Desconexão com o lugar: proposta para um conjunto habitacional da cidade de Londres Fernanda Fontana De Gasperin (1) Bruna França de Pontes (2) Letícia Leite Costa (3) (1) Autora. Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, UNOCHAPECÓ, Chapecó – SC - Brasil. E-mail: [email protected] (2) Coautora. Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo. CESED - Facisa, Campina Grande – PB Brasil. E-mail: [email protected] (3) Coautora. Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, UNIFOR, Fortaleza – CE - Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Este artigo tem como objetivo relatar o processo de pesquisa e projeto no conjunto habitacional Central Hill, na cidade de Londres. O conjunto faz parte de um grupo de doze conjuntos habitacionais no qual a prefeitura visa a demolição dos mesmos para sua reconstrução. A minoria dos residentes são resistentes à proposta e apoiados pela organização ASH buscam a conscientização dos demais moradores assim como novas propostas em contrapartida as alegações da prefeitura como motivo de demolição. Enquanto estas propostas tem seu foco somente na parte arquitetônica, o grupo responsável por este projeto identifica problemas de desconexão das pessoas com o local e busca estratégias para que se estabeleça uma maior relação das pessoas com o lugar. Como públicoalvo se considera os residentes e também a comunidade externa. Em resposta, se propõe a construção de novas infraestruturas com o apoio dos moradores e a inclusão de um novo uso na área. Palavras-chave: Londres; conjunto habitacional; apropriação do espaço; trabalho cojunto; Parkour. Abstract: The aim of this article is to report the research and proposal process in the Central Hill estate in London. This estate is included in a group of twelve estates which the Council intend to demolish it to rebuild. The minority of the residents are resistant to the proposal. Supported by the group ASH they look for the awareness of the other residents as well as new proposals in return of the demolishment reasons appointed by the Council. While this proposal got the focus on architecture, the group responsible for this project identify disconnection problems between people and the place. The residents as the external community are consider the target audience. In response, it is proposed the construction of new infrastructure with the support of the residents and the inclusion of a new use for the area Key-words: London; social housing; space appropriation; team work; Parkour. 1. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como intenção relatar o trabalho de pesquisa e projeto de alunas do programa Ciência Sem Fronteiras, em graduação sanduíche no Reino Unido, no qual foi trabalhado o conjunto habitacional Central Hill na cidade de Londres. Este conjunto está incluído em um projeto da prefeitura local que visa a demolição e reconstrução de conjuntos habitacionais. O foco do projeto foi desenvolver uma maior interação social entre os próprios residentes e a comunidade externa a partir da valorização do uso das áreas públicas do conjunto habitacional, 1|9 incentivando seu uso e apropriação. O conjunto conta com diversas áreas verdes abertas em seu interior, mas que são pouco utilizadas pelos seus moradores, bem como pela comunidade do entorno. A partir da constatação desta desconexão das pessoas com o lugar, a proposta visou à consientização para a preservação do Conjunto Habitacional Central Hill, procurando reverter a ideia de sua demolição. Dessa maneira a proposta trouxe um novo uso para o espaço público com a participação dos moradores e demais usuários, assim como subsídios e incentivos para estes se apropriarem do local através da co-criação de novas infra-estruturas a partir do existente. 1.1. Introdução ao conjunto habitacional Central Hill A cidade de Londres no Reino Unido é dividida em mais de trinta boroughs, espécies de vilas, individualmente são representadas por suas subprefeituras que possuem independência em aspectos como o planejamento regional. O borough of Lambeth situa-se na parte sul da cidade de Londres e conta com diversos condomínios de habitação de interesse social. Até o ano de 1980 estas habitações em sua maioria pertenciam ao poder público que as alugava. A partir da política do “direito de compra” (‘Right to Buy’ policy), que permitiu a compra de parte destes imóveis, o número de habitações disponíveis diminui. Segundo a prefeitura de Lambeth isso gerou problemas no setor habitacional, já que hoje a demanda é maior que o número de habitações. Frente a isso, a prefeitura implantou no final de 2014 o sistema de regeneração de imóveis, visando o aumento de número de unidades habitacionais. FIGURA 01 – Central Hill Estate. Fonte: Google Maps. Edição: Gasperin, F. (2015) Cerca de doze conjuntos habitacionais fazem parte da proposta de regeneração e nela se inclui o condomínio Central Hill. O conjunto Central Hill conta com 456 habitações que pertecem à prefeitura e mais 134 habitações de propriedade privada. Em questões arquitetônicas, como iluminação e ventilação natural dos ambientes internos os edifícios podem ser avaliados de maneira positiva, principalmente quando comparado ao padrão de iluminação e ventilação natural dos edifícios britânicos. O acesso aos edifícios acontece por caminhos estreitos e em algumas situações com grandes muros laterais, este fato se deve provavelmente à topografia. 2|9 FIGURA 02 – Interior da residência de Andrew Smith. Fonte: Pontes, B. (2015) FIGURA 03 – Vias de acesso às residências. Fonte: Pontes, B. (2015) Segundo a prefeitura essas áreas públicas pouco utilizadas e as ruas de acesso perigosas. Esses fatores somados à necessidade de mais unidades habitacionais, resultaram na proposta de demolição e reconstrução de todo o conjunto. Aos demais doze conjuntos foram propostas soluções similares. Frente a isso, um grupo de arquitetos e simpatizantes cria uma organização em apoio aos moradores resistentes à proposta da prefeitura. Denominado Architects for Social Housing (ASH) ou Arquitetos para Habitação de Interesse Social, o grupo trabalha propondo soluções de design em contrapartida aos fatores apontados pela prefeitura como motivos da demolição. Ao grupo uniram-se três estudantes do programa Ciência Sem Fronteiras realizando seu projeto de verão, aonde desevolveram uma proposta com a intenção de incentivar o uso dos espaços públicos pelos próprios moradores e pela comunidade geral. 2. OBJETIVO O objetivo geral do projeto foi fazer com que através da apropriação dos espaços públicos as pessoas estabelecessem uma relação com o local. Essa relação resultaria no reconhecimento de identidade no local, ganhando assim apoio a não demolição. A criação de novos mobiliários somado à colaboração dos residentes no processo de construção corresponde ao primeiro objetivo específico que é unir a comunidade e fazer com que a utilização dos espaços pelos residentes se torne efetiva, criando assim uma maior relação de propriedade com local em que já residem. 3|9 O incentivo a novos usos traz a possibilidade de novo público frequentando o espaço. Para isso, como segundo objetivo específico, propõe-se um novo uso para as infraestruturas existentes. Essa resolução faz com que pessoas externas à comunidade se apropriem das infraestruturas existentes, coexistindo com os atuais usos e mais uma vez sendo valorizando a área como espaço público e ganhando apoio à preservação do conjunto Central Hill. 3. JUSTIFICATIVA Demais propostas, anteriores à esta, em apoio aos conjuntos abrangiam na maioria dos casos maneiras para que as edificações fossem ampliadas gerando um maior número de habitações, em resposta à necessidade de mais habitações. Através das visitas realizadas no local, o grupo percebeu outra necessidade que ia além da quantidade de habitações disponíveis. A questão comunitária e união das pessoas que habitam o espaço pareceu pouco significativa. Essa conclusão deu-se quando analisando a frequênica do uso dos espaços públicos e problemas com questões de privacidade. As visitas ao local foram realizadas na maioria das vezes em finais de semana, períodos em que normalmente correspondem ao recesso dos trabalhadores. Nesses períodos, assim como dias de semana, não se percebia o uso das áreas públicas e em contrapartida notou-se diversas famílias saindo do conjunto em busca de lazer em outros locais.. Segundo relatos de moradores, a questão de privacidade é considerada um fator falho nas residências. Grandes muros compõe o acesso das mesmas, assim como as varandas com guarda-corpo de vidro recebem diferentes tipos de fechamentos diminuindo ou bloqueando o acesso visual. Este fato também foi relacionado com o pouco contato entre moradores e a falta de relação de vizinhança entre os mesmos. FIGURA 04 – Fechamentos em varandas. Fonte: Pontes, B.; Leite, L. (2015) Optou-se em trabalhar na valorização das áreas públicas, para que o uso das mesmas seja efetivo ao mesmo tempo em que o convívio de vizinhança seja melhorado e para que a comunidade externa participe do espaço. Ganhando adeptos ao uso do espaço, ele ganha usuários a favor da preservação 4|9 do espaço, bem como os idealistas do projeto que prevê sua demolição reconsiderariam a proposta inicial, precebendo a importância deste espaço para as pessoas. 3.1. A implantação de novos mobiliários urbanos Para que um espaço público seja usado na sua plenitude é importante que se designe usos e se dê subsídios para isso. Com uma grande quantidade de áreas públicas sem uso específico, a ideia foi fornecer mobiliários para o local transformando-os em espaços de permanência. Isso somado a intenção de unir as pessoas como comunidade, trouxe a ideia da participação das pessoas no processo da produção dos mobiliários no local. Por esse motivo novos mobiliários foram propostos para a área e a sua construção contaria com participação dos moradores do conjunto Central Hill. 3.2. A introdução da prática do Parkour Para que a comunidade externa seja incluída na área, mais que questões paisagísticas são necessárias para que as pessoas externas ao conjunto façam uso do espaço. É preciso que haja um incentivo, já que a maioria das áreas se situa no interior do conjunto que gera certa intimidação no acesso ao local. Esse incentivo pode ser traduzido em um atrativo e assim uma atividade pode ser este atrativo, esta que deve coexistir com os usos preexistentes e respeitar o convívio da comunidade que ali habita. Para isso buscou-se alguma atividade que se adaptasse à situações e locais pré-existentes e que a área tivesse potencial para a realização do mesmo. Após pesquisas, a ideia de incluir prática do Le Parkour foi cogitada. Primeiramente buscou-se entender o esporte e os objetivos do mesmo. Objetivo do Parkour é andar por caminhos de uma maneira não usual, sempre buscando a maneira mais difícil e desafiadora a realizar um trajeto. Segundo esportistas a prática acontece em locais públicos como escadas, corrimões, muros, etc. Áreas de grande potencial são chamadas de picos e essas assim como as demais são preservadas pelos praticantes, já que são áreas favoráveis para a prática do esporte.. Depois de entender o objetivo do esporte e perceber o objetivo de preservação do espaço, optou-se em propor o Parkour como novo uso para a área. Para verificar se a área estava apta à receber a prática desse esporte e entender se novas estruturas seriam necessárias, dois esportistas visitaram o local juntamente com o grupo responsável pelo projeto. A avaliação foi positiva e confirmou a possibilidade de implantação da prática do esporte no local. 4. MÉTODO A pesquisa aconteceu através de visitas realizadas no local e se dividiram em quatro partes, aonde diferentes aspectos foram analisados. Iniciando pelo reconhecimento do local, visita às habitações e conversas com os moradores, análise de potenciais para instalação de novos mobiliários e análise de potencias para realização do Parkour. A primeira parte da análise abrangeu três conjuntos habitacionais que fazem parte da proposta da regeneração da prefeitura de Lambeth. A análise aconteceu em dois momentos, primeiramente as áreas dos conjuntos foram reconhecidas, incluindo o conjunto da proposta, enquanto a segunda parte aconteceu no evento “Open Garden Estates”. Neste evento moradores de diversos condomínios 5|9 abriram seus jardins para que toda a população pudesse visita-los. Nessa ocasião os moradores contaram suas experiências como resudentes dos conjuntos. FIGURA 05 – Evento Open Garden Estates. Fonte: Pontes, B. (2015) A visita seguinte aconteceu na residência de Adrew Smith, no conjunto Central Hill, ele apresentou sua casa e contou problemas encontrados pela comunidade e anseios de mudança gerais dos residentes. Ele relatou que a maioria dos moradores tem problemas com privacidade e acabam por não ter grande convivência com a vizinhança. Perguntado sobre o motivo desse problema, Andrew diz que a questão cultural somada a pouca convivência da comunidade provavelmente contribui para isso. FIGURA 06 – Visita à casa de Andrew Smith. Fonte: Pontes, B. (2015) A partir da decisão de implantar novos mobiliários no loca, foi realizada mais uma visita, aonde todas as áreas públicas foram analisadas, encontrando assim potenciais de implantação de novos mobiliários considerando visuais, áreas circundantes, acessos e demais características. A última visita de análise aconteceu juntamente à James Sutton e Pedro Bronze, esportistas praticantes do Parkour. Ambos classificaram a área como de grande potencial para a prática do esporte, e identificaram diversos picos (áreas favoráveis para a prática Parkour). Os picos foram mapeados para que através deles se criasse o Parkour Way ou o Caminho do Parkour. Os moradores que passaram pelos locais de prática, acompanharam atividade com curiosidade, o que se considerou como uma possível avaliação positiva. 6|9 FIGURA 07 – Visita dos esportistas no local. Fonte: Pontes, B. (2015) 5. RESULTADOS A realidade das favelas e demais comunidades habitacionais brasileiras foram comparadas às habitações britânicas em um relato para a professora e orientadora do projeto, Geraldine Dening. Os problemas de infraestrutura, especialmente de favelas, foram citados no relato, porém também foi lembrada a questão das comunidades e a união das pessoas que compõe as mesmas, fato comum na realidade brasileira. Em conversa, concluiu-se que esse tipo de relação entre os moradores não acontece na realidade britânica, incluso a área da presente proposta. Devido à esta conclusão a proposta foi pensada também no âmbito social, e por este motivo foram propostos tipos de mobiliários que poderiam ser construídos com a ajuda dos moradores. A montagem dos mobiliários seria proveniente do trabalho conjunto dos moradores através de workshops supervisionados por profissionais capacitados. O esquema abaixo ilustra o processo de produção baseado no trabalho conjunto para maior interação entre os residentes. FIGURA 08 – Esquema sobre a montagem dos mobiliários urbanos. Fonte: Gasperin, F. (2015) (Tradução: 1- Um supervisor dará instruções e ajudará no processo; 2- Uma estrutura básica será fornecida, com a intenção de ser finalizada pelos moradores; 3- Residentes que são vizinhos trabalharão junto. Eles vão conhecer novas pessoas e melhorar as relações de vizinhança; 4 - O mobiliário vai compor a paisagem da comunidade, dando uma identidade para o local e os residentes terão orgulho da produção; 5 - Uma comunidade mais forte será construída, com maiores relações de vizinhança e partir disso crescerá uma comunidade mais unida). 7|9 FIGURA 09 – Proposta de instalação de mobiliário. Fonte: Gasperin, F. (2015) O objetivo final do projeto é desenhar mobiliários específicos para a área, baseados nos projetos utilizados como estudo de caso, para que os mobiliários sejam reflexo da identidade da comunidae. Ao mesmo tempo , para que a comunidade externa seja incluída optou-se em incentivar a prática do Parkour no conjunto. A partir da análise da viabilidade da implantação dos dois focos do projeto, criou-se o Parkour Way (Caminho do Parkour) que abrange os picos para prática do Parkour assim como as áreas de proposição dos mobiliários. O caminho foi desenhado com base nas áreas propostas para os mobiliários, nos pontos favoráveis à prática do Parkour e nas demais áreas públicas e calçadas do condomínio. FIGURA 10 – Proposta de infraestrutura de escalada em apoio ao Parkour e introdução em paralelo da arte de rua. Fonte: Pontes, B. (2015) No último encontro, em 29 de julho de 2015 aonde proposta foi apresentada juntamente com um pequeno documentário aonde os esportistas do Parkour que acompanharam as pesquisas falam sobre a área e seus potenciais. A aceitação por parte dos moradores e do grupo ASH foi muito positiva. A maioria dos relatos falava de ter sido a primeira proposta no sentido dos espaços públicos, enquanto as demais consideravam apenas as áreas construídas e suas possíveis ampliações. A atividade do Parkour foi bem aceita de uma maneira geral e os moradores se mostraram dispostos à incluir a prática do esporte bem como os esportistas no seu meio. Por ser um projeto realizado em um curto período de 8|9 tempo, sua execução não foi finalizada pelo grupo que o propôs, porém por ter recebido uma avaliação positiva os integrantes do grupo ASH visam dar continuidade a mesma. FIGURA 11 – Apresentação da proposta final ao grupo. Fonte: Viola Petrella (2015) 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Levando em consideração o fato de que os projetos anteriores em apoio ao conjunto Central Hill tinham seu foco apenas nas habitações e não levavam em conta a parte social e urbana, pode-se entender a importância de uma visão externa ao problema. Neste caso a visão das alunas, vinha de uma realidade brasileira aonde as relações comunitárias e de pessoas são extremamente fortes na maioria das vezes, diferindo da realidade britânica. Essa diferença se deve principalmente às questões culturais, o que nos mostra a relevância deste aspecto no processo de projeto e planejamento. A análise das relações sociais sob influência cultural somadas à desconexão com o lugar foram capazes geriram respostas às necessidades do conjunto Central Hill. Com o objetivo de estabelecer relações das pessoas com o lugar, o projeto abrangeu mais do que aqueles que ali vivem e trouxe um novo público para a área, se tratando de uma área pública. Assim conseguimos novas visões da área, das pessaos que ali já residiam porém agora com um sentimento de apropriação do local e na perspectiva de quem pratica o Parkour, como público externo. As novas visões do mesmo espaço criados a partir do projeto geram benefícios diretos ao local tanto na área social quanto urbana e dessa forma trazem a consciência da importância do espaço e o apoio à preservação do local. Por todos esses aspectos concluí-se que quando se intenciona intervir num espaço para sua reviltalização é possível envolver novas pessoas, opiniões, culturas e atividades se objetivando o lugar e as pessoas. Basta mudar a perspectiva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003. JACOBS, Jane. The Death and Life of Great American Cities. London: Vintage Books, 1961. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. LAMBETH council. Housing regeneration http://www.lambeth.gov.uk/housing/regeneration. [16/08/15] projects. Disponível em: Architects for social housing. Disponível em http://www.architectsforsocialhousing.co.uk/. [16/08/15] 9|9