DOCUMENTO DE CONSULTA PÚBLICA Nº 4/2006 Anteprojecto de decreto-lei de transposição da 5ª Directiva sobre o Seguro Automóvel (Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005), e que substitui o Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro (com não disponibilização, para já, do art. 81º, bem como dos correspondentes art. 4º da parte dispositiva preambular e do § 6º do preâmbulo) 2 I. O Anteprojecto de decreto-lei O presente anteprojecto de substituição global do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, tem como ponto de partida a transposição da Directiva nº 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, que altera diversas Directivas relativas ao seguro de responsabilidade civil automóvel. O conjunto de soluções, a-sistemáticas, da Directiva 2005/14/CE destina-se a aumentar a protecção dos lesados de acidentes de viação assegurada pelo sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (= SORCA), incidindo sobre ambos os pilares desse sistema (o pilar do seguro obrigatório, SO, e o do Fundo de Garantia Automóvel, FGA), e consubstanciando-se seja na resolução de problemas pontuais de aplicação do regime existente, seja na gradação de soluções existentes (como a actualização dos capitais mínimos do SO). A necessidade de proceder a essa transposição constituiu o ensejo para proceder à alteração de alguns aspectos do regime do sistema do SORCA extra-Directiva dela careci-dos e: 1) destinados também ao aumento da protecção do lesado por sinistro automóvel, 2) bem como destinados ao aumento da eficácia do controlo do cumprimento da obrigação de segurar, principalmente envolvendo o FGA; 3) e, bem assim, e atentas as responsabilidades do FGA decorrentes das alterações ora introduzidas (em transposição e extra-transposição), mais destinados a acentuar o carác-ter de último recurso para o ressarcimento das vítimas da circulação automóvel do FGA, fundamentalmente através da previsão de limites à sua responsabilidade quando existam entidades terceiras susceptíveis de regularizar os sinistros (principalmente seguradoras, de RC e também de outros riscos da circulação automóvel). O ensejo da transposição justificou, outrossim, a actualização do texto do diploma de 31 de Dezembro de 1985 que se vinha a impor desde há muito, assim como a integração nele de algumas previsões dispersas por diplomas que o alteraram, acentuando o seu cariz de sede formal nacional do regime do sistema de protecção das vítimas de acidentes de viação baseado no SORCA. Portanto, do conjunto de alterações introduzidas resulta um regime, para além de conforme à Directiva 2005/14/CE, mais protector dos lesados dos sinistros automóvel, mais garantidor do cumprimento da obrigação de segurar e acentuador do carácter do FGA de último recurso para o ressarcimento das vítimas da circulação automóvel. De seguida indicam-se os aspectos mais relevantes do presente anteprojecto de intervenção legislativa, divididos em matérias da transposição e matérias extratransposição. Acima aludimos já ao carácter a-sistemático do conjunto de soluções constantes da Directiva 2005/14/CE. 3 I.1. Principais alterações em transposição da Directiva nº 2005/14/CE 1. Regime do local de colocação do risco para o SO relativo a veículos para exportação (e importação) Relativamente aos veículos para exportação, e no sentido da facilitação da colocação do seguro, a Directiva vem considerar, em certas circunstâncias, o Estado membro do destino como Estado membro do risco para efeito da celebração do SORCA. Esta solução é completada pela correspondente responsabilização do FGA do Estado membro de destino pelos sinistros causados pelos veículos visados quando em incumprimento da obrigação de seguro. Soluções aplicáveis, mutatis mutandis, aos veículo importados. (Artigo 4º do anteprojecto). 2. Princípio do âmbito “Carta Verde” do seguro obrigatório (assim como do respectivo prémio) A Directiva vem aclarar algo que já decorre das actuais Directivas do Seguro Automóvel e que a letra da lei portuguesa não explicitava (princípio de que o SO garante a RC por acidentes causados em todos os países Carta Verde). Entendeu-se que não se justificava não aplicar o mesmo princípio ao prémio respectivo (aplicando o princípio do prémio único às estadias temporárias no território de Estados EEE mas não já a todas as estadias temporárias no território de países CV que não sejam EEE). (Art. 7º idem). 3. Actualização progressiva do capital mínimo do SORCA A Directiva prevê uma actualização muito relevante (dos € 600.000 actuais para os € 5.000.000/danos corporais e € 1.000.000/danos materiais). O anteprojecto de diploma prevê um período transitório de 5 anos, com 3 tempos de actualização (somando aos 2 tempos obrigatórios o da data da entrada em vigor do decreto-lei de transposição da Directiva), bem como tectos máximos por sinistro para o capital mínimo, e, bem assim, a manutenção dos regimes especiais para os contratos relativos a transportes colectivos e a provas desportivas. (Arts. 9º e 10º idem). 4. Extensão do “procedimento de oferta razoável” à regularização de todos os sinistros envolvendo RCA A Directiva prevê a extensão do mecanismo em sub-epígrafe a todos os sinistros, deixando de se aplicar apenas aos que tenham por vítimas residentes de outro Estado membro do EEE. Tal extensão fora já parcialmente prevista no Decreto-Lei nº 83/2006, de 3 de Maio. O anteprojecto de diploma completa tal previsão, estendendo a aplicação da versão do procedimento em causa constante do Decreto-Lei nº 83/2006 aos sinistros cuja regularização caiba ao FGA ou ao Gabinete Português de Carta Verde, bem como aos sinistros que envolvam danos corporais. (Arts. 30º/4 e 5, e 31º idem). 5. Responsabilidade do FGA pelos sinistros causados por veículos isentos da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo É concretamente o caso das máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula ou a sinal identificativo semelhante. (Arts. 45º/1, c), e 3º/2 idem). 6. Responsabilidade do FGA pelos danos materiais causados por sinistro com responsável desconhecido quando se verifiquem simultaneamente danos corporais significativos 4 A improbabilidade de fraude em tal circunstância justifica a extensão da cobertura do FGA. (Art. 46º/1, c), 1ª parte, e 2 e 3 idem). 7. Previsão de um “Sistema de Informação Para a Regularização de Sinistros Automóvel” O anteprojecto de diploma aproveitou o ensejo da transposição para ir bastante além do conteúdo imperativo da disposição da Directiva (art. 5º/4 respectivo), o qual é bastante reduzido. O regime previsto no anteprojecto é composto por 3 vectores-base: 1. a manutenção do Centro de Informação criado pelo Decreto-Lei nº 72A/2003, de 14 de Abril (arts. 78º, 79º e 82º); 2. a previsão de regime de informação a cargo das seguradoras nos moldes do previsto no Decreto-Lei nº 83/2006, de 3 de Maio para os relatórios de peritagem (art. 80º); 3. e, por fim, no art. 81º, a previsão de regime de informação específico para os autos-de-notícia elaborados por autoridades públicas (e que visa potenciar a eficácia do regime hoje constante do Decreto-Lei nº 102/88, de 29 de Março); aspecto este cuja consolidação carece ainda de acertos prévios entre entidades da Administração Pública (ainda por ultimar), razão pela qual é ainda prematuro disponibilizar o conteúdo presente desse art. 81º (bem como dos correspondentes art. 4º da parte dispositiva preambular e o § 6º do preâmbulo) para consulta pública. Tal disponibilização será efectuada numa fase mais adiantada do presente processo legislativo. 8. Esclarecimento de que o Regulamento CE 44/2001 do Conselho, 22 Dez., permite ao lesado demandar a seguradora do responsável no seu (lesado) domicílio O Regulamento em sub-epígrafe é relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões (judiciais) em matéria civil e comercial. A Directiva veio esclarecer que o mesmo permite ao lesado por acidente de viação demandar judicialmente a empresa de seguros de RC do responsável no Estado membro (CE) do seu (lesado) domícilio. Como o Regulamento é directamente aplicável no ordenamento jurídico nacional, tal aspecto da Directiva não carece de transposição. Tão-só o valor da transparência do regime jurídico global aplicável ao SORCA aconselha que o preâmbulo do anteprojecto de diploma aluda a este aspecto. É o que se efectua no § 8º respectivo. 9. Aspectos menos relevantes a mencionar O anteprojecto de diploma procede à transposição de diversos outros aspectos da Directiva. De que são exemplo os seguintes: re-alocação de responsabilidades interFGA’s dos Estados membros do EEE relativas a sinistros causados por veículos portadores de matrículas falsas, ou sem chapa de matrícula /art. 45º/1, b.), esclarecimento relativo ao regime aplicável às matrículas temporárias (art. 2º, d.), cobertura de danos (corporais e materiais) de peões e ciclistas, e outros utilizadores não motorizados das estradas, causadores do acidente (art. 8º/2 idem; dependendo da medida da cobertura dos mesmos pela lei civil aplicável, o que não sucede na lei portuguesa), cobertura obrigatória de passageiros que conheciam ou deviam conhecer que o condutor causador do acidente estava alcoolizado (ou sob o efeito de outra substância tóxica), (arts. 11º e 20º idem, a contrario); eliminação da franquia relativa às in-demnizações a pagar pelo FGA em caso de acidente causado por veículo sem seguro (não manutenção de disposição correspondente ao art. 21º/3 do Decreto-Lei nº 522/85, 31 Dez.); 5 restrições aos controlos do seguro efectuados a veículo com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido ao Acordo CV, ou a veículo que entre em Portugal vindo de um tal país (art. 85º/2). I.2. Alterações extra-Directiva nº 2005/14/CE O ensejo legislativo da transposição da Directiva, como se disse, propiciou um conjun-to de alterações ao regime presente, das quais ora se referem as mais relevantes (alterações de fundo): 10. previsão de excepções ao princípio da não sujeição dos veículos de caminhos de ferro ao SORCA As excepções em questão, destinadas ao incremento da protecção dos lesados por acidentes de viação, são as dos carros eléctricos sobre carris (mero acertamento de situação actual) e a da responsabilidade por acidentes ocorridos na intersecção dos carris com a via pública. (Art. 3º/2 idem). 11. danos causados por veículo à guarda de garagista: sua cobertura por seguro, seja o do garagista ainda que em razão de uso alheio ao âmbito profissional do garagista, seja o do proprietário quando não exista seguro do garagista No intuito da desoneração do FGA nos casos da existência de pluralidade de seguros, aumenta-se a cobertura obrigatória do seguro do garagista, que passa a abranger os casos de, estando o veículo à guarda do garagista, acidente causado pelo uso ilegítimo de veículos, ou por crime, ou por risco do veículo alheio à sua utilização no âmbito profissional do garagista (art. 5º/5 e 6). No caso da pluralidade de seguros (art. 21º), esta oneração do seguro do garagista, poupando o seguro do proprietário, deve-se ao entendimento de que, nesses casos, é mais justo o agravamento do prémio do seguro do garagista do que o do seguro do proprietá-rio. Ainda no âmbito da pluralidade de seguros, explicitação da tendência jurisprudencial maioritária da chamada do seguro do proprietário do veículo, caso não exista outro seguro, havendo depois regresso contra o garagista. (Arts. 21º e 25º/1, e., idem). 12. Especiais deveres de transparência para a previsão de franquia e para o direito de regresso Arts. 14º/2 e 25º/2 idem. 13. Inspecção periódica obrigatória de veículo Face à prática errática do mercado (aproveitando alguma falta de clareza da lei), clarifica-se que a seguradora pode celebrar contrato relativo a veículo em incumprimento de inspecção obrigatória, perdendo é o direito de regresso caso tal incumprimento seja anterior à aceitação do risco. (Arts. 15º e 25º/1, h. idem). 14. Regime de regularização dos sinistros automóvel do Decreto-Lei nº 83/2006, 3 Mai. O anteprojecto de diploma optou por não introduzir modificações a este diploma extra-transposição da Directiva (cf. ponto 4. supra do presente doc.), a bem da estabilidade e experimentabilidade do regime do Decreto-Lei em causa, o qual, recordese, entrou em vigor no passado dia 31 de Agosto e terá de ser objecto de reavaliação 3 6 anos após essa data. A excepção a esta orientação de base foi a aplicação (com adaptações) aos danos corporais das previsões do DL 83/2006 relativas a peritagens, art. 31º/1, d). 15. Responsabilidade do FGA pelos danos materiais causados por responsável desconhecido quando o veículo causador do acidente tenha sido abandonado no local do acidente Responsabilidade do FGA pelos danos materiais de sinistro causado por responsável desconhecido quando o veículo causador do acidente tenha sido abandonado no local do acidente, não beneficiando de seguro válido e eficaz, e a autoridade policial haja efectuado o respectivo auto-de-notícia, confirmando a presença do veículo no local do acidente, por analo-gia com a alteração imposta pela Directiva mencionada no ponto 6. supra do presente doc.. (Art. 46º/1, c., 2ª parte, e 2 e 4 idem). 16. Regime do fundado conflito entre o FGA e a seguradora sobre qual deva indemnizar o lesado O anteprojecto de diploma prevê penalização da seguradora cuja invocação de não-responsabilidade venha a ser considerada sem razão, penalização que é reduzida para metade caso a seguradora reconheça o dever de reembolso sem recurso à via judicial. (Art. 47º idem). 17. Limites especiais à responsabilidade do FGA quando haja outras entidades convocáveis para a efecti-vação do ressarcimento às vítimas Para além do previsto no ponto 11. supra do presente doc., o anteprojecto de diploma prevê também a exclusão da responsabilidade do Fundo na medida em que haja entidades terceiras susceptíveis de regularizar os sinistros (principalmente seguradoras de outros riscos automóvel que não a RC). (Art. 48º idem). 18. Exclusão do âmbito da garantia do FGA de categorias atinentes ao incumprimento da obrigação de seguro Excluiem-se da garantia do FGA os danos materiais causados aos incumpridores da obrigação de SRCA (não inclui condutores e detentores do veículo não proprietários), bem como, aproveitando permissão comunitária de 1985, aos passageiros que voluntariamente se encontrem no veículo causador do acidente, sempre que o Fundo prove que tinham conheci-mento de que o veículo não estava seguro (o que será decerto raro). (Art. 49º/2, a. e b. idem) 19. Reforço da garantia de reembolso do FGA O anteprojecto de diploma inclui no âmbito dos obrigados para com o lesado que o FGA pode sub-rogadamente accionar diversas categorias de pessoas até hoje não previstas na lei e que é justo prever; também consagra o entendimento do STJ segundo o qual o prazo de prescrição do direito de reembolso do FGA começa a correr a partir da data do último pagamento indemnizatório efectuado pelo Fundo, e não a partir da data do acidente. (Arts. 51º e 83º/8 idem). 20. Alterações em sede de gestão financeira do FGA A contribuição para o FGA incidente sobre a actividade seguradora automóvel passa a abranger os prémios comerciais dos contratos de seguro de RCA, em vez dos actuais prémios simples da totalidade dos contratos de seguro do ramo “Automóvel”. Esta alteração só entrará em vigor relativamente às contribuições cobradas a partir de 1 7 de Janeiro de 2008. (Arts. 55º/1, a), e 9º/4, este da parte preambular do anteprojecto de diploma). Relevante é ainda a alteração do regime de canalização para o MAI, para fins de prevenção rodoviária, de receita gerada por essa contribuição: prevê agora um limite máximo de 10%, em contraponto aos 20% actuais. (Art. 56º/1, e., e 2 idem). 21. Regime especial de apreensão e venda do veículo sem seguro em caso de acidente O anteprojecto de diploma, no sentido do aumento da eficácia do controlo do cumprimento da obrigação de segurar, prevê o regime especial em sub-epígrafe, bastante mais rigoroso e circunstanciado do que o regime geral (seja o do Código da Estrada – que permanece em vigor para a apreensão independente da verificação de acidente –, seja o previsto no Decreto-Lei nº 522/85, 31 Dez., que não chegou a vigorar na prática, por falta de regulamentação), e sustentado pela actuação e pelo orçamento do FGA (e dependente também da actuação das forças policiais). Nos termos do seu regime geral, o veículo fica à ordem do Fundo, que suporta o custo da apreensão e do parqueamento; o proprietário tem 60 dias para fazer prova do seguro ou prestar caução de montante correspondente ao valor do veículo à data do acidente, sob pena de venda do mesmo em leilão. Prevêem-se regimes especiais para os casos de veículo conduzido ou detido sem autorização do proprietário e de impossibilidade de conhecimento ou localização do proprietário do veículo apreendido. A entrada em vigor deste regime depende da prévia celebração entre o FGA e as entidades prestadoras de serviços de reboque e de parqueamento de veículos das convenções indispensáveis à sua operacionalização, bem como, se necessário, entre o Fundo e as autoridades policiais, pelo que se prevê a conveniente suspensão. (Arts. 58º a 61º, e 9º/1 a 3 da parte preambular do anteprojecto de diploma). * Algumas matérias carecem da competente autorização legislativa da Assembleia da República. II. Pedido de comentários Com este documento de consulta o Ministério das Finanças, através do Instituto de Seguros de Portugal, procura obter comentários de todos os interessados no anteprojecto. Frise-se que, tratando-se de um anteprojecto de decreto-lei, cuja aprovação é da competência do Governo, naturalmente cabe a este a apreciação e ponderação finais dos resultados da presente consulta, nomeadamente o acolhimento ou não de propostas e sugestões de alteração que venham a ser efectuadas. No tratamento das respostas, na parte em que o mesmo cabe ao Instituto de Seguros de Portugal, este irá divulgar: a) Uma síntese das principais questões suscitadas nas respostas à consulta, com excepção daquelas cujo autor solicite a sua não divulgação; 8 b) a lista das respectivas entidades/pessoas que responderam à consulta, com excepção das que solicitem a sua não divulgação. Assim, solicita-se a todos os interessados que submetam os seus comentários sobre o anteprojecto em anexo, por escrito, até ao próximo dia 3 de Novembro de 2006, para: Instituto de Seguros de Portugal Departamento Jurídico Avenida de Berna, nº 19 1050-037 Lisboa e-mail: [email protected] fax: 21 793 44 71