OFICINAS JURÍDICAS - FADIPA PALESTRA Professor: Flávio Roberto dos Santos LEI 11.705 DE 19 DE JUNHO DE 2008 LEI SECA 1. A lei 11.705 de 19 de junho de 2008, conhecida com “lei seca”, foi editada com a finalidade de impor penalidades mais severas para os condutores de veículos que dirigem sob a influência de álcool. 2. É importante salientar que os acidentes de trânsito, além de causarem diversos danos à sociedade - dentre os quais cita-se a propriedade (veículo, muro, casa, cerca, postes, placas, etc.), e a pessoa física (traumas, incapacidade, lesões, tratamento, reabilitação, previdência) – são também responsáveis por um forte impacto sócio-econômico. Nosso país, só com esses problemas, gasta na ordem de mais de 22 bilhões de reais por ano (fonte: IPEA), dinheiro que poderia ser empregado em outras necessidades prioritárias da população como habitação, escolas, hospitais, etc. 3. O maior problema na aplicação da lei seca, sem dúvida, são as condicionantes empregadas para a obtenção de provas seguras que possam implicar numa punição eficaz. 4. Histórico: 4.1 - Lei 5.108 de 21 de setembro de 1966, a qual instituía o Código Nacional de Trânsito - CNT, com o seu disposto regulamentado pelo decreto 62.127 de 16 de janeiro de 1968, e, no que pertine à matéria de embriaguez na direção, o CNT não especificava como crime esta conduta, sendo aplicada as regras do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941(lei das contravenções penais), com ressonância no seu art.34 (direção perigosa) que assim dispõe: art.34. Dirigir veículo na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia. Pena: prisão simples, de 15 (quinze) dias à 3 (três) meses, ou multa. 4.2 - Do clamor público ante aos elevados e crescentes problemas advindo da violência no trânsito, com conseqüentes tragédias e impactos econômicos (em grande parte, oriundo do abuso do consumo de álcool associado à direção de veículos), o poder legislativo, após alterações e adequações do projeto de Lei nº 3.710/93, apresentado pelo poder executivo, aprovou em 23 de 4 setembro de 1997 a Lei 9.503, que instituiu o então Código de Trânsito Brasileiro, revogando o antigo Código Nacional de Trânsito. Este traz em seu bojo a previsão para o crime de trânsito na forma culposa. Vejamos o texto original. Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: Infração – gravíssima; Penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou de substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. QUADRO COMPARATIVO Lei 9.503 – C.T.B. Redação dada pela Redação dada pela Redação Original Lei nº 11.275, de Lei nº 11.705, de CONSEQUÊNCIAS 2006 2008 – Lei Seca CAPÍTULO XV DAS INFRAÇÕES CAPÍTULO XV DAS INFRAÇÕES CAPÍTULO XV DAS INFRAÇÕES TIPIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: 1. O artigo 165 é um preceito de caráter administrativo. Infração – gravíssima; Penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. Infração - gravíssima; Penalidade multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. Infração -gravíssima; Penalidade multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida administrativa retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. 2. Por duas vezes, o art.165 sofre alteração. A primeira retira de sua redação original os níveis de tolerância de álcool (6dg/l de sangue); A segunda adequou seu contexto aos termos médico-jurista, evitando interpretações restritivas ao texto legal, evidenciando uma abrangência maior de substâncias pisicoativas que determine dependência, indo além dos entorpecentes. E mais, especificou a suspensão do direito de dirigir em 12 (doze) meses. CAPÍTULO XVII DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor. Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia. Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo Federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos. 1. É de se observar a cumulatividade de punição traçada pelo vigente art. 276, quando estabelece que qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código, respeitada as margens de tolerância, isto é, se o condutor ultrapassar as margens de tolerância, será sempre penalizado administrativamente, mas dependendo do nível, também poderá ser penalizado criminalmente. CAPÍTULO XVII DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. Parágrafo único. Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. Não houve alteração Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. §1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. §1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. § 2º No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos §2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo 1. No § 3º do reformado art.277 traz a idéia de que ao motorista é dada a opção de fazer prova de sua sobriedade ou de ser considerado embriagado por conta da informação prestada pelo agente de trânsito através do termo de constatação de embriaguez pautada na resolução 206/06 do CONTRAN. notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor. CAPÍTULO XIX DOS CRIMES DE TRÂNSITO Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Não houve alteração condutor. § 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. CAPÍTULO XIX DOS CRIMES DE TRÂNSITO Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. CRIMIE 1. Duas, portanto, as hipóteses identificadas. 1.1 Na primeira hipótese, para que se tenha por autorizada a persecução criminal será imprescindível produzir provas técnica indicando que o agente, na ocasião, se colocou a conduzir a conduzir veículo na via pública estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. O dispositivo penal aqui é taxativo no que tange à quantificação de álcool por litro de sangue para que se tenha por configurada a infração penal, e tal apuração só poderá ser feita tecnicamente, de maneira que a prova respectiva não poderá ser suprimida por outros meios, tais como exames clínicos ou prova oral. 1.2 Na segunda hipótese estará configurado o crime quando o agente se colocar a conduzir veículo na via pública sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. (MARCÂO, Renato, 2009, p.160). 5. O Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, considerando a nova redação dos art. 165, 277, e 302 da lei 9.503/97, dada pela lei 11.275/06 estabelece os procedimentos a serem adotados pelas autoridades de trânsito e seus agentes, através de sua Resolução nº 206 de 20 de outubro de 2006, onde especifica em seu art. 1º e 2º os meios de comprovação da embriaguez do condutor na direção de veículo, os quais assim se apresentam: Art. 1º- A confirmação de que o condutor se encontra dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, se dará por, pelo menos, um dos seguintes procedimentos: I - teste de alcoolemia com a concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) que resulte na concentração de álcool igual ou superior a 0,3mg por litro de ar expelido dos pulmões; III - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária; IV - exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. Art. 2º. No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da perícia, previstos no art. 1º, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer substância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme § 1º. Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da autoridade de trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo desta Resolução. § 2º. O documento citado no parágrafo 1º deste artigo deverá ser preenchido e firmado pelo agente da autoridade de trânsito, que confirmará a recusa do condutor em se submeter aos exames previstos pelo artigo 277 da lei nº 9.503/97. Lembrando que esta derradeira medida de comprovação de embriaguez, tem validade apenas na seara administrativa, sendo imprestável para a ação penal, que exige quantificação precisa de álcool no sangue ou no ar expelido pelos pulmões do indivíduo, além disso, deve ser observado que a submissão aos meios de comprovação da embriaguez é viável quando houver envolvimento em acidente de trânsito ou quando estiver sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos, ou seja, sem a condição de suspeição, na segunda hipótese, não se deve exigir tal submissão, por força da previsão constante no caput do reformado art. 277 do CTB. 6. Sabemos que dentre os meios de comprovação de embriaguez apresentados anteriormente pela Resolução 206/2006 do CONTRAN, o mais utilizado pela fiscalização policial é o teste com etilômetro (bafômetro), que expressa o resultado em miligramas por litro (mg/l) de ar expelido pelos pulmões. Para estes resultados se adequarem às especificações de medida estabelecidas no caput do art. 306 do CTB, ou seja, decigramas por litro de sangue (dg/l), a este artigo foi acrescentado o parágrafo único o qual dispõe que o poder executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime de embriaguez ao volante. Desta forma, através do decreto presidencial nº 6.488, de 19 de junho de 2008, estabeleceu-se as margens de tolerância de álcool no sangue. Art. 1o Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades administrativas do art. 165 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, por dirigir sob a influência de álcool. § 1o As margens de tolerância de álcool no sangue para casos específicos serão definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde. § 2º Enquanto não editado o ato de que trata o § 1º, as margens de tolerância será de duas decigramas por litro de sangue para todos os casos. § 3o Na hipótese do § 2o, caso a aferição da quantidade de álcool no sangue seja feito por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a margem de tolerância será de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. Art. 2o Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei no 9.503, de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte: I – exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. Assim sendo, numa fiscalização de trânsito, não haverá penalidade alguma ao motorista que fizer o teste de etilômetro e tiver como resultado até 0,10mg/l. Se o resultado estiver entre 0,11mg/l e 0,29mg/l, o motorista será penalizado com multa e medidas administrativas prescritas no art.165 do CTB, porém, se o resultado ultrapassar a 0,29mg/l então serão aplicadas a multa e as medidas administrativas do art.165 do CTB cumulando com a prisão em flagrante delito pelo crime de embriaguez ao volante tipificado no art. 306 do CTB. 7. PROVA: O sujeito que recusa se submeter ao teste do bafômetro, ou ainda, a ceder sangue para exame clínico, pode ser detido como se criminoso fosse? A nossa Carta Magna prega a presunção de inocência e o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo — “Nemo tenetur se detegere”, o que deve ser respeitado inexoravelmente. Artigo 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...] LVII – ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [original sem grifo] “DECRETO N° 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992 Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. (...) ARTIGO 8 Garantias Judiciais 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;” Nesse contexto, alguns autores entendem que várias garantias constitucionais vêm sendo tolhidas do cidadão. Talvez por essa razão já nos deparamos com inúmeros Habeas Corpus preventivos que concedem ao cidadão o direito de não se submeter ao bafômetro ou qualquer outro exame que possa incriminálo. Isso sem falar na Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – Abrasel, que pugna pela declaração da inconstitucionalidade da Lei 11.705/2008. O STF deve julgar em breve tal pretensão (ADI 4103). Aproveitando desta realidade, várias ações estão sendo propostas na justiça. Inclusive, o próprio diretor jurídico da Abrasel, Percival Menon Maricato, “conseguiu da justiça paulista uma liminar que lhe garante o direito de não ser multado ou mesmo levado para a delegacia, caso se negue a fazer o teste do bafômetro. O habeas corpus preventivo foi concedido pelo juiz Márcio Franklin Nogueira, da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. O juiz entendeu que ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. “Ora, não se pode punir alguém, ainda que administrativamente, pelo fato de exercitar direito constitucionalmente assegurado”, esclareceu.” (Disponível em <http://www.abrasel.com.br/index.php/atualidade/item/4486/>. Acesso em: 25 jul. 2008.) Ora, evidente que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, ou seja, não há obrigação legal e constitucional para realização do teste do bafômetro ou qualquer outro exame que tenha por escopo averiguar a presença ou não de álcool no organismo do indivíduo. Sujeitar-se ou não ao teste do bafômetro, é uma faculdade concedida ao indivíduo, e não uma imposição. E mais, não se pode admitir a prisão de alguém que não realizou o teste exigido pelos agentes de trânsito. Luiz Flávio Gomes assim se manifestou quanto ao assunto ora debatido: “A prova da embriaguez se faz por meio de exame de sangue ou bafômetro ou exame clínico. A premissa básica aqui é a seguinte: ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo. O sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova. Em outras palavras: não está obrigado a ceder sangue, não está obrigado a soprar o bafômetro.” [GOMES, Luiz Flávio. Lei seca (Lei n.º 11.705/2008). Exageros, equívocos e abusos nas operações policiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1842, 17 jul. 2008. Disponível em <HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11496>. Acesso em: 24 jul. 2008.] Desta forma, o indivíduo está autorizado a se negar ao teste do bafômetro, ao exame de sangue e ao exame clínico, restando, como pena, se muito, a sanção administrativa disposta no artigo 165 do CTB. E nada mais. 1 Ademais, ainda no que tange ao princípio de que ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si, o Ministro Celso de Mello assim se posicionou em bem fundamentado Habeas Corpus julgado em 14.02.20062: “[...] Com o explícito reconhecimento dessa prerrogativa, constitucionalizou-se, em nosso sistema jurídico, uma das mais expressivas conseqüências derivadas da cláusula do "due process of law". Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado - ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 -RTJ 176/805-806) -, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria, consoante reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/512, relator ministro Celso de Mello). Esse direito, na realidade, é plenamente oponível ao Estado, a qualquer de seus Poderes e aos seus respectivos agentes e órgãos. Atua, nesse sentido, como poderoso fator de limitação das próprias atividades de investigação e de persecução desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério Público, Juízes, Tribunais e Comissões Parlamentares de Inquérito, p. ex.). Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual "Nemo tenetur se detegere", nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o "Bill of Rights" norte-americano. Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal (HC 80.530-MC/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 111, item n. 7, 1997, RT), "constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual 1 http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/artigo_default.asp?ID=1339. Acesso em: 11 set. 2009. HC 88015 MC / DF - DISTRITO FEDERAL - MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS. Relator MIN. CELSO DE MELLO - DJ 21/02/2006 PP-00021. 2 paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo...". O direito de o indiciado/acusado (ou testemunha) permanecer em silêncio — consoante proclamou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em Escobedo v. Illinois (1964) e, de maneira mais incisiva, em Miranda v. Arizona (1966) — insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal.” [grifos nossos]. Alguns delegados, equivocadamente, dizem tratar-se de típico crime de desobediência. Porém, o artigo 277, em seu §3º, supracitado, é claro ao dispor que, havendo recusa do condutor em efetuar os testes requeridos, serão aplicadas as penalidades do artigo165, quais sejam, multa, suspensão do direito de dirigir, retenção provisória do veículo e da CNH. Em momento algum o citado artigo 277 fala em prisão em flagrante. Desta forma, ao decretarem a prisão por desobediência, os delegados estão legislando, matéria totalmente adversa de sua competência. Para alguns juristas quem está bêbado, independente da quantidade de álcool presente no sangue, mas não perturba a segurança alheia, não está cometendo crime, e, por esta razão, não pode ser preso em flagrante com fulcro no artigo 306 do CTB. Tanto o contido no artigo 165, como o disposto no Art. 306 do CTB, acarretam em flagrante desrespeito aos princípios fundamentais, conquistados ao longo da história. Vários juristas de renome já se pronunciaram sobre a lei em comento, entre eles, Damásio E. de Jesus e Luiz Flávio Gomes, aos quais peço vênia para transcrever breves trechos dos brilhantes artigos por eles elaborados. Vejamos: “[...] Um grave equívoco que deve ser evitado consiste em prender em flagrante o sujeito todas as vezes que esteja dirigindo com seis decigramas ou mais de álcool por litro de sangue (0,3 no bafômetro – que equivale a dois copos de cerveja). A existência do crime do art. 306 pressupõe não só o estar bêbado (sob a influência do álcool ou outra substância psicoativa), senão também o dirigir anormalmente (em zig-zag, v.g.). Ou seja: condutor anormal (bêbado) + condução anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária). [...] Constitui grave crime interpretar a lei seca “secamente”. Não há crime sem condução anormal. A prisão em flagrante de quem dirige normalmente é um abuso patente, que deve ser corrigido prontamente pelos juízes.” [ GOMES, Luiz Flávio. Lei seca (Lei n.º 11.705/2008). Exageros, equívocos e abusos nas operações policiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1842, 17 jul. 2008. Disponível em <HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11496>. Acesso em: 24 jul. 2008.] Damásio de Jesus, ao discorrer sobre o Art. 276 do CTB, que diz que qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no artigo 165, assim expôs: O dispositivo leva ao falso entendimento de que, encontrado o motorista dirigindo veículo na via pública, com “qualquer concentração de álcool por litro de sangue”, fica sujeito “às penalidades previstas no artigo 165 do CTB.”. Quer dizer, bebeu e dirigiu, cometeu a infração administrativa. Conclusão errada, pois são exigidas três condições: 1.ª) que o condutor tenha bebido; 2.ª) que esteja sob a “influência” da bebida; 3.ª) que, por causa do efeito da ingestão de álcool ou substância análoga, dirija o veículo de “forma anormal” (“direção anormal”).” [JESUS, Damásio E. de. Embriaguez ao volante: notas à Lei nº 11.705/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1846, 21 jul. 2008. Disponível em: <HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11510>. Acesso em: 24 jul. 2008.] Evidente tratarem-se de requisitos cumulativos para a aplicação da lei, e não alternativos. O ilustre jurista, prossegue com seu entendimento da seguinte maneira: “[...] surpreendido o motorista dirigindo veículo, após ingerir bebida alcoólica, de forma normal, “independentemente do teor inebriante”, não há infração administrativa, não se podendo falar em multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir. Exige-se nexo de causalidade entre a condução anormal e a ingestão de álcool.” Assim, sendo, a letra da lei, clara ao dispor que a infração apenas se configura se o indivíduo conduzir o veículo sob a influência do álcool, não há que se aplicar a penalidade do artigo 165 simplesmente pelo fato de o sujeito estar dirigindo após ingerir bebida alcoólica. Até porque, a resistência à bebida, é uma questão extremamente subjetiva, ou seja, um indivíduo pode consumir um copo de cerveja ou qualquer outra bebida e ficar visivelmente alterado, como pode ingerir várias garrafas e não restar abalado pelo álcool. Tanto a sanção administrativa, como a responsabilidade criminal, só poderão ser apuradas se o indivíduo enquadrar-se na conduta descrita na norma, qual seja, conduzir veículo sob a influência de álcool ou substância entorpecente. Assim, estando o condutor dirigindo normalmente, sem causar danos à outrem, não há que ser responsabilizado na forma dos artigos 165 e 306 do CTB. Tal princípio pregado pelo direito penal é claro ao dispor que a pena é medida extrema, ou seja, deve ser a última medida aplicada, quando se mostrar realmente necessária, até porque, pena não é castigo, é medida de pacificação e moralização social. O Estado só pode agir em último caso, o que não vem ocorrendo. 8. A redução das mortes se deve à lei ou à fiscalização? A fiscalização severa logo após a edição da referida lei foi que conseguiu mobilizar grande parte da sociedade e alterar o comportamento de muitos motoristas. O maior equívoco consiste em imaginar que leis mais duras são (por si sós) suficientes. A fiscalização é que é decisiva, ao lado da educação, conscientização, (boa) engenharia e punição. Esses são os cinco fatores que, somados, podem colocar o Brasil em patamares numéricos dos países mais civilizados. Na sua parte criminal a lei seca, diferentemente do que foi propagado, acabou trazendo impunidade a muitos motoristas que cometeram crimes sob embriaguez. Os tribunais de justiça, especialmente o de São Paulo, começam a reconhecer isso. Antes da Lei 11.705/2008 o crime de embriaguez ao volante (artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro) não quantificava nenhuma taxa de alcoolemia. Bastava a comprovação de um condutor bêbado e uma direção anormal, que é a que coloca em risco a segurança viária. Agora só existe crime quando a concentração de álcool atinge o nível de 0,6 decigramas por litro de sangue, conforme o estipulado na lei. Conclusão: todas as pessoas que estão sendo processadas ou que já foram condenadas por direção embriagada, cometida até o dia 19 de junho de 2008, desde que tenham sido surpreendidas com menos de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue ou que não haja prova suficiente sobre a taxa de alcoolemia, foram "anistiadas". Todas! Houve abolição do delito. Em outras palavras: o que antes era delito se transformou em mera infração administrativa. Nenhuma conseqüência penal pode subsistir para esses motoristas. Conclui-se que a citada lei, na parte criminal, acabou beneficiando pessoas processadas ou condenadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BINATI, Tiago Augusto de Macedo. Brechas na Lei Seca - Intérpretes esqueceram-se da Constituição. Disponível em http://www.r2learning.com.br/_site/artigos/artigo_default.asp?ID=1339. Acesso em: 11.09.2009. BRASIL, Constituição Federal de 1988. atualizada até emenda const. nº 58. ------, Código Penal, Decreto-Lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. ------, Código de Trânsito Brasileiro, Lei n. 9.503 de 23 de setembro de 1997. ------, Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, Resolução n. 206 de 20 de outubro de 2006. ------, Decreto n. 6.488 de 19 de junho de 2008. ------, Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT. ------, Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN. ------, Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial INMETRO, Portaria n. 006 de 17 de janeiro de 2002. ------, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. ------, Lei 11.705 de 19 de julho de 2008. GOMES, Luiz Flavio, Estudos de direito penal e processual penal, São Paulo: revista dos tribunais, 1999. ------, Lei seca (Lei n.º 11.705/2008). Exageros, equívocos e abusos nas operações policiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1842, 17 jul. 2008. Disponível em <HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11496>. Acesso em: 24 jul. 2008. JESUS, Damásio E. de. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da obrigatoriedade do teste do bafômetro. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 344, 16 jun. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5338>. Acesso em: 15 de maio de 2009. ------,Embriaguez ao volante: notas à Lei nº 11.705/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1846, 21 jul. 2008. Disponível em: <HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11510>. Acesso em: 24 jul. 2008. MARCÂO, Renato, Crimes de Trânsito, São Paulo: Saraiva, 2009. MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1827, 2 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11454>. Acesso em: 20 nov. 2008. MARCÃO, Renato, Curso de Execução Penal, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2005. PAULUS, Adilson Antônio, WALTER, Edílson Luis, Manual de legislação de trânsito,1ª ed., Santo Ângelo: editora Pallotti, 2007. RIZZARDO, Arnaldo, Comentários ao código de trânsito brasileiro, 4ª ed. Ver., atual. e ampli.-São Paulo: editora revista dos tribunais, 2003. SEGUNDA maior causa de morte no país é o trânsito, A. http/ww.gabmilitar.ma.gov.br/pagina.php?idpagina=2383. acessado em 17 de abril de 2009. SILVEIRA, Rosiane Araújo da. Crimes de Trânsito: Embriaguez ao volante. – Porto Velho, Rondônia, 2008. ANEXO Lei seca absolve quem rejeita bafômetro Fonte: Folha OnLine Data: 8/9/2009 Ao tentar ser mais rigorosa com motoristas que bebem e dirigem, a lei seca aprovada pelo Congresso em 2008 abriu caminho para a impunidade. Levantamento realizado na Justiça estadual do país inteiro mostra que 80% dos motoristas que se recusaram a se submeter ao teste do bafômetro ou a tirar sangue para a verificação do grau etílico acabaram absolvidos por falta de provas. A avaliação que tem predominado no Judiciário é a de que a lei seca criou um limite numérico (de seis decigramas de álcool por litro de sangue, equivalente a dois chopes) que precisa ser obrigatoriamente comprovado para constatar a infração penal passível de detenção. Antes, a redação do artigo 306 do Código de Trânsito se limitava a dizer que é crime "conduzir veículo automotor sob influência de álcool". A nova legislação foi aprovada no Congresso após negociações no Ministério da Justiça - que, procurado pela reportagem, não quis se manifestar. "A redação [da lei seca] é favorável aos acusados porque passou a exigir a constatação de uma concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas. Com isso, o teste de alcoolemia passou a ser imprescindível", afirma uma decisão do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo. "Não basta que se constate clinicamente a embriaguez. É preciso, porque assim está na lei, que se comprove o grau de alcoolemia mínimo", relata uma outra decisão, do TJ-DF. Prova contra si E por que os motoristas não são punidos por se recusar a passar pelo teste do bafômetro ou a tirar sangue? "Ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. É o principio da autoincriminação, consagrado pelo STF [Supremo Tribunal Federal]. Ninguém pode ser compelido, portanto, a se submeter a qualquer um dos testes existentes para informar o nível de alcoolemia", entenderam os desembargadores do Paraná. O levantamento foi preparado pelo advogado Aldo de Campos Costa, doutorando pela Universidade de Barcelona - para onde os dados foram enviados na semana passada. Ele foi realizado na segunda instância de todos os tribunais de Justiça do país entre os meses de junho de 2008 e maio de 2009. Foram encontradas 159 decisões em tribunais de todas as regiões do país - em 97% houve entendimento unânime. A pesquisa se refere à infração penal, e não a punições administrativas que são aplicadas pela autoridade de trânsito. A lei seca prevê pena de seis meses a três anos de detenção (ao motorista flagrado a partir de 6 dg/l de álcool no sangue), além de multa de R$ 955 e suspensão do direito de dirigir por um ano (nesse caso, inclusive para quem tiver de 2 dg/l a 5,99 dg/l de álcool no sangue). Extraído do site www.editoramagister.com http://www.editoramagister.com/noticia_imprimir.php?id=38992, 08/09/2009.