Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
OFICINA DE CIÊNCIAS – UMA EXPERIÊNCIA INTERDICISPLINAR
Rute Alves de Sousa - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Lidiane Gomes Pinheiro - Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Bolsista monitoria
Jéssica Luana Fidelis Lopes - Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Bolsista
monitoria
Resumo
O Parque da Ciência é um espaço não formal de ensino na área de Ciências da
Natureza que atua na divulgação científica, recebendo alunos da rede básica de ensino.
Os monitores que atuam nesse espaço são alunos de licenciatura dos cursos de Ciências
Biológicas, Física e Química. Esses monitores foram estimulados a produzirem e
ministrarem oficinas interdisciplinares tendo como público alvo estudantes de
licenciatura, alunos e professores da rede básica de ensino. O objetivo dessa proposta
era fazer com que os monitores pudessem pensar e refletir de forma interdisciplinar
dentro do local em que atuavam.
A análise dos questionários aplicados após a
realização das oficinas mostra que eles conseguiram desenvolver uma proposta de
atividade interdisciplinar.
Palavras-chave: Interdisciplinar, Espaço não formal, Formação de professores.
Introdução
As instituições escolares brasileiras não oferecem condições para, sozinhas,
cumprirem a tarefa de discutir aspectos mais abrangentes da cultura científica com a
população (CSIKSZENTMIHALYI e HERMANSON, 1995 apud WOLINSKI et al,
2011). Dessa forma, destaca-se a importância da utilização de espaços não formais de
ensino para a divulgação científica e a aproximação da sociedade dos conhecimentos
produzidos nas academias, estando os centros de ciência colaborando diretamente para a
ampliação do conhecimento da população, principalmente no que diz respeito a assuntos
relacionados à ciência e tecnologia.
O termo ‘espaço não formal de ensino’ apresenta uma definição complexa,
porém de forma geral, tem sido utilizado com o intuito de descrever ambientes
diferentes das salas de aula nos quais é possível o desenvolvimento de atividades
educativas. A educação não formal, desta forma, proporciona a aprendizagem de
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conteúdos da escolarização formal em espaços fora do ambiente escolar (JACOBUCCI,
2008;VIEIRA e BIANCONI, 2007).
Vieira e Bianconi (2007) afirmam que esses espaços oferecem a oportunidade de
suprir, ao menos em parte, algumas das carências da escola como a falta de laboratórios,
recursos audiovisuais, entre outros, o que vem ao encontro com os pensamentos de
Matos e Valadares (2001), quando, concordando com investigadores em educação,
comentam que para uma boa aprendizagem tem-se a necessidade de participação ativa
do aluno, de modo a construir e reconstruir o seu próprio conhecimento.
De acordo com Jacobucci (2008) os espaços não formais de ensino têm como
objetivos aumentar a consciência sobre o papel e a importância da ciência na sociedade,
proporcionar experiências educativas para que os usuários compreendam princípios
científicos e tecnológicos, além de despertar o interesse pela ciência e tecnologia.
Nesses espaços, assim como em sala de aula, Matos e Valadares (2001) relatam sobre a
importância de o professor assumir um papel dinamizador e facilitador da aprendizagem
do aluno, ao contrário do que sucedia no modelo tradicional de ensino em que o
professor era entendido como um mero veículo transmissor de conhecimentos.
Atualmente, os museus e centros de ciência, com o principal objetivo de
divulgação científica, reestruturaram-se e reinventaram-se como espaços que buscam
uma maior interatividade entre o público e o conhecimento científico, proporcionando
além da educação, também o entretenimento. Estes ambientes têm apresentado maior
dinamicidade, os quais proporcionam uma aprendizagem ativa por parte dos visitantes,
sem a formalidade das escolas ou salas de aulas, apresentando-se, desta forma, como espaços alternativos complementares, nos quais é desenvolvida a aprendizagem não
formal (WOLINSKI et al, 2011).
Nesta perspectiva atua o Parque da Ciência, espaço interativo na área de
Ciências da Natureza da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em
funcionamento desde o primeiro semestre de 2006. Neste espaço tem três salas distintas
dentro de um mesmo ambiente, são as salas de Física (Física Interativa), Química
(Química em Cena), e Biologia (Espaço da Vida). Desde que iniciou seu
funcionamento, o Parque da Ciência recebe, com o apoio de seus monitores, visitas de
estudantes do ensino fundamental e médio, oriundos de instituições públicas e privadas
da capital e do interior do estado.
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O Parque da Ciência com suas salas de Biologia, Física e Química apresenta
potencial para o desenvolvimento de atividades interdisciplinares, no entanto, a
proposta de atuação dele é totalmente disciplinar, sem nenhuma comunicação entre as
salas ou os conteúdos abordados. Considerando a importância da interdisciplinaridade
para o desenvolvimento de práticas educativas consistentes, no ano de 2013, os
monitores do Parque da Ciência foram orientados a desenvolverem uma proposta de
oficina interdisciplinar com estudantes de licenciatura, professores e alunos da rede
básica de ensino. O objetivo dessa proposta era fazer com que os monitores pudessem
pensar e refletir de forma interdisciplinar dentro do local em que atuavam.
Desenvolvimento do Projeto
O projeto de realização da oficina teve como tema “Ciências da visão: arte, luzes
e cores” e foi desenvolvido em sete meses em três etapas distintas:
1ª etapa – Apresentação da proposta e organização dos grupos de estudos
disciplinares
O Parque da Ciência conta com 12 monitores / bolsistas, sendo quatro do curso
de Ciências Biológicas, quatro do curso de Física e quatro do curso de Química. Num
primeiro momento o professor orientador apresentou a proposta da oficina e no grupo
de discussão foi sugerido que os monitores, por curso, fizessem um estudo sobre o
óptica / visão, tentando identificar os principais conceitos trabalhados sobre esse
assunto na sua área de conhecimento. Este estudo foi feito sob a orientação do professor
da área, e, posteriormente os monitores apresentaram para os demais colegas, em forma
de seminário, os conhecimentos adquiridos por meio do estudo. Em encontros
quinzenais os monitores apresentaram os seus seminários, tendo o cuidado de grifar em
suas apresentações dúvidas em relação ao tema que dizia respeito à outra área de
conhecimento. Dessa forma, embora a proposta inicial tenha sido disciplinar, os
monitores já traziam para as discussões questões interdisciplinares.
2ª etapa – Definição e organização da oficina
Após a apresentação dos seminários de cada área foi feita uma reunião para se
pensar como deveria ser trabalhada a oficina interdisciplinar. Inicialmente foi solicitado
que os monitores apresentassem propostas de atividades experimentais que pudessem
ser trabalhadas interdisciplinarmente, entretanto, os monitores tiveram dificuldades de
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pensarem nessa atividade. Diante disso, optou-se por reorganizar os grupos, de modo
que em cada novo grupo formado tivesse monitores das diferentes áreas de
conhecimento. Em uma roda de conversa o professor orientador questionou, aos novos
grupos formados, quais atividades experimentais poderiam ser desenvolvidas que
abordassem conceitos de Biologia, Física e Química. Surgiram quatro propostas de
atividades:
• 1ª proposta: O tema era “Captação da luz solar: produção de energia”.
Infelizmente o aluno que estava propondo essa atividade no grupo teve que
deixar a monitoria e o novo integrante optou por trabalhar com outra atividade,
já que os demais alunos não haviam compreendido bem como seria a proposta
inicial. Nesse caso a nova proposta sugerida foi “A curva que a luz realiza”.
• 2ª proposta: Fogos de artifícios. Essa proposta, embora tenha sido bem
interessante, deu bastante trabalho para conseguir as substâncias, e no final
surgiu uma discussão interessante sobre a toxicidade dos sais utilizados.
• 3º proposta: Arco íris. A ideia era fazer com que os participantes percebessem
como era fácil apresentar o arco íris para a turma de modo que eles
compreendessem os conceitos científicos relacionados com esse fenômeno.
• 4ª proposta: Microscópio caseiro. A última proposta dos monitores foi a
utilização de um lazer para ampliar o tamanho da imagem.
Fazenda (2011), diz que num projeto de capacitação docente que tem a pretensão
de trabalhar a interdisciplinaridade no ensino deve levar em conta alguns itens, entre
eles está o processo de engajamento do educador, mesmo que sua formação tenha sido
fragmentada e propiciar condições para troca com outras disciplinas, ainda que o
educador esteja em formação. Esta autora descreve em seu livro alguns exemplos de
projetos coletivos que abordam essa temática.
3ª etapa – O desenvolvimento das oficinas
A oficina aconteceu em três momentos distintos e em cada um dos momentos
contou com um público bem diversificado, que foi desde professores e alunos da rede
básica até licenciandos dos cursos de Ciências Biológicas, Química, Pedagogia, Ciência
e Tecnologia e Engenharia elétrica.
No primeiro momento da oficina, os participantes ao chegarem ao local eram
reunidos em uma sala onde era feita uma breve apresentação do tema e o objetivo da
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oficina. Posteriormente eles eram levados aos demais espaços do Parque da Ciência
onde se encontravam os monitores com a proposta de atividade para ser apresentada. Os
experimentos eram realizados primeiramente com a participação ativa dos participantes,
deixando-os à vontade para aguçar a curiosidade científica. Após este primeiro
momento, com auxílio e questionamentos dos monitores, os participantes chegavam a
conclusão dos experimentos, e em seguida era realizada uma breve explicação teórica
sobre os mesmos, visando sempre a interdisciplinaridade e relação com o cotidiano.
Em um segundo momento, após a realização e explicação teórica de cada
experimento da oficina foi iniciado um debate sobre a importância da mesma para a
formação de professores e como utilizá-la na rede básica de ensino. A todos os
participantes foi passada uma ficha de avaliação da oficina ministrada, para obterem-se
conclusões sobre o alcance dos objetivos da mesma.
Avaliação das oficinas
A ficha de avaliação levava em consideração nove aspectos diferentes da oficina
onde os participantes tinham as opções de números do 1 ao 5, em que 1 (ruim) e 5
(muito bom) (Quadro 1). Além desse pequeno questionário havia também um espaço
para observações, comentários ou sugestões dos participantes.
Quadro 1 – Critérios de avaliação da oficina
Avaliação da Oficina / Classifique a oficina relativamente a: 1 2 3 4 5
Clareza da linguagem utilizada
A oficina conseguiu atingir a interdisciplinaridade
Material de fácil acesso para aquisição e reprodução
A oficina correspondeu as suas expectativas
Considera que a oficina contribuiu para sua formação
Importância do tema e dos conceitos abordados
As estratégias utilizadas foram significativas
Você recomendaria essa oficina para outras pessoas
A oficina teve a participação de 45 pessoas, entre licenciandos, professores da
rede básica de ensino e, inclusive alunos da rede básica, no entanto, apenas 23
responderam a ficha de avaliação, pois as mesmas não foram dadas aos alunos da rede
básica de ensino por ter sido direcionada ao professor ou licenciando.
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Em relação ao item “Clareza de linguagem” 15 dos entrevistados consideraram
nota cinco, seis consideraram nota quatro e dois consideraram nota 3. Esse resultado é
plausível considerando que 35 % dos entrevistados já eram professores da rede básica e
que pelo menos 56,5 % eram graduandos como os monitores, o que poderia tê-los
deixados tensos durante a realização das atividades. Em relação ao item que questionava
se a oficina havia atingido a interdisciplinaridade 91% deram a nota máxima, apenas
dois participantes consideraram nota inferior a 5, sendo que um considerou 4 e outro
considerou nota 3. Mais de 80 % dos entrevistados consideraram que o material
utilizado para a realização das oficinas era de fácil acesso para aquisição e reprodução.
Apenas três dos entrevistados considerou nota 4 para o item que abordava a motivação
para o envolvimento nas atividades escolares, todos os demais deram 5 para esse item.
Apenas dois entrevistados consideraram 3 no item que questionava se a oficina havia
correspondido as expectativas, 65 % deram nota 5. O tema foi considerado muito
importante para 61 % dos entrevistados e 82,6 % consideraram que as estratégias
utilizadas foram significativas com nota 5 e 17,4 % deram nota 4 para este item. Quase
90 % dos entrevistados deram nota 5 para o item que questionava se eles
recomendariam a oficina para outras pessoas.
Ao analisar os espaços de comentários, observações ou sugestões, a maioria dos
participantes que preencheu esse espaço sugeriu a maior divulgação da oficina
interativa, assim como do espaço Parque da Ciência. Foram relatadas análises positivas
em relação à oficina ministrada: uma didática construtivista; a presença da
interdisciplinaridade em todos os experimentos; melhor explicação prática do que
teórica reforçando o construtivismo; a acessibilidade dos experimentos que permite
levá-los às salas de aula; a correlação dos experimentos com o cotidiano dos alunos; a
presença de participantes de vários níveis de escolaridade tendo todos compreendido e
vivenciado as mesmas experiências, porém com visões diferentes, de forma positiva.
Segundo Krasilchik (1996) quanto mais às experiências educativas assemelhamse às futuras situações em que os alunos deverão aplicar seus conhecimentos, mais fácil
se tornará a concretização do aprendizado. Portanto, em sala de aula ou fora dela os
docentes têm o importante papel de planejar as atividades práticas de forma a facilitar a
compreensão dos conteúdos teóricos por parte dos alunos, estimulando seus
questionamentos, levantando hipóteses, auxiliando-os a chegar a conclusões e
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compreender
a
situação
problema,
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levando
ao
desenvolvimento
de
novos
conhecimentos a partir de seus conhecimentos prévios.
Desta forma, as atividades experimentais devem possibilitar significados reais,
provocando a elaboração e construção pessoal do conceito, a fim de que seja utilizado
para interpretação e para a construção de outras idéias (ZABALA, 1998). Sob este
ponto de vista, a oficina ministrada explorou os conhecimentos prévios de seus
participantes de níveis diferentes de escolaridade, para fundamentar as hipóteses dos
experimentos, testá-las e chegar às suas próprias conclusões. Os participantes tiveram a
oportunidade de utilizar, além de seus conhecimentos prévios, uma construção gradativa
de conhecimentos juntamente com o grupo como um todo e suas experiências. De
acordo com Bevilacqua e Coutinho-Silva (2007), a construção do conhecimento ocorre
a partir da investigação científica, e a experimentação é condutora do conhecimento,
desta forma, observa-se o importante papel da experimentação e interdisciplinaridade,
uma vez que a experimentação no ensino de ciências pode atuar como facilitadora no
processo, levando a uma aproximação dos alunos com os conteúdos trabalhados em sala
de aula, contribuindo para uma aprendizagem significativa.
Considerações finais
A oficina “Ciências da visão: arte, luzes e cores” atingiu seu objetivo, levando os
monitores a pensar e refletir de forma interdisciplinar dentro do local em que atuavam.
De acordo com Jeolás e Ferrari (2003), o ponto principal que define uma oficina é sua
proposta de aprendizagem compartilhada por meio de atividade grupal, face a face, com
o principal objetivo de construir o conhecimento de forma coletiva, estando presente na
oficina ministrada a característica forte do construtivismo, atuando positivamente na
aprendizagem significativa dos alunos.
Todo o processo de apresentação, desenvolvimento e até o ato de ministrar as
oficinas foi bastante proveitoso para a formação dos monitores. Os mesmos se
engajaram no projeto desde o início, e, apesar das limitações e insegurança em frente ao
desafio, atingiram os objetivos propostos pelo orientador na realização das atividades.
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