CAPÍTULO 1
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QUESTÕES ECONÓMICAS E CONCEITOS
Introdução
O Capítulo 1 introduz os conceitos de escassez, escolha e custo de oportunidade. Estes
conceitos são centrais para um adequado entendimento do modo de funcionamento dos
diferentes sistemas económicos. Descrevem-se, também neste capítulo, os principais e
modernos sistemas económicos, ou seja, as economias de comando (também designadas
economias de direcção central ou ainda economias planificadas) e as economias de
mercado. Discute-se, ainda, a importância da política económica e enfatiza-se que os
tradeoffs entre os objectivos de várias políticas são inevitáveis.
1.1
Definição de Economia e Conceitos
Uma grande parte de eventos sociais e problemas na vida real é de natureza económica.
Para se chegar a esta conclusão é suficiente que se observe o mundo que nos circunda.
Diariamente os meios de comunicação alertam-nos para este facto. A ciência económica
ocupa-se do estudo destes eventos e problemas. Mas, afinal, o que é exactamente a
economia?
A literatura económica oferece-nos inúmeras definições de economia. Contudo, a
definição porventura mais penetrante é a que sugere que a economia é o estudo do uso
de recursos escassos destinados a satisfazer as vontades humanas ilimitadas.
No modo de vida actual (e passada) a escassez é inevitável e é central aos problemas de
natureza económica. Da definição dada três questões emergem: (i) o que são os recursos
de uma sociedade?; (ii) por que razão a escassez é inevitável?; (iii) quais são as
consequências da escassez? Procuraremos oferecer respostas adequadas a estas questões.
1.1.1
Recursos
Os recursos de uma sociedade consistem de: (i) dotações naturais tais como terra,
florestas e minérios; (ii) dotações humanas (físicas e mentais); (iii) meios técnicos e
físicos de produção tais como máquinas e instalações. A estes recursos é atribuído o
nome de factores de produção, uma vez que são destinados à produção de bens e
serviços.
Os indivíduos usam os bens e serviços com vista à satisfação das suas vontades. O acto
de os fazer é a produção e o acto de os usar para satisfazer as vontades é o consumo.
Estes dois actos, consumo e produção, serão analisados com rigor em outros capítulos
mais adiante.
1.1.2
Escassez
No modo de vida actual a escassez dos recursos, para o conjunto da população mundial, é
real e é muito provável que esteja sempre presente. Os recursos actualmente existentes e à
disposição das sociedades são inadequados para proporcionarem a satisfação integral das
vontades
humanas.
Constitui
isto
uma
realidade
para
qualquer
economia
independentemente do seu nível de desenvolvimento.
1.1.3
Escolha
Os recursos económicos são escassos e, por isso, as sociedades defrontam-se com o
problema da decisão de escolha de produções e consumos a realizar. Quem faz esta
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escolha e o modo como esta se faz permitem diferenciar as sociedades. Contudo, a
necessidade de ter de se fazer a escolha é comum a todas as sociedades.
Observou-se que a escassez implica a necessidade de escolha, mas a escolha implica a
existência de custo. Ou seja, a decisão de ter mais de uma coisa requer a decisão de ter
menos de uma outra coisa qualquer. O menos de outra coisa pode ser visto como um
custo de ter mais de uma coisa.
Sumariamente, a escassez implica que escolhas devem ser feitas, e fazer escolhas
implica a existência de custos.
1.1.4
Custo de Oportunidade
Considere que, numa dada economia, uma certa quantidade de recursos é utilizada na
construção de 20 km de estrada asfaltada. Se estes recursos forem inteiramente
deslocados para a edificação de 2 hospitais, então o custo de oportunidade de um hospital
consiste em 10 km de estrada asfaltada. De outro modo, o custo de oportunidade de 1 km
de estrada asfaltada é 1/10 de um hospital.
A ideia de custo de oportunidade é fundamental na análise económica. O breve exemplo
dado permite-nos avançar com a definição rigorosa deste conceito. O custo de
oportunidade da utilização de recursos para um determinado fim é o benefício
sacrificado pela não utilização desses recursos da melhor forma alternativa. Pode
deste modo concluir-se que, quando se procede a uma escolha, existe sempre um custo de
oportunidade. Este conceito é melhor apreendido com a noção geométrica da fronteira de
possibilidades de produção, que de seguida se apresenta.
1.1.5
Possibilidades de Produção
No quadro de recursos escassos, as escolhas têm de ser feitas. Considere a escolha (muito
praticada em todas as sociedades) entre a produção de bens pelo sector público e pelo
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sector privado. Se os recursos são escassos e plenamente utilizados, não é possível ter
mais de ambos os bens face às produções consumadas. Contudo, se alguns dos recursos
são libertos da produção de bens pelo sector público e utilizados na produção de bens
pelo sector privado, então estes podem aumentar em quantidade. Deste modo, o custo de
oportunidade do aumento dos bens produzidos pelo sector privado é a perda quantitativa
de bens produzidos pelo sector público.
Ilustra-se a escolha das quantidades dos bens produzidos pelo sector público e pelo sector
privado na Figura 1.1 de [Lipsey e Chrystal (2004) – 5]. Parte-se do princípio que os
recursos são limitados. A curva decrescente e côncava divide as regiões de combinações
de produção possíveis e não possíveis. No quadrante positivo, pontos acima da curva não
são exequíveis, porque os recursos são escassos; pontos abaixo da curva são exequíveis,
mas os recursos disponíveis não são totalmente utilizados, ou ainda, os recursos são
utilizados de forma ineficiente; pontos situados na curva são exequíveis, mas, neste caso,
os recursos disponíveis são integral e eficientemente utilizados. A curva é designada
fronteira de possibilidades de produção ou curva de possibilidades de produção. A
inclinação negativa da curva contém um significado económico, ou seja, a partir de um
dado ponto, produzir mais de um bem implica produzir menos de outro bem.
A fronteira de possibilidades de produção ilustra os três conceitos anteriormente
mencionados: escassez, escolha e custo de oportunidade. A escassez é observável pelas
combinações de produção situadas acima da fronteira; a escolha pela necessidade de
selecção de um ponto entre as combinações de produção alternativas ao longo da
fronteira; e o custo de oportunidade pela inclinação negativa da curva.
A configuração côncava da fronteira de possibilidades de produção indica que o custo de
oportunidade de um bem cresce à medida que se vai aumentando a produção deste bem.
Sumariamente, no caso da fronteira de possibilidades côncava, o custo de oportunidade
de um bem é crescente.
A configuração côncava desta curva é explicada pelo facto de cada um dos factores de
produção não ser igualmente útil (produtivo) na produção dos bens.
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1.2 Os Quatro Problemas Económicos Fundamentais
As economias modernas actuais são constituídas por milhares de actividades complexas
de produção e consumo. Se bem que esta complexidade seja importante na análise
económica, importa observar que muitas das decisões económicas básicas, que devem ser
tomadas nas sociedades modernas, não se diferenciam das existentes nas economias
primitivas, onde as pessoas trabalham com instrumentos rudimentares e praticam a troca
directa com os seus vizinhos. Independentemente do tipo de sistema económico, muitos
dos problemas estudados pelos economistas podem ser agrupados distintamente com base
nas quatro questões fundamentais da ciência económica.
1.2.1
O Que É Produzido e Como?
O que determina a produção dos bens numa economia? A afectação dos recursos escassos
entre os usos alternativos (brevemente designada afectação de recursos) determina as
quantidades destes bens. Importa, por isso, realçar que a escolha de produção de uma
dada combinação de bens significa a escolha de uma afectação particular de recursos
entre as indústrias e regiões que produzem bens.
Deve também notar-se que os recursos escassos devem ser utilizados eficientemente. Em
consequência, a escolha dos métodos de produção disponíveis constitui uma questão
relevante. Isto levanta o problema de como é que os bens são produzidos. Os métodos de
produção utilizados são eficientes ou ineficientes? Em termos da Figura 1.1 [Lipsey e
Chrystal (2004) – 5], importa saber se a combinação de produção escolhida se situa no
interior ou num dado ponto da fronteira de possibilidades de produção. Se as produções
escolhidas se situam na fronteira, então o problema resume-se na identificação exacta do
ponto seleccionado da curva.
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1.2.2
O Que É Consumido e por Quem?
Põe-se igualmente o problema de se saber a relação entre a produção e o consumo de
bens pelos cidadãos da sociedade. Os economistas procuram compreender o que
determina a distribuição da produção nacional entre as pessoas. Quem obtém muito,
quem obtém pouco e porquê?
Se a combinação de produção se localiza na fronteira de possibilidades de produção,
então o que se pode afirmar sobre o consumo dos bens produzidos? Consumirão as
pessoas exactamente o que se produz? Ou será que as trocas internacionais conduzem ao
consumo de uma combinação de bens diferente?
Questões relacionadas com o que se produz e como e, também, com o que se consome e
quem consome constituem problemas de natureza microeconómica. A Microeconomia é
o ramo da ciência económica que estuda a afectação dos recursos escassos pelo sistema
de preços e políticas económicas governamentais que procuram influenciar este.
1.2.3
O Que Explica a Inactividade Temporária de Alguns Recursos?
Durante períodos de recessão económica, muitos dos recursos disponíveis não são
utilizados. O desemprego cresce, o nível das actividades baixa e as matérias primas estão
disponíveis em excesso. Por que razão? Devem os governos preocupar-se com esta
situação? Ou será que esta inactividade parcial é benéfica para o bom funcionamento
dinâmico da economia? Podem os governos fazer algo que possa contrariar esta
inactividade?
1.2.4
O Que Determina o Crescimento da Capacidade Produtiva?
A capacidade de produzir bens e serviços cresce rapidamente em alguns países, cresce
lentamente em outros países e, não é raro, decresce em certos países. Em termos gráficos,
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o crescimento da capacidade produtiva implica uma deslocação para cima e para a direita
da fronteira de possibilidades de produção, como se ilustra na Figura 1.2 [Lipsey e
Chrystal (2004) – 6].
Quais são os factores determinantes do crescimento da capacidade produtiva? Podem os
governos influenciar este crescimento?
Questões relacionadas com a inactividade parcial dos recursos e com o crescimento da
capacidade produtiva são do domínio da macroeconomia. A Macroeconomia é o ramo
da ciência económica que se preocupa com o estudo da determinação dos agregados
económicos, tais como o produto interno total, o nível do emprego total, a inflação e a
taxa de crescimento económica.
1.3 Sistemas Económicos Alternativos
Um sistema económico constitui um método distintivo de facultar respostas às questões
económicas básicas acima colocadas. A tipologia dos sistemas depende destas respostas.
É, deste modo, possível distinguir os seguintes três tipos puros de sistemas económicos:
(i) economia tradicional; (ii) economia de comando; (iii) e economia de mercado.
Estas economias diferem quanto ao modo como as decisões económicas são coordenadas.
No mundo actual, nenhuma das economias se enquadra totalmente num destes três tipos.
De um modo geral, as economias são mistas, ou seja, contêm elementos dos três tipos
indicados, se bem que com predominância de um deles.
Do ponto de vista da análise microeconómica moderna, importa mais frisar a distinção
entre os sistemas económicos de comando e de mercado. O interesse sobre as economias
tradicionais é fundamentalmente histórico.
Nos sistemas de comando, as decisões económicas são tomadas por uma autoridade
central, geralmente o governo. Ou seja, a autoridade central decide o que produzir, como
produzir e quem deve dispor da produção realizada. Dependendo a coordenação de todas
as decisões económicas da autoridade central, as economias de comando requerem a
elaboração de planos económicos complexos sob a direcção do governo. É por esta razão
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que são também usualmente referidas como economias planificadas ou ainda economias
de direcção central. A economia soviética do passado constitui um bom exemplo de um
sistema misto com larga predominância do sistema de comando.
Contrariamente aos sistemas de comando, nos sistemas de mercado as decisões
económicas são tomadas por um grande número de produtores e consumidores
independentes, sem nenhuma interferência da autoridade central política. Por este motivo,
estes sistemas são também referidos como economias de mercado livre. As decisões
económicas estão neste caso descentralizadas. A coordenação destas decisões é feita por
um conjunto de preços determinados pela interacção dos agentes económicos nos
mercados. Por esta razão, os sistemas de mercado são ainda denominados sistemas de
preços. A economia americana é um bom exemplo de um sistema misto com larga
predominância do sistema de mercado. Os capítulos subsequentes aprofundarão melhor
as características essenciais deste sistema.
Vimos que as economias diferem relativamente ao modo como se opera a coordenação
das decisões económicas básicas. Mas também diferem quanto à forma de detenção dos
recursos económicos. De um modo geral, embora nem sempre seja verdade, nas
economias mistas com forte prevalência dos mecanismos de mercado, a propriedade de
uma grande parte dos recursos económicos é privada. A economia americana constitui,
mais uma vez, um bom exemplo disto.
1.4 Política Económica
Até agora, neste capítulo, não se fez referência à política económica a cargo dos
governos. Contudo, mais adiante, nas aulas teóricas e práticas, far-se-á a discussão de
certas formas de política económica. Por isso, concluímos este capítulo fazendo uma
breve menção à política económica e às questões que ela deve responder.
Os governos dispõem de poder político e, em consequência, estão legitimados a intervir
na economia através de políticas económicas que procuram, em última instância,
promover o bem-estar dos cidadãos. Alguns governos preferem não influenciar o sistema
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de preços que resulta do livre funcionamento dos mercados. A este tipo de actuação é
usual chamar-se política de laissez-faire. Outros governos procuram avançar com
políticas que visam um controle acentuado sobre todas as componentes da economia. É
óbvio que, entre estes dois extremos, existem formas intermédias de controle das
actividades económicas. Mas, quais são os princípios que nos permitem afirmar que uma
política económica é boa ou má? Não é fácil a resposta, porque nem sempre os custos e
os benefícios da política económica são quantificáveis. A acrescer isto, existem sempre
juízos de valor que promovem a conflitualidade de opiniões. No entanto, a generalidade
das políticas económicas partilha alguns elementos em comum que permitem formar uma
opinião sobre a efectividade positiva delas. Concretamente, ao se eleger uma política
económica, as seguintes questões devem ser respondidas: (1) quais são os seus
objectivos?; (2) conseguirá a política escolhida atingir tais objectivos?; (3) não terá a
política escolhida efeitos adversos laterais?; (4) não existirão formas alternativas que
permitam obter os objectivos seleccionados?
A análise das políticas económicas é complexa. Nesta fase introdutória do curso, é
suficiente que se diga que os grandes debates entre os economistas giram em torno das
políticas económicas que, naturalmente, resultam das teorias económicas enunciadas.
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