagens proporcionadas
pelo produto. A instituição do sistema de royalties, à época imposto pela Monsanto, é que levanta
questionamentos em função da unilateralidade com que foi imposto aos agricultores.
234
A contaminação pode ocorrer pela troca de pólen entre plantas diferentes, ainda que separadas por uma certa
distância (trata-se do fluxo gênico ou da transferência de genes entre a espécie convencional e a transgênica)
ou pela mistura das sementes de soja contaminada com sementes da soja transgênica ao longo de toda a
cadeia produtiva da soja (nas máquinas para cultivar o solo, semear e colher a lavoura, nos caminhões que
transportam a produção, nos silos onde os grãos são armazenados). SOJA transgênica no Brasil:
contaminação e royalties. Disponível em: <http://www.greenpeace.org.br/transgenicos/pdf/contaminacao_
royalties_0505.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2007.
235
O processo de segregação envolve cuidados com limpeza de maquinários, rotulagem dos alimentos
transgênicos e a necessidade de rastreabilidade, dentre outros que geram um custo para toda a cadeia
produtiva, enquanto que os lucros da empresa dona dos direitos de propriedade intelectual são protegidos
por lei. Ibidem.
147
Monsanto não discrimina o lote de soja transgênica do lote de soja convencional
contaminado.
Diante da constatação de percentual de soja transgênica, o agricultor paga
valor superior ao que pagaria se houvesse declarado a soja transgênica, além do custo do
teste236. Desta forma, em função do teste realizado por imposição da Monsanto, o agricultor
cuja produção foi contaminada com soja transgênica paga direitos de propriedade intelectual,
mesmo não usando a tecnologia. A insuficiência do teste impõe que o agricultor pague
royalties sob a totalidade dos grãos, ainda que apenas uma pequena porcentagem de grãos seja
transgênico.
Outra questão a considerar é a hipótese de venda casada da soja RR com o
glifosato da Monsanto, em função da complementariedade dos produtos em questão. Isto
porque a empresa Monsanto veicula em seus contratos a informação de que ela somente
garante a plena eficácia de sua semente mediante a utilização do herbicida produzido pela
transnacional, o que induz a compra, pelo agricultor, do defensivo agrícola sugerido, já que a
utilização do glifosato é conseqüência lógica e óbvia do cultivo da soja geneticamente
modificada237.
Considera-se, ainda, a queda da patente da Monsanto em agosto de 2005,
ocasião em que não se verificou a cessação da cobrança de royalties. Atualmente, ação
impetrada na Justiça Federal do Rio de Janeiro pelo próprio INPI238, questiona a validade da
patente, que teria caído em domínio público em 07 de agosto de 2005.
236
237
238
Embora não represente valor substancial, a cobrança do teste é desarrazoada em função de se tratar de teste
imposto unilateralmente pela transnacional, e de interesse precípuo da mesma.
Em 12 de maio de 2000, a Nortox S.A., empresa concorrente da Monsanto no mercado de defensivos
agrícolas, manifestou sua preocupação com a possibilidade de a Monsanto vincular a venda de suas
sementes transgênicas de soja à aquisição do defensivo agrícola Roundup, produzido à base de glifosato pela
própria Monsanto, o que, segundo a manifestante, eliminaria a concorrência neste segundo mercado. (Autos
nº. 08012.004808/00-01 do Departamento de Proteção e Defesa Econômica junto à Secretaria de Direito
Econômico).
Trata-se da Ação nº 99.0063442-0, em trâmite perante a 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que até o
encerramento deste trabalho, estava concluso ao Dr. Adriano Saldanha Gomes de Oliveira, razão pela qual
não foi possível consultar seu inteiro teor.
148
Pela lei de patentes, o prazo de validade da patente é de 20 anos. O registro
da tecnologia Roundup Ready foi realizado pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1985.
Conforme a legislação brasileira, o prazo de validade da patente sob a qual a Monsanto aufere
o recolhimento dos royalties já expirou. Tendo em vista a extinção da patente, configura-se
indevida a cobrança de royalties pela empresa de forma exclusiva. Contudo, a Monsanto
mantém, por meio de liminar, o direito a percepção exclusiva dos royalties sobre a tecnologia
RR, ao argumento de que o INPI teria concedido um prazo adicional de dois anos à Monsanto
e depois voltado atrás na decisão. Registre-se que ainda que essa concessão de prazo adicional
tenha se verificado, o prazo de validade da patente expirou em agosto último (2007), não
sendo devidos, pois os valores cobrados a título de remuneração pelo uso da tecnologia.
Vale ressaltar que a expiração do prazo de uma patente concedida enseja sua
extinção e, conseqüentemente, seu respectivo objeto cai em domínio público. Desta forma,
deixam de ser subsistentes os poderes erga omnes previstos na lei como privativos do titular,
ocasião em que, passam a poder explorar o objeto da patente, todos os interessados, sem
oposição do titular239.
Não obstante, os agricultores continuam negociando o pagamento de
royalties, por meio de contratos privados, ainda que diante da possibilidade de as taxas não
serem mais devidas. Esta prática configura afronta ao princípio da informação, uma vez que
ainda que submetido pelas regras de mercado, o agricultor procede ao pagamento das taxas
imaginando-as devidas por ocasião da proteção intelectual240.
Sendo assim, os impactos negativos gerados por ocasião da liberação da
soja RR, da maneira peculiar como se deu, podem ser traduzidos pelas seguintes constatações:
infrações ao princípio da precaução, como decorrência da ausência de monitoramento pela
239
BARBOSA, Denis Borges. Perecimento e usucapião de patentes de invenção. Disponível em:
http://denisbarbosa.addr.com/123.rtf. Acesso em: 07 jan. 2008.
240
BAUMER, João. Soja transgênica volta à justiça. Disponível em: <http://celepar7cta.pr.gov.br/mppr/
noticiamp.nsf/9401e882a180c9bc03256d790046d022/bfc381ce2c73378e83257088005f81c5?OpenDocument.
Acesso em: 02 nov. 2007.
149
Monsanto para este transgênico241; déficit de informação para o consumidor acerca tecnologia
empregada no processamento do produto de consumo; baixo investimento em pesquisas sobre
a salubridade dos transgênicos; práticas comerciais que desprestigiam o princípio da
informação e a transparência necessária à boa fluidez das relações na cadeia produtiva da
soja; tudo a concorrer para a constatação de que a legitimação dos transgênicos, da forma
como ocorreu, se mostrou deveras prematura e duvidosa.
a) Análise de caso: abuso de poder econômico
Os contratos privados travados na cadeia produtiva da soja deixam
transparecer o poder econômico que a Monsanto detém no mercado da soja. A Monsanto
mantém contratos com multiplicadores, na figura das subsidiárias, com revendedores de soja,
com cooperativas e agricultores que colaboram para o pagamento de royalties sobre sua
tecnologia, e com grandes empresas concorrentes. O sistema de recolhimento instituído pela
Monsanto, por meio da cooptação dos agentes que atuam no mercado da soja, viabilizou a
formação de uma forte rede de captação de taxa, que se impõe de forma desfavorável ao elo
mais fraco da cadeia produtiva242.
A concessão da patente sobre o gene que promove resistência da soja RR ao
glifosato confere à Monsanto exclusividade sobre a venda da soja que contém sua tecnologia.
Não obstante o monopólio no mercado de sementes de soja RR, sob o manto da proteção
intelectual, e o sistema de cobrança de royalties imposto unilateralmente, os contratos
analisados a seguir demonstram a tentativa de expansão do poder econômico por meio da
241
242
Cite-se aqui outro equívoco no que tange ao processo de liberação da soja RR, quando a CTNBio elegeu a
própria Monsanto, empresa interessada na liberação do produto, como responsável pelo monitoramento
científico da soja RR para a verificação de sua estabilidade e segurança para o meio ambiente.
O fato de as vantagens obtidas com a soja RR compensarem os custos pelo pagamento da taxa tecnológica
não justifica a imputação de custo pela segregação, de responsabilidade exclusiva do agricultor, sob pena de
pagamento pelo não uso da tecnologia, e do consumidor final, que acaba por onerar-se em função de uma
escolha de comodidade e produtividade do agricultor.
150
utilização de condutas anticoncorrenciais. Trata-se de casos emblemáticos submetidos à
apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que permitem
identificar as manobras utilizadas pela Monsanto, no acordo com grandes empresas, com
vistas à sua imposição no mercado.
a.1) Ato de Concentração Econômica: Monsanto X Embrapa (Autos nº:
08012.004808/2000-01)243
O ato de concentração em exame refere-se ao acordo comercial firmado
entre Monsanto e Embrapa, intitulado “Contrato entre a Embrapa e a Monsanto do Brasil
Ltda” e ao “Contrato de Cooperação Técnica”, também submetido à análise perante a
Secretaria de Direito Econômico, junto ao Ministério da Justiça.
O acordo tem por objeto licenciamento através do qual a Embrapa poderá
utilizar o gene desenvolvido pela Monsanto em seus cultivares de soja, tornando-os tolerantes
ao princípio ativo glifosato. O objetivo da operação é diversificar a capacidade de tolerância
ao glifosato nas variedades de soja desenvolvidas pela Embrapa244. Note-se que a tecnologia
envolvida na operação é a única existente no mercado atualmente e é objeto de patente detida
pela Monsanto.
243
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Ato de Concentração nº
08012.004808/2000-01. Ato de Concentração – Acordo firmado entre Monsanto e Embrapa para utilização
da tecnologia do gene round-up – possibilidade de dano à concorrência - Apresentação da operação
intempestiva. Alteração da cláusula 4.3 do contrato de cooperação técnica – Parecer pela aprovação com
restrições. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/ASPIntranet/temp/t251200811481359.pdf>. Acesso em:
12 dez. 2007
244
Interessa à Monsanto o acordo com a Embrapa, especificamente em razão de que atualmente, tem sido
determinante para a escolha entre soja transgênica ou convencional, fatores que vão além da produtividade
ou resistência ao glifosato. A ferrugem asiática, doença que atinge o plantio de soja no final do ciclo de
produção pode comprometer sobremaneira a plantação de soja, razão pela qual necessário se faz o
desenvolvimento de variedades de soja precoce, que possam ser colhidas antes do risco de contaminação
pela ferrugem asiática. À inexistência da variedade de soja precoce (desenvolvida pela Embrapa) com
componente de resistência ao glifosato (de propriedade da Monsanto), a Monsanto procedeu ao acordo sub
exame, com vistas a se impor definitivamente sobre o mercado de soja convencional.
151
O parecer alude que, malgrado o monopólio do mercado de sementes de
soja transgênica resistente a glifosato245, pela Monsanto, na medida em que as sementes
transgênicas são substituíveis pelas convencionais, ao agricultor é dada a possibilidade de
optar pelas sementes geneticamente modificadas ou orgânicas, sendo, portanto o mercado
relevante determinado tanto pelas sementes geneticamente modificadas como pelas
convencionais.
Sob a ótica antitruste, o parecer descreve a operação como próconcorrencial, com ressalva quanto às implicações no mercado de defensivos agrícolas, no
particular, tendo em vista a complementaridade dos produtos em questão – a soja com
tecnologia da Monsanto e o defensivo agrícola que promove a característica da soja, também
fornecida pela transnacional. Importa ressaltar, neste mister que, enquanto a Monsanto detém
o controle sobre a venda e produção da soja transgênica, o que viabiliza seu sistema eficaz de
cobrança, a Embrapa carece de estrutura para proceder ao recolhimento pertinente ao
desenvolvimento das suas variedades. (ANEXO G).
Com efeito, o sistema engendrado pela Monsanto para a captação de
royalties é infinitamente desenvolvido quando em comparação com a capacidade de captação
da Embrapa. Desta forma, o mercado transgênico lucra com as novas variedades tolerantes ao
glifosato, desenvolvidos pela Embrapa, que em contramão não consegue implantar o sistema
de recolhimento de royalties pelas variedades desenvolvidas, como a Monsanto. (ex vi
ANEXO C).
A única ressalva feita na análise do ato de concentração em comento diz
com a possibilidade de a cessão de tecnologia pela Monsanto causar prejuízos à livre
concorrência em relação ao mercado de defensivos agrícolas à base de glifosato, dependendo
dos termos e condições da cessão e comercialização das sementes.
245
Resultado da concessão de patente sobre a qual se funda os direitos de propriedade da Monsanto sobre a
tecnologia RR.
152
Em razão disso o parecer determina a aprovação do ato, condicionada à
alteração da redação da cláusula 43 do Contrato de Cooperação Técnica, tendo em vista a
possibilidade de efeitos anticoncorrenciais. Segue teor da referida cláusula:
4.3 A Embrapa-Soja usará apenas herbicida à base de Glifosate de marca
Roundup® para avaliar as linhagens e cultivares de soja tolerantes ao
Roundup, derivadas do presente contrato.
A exclusividade na utilização do glifosato produzido pela Monsanto induz a
transferência ou, mais propriamente, a extensão do monopólio no mercado de soja, decorrente
da patente sobre a tecnologia RR, para o mercado de defensivos agrícolas formulados à base
de glifosato, onde existe a concorrência.
A restrição imposta à Embrapa por meio da aludida exclusividade representa
impedimento para o ingresso de defensivos agrícolas à base de glifosato no mercado, em
prejuízo do desenvolvimento de novos produtos, como também, da queda nos preços desses
defensivos agrícolas, o que beneficiaria os consumidores.
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico entendeu, na análise do caso,
pela ausência de concentração horizontal decorrente da operação, uma vez que esta permitirá
aos agricultores acesso à tecnologia RR, por meio da maior diversidade possível de cultivares,
o que implicará em novas possibilidades de produção e redução de custos. Nesse sentido
aprova o ato de concentração à recomendação de substituição da redação da cláusula 43 do
Contrato, com a garantia de que a Embrapa-soja possa utilizar herbicidas de outras marcas
para avaliar a eficácia destes produtos sobre as linhagens e cultivares de soja tolerantes ao
glifosato.
Falece de fundamento a imposição de cláusula de exclusividade quanto ao
uso de herbicidas à base de glifosato. Ainda que não haja concorrência na esfera da soja RR,
o mercado de defensivos agrícolas ficaria notoriamente comprometido pela vinculação da
Embrapa, referência nacional em desenvolvimento tecnológico de produtos agrícolas, à
153
utilização exclusiva dos produtos da Monsanto. Com acerto o parecer entendeu pela
impropriedade da cláusula, tendo em vista a caracterização de venda casada, pela vinculação
da venda de sementes de soja à aquisição do defensivo agrícola Roundup da Monsanto.
Frise-se, no entanto, que a redação proposta para fins de alteração da
cláusula não representa uma mudança expressiva na conduta rechaçada, na medida em que
mantém a determinação pelo uso do herbicida de marca Roundup, ressalvando apenas a
possibilidade de utilização de outras marcas, à discricionariedade da Embrapa. Segue teor da
redação proposta:
4.3 A Embrapa-Soja usará apenas herbicida à base de Glifosate de marca
Roundup® nas avaliações de linhagens e cultivares de soja tolerantes ao
Roundup solicitadas pela MONSANTO nos termos do presente contrato.
Esta obrigação não impede, portanto, que a Embrapa-Soja utilize herbicidas
de outras marcas para avaliar a eficácia destes sobre as linhagens e cultivares
de soja tolerantes ao Roundup.
De toda forma, cumpre enaltecer o reconhecimento da conduta
anticoncorrencial pela tentativa da Monsanto em estender seu monopólio sob um mercado em
plena afluência.
a.2) Ato de Concentração: Monsanto X Fundação Mato Grosso X Unisoja (Autos
nº 08012.003997/2003-83)246
O acordo disciplina as condições para a exploração comercial de variedades
de semente de soja da FMT e da Unisoja que contenham o gene RR, de propriedade do
Monsanto. Por meio do Contrato analisado a Monsanto confere à FMT e Unisoja “licença não
exclusiva e não transferível de utilização das patentes Monsanto, para fins de produção e
comercialização das aludidas sementes em solo brasileiro”.
246
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Ato de Concentração nº
08012.004808/2000-01. Ato de Concentração – Acordo firmado entre Monsanto e Embrapa para utilização
da tecnologia do gene round-up – possibilidade de dano à concorrência - Apresentação da operação
intempestiva. Alteração da cláusula 4.3 do contrato de cooperação técnica – Parecer pela aprovação com
restrições. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/ASPIntranet/temp/t251200811481359.pdf>. Acesso em:
12 dez. 2007
154
Conforme o acordo, a FMT e Unisoja figuram como multiplicadores
responsáveis pela coleta de royalties junto aos agricultores. Para tanto, a Monsanto
compromete-se a proceder a remuneração no percentual de 12,5% do valor total anual de
royalties que a Monsanto receber de seus licenciados.
Entretanto, determinação contratual expressa na cláusula 2.4 do referido
acordo impõe restrições ao parceiro comercial, conforme transcrição integral da cláusula:
Durante a vigência do presente Acordo, FMT / UNISOJA não poderão direta
ou indiretamente, explorar comercialmente, sob qualquer forma, variedades
de soja tolerantes ao glifosato que não tenham sido obtidas através do
Acordo Técnico, bem como não poderão introduzir nas Cultivares RR,
desenvolvidas com a Tecnologia Monsanto, qualquer outra tecnologia, sem
que haja a prévia concordância por escrito da Mobras. A vedação definitiva
neste item não impedirá à FMT e à UNISOJA firmar acordos comerciais
similares ao presente com terceiros, desde que as variedades de soja
envolvidas em tais acordos não expressem tolerância ao glifosato.
A restrição impede a FMT e Unisoja de explorarem comercialmente
variedades de soja tolerantes ao glifosato que não sejam de propriedade da Monsanto. De
acordo com entendimento da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), uma vez
que as empresas referidas no presente acordo respondem por quase 83% da oferta de semente
de soja para plantio (38,35% das requerentes, somado com as participações da Embrapa e
Coodetec, que assinaram acordos idênticos ao presente com a Monsanto), a restrição imposta
representa sério obstáculo ao investimento de outras empresas de biotecnologia nesse
mercado, com risco de aumento de custos para os produtores de soja brasileiros247.
Por seu turno, a Secretaria de Direito Econômico opinou no sentido de que a
cláusula de exclusividade presente no instrumento contratual podem ter limitações que
limitem a concorrência se viger após o prazo de expiração da patente. Ressalte-se que este
entendimento foi acolhido pelo CADE, que determinou a aprovação do ato condicionada à
247
Ressalte-se que o entendimento da SEAE ficou preterido em função de a Secretaria ter pautado sua análise
com base na oferta do produto, o que não coadunava com as interpretações mais recentes dadas pelo CADE a
casos semelhantes.
155
restrição com referência à cláusula 2.4, somente no que tange à validade da exclusividade, que
deverá subsistir apenas até que a tecnologia de propriedade da Monsanto com relação á
semente RR caia em domínio público.
a.3) Ato de Concentração: Monsanto X Cargill (Autos n.º 08012.005135/98-01)248
O ato de concentração em análise trata da aquisição da Cargill Incorporated
pela Monsanto Company249, tendo como pano de fundo a verificação de venda casada. A
operação justifica-se pelo desenvolvimento de germoplasma tropical adequado às condições
brasileiras, pela Monsanto, tendo em vista os centros de pesquisa e de produção de que dispõe
a Cargill, indispensáveis para o aludido desenvolvimento.
Uma vez que a Monsanto agora participa dos mercados de sementes e de
herbicidas à base de glifosato, esta situação poderia gerar condições para que a empresa
praticasse condutas anticompetitivas em função da complementaridade dos produtos
oferecidos.
Folheto distribuído aos agricultores pela Monsanto (juntado aos autos de
concentração econômica sub exame) contém declaração da Monsanto que restringe a garantia
concedida para a semente de soja RR somente quando for utilizado o seu herbicida na lavoura
em questão. Entretanto, importa ressaltar que a eficiência dos herbicidas é dada pelo
Ministério da Agricultura, que após testes e análises permite a utilização do produto. Sendo
assim, a garantia da efetividade obtida mediante autorização do Ministério da Agricultura gera
presunção do adequado funcionamento do herbicida, não se afigurando pertinente a restrição
de garantia pela Monsanto.
248
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Ato de Concentração nº
08012.004808/2000-01. Ato de Concentração – Acordo firmado entre Monsanto e Embrapa para utilização
da tecnologia do gene round-up – possibilidade de dano à concorrência - Apresentação da operação
intempestiva. Alteração da cláusula 4.3 do contrato de cooperação técnica – Parecer pela aprovação com
restrições. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/ASPIntranet/temp/t251200811481359.pdf>. Acesso em:
12 dez. 2007
249
No Brasil a operação significa a aquisição da Cargill Agrícola S.A. pela Monsanto do Brasil.
156
Não obstante a elevada participação no mercado de herbicida à base de
glifosato pela Monsanto, o parecer sub exame entendeu que o aumento da produção de
genéricos resultou na queda no valor do preço do herbicida à base de glifosato,
desconfigurando os efeitos anticoncorrenciais ventilados. Isto porque, à época da elaboração
do parecer, a soja RR ainda não havia sido liberada comercialmente, e o mercado de
defensivos não sofreria limitação concorrencial apenas pela aprovação do acordo em
comento.
Em que pese a conjuntura analisada não favorecer a prática de atos
anticompetitivos para o mercado de defensivos agrícolas, por parte das empresas requerentes,
o parecer do CADE aprovou o ato de concentração apenas mediante a seguinte
recomendação, tendo em vista a possibilidade de liberação comercial da soja:
A empresa Monsanto não poderá restringir a garantia concedida para a
semente somente quando for utilizado o seu herbicida na lavoura em
questão, devendo esclarecer nas especificações técnicas das sementes
comercializadas que as mesmas poderão ser utilizadas com outras marcas de
herbicidas à base de glifosato, desde que estas marcas estejam devidamente
autorizadas pelo Ministério da Agricultura para esta finalidade específica.
Análise do ato de concentração levado a julgamento pelo CADE no ano de
2007, revela a situação reincidente dos contratos até agora analisados250. Trata-se de Ato de
Concentração relativo a Contrato de licenciamento pela Monsanto do Brasil Ltda à Brasmax
Genérica LTDA de tecnologia para sementes de soja geneticamente modificada.
No julgamento do Ato de Concentração em análise, o CADE definiu como
mercado relevante, para fins de identificação de abuso do poder econômico, o de Tecnologia,
Melhoramento, Multiplicação e Comercialização de soja RR. O Conselho entendeu pelo
benefício social do Contrato, em virtude da difusão de tecnologia, e aprovou o ato com
restrição acerca de cláusula de exclusividade imposta pela Monsanto.
250
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Autos de Concentração nº
08012.003296/2007-78. Ato de Concentração. Cláusula de exclusividade. Submissão tempestiva. Aprovado
com restrições. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/ASPIntranet/temp/t251200817202505.pdf>.
Acesso em: 08 jan. 2008.
157
Para tanto, foram analisados os seguintes aspectos: Quatro são as etapas do
processo produtivo das sementes de soja RR: 1) desenvolvimento da tecnologia; 2)
incorporação da tecnologia às diferentes variedades de soja existentes; 3) multiplicação das
sementes; 4) comercialização das sementes. A Monsanto participa da primeira etapa,
desenvolvendo a tecnologia. A tecnologia é licenciada por meio de acordos comerciais, como
os até então analisados, sendo que, no caso concreto, o licenciamento ocorreu à Brasmax,
identificada neste processo como “obtentor vegetal de semente” ou simplesmente
“melhorista”, responsável pela segunda etapa do processo produtivo.
A Brasmax, proprietária dos bancos de germoplasma que contêm as
variedades de semente de soja com a tecnologia RR, cria então um novo cultivar, como se
fosse uma matriz, chamada Brasmax RR. As fases de multiplicação e comercialização de
sementes é de responsabilidade de terceiros, chamados multiplicadores, que também devem
obter licença, tanto com relação ao melhorista, cujo banco de germoplasma é protegido pela
Lei de Cultivares, como em relação à propriedade intelectual envolvida no uso da tecnologia
Monsanto.
Registre-se que somente após esse processo é que se dá a venda das
sementes aos agricultores, razão pela qual o mercado relevante foi definido, não com relação
à participação de mercado em termo de vendas de sementes, mas com relação à possibilidade
de manipulação de preço e fechamento de mercado decorrente do fornecimento de tecnologia
para a produção de sementes de soja resistentes ao glifosato para empresas que vão fornecer o
produto final.
Diante disto, duas cláusulas de exclusividade foram identificadas com
potencialidade de exercício de poder de mercado e de fechamento de mercado dos obtentores
e dos terceiros multiplicadores. A primeira cláusula importa em exclusividade entre o
fornecedor da tecnologia e o melhorista, portanto, entre a primeira e segunda etapa do
158
processo produtivo. A segunda cláusula, por sua vez, atua entre a terceira e quarta etapa, ou
seja, na multiplicação e comercialização da semente.
A primeira cláusula dispunha da seguinte redação:
2.4. Durante a vidência do presente Acordo, a BRASMAX não poderá,
direta ou indiretamente, introduzir nas Cultivares RR desenvolvidas com a
Tecnologia Monsanto qualquer outra característica de modificação genética
por meio de tecnologia de DNA recombinante, sem que haja prévia
concordância por escrito da MOBRAS.
Já a segunda cláusula contestada continha a seguinte disposição:
3.1.2 A BRASMAX somente poderá contratar e licenciar terceiros para
multiplicação, produção e/ou comercialização das Sementes RR após
referidos terceiros estarem licenciados pela MOBRAS para utilização e/ou
exploração comercial da Tecnologia Monsanto. Para tais efeitos, a
BRASMAX deverá indicar a MOBRAS as pessoas, físicas ou jurídicas,
junto às quais pretende contratar a produção e/ou comercialização, podendo
a MOBRAS deixar de efetuar licenciamento, somente na hipótese da (s)
referida (s) pessoa (s) (I) encontra(em-) se em situação de insolvência,
liquidação ou concordata); (II) estar (em) em situação de inadimplência
junto à MOBRAS ou a qualquer empresa pertencente ao seu grupo
econômico; (III) produzir (em) ou comercializar (em) sementes de soja com
tolerância ao glifosato que não contenha a tecnologia Monsanto; (IV) serem
pessoas físicas ou jurídicas (a) que estejam, ou venham a estar, de qualquer
maneira coligadas a empresas ou a grupo econômico que concorra com a
MOBRAS ou com empresas do mesmo grupo econômico da MOBRAS na
área de herbicidas à base de glifosato ou (b) que sejam obtentores vegetais
de sementes de soja, excetuados os obtentores inseridos no âmbito do
presente Acordo.
As cláusulas em referência restringem a Brasmax à utilização de sementes
com tecnologia fornecida pela Monsanto, exclusivamente, ao argumento da transnacional de
que a ausência das cláusulas poderia comprometer sua imagem, diante da possibilidade de sua
tecnologia ser usada indevidamente ou mesclada com tecnologias alternativas, o que poderia
implicar em sementes ineficazes e, conseqüentemente, trazer problemas jurídicos em função
do Código de Defesa do Consumidor.
Não obstante, há que se levar em conta também o motivo de preocupação
quanto à carga anticompetitiva de cláusulas contratuais como estas, que podem configurar
barreiras intransponíveis para que empresas produtoras de herbicidas atuem em mercados
159
relacionados ao de sementes de soja, como o defensivo agrícola glifosato251, o que indicaria a
abusividade da cláusula de exclusividade que, não obstante presente em Acordo privado,
invade matéria de interesse da coletividade.
Relativamente à primeira cláusula, o Acordo foi aprovado com restrições,
mediante a alteração da cláusula em comento para se acrescentar a expressão “A vedação
definida neste item não impedirá a BRASMAX firmar acordos comerciais similares ao
presente com terceiros”. Para tanto, entendeu-se que não pode, a proteção do direito da
Monsanto impedir a BRASMAX de desenvolver tecnologias próprias ou de firmar acordos
com terceiros detentores de outras tecnologias.
Para a segunda cláusula, entendeu-se que é possível a manutenção da
exclusividade, nos termos da cláusula analisada, conquanto o multiplicador não comprove que
ele possa segregar as diferentes tecnologias quando ele multiplica. Este dispositivo promove
a proteção contra a “pirataria” sem, contudo, provocar uma medida anticompetitiva.
A análise dos atos de concentração em comento permite concluir que à
ausência de concorrência no mercado de soja transgênica resistente à glifosato, a Monsanto
impõe condições arbitrárias aos seus parceiros comerciais, que em função de conveniências
concedidas acabam por onerar o elo final da cadeia produtiva – o agricultor e o consumidor
final, necessitando sempre a intervenção do Conselho para a garantia da saúde do mercado.
3.2.6 PONTOS A PONDERAR
A análise da governança privada da soja transgênica repousa nas relações
privadas desenvolvidas entre os diversos atores da cadeia produtiva da soja e suas implicações
251
Este último caso, vinculado à possibilidade de que a cláusula de exclusividade pudesse estender o poder de
mercado obtido pelo seu monopólio legal, relativamente à patente da tecnologia RR, ao segmento de
produção de herbicidas a base de glifosato, no qual a Monsanto também atua.
160
na ordem econômica e social. O estudo de casos concretos analisados sob a perspectiva do
CADE permite ingressar na avaliação dos potenciais impactos anticompetitivos da
comercialização dos organismos geneticamente modificados.
Conforme apreendido da análise dos casos supramencionados, a
comercialização dos transgênicos pode-se traduzir em efeitos nocivos ao ambiente
concorrencial, comprometendo a saúde do mercado. Dentre as razões apontadas para o
desarranjo da estrutura de mercado estão a eliminação de concorrentes, a elevação de
barreiras à entrada de novos atores, o aumento do poder de mercado do agente criador de
OGMs, a dominação das demais etapas da cadeia produtiva relacionadas ao mercado
relevante do transgênico (in casu, soja convencional e transgênica), a futura elevação de
preços, o abuso da posição dominante e a redução da pluralidade de escolhas do
consumidor252.
É inconteste o atributo dos transgênicos de apresentar características que os
tornem mais competitivos. Diante desta constatação, a moderna biotecnologia alimentar
possui a potencialidade de eliminar do mercado as empresas que não tenham acesso às novas
tecnologias, ou que não queiram produzir alimentos transgênicos. A introdução no mercado
de produtos transgênicos pode, ainda, concorrer para obstaculizar a entrada de novas
empresas no mercado.
No caso específico da soja, a par do interesse dos agricultores nas vantagens
oferecidas pelo produto, também a complementaridade dos produtos defensivos e das
sementes é fator de preocupação para a boa fluidez do mercado. Esta preocupação revela-se
me função do potencial das empresas produtoras de transgênicos na produção de produtos
geneticamente modificados que dependam de outros desenvolvidos para a aplicação
252
QUEIROZ, Pedro Aurélio de. Regulação concorrencial dos organismos geneticamente modificados. Revista
de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, a. 3, n. 9, p. 219-236, jan./mar. 2005.
161
específica nos primeiros e cuja produção por concorrentes seja inviável, difícil ou
intempestiva253.
Nos casos concretos analisados acima, a conclusão do CADE foi pela
hipótese de venda casada promovida pela Monsanto que, mediante as práticas
anticoncorrenciais efetuadas, estaria impedindo ou dificultando o acesso de seus concorrentes
ao mercado de defensivos agrícolas destinados à aplicação na soja RR, além de induzir a
aquisição conjunta, pelo consumidor, da soja RR e do herbicida Roundup.
A redução da escolha do consumidor pode ocorrer também em função da
redução da biodiversidade, promovida pelas vantagens adaptativas que o transgênico possui
sobre os demais organismos, além da possibilidade de os próprios agricultores optarem pelo
plantio de transgênico ao convencional, haja vista as vantagens inerentes ao produto
transgênico.
Assim, os efeitos negativos dos novos produtos, relativamente ao mercado,
podem se expressar, tanto na redução das opções de consumo ou na elevação de preços dos
produtos convencionais existentes, tendo em vista a superioridade competitiva do transgênico,
quanto no desestímulo do plantio de convencionais, face à vantagem comparativa entre
transgênico e convencional.
Ademais disto, o número reduzido de empresas capazes de produzir
produtos transgênicos por si só potencializa os riscos anticoncorrenciais. Aliado a esta
constatação, está a possibilidade da exploração econômica dos transgênicos gozar de proteção
patentária, que como se sabe, confere ao titular da patente o monopólio temporário sobre os
novos produtos, contrariando os conceitos da livre concorrência254.
Sobre este mister, importa ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro
não dispõe de mecanismos de defesa da concorrência que possam ser aplicáveis à mitigação
253
254
Ibidem.
QUEIROZ, Pedro Aurélio de. Regulação concorrencial dos organismos geneticamente modificados. Revista
de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, a. 3, n. 9, p. 219-236, jan./mar. 2005.
162
de riscos concorrenciais decorrentes do advento dos novos produtos resultantes da engenharia
genética. A Lei 8884/94 prevê como mecanismo de controle das infrações contra a ordem
econômica os controles repressivo e preventivo.
O controle repressivo refere-se ao exame de legalidade posterior à
identificação de anomalias comportamentais dos agentes econômicos. Isto porque a incidência
do controle ocorre mediante a constatação das hipóteses previstas em lei255, que representam
impactos anticompetitivos advindos da comercialização dos transgênicos. Desta forma, o
controle repressivo apenas terá efeitos sobre os abusos cometidos na comercialização dos
transgênicos, referentes à venda casada, combinação de preços entre concorrentes, cartel, etc.
Não obstante os efeitos negativos à saúde do mercado, decorrentes do
lançamento de produtos transgênicos na estrutura de mercado (elevação de barreiras à entrada,
eliminação de concorrentes e monopolização de mercados), o art. 20 § 1º da Lei 8884/94
determina que a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior
eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito de
dominação de mercados de bens e serviços256. Desta forma, o mecanismo de controle
repressivo oferecido pela lei brasileira mostra-se ineficiente à eliminação de riscos
econômicos produzidos pelo advento dos novos produtos, no caso em análise.
Já o controle preventivo dedica-se à análise das concentrações empresariais
que possam limitar a livre concorrência ou resultar na dominação de mercados257, ex vi as
255
Ex vi art. 20 da Lei 8884/94:
“Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma
manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam
alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante”. BRASIL. Lei 8884 de 11 de junho de 1994. Transforma o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão
às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8884.htm Acesso em: 05 jan. 2008.
256
Assim, o que a Monsanto em verdade exerce sobre o mercado é posição dominante e não abuso de poder
econômico, e, portanto, permitido em lei.
257
Conforme previsão do art. 54 da lei 8884/94:
163
fusões, incorporações e joint adventures. Este controle se opera de forma prévia às operações
econômicas realizadas entre empresas e que gerem concentração de mercado. Registre-se que
deverão ser apresentados à apreciação do CADE os atos de concentração que impliquem
participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% de um mercado relevante
ou no caso em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual
equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de Reais).
Em análise comparativa dos riscos concorrenciais provocados pelos novos
produtos, Queiroz258 argumenta que “a comercialização de um produto transgênico pode gerar
os mesmos efeitos anticompetitivos de um ato de concentração, mas, devido à ausência de
mecanismos legais específicos de proteção da concorrência, não ensejar qualquer tipo de
controle”. Anote-se que esta constatação decorre do fato de que enquanto a criação de OGMs
padece da dificuldade de mensuração prévia dos impactos concorrenciais, o que inviabiliza a
sua punição per se, a celebração de um ato econômico revela-se factível, haja vista a
possibilidade de cálculo da participação de mercado resultante da operação.
No que se refere às patentes, a intervenção legal apenas se opera em sede de
controle repressivo, ou seja, no caso da empresa abusar do poder de monopólio decorrente da
exploração da patente. Neste caso, o CADE poderá oferecer recomendação aos órgãos
públicos competentes para que seja concedida licença compulsória na hipótese do titular da
patente exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, praticando abuso de poder
econômico. Registre-se que a licença compulsória é hipótese prevista na Lei de Patentes
(9279/96) e no Acordo TRIPS (artigo 31, k), para os casos de conduta anticoncorrencial.
A relação das práticas analisadas com o princípio da precaução revela-se em
função de uma percepção ampliada do referido princípio. O espectro de incidência do
258
Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a
livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser
submetidos à apreciação do CADE. Ibidem.
QUEIROZ, Pedro Aurélio de. Regulação concorrencial dos organismos geneticamente modificados. Revista
de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, a. 3, n. 9, p. 230, jan./mar. 2005.
164
princípio da precaução deve se alargar para abranger o afastamento de perigo e a segurança
das futuras gerações no contexto de sustentabilidade ambiental das atividades humanas, tendo
em vista as externalidades do desenvolvimento econômico.
É preciso cuidado, contudo, na apreciação das práticas comerciais conforme
a interpretação que seja dada ao princípio da precaução. No início do trabalho foram sugeridas
três tendências de interpretação do princípio em comento, a concepção maximalista, a
minimalista e a intermediária. Conforme se afirmou, a posição intermediária é a mais indicada
à orientação das práticas que envolvam riscos ao ambiente como um todo.
Desta forma é que,
ainda que a operacionalização do princípio já envolva, em certa medida, um
questionamento sobre a própria conveniência da atividade econômica, não
parece razoável que a intervenção estatal em nome da precaução imponha
ônus sociais superiores aos que seriam suportados no caso da permissão da
atividade .259
Daí aferir-se a estreita relação entre o princípio da precaução e as práticas
analisadas. Isto porque os riscos concorrenciais resultantes da comercialização dos
transgênicos devem ser considerados em meio à avaliação social dos riscos e perigos advindos
do desenvolvimento econômico. Neste sentido, Derani260 revela que
É dever do Estado minimizar os efeitos negativos e os riscos aportados por
novas tecnologias direcionadas a resultados privados, fomentando o aumento
da vantagem social dentro do lucro privado. O Estado deve disciplinar este
desenvolvimento tendo em vista uma economia global, procurando
resguardar a competitividade no mercado interno e externo e a utilidade
social das inovações.
Desta maneira, o princípio da precaução deve ser considerado, ao lado dos
controles preventivo e repressivo, com vistas à promoção de um desenvolvimento econômico
sustentável.
259
260
QUEIROZ, Pedro Aurélio de. Regulação concorrencial dos organismos geneticamente modificados. Revista
de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, a. 3, n. 9, p. 234, jan./mar. 2005.
DERANI, Cristine. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 182 apud QUEIROZ,
op. cit. p. 234.
165
Hão de ser sopesados, ainda, na avaliação da atividade desenvolvida, os
custos e benefícios da ação ou da falta da ação, sem que isso implique na sobreposição dos
valores econômicos aos sociais. Para isso é que se faz necessário o maior grau de
transparência possível na apreciação das atividades que envolvam questões relacionadas à
biossegurança.
Sendo assim, a correta conjugação do princípio da precaução com as
práticas econômicas que impactam o bem-estar social requer a efetivação do princípio da
informação, revelado pelo aprimoramento da publicidade dos atos relacionados a
biossegurança dos novos produtos e da participação intensa da sociedade civil. Somente com
o implemento dos princípios da precaução e da informação nas práticas privadas na cadeia
produtiva da soja, o desenvolvimento econômico sustentável estará efetivamente garantido,
para que dele possam usufruir as presentes e futuras gerações.
166
CONCLUSÃO
O questionamento acerca dos transgênicos pode ser desenvolvido a partir de
diversos pontos de vista. Pode-se analisar a deferência aos novos produtos em função dos
benefícios econômicos percebidos ao longo da cadeia produtiva do transgênico, sob a ótica do
desenvolvimento científico e tecnológico, bem como do ganho social sob as inovações
decorrentes, ou do aumento da produtividade nas lavouras de forma sustentável.
Por outro lado, questionamentos de ordem ideológica, que inviabilizam o
debate consciente sobre o assunto, ou provenientes da preocupação de segmentos diversos da
sociedade em relação à potencialidade de riscos ao meio ambiente e à saúde humana,
contrastam com o deslumbramento acerca dos novos produtos e impõe a necessidade de
cautela.
O princípio da precaução recomenda a tomada de decisão que determine a
regulação em face das atividades que ofereçam um potencial, ainda que incerto, de causar
dano, baseado no melhor conhecimento científico disponível, com vistas a evitar danos
concretos provenientes de evento que envolva riscos potenciais à diversidade biológica.
O caráter problemático deste princípio repousa sob a intensidade da tutela
jurídica outorgada. Uma vez que seu comando determina a imposição de gravames à atividade
portadora de dano plausível, antes mesmo da absoluta certeza científica acerca da ameaça real
ao meio ambiente, corre-se o risco de o poder público determinar a adoção de medidas
desproporcionais para equacionar a situação, comprometendo o livre desenvolvimento de
outras áreas de interesse, como a cientifica, tecnológica e econômica.
Com base nisso, sugere-se que o princípio seja aplicado por meio da adoção
de medidas econômicas proporcionais visando a evitar a degradação ambiental, sem que para
isso seja necessário promover a paralisação das atividades econômicas e científicas
167
envolvidas. Sendo assim, prestigia-se o procedimento de decisão com base em medidas
proporcionais ao nível de proteção procurado, o que deve ocorrer de maneira transparente e
com o envolvimento da totalidade das partes interessadas.
Infere-se disto, que a completa realização do princípio da precaução requer a
observância a um outro princípio, de alto relevo social - o princípio da informação. Este
princípio confere à sociedade a possibilidade de formar sua consciência coletiva, livre da
ingerência de interesses contrários ao interesse público, promovendo assim um suporte
abalizado das decisões relativas ao bem-estar social.
Para tanto, novas vias de difusão de informação, mais eficazes e adequadas
ao nível cultural da população, devem ser construídas a fim de efetivar os direitos
consumeristas que dependem da realização deste princípio, bem como o engajamento social
com as questões que envolvem a proteção à saúde humana e a preservação ambiental.
No que tange à efetivação do princípio no âmbito da governança pública,
deve-se buscar a transparência das decisões que se refletem sobre os interesses sociais, além
da publicidade eficaz dos atos realizados pelas instituições públicas competentes e da
veiculação de informações de forma mais eficiente. A promoção destas medidas deve
compreender as manifestações sociais que vão desde campanhas de orientação da opinião
pública até debates em espaços viabilizados por entidades do Terceiro Setor.
No âmbito da governança privada, por sua vez, a correta informação ao
longo da cadeia produtiva do produto transgênico, in casu, a soja geneticamente modificada,
deve servir de respaldo à manutenção da saúde do mercado, no que tange à transparência nas
relações e à prestação de informações entre parceiros comerciais, e do consumidor, no que se
refere à maximização do processo de rotulagem, a fim de que a população tenha real acesso às
informações que possam influenciar no seu poder de escolha.
168
A análise da governança da soja GM permitiu inferir que a estabilidade do
quadro problemático decorrente das lavouras clandestinas de soja transgênica ocorreu de
forma prematura e lesiva aos interesses de determinados segmentos que integram o processo
de governança.
Medidas precipitadas foram tomadas em função da irreversibilidade do
cenário agrícola naquela ocasião, que se refletia total e amplamente na cena econômica do
país. A confusão legislativa e a discrepância entre os órgãos públicos responsáveis pela
condução do processo de liberação da soja RR foram as principais decorrências da
regularização precoce do problema.
A conduta precautória imposta por ocasião dos Tratados firmados pelo
Brasil (CDB e Protocolo de Biossegurança) e da legislação específica sobre o tema (Lei
11.105/2005) ficou diversas vezes posta em segundo plano em função das necessidades
iminentes a serem equacionadas. Por outro lado, também o desenvolvimento científico ficou
prejudicado em face da falta de respaldo na ocasião.
Não obstante a Análise Prévia de Risco realizada pela CTNBio para a
liberação da soja RR, a conduta precautória impunha, na situação in concreto, a realização do
Estudo de Impacto Ambiental, com o respectivo Relatório de Impacto Ambiental, responsável
pela publicidade e acesso dos estudos à população interessada, com vistas à participação
social no processo decisório acerca da liberação; o programa de monitoramento desenvolvido
à época deveria ter sido implementado, sob normas rígidas de fiscalização dos seus efeitos;
meios mais eficazes de difusão de informações poderiam ter sido veiculados tendo em vista a
sustentabilidade da decisão tomada, etc.
Em que pese a governança pública da soja transgênica no Brasil tenha
gerado um quadro normativo confuso e instituições incoerentes entre si, a análise geral feita a
partir dos estudos que precederam a esta conclusão, indicam a peculiaridade da situação como
169
a principal responsável pelos reflexos negativos atribuídos à liberação da soja RR. Dentre
estes reflexos, importa destacar, a inabilidade de determinadas instituições na fiscalização de
plantios e de rotulagem dos produtos, a ausência de monitoramento da soja transgênica
liberada, a concessão da patente sobre gene pelo INPI, que indiretamente atribuiu proteção
patentária sobre a planta, resultando em um cenário de submissão ao sistema de royalties
instituído pela empresa detentora das patentes, entre outras questões.
No que se refere à governança privada, é possível inferir do estudo
desenvolvido, que a tecnologia refletida nos transgênicos já não é o principal foco de
preocupação, uma vez que se tornou realidade na cena nacional. No âmbito das relações
privadas da governança da soja, o enfoque do questionamento agora paira sobre a
monopolização e uso indevido da tecnologia pelas grandes empresas.
O surgimento de outras tecnologias na área agrícola, notadamente na esfera
dos transgênicos, se encarregará de regularizar o sistema de cobranças e a concorrência
perfeita no mercado. Enquanto isso, uma alternativa, ao impacto da concessão de patentes, já
em prática atualmente, é a regulamentação do sistema de recolhimento de taxa tecnológica,
mediante acordo entre os setores envolvidos – empresas, agricultores e governo, e maior
transparência nas relações entre parceiros comerciais.
Já no que diz respeito à governança pública, o problema persistente está na
falta de articulação entre os órgãos públicos, na inconsistência da tomada de decisão sobre as
liberações sob consulta, na ausência de cumprimento das determinações normativas que
estabelecem a adoção de critérios precaucionistas e na credibilidade das instituições perante a
sociedade civil.
A quase ineficácia das decisões da CTNBio acerca das liberações de
produtos transgênicos, em virtude das liminares perante o Poder Judiciário, reflete o
descompasso entre órgãos da Administração Pública no tratamento dos transgênicos. Por
170
outro lado, a falta de observância, pela CTNBio, às determinações legais que condicionam a
liberação de produtos transgênicos à elaboração de normas de coexistência e de
monitoramento pós-liberação comercial, têm configurado óbice às autorizações já concedidas
pela Comissão (ex vi o sobrestamento da liberação do milho MON 810 da Monsanto, que
tramita perante a Vara Ambiental de Curitiba - autos nº 2007.7000015712-8).
Toda esta realidade concorre para a falta de credibilidade das instituições
públicas que trabalham com a biossegurança de produtos transgênicos, haja vista a falta de
consenso entre os Poderes Executivo e Judiciário acerca da cautela necessária à liberação
destes produtos.
Diante deste quadro, persiste o questionamento provocado no início da
pesquisa. As regras de governança da soja geneticamente modificada promovem a conciliação
entre segurança alimentar, proteção ambiental e desenvolvimento interno?
A busca de
maximização de cada um destes valores isoladamente, sem uma percepção de conjunto, tem
limitado sobremaneira os efeitos positivos deste tripé, que deve informar a biossegurança.
Enquanto se perde tempo com debates ideológicos, que pouco refletem as
necessidades sociais e as carências do desenvolvimento interno, nenhum dos valores em
comento está sendo plenamente realizado, e o prejuízo social será certo. Portanto, é necessário
que se encare o desenvolvimento econômico com respaldo na proteção ambiental, bem como
que a saúde humana figure sempre em primeiro plano, sem prejuízo do avanço das
tecnologias.
O enfrentamento da questão dos transgênicos deve ocorre, pois, mediante
uma postura precautória que sopese a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, ao
lado da segurança alimentar e do avanço científico, intermediado pela participação social nas
questões que envolvam a biossegurança, tendo em vista a percepção das necessidades sociais
de maneira conjunta e a tomada de decisão de forma consciente e esclarecida.
171
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181
ANEXO A - ENTREVISTA COM DR. LUIZ ANTÔNIO BARRETO DE
CASTRO
Entrevista com Dr. Luiz Antônio Barreto de Castro – Secretário de Política e Programas de
Pesquisa e Desenvolvimento junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Foi
Presidente da CTNBio em 1998, quando a soja transgênica foi aprovada.
AVALIAÇÃO ORGANIZACIONAL DOS ÓRGÃOS ENCARREGADOS DA GESTÃO
DE OGM
1) Quais foram os fatores determinantes para o surgimento da CTNBio em 1995, em que
contexto ela foi instituída, porque a necessidade desse espaço neocorporativo, composto
por diferentes atores?
Resultou de uma longa discussão sobre qual encaminhamento deveria ser dado à
biossegurança no Brasil, porque muitos países não tem legislações específicas de
biossegurança – os Estados Unidos, por exemplo não tem - são três setores especializados –
na área ambiental, na área de saúde humana e na área agrícola, que trabalham com leis
próprias que não são específicas pra biossegurança, são adaptações de legislações já
existentes. Houve uma longa discussão, se nós deveríamos ou não ter uma lei de
biossegurança. A opção foi pela instituição de uma lei específica, que por sua vez determinou
que deveria haver uma Comissão multi-temática, de natureza técnica e não política. A
Comissão foi estabelecida com a responsabilidade de analisar apenas a questão da
biossegurança e nada mais. A Comissão não tem a prerrogativa de dizer se é bom ou não
utilizar um produto geneticamente modificado, mas ela tem a prerrogativa de dizer se é seguro
ou não para a saúde humana e o meio ambiente. Como os OGM são de diversas naturezas, nós
fomos obrigados a criar uma Comissão com especialistas de muitas áreas – agricultura, saúde
humana, saúde animal, meio ambiente, biologia molecular, assim por diante, a Comissão foi
então formada por um número grande de especialistas e de suplentes dos especialistas. A Lei
também entendeu que como havia legislações paralelas, que teriam de alguma forma uma
relação com as decisões da biossegurança, a Comissão deveria contar também com
representantes governamentais.
2) A idéia original da CTNBio – criação de um órgão altamente técnico e especializado
para deliberar sobre OGM – ficou comprometida pela sua composição atual?
Não. Naquela ocasião (sob a égide da lei 8974/95) a lei cometeu o equívoco de colocar
representantes do setor privado. Isto foi um equívoco, porque além de representantes do setor
privado, também representantes da sociedade civil participavam, e isso criou um ambiente
difícil de trabalhar sem conflitos de interesse, as pessoas tinham que sair da sala para as
deliberações, e tal. Na segunda versão da lei, estas pessoas não fazem mais parte.
3) Como se dá a interação entre os componentes da CTNBio, já que, ainda que os
representantes de Ministérios estejam ali pelos interesses do Estado, há também o
interesse específico com a área de interesse de cada Ministério isoladamente, ou seja,
com o meio ambiente, no que toca ao Ministério do Meio Ambiente, com a agricultura,
saúde, ciência e tecnologia, com os respectivos Ministérios?
182
O papel dos integrantes da CTNBio é dizer efetivamente, quando uma decisão é tomada, se
esta decisão fere outras legislações dentro da área agrícola, ambiental, saúde humana, etc.
4) E no episódio da liberação da soja transgênica, havia muita divergência entre os
integrantes da Comissão?
A soja foi liberada em 1997 e houve pouca divergência. Uma divergência temporária do
Ministério do Meio Ambiente, que pediu vista do processo e depois se considerou satisfeito
com as informações que foram prestadas, e houve uma abstenção, do Ministério das Relações
Exteriores. Salvo engano, o Ministério da Justiça também interveio em nome dos
consumidores. Não acho que tenha havido muita divergência porque esta soja já tinha sido
liberada em outros países e não tinha havido nenhuma indicação de que pudesse ter algum
problema no Brasil.
5) E essa justificativa, de que havia estudos em outros países, é suficiente para que a soja
pudesse ser liberada no Brasil, considerando a biodiversidade e condições climáticas
diferentes?
A soja foi testada muitas vezes por liberação planejada no meio ambiente, que consiste em
uma liberação experimental, em uma área relativamente pequena, pra verificar o
comportamento da soja e das suas variedades – o tipo de soja que você precisa cultivar varia
muito com a região. Quem trabalhou com a liberação teve que fazer testes em vários tipos de
soja, todos no Brasil, porque a soja que existe nos Estados Unidos não funciona bem aqui. A
empresa teve que fazer um melhoramento genético pra adaptar a soja no país. Assim, para que
se obtivesse as características comerciais da soja, foram feitos cruzamentos e
retrocruzamentos a fim de recuperar as características desejáveis, mantendo a resistência a
herbicida, que era o objetivo da planta transgênica.
6) Quando se ouve que a CTNBio dispensou o EIA, a impressão que se tem é que
nenhum tipo de estudo foi feito para a liberação, não foi o caso então?
Houve uma confusão, a respeito de que se deveria ou não aplicar EIA para os transgênicos.
No mundo inteiro, as regras de biossegurança seguem uma estratégia que é fazer uma
Avaliação Prévia de Risco, que na minha visão equivale ao EIA. O EIA não foi concebido,
formalmente, constitucionalmente, para aplicação em OGM, mas principalmente para
hidrelétricas e demais obras civis. Então não é algo facilmente aplicável. Para se fazer o EIA
– para garantir que não haveria nenhum impacto ambiental da soja em qualquer lugar – seria
preciso plantar soja no continente inteiro, é algo pouco viável.
7) Essa discricionariedade da CTNBio em dizer se precisa fazer o EIA ou não em nada
prejudica o princípios da precaução?
A questão do impacto ambiental foi algo colocado pelo Poder Judiciário como uma condição
para que a soja fosse liberada. Como a CTNBio entendia naquela época que a Avaliação
Prévia de Risco é equivalente ao EIA, e que na verdade é uma avaliação muito rigorosa e
específica, porque não cobre apenas a questão ambiental, mas também os aspectos relativos à
saúde humana, que não estão cobertos pelo EIA. Quando você faz uma hidrelétrica, você quer
saber o efeito no meio ambiente, quando você libera um transgênico você quer saber se ela faz
mal à saúde também, então a Avaliação Prévia de Risco vai um pouco além da questão do
impacto ambiental.
183
Sempre houve uma resistência à liberação de OGM por parte do Judiciário brasileiro, aliás,
essa posição do Judiciário brasileiro permanece até hoje – o Judiciário sempre foi
sistematicamente contrário à liberação de OGM invocando duas coisas – que precisava haver
EIA, enquanto a CTNBio entendia que a Avaliação Prévia de Riscos era equivalente ao EIA;
e o princípio da precaução, que diz o seguinte: sempre que houver uma ameaça de prejuízo
ambiental em função de uma ocorrência, um evento ou uma atividade, a falta de absoluta
certeza científica não deve ser um fator para impedir que se tomem medidas para impedir que
aquela ameaça se materialize. Ele funciona assim: tem uma ameaça, que é um buraco na
camada de ozônio – alguns dizem que é por causa de CFC, outros invocam outras razões, ou
seja, não há certeza sobre o que seja a causa do buraco, mas é preciso tomar medidas para
impedir que o buraco aumente. A ameaça é claramente visível, você vê que existe uma
ameaça, porque concretamente existe um buraco na camada de ozônio que vai provocar
câncer de pele, etc. A maneira como o Judiciário interpretou este princípio da precaução no
caso da soja foi a seguinte: em primeiro lugar ele ignorou a necessidade de uma
materialização da ameaça, por exemplo, quando a CTNBio libera um produto, é porque
entende que não há ameaça ao meio ambiente pela liberação do produto, mas os juízes nunca
consideraram essencial, quando eles tratavam do princípio da precaução, que ficasse
concretamente caracterizado a ameaça em si, como no caso do buraco na camada de ozônio.
Eles só analisavam da seguinte maneira: eles ouviam determinadas pessoas que achavam que
havia uma ameaça, ouviam outros que achavam que não havia ameaça, e então pegavam as
duas partes e diziam, se existem pessoas a favor e contra significa que não há total certeza
científica. Então, concediam liminar para que nada pudesse ser feito até que se julgasse o
mérito. E com isso a soja ficou impedida de ser liberada por um período próximo de 7 (sete)
anos, por razões não dos ministérios, não da CTNBio, mas do Judiciário.
8) E como se posicionou a comunidade científica quanto à liberação da soja transgênica?
Eu reclamava muito junto ao ministro, porque achava que a comunidade científica era muito
silenciosa, na primeira versão da lei. Na segunda versão da lei a comunidade se fez muito
mais presente, inclusive para a aprovação da lei houve muitos movimentos científicos, mas
não posso dizer que não tenha havido uma reação da comunidade científica, no geral. A
Academia de Ciências se posicionou a favor das regras de biossegurança e na verdade nunca
houve argumentos que fossem consistentes, que a gente pudesse dizer que hoje temos
evidências de que liberar a soja foi um erro. É evidente que liberar uma soja com resistência a
herbicida e usar basicamente aquele herbicida por mais de dez anos, em pouco tempo vai
existir uma planta resistente, e na verdade já tem plantas resistentes a glifosato.
9) A Avaliação Prévia de Riscos é um instrumento próprio da CTNBio?
Mundialmente é o mesmo princípio. As regras de biossegurança foram criadas a partir de
1973, quando foi feita a primeira expressão gênica de insulina em bactéria. Houve uma reação
científica muito forte, a comunidade científica fez uma carta dirigida ao Presidente da
República dos Estados Unidos exigindo regras de biossegurança para essa tecnologia e elas
foram feitas com base neste princípio – avaliação prévia de riscos e um monitoramento
posterior do risco. Quando a gente libera um produto como a soja, a gente acumula todas as
informações probabilísticas para que a gente possa dizer que a probabilidade de haver um
problema é muito pequena, já que a probabilidade zero de risco é muito difícil.
O que a CTNBio fez desde o início, corretamente na minha opinião, foi, mesmo depois de
liberar, exigir um monitoramento em maior escala, porque é praticamente impossível em
experimentos pequenos multiplicar a realidade de se plantar, posteriormente à experimentação
184
planejada, 100 mil hectares ou, como hoje se planta, 50 milhões de hectares. A CTNBio foi a
primeira instituição, entre todos os países, que após a liberação estabeleceu uma estratégia de
monitoramento pós-liberação comercial, que não foi feita porque a justiça impediu a liberação
comercial.
10) Mas em algum momento houve este monitoramento, e se houve, ele foi eficaz?
O programa ficou pronto, foi muito bem elaborado, mas não foi posto em prática porque era
proibido liberar a soja. Ainda em 1997 nós tivemos conhecimento de que começou a entrar
soja pelo Sul do Brasil. Os agricultores foram à Argentina, viram a soja, resolveram comprar
e trazer. Quando isso ficou evidente, recebemos cartas da ABRASEM dizendo que eles
tinham evidências seguras de que estava havendo uma importação ilegal de grãos – não se
importava semente, mas grão, que se destina a consumo – ocorre que se você plantar ele pode
até nascer, a semente já é produzida para multiplicação.
Começou pelo Rio Grande do Sul e em pouco tempo nós recebemos a informação de que
tínhamos sido atropelados pelos fatos. Nós liberamos em 1997, mas já tinha soja transgênica
no Brasil nesta época e foi aumentando, porque é muito fácil fazer soja resistente a glifosato,
é só você ir cruzando e retrocruzando com uma variedade adaptada a sua região.
O problema de a soja ter entrado ilegalmente é que ela não estava sob as regras de fiscalização
que normalmente se utiliza para produção de semente no Brasil. Como ela não foi fiscalizada,
há um risco muito grande que um país diga – não quero comprar a soja brasileira – porque
como ela não foi fiscalizada, ela pode estar trazendo doença pro meu país, etc. Aconteceu
uma vez com a China, que não queria comprar soja brasileira. Não acontece mais porque o
mercado de soja é muito agressivo e há uma demanda grande de soja, os países não podem se
dar ao luxo de dizer que não querem este ou aquele produto.
Então a soja veio inicialmente como grão e começou a criar um mercado paralelo. Começou
em 1997 e em 2002 já era uma situação aguda, quando houve a mudança de governo e o fato
foi levado ao Presidente da República. O Presidente Fernando Henrique não se envolveu nesta
questão, não participava das discussões, entregava para o Ministro-chefe da Casa Civil, mas
quando chegou no Governo Lula, o Presidente buscou equacionar a questão.
Havia uma preocupação muito grande com o futuro da agricultura. O que segura a qualidade
agrícola é a indústria de sementes, e é preciso que se entenda – soja é metade da indústria de
sementes e 50% da metade é 25% e 25% é 1 bilhão de dólares.
11) Havia então a necessidade de preservar a agricultura brasileira, conciliando as
decorrências deste episódio com o desenvolvimento científico e econômico. Neste sentido,
os princípios da precaução e da informação não ficaram preteridos?
A questão da defesa do consumidor foi colocada em função da rotulagem. No entanto, o
decreto acerca da rotulagem a rigor nunca foi executado, na verdade não há rotulagem
internacionalmente, ninguém rotula transgênicos. Esta foi uma questão colocada, como foi a
necessidade do EIA, como foi o princípio da precaução, é como se fosse uma corrida de
obstáculos você vencia um obstáculo e aparecia outro e, no fim, veio a rotulagem, veio a soja
ilegal – “tem que queimar a soja ilegal”. Veio um fiscal agrícola na sala do Ministro Pratini (à
época Ministro da Agricultura) e eu fiz o cálculo – você está falando de 1 milhão de hectares;
3 toneladas são três milhões de toneladas, vezes U$ 200,00, você está falando de 600 milhões
de dólares. Quem vai queimar 600 milhões de dólares? Quando o Presidente Lula ficou diante
deste problema, já estava em 1 bilhão de dólares, ele convocou a EMBRAPA pra explicar
sobre os transgênicos e perguntou, ao final da apresentação da EMBRAPA, o que deveria ser
feito – o Rio Grande do Sul estava todo tomado pelos transgênicos, vamos simplesmente
185
queimar tudo? Faz mal à saúde, há algum exemplo de problema para a saúde humana que
tenha acontecido em função dessa soja? Qual o problema ambiental grave? Não houve
respostas.
Então outras discussões vieram à tona – se devia ser feita uma lei nova, porque às vezes a
CTNBio poderia falhar, daí a idéia da criação de um Conselho de Ministros (Conselho
Nacional de Biossegurança), que foi algo positivo. Quando ocorrem divergências, o CNBS
decide. Às vezes a questão é sobre liberação em larga escala, então a CTNBio entende pela
liberação em larga escala, mas alguém contesta isso, apresenta razões para contestar, leva para
o CNBS e o Conselho decide.
12) A população foi consultada sobre a liberação da soja?
A lei admitia a possibilidade da CTNBio requerer o EIA se houvesse uma justificativa que a
Comissão considerasse relevante. Como a CTNBio entendeu que não havia uma justificativa
relevante, nunca pediu o EIA. Não houve, naquela ocasião, audiência pública. Na nova versão
da lei nós fizemos duas audiências públicas – uma para o milho, outra para o algodão e eu
acho que foi positivo.
A presença de um grande número de pessoas que são contrárias facilitou a discussão, o
contencioso, o aprimoramento de ações que estão sendo feitas dentro da CTNBio, o que
acabou nos favorecendo pela presença de críticos.
Daí vocês conseguem identificar o que é ideológico do que é realmente fundamentado?
Exatamente. A maioria das pessoas que são contra são na verdade contra as multinacionais,
que são as principais detentoras dos primeiros produtos, então há uma reação contrária muito
forte.
13) A sociedade civil está bem representada na CTNBio? Em que nível a participação
popular pode influenciar uma decisão de aprovação ou liberação de OGM?
A Comissão não está concebida desta forma, mas como uma Comissão técnica que analisa se
um produto é seguro ou não. Todas as decisões da CTNBio são publicadas, são públicas, são
colocadas à disposição da sociedade e a sociedade tem direito de contestar. A sociedade pode
entender, num caso concreto, que há um certo equívoco que pode provocar um problema
grave. Se houver argumentação neste sentido e a CTNBio ignorar uma posição como esta e
liberar um produto que não deveria ser liberado, cabe sempre um recurso ao Conselho de
Ministros, e isso pode ser feito em função de uma representação da sociedade através de
representantes na CTNBio.
Há mecanismos que possibilitam que uma decisão que a sociedade considera importante
possa ser levada ao CNBS para uma decisão contraditória à da CTNBio, se for o caso.
14) Como é o processo de aprovação e liberação de transgênicos?
Durante uma fase grande em que o produto está sendo testado, o que é aprovado são
liberações planejadas em ambientes relativamente pequenos, limitados. Depois que toda a
experimentação foi feita, e a empresa considera suficientemente confortável colocar o produto
no mercado ela procura a CTNBio e apresenta um dossiê amplo colocando todas as razões
que ela considera pertinentes para explicar que não há nenhum problema na liberação daquele
produto que é do interesse dela. Dentro da CTNBio tem vários relatores, comissões setoriais,
relatores internos e externos à CTNBio, agora nós estamos fazendo sistematicamente
audiências públicas, até que chega uma hora em que a CTNBio vai decidir se ela está a favor
ou contra e aí ela vota. Ocorre que tudo o que foi feito até agora do ponto de vista da liberação
186
comercial de transgênicos, com a nova versão da lei, foi inteiramente anulado por ações
judiciais, exatamente como aconteceu há 10 anos atrás. Há 10 atrás eu acho até que se
justificava, mas depois de todo este tempo fica um pouco difícil de entender.
15) As dúvidas que existiam acerca da interação entre integrantes da CTNBio parecem
agora diluídas, aonde está o problema então?
O problema está entre o Judiciário e o Executivo, é irrelevante o que a CTNBio tem dito,
porque há sempre uma ação na justiça que anula, sempre foi assim, desde 1997 e não mudou
nada, continua igual, não conseguimos liberar nada. Tudo o que foi feito depois da segunda
versão da lei foi inócuo, não conseguimos liberar transgênicos, porque o Judiciário não vai
concordar. É estranho porque o Judiciário não tem essa função, de adentrar no mérito
decisório de um outro Poder. O Judiciário diz, por exemplo, que a regra de coexistência que a
CTNBio fez não satisfaz, ora, se trata-se de uma regra de segurança instituída por órgão
competente, não deveria ser contestada.
16) Ainda quanto ao trâmite dos transgênicos pelos órgãos públicos, o CNBS tem a
prerrogativa de avocar um processo que considere relevante, de acordo com a Lei
11.105/2005, como isso funciona?
Até hoje o CNBS ainda não o fez. Acho que ele se omite porque há uma decisão da CTNBio,
no caso dos milhos, por exemplo, houve recurso da ANVISA, situação em que o CNBS tem
que decidir a respeito, mas como há uma ação judicial, o CNBS não intervém até que o
Judiciário decida. Em última instância ele tem que decidir, mas ele não decide porque não foi
julgado o mérito no Judiciário, há sempre uma liminar, que não é derrubada e que “dura pra
sempre”.
17) E qual a participação dos Ministérios neste processo?
Eles votam, integram a CTNBio, eles estão presentes no processo todo e têm direito a voto. E
depois, os representantes do CNBS são os ministros. Eu já assisti algumas reuniões do CNBS,
essas reuniões ocorreram principalmente para cobrar da CTNBio mais efetividade, mas na
hora que foi necessário uma posição deles no sentido de contestar ou não uma decisão da
CTNBio eles não se fizeram presentes.
18) Aprovado o produto na CTNBio segue para as determinações para os órgãos de
fiscalização de cada Ministério, certo?
Certo, e quando há recurso o CNBS tem que se posicionar. Tem havido recursos e o CNBS
não julga os recursos.
19) Toda essa burocracia que ocorre em torno da aprovação e comercialização de OGM
– que acabam nunca ocorrendo de fato, e igualmente as pesquisas realizadas sobre o
tema promovem a adequação entre os princípios da proteção do meio ambiente e
consumidor e a necessidade de desenvolvimento científico e econômico? Como se
relacionam estes quatro fatores? O que pesa mais, o que é mais relevante?
Todo esse contencioso tem sido extremamente prejudicial ao desenvolvimento científico. Os
financiamentos diminuem, o interesse dos alunos por esta área diminui, etc.
187
20) Parece na verdade que nenhum dos fatores é plenamente atendido?
Sim, porque a rotulagem não está acontecendo, a fiscalização para impedir que a soja que não
é legal seja utilizada como uma soja legal também não está acontecendo, porque a soja não é
fiscalizada pelo Ministério da Agricultura – veja, é uma área imensa, são 10 milhões de
hectares de soja, é muito difícil uma fiscalização eficaz. O Ministério tem condições de fazer
fiscalização de campos de sementes, que é uma área bem menor. Depois a fiscalização da
produção agrícola nem é função propriamente do MAPA, ele fiscaliza a semente, se a
semente está bem, ele tem certeza que o grão também vai ser bom, mas ele não tem como
fiscalizar o grão.
21) O Sr. entende que se houvesse uma desregulamentação de alguns destes setores o
processo fluiria melhor, por exemplo privatizar um setor de avaliação?
Não me arrisco a fazer este juízo de valor. A única coisa que posso dizer é que eu tenho
certeza que há uma percepção equivocada da engenharia genética. Essa percepção equivocada
entende que não há nenhum benefício para o consumidor, porque os preços não diminuíram.
Sendo assim, o consumidor acaba achando que o benefício está só nas mãos do agricultor e
das multinacionais. O consumidor não vê benefício pra ele e então começa a achar – quem
sabe esse negócio de que faz mal pode fazer mesmo? A percepção pública está equivocada. A
minha proposta hoje, pra resolver este imbróglio, é demonstrar que a engenharia genética
pode resolver problemas sociais graves. Pensamos no leite de caprinos, produtos
farmacológicos importantes, etc.
22) Como difundir esta idéia na sociedade é a preocupação maior, então.
Nossa intenção deve ser demonstrar que a engenharia genética, ao contrário de fazer mal,
pode fazer muito bem à sociedade. Se nós não conseguirmos demonstrar isso, não sei qual o
caminho que a gente vai seguir.
188
ANEXO B - QUESTIONÁRIO SUBMETIDO AO DR. MARCUS VINÍCIUS
SEGURADO COELHO
Questionário submetido ao Dr. Marcus Vinícius Segurado Coelho
Coordenação de Biossegurança de OGM
Secretaria de Defesa Agropecuária
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Esplanada dos Ministérios, Edifício D, Anexo B, Salas 450 e 452.
Telefone: 55-61-32182320
Fax: 55-61- 3224-3995
O objetivo do questionário é perquirir sobre os procedimentos de fiscalização e rotulagem de
alimentos transgênicos. Busca-se compreender basicamente, quais são os procedimentos (com
suas etapas e decorrências) e como eles estão operando atualmente – se são eficazes, surtem
os efeitos desejados e se correspondem às demandas para qual foram instituídos.
Neste sentido, seguem as seguintes perguntas:
Andressa: Como ocorreu a constatação oficial do plantio de soja transgênica em 1997?
Dr. Marcus: Não tenho essa informação com precisão, pois não estava àquela época no
MAPA e assumi esse assunto apenas em 2003. Penso que deve ter sido mediante denúncia,
mas não posso afirmar com segurança.
Andressa: A quem se atribui a responsabilidade pela fiscalização de plantios ilegais de
transgênicos atualmente e quem era responsável por esta fiscalização no período da
constatação de plantio da soja ilegal no país?
Dr. Marcus: As atribuições dos órgãos federais em relação ao controle de determinada
atividade são definidas sempre em Lei ou Decreto. Àquela época vigorava, em relação aos
OGM, a Lei nº 8.974/05 que estabelecia:
“Art. 7° Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do Ministério da Saúde,
do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e do Ministério do
Meio Ambiente e da Amazônia Legal, dentro do campo de suas competências, observado o
parecer técnico conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na regulamentação
desta Lei:
I - (VETADO)
II - a fiscalização e a monitorização de todas as atividades e projetos relacionados a OGM do
Grupo II”;
O Decreto nº 1.752/95, que regulamentava dispositivos da Lei nº 8.974/05, apresentava:
“Art. 11 Os seguintes órgãos serão responsáveis pelo registro, transporte, comercialização,
189
manipulação e liberação de produtos contendo OGM ou derivados, de acordo com parecer
emanado da CTNBio:
I - no Ministério da Saúde, a Secretaria de Vigilância Sanitária;
II - no Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, a
Secretaria de Coordenação de Assuntos do Meio Ambiente;
III - no Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, a Secretaria de
Defesa Agropecuária.
Art. 12 A fiscalização e o monitoramento das atividades de que trata o artigo anterior serão
conduzidas pelas Comissões Setoriais Específicas nos respectivos Ministérios, em
consonância
com
os
órgãos
de
fiscalização
competentes.”
Observe que a Lei em questão restringia a ação fiscal àquelas atividades com OGM de grupo
de risco II e o Decreto vinculava a ação fiscal ao parecer da CTNBio e a subordinava às
Comissões Setoriais Específicas daquele colegiado, criadas no mesmo Decreto. Em minha
opinião, era um mecanismo sui generis com pouca chance de sucesso. Essa sistemática foi
alterada apenas em 2001 com a edição da MP 2191.
Andressa: Quais são os procedimentos de fiscalização de alimentos transgênicos,
especificamente para o plantio, a comercialização e as pesquisas?
Dr. Marcus: Atualmente, em função da Lei nº 11.105/05, as competências dos órgãos de
registro e fiscalização estão mais claras, o que facilita sobremaneira o trabalho. Em relação
aos procedimentos o que fazemos, no âmbito das competências do MAPA, é atuar nas duas
categorias de atividades com OGM, definidas nesta última Lei. Atividade de Pesquisa e
Atividade de Uso Comercial. É importante diferenciar, primeiro, a fiscalização do
cumprimento das regras de biossegurança (Lei nº 11.105/ e Decreto nº 5.591/05) da
fiscalização das regras de rotulagem (Decreto nº 4280/03). A primeira tem o foco na questão
de risco biológico e se atem àquelas atividades com OGM ainda não atestados como seguro
pela CTNBio, incluindo a pesquisa, ou autorizados com alguma restrição especifica. A
segunda, por outra, se baseia nas regras de rotulagem as quais se aplicam unicamente a OGM
autorizados para consumo humano e, portanto, atestados como seguro. Desta forma, na
prática, as regras de rotulagem somente se aplicam a alimentos e ingredientes alimentares
derivados de soja e algodão contendo os eventos já autorizados pela CTNBio. Feito estes
esclarecimento, volto à questão da fiscalização de biossegurança. O procedimento de
fiscalização de atividade de pesquisa é iniciado a partir da comunicação da CTNBio sobre a
autorização da referida atividade. Com base nisso, iniciamos um procedimento fiscal
específico que, após a sua conclusão é comunicado à CTNBio e, em caso de nenhuma
ocorrência de infração, arquivado. Caso haja alguma irregularidade é lavrado um Auto de
Infração e apurado as responsabilidades. No caso de fiscalização de atividade de uso
comercial, primeiro definidos que tipo de cultura iremos fiscalizar num determinado período e
em que localidades (por exemplo, milho e algodão nos principais estados produtores e
naqueles de fronteira), preparamos as instruções de serviço para os fiscais e distribuímos os
recursos e materiais. As fiscalizações são realizadas pelas diferentes superintendências do
MAPA e reportadas ao órgão central, para compilação. No campo são realizados testes
rápidos (baseado em proteína) e quando, necessário, o material é encaminhado a laboratório
para confirmação. Em caso de verificação de plantio não autorizado é lavrado um Auto de
190
Infração específico e apurada as responsabilidades. Toda a produção em questão é apreendida
e a ocorrência notificada ao Ministério Público e comunicada à CTNBio, conforme exige a
Lei. Ainda em relação ao componente de biossegurança, atuamos também na verificação do
cumprimento dos condicionantes da CTNBio, eventualmente estabelecidos para a liberação
comercial de um OGM. Em relação à fiscalização de rotulagem, cada área do MAPA com
competência sobre produtos ofertados diretamente ao consumidor (ração, alimentos de origem
animal, bebidas) realiza ações de fiscalização que consiste basicamente na coleta e análise do
produto em laboratório para verificação da presença e quantidade de soja GM. Uma vez
verificado uma irregularidade, o PROCON é notificado para apuração das responsabilidades.
Andressa: O sistema de fiscalização de alimentos que contenham transgênicos em sua
composição funciona satisfatoriamente? Quais as principais falhas/deficiências do sistema?
Dr. Marcus: No que tange aos aspectos de produção (antes e dentro da porteira = pesquisa e
plantio) entendo que o sistema funciona, mas sofre das dificuldades típicas do serviço público,
como restrição orçamentária e número reduzido de pessoal (Isso não é exclusividade da
atividade de fiscalização). Sobre a fiscalização de rotulagem, penso, em primeiro lugar, que
existe uma confusão sobre o tema e uma expectativa errada das pessoas considerando a
legislação em vigor que disciplina o assunto. A regra estabelece a exigência de rotulagem para
produtos que contenham OGM acima de 1% em sua composição. A soja é um produto
pouquíssimo utilizado em consumo direto e na maioria dos casos entra na composição dos
alimentos como derivado de soja em composição inferior a 1% da sua composição (lecitina,
por exemplo). Nesse sentido é realmente difícil encontrar produtos rotulados como tal.
Cumpre esclarecer que o óleo de soja, em razão do seu processamento, em nenhuma
circunstância contém partes da soja em concentração suficiente para exigir rotulagem. Esse
cenário será diferente para o caso do milho, que é bastante consumido de forma pouco
processada e entra em quantidade maior na composição dos alimentos. O MAPA fiscaliza os
produtos que estão sobre sua responsabilidade e não temos tido dificuldade, diferente daquela
apontada para o caso anterior.
Andressa: Que falhas/deficiências foram apontadas para justificar a constatação tardia do
plantio de soja RR em 1997?
Dr. Marcus: Novamente, não tenho como apontar isso com segurança.
Andressa: A terceirização da fiscalização ou de etapas da fiscalização seria uma opção para
que o sistema operasse satisfatoriamente?
Dr. Marcus: Não existe "terceirização" em atividades definidas em lei como de atribuição do
Estado, como a fiscalização. O que existe, e isso é de um modo geral, é a possibilidade de
"delegação" para Estados e Municípios. No caso específico de OGM, a Lei estabelece que
compete aos órgãos federais cuidar disso, mas prevê a possibilidade de realização de convenio
com os estados para a execução de determinados serviços específicos relacionados à
fiscalização, como, por exemplo, análise laboratorial. A delegação de competências,
entretanto, requereria capacidade de fiscalização dos estados e municípios, o que em muitos
casos é ainda deficiente, insuficiente ou inexiste.
Andressa: Que procedimentos são exigidos para o atendimento da rotulagem de alimentos
que possuam transgênicos em sua composição? Qual o trâmite a ser observado pelas empresas
para a rotulagem dos seus produtos no âmbito do MAPA?
191
Dr. Marcus: É preciso aqui esclarecer uma questão técnica importante relacionada às
características da soja GM e da produção de alimentos. A soja GM, assim como a grande
maioria das plantas GM hoje no mercado, foi modificada em aspecto agronômico e não tem
nenhuma diferença nutricional ou de processamento diferente do seu correspondente
convencional. Nesse sentido, não existe diferença em utilizar a soja GM ou a convencional na
produção do alimento. O resultado é igual. Portanto, é possível que um lote de alimentos seja
produzido a partir de soja GM e outro a partir de soja convencional, dependendo da aquisição
da matéria. Não existe uma lista de produtos produzidos a partir de soja GM. O procedimento
em vigor está descrito na Instrução Interministerial nº 01/03 e consiste na exigência de que,
caso seja utilizado OGM e este esteja em concentração igual ou acima de 1% é necessário
acrescentar as informações sobre OGM. Assim, na prática o que fazemos é coletar e analisar
produtos que contém soja em sua composição mas não dispõem de nenhuma informação em
seu rótulo sobre a questão relacionada a OGM, com o objetivo de verificar se contém ou não
OGM.
Andressa: Quais as etapas do procedimento de rotulagem?
Dr. Marcus: Como dito antes, as regras para rotulagem estão definidas no Decreto 4680 e na
Instrução Interministerial nº 01/03. Em síntese, se um determinado lote de produto foi
produzido a partir de soja GM e a sua concentração ultrapassa 1% ele deve se rotulado.
Andressa: Como funciona o implemento da determinação de rotulagem e produtos
transgênicos na prática? É satisfatório? É perceptível ao consumidor?
Dr. Marcus: A competência para fiscalizar a rotulagem não é apenas do MAPA. Como foi
dito antes, é uma questão de informação ao consumidor e deve ser observada por todos os
órgãos que tem algum controle sobre os produtos alimentícios. A fiscalização de alimentos de
uma forma geral é de competência da ANVISA. O MAPA atua principalmente naqueles
produtos sobre sua competência de registro e fiscalização, especialmente, ração, bebidas e
alimentos de origem animal. O Ministério da Justiça, que tutela a questão de defesa do
consumidor, também tem competência para atuar verificando o cumprimento da regra, por
meio dos PROCONS nos estados e temos conhecimento de ações nesse sentido. Nossa
avaliação é positiva.
192
ANEXO C - ENTREVISTA DR. JOSEMAR MEDEIROS – UNB
ENTREVISTA DR. JOSEMAR MEDEIROS – UNB
Coordenador do Curso de Mestrado em Agronomia da UNB
ANÁLISE DA CADEIA PRODUTIVA DA SOJA TRANSGÊNICA
1) Que agentes compõem a cadeia produtiva da soja?
O primeiro elo da cadeia é o originador da semente, no caso a Monsanto. A Monsanto
origina a semente transgênica, chamada de básica, mas não vende diretamente para o produtor
a semente. Ela faz um contrato com o segundo agente da cadeia, o multiplicador da semente,
que pode ser uma subsidiária da Monsanto, no caso a Monsoy, empresa que ela criou para
fazer a multiplicação da semente e comercializar a semente transgênica. Logo após a figura do
multiplicador, encontra-se o revendedor da semente, que repassa as variedades multiplicadas
sob o rótulo do multiplicador para o produtor ou agricultor.
Note que a Monsanto, enquanto empresa, praticamente não tem contato direto com o
produtor. Ela pega suas variedades e passa para uma outra empresa chamada empresa
multiplicadora. Esta empresa multiplicadora vai multiplicar as sementes e vender em um saco
com o rótulo dela, exemplo “Goiás Sementes”, só que aquela variedade é uma variedade da
Monsanto. Uma outra empresa qualquer pode fazer a mesma coisa, faz o contrato com a
Monsanto, multiplica aquelas sementes e vende com o rótulo dele; trata-se, portanto, da
mesma variedade de semente proveniente de dois comerciantes diferentes. Esta empresa
multiplicadora pode ou não fazer a venda direta ao produtor. O mais comum é que a empresa
multiplicadora entregue os sacos de sementes com o seu rótulo para uma loja, um revendedor.
Até agora então, a cadeia contém três agentes – o originador, o multiplicador e o revendedor.
O produtor rural vai comprar neste revendedor, normalmente varejista, que vai fazer a nota
fiscal e fazer um cadastro do produtor, que vai pra Monsanto. Estes revendedores não ganham
nada por isso, estão ganhando o percentual sobre a venda, independente de ser transgênico ou
não. O papel dele é fazer aquele cadastro e mandar para a Monsanto, juntamente com a nota
fiscal, para que a Monsanto emita o boleto, independente de ser produtor grande ou pequeno.
A partir daí, se o agricultor comprou a semente oficial, certificada, ele teve que preencher o
cadastro e com certeza vai receber o boleto para pagamento.
2) Como funciona o sistema de recolhimento de royalties desenvolvido pela Monsanto?
A Monsanto abre as duas possibilidades: o agricultor pode optar pelo pagamento dos royalties
na compra das sementes (recebimento do boleto) ou na comercialização (entrega no
armazém). O agricultor vai ao revendedor autorizado pela Monsanto e adquire as sementes
transgênicas. O revendedor faz o cadastro do cliente e registra na nota fiscal a quantidade de
semente transgênica que ele está adquirindo. A nota fiscal, juntamente com o cadastro vai
para a Monsanto, que se torna o banco de dados dos clientes. A Monsanto é quem emite
boleto referente aos royalties daquela compra e manda para o endereço do produtor. Quando o
produtor compra a semente ele assume um contrato já se comprometendo com as regras do
jogo acerca do pagamento dos royalties. Então quando o produtor compra a semente do
revendedor ele já está firmando um contrato com a Monsanto, no qual se compromete a pagar
193
os royalties. Após a compra o produtor recebe um boleto em sua casa com o valor referente
àqueles royalties e a Monsanto dá um prazo, até 31/12 para pagamento. O produtor pode optar
em pagar mediante o recebimento do boleto ou, no momento da venda das sementes. Se ele
pagar o boleto, terá direito a crédito de isenção. Quando ele for entregar a soja no armazém o
armazenador verifica a validade do crédito no banco de dados que a Monsanto fornece,
segundo o qual aquele produtor que tenha pago o boleto até a data aprazada pela Monsanto
percebe direito de entregar quantidades de soja isentas com base naquilo que ele havia
comprado. O sistema fica bem amarrado e estas datas são do livre arbítrio da Monsanto.
3) Neste processo, há algum déficit de informação ao agricultor neste sistema?
Em princípio o agricultor sabe como funciona o sistema, inclusive pelo próprio revendedor,
mas se você for levar literalmente, vai verificar que tem assimetria de informação, porque tem
coisas que o produtor sabe que vai ter que pagar, mas não tem informação de qualidade,
detalhada.
4) Como tem ocorrido na prática este recolhimento por parte dos produtores?
O plantio da soja acontece sempre entre os meses de setembro até dezembro. O mais comum é
o plantio da soja em outubro e novembro. Os produtores vão comprar sementes entre julho e
outubro. Ao preencher o cadastro, a Monsanto envia o boleto para o produtor, dando um
prazo até 31/12 para ele recolher os royalties. No início deste processo a maioria dos
produtores deixavam para pagar os royalties na comercialização, talvez até por uma questão
de falta de informação, já que era algo novo. Mas a Monsanto criou regras para o pagamento
depois que penalizam muito o produtor. Então é mais compensador para o produtor pagar
antes, até 31/12 do que deixar pra pagar depois. Nesta última safra, o que nós vimos na região
de Rio Verde é que a maioria dos produtores já pagaram os royalties antecipadamente.
5) Como ocorre a efetivação dos direitos de propriedade intelectual sobre variedades
transgênicas?
O gene da Monsanto pode ser colocado em qualquer variedade de soja, e existem centenas de
variedades de soja. Quem tem o maior número de variedade de soja interessante para plantio é
a EMBRAPA. Então a Monsanto fez contratos com a EMBRAPA para repassar o gene Bt às
variedades desta empresa, a fim de que a EMBRAPA também possa ter variedades
transgências. Você passa a ter aí duas propriedades intelectuais. Uma relativa ao cultivar que
é da EMBRAPA, ex., uma variedade de soja precoce, desenvolvida pela EMBRAPA. Ao
mesmo tempo esta variedade tem o gene da Monsanto. Tem-se aí dois direitos de propriedade
intelectual. Normalmente, se a semente de soja utilizada pelo produtor for convencional, ela
chega com o direito de propriedade referente à variedade, ou seja ao germoplasma,
desenvolvido pela EMBRAPA, COODETEC ou outra empresa que faz pesquisa de genética
com semente de soja. Se ela for transgênica, ela tem dois direitos de propriedade, um relativo
ao gene e outro relativo à variedade (protegido pela lei de proteção de cultivares). O curioso é
que a Monsanto consegue, quase que unilateralmente, impor um sistema de cobrança de
royalties que não tem quem escape. Enquanto isso, a EMBRAPA e as outras empresas até
hoje não conseguem recuperar, de forma total, seus royalties de variedade. O agricultor, ou
qualquer outro agente do sistema compra uma variedade de soja não transgênica,
desenvolvida pela EMBRAPA; se ele comprar esta semente em uma loja autorizada, com um
revendedor autorizado pela EMBRAPA, ele vai pagar a soja melhorada e o revendedor vai
194
transferir parte do dinheiro para a EMBRAPA, remunerando os royalties da variedade. Se
aquele produtor plantar a semente e guardar sementes de um ano para o outro, ele pode fazer a
multiplicação desta semente. Se no ano seguinte ele aumentar sua área de plantio ou vender
sementes para terceiros a EMBRAPA não tem mais como recuperar seu direito sobre a
variedade. Para evitar isso, a Monsanto abre a possibilidade de cobrança tanto na venda das
sementes, quanto na comercialização, no armazém, coisa que a EMBRAPA nunca fez. A
EMBRAPA não tem como ir ao armazém e fazer testes para verificar se as sementes são da
variedade dela ou não, e como as sementes se misturam, a rastreabilidade destas sementes se
torna muito complicado.
Exemplo do recolhimento de royalties pela Monsanto: em nossa pesquisa de campo nós
observamos a “Sementes Goiás”, uma produtora de sementes. Por meio de contrato, a
“Sementes Goiás” multiplica a semente básica da Monsanto, que vai ser vendida com o nome
de semente “Goiás”, com o gene da Monsanto. A “Goiás” tanto paga royalties pelo uso da
variedade quanto pelo transgênico.
6) A respeito do teste de transgenia aplicado pela Monsanto nos armazéns, qual é o
procedimento imposto pela empresa para a verificação do percentual transgênico sobre
a produção do agricultor?
Quando o produtor leva a produção para ser comercializada e entregue no armazém, o
armazenador faz um teste de transgenia. Se o resultado der até 5% de transgênico, a Monsanto
não cobra royalties. Se der acima de 5% a empresa vai cobrar sobre todo o carregamento do
agricultor.
Neste sistema, se o produtor deixa pra pagar os royalties na comercialização, ele será
consultado no armazém acerca da natureza da soja. Se o produtor disser que é transgênica, ele
paga 2% sobre o valor da produção. Se ele entrega o equivalente a 1000 sacos de soja e o saco
da soja estiver por R$ 30,00, ele vai receber pela carga R$ 30.000,00, ao que será recolhido
2%, se tiver declarado a carga como transgênica. Se ele disser que é não transgênica, será
feito o teste. Se der transgênico, ele vai pagar, não mais 2%, mas 3%. Esses valores são
absolutamente unilaterais.
7) No âmbito do governo, há alguma modalidade de teste que verifique com exatidão
este porcentual transgênico, com vistas a salvaguardar o produtor, nas hipóteses de
contaminação acima de 5%?
Não. Se o agricultor quer plantar soja convencional e comercializar soja convencional, ele tem
que arcar com todos os cuidados para que não haja contaminação. Se houver contaminação,
independente de onde houve esta contaminação, neste momento é o produtor quem está
arcando com todo o ônus. Há aí um vazio de possibilidade de questionamento legal muito
grande, porque nós tivemos relatos de situações em que o produtor comprou a semente de soja
convencional, tomou todos os cuidados, tanto no plantio, nos tratos culturais, quanto no
transporte, para que a soja não fosse contaminada e, no entanto ele verificou depois que no
próprio plantio tinha soja transgênica. Então uma possibilidade é que isso tenha sido
contaminado na própria multiplicadora da semente. Este produtor, pelo menos em tese, teria
um direito bom de tentar ressarcimento do prejuízo e até danos morais, se fosse o caso,
porque ele está plantando soja convencional, tem contrato para comercializar soja
convencional e depois aparece como transgênica.
É preciso que se considere, entretanto, que até 5% a Monsanto aceita como contaminação e
não cobra os royalties. Entretanto, o limite para ser considerado não transgênico é de 0,1%;
195
logo, para a Monsanto, a soja é como se fosse não transgênica, mas o produtor não poderá
comercializar aquela soja como não transgênica, porque qualquer indústria que processa a
soja convencional exige 99,9% de pureza.
8) Foi verificado indução à venda casada da semente de soja RR com o glifosato
produzido pela Monsanto pelo revendedor ao agricultor?
Nós observamos que tanto os agricultores compram o glifosato da Monsanto, como os
genéricos, como eles chamam. Mas parece razoável que a Monsanto, até para se precaver
quanto à eventual reclamação da falta de resistência de um glifosato genérico, conceda
garantia da resistência apenas quando do uso do glifosato produzido por ela.
9) Como funciona o acordo de crédito para plantio realizado entre produtor e armazém?
Dentro da cadeia tem um agente econômico chamado armazenador-processador, por exemplo,
CARGIL, ADM, CARAMURU, BUNGEE empresas cuja atividade econômica é receber a
soja, armazenar a soja, processar e/ou comercializar. A CARGIL, por exemplo, processa a
soja e produz vários produtos que estão no mercado, óleo, margarina, maionese, etc. Ela não
apenas processa a soja, mas também vende soja em grão, para exportação. Todo ano estas
empresas têm que comprar soja em uma quantidade suficiente para suas atividades, e estão em
um mercado competitivo, as empresas competem entre si para comprar soja. Tornou-se
prática um contrato de tipo “soja verde”, que funciona da seguinte maneira: para poder criar
um vínculo com o produtor e garantir que o produtor depois possa entregar sua soja para
determinado armazém, o armazém financia, dá crédito para o agricultor plantar. Este crédito,
na maioria das vezes não é em dinheiro, por exemplo, a CARGIL faz um contrato com um
fornecedor de glifosato e de adubo e fornece o crédito de produto para fertilizante e para
herbicida ao produtor. Suponha que um produtor tenha a expectativa de produção de 100.000
sacos de soja, então ele faz um contrato com o armazém para que este forneça a ele o crédito
do fertilizante e herbicida equivalente. Aquilo vira um contrato entre o produtor e a CARGIL.
Este contrato é um contrato de crédito, por meio do qual o armazém financia o produtor. Estes
contratos são todos amarrados na moeda soja. Então, o produtor assumiu o compromisso de
quando colher sua soja, entregar para aquele armazém a quantidade equivalente de safra de
soja. É um mecanismo de fidelização do produtor àquele armazém. O contrato que o produtor
tem com o armazém equivale a uma quantidade de safra de soja e aquela quantidade de safra
de soja é como se fosse o custo de produção; quanto ao restante da produção do agricultor, ele
em tese teria a liberdade para entregar a quem quisesse, mas aí entra um pouco o jogo da
fidelização, então ele termina entregando toda a sua safra para aquele armazém.
O interessante é que quando a CARGIL fornece o crédito ao produtor, ela assume uma dívida
junto ao fabricante do fertilizante. Ela tem que pagar em dinheiro, e aí ela assume um risco,
chamado risco de preço; suponha que quando a CARGIL assumiu este financiamento pelo
produtor junto ao fornecedor de fertilizante, a expectativa do preço da soja que ele projetou
para certa colheita estivesse em torno de R$ 30,00 o saco; a este preço da soja, o armazém
fica tranqüilo quanto à quitação do financiamento. E se o preço da soja, quando chegar na
época estiver em R$ 20,00? Ele teria um prejuízo. Então todos estes armazéns fazem uma
proteção chamado contrato de hedge na bolsa de Chicago. Isso ajuda a explicar porque os
próprios produtores no Brasil não fazem contrato de hedge em São Paulo, porque os
fornecedores de crédito já fizeram hedge. Com este contrato é possível se proteger contra o
196
risco de preço. Então os armazéns apenas intermediam o processo, assumindo o
financiamento pelo produtor mediante garantia do pagamento pelo hedge.
10) O que determina a escolha do produtor pela soja transgênica ou convencional?
Pesa a favor da folha transgênica, a simplificação das tarefas na agricultura porque só se
aplica uma vez o herbicida; pesa contrária a ela uma doença chamada ferrugem asiática, que
ocorre sempre no final do ciclo da cultura. Então quanto mais curto for o ciclo da cultura,
menos suscetível a esta doença estará a produção; ocorre que não há, ainda, no mercado,
variedade transgênica de soja precoce. Por tanto, em Rio Verde, por exemplo, estima-se que
50% a 60% da produção ainda seja de soja convencional.
197
ANEXO D - ENTREVISTA COM DR. DIOGO THOMPSON ANDRADE
Entrevista com Dr. Diogo Thompson Andrade – Procurador Federal do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE, trabalhou com a análise dos últimos casos da
Monsanto.
1)
A Monsanto instituiu um sistema de cobrança de sobre a taxa tecnológica sobre a
qual detém patente, em duas circunstâncias: a cobrança na venda das sementes e a
cobrança sobre a produção esta, no caso da utilização não autorizada das sementes
transgênicas. Esta prática é legal, já que existe um déficit de informação para o
agricultor, que desconhece o sistema de cadastramento da Monsanto e tem a
possibilidade de fazer pagamento duplo dos royalties. Não é uma relação de consumo, já
que o agricultor não é o consumidor final. Isto justifica a ausência de informação
adequada e na possibilidade dessa informação prejudicar o agricultor pelo pagamento
duplo?
A Monsanto tem a tecnologia. Daí ela passa para um banco de germoplasma, que é quem faz
a matriz. A matriz passa para o multiplicador para fazer a semente para o agricultor. Pelo que
eu sei dos contratos de licença da Monsanto, ela licencia para a matriz e para o multiplicador.
O CADE modifica a cláusula na matriz para impedir que essa matriz fique exclusiva da
Monsanto ela pode ter acesso a outras tecnologias também (EMBRAPA, por exemplo).
Quanto ao multiplicador o Conselho teve uma posição até determinado momento, mudou e
agora parece que mudou de novo com o último julgamento. Do multiplicador a Monsanto
exigia uma exclusividade. Ex: Monsanto e BRASMAX (último caso julgado) – a BRASMAX
cria semente que se chama BRASMAX RR – BRASMAX com a tecnologia Monsanto. Nessa
segunda parte a Monsanto vai fazer com que o multiplicador só possa multiplicar BRASMAX
RR ou outra que seja RR Monsanto, ela não pode multiplicar semente de outra tecnologia;
aqui o Conselho sempre mandava modificar esta cláusula pra permitir ao multiplicador a não
exclusividade. Após um tempo voltaram atrás e disseram que isso era necessário para a
Monsanto garantir a qualidade do produto. O que acontece, a semente chega para o
multiplicador e se ele não segrega, ele pode misturar semente que é transgênica, semente que
não é transgênica e semente de tecnologia diferente, então o Conselho entendeu que era
justificável manter uma exclusividade aqui. O que a gente mudou agora de novo, e parece que
foi acolhido pelo Conselho, é que ele pode manter esta exclusividade, desde que o
multiplicador não comprove que ele pode segregar as diferentes tecnologias quando ele
multiplica. O que você disse sobre o ajuste do pagamento de royalties com o agricultor eu não
tinha conhecimento.
2) Qual o mercado relevante considerado para que essa relação possa ser considerada
abuso de poder econômico?
Nessa relação o mercado relevante tem sido definido como o mercado da transferência da
tecnologia e não da soja em si, porque como ela não chega ao agricultor, o reflexo na venda
de soja para o agricultor não corresponde ao que ocorre entre Monsanto, matriz e
multiplicador, ou seja, não importa a venda de soja, porque isso vai ocorrer em outro elo da
cadeia. O que importa é a transferência de tecnologia e a possibilidade de fechamento de
mercado para novas tecnologias, não para a venda de soja.
198
3) E qual o limite de cobrança de royalties da Monsanto, tendo em vista o poder
econômico que ela já tem?
Pela Lei de Propriedade Industrial a Monsanto tem direito de cobrar royalties sempre que ela
transferir essa tecnologia, porque a patente é dela. O limite seria o surgimento de outra
tecnologia. A Monsanto fabrica um defensivo agrícola – o glifosato, e a tecnologia dela é
justamente criar uma semente que seja resistente a este defensivo, então o que acontece, o
defensivo mata ervas daninhas, em qualquer momento da plantação, você pode jogar o
defensivo no começo ou no fim da plantação, sem tomar o cuidado de proteger a semeadura e
a semente dela é resistente. Atualmente ela domina o mercado porque ela é a única tecnologia
transgênica que dá certo e que já tem alguma influência no mercado, compete com a soja
convencional e tal. A cláusula de exclusividade, nos dois casos, ela é geralmente retirada por
que há uma possibilidade muito grande de novas tecnologias, e há um interesse nisso. As
barreiras à entrada são muito pequenas. É bem potencial que em 8 ou 6 anos vão ter outras
tecnologias concorrendo com a tecnologia Monsanto. A própria EMBRAPA tem um convênio
com a BAYER neste sentido. O que vai mudar são os tipos de tecnologia existentes. Pra falar
a verdade, em uma análise de mercado você vê que a Monsanto não chega a ser monopolista,
nada disso, porque a Monsanto concorre muito com a soja convencional. O que ela exerce na
verdade é uma posição dominante nesse mercado de tecnologia, porque ela é a tecnologia
mais madura no mercado, é a única tecnologia capaz de desenvolver uma semente confiável.
A partir do momento em que esse ambiente for um ambiente de livre concorrência mesmo, o
próprio mercado vai ditar as regras.
199
ANEXO E - ACORDO GERAL PARA LICENCIAMENTO DE DIREITOS DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL DA TECNOLOGIA ROUNDUP READY®
Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade Intelectual da Tecnologia
Roundup Ready®
Pelo presente instrumento particular,
de um lado, MONSANTO DO BRASIL LTDA., com sede na Avenida Nações Unidas, n. 12.901, 7º
e 8º andares, em São Paulo – SP, inscrita no CNPJ sob o n.º 64.858.525/0001-45, neste ato legalmente
representada, doravante designada simplesmente “Monsanto”, e
de outro lado, [NOME DA EMPRESA PRODUTORA DE SEMENTES], com endereço na
[endereço completo], inscrita no [CNPJ] sob n.º [número], inscrição de produtor rural n.º _____
_, neste ato legalmente representada, doravante designada simplesmente “Produtor”,
CONSIDERANDO que a Monsanto desenvolveu a tecnologia e declara deter no Brasil os direitos de
propriedade intelectual relativos à seqüência genética que confere à soja tolerância aos herbicidas à
base de glifosato (doravante “Tecnologia RR”), tecnologia esta de propriedade da Monsanto
Company e/ou Monsanto Technology LLC. (ambas doravante designadas “Monsanto Company”) e
presente na Soja Roundup Ready (“Soja RR”);
CONSIDERANDO que a Monsanto Company declara-se titular de todos os direitos de
propriedade intelectual sobre a Tecnologia RR, inclusive de patentes, no Brasil e em diversos
outros países, incluindo os países integrantes da União Européia, Estados Unidos da América,
Japão e Canadá;
CONSIDERANDO que a Monsanto declara-se autorizada pela Monsanto Company para utilizar e
sublicenciar a Tecnologia RR a terceiros no Brasil e que o uso da Tecnologia RR, incluindo a
produção e a comercialização de sementes de Soja RR (doravante “Sementes RR”), bem como plantio
e comercialização de grãos de Soja RR, sem prévia autorização da Monsanto, constitui infração aos
direitos de patente e de outros direitos de propriedade intelectual da Monsanto Company;
CONSIDERANDO que o Produtor firmou com a Monsanto um Acordo para Licenciamento de
Multiplicação de Sementes Roundup Ready (“Acordo para Licenciamento”), que o autorizou única e
exclusivamente a multiplicar Sementes RR nas Safras Verão 2004/2005 e Inverno 2005, sendo que as
condições de comercialização das Sementes RR produzidas ficam integralmente subordinadas aos
termos do presente instrumento;
CONSIDERANDO que a Soja RR já é produzida no Território a partir de sementes obtidas e/ou
reservadas para plantio sem que a Monsanto ou a Monsanto Company, até a presente data, tenham tido
oportunidade de autorizar a aquisição, cultivo, uso e comercialização da referida Soja RR e/ou
respectivas sementes, pelo que a Monsanto já tem realizado a cobrança de certos valores (“Valor
DPI”), a titulo de indenização, quando da entrega, pelos Sojicultores, de grãos de Soja RR junto a
Compradores de Grãos;
CONSIDERANDO que, em conformidade com a legislação aplicável, tornou-se possível, a partir do
ano de 2005, a comercialização de Sementes RR;
200
CONSIDERANDO que constitui prática comum entre os Sojicultores a reserva de sementes para
semeadura ou plantio ("Sementes Reservadas RR");
CONSIDERANDO que, em decorrência da legislação aplicável, a Monsanto faz jus à cobrança de
Royalties da Tecnologia RR, presente na Soja RR e respectivas Sementes RR, tanto por ocasião da
aquisição de Sementes RR pelos Sojicultores como pela autorização de uso de Sementes Reservadas
RR;
CONSIDERANDO que, em função da possibilidade de haver uso e/ou comercialização de Sementes
RR de forma irregular, sem o devido licenciamento e/ou recolhimento de Royalties à Monsanto, esta
última continuará a cobrar Valor DPI quando da entrega, pelos Sojicultores, de grãos de Soja RR junto
a Compradores de Grãos, cobrança esta que o Produtor reconhece válida e contra a qual nada tem a
objetar; e
CONSIDERANDO que o Produtor concorda em atuar por conta da Monsanto como mandatário
perante os Sojicultores, em conformidade com as disposições aplicáveis do Código Civil, com a
finalidade dele, Produtor, efetuar o licenciamento da Tecnologia RR presente nas Sementes RR
utilizadas pelos Sojicultores em suas plantações, com o compromisso de o Produtor cobrar os
Royalties dos Sojicultores e, nas hipóteses previstas no presente Acordo, pagá-los à Monsanto.
as partes têm entre si certo e ajustado o que segue:
1.
DEFINIÇÕES
Sem prejuízo das demais definições estabelecidas neste instrumento, ficam convencionadas as
seguintes definições para efeitos do presente Acordo, sejam os termos empregados no plural ou no
singular:
“Soja Roundup Ready®” ou “Soja RR” significa a soja (Glycine max) contendo uma seqüência
genética desenvolvida pela Monsanto, a qual (I) confere tolerância a herbicidas à base de glifosato; e
(II) é objeto de Direitos de Propriedade Intelectual da Monsanto e Monsanto Company, pela presença
da Tecnologia RR.
“Direitos de Propriedade Intelectual” ou “Direitos PI”, significa todo e qualquer direito de
propriedade intelectual da Monsanto Company especificamente sobre a Tecnologia RR, reconhecidos
nos termos da legislação vigente no território nacional.
“Sojicultor” significa qualquer pessoa física ou jurídica que cultiva, produz e/ou comercializa soja a
partir de (I) Sementes RR adquiridas de Produtores ou distribuidores; ou (II) Sementes Reservadas
RR.
“Compradores de Grãos” significa qualquer pessoa, física ou jurídica, que compra ou recebe grãos
de soja para comercialização (incluindo transporte, armazenagem e processamento). Compradores de
Grãos incluem, sem se limitar, esmagadoras, comerciantes/corretores, cooperativas, exportadores e
produtores de ração.
“Sistema” significa o conjunto de regras e procedimentos para cobrança dos Royalties pelo Produtor
junto aos Sojicultores.
“Território” significa todo o território nacional.
“Safra” significa cada ciclo de plantio e colheita da cultura de soja.
“Cooperantes” terceiros eventualmente contratados pelo Produtor para efetuar a multiplicação de
Sementes RR, desde que devidamente autorizados pela Monsanto para tal finalidade. Para tanto, o
201
Produtor deverá informar previamente à Monsanto, por escrito, as referidas contratações indicando à
Monsanto os Cooperantes que pretende contratar, podendo a Monsanto obstar a respectiva
contratação na hipótese de tais Cooperantes (I) encontrar(em)-se em situação de insolvência,
liquidação, falência ou recuperação judicial/extrajudicial; ou (II) estar(em) em situação de
inadimplência junto à Monsanto ou a qualquer empresa pertencente ao seu grupo econômico.
“Royalty” significa o valor de retribuição à Monsanto pelas Sementes RR adquiridas pelos
Sojicultores e/ou pelo uso de Sementes Reservadas RR pelos Sojicultores.
“Sistema Eletrônico” significa o sistema operacional desenvolvido pela Monsanto e tornado
disponível eletronicamente ao Produtor para efetivar a inserção de dados cadastrais dos Sojicultores
que tenham firmado o Termo de Condições, incluindo dados acerca de créditos e débitos relativos aos
Royalties e Valores DPI.
"Sementes Reservadas RR" significa as sementes de Soja RR reservadas por Sojicultores para uso
próprio (reserva para semeadura ou plantio ), conforme legislação aplicável.
2.
OBJETO
O objeto do presente Acordo é estabelecer os termos, regras e procedimentos (doravante “Condições
do Sistema”) para que o Produtor, sob sua responsabilidade mas por conta da Monsanto, na qualidade
de mandatário, cobre os Royalties dos Sojicultores e, nas hipóteses previstas no presente Acordo,
pague-os à Monsanto, bem como licencie os Sojicultores em relação à Tecnologia RR presente nas
Sementes RR utilizadas pelos Sojicultores em suas plantações.
2.1
Na hipótese de o Produtor tencionar comercializar Sementes RR a distribuidores (doravante
"Distribuidores"), o Produtor deverá informar previamente à Monsanto, por escrito, os
Distribuidores com os quais pretende contratar, podendo a Monsanto obstar a respectiva
contratação ou comercialização na hipótese de tais Distribuidores (I) encontrarem-se em
situação de insolvência, liquidação, falência ou recuperação judicial/extrajudicial; ou (II)
estarem em situação de inadimplência junto à Monsanto ou a qualquer empresa pertencente ao
seu grupo econômico. Em qualquer dos casos, o Produtor somente poderá comercializar
Sementes RR a Distribuidores que previamente tenham firmado acordo de
licenciamento com a Monsanto, conforme evidenciado por documento escrito.
2.2
Nada neste instrumento poderá ser interpretado como autorização (I) para que o Produtor
possa produzir e/ou comercializar Sementes RR, Sementes Reservadas RR ou Soja RR, exceto
no que se refere à comercialização das Sementes RR produzidas pelo Produtor sob a égide de
Acordo de Licença para Multiplicação de Sementes relativo às Safras Verão 2004/2005 e
Inverno 2005; ou (II) para que o Produtor licencie qualquer Sojicultor de forma diferente da
especificamente prevista neste instrumento e dos limites de seu escopo. A aplicação do
presente Acordo somente se dará na medida em que efetivamente existam licenciamentos para
a produção e comercialização de Sementes RR em vigor, conforme os termos do Acordo para
Licenciamento e seus respectivos Apêndices.
3.
IMPLEMENTAÇÃO E CONTROLE DO SISTEMA
Sem prejuízo do cumprimento do disposto no Acordo para Licenciamento e seus Apêndices, o
Produtor deverá fielmente cumprir as Condições do Sistema, conforme disposto no presente Acordo e
seus respectivos Anexos, visando promover o licenciamento da Tecnologia RR presente nas Sementes
RR utilizadas pelos Sojicultores em suas plantações.
202
3.1
A partir da presente data, quando da primeira venda de Sementes RR a cada Sojicultor, o
Produtor fornecerá a cada um desses Sojicultores um Termo de Condições Gerais para Licenciamento,
na forma definida pela Monsanto (doravante “Termo de Condições”), constante do Anexo 3.1,
obtendo dos Sojicultores suas expressas anuências, através de assinaturas no(s) local(is) indicado(s). O
Produtor compromete-se a manter e preservar sob sua guarda tais Termos de Condições, fornecendo a
via original à Monsanto sempre que solicitado, no prazo máximo de 2 (dois) dias úteis contados dessa
solicitação, se for o caso. É facultado ao Produtor não fornecer o Termo de Condições aos Sojicultores
caso venha a constatar no Sistema Eletrônico que referidos Sojicultores já assinaram e entregaram tais
Termos de Condições a outro Produtor ou terceiro indicado, por escrito, pela Monsanto.
3.1.1 Observado o disposto no item 3.1, retro, na hipótese de um Sojicultor, antes de
realizar qualquer compra de Sementes RR, procurar o Produtor a fim de obter licenciamento
de Sementes Reservadas RR, o Produtor, a seu critério, poderá fornecer o Termo de Condições
e obter anuência do Sojicultor. Para todo e qualquer licenciamento de Sementes Reservadas
RR, o Produtor deverá previamente consultar o Sistema Eletrônico, de forma a certificar-se de
que referido Sojicultor já firmou o Termo de Condições previamente e, ainda, solicitar ao
Sojicultor que forneça cópia da respectiva comprovação de inscrição dos campos no
Ministério da Agricultura (“MAPA”). Os licenciamentos dos Sojicultores, em relação às
Sementes Reservadas RR, quando efetuados pelo Produtor, serão realizados através da entrega
aos Sojicultores de Termos de Licenciamento para Sementes Reservadas RR, na forma que
vier a ser definido pela Monsanto (doravante “Termos para Sementes Reservadas RR”) e
mediante cobrança dos Royalties, observado o disposto na Cláusula Quarta, infra. No caso
de o Produtor não optar por licenciar Sementes Reservadas RR dos Sojicultores, o Produtor
poderá indicar terceiros que o façam, em conformidade com orientações da Monsanto.
3.1.2 Em qualquer das hipóteses em que o Produtor fornecer o Termo de Condições aos
Sojicultores, obriga-se o Produtor a efetuar a inserção, no Sistema Eletrônico, de determinados
dados dos Sojicultores que tiverem anuído ao Termo de Condições, dados estes melhor
descritos no Anexo 3.1.2 (“Dados”), bem como especialmente a informação de que referido
Termo de Condições foi devidamente assinado e encontra-se em posse do Produtor. Em
nenhuma hipótese o Produtor venderá Sementes RR nem emitirá Termos para Sementes
Reservadas RR a Sojicultores que não tiverem anuído ao Termo de Condições. O
procedimento de cadastramento será aquele descrito no Anexo 3.1.2. A inserção dos Dados se
efetivará imediatamente, por ocasião da anuência de cada Sojicultor ao Termo de Condições.
O Produtor não está autorizado a delegar a terceiros a responsabilidade pela inserção
dos Dados e demais informações no Sistema Eletrônico e reconhece que a acuracidade e
fidelidade dos Dados inseridos no Sistema Eletrônico são essenciais à manutenção da
integridade do Sistema.
3.2
Tendo em vista a existência de cobrança de Valor DPI quando da entrega, pelos Sojicultores,
de grãos de Soja RR junto a Compradores de Grãos, tal como mencionado no penúltimo
“Considerando”, caberá ao Produtor, a cada venda de Sementes RR ou licenciamento de
Sementes Reservadas RR, e desde que integralmente cumprido o disposto no item 3.2.1 infra,
inserir os Dados no Sistema Eletrônico, que automaticamente calculará um crédito a favor do
respectivo Sojicultor (“Crédito de Isenção”), na forma do Anexo 3.2. O Crédito de Isenção
será gerado imediatamente no Sistema Eletrônico e representado por meio de “Extratos de
Licenciamento”, quando se tratar da venda de Sementes RR, ou pelos Termos para Sementes
Reservadas RR (também sob a forma de extratos), se e quando se tratar de licenciamento de
Sementes Reservadas RR, documentos estes que deverão ser fornecidos pelo Produtor a cada
Sojicultor. Tanto os Extratos de Licenciamento como os Termos para Sementes Reservadas
RR serão nominais.
3.2.1 Os Créditos de Isenção somente serão lançados no Sistema Eletrônico estando o
Produtor em posse do Termo de Condições devidamente assinado pelo respectivo Sojicultor
203
ou mediante certificação do Produtor de que referido Termo de Condições já tenha sido
assinado e encontra-se em posse de outro Produtor ou terceiro autorizado, conforme
informações constantes do Sistema Eletrônico.
3.2.2 O Produtor será exclusivo e integralmente responsável pela acuracidade dos Dados e
informações inseridas no Sistema Eletrônico, mantendo indene a Monsanto quanto a qualquer
prejuízo que esta venha a ter ou incorrer, especialmente em razão de informações errôneas
sobre Créditos de Isenção concedidos pelo Produtor, ressalvadas as hipóteses de mau
funcionamento técnico comprovado do Sistema Eletrônico.
3.2.3 Ao serem calculados e concedidos aos Sojicultores, através dos Extratos de
Licenciamento e Termos para Sementes Reservadas RR, os Créditos de Isenção estarão
bloqueados no Sistema Eletrônico e assim permanecerão até que os Royalties sejam
efetivamente pagos pelos Sojicultores, ocasiões em que o Produtor deverá imediatamente
proceder aos respectivos desbloqueios no Sistema Eletrônico. Nas hipóteses em que os
Sojicultores optarem por comercializar os grãos de Soja RR antes de vencidos os prazos para
pagamento dos Royalties caberá ao Produtor antecipar a cobrança dos respectivos Royalties,
de forma que, mediante comprovação do efetivo pagamento dos mesmos junto aos
Sojicultores (cobrados no Preço das Sementes ou em separado), desbloqueie imediatamente os
Créditos de Isenção no Sistema Eletrônico. Uma vez que os Créditos de Isenção tenham
sido desbloqueados no Sistema Eletrônico, os Sojicultores, titulares desses Créditos de
Isenção desbloqueados, estarão liberados do pagamento do Valor DPI à Monsanto junto aos
Compradores de Grãos, por ocasião das comercializações de Soja RR, até o limite autorizado
por referidos Créditos de Isenção, sendo cobrados do Valor DPI apenas pelas quantidades
que os excederem.
3.2.3.1 No exercício do mandato, fica vedado ao Produtor, em qualquer hipótese, aprazar
datas de pagamento dos Royalties pelos Sojicultores posteriormente a 31 de maio de
2006, sendo que, na hipótese de inobservância do ora disposto, ficará o Produtor
exclusiva e inteiramente responsável pelo risco de crédito perante a Monsanto,
relativamente a eventuais inadimplências dos Sojicultores quanto aos respectivos
Royalties aprazados posteriormente a tal data, uma vez que o Sistema Eletrônico, a
partir de 01 de junho de 2006, automaticamente desbloqueará os Créditos de Isenção
relativos aos referidos Royalties. A não observância do ora disposto, pelo Produtor,
constituirá excesso de mandato, limitando-se sua responsabilidade ao ora pactuado, não
caracterizando-se contudo, neste caso, motivação para rescisão do presente Acordo pela
Monsanto ou para lhe imputar as penalidades previstas no item 6.1, infra.
3.2.3.2 Com exceção do disposto no item 3.2.3.1, nas hipóteses dos Sojicultores inadimplirem
quanto ao pagamento dos Royalties, o Sistema Eletrônico manterá em definitivo o bloqueio
dos Créditos de Isenção para que o Valor DPI seja cobrado, dos Sojicultores então
inadimplentes, sem qualquer responsabilidade do Produtor, por ocasião das comercializações
dos grãos de Soja RR. Ainda nestas hipóteses de inadimplência, nas quais o bloqueio dos
Créditos de Isenção será mantido, deverá o Produtor renunciar à obrigação de cobrança dos
Royalties junto aos Sojicultores inadimplentes e efetivamente cancelar os procedimentos de
cobrança, ainda que já tenham sido iniciados, a fim de que os Sojicultores não sejam cobrados
em duplicidade (Royalties e Valor DPI).
3.3
Ressalvado o disposto no item 7.6 infra, as partes não estão autorizadas a utilizar os Dados
fornecidos pela outra parte, incluindo as informações quanto aos Créditos de Isenção, para
nenhum outro fim que não para o cumprimento do presente Acordo, sendo-lhe vedada a
divulgação a terceiros, a comercialização, transferência ou cessão dos mesmos sem prévio
acordo por escrito.
204
3.4
O Produtor deverá manter à disposição da Monsanto, para fins de Averiguação e Avaliação,
na forma do item 7.10, infra, os registros dos Dados e demais informações relativas aos
Créditos de Isenção, com registros contábeis completos e detalhados. O Produtor se
compromete a manter e preservar os Dados (seja na forma eletrônica ou impressa), os Termos
de Condições, as cópias de inscrição de campos no MAPA (no caso de licenciamento de
Sementes Reservadas RR), bem como as informações relativas aos Créditos de Isenção
durante, pelo menos, 5 (cinco) anos a contar das respectivas inserções no Sistema Eletrônico
ou emissões, independentemente do término ou rescisão do presente Acordo, por qualquer
motivo.
3.5
O Produtor não poderá efetuar transações com Sementes RR e/ou Sementes Reservadas RR,
incluindo comercialização, sem (I) o estrito cumprimento das Condições do Sistema; (II)
documentar as respectivas operações; (III) cobrar os Royalties; e/ou (IV) cumprir com o
disposto no item 3.2 e seguintes, devendo manter os documentos de tais operações, sob sua
guarda, pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, contados das datas de suas respectivas emissões.
3.6
Ressalvado o disposto no item 4.2.1, infra, é defeso ao Produtor aplicar ou conceder descontos
aos Sojicultores que venham a afetar ou reduzir o valor dos Royalties devidos à Monsanto. O
Produtor deverá, nas hipóteses previstas no presente Acordo, pagar os Royalties integralmente
à Monsanto, independentemente do Preço das Sementes cobrado pelo Produtor aos
Sojicultores na venda de Sementes RR.
3.7
As obrigações de regularizar os Sojicultores em face da Tecnologia RR e as de cobrança dos
Royalties se farão em caráter absolutamente independente, limitadas aos termos ora
pactuados, e, em conseqüência, não terá a Monsanto qualquer obrigação de cobrar Royalties
ou encargos diretamente de qualquer Sojicultor, obrigação esta exclusiva do Produtor, ficando
a Monsanto responsável pela cobrança do Valor DPI, quando aplicável. O Produtor
responderá integralmente perante a Monsanto por qualquer inadimplência dos Sojicultores, no
pagamento dos Royalties, nas hipóteses de desbloquear os Créditos de Isenção sem antes ter
confirmado o efetivo pagamento dos Royalties pelos Sojicultores, bem como por sua própria
inadimplência no pagamento dos Royalties devidos à Monsanto.
3.8
A circunstância de haver vários mandatários não implica em se considerar que a constituição
do posterior se traduza na revogação dos mandatários anteriores.
4.
ROYALTIES E PREÇO DOS SERVIÇOS
Fica entendido entre as partes que, tanto em razão das compras de Sementes RR como em razão dos
licenciamentos para uso de Sementes Reservadas RR, através dos Termos para Sementes Reservadas
RR, os Sojicultores serão cobrados quanto ao pagamento de Royalties, de forma a estarem
devidamente licenciados perante a Monsanto, nos termos do presente Acordo. Observado o disposto
no item 4.1, infra, caberá ao Produtor cobrar referidos Royalties junto aos Sojicultores e, nas hipóteses
previstas no presente Acordo, pagá-los integralmente à Monsanto. Ressalvado o disposto no item
4.2.1, infra, nos pagamentos dos Royalties à Monsanto, o Produtor não poderá efetuar qualquer
desconto, a que título for, mormente no que se refere a custos tributários incorridos pelo
recebimento e pagamento dos Royalties à Monsanto.
4.1
Respeitada a legislação tributária, por ocasião das comercializações de Sementes RR, o
Produtor deverá efetuar a cobrança dos Royalties junto aos Sojicultores, podendo para tanto
incluir o valor dos Royalties no preço de venda das referidas Sementes RR (“Preço das
Sementes”) ou cobrá-los separadamente, mediante emissão de boletos de cobrança que
estabeleçam a Monsanto como beneficiária e que expressem o número das notas fiscais de
venda das Sementes RR a que então se referem os Royalties. Em qualquer hipótese, o
Produtor, no exercício do mandato, não poderá definir os vencimentos das cobranças dos
205
Royalties para datas posteriores aos vencimentos dos respectivos Preços das Sementes e para
datas posteriores a 31 de maio de 2006, observado o disposto no item 3.2.3.1.
4.1.1 No caso de cobrança de Royalties separadamente do preço das Sementes RR, o
Produtor será responsável pela verificação do pagamento dos Royalties devidos pelo
Sojicultor, observado o disposto no item 4.1.2, infra.
4.1.2. Para a comprovação dos pagamentos em favor da Monsanto, o Produtor deverá
solicitar ao Sojicultor os comprovantes do pagamento dos valores referentes aos boletos ou
outros documentos de cobrança emitidos pelo Produtor.
4.1.3 Imediatamente após terem sido pagos os Royalties pelos Sojicultores o Produtor
deverá inserir os respectivos Dados de pagamento no Sistema Eletrônico, de forma a permitir
o desbloqueio dos Créditos, na forma do disposto no item 3.2.3, retro. Fica esclarecido ao
Produtor que é essencial a inserção imediata dos Dados de pagamento, de forma a
permitir que o Sistema Eletrônico desbloqueie os respectivos Créditos e impeça
cobranças do Sojicultor em duplicidade (Royalties e Valor DPI).
4.1.4 Caso os Créditos de Isenção sejam desbloqueados pelo Produtor sem que haja a
comprovação do pagamento dos Royalties por parte do Sojicultor, tal fato constituirá
excesso de mandato do Produtor, que ficará integralmente responsável pelos pagamentos
dos Royalties à Monsanto, nos termos do item 4.3.1, infra, sem prejuízo do disposto no
final do item 3.2.3.1, retro.
4.2
Para as Sementes RR comercializadas ao Sojicultor para plantio na safra 2005/2006 e
licenciamento de Sementes Reservadas RR para plantio na Safra 2005/2006, o valor dos
Royalties será de R$ 0,88 (oitenta e oito centavos de real) por quilo de Sementes RR.
4.2.1 De forma a permitir que o Produtor, na condução de suas atividades comerciais
relativas à Safra 2005/2006, ofereça estímulos aos Sojicultores para aquisição das
Sementes RR, a Monsanto desde já autoriza que o Produtor, a seu exclusivo critério e
conveniência, conceda desconto no valor dos Royalties, limitado a R$ 0,38 (trinta e oito
centavos de real) por quilo de Sementes RR, observado o disposto no item 4.5 e sub-itens.
Nos casos de concessão do referido desconto, o Produtor deverá discriminá-lo
expressamente nos respectivos documentos de cobrança, descrevendo também o valor
dos Royalties originalmente definido no item 4.2, retro.
4.3
O Produtor deverá, nas hipóteses previstas no presente Acordo, pagar os Royalties
integralmente à Monsanto até o dia 20 (vinte) de cada mês imediatamente subseqüente a
cada mês aprazado para recebimento, pelo Produtor, do Preço das Sementes ou dos
Royalties em separado, em conformidade com o que constar do Sistema Eletrônico no ato
da venda de Sementes RR ou eventual licenciamento de Sementes Reservadas RR. Tais
pagamentos deverão ser efetuados em conformidade com as datas de pagamento dos
Royalties informadas pelo Produtor no Sistema Eletrônico.
4.3.1 Fica definido o dia 20 de junho de 2006 como data-limite para que o Produtor,
nas hipóteses previstas no presente Acordo, pague à Monsanto os Royalties relativos a
todas as operações de venda de Sementes RR e de licenciamento de Sementes Reservadas
RR para a Safra 2005/2006, relativamente a prazos de pagamento pactuados entre o
Produtor e os Sojicultores para após o dia 31 de maio de 2006, ainda que o Produtor não
tenha recebido o Preço das Sementes ou os Royalties cobrados separadamente dos
Sojicultores até referida data, sob pena de violação do disposto no presente Acordo.
4.3.2
A forma de pagamento dos Royalties pelo Produtor à Monsanto se dará por meio de
boletos bancários, a serem emitidos mensalmente pela Monsanto em conformidade com os Dados
206
constantes do Sistema Eletrônico, mormente com as informações relativas a datas de vencimento
do Preço das Sementes e relativas a datas de emissão dos Termos para Sementes Reservadas RR,
bem como, se necessário, em conformidade com as informações obtidas pela aplicação do disposto
no item 3.4, retro.
4.3.3 Nas hipóteses previstas no presente Acordo, em caso de não ser feito o pagamento dos
Royalties pelo Produtor à Monsanto nas datas aprazadas, conforme dispõem as cláusulas
acima, sobre os valores em aberto incidirão juros moratórios legais correspondendo à taxa que
estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (nesta
data a SELIC) pro rata, a contar da data do inadimplemento e até a data do efetivo pagamento,
observado o disposto no item 4.3.3.1 infra. Para fins do ora disposto, a taxa SELIC a ser
considerada será a última taxa anual divulgada pelo Banco Central, adotando-se o sistema de
juros simples com base mensal.
4.3.3.1 Ressalvado o disposto no item 4.3.3.2, infra, decorridos 3 (três) meses, sobre os
valores em aberto incidirá, ainda, multa moratória de 10% (dez por cento). Neste caso, à
Monsanto é facultado o direito de (a) notificar por escrito o Produtor para que o valor devido
seja pago em até 5 (cinco) dias úteis, sem prejuízo dos acréscimos acima pactuados; e (b) no
caso de não pagamento após referida notificação, rescindir o presente Acordo, de forma
motivada, aplicando-se os consectários legais e aqueles ora ajustados, em especial o disposto
no item 6.2, infra.
4.3.3.2 Nas hipóteses de débitos em aberto que, agrupados por cada mês de vencimento,
correspondam a até 20% (vinte por cento) dos respectivos valores totais mensais de Royalties
aprazados para pagamento à Monsanto nos referidos meses, não incidirá a multa a que se
refere o item 4.3.3.1, retro. No entanto, na hipótese de algum débito restar em aberto após o
dia 20 de junho de 2006, aplicar-se-á o disposto no item 4.3.3.1, retro, sem prejuízo dos juros
moratórios previstos no item 4.3.3, retro.
4.4
4.5
Sempre que o valor dos Royalties estiver incluído no Preço das Sementes, na forma do item
4.1, retro, na medida em que o Produtor receber dos Sojicultores qualquer percentual do Preço
das Sementes, o Produtor deverá, no mínimo e prioritariamente, pagar os Royalties à
Monsanto em percentual proporcional à parcela do Preço das Sementes recebida, sem prejuízo
da obrigação de pagar à Monsanto a parte que ainda faltar do valor dos Royalties, acrescida
dos encargos devidos, na forma do item 4.3.3 e sub-itens. Caso os Royalties sejam cobrados
em separado, o Produtor também deverá destinar à Monsanto qualquer parcela recebida, sem
prejuízo da obrigação de pagar a parcela que ainda faltar do valor dos Royalties, acrescida dos
encargos devidos, na forma do item 4.3.3 e sub-itens. Ressalvado o disposto no item 3.2.3.2,
retro, nenhum perdão de dívida ou renúncia de direitos por parte do Produtor e nem tampouco
qualquer outra forma de acordo com Sojicultores, que porventura resultem em redução do
Preço das Sementes e/ou dos Royalties cobrados em separado, poderão desobrigar o Produtor
de efetuar o pagamento da totalidade dos Royalties devidos à Monsanto, em conformidade
com o disposto nos itens 4.3 e 4.3.1 e observado o disposto no item 4.2.1, retro.
Em contraprestação ao cumprimento dos termos no presente pactuados e das Condições do
Sistema, o Produtor fará jus a uma remuneração (“Preço dos Serviços”) composta de um valor fixo
(“Preço Mínimo”) e outro variável (“Preço Variável”), quando aplicável, de até R$ 0,38 (trinta e
oito centavos de real) por quilo de Sementes RR comercializadas e/ou Sementes Reservadas RR
licenciadas pelo Produtor, observado o disposto nos itens 4.2.1, retro, e 4.7, infra.
4.5.1
O Preço dos Serviços consistirá dos valores abaixo definidos:
207
A. Preço Mínimo = R$ 36,00 (trinta e seis reais) mensais em contrapartida ao cumprimento
dos termos e condições do presente Acordo.
B. Preço Variável = Valor equivalente ao que superar o valor mínimo dos Royalties (R$
0,50) efetivamente cobrado pelo Produtor dos Sojicultores, limitado a R$ 0,38 (trinta e
oito centavos de real) por quilo de Sementes RR comercializadas e/ou Sementes Reservadas
RR licenciadas pelo Produtor, valor este a ser calculado e pago da seguinte forma: (I) 90%
(noventa por cento) do Preço Variável apurado pela Monsanto será pago mensalmente ao
Produtor (“Preço Variável Mensal”); e (II) até 10% (dez por cento) do Preço Variável
apurado pela Monsanto será pago de acordo com o atingimento dos resultados de performance
apurados pela “Averiguação e Avaliação”, em conformidade com o Anexo 7.10 (“Preço
Variável Semestral”).
4.5.2 O Preço Variável será devido somente após o efetivo pagamento à Monsanto dos
Royalties que lhe deu origem. Em nenhuma hipótese, o Preço Variável será devido em
razão ou por força de (I) comercializações de Sementes RR efetuadas pelo Produtor a
Distribuidores; e (II) comercializações de Sementes RR ou licenciamentos de Sementes
Reservadas RR em desacordo com disposto no presente Acordo.
4.6
O Preço Mínimo será pago mensalmente pela Monsanto ao Produtor, mediante apresentação
de Nota Fiscal de Serviços até o dia 05 (cinco) de cada mês subseqüente ao mês que lhe deu
origem. A Monsanto deverá efetuar o pagamento do Preço Mínimo até o dia 25 do mesmo
mês em que a respectiva Nota Fiscal lhe tenha sido apresentada. Em caso de irregularidade de
quaisquer Notas Fiscais, os respectivos pagamentos somente serão efetuados em 15 (quinze)
dias após a correção e apresentação da(s) correspondente(s) Nota(s) Fiscal(is) à Monsanto.
4.6.1 O Produtor deverá apresentar à Monsanto as Notas Fiscais de Serviços relativas ao
Preço Variável Mensal até o dia 05 (cinco) de cada mês subseqüente ao da respectiva
execução da cobrança dos Royalties, pelo Produtor. Na hipótese da Monsanto constatar
irregularidades nas Notas Fiscais de Serviços, a Monsanto notificará o Produtor para que este
efetue as devidas correções. A Monsanto deverá efetuar o pagamento do Preço Variável
Mensal até o dia 25 de cada mês em que os Royalties que lhe deu origem tiverem sido
efetivamente pagos à Monsanto, desde que em posse das correspondentes Notas Fiscais de
Serviços devidamente emitidas pelo Produtor. Em caso de irregularidade de quaisquer Notas
Fiscais, os respectivos pagamentos somente serão efetuados em 15 (quinze) dias após a
correção e apresentação da(s) correspondente(s) Nota(s) Fiscal(is) à Monsanto.
4.7
A Monsanto pagará o Preço Variável Semestral 2 (duas) vezes ao ano, de acordo com a
seguinte programação e mediante prévia apresentação das competentes Notas Fiscais de
Serviços complementares pelos Produtores, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência aos
respectivos vencimentos:
4.7.1
4.7.2
4.8
Preço Variável Semestral relativo aos Royalties recebidos pela Monsanto dentro do
período compreendido entre julho e dezembro: 28 de fevereiro.
Preço Variável Semestral relativo aos Royalties recebidos pela Monsanto dentro do
período compreendido entre janeiro e junho: 31 de agosto.
Em caso de não pagamento do Preço dos Serviços nas datas aprazadas, por fato atribuível à
Monsanto, esta incorrerá em multa moratória de 10% (dez por cento) sobre o valor devido e
não pago, mais juros moratórios legais correspondendo à taxa que estiver em vigor para a
mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (nesta data, a SELIC) pró rata,
acumulado no período, a contar da data do inadimplemento e até a data do efetivo pagamento,
sem prejuízo de quaisquer outras medidas cabíveis.
208
4.9
Os valores do Preço dos Serviços, tal como definidos acima, incluem todos os tributos
incidentes, cobrem quaisquer eventuais despesas incorridas pelo Produtor, bem como
remuneram o Produtor pelo fiel cumprimento das Condições do Sistema, em especial
pela assunção do disposto no item 4.3.1, retro. Relativamente às hipóteses do Produtor
conceder descontos nos Royalties aos Sojicultores, na forma do disposto no item 4.2.1,
retro, reconhece desde já que o fará por sua conta e ônus, na medida em que estará
optando pela redução do Preço Variável, a seu exclusivo critério, sempre que aplicar ou
conceder maiores ou menores descontos nos Royalties que serão cobrados dos
Sojicultores na forma dos itens 4.2 e 4.2.1.
4.10
Os Preços dos Serviços e o valor dos Royalties definidos no presente Acordo aplicar-se-ão
exclusivamente em relação às Sementes RR comercializadas e às Sementes Reservadas RR
licenciadas para a Safra 2005/2006.
5.
SIGILO
As partes manterão em sigilo, a qualquer tempo, mesmo após o término do presente Acordo, qualquer
que seja a causa, todas as informações e materiais transmitidos e/ou fornecidos por uma parte à outra
em razão dos termos do presente Acordo e não propiciarão nem permitirão que nenhuma dessas
informações ou materiais venha a cair na posse ou fiquem sob controle de terceiros, exceto se
previamente autorizadas pela outra parte.
5.1
As partes limitarão o acesso às informações e materiais transmitidos e/ou fornecidos, por uma
parte à outra, aos seus diretores, empregados, agentes e autônomos que necessitem tal acesso
para os fins de cumprimento deste Acordo e implantação e manutenção do Sistema.
5.2
As partes não usarão nenhuma das informações ou materiais recebidos da outra para qualquer
outro fim que não o de assegurar o cumprimento deste Acordo.
5.3
As obrigações acima prevalecem sobre o término ou rescisão deste Acordo, cessando,
entretanto, sua aplicação em relação a qualquer item específico de informação ou material:
5.3.1 Que esteja ou se torne em geral disponível ao público em geral sem ocorrência de
culpa por parte da parte que recebeu a informação (“Parte Recipiente”), seus diretores,
empregados, agentes ou prepostos;
5.3.2 Em relação ao qual seja determinada a sua divulgação, em virtude de lei ou
regulamento, ou mediante ordem judicial, desde que a parte recipiente prontamente notifique a
parte que divulgou a informação (“Parte Divulgadora”) sobre a divulgação exigida e lhe
forneça uma oportunidade (caso houver) de contestação da exigência ou de outra forma
proteja o sigilo de suas informações e/ou materiais.
6.
PRAZO E RESCISÃO
O presente Acordo entra em vigor na data de sua assinatura e assim permanecerá até o dia 20 de junho
de 2006 ou, se aplicável, até o término de cumprimento das atividades de que trata o escopo do
presente Acordo, relativa e exclusivamente às Sementes RR comercializadas e às Sementes
Reservadas RR licenciadas pelo Produtor para a Safra 2005/2006, o que ocorrer por último.
6.1
Na hipótese de descumprimento de qualquer das cláusulas ou condições do presente Acordo, a
parte prejudicada poderá notificar a parte faltosa para que esta, no prazo de até 10 (dez) dias
contados do recebimento da notificação, regularize a situação e, se for o caso, efetue a
respectiva compensação à parte prejudicada. Caso, dentro do referido prazo, a parte faltosa
209
não regularize a situação da forma ora descrita, a parte prejudicada poderá rescindir o presente
Acordo, mediante simples notificação à parte faltosa, sem prejuízo da indenização por perdas
e danos eventualmente apurados. O presente Acordo também poderá ser rescindido, mediante
simples notificação escrita, caso seja decretada a falência, requerida pela própria parte a
recuperação judicial ou extrajudicial ou decretada a insolvência da outra parte.
6.2
O término ou rescisão do presente Acordo, qualquer que seja a causa, implicará no término
imediato da relação de mandato para cobrança de Royalties referentes às Sementes RR
comercializadas para safra 2005/2006, sem qualquer ônus à Monsanto. O Produtor reconhece
e concorda que, uma vez terminado ou rescindido o presente Acordo, deverá cessar
imediatamente a cobrança de Royalties e a entrega de Termos de Condições, Extratos de
Licenciamento e Termos para Sementes Reservadas RR aos Sojicultores, sem prejuízo do
disposto no item 6.3, infra, reconhecendo que não poderá mais receber qualquer valor dos
Sojicultores para repasse à Monsanto e que qualquer violação ao ora disposto representará
falta grave, passível de acarretar danos irreparáveis à Monsanto, sujeitando o Produtor às
sanções cíveis e criminais cabíveis. O disposto neste item aplica-se também na hipótese de o
Produtor não inserir os Dados no Sistema Eletrônico.
6.3
O término ou rescisão deste Acordo não desobrigará as partes de suas obrigações existentes
e/ou contraídas até a data de seu efetivo término e/ou rescisão, cujo cumprimento seja
necessário, de acordo com os termos ora ajustados, após a data do referido término ou
rescisão.
7.
DISPOSIÇÕES GERAIS
7.1
O envio por uma parte à outra, de qualquer notificação ou comunicação, exigida ou
autorizada, nos termos deste Acordo, deverá ser por escrito e terá efeito a partir de sua entrega,
em mãos, por serviço idôneo de entregas expressas, ou em 5 (cinco) dias após colocação no
correio, se enviado como correspondência registrada ou correspondência registrada com aviso
de recebimento, sendo exigidos a postagem pré-paga e o recibo de entrega.
A
correspondência a ser endereçada a cada uma das partes deverá ser conforme endereços abaixo
ou outro, como vier a ser indicado por escrito pelas partes.
Se para a MONSANTO:
Monsanto do Brasil Ltda.
Av. Nações Unidas, 12901, Torre Norte, 7º andar,
CEP 04578-000
São Paulo - SP
Atenção:
Departamento Marketing-Soja
Se para o PRODUTOR:
...........................................................
7.2
Disposições Contrárias à Lei: Nenhuma disposição deste Acordo poderá ser interpretada de
forma a exigir, induzir ou encorajar o descumprimento de qualquer disposição legal. Havendo
conflito nítido entre o presente Acordo e qualquer disposição legal, esta última deverá
prevalecer, sendo certo que o dispositivo deste Acordo envolvido no conflito será ajustado
somente na medida necessária à sua conformidade com a lei aplicável.
210
7.3
Força Maior: Nenhuma das partes será responsabilizada por qualquer inadimplemento ou
atraso na execução de qualquer obrigação contida neste Acordo, se tal inadimplemento ou
atraso tiver sido motivado por força maior, em conformidade com a legislação aplicável. Para
tais efeitos, a parte que recorrer a este dispositivo deverá notificar à outra parte, informando
detalhadamente sobre referido evento de força maior. Tanto a Monsanto como o Produtor
deverão empreender seus melhores esforços no sentido de abrandar os efeitos de qualquer
força maior.
7.4
Relacionamento das Partes: O Produtor e sua(s) afiliada(s) são e deverão sempre permanecer
como autônomos no tocante à execução deste Acordo. As disposições deste Acordo não
poderão ser interpretadas como fornecendo autoridade ou reservando à Monsanto qualquer
direito em exercer qualquer controle ou direção das operações, atividades, sobre
administradores, empregados ou agentes do Produtor ou sua(s) afiliada(s), sendo certo e
acordado que o controle total e a administração de tais operações, atividades, administradores,
empregados ou agentes deverão permanecer com o Produtor. Nenhuma das partes será
considerada como empregada ou agente da outra parte. Outrossim, nos termos deste Acordo, o
Produtor e sua(s) afiliada(s) não estão e não poderão agir ou pretender agir como
representantes comerciais da Monsanto, seja a que título for.
7.5
Uso de Nomes e/ou Marcas: Nenhuma das partes poderá usar o nome da outra parte em
quaisquer materiais promocionais ou anúncios sem o consentimento prévio por escrito da
outra parte, exceto se especificamente previsto neste Acordo ou outros documentos afins. Fica
vedado às partes a utilização de qualquer marca de propriedade da outra ou de qualquer outra
empresa pertencente ao mesmo grupo econômico, sem que haja autorização por escrito da
titular da respectiva marca. A utilização das marca "Roundup Ready Soja" poderá ser efetuada
em promoções, propagandas e quaisquer outras formas de divulgação que envolvam as
Sementes RR, desde que em estrita conformidade com as diretrizes e recomendações
divulgadas, por escrito, pela Monsanto.
7.6
O Produtor desde já autoriza que sua participação no Sistema seja divulgada pela Monsanto
junto aos demais Produtores do Sistema, a Compradores de Grãos, a Sojicultores e a quaisquer
outros terceiros, em qualquer meio e com número ilimitado de veiculações, por meio da
inclusão dos dados necessários para a identificação do Produtor em sítios da Monsanto e/ou de
empresas a ela relacionadas na Internet.
7.7
Cessão: Os direitos adquiridos pelo Produtor, nos termos deste Acordo, não poderão ser
cedidos nem transferidos no todo ou em parte para terceiros, sem o consentimento prévio por
escrito da Monsanto.
7.8
Acordo Integral: Renúncia de Direitos: Este Acordo constitui o entendimento integral das
partes em relação ao seu objeto, cancelando todos e quaisquer acordos prévios, sejam escritos
ou verbais, que possam existir entre as partes, em relação ao seu objeto. Salvo se de outra
forma disposto neste Acordo, nenhuma condição, uso ou negociação, curso de negociação ou
execução, entendimento ou acordo com a finalidade de alterar, variar, explicar ou
complementar os termos ou condições deste Acordo terá efeito vinculativo, exceto quando
posteriormente ratificados por escrito e com assinatura da parte a ser vinculada. O não
exercício de qualquer direito por uma das partes não poderá ser considerada como renúncia
definitiva de tal direito ou direitos.
7.9
Solução de Conflitos: Observado o disposto na Cláusula Sexta, retro, no surgimento de
eventuais controvérsias oriundas deste Acordo, as partes deverão inicialmente se reunir e
tentar negociar uma solução amigável para a referida controvérsia, sem recorrer à demanda
judicial. No caso de persistir eventual conflito entre as partes, estas, desde já, elegem o foro da
Comarca com jurisdição sobre a sede do Produtor.
211
7.10
O Produtor será avaliado periodicamente e classificado por prepostos credenciados pela
Monsanto, conforme termos e critérios constantes do Anexo 7.10. Em caso de uma
classificação que não seja “Em Situação Regular (sem pendências a resolver)”, o Produtor
deverá corrigir tal falha ou não adequação aos termos aqui firmados. O Produtor deverá
cooperar com a Monsanto na realização dessas averiguações periódicas, colocando à
disposição todos os registros, inclusive fiscais, relativos a produção e comercialização de
Sementes RR, emissão de Termos de Condições e de Termos para Sementes Reservadas RR,
bem como relativos a contratação de Cooperantes. O Produtor deverá também permitir aos
prepostos da Monsanto o acesso aos campos de produção e respectivos documentos de
inscrição de campos no MAPA e às instalações de beneficiamento e armazenagem de
sementes, sendo que, nas hipóteses de ter contratado Cooperantes, deverá providenciar junto
aos mesmos os documentos solicitados e o agendamento de visitas dos aludidos prepostos da
Monsanto.
7.11
Anexos: Os Anexos 3.1, 3.1.2, 3.2 e 7.10 constituem parte integrante do presente Acordo.
7.12
As modificações das cláusulas ou condições deste Acordo somente terão validade mediante a
celebração do respectivo termo modificativo, sendo que correspondências enviadas por uma parte
à outra não constituirão novação, salvo se assinadas pelos representantes legais das partes,
indicando acordo mútuo entre as partes e caracterizando aditamento contratual.
7.13
O presente Acordo é firmado em caráter não exclusivo, podendo a Monsanto estabelecer acordos
semelhantes com terceiros, a qualquer tempo, sem que caiba ao Produtor qualquer direito ou
compensação.
7.14
As partes reconhecem e concordam que o mero pagamento de perdas e danos não
constituirá compensação adequada para eventual descumprimento de qualquer
obrigação aqui assumida. Conseqüentemente, nessa hipótese, a parte prejudicada poderá
exigir em juízo a execução específica da obrigação de fazer ou não fazer descumprida, na
forma da legislação aplicável.
7.15
Responsabilidades: A Monsanto eximirá o Produtor, assegurando-lhe o direito de regresso,
quanto a qualquer responsabilidade que lhe seja imputada ou questionada em relação a meioambiente e biossegurança, bem como em relação aos Direitos de Propriedade Intelectual, ao
direito da Monsanto de cobrar Royalties, em conformidade com a legislação aplicável, e à
participação do Produtor no Sistema, na medida em que tais questionamentos ou imputações
estejam relacionadas ao fiel cumprimento do disposto no presente Acordo e/ou no Acordo
para Licenciamento. A Monsanto desde já reconhece que o Produtor não será solidário em
qualquer questionamento em relação às matérias aqui indicadas e que, caso o Produtor venha a
ser acionado, por qualquer meio, por parte de Sojicultor ou qualquer outro agente, quanto às
responsabilidades relativas à tais matérias, deverá ser nomeado à autoria e arcará com todas as
responsabilidades e ônus envolvidos, garantindo o direito de regresso ao Produtor, na medida
em que tais questionamentos ou imputações estejam relacionadas ao fiel cumprimento do
disposto no presente Acordo e/ou no Acordo para Licenciamento.
7.16
Fica acordado pelas Partes que sobre as áreas inscritas no MAPA destinadas à multiplicação
de Sementes RR serão cobrados tão somente Royalties do Produtor pela Monsanto, a título de
retribuição pelo uso da Tecnologia RR, no valor de R$ 20,00 (vinte reais) por hectare na safra
2005/2006, salientando-se que nada nesta cláusula poderá ser interpretado como prévio
licenciamento para produção e comercialização de Sementes RR.
212
7.17
Como forma de destacar sua integral concordância aos termos e condições no presente
Acordo, mutuamente acordados, as Partes declaram que (I) leram o presente
instrumento em todos os seus termos; (II) concordam, por livre e espontânea
manifestação de vontade, com todo o pactuado; e (III) assinam o presente instrumento
tendo tido a oportunidade de submetê-lo à apreciação prévia de seus advogados, por
constituir ato de suas vontades.
7.18
As partes reconhecem e acordam que as condições constantes do presente Acordo e de seus
Anexos refletem as suas pretensões e interesses comerciais, sendo fixadas em contraprestação
à compensação paga pela Monsanto aos Produtores, bem como às vantagens decorrentes do
uso das Sementes RR e de sua comercialização aos Sojicultores.
E, por estarem assim, justas e contratadas, as partes firmam este Acordo em 2 (duas) vias, na presença
de 2 (duas) testemunhas abaixo qualificadas.
Local e data de assinatura
MONSANTO DO BRASIL LTDA.
NOME DO PRODUTOR
Por
Por
Cargo
______
Cargo
___________
TESTEMUNHAS:
______________________________
Nome:
CPF:
______________________________
Nome:
CPF:
Página de assinaturas do Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade Intelectual da Tecnologia Roundup
Ready.
213
Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade Intelectual da Tecnologia
Roundup Ready®
Anexo 3.1
Modelo do Termo de Condições
TERMO DE CONDIÇÕES GERAIS PARA LICENCIAMENTO DA TECNOLOGIA
ROUNDUP READY
1.
O presente Termo estabelece as condições de licenciamento para utilização da
Tecnologia Roundup Ready e conseqüente produção de soja-grão Roundup Ready (“Sojagrão RR”), através da utilização das sementes de soja Roundup Ready (“Sementes RR”),
tanto adquiridas junto a Produtores ou Distribuidores credenciados pela Monsanto
(“Produtores e Distribuidores”) como também aquelas eventualmente reservadas para uso
próprio, na forma da legislação aplicável. Ao assinar o presente Termo e em conformidade
com a Lei 9.279/96, Você reconhece que a produção de Soja-grão RR, assim como o plantio,
armazenamento ou qualquer outra forma de utilização das Sementes RR, dependerão de
prévios ”Licenciamentos” escritos da Monsanto do Brasil Ltda. (“Monsanto”), que é legítima
titular dos direitos de propriedade intelectual no Brasil, incluindo patentes, sobre a
Tecnologia Roundup Ready, presente nas Sementes RR, e exigirão o pagamento de
Royalties. A produção de Soja-grão RR, bem como qualquer outra forma de utilização das
Sementes RR sem a prévia devolução deste Termo assinado, sem a emissão dos
Licenciamentos e sem o pagamento dos respectivos Royalties, constituirá infração aos direitos
de propriedade intelectual da Monsanto.
2.
Ao assinar e entregar o presente Termo a um Produtor ou Distribuidor credenciado
pela Monsanto, Você estará habilitado a futuros Licenciamentos para produção de Sojagrão RR através de (I) plantio de Sementes RR adquiridas junto a Produtores e/ou
Distribuidores credenciados, nas quantidades evidenciadas pelas correspondentes Notas
214
Fiscais de compra; e (II) plantio de Sementes RR reservadas para uso próprio (“Sementes
Reservadas RR”), hipótese em que Você deverá previamente declarar à Monsanto ou aos
Produtores ou Distribuidores credenciados as quantidades reservadas a serem plantadas e
evidenciar o cumprimento da legislação aplicável. Às Sementes RR adquiridas junto a
Produtores e/ou Distribuidores, corresponderão os respectivos Licenciamentos para
produção de determinados volumes de Soja-grão RR, representados através de
“Extratos de Licenciamento”, que lhe serão fornecidos pelos Produtores/Distribuidores.
Já para eventuais volumes de Sementes Reservadas RR, os Licenciamentos para produção
de Soja-grão RR serão efetivados pela Monsanto e/ou Produtores/Distribuidores
credenciados, mediante entrega de Licenciamentos específicos (“Termos para Sementes
Reservadas RR”). A emissão dos Extratos de Licenciamento e/ou dos Termos para
Sementes Reservadas RR não dispensará Você do pagamento integral dos Royalties, os
quais serão cobrados diretamente pelos Produtores e Distribuidores credenciados, por
conta da Monsanto, e poderão integrar o preço das Sementes RR ou, a exclusivo critério
dos referidos Produtores e Distribuidores credenciados, serem cobrados separadamente
através de boleto bancário .
3.
Este Termo entra em vigor na data de sua entrega, devidamente assinado, a um
Produtor ou Distribuidor credenciado pela Monsanto. Os Licenciamentos serão nominais
e intransferíveis e terão validade exclusivamente por uma safra, devendo Você, nas
hipóteses de reservar Sementes RR para uso próprio em safras posteriores, obter novos
Licenciamentos para referidas Sementes Reservadas RR.
4.
Todas as operações relativas a Licenciamento das Sementes RR e emissão dos
Créditos serão realizadas a partir da inserção de informações das referidas operações e de seus
dados cadastrais num “Sistema Eletrônico”, operado pelos Produtores e/ou Distribuidores.
Seus dados poderão ser utilizados pela Monsanto e pelos Produtores e/ou Distribuidores, para
fins de implementação e controle dos Licenciamentos. Você poderá acessar o Sistema
Eletrônico, de forma a acompanhar os Licenciamentos e/ou Créditos que lhe tenham sido
concedidos, devendo contatar a Monsanto ou os Produtores e/ou Distribuidores na hipótese de
verificar alguma inconsistência ou irregularidade de informações.
5.
A Monsanto se reserva ao direito de cobrar valores compensatórios por volumes
de Soja-grão RR produzidos sem o devido Licenciamento. Referida cobrança dar-se-á no
momento da comercialização da Soja-grão RR, através de negociadores de grãos credenciados
pela Monsanto (“Negociadores Credenciados”). De forma a evitar cobrança de valores
compensatórios sobre volumes de Soja-grão RR já licenciados, Você fará jus a Créditos para
produção de Soja-grão RR, concedidos no momento de cada Licenciamento, de acordo com
os volumes de Sementes RR adquiridas e/ou Sementes Reservadas RR licenciadas.
5.1. A cada 1 Kg (um quilograma) de Sementes RR que Você adquirir junto a Produtores
e/ou Distribuidores, bem como a cada 1 Kg (um quilograma) de Sementes Reservadas RR
licenciadas através dos Termos para Sementes Reservadas RR, caberá um Crédito equivalente
a quantidades de Soja-grão RR previamente definidas, em relação às quais os valores
compensatórios não serão cobrados pelos Negociadores Credenciados. Consulte um
Produtor ou Distribuidor sobre os Créditos válidos para a sua região.
5.2. Para cálculo dos Créditos, considerar-se-á (I) os locais de entrega das Sementes RR a
Você, conforme constante das respectivas Notas Fiscais; e (II) para a hipótese de
215
licenciamentos de Sementes Reservadas RR, os locais de plantio que Você declarar por
ocasião dos referidos licenciamentos.
5.3. Os Créditos permanecerão bloqueados no Sistema Eletrônico até que os Royalties
sejam efetivamente pagos ao Produtor/Distribuidor ou diretamente à Monsanto. Uma vez que
os Créditos tenham sido desbloqueados no Sistema Eletrônico, Você estará liberado do
pagamento do Valor DPI junto aos Negociadores Credenciados, por ocasião das entregas de
Soja-grão RR, até o limite autorizado por referidos Créditos, sendo cobrados os Valores
Compensatórios DPI apenas pelas quantidades que excederem os Créditos.
5.3.1 Nas hipóteses em que Você optar por comercializar a Soja-grão RR antes das datas de
vencimento dos pagamentos dos Royalties, Você deverá providenciar o pagamento dos
respectivos Royalties antecipadamente e apresentar os comprovantes de pagamento ao
Produtor ou Distribuidor que lhe vendeu as Sementes RR ou que lhe licenciou as Sementes
Reservadas RR, responsáveis pela geração dos respectivos Créditos, solicitando o desbloqueio
dos Créditos no Sistema Eletrônico, proporcionalmente aos volumes de Soja-grão RR que
serão comercializados.
5.3.2 Já nas hipóteses em que as datas de pagamento dos Royalties tenham sido aprazadas
para após 31 de maio de cada ano, subseqüentemente a cada safra, os respectivos Créditos
serão desbloqueados no dia 01 de junho. Referidos desbloqueios antecipados não eximirão
Você da obrigação de pagar os Royalties ao Produtor ou Distribuidor nas respectivas datas de
vencimento, salvo na hipótese de que trata o item 5.3.1, retro.
5.4. Os Créditos terão validade até o dia 31 de janeiro de cada ano subseqüente à
colheita da safra para a qual tenham sido concedidos, sendo cancelados após tal data. Os
Créditos poderão ser excepcionalmente transferidos na hipótese de Você comercializar os
respectivos volumes de Soja-grão RR a terceiros que não sejam Negociadores Credenciados.
Os Créditos somente serão válidos na medida em que Você tenha assinado e entregue o
presente Termo de Condições a um Produtor ou Distribuidor e se refira a Sementes RR ou
Sementes Reservadas RR licenciadas de acordo com as presentes condições, sob pena de
serem desabilitados pela Monsanto, pelos Produtores e/ou Distribuidores, a qualquer tempo.
6.
Os Licenciamentos para utilização das Sementes RR implicarão nas seguintes
obrigações:
Você não poderá comercializar as Sementes RR;
Você deverá permitir acesso da Monsanto ou de representantes às áreas de plantio das
Sementes RR e Sementes Reservadas RR em qualquer fase da produção;
Caso Você opte por reservar Sementes RR para uso próprio, deverá evidenciar à Monsanto o
cumprimento das disposições legais e obter Licenciamento para as respectivas Sementes
Reservadas RR;
Você deverá pagar valores compensatórios sobre as quantidades de Soja-grão RR que
excederem os Créditos, conforme definido no item 5.1, acima.
216
7.
Declaro concordar que os Licenciamentos para produção de Soja-grão RR
estarão regulados pelas condições do presente Termo, que deverá ser assinado e
entregue a um Produtor e/ou Distribuidor credenciado, para fins de seu pleno exercício
e validade. Na hipótese de a Monsanto alterar as condições para Licenciamento das
Sementes RR e Sementes Reservadas RR, as novas condições somente passarão a ser
aplicáveis a partir da safra subseqüente, para o que deverá ser firmado aditivo ao
presente Termo.
Local e Data
______________________________
Nome do Sojicultor
CPF:
217
Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade Intelectual da Tecnologia
Roundup Ready®
Anexo 3.1.2
Dados a serem inseridos pelo Produtor no Sistema Eletrônico
I.
Dados relativos aos Sojicultores
Número de identificação dos Sojicultores (código interno do Sistema Eletrônico)
Nome Fantasia dos Sojicultores
Nome ou Razão Social dos Sojicultores
Número do CPF/CNPJ dos Sojicultores
Identificação do tipo de logradouro (Av, Rua, etc)
Descrição do logradouro
Número do estabelecimento no logradouro
Descrição do complemento do logradouro
Nome do bairro
Cidade
Estado
CEP
Endereço de e-mail
Número de Telefone
Número de FAX
Natureza dos Sojicultores [F]ísica ou [J]urídica
II.
Dados relativos às Vendas e Licenciamentos
Dados Gerais
1 Número de identificação (CPF) dos Sojicultores
2 Data da Venda
3 Número de Seqüência da Venda (gerado pelo próprio Sistema
Eletrônico)
4 Número de identificação do Produtor que efetuou a venda
5 Estado onde será feito o plantio
6 Volume comercializado de Sementes RR
Dados relativos às vendas
7 Número de identificação dos Sojicultores
8 Data da Venda
9 Número de Seqüência da Venda (gerado pelo próprio Sistema
Eletrônico)
10 Código de identificação da marca das Sementes RR
11 Quantidade de Sementes RR adquiridas (em Kg)
12 Valor do Crédito, expresso em quantidade de Soja RR (grãos),
para entrega de Soja RR nos Compradores de Grãos Venda (gerado
pelo próprio Sistema Eletrônico)
13 Valor dos Royalties devidos pelos Sojicultores pela Tecnologia
RR, estejam ou não incluídos no Preço das Sementes
14 Datas aprazadas para recebimento do Preço das Sementes ou
dos Royalties em separado, se for o caso
218
Dados relativos a licenciamentos para Sementes Reservadas RR
15 Número de identificação dos Sojicultores
16 Data de emissão dos Termos para Sementes Reservadas RR
17 Número de Seqüência dos Termos para Sementes Reservadas
RR
18 Quantidade de Sementes Reservadas RR declaradas pelos
Sojicultores (em Kg)
19 Produtividade de Soja RR (grãos) informada por unidade de
Sementes Reservadas RR declaradas (em Kg)
20 Valor do Crédito, expresso em quantidade de Soja RR (grãos),
para entrega de Soja RR nos Compradores de Grãos (gerado pelo
próprio Sistema Eletrônico)
21 Valor dos Royalties devidos pelos Sojicultores pela Tecnologia
RR (gerado pelo próprio Sistema Eletrônico)
22 Confirmação de inscrição dos campos de produção no MAPA
ou, se for o caso, dos termos de ajustamento de conduta (TAC).
III.
Dados relativos aos pagamentos
23 Datas e valores de efetivo pagamento do Preço das Sementes ou
dos Royalties em separado, se for o caso
Procedimentos de Cadastramento
Cadastro dos Sojicultores
O Produtor acessará o Sistema Eletrônico e, através da opção de Inclusão de
Sojicultores, procederá com o cadastramento daqueles Sojicultores que ainda
não estejam cadastrados no Sistema Eletrônico. O Sistema Eletrônico
apresentará uma tela onde os dados listados no item “Dados dos Sojicultores”
deverão ser preenchidos. Haverá verificação de consistências nos dados
informados nessa tela, tais como verificação de CPF e CNPJ válidos.
Cadastro das Vendas de Sementes e Termos para Sementes Reservadas RR
Os dados referentes a cada venda de Sementes RR ou licenciamento de
Sementes Reservadas RR deverão ser registrados no Sistema Eletrônico.
Somente poderão ser cadastradas vendas e Termos para Sementes Reservadas
RRem relação a Sojicultores que já tenham firmado o Termo de Condições e,
conseqüentemente, já estejam cadastrados no Sistema Eletrônico; logo, se um
Sojicultor ainda não constar do Cadastro de Sojicultores do Sistema Eletrônico,
o Produtor deverá primeiro proceder ao cadastramento dos Sojicultores,
conforme procedimento constante acima, para depois seguir com o
cadastramento da venda das Sementes RR ou do Termo para Sementes
Reservadas RR. O Sistema Eletrônico apresentará uma tela onde os dados
listados no item “Dados das Vendas e Licenciamentos” deverão ser
preenchidos. Após o preenchimento desses dados, o Sistema Eletrônico
calculará o Crédito a que os Sojicultores têm direito em função da compra das
Sementes RR ou do Termo para Sementes Reservadas RR. Esse cálculo será
219
realizado de acordo com as regras descritas acima. Através desse
cadastramento, será possível segregar as informações das vendas e Termos
para Sementes Reservadas RR por Sojicultores e imprimir extratos dos
Créditos atribuídos aos Sojicultores pelas compras das Sementes RR ou pelo
pagamento da Tecnologia RR sobre Sementes Reservadas RR.
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Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade Intelectual da Tecnologia
Roundup Ready®
Anexo 3.2
Cálculo dos Créditos de Isenção
A cada 1 Kg (um quilograma) de Sementes RR adquiridas pelos Sojicultores junto ao
Produtor, bem como a cada quantidade de 1 Kg (um quilograma) de Sementes Reservadas RR
licenciadas junto ao Produtor através dos Termos para Sementes Reservadas RR, caberá aos
respectivos Sojicultores um Crédito de Isenção equivalente às quantidades de Soja RR (SojaGrão comercial) abaixo definidas, em relação às quais não serão cobrados Valores DPI pelos
Compradores de Grãos, por ocasião das entregas dessa Soja RR.
Para efeitos de cálculo dos Créditos de Isenção, o Sistema Eletrônico considerará (I) o local
de entrega das Sementes RR pelo Produtor aos Sojicultores, conforme constante da respectiva
Nota Fiscal; ou, na hipótese de licenciamento de Sementes Reservadas RR (II) o local de
plantio declarado pelos Sojicultores por ocasião do referido licenciamento.
Região
Amazonas
Bahia
Distrito Federal
Goiás
Maranhão
Mato Grosso
Mato Grosso do Sul
Minas Gerais
Pará
Paraná
Piauí
Rio Grande do Sul
Rondônia
Roraima
Santa Catarina
São Paulo
Tocantins
Crédito de Isenção (Kg grão/
Kg semente)
61
72
70
70
69
74
71
70
61
73
69
69
70
61
69
68
69
Os Créditos de Isenção aos Sojicultores vigorarão até o dia 31 de janeiro de cada ano
subseqüente à colheita da Safra para a qual foram concedidos. O Sistema Eletrônico
automaticamente cancelará os Créditos de Isenção após decorridos os respectivos prazos de
validade.
221
Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade Intelectual da Tecnologia
Roundup Ready®
Anexo 7.10
Critérios de Averiguação e Avaliação
Objetivo
Assegurar que o Produtor esteja operando em conformidade com os termos e condições
do Sistema e do Acordo Geral para Licenciamento de Direitos de Propriedade
Intelectual da Tecnologia Roundup Ready (“Acordo Geral”).
Escopo
Confirmar as informações relativas aos seguintes pontos, com base em avaliações dos
respectivos documentos gerenciais e fiscais:
1) Volumes totais de Sementes de soja RR produzidos e comercializados;
2) Volumes totais de resíduos de produção e respectiva comercialização;
3) Datas aprazadas para pagamento dos Royalties e Preços das Sementes, datas e valores
de efetivo pagamento, pelos Sojicultores, bem como datas e valores de pagamento dos
Royalties à Monsanto, pelo Produtor;
4) Créditos concedidos a Sojicultores x Créditos bloqueados; e
5) Campos de produção de Sementes de soja RR, inscritos no MAPA.
Classificação da A
Classificação: A Classificação será dada com base na certificação dos objetivos de
controle principal, incluindo:
• Integridade: Todas as transações ocorridas são corretamente registradas no
Sistema Eletrônico, aceitas para processamento e relatadas.
• Exatidão: As transações são registradas e relatadas no seu valor correto, na
conta apropriada, dentro do prazo (no período apropriado).
• Validade: Todas as transações registradas realmente ocorreram (foram
verdadeiras), eram relativas ao objetivo do Acordo Geral e foram autorizadas
por pessoal capacitado.
Efeitos da Averiguação e Avaliação
De forma geral, a cada período de Averiguação e Avaliação, a Monsanto fornecerá relatório
ao Produtor, com os resultados que vão nortear os valores do Preço Variável Semestral.
1. Em Situação Regular:
• O Produtor se habilita para recebimento do Preço Variável Semestral integral.
222
2.
•
•
•
Em Situação Regular, com Questões a Resolver:
O Produtor é notificado sobre as irregularidades apuradas e deve saná-las de imediato.
A Monsanto intensifica suas inspeções.
O Produtor se habilita para recebimento do Preço Variável Semestral com valor reduzido.
3. Em Situação Não Regular:
• O Produtor NÃO se habilita para recebimento do Preço Variável Semestral.
• A Monsanto poderá rescindir o Acordo Geral, mediante simples notificação ao Produtor.
Após tal rescisão, ficará revogado o Acordo para Licenciamento, bem como estará
revogada a permissão para que o Produtor se envolva no Sistema.
223
ANEXO F – FOLHETO DISTRIBUÍDO PELA MONSANTO AOS
AGRICULTORES
224
225
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
ANEXO
G
–
CONTRATO
DE
LICENCIAMENTO
COMERCIALIZAÇÃO DE SOJA TRANSGÊNICA
PARA
236
Download

o sistema de governança da soja geneticamente