JEREMY BIGWOOD Esta publicação do programa de segurança do WOLA promove moderação, racionalidade e o respeito pelos direitos humanos e instituições civis no debate sobre as políticas de segurança nos Estados Unidos, na América Latina e na Organização dos Estados Americanos. O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial Gastón Chillier e Laurie Freeman Introdução A Declaração Sobre Segurança nas Américas, adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em outubro de 2003, criou um novo conceito de segurança hemisférica que amplia a definição tradicional, entendida como defesa de segurança dos Estados, a partir da incorporação de novas ameaças, preocupações e desafios que incluem aspectos políticos, econômicos, sociais, de saúde e ambientais. Ou seja, quase todos os problemas podem ser considerados agora uma potencial ameaça à segurança. Un Informe Especial do WOLA J ulho 2005 Consideramos que a implementação deste novo conceito multidimensional constitui um risco de aumento da securitização dos problemas da região e, por conseguinte, a militarização como uma resposta para confrontá-los. Este risco existe devido à três principais fatores: Primeiro, a tendência histórica de intervenção política por parte das forças armadas durante a vigência dos regimes autoritários no contexto de conflitos armados ou de instabilidade social. Segundo, as crises dos sistemas de segurança pública que sofre a maioria dos países da região. Terceiro, “a guerra contra o terrorismo” lançada pelos Estados Unidos, que promove uma definição expansiva e nebulosa do terrorismo, aumentando a responsabilidade das forças militares para combater o terrorismo em qualquer forma que esse se expresse. As deficiências do novo conceito de segurança adotado pela OEA criam as condições para justificar, como nunca antes, o uso das forças As deficiências do novo conceito de segurança adotado pela OEA criam as condições para justificar, como nunca antes, o uso das forças armadas dos países da região em missões que tradicionalmente e formalmente não lhes correspondem. Esta tendência regional em direção à securitização é também reforçada pela propensão da atual política externa dos Estados Unidos de ver tudo através da lente do terrorismo. Este cenário obstrui o longo e trabalhoso caminho da consolidação das democracias regionais e o fortalecimento das instituições civis. Ademais, essa parece ser uma maneira ineficaz e inapropriada de resolver a ampla gama de problemas de origem social, econômica, política, ambienta, entre oturos, que se apresentam na região. armadas dos países da região em missões que tradicionalmente e formalmente não lhes correspondem. A Militarização na América Latina A América Latina conta com um legado histórico de militarização como resposta a conflitos internos, instabilidade e crime. Apesar da região não ser mais governada por ditaduras militares e todos os países da região, exceto um, contarem com líderes eleitos democraticamente, são vários os governos que recorrem a suas forças armadas para responder a problemas internos. Isto se deve principalmente à dois fatores: a ameaça do tráfico de drogas (e as políticas antinarcóticos dos Estados Unidos que patrocinam a participação militar nas ações de combate ao narcotráfico) e a falta de políticas de segurança pública, incluindo a incapacidade das instituições de fazer cumprir a lei diante do incremento do crime e da insegurança. Desde que a administração Reagan, em meados da década de 80, declarou as drogas ilícitas como uma ameaça à segurança nacional, uma parte central da “guerra contra as drogas” executada pelos 2 EUA se constituiu no fortalecimento das forças armadas latino-americanas com o objetivo de levar a cabo iniciativas anti-narcóticos1. Para isso, os Estados Unidos providenciaram treinamento e equipamento a estas forças para somá-las a esta política2. A pressão que os Estados Unidos exercem no marco de sua política anti-narcóticos para a região é um dos principais fatores que influenciaram na intervenção das forças armadas em questões de segurança interior3. Em segundo lugar, a elevação das taxas de criminalidade nos países—e os graves problemas de pobreza e de desigualdade social que não têm sido solucionados pelas reformas econômicas promovidas pelo Consenso de Washington— geram uma forte demanda social por respostas eficazes que garantam níveis toleráveis de segurança cidadã e resolvam o alto grau de conflito social. Diante da carência de políticas de segurança pública democráticas e eficientes que possam satisfazer estas demandas, muitos governos optaram por fazer uso da intervenção das forças armadas. Trata-se de uma solução ilusória que não tem sido eficaz e que possui uma série de conseqüências negativas, como observamos adiante, para o fortalecimento das instituições democráticas na região. A falta de uma política estatal de segurança cidadã que responda ao aumento das taxas de criminalidade também influenciou para que isso aconteça. Sobre as conseqüências deste fenômeno na Bolívia, Quintana afirma que “a militarização da segurança pública, assim como a resposta militarizada que se deu aos conflitos sociais, correspondeu ao incremento dramático das violações contra os direitos humanos”4. O efeito da política anti-narcóticos adotada pelos EUA pode ser observada claramente na Bolívia, onde os militares O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial estadunidenses estão diretamente envolvidos nos esforços anti-narcóticos e fizeram com que as forças armadas bolivianas assumissem um papel cada vez mais importante na luta contra o narcotráfico. No ano de 1986 as forças armadas estadunidenses estiveram envolvidas, pela primeira vez de forma pública, em uma operação anti-narcóticos de grande envergadura (Operação Blast Fumace). No ano de 1988 o governo dos EUA criou uma unidade boliviana da Força Aérea e um grupo naval para desenvolver atividades de combate às drogas. Esta tendência se manteve com o lançamento da Iniciativa Andina, na qual o governo dos EUA iniciou “uma incorporação deliberada das forças armadas dos países hóspedes nos esforços anti-narcóticos e expandiu o papel militar dos Estados Unidos ao longo da região”. Nos anos recentes, as Forças Especiais dos Estados Unidos treinaram as forças policiais anti-narcóticos, a sessão de Assuntos Narcóticos da embaixada dos Estados Unidos fundou uma força paramilitar anti-narcóticos (Força de Tarefas Expedicionárias), que foi dirigida por oficiais militares bolivianos e que foi provida pelo Pentágono de helicópteros e equipamentos para as forças de segurança para controlar as drogas5. O papel interno das forças armadas bolivianas não se limita à luta antinarcóticos. Incluem-se também amplas funções de cumprimento da lei. Os militares são chamados ocasionalmente a agir diante de protestos sociais. Por exemplo, quando a polícia de La Paz se amotinou em fevereiro de 2003, o presidente Sánchez de Lozada recorreu a soldados para restaurar a ordem pública. O enfrentamento que se produziu posteriormente resultou na morte de 32 pessoas e centenas de feridos6. O México é o país latino-americano que conta com a maior tradição de WOLA Julho 2005 ANDEAN INFORMATION NETWORK A Força-Tarefa Expedicionária (FTE) da Bolívia, que é uma força composta de ex-soldados bolivianos que opera fora dos círculos do comando militar, foi fundada pelos Estados Unidos para operações anti-narcóticos na Bolívia. O FTE cometeu violações atrozes aos direitos humanos. subordinação militar a governos civis. No entanto, o envolvimento dos militares em questões de segurança interna cresceu consideravelmente nas décadas passadas. Sigrid Arzt sustenta que “o processo de militarização em matéria de segurança pública é uma política ad hoc de resposta por parte da elite política mexicana diante da escalada do crime organizado, particularmente expressa no fenômeno do tráfico de drogas”7. O exército mexicano historicamente havia participado na erradicação manual de cultivos ilícitos. No entanto, quando o presidente Miguel de la Madrid declarou no ano de 1987 que o tráfico de drogas era um assunto de segurança nacional, isto propiciou a expansão da missão militar anti-narcóticos para a incorporação de mandatos de cumprimento da lei e inteligência. A política anti-narcóticos dos EUA patrocinou estas tendências por meio do fornecimento de treinamento e de equipamento para o exército mexicano e também apoiou retoricamente a militarização como uma solução temporal aos problemas endêmicos de corrupção e incapacidade das agências encarregadas de se fazer cumprir a lei. A militarização do México abarca dois fenômenos separados, porém, interrelacionados: Por um lado, a expansão da missão anti-narcóticos das forças armadas com responsabilidade sobre 3 o cumprimento da lei; por outro, a designação de pessoal militar (ativo, licenciado ou aposentado) em postos de caráter civil. Diante a elevação das taxas de criminalidade nos países, muitos governos optaram por fazer uso da intervenção das forças armadas. O primeiro fenômeno se observa, por exemplo, na incorporação em 1995 da Secretaria da Defesa Nacional como membro do Conselho Nacional de Segurança Pública, o que lhe outorgou um mandato oficial na tomada de decisões e no desenho de políticas de segurança pública. A Corte Suprema ratificou esta decisão sustentando que as forças armadas podem intervir em assuntos de segurança pública à medida que as autoridades civis as requeiram. Mais recentemente, a administração do presidente Vicente Fox outorgou ao exército um papel direto nos esforços de desmantelamento das organizações de tráfico de drogas mediante ficalização dos chefes dos cartéis e dos comandos de operações para detê-los. O segundo fenômeno se observa na designação de pessoal militar dentro das polícias e procuradorias nas regiões com alto grau de narcotráfico. Isso deixou cargos importantes de inteligência estratégica e operacional da Procuradoria Geral da República—e inclusive o posto de Procurador Geral durante a maior parte da administração de Fox—nas mãos de militares. Embora a presença de pessoal militar na Polícia Federal Preventiva, criada em 1999, havia sido designada em caráter temporal, na atualidade, o número de soldados na força em questão aumentou8. O exército mexicano também assumiu outros papéis internos como trabalhos sociais, a proteção ecológica e casos de desastres naturais. Em seu mais recente livro branco, as forças armadas identificam a pobreza extrema e a exclusão social como ameaças à segurança nacional. O Brasil é um país onde a metáfora “guerra contra o crime” se mostra 4 realidade com freqüência. País marcado pela pobreza e pela desigualdade social e racial, suas taxas de criminalidade e morte por atos violentos são maiores do que as da Colômbia, país que padece de um conflito armado9. Neste contexto, as forças policiais de segurança são, em geral, parte do problema ao invés de contribuírem para a solução10. Diante das recorrentes crises do sistema de segurança pública em diferentes regiões do país, e por causas diversas, os governos federais—pertencentes a distintos partidos—apelaram à intervenção das forças armadas como uma “solução” conjuntural11. Desde a década dos anos 90 a luta contra o narcotráfico no Brasil é uma das principais justificativas para a intervenção das forças armadas em tarefas referentes ao cumprimento da lei. De maneira recorrente as elites governantes apelam ao exército para “ocupar” militarmente as favelas do Rio de Janeiro ou de São Paulo quando há o enfrentamento de distintos grupos narcotraficantes que disputam entre si o espaço ou enfrentam a polícia militar quando esta quer realizar alguma operação12. No ano de 2004 o congresso brasileiro aprovou uma legislação que permite que as forças armadas assumam funções policiais em ações “de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem”13. Em julho deste ano também foi regulamentada a Lei de Abate que autoriza a força aérea brasileira a derrubar qualquer avião suspeito de transportar droga14. Nos últimos anos também é possível observar que as políticas de combate ao narcotráfico no Brasil têm sido influenciadas, direta ou indiretamente, pela política anti-narcóticos promovida pelos EUA, cujo principal palco na região atualmente é a Colômbia. De acordo com a organização Transnational Institute, “o Brasil tem se deixado arrastar pouco a O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial pouco à militarizada ‘guerra às drogas’ de inspiração estadunidense” 15. As forças armadas brasileiras também foram empregadas para atuar diante da rebelião ou greve de forças policiais em sete estados provinciais no ano de 1997: Minas Gerais, Rio Grade do Sul, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Mato Grosso do Sul. De acordo com Paulo Mezquita, o governo federal limitou a participação das forças armadas na área de segurança pública para as situações nas quais a polícia militar e a polícia civil seja incapaz de garantir a segurança. No entanto, este autor conclui que “o governo federal ainda depende das forças armadas para manter a lei e a ordem, especialmente quando a polícia se envolve em ações ilegais ou de desordem”16. O recente assassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang, que era ativista em prol do meio ambiente e de trabalhadores rurais no estado do Pará, a mando de fazendeiros da região foi a justificativa para o emprego das forças armadas no estabelecimento da ordem pública. Imediatamente após o assassinato da missionária o governo federal providenciou o envio de 2.000 membros do exército para restabelecer a ordem e prender os responsáveis pelo crime17. Em relação ao papel do exército na operação para prender os autores do crime, o comandante da tropa sustentou “Nossa missão é dar suporte, segurança e apoio logístico aos destacamentos de policiais nas operações, mas estamos preparados para qualquer situação de confrontação”18. A Venezuela é um país onde a presença militar na vida pública aumentou significativamente durante os últimos anos como conseqüência de uma profunda crise do sistema de representação política. O atual presidente Chavéz iniciou sua carreira política WOLA Julho 2005 liderando um frustrado golpe de estado em fevereiro de 199219. A partir da ascensão de Chávez, as forças armadas aumentaram sua presença na política nacional. A Constituição de 1999 criou um novo modelo de segurança e defesa nacional cujos princípios estão refletidos na Lei Orgânica de Segurança Nacional e nas Linhas Gerais do Plano de Desenvolvimento Econômico e Social da Nação 20012007. Tal como assinala Ana María San Juan, “a característica fundamental deste novo modelo de segurança é seu caráter maximalista e totalizante, abarcando temas fundamentais de desenvolvimento e concebendo uma defesa integral da nação, como categoria superior à estatal, buscando superar o aspecto exclusivamente militar incluindo fatores econômicos, sociais, políticos e ambientais”. Assim, o governo tem como política o envolvimento das forças armadas em atividades que não têm relação com a função que historicamente desenvolveram de defesa da integridade do Estado. Na Argentina, a possível intervenção das forças armadas no âmbito da segurança pública é um tema recorrente no debate público. A Argentina, que como tantos outros países da América Latina que sofreram ditaduras militares responsáveis por graves e massivas violações aos direitos humanos, conta com um marco legal que proíbe a intervenção das forças armadas em assuntos de segurança interna, salvo claras exceções de abalos internos estabelecidas por lei20. Apesar deste impedimento legal, a possível intervenção das forças armadas no âmbito da segurança pública é um tema que de forma recorrente volta ao debate público nos últimos anos por diferentes razões. Por exemplo, diante de uma onda de seqüestros que atingiu a cidade e a província de Buenos Aires em 2004, o ex-presidente Eduardo Duhalde propôs abrir o debate sobre a participação das forças armadas na segurança interna21. Embora esta proposição tenha sido 5 categoricamente rechaçada pelo governo nacional, a proposta recebeu grande apoio de empresários da província de Buenos Aires e também setores políticos apoiaram a idéia. Estes setores também sugeriam a participação das forças armadas como uma possibilidade para resolver o elevado grau existente de conflito social no país como fruto do fracasso das políticas neoliberais aplicadas durante os anos 9022. Da indiscriminada aplicação do conceito amplo e difuso de terrorismo utilizado pela administração Bush surge um diagnóstico distorcido da região. Estados Unidos e sua Nova Agenda de Segurança para a Região A “guerra contra o terrorismo”, lançada como resposta aos ataques terroristas sofridos em 2001, é agora a principal missão militar dos EUA. Jeffrey Record se refere a esta declaração de “guerra contra o terror” nos seguintes termos: “A natureza e os parâmetros desta guerra, contudo, continuam frustrantemente pouco claras. A administração postulou uma multiplicidade de inimigos, incluindo estados párias, distribuidores de armas de destruição em massa (WMD); organizações terroristas de alcance global, regional e nacional; e o próprio terrorismo. Parece também estar sobrepondo-os a uma ameaça monolítica e, fazendo isso, subordinou a clareza estratégica à clareza moral que busca em sua política externa”.23 A princípio a América Latina é a região de menor importância estratégica para a administração Bush na “guerra contra o terrorismo”. No entanto, sendo o terrorismo a maior ameaça a sua segurança e assim se convertendo na prioridade da política externa dos Estados Unidos, o Pentágono e seu Comando Sul estão vendo a América Latina através desta lente, como se todos os problemas na região fossem potenciais ameaças terroristas. Isso exacerbará ainda mais a 6 tendência regional de militarização e seus conseqüentes impactos sobre os direitos humanos e a democracia. Para observar como a percepção desta “guerra” translada a região é útil revisar a declaração de posicionamento que o então comandante-chefe do Comando Sul, General James Hill, realizou em 2004 diante do congresso dos Estados Unidos: “Não assombrosamente, os grupos radicais islâmicos, os narcoterroristas na Colômbia e as gangues urbanas ao longo da América Latina praticam muito dos mesmos métodos de negócio ilícito... Os terroristas ao longo da área de responsabilidade do Comando Sul bombardeiam, assassinam, seqüestram, traficam drogas, transferem armas, lavam dinheiro e realizam contrabando de seres humanos”24. Assim, da indiscriminada aplicação do conceito amplo e difuso de terrorismo utilizado pela administração Bush surge um diagnóstico distorcido da região, onde os problemas reais de terrorismo ficam entrelaçados ou superpostos com outros problemas de segurança nacional ou transnacional. Segundo Arlene Tickner, o 11 de setembro causou uma “terrorificação” da agenda política exterior, que produz uma tendência de sobreposição das agendas de segurança vinculadas ao terrorismo sobre as agendas locais”25. A “guerra contra o terrorismo” lançada pelos EUA—cujos principais componentes são a definição ampla e nebulosa de terrorismo e a resposta essencialmente militar a este fenômeno26—na América Latina tem impactos tanto diretos como difusos. Sobre o impacto direto, este pode rastrear-se afetando tanto o desenho como a aplicação de políticas nacionais para responder a ameaças de segurança— ou outros bens do Estado. A Colômbia é O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial WOLA ARCHIVES o expoente mais claro deste fenômeno. Apesar da realidade mostrar a existência de um conflito armado interno com mais de 40 anos de vigência cuja característica principal é a existência de grupos de rebeldes armados, o governo atual adotou como política reduzi-lo a um problema de terrorismo27. Mais grave ainda é que outros conflitos de causa política ou social, que são os que mais afligem os países da região, são diagnosticados como ameaças à segurança e, direta ou indiretamente, como ameaças terroristas. Um exemplo deste tipo de impacto pode ser observado no Chile com a condenação judicial a líderes indígenas acusados de terrorismo. No sul do Chile, o povo indígena Mapuche está enfrentando o governo chileno, empresários e donos de terras em conflitos agrários. Ainda que o governo chileno não tenha apelado às forças armadas para responder a este conflito social, as instituições deste governo aplicaram de forma questionável uma lei antiterrorista herdada da ditadura do General Pinochet. O uso de legislação antiterrorista a membros da comunidade Mapuche provocou violações aos direitos humanos, assim como o descumprimento do devido processo legal, o maltrato e a brutalidade policial28. Embora em muitos casos membros do povo Mapuche tenham cometidos atos criminosos no contexto de suas reclamações (em geral contra a propriedade privada e nunca tiraram a vida de uma pessoa), parece questionável o tratamento judicial a este conflito como se tratasse de crimes de terrorismo. Ainda que não seja possível estabelecer uma relação de causalidade direta entre esta prática e o contexto pós-11 de setembro de 2001, parecia claro WOLA Julho 2005 que a região havia sido influenciada pelo novo cenário de segurança e definição de terrorismo promovidos pela política dos EUA. Em um informe publicado sobre este tema, a Human Rights Watch sustenta que “...teme que o atual clima internacional tenha propiciado o uso injustificado por parte do presidente Lagos da lei antiterrorista chilena. Infelizmente, a ‘guerra’ contra o terrorismo liderada pelos Estados Unidos se converteu em um pretexto para alguns governos que queiram desviar a atenção de seu tratamento com mãos de ferro aos dissidentes internos. Atualmente governos de países de todo o mundo estão tentando usar medidas antiterroristas ou de segurança nacional para evitar o escrutínio internacional de práticas duvidosas em matéria de direitos humanos”29. A polícia peruana garante a segurança de uma marcha contra o Tratado de Livre Comércio Andino. As definições amplas diluem as linhas divisórias No contexto desta definição ampla do que seja uma potencial ameaça terrorista, as forças armadas estadunidenses estão definindo antigos problemas da região que antes haviam sido determinados como questões de policiamento ou 7 assuntos sociais, como ameaças. Esta é a securitização dos problemas sociais. Altos funcionários do Departamento de Defesa continuam diluindo as linhas divisórias entre os papéis policiais e militares. Por exemplo, em seu testemunho diante do Congresso estadunidense em abril de 2004, o então chefe do Comando Sul, General James Hill, estabeleceu ao congresso dos Estados Unidos que as principais novas ameaças que a região enfrenta são problemáticas de natureza distinta como o terrorismo, o narcotráfico, o crime organizado, as gangues e as atividades dos movimentos sociais populistas30. A estes últimos os denominou de “radicalismos populares”, referindo-se particularmente ao movimento liderado por Evo Morales na Bolívia31. Ao falar dos mecanismos para se confrontar estas novas ameaças, em particular as gangues de rua , o General Hill sustentou que para muitos países da América Latina era difícil e complexo responder a estes grupos já que se localizam precisamente na linha divisória entre as agências encarregadas de fazer cumprir a lei e de operações militares. Ao invés de promover a importância de manter uma linha divisória clara entre os papéis e responsabilidades da polícia e das forças armadas, o General Hill afirmou que “[...] os líderes latino-americanos necessitam resolver esta questão de responsabilidade para promover a cooperação entre a polícia e as forças armadas, enquanto simultaneamente reestruturam as forças de segurança do Estado [...]”.32 Em seu testemunho diante do Congresso em março de 2005 o atual comandante do Comando Sul, General Bantz Craddock, diagnosticou melhor sua visão sobre as raízes da instabilidade nas Américas. Ele apresentou os problemas sociais, econômicos e de segurança pública como os principais desafios da região e não os equiparou com o terrorismo. No entanto, seu testemunho, igual ao de seu antecessor, continuou 8 gerando dúvidas sobre quais devem ser as respostas apropriadas a estes problemas ao sugerir que as forças armadas possam ter um papel a cumprir na solução dos mesmos33. Altos funcionários do Departamento de Defesa continuam diluindo as linhas divisórias entre os papéis policiais e militares sobrepondo os problemas da região sob uma definição ampla de terrorismo. Durante a VI Conferência de Ministros de Defesa, o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld se referiu às ameaças que a região enfrenta nos seguintes termos: “[...] os terroristas, traficantes de drogas, seqüestradores e gangues criminosas configuram uma rede anti-social que avança em sua intenção de desestabilizar as sociedades civis[...]”34. O ministro repetiu estas declarações em visitas subseqüentes à região. A convergência da definição ampla e a diluição da linha: Colômbia A ajuda dos EUA à Colômbia aumentou notoriamente no ano de 1989 com a Iniciativa Andina para lutar contra o narcotráfico. A maior parte desta ajuda estava destinada ao treinamento e capacitação das forças policiais, que como agências encarregadas do cumprimento da lei, tinham a missão de lutar contra o narcotráfico35. Esta situação, no entanto, mudou no ano de 2000 a partir do lançamento do Plano Colômbia dos Estados Unidos que destinou mais de 1.300 milhões de dólares (e desde esta data mais de 4.000 milhões de dólares), originalmente para a luta contra o narcotráfico36. De acordo com Ramírez Lemus, Stanton e Walsh, “desde este momento as forças armadas haviam evitado desempenhar um papel significativo nos esforços de controle de drogas [...] As forças armadas viam as drogas ilegais como um assunto de cumprimento da ordem pública a cargo da polícia, dado que seus principais O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial adversários eram as guerrilhas”37. Assim, seguindo a tendência de militarização da luta contra o narcotráfico da região andina, as forças armadas colombianas começaram a ter um papel protagonista na política anti-narcóticos. O Plano Colômbia foi originalmente planejado como um programa antinarcóticos. No entanto, depois dos ataques de 11 de setembro o Congresso expandiu a autoridade ao Departamento de Estado e ao Pentágono para usar a assistência anti-narcótico para fins de contenção de insurgências também sob o argumento de que já não havia mais forma de distinguir entre os traficantes de drogas e os grupos terroristas, já que todos eles recebem financiamento do tráfico de drogas. Esta mudança coincidiu com a eleição do Presidente Álvaro Uribe, que foi eleito em 2002 tendo como base uma proposta eleitoral centrada na segurança. Uma vez desempenhando suas funções, o Presidente Uribe implementou a Política de Segurança Democrática, dessa forma incrementando a militarização da segurança pública que foi iniciada pela incorporação da função de controle de drogas às forças armadas. Por outro lado, influenciado certamente pelo impacto global da reação dos Estados Unidos aos ataques de setembro de 2001, o governo de Uribe começou a aplicar a categoria de “terrorismo” para referirse ao problema colombiano, negando a existência de um conflito armado. Estas medidas puseram o governo de Uribe na mesma linha da guerra “contra o terrorismo” da administração Bush, o que converteu a Colômbia no principal aliado dos EUA na região. A autorização por parte do Congresso dos EUA de ampliar a utilização dos fundos do Plano Colômbia com finalidade de conter insurgências reflete esta nova conjuntura. WOLA Julho 2005 Em muitos casos a retórica antiterrorista, utilizada pelos funcionários públicos de primeiro escalão, esteve acompanhada por uma lógica de guerra em que, em muitas oportunidades, os atores críticos ao governo, em particular a sociedade civil e os movimentos sociais, são estigmatizados como inimigos do governo e aliados das organizações armadas38. De acordo com o International Crisis Group, “[...] O desejo de Uribe de outorgar ao exército e à polícia poderes adicionais e reduzir os controles constitucionais e judiciais faz com que se corra o risco de fomentar um aumento das ações arbitrárias empreendidas pelas forças de segurança contra a população civil, como ocorreu nas Zonas de Reabilitação e Consolidação ( ZRC) e em outras regiões do país […]”39. A isso se somou uma forte pressão às forças armadas e de segurança pela obtenção dos resultados na confrontação com organizações “terroristas”. A combinação destes fatores criou condições férteis para estigmatizar um setor da população associando-os a grupos armados. Um exemplo deste fenômeno são as detenções massivas que, em geral, resultam na liberação por falta de evidências40. O escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas nota em seu último informe que aumentou o número de denúncias de execuções extrajudiciais e violações ao devido processo41. A autorização por parte do Congresso dos EUA de ampliar a utilização dos fundos do Plano Colômbia com finalidade de conter insurgências reflete esta nova conjuntura. O Novo Conceito de Segurança da OEA Em outubro de 2003 a OEA, mediante a aprovação da Declaração Sobre Segurança nas Américas, adotou um novo conceito de segurança hemisférica. De acordo com o texto da Declaração “[...] As ameaças, preocupações e outros desafios à segurança hemisférica são de natureza diversa e de alcance multidimensional e o conceito e as 9 abordagens tradicionais devem ampliarse para englobar ameaças novas e nãotradicionais que abrangem aspectos políticos, econômicos, sociais, de saúde e ambientais…”.42 Assim, uma nova definição ampliou o conceito tradicional de segurança, incorporando ameaças novas e não tradicionais. Esta Declaração considera as seguintes práticas como ameaças, preocupações ou outros desafios à segurança: “O conceito de segurança hemisférica deve ampliar-se para englobar ameaças novas e não-tradicionais que abrangem aspectos políticos, econômicos, sociais, de saúde e ambientais…” – OEA O terrorismo, o crime organizado transnacional, o problema mundial das drogas, a corrupção, a lavagem de ativos, o tráfico ilícito de armas e as conexões entre eles; a pobreza extrema e a exclusão social de amplos setores da população que também afetam a estabilidade e a democracia... solapa a coesão social e vulnera a segurança dos Estados; os desastres naturais e os de origem humana, o HIV/AIDS e outras doenças, outros riscos à saúde e a deterioração do meio ambiente; o tráfico de seres humanos; os ataques à segurança cibernética; a possibilidade de que surja um dano em caso de acidente ou incidente durante o transporte marítimo de materiais potencialmente perigosos, incluindo o petróleo, material radiativo e resíduos tóxicos; e a possibilidade do acesso, posse e uso de armas de destruição em massa e seus sistemas vetores por terroristas.43 Por outro lado, a Declaração reconheceu a soberania dos Estados para identificar suas prioridades a respeito da segurança e a flexibilidade na escolha de mecanismos para enfrentar as ameaças. Além disso, a Declaração incorporou a democracia, o estado de direito, os direitos humanos e o direito internacional humanitário e o multilateralismo como valores comuns aos Estados do hemisfério. Por fim, a Declaração também incorpora o conceito de segurança humana ao afirmar 10 que o fundamento e a razão de ser da segurança para os Estados democráticos do hemisfério é a proteção da pessoa humana.44 Devido a suas características principais, este sistema foi denominado “multidimensional” e de “arquitetura flexível”. O caráter multidimensional se consiste na ampliação do conceito tradicional de segurança regional, ligado à defesa da segurança dos Estados, por meio da incorporação de novas ameaças, preocupações e desafios. A flexibilidade da arquitetura se relaciona com a diversidade de mecanismos com que os Estados contam para responder às ameaças. A adoção de um novo sistema de segurança para a região gerou diferentes reações. Alguns países destacaram que a Declaração de Segurança atualizou um esquema obsoleto de segurança típico da guerra fria e que refletia as novas necessidades da região em matéria de segurança.45 Vários atores envolvidos na negociação do texto da Declaração sentiram que o seu conteúdo—particularmente a longa lista de novas ameaças e preocupações—mais do que um acordo consensual, refletia a impossibilidade de criar uma agenda comum para a segurança da região.46 Ao invés de estabelecer claramente uma agenda comum para enfrentar os desafios em matéria de segurança na região, o novo esquema estende o conceito de segurança a muitas problemáticas de outro caráter e se parece mais com uma longa lista de problemas conforme as necessidades de cada país, sub-região ou região. A transformação do sistema de segurança das Américas responde a uma clara necessidade de atualizar o sistema que imperou de acordo com a lógica da guerra fria e que havia deixado de responder à O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial realidade da região.47 Entretanto, diante do contexto atual da região e o conceito de terrorismo promovido pelos EUA, a implementação deste novo conceito multidimensional constitui um risco de que se aumente a securitização dos problemas da região e, por conseguinte, a militarização como uma resposta para enfrentá-los. De acordo com o nosso critério, o novo conceito de segurança multidimensional da OEA sofre dois problemas principais: Em primeiro lugar, ele trata problemas comuns na região como pobreza extrema e exclusão social, o HIV/AIDS e outras doenças e os desastres naturais a partir da ótica da segurança nacional, concebendo-os como uma ameaça. Neste sentido, a declaração cria as condições para a securitização dos problemas de caráter político, econômico, social ou ambiental que, a princípio, não deveriam ser parte de uma agenda de segurança hemisférica.48 O principal inconveniente disto é que, a partir de agora, tudo seja um problema de segurança. Em segundo lugar, ao tratar de forma indistinta as ameaças tradicionais à segurança junto às novas ameaças, a declaração dilui a diferença histórica entre os conceitos de defesa e de segurança pública ou cidadã que regeram a região até este momento. A defesa tem como objetivo principal a proteção da integridade do Estado—tanto política como geográfica—contra as ameaças que emanam do exterior e, em circunstâncias excepcionais claramente definidas por lei, contra graves atos de abalo interior que ameacem a integridade do Estado. As forças armadas desempenham um papel central na defesa de um país. A segurança pública, em sua concepção tradicional, está relacionada à manutenção da ordem pública e para isso se emprega as forças policiais para WOLA Julho 2005 promover o cumprimento da lei. Há um tempo, na América Latina começouse a utilizar o conceito de segurança cidadã que amplia o de segurança pública enfatizando a proteção do cidadão e seus direitos como uma parte central da função policial. No contexto da Declaração, a securitização dos problemas políticos, sociais ou econômicos por um lado, e a militarização das respostas por outro, são como duas faces da mesma moeda. As conclusões de uma reunião de especialistas sobre o conceito multidimensional de segurança se expressam do seguinte modo: “O risco principal é que se associem os problemas de desenvolvimento com ‘ameaças’ à segurança, com o qual as estratégias militares poderiam ser alternativas. Isso é chamado de securitização da agenda do desenvolvimento”.49 É importante destacar que, tanto a securitização como a militarização não são políticas criadas na região por este novo conceito de segurança multidimensional. Pelo contrário, a execução de práticas deste tipo, sobretudo o uso das forças armadas em assuntos internos, já existia em vários países antes da adoção da Declaração. O conteúdo da Declaração— particularmente a longa lista de novas ameaças e preocupações—mais do que um acordo consensual, refletia a impossibilidade de criar uma agenda comum para a segurança da região. A implementação da Declaração nestas circunstâncias, no entanto, cria certos riscos de se aumentar as atuais tendências de militarização da segurança na região, à medida que a nova definição de segurança—na qual quase tudo pode ser considerado uma ameaça—reforça e legitima estas tendências. Além disso, a incorporação de uma série de diversos fatores—como a segurança pública, o desenvolvimento, o meio ambiente e a saúde—ao conceito de segurança é um obstáculo para a sua aplicação, tornando o novo conceito de 11 segurança vazio. Sendo assim, parece que o conceito não possui os elementos necessários para ser uma ferramenta eficaz para proteger os Estados e os cidadãos das Américas. A implementação deste novo conceito multidimensional constitui um risco de que se aumente a securitização dos No âmbito multilateral, a implementação do novo conceito multidimensional de segurança da OEA, combinada com a pressão que os EUA exercem para promover suas prioridades em matéria de segurança, viu-se refletida no resultado da VI Conferência de Ministros de Defesa.50 Sua declaração ministerial , conhecida como Declaração de Quito, cita o novo conceito de segurança adotado pela OEA “de alcance multidimensional que inclui ameaças tradicionais e as novas ameaças, preocupações e outros desafios aos Estados do hemisfério [...]”.51 problemas da região e, por conseguinte, a militarização como uma resposta para enfrentá-los. Efetivamente a VI Conferência de Ministros de Defesa celebrada é um bom exemplo de como o novo conceito multidimensional da OEA adquire conteúdo próprio conforme a agenda de segurança que os EUA têm para a região. Apesar de utilizar o marco conceitual da nova definição de segurança da análise da Declaração de Quito é possível observar que o caráter multidimensional é relativo e o terrorismo—em sua versão estendida—ocupa um lugar desproporcional em relação às outras ameaças ou preocupações. A Declaração de Quito superenfatiza a ameaça de terrorismo sobre qualquer outra ameaça ou preocupação à segurança regional. Assim, a ameaça terrorista ou o terrorismo estão incluídos em 8 parágrafos distintos da Declaração, em alguns casos mais de uma vez. Do mesmo modo que a Declaração de Segurança nas Américas, a Declaração de Quito promove a dissolução das linhas divisórias entre a competência das forças de segurança e a das forças armadas. Se observar as declarações anteriores 12 destas Conferências em geral, o foco está colocado na defesa. Nas poucas vezes que se menciona a defesa e a segurança de forma conjunta, entendia-se que se fazia referência a um conceito de segurança regional ou hemisférica.52 Por outro lado, na maioria das vezes, tanto os temas como os mecanismos que se tratavam eram em sua maioria de defesa (fomento da confiança mútua e transparência; política de defesa, cooperação militar; educação de civis e militares, etc.). No entanto, ao incorporar o conceito multidimensional de segurança a Declaração de Quito se refere quase sempre à segurança e à defesa de forma conjunta. Como conseqüência trata os conceitos de defesa e segurança quase de forma sobreposta e por vezes é difícil identificar as diferenças e especificidades de cada um deles em relação às funções que as forças de segurança e as forças armadas devem cumprir.53 Por exemplo, o parágrafo 13 da Declaração de Quito estabelece que “Entre as preocupações comuns de segurança e defesa tanto tradicionais como não tradicionais, devem ser incluídos a prevenção de conflitos, a solução pacífica de controvérsias e o fortalecimento da confiança mútua entre os Estados da região, a partir de uma concepção cooperativa da segurança e da defesa, que reconheça seu caráter multidimensional, envolva os atores estatais e não estatais, e inclua componentes políticos, econômicos, sociais e naturais”.54 Conclusão A adoção do novo conceito de segurança multidimensional da OEA veio para substituir oportunamente uma estrutura de segurança hemisférica obsoleta que não respondia às necessidades da região. Seu caráter multidimensional e, sobretudo, sua arquitetura flexível aparecem como mecanismos interessantes O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial para responder às ameaças atuais que os países do hemisfério sofrem. 2 Ver WOLA, Clear and Present Dangers: The U.S Military and the War on Drugs in the Andes, Washington DC, WOLA, 1991. No contexto atual da região, no entanto, não podemos ser menos que cautelosos na hora de avaliar o impacto que a implementação deste novo conceito de segurança pode causar nas democracias e nos sistemas de segurança dos países da América Latina. 3 Cf. Kathryn Ledebur, “Bolivia: Clear Consequences”, em Drogas y Democracia en América Latina, cit. na nota 1. 4 Quintana, Juan Ramón, “Bolivia: Militares y Policías: Fuego cruzado en democracia”, rascunho nas mãos dos autores. 5 Ver Kathryn Ledebur, “Bolivia: consecuencias claras”, op. cit. 6 Ver “Para que no se olvide. 12-13 de Febrero 2003”, APDHB, ASOFAMD, DIAKONIA, Bolívia, 2004. 7 Ver Sigrid Arzt, “La militarización de la Procuraduría General de la República: Riesgos para la democracia mexicana”, documento solicitado pelo Proyecto de Reformación de la Administración de Justicia México, Centro de Estudos Estados Unidos-México, San Diego, 15 de maio de 2003 p. 4. Disponível em: repositories. cdlib.org/usmex/prajm/arzt/. Em primeiro lugar, o tratamento de uma diversidade de temas sob a ótica da segurança abre as portas para a securitização das agendas políticas, sociais e econômicas. Este risco se potencializa com a definição ampla de terrorismo e a visão expandida do que significa uma ameaça à segurança utilizada pelos Estados Unidos depois de setembro de 2001. Em segundo lugar, a formulação ampla e difusa do conceito de segurança da OEA dilui as linhas divisórias entre os conceitos de defesa e de segurança pública. Como vimos nos exemplos descritos, a conseqüência prática deste processo é a alteração das funções tradicionais das forças armadas para aplicá-las em questões de segurança interior ou pública. Esta situação contribui à tendência de militarização da segurança interna produzida nos últimos anos a partir da atuação das forças armadas em papéis que não correspondem à defesa dos Estados. 55 Isto contribuiria para retroceder nos esforços realizados pelos governos da região para assegurar a subordinação das forças armadas às instituições civis democráticas. 8 Ibid. 9 De acordo com Mezquita Neto e Loche, de 1985 a 1995 os homicídios no Brasil aumentaram de 13.910 a 37.129. Ver Mezquita Neto e Loche, “PoliceCommunity Partnership in Brazil”, em Crime and Violence in Latin America: Citizen Security, Democracy and the State, editado por Hugo Fruhling e Joseph S. Tulchin com Heather A. Golding, Baltimore e Londres, Woodrow Wilson Center Press e The Johns Hopkins University Press, 2003. 10 Como aconteceu no restante dos países da América Latina que sofreram ditaduras militares, a transição democrática no Brasil não garantiu por si mesma a democratização das forças de segurança que, em geral, continuaram operando sob o modelo autoritário de segurança da guerra fria cujo objetivo era a proteção do Estado frente ao inimigo interno ao invés da proteção dos direitos e dos bens de seus cidadãos. 11 É importante mencionar que no Brasil as polícias preventivas (encarregadas do patrulhamento nas ruas) se denominam polícias militares e são por si forças de segurança militarizadas no que diz respeito a suas práticas, estruturas e mecanismos de controle. 12 Isto se passou em 1994 com as Operações Rio I e II; em 2003 a ocupação militar das favelas do Rio foi precedida pela intervenção do terrorismo como justificativa desta medida por parte da então governadora do Rio de Janeiro Rosinha Garotinho. Ver “Una guerra inútil. Drogas y violencia en Brasil”, Editorial, TNI, Novembro 2004; Paul E. Amar, “Reform in Rio: Reconsidering the Myths of Crimen and Violence”, NACLA, setembro/outubro 2003; “El Ejército combatirá a los narcos en Río”, La Nación, Buenos Aires, 28 de fevereiro de 2003. 13 Lei Complementar No. 117, de 2 de setembro de 2004. Endnotes 1 Cf. Coletta A. Youngers e Eileen Rosin (editoras), Drogas y Democracia en América Latina: El impacto de la política de Estados Unidos, Buenos Aires, Editorial Biblos e WOLA, 2005. WOLA Julho 2005 A formulação ampla e difusa do conceito de segurança da OEA dilui as linhas divisórias entre os conceitos de defesa e de segurança pública. 13 14 Ver Folha de São Paulo, “Lei do Abate só vai permitir ataques a aviões de tráfico”, julho de 2004. 30 Ver Comando Sul dos Estados Unidos, “Posture Statement” do Gen. James T. Hill, op. cit. 15 Ver Transnational Institute, “Una Guerra Inútil: Droga y Violencia en el Brasil”, TNI Briefings No. 2004/8, novembro 2004. 31 16 Ver Mesquita Neto e Loche, op. cit. 17 Ver “Troops sent to Amazon alter nun’s killing”, CNN online, 16 de fevereiro de 2005. De acordo com este informe, em termos de pressupostos e de pessoal, o Comando Sul tem mais presença na região do que a soma de todas as agências civis dos Estados Unidos. Ver “Diluyendo las Divisiones: Tendências dos programas militares dos EUA para a América Latina, op. cit na nota 26. 32 Ver Comando Sul dos Estados Unidos, “Posture Statement” do Gen. James T. Hill, op. cit. 33 Ver Comando Sul dos Estados Unidos, “Posture Statement of Gen. Bantz Craddock”, Exército Estadunidense, comandante chefe, Comando Sul dos Estados Unidos, diante da Comissão das Forças Armadas da Câmara dos Deputados, Washington DC, 9 de março de 2005. Disponível em: http:// www.house.gov/hasc/testimony/109thcongress/ FY06%20Budget%20Misc/Southcom3-9-05.pdf 34 Departamento de Defesa dos Estados Unidos, “Remarks by Secretary Rumsfeld”, durante a sessão plenária da VI Conferência de Ministros de Defesa das Américas, Quito, Equador, 17 de novembro de 2004. 35 De acordo com Ramírez Lemus, Stanton e Walsh, desde 1997 90% da ajuda dos Estados Unidos para a luta contra o terrorismo estava destinada à politia de combate às drogas e fumigação de cultivos ilegais. Ver Ramírez Lemus, Stanton e Walsh, em “Colombia: Un círculo vicioso de drogas y guerra”, em Drogas y Democracia en América Latina, cit. na nota 1. 36 De acordo com Mónica Hirst, “a aprovação do Plano Colômbia abriu as portas para a presença militar dos Estados Unidos na Colômbia que foi mais bem-vinda pelas forças armadas da Colômbia” Ver Mónica Hirst, “Seguridad Regional en las Américas”, em La Seguridad Regional en las Américas, Wolf Grabendors, Bogotá, 2003. 37 Ver Ramírez Lemus, Stanton e Walsh, op. cit. 38 Human Rights Watch, Informe Anual 2005, Nova Iorque, janeiro 2005. Disponível em: http://hrw.org/ english/docs/2005/01/13/colomb9847.htm. 39 International Crisis Group, “Colombia: La política de seguridad del Presidente Uribe”, Informe Sobre América Latina No. 6, Bogotá/Bruselas, Novembro de 2003. Disponível em: http://www.crisisgroup.org/library/ documents/latin_america/06_colombia__uribe_dem__ sec_sp.pdf. 40 Ver Comisión Colombiana de Juristas (CCJ), “En contravía de las recomendaciones internacionales”, Bogotá, CCJ, 2004. 41 Informe do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre a situaçaõ dos direitos humanos na Colômbia, E/CN.4/2005/10, 28 de fevereiro de 2005. 42 Sessão II, Parr. 4, inc. i da Declaração sobre segurança nas Américas, Organização dos Estados Americanos,Conferência Especial sobre Segurança, México 18 19 Em novembro deste mesmo ano houve outro golpe de estado que fracassou. Ver Ana María San Juan, La Agenda de Seguridad de Venezuela ¿Ruptura o continuidad de paradigma? Un análisis preliminar. Rascunho nas mãos da autora. 20 Ver Constituição Nacional, leis 23.554 de Defesa Nacional e 24.059 de Segurança Interna. 21 Ver La Nación, “Nacionalizar la inseguridad”, 11 de setembro de 2004. 22 De acordo com os setores que elaboraram a proposta, a participação das forças armadas poderia ser direta, ou seja, reprimindo os protestos sociais; ou indireta, mediante a intervenção destas forças em áreas de inteligência de distintos setores sociais. 23 Jeffrey Record, Bounding the Global War on Terrorism, Strategic Studies Institute, US Army War College, Carlisle, Pennsylvania, dezembro 2003. 24 Comando Sul dos Estados Unidos, “Posture Statement of Gen. James T. Hill”, Exército Estadunidense, comandante-chefe, Comando Sul dos Estados Unidos, diante da Comissão das Forças Armadas da Câmara dos Deputados, Washington DC, 24 de março de 2004. Disponível em: http://www.house.gov/hasc/ openingstatementsandpressreleases/108thcongress/0403-24hill.html 25 Ver Conclusões do Seminário Agenda de Seguridad Andino-Brasilera, Friedrich Ebert Stiftung no Brasil, 15 e 16 de maio de 2003. 26 Sobre a resposta militar dos Estados Unidos ao fenômeno terrorista ver “Diluyendo las Divisiones: Tendencias de los programas militares de EE.UU. para América Latina”, Washington DC, Latin America Working Group Education Fund, Center for International Policy e WOLA, setembro de 2004. 27 Isso não significa que os grupos guerrilheiros (FARC e ELN) e o grupo paramilitar (AUC) não cometam atos terroristas como parte de sua estratégia. 28 Para uma informação detalhada sobre esse ponto ver Cf. Indebido Proceso: Los juicios antiterroristas, los tribunales militares y los Mapuche en el Sur de Chile, Human Rights Watch e Observatorio de Derechos de los Pueblos Indígenas, Nova Iorque, outubro 2004. 29 14 “Exército chega à região onde morreu irmã Dorothy e já cercam pistas de pouso”, no site Amazonia.org; 18 de fevereiro de 2005. Op. cit. pg. 5. O Conceito Novo de Segurança Hemisférica da OEA: Uma Ameaça Potencial 27-28 2003, Disponível em espanhol em: http://www. wola.org/security/declaracion_seguridad_americas_ espaniol.pdf, (Disponível em português em http://www.oas. org/documents/por/DeclaracionSecurity_102803.asp) 43 Sección II, Parr. 4, inc.m., Declaração sobre segurança nas Américas, op cit. 44 Sección II, Parr. 2, inc.e., Declaração sobre segurança nas Américas, op cit. A análise do impacto concreto da incorporação do princípio de segurança humana excede o marco deste documento. Em nosso critério, contudo, embora não estejamos de acordo com um conceito de segurança que tenha como principal sujeito a proteção da pessoa, sua implementação na região nos causa dúvidas relacionadas aos pontos propostos neste documento, fundamentalmente em relação aos riscos de categorizar todos os problemas do hemisfério a partir da perspectiva da segurança. Por outro lado, a forma como a Declaração de Segurança incorpora a segurança humana não faz mais do que reforçar nossas dúvidas já que, ao invés de utilizar este conceito como eixo da declaração, sua incorporação tangencial só contribui para a confusão criada pelo conceito multidimensional de segurança. 45 Entrevistas realizadas pela WOLA a embaixadores das missões diplomáticas na Organização dos Estados Americanos, entre outubro de 2003 e fevereiro de 2004. 46 Ibid. 47 Ver Cesar Andrés Restrepo F., “La nueva Seguridad Hemisférica”, Fundación Seguridad y Democracia, Colômbia, 2004. 48 Em uma análise sobre a segurança regional nas 49 50 Américas, anterior à adoção do conceito de segurança multidimensional da OEA, Mônica Hirst se refere à agenda preliminar da Conferência de Segurança nestes termos: “[...] Além de insistir novamente na segurança cooperativa, o tema do encontro põe em evidência a tendência de securitização da agenda política da região [...]”. Ver Hirst, op cit, p. 41. A Equipe do WOLA Ver Informe da Conferência “Seguridad Hemisférica. Una visión mesoamericana y caribeña”, Antigua, Guatemala, Fundação Ford, ITAM e Foreign Affairs em espanhol, maio de 2004. Lori Piccolo Diretora de Captação de Recursos Sexta Conferência de Ministros de Defesa das Américas, Declaração de Quito, Novembro 2004, disponível em http://vicdmaecuador2004.org/espanol/ documentos/otros/DECLARACION%20DE%20 QUITO%20%20PORT.pdf; Ver também “Informe sobre la VI Conferencia de Ministros de Defensa celebrada en Quito, Ecuador”, Washington e Buenos Aires, Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) e WOLA, disponível em espanhol em: http://www.wola. org/security/informe_conf_ministros_defensa_2004.pdf Joy Olson Diretora Executiva Geoff Thale Diretor de Programa e Representante Sênior, Cuba e América Central Jason Schwartz Gerente de Finanças e Administração Gastón Chillier Representante Sênior, Direitos Humanos e Segurança Jeff Vogt Representante Sênior, Assuntos Econômicos John Walsh Representante Sênior, Andes e Políticas Antidrogas Adriana Beltrán Representante, Guatemala e Coordenadora de Mídia 51 Ver Declaração de Quito, op cit. 52 Cf. Declarações da I, II, III e IV Conferências de Ministros da Defesa. 53 Ver “Informe sobre la VI Conferencia de Ministros de Defensa”, op. cit. Elsa Falkenburger Oficial de Programa, Cuba, América Central, Brasil e Assuntos Econômicos 54 Ver Declaração de Quito, op cit, parágrafo 13. Ana Paula Duarte Assistente de Captação de Recursos 55 Ver “Pronunciamiento de Organizaciones de la Sociedad Civil ante la VI Conferencia de Ministros de Defensa de las Américas” em http://www.wola.org/security/ pronunciamiento_coalicion_vi_conf_min_def.pdf Laurie Freeman Representante, México, Segurança e Políticas Antidrogas Katie Malouf Assistente de Programa, Região Andina e Segurança Hemisférica Kristel Muciño Assistente de Programa, México e Políticas Antidrogas e Coordenadora de Estágios Coletta Youngers Sênior Fellow Rachel Neild Sênior Fellow George Withers Sênior Fellow WOLA Julho 2005 15 Sobre o WOLA O escritório em Washington para a América Latina (WOLA, sigla em inglês) promove os direitos humanos, a democracia e a justiça econômica e social na América Latina e no Caribe. O WOLA facilita o diálogo entre os agentes governamentais e não governamentais, acompanha o impacto das políticas e dos programas de governos e organizações internacionais e promove alternativas através da difusão de informes, atividades educativas, capacitação e gestão de políticas. Para solicitar as publicações do WOLA O WOLA elaborou uma ampla gama de publicações sobre os direitos humanos na América Latina e sobre a política estadunidense. O WOLA também publica um boletim trimestral e a edição em espanhol chama-se Enlace. Visite a nossa página web para acessar a lista completa de publicações e para fazer o download das mesmas. Para entrar em contato com o WOLA ISBN: 0929513665 Washington Office on Latin America 1630 Connecticut Avenue, NW, Suite 200, Washington, D.C. 20009 Tel: 202.797.2171 • Facsímile: 202.797.2172 E-mail: [email protected] • Internet: www.wola.org Esta publicação do WOLA foi patrocinada em parte pela Fundação Ford, Chile. Washington Office on Latin America 1630 Connecticut Avenue, NW, Washington, D.C. 20009 WOLA