A TUTELA DAS ÁGUAS DO MAR E A PRESERVAÇÃO DAS ZONAS
COSTEIRAS: UMA ANÁLISE PAUTADA NA PROTEÇÃO DOS RECURSOS
HÍDRICOS
Alex Junior Tosin1
Jonas de Moura Radin2
Lincoln Marcos de Jesus3
Sadir Dalmolin Júnior4
RESUMO
A Constituição Federal brasileira de 1988, atenta a uma gama de valores antes não tutelados em nossa ordem
jurídica – sobretudo os direitos difusos e coletivos -, assegurou em seu art. 225 o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. A Zona
Costeira, área de riquíssimos recursos naturais, culturais, históricos etc., representa uma área de interface entre o
mar e a terra, local em que está situada grande parte da população brasileira, responsável por aproximadamente
70% do produto interno bruto do país. Trata-se de área sob permanente estresse ambiental, seja em razão da
ocupação irregular do solo nos litorais, da grande quantidade de resíduos sólidos despejados nas águas marinhas,
do dejeto dos esgotos nas praias etc. Tendo em vista o tratamento negligente que tem recebido a zona costeira
brasileira, discutir-se-á neste trabalho os instrumentos normativos brasileiros destinados à tutela das águas
marinhas e qual a sua relação com a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/97), bem como
algumas das medidas ou instrumentos adotados em prol da sua preservação. Para tanto, a metodologia adotada
foi a pesquisa bibliográfica, sobretudo à legislação brasileira e a alguns dados da Comissão Interministerial para
os Recursos do Mar, de modo a identificar como se dá a gestão da zona costeira brasileira nos dias atuais. Com
efeito, embora inaplicável a Lei 9.433/97 ás águas marinhas, verifica-se hoje uma gestão coordenada das
diversas esferas federativas em prol da zona costeira.
Palavras-Chave: Meio Ambiente – Zona Costeira – Água Marinha – Recursos Hídricos – Preservação
RESUMEN
La Constitución Federal Brasileña de 1988, atento a un rango de valores previamente protegido en nuestro
ordenamiento jurídico – especialmente difuso y colectivo derechos-, asegurada en su arte. 225 ley del medio
ambiente ecológicamente equilibrado, así como de uso común y esencial para la calidad de vida saludable. La
zona costera, zona de abundantes recursos naturales, cultural, histórico, etc., representa un área de interfaz entre
el mar y la tierra, donde se encuentra gran parte de la población brasileña, responsable de aproximadamente el
70% del producto interno bruto del país. Es un área bajo constante estrés ambiental, ya sea debido a la ocupación
irregular del suelo en las costas, la gran cantidad de residuos sólidos vertidos en las aguas marinas, desechos de
aguas residuales en las playas etc.. Con miras al trato negligente que ha recibido la costa brasileña, discutirán en
este artículo los brasileños instrumentos normativos para la protección de las aguas marinas y de lo que aprobó
su relación con los recursos hídricos nacionales política (Ley Nº 9.433/97), así como algunas de las medidas o
1
Acadêmico do X Termo do Curso de Direito pela AJES – Faculdades de Ciências Contábeis e Administração
do Vale do Juruena. E-mail para contato: [email protected]
2
Acadêmico do X Termo do Curso de Direito pela AJES – Faculdades de Ciências Contábeis e Administração
do Vale do Juruena. E-mail para contato: [email protected]
3
Acadêmico do X Termo do Curso de Direito pela AJES – Faculdades de Ciências Contábeis e Administração
do Vale do Juruena. E-mail para contato:
4
Acadêmico do X Termo do Curso de Direito pela AJES – Faculdades de Ciências Contábeis e Administração
do Vale do Juruena. E-mail para contato: [email protected]
2
instrumentos a favor de su preservación. Con este fin, la metodología adoptada fue la investigación bibliográfica,
especialmente en la legislación brasileña y la Comisión Interministerial para alguna información de los recursos
del mar, con el fin de identificar cómo el brasileño costero zona de gestión en la actualidad. De hecho, aunque
inaplicable a aguas marinas 9.433/97 ley ACE, hoy hay una gestión coordinada de las distintas esferas en los
intereses de los Estados ribereños.
Palabras-Clave: Medio ambiente - La Zona Costera - Agua Marina - Los Recursos Hídricos - La Conservación
Del Agua
SUMÁRIO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS; 2. ZONA COSTEIRA: DEFINIÇÃO E ASPECTOS JURÍDRICOS; 3.
REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL; 4. PLANO NACIONAL DE
GERENCIAMENTO COSTEIRO E A TUTELA DAS ÁGUAS MARINHAS NA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA; 5. A POLUIÇÃO DA ZONA COSTEIRA E O DESCASO COM AS ÁGUAS SALGADAS;
CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS
1.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O mar sempre representou distinto recurso natural para os povos que habitaram e
habitam o planeta terra. Há milhares de anos (ou milhões, caso sejam considerados os
parentes ancestrais do homem), o mar tem sido fonte de alimentos e mistérios, representando
um universo pouco explorado até pouco tempo atrás. Aliás, mesmo hoje, com as modernas
tecnologias e vasto conhecimento do homem sobre a vida marítima, o mar continua sendo
praticamente um desconhecido para o homem, dada a sua vastidão em nosso planeta e as
condições adversas abaixo de certas profundidades.
Com o surgimento das diferentes técnicas de navegação criadas pelo homem, o mar
passou a ser utilizado como via de transporte, permitindo que novos lugares fossem
descobertos e colonizados, o que mudou definitivamente a relação do homem com este
recurso natural inesgotável.
Com a evolução da tecnologia, e ciente da potencialidade deste recurso natural
intercontinental, o homem estreitou a sua relação com o mar e aprimorou a marinha e demais
tecnologias a fim de explorar tais recursos, de modo que o solo e o subsolo marinhos
passaram a ser encarados como fonte de recursos minerais, e não só como meio de subsídio
(por meio da pesca, p.ex.) ou de passagem, circunstância que tem culminado nas mais
diversas maneiras de poluição das águas marinhas.
De outro lado, também devem ser considerados os outros usos deste recurso natural,
sobretudo em nosso país, decorrentes do lazer e turismo nas cidades litorâneas, sem falar no
crescimento desenfreado desses locais desacompanhados de um bom plano de assentamento
urbano, fatores igualmente preocupantes no que tange à poluição deste recurso natural e dos
meios de vida que dele dependem.
3
Mais à frente serão discutidas essas maneiras predatórias de exploração do mar e
quais as suas consequências, diretas ou indiretas, para quem vive no continente. Por hora,
revela-se necessáriaa abordagem de alguns conceitos e dados relativos a este recurso
inesgotável, a fim de compreender a dimensão do problema e qual a importância de seu
estudo na política ambiental brasileira.
Como todos sabem, o Brasil é um país de dimensões continentais. Com 8.547.403,5
km2, está na quinta posição entre os países de maior superfície, atrás apenas da Rússia, da
China, do Canadá e dos Estados Unidos da América.5.
A despeito deste vasto território, a distribuição demográfica da população ainda hoje
carrega os traços da colonização portuguesa, concentrada ao longo da costa onde as terras
eram distribuídas pela coroa àqueles que tivessem interesse em habitar e explorar as riquezas
do novo território, o que acabou influenciando a formação de vilarejos e, posteriormente,
conglomerados urbanos.
A situação fica bem evidenciada quando se analisam os dados demográficos do país.
De acordo com Juaçaba Filho e Camillo,
De acordo com os últimos dados demográficos, cerca de 42 milhões de habitantes,
correspondendo a 25% da população brasileira, vivem em municípios litorâneos.
Essa massa populacional distribui-se ao longo da costa, perfazendo uma densidade
demográfica de 90 hab/km2, quase cinco vezes superior à média nacional, que
apresenta o valor de 19 hab/km2. Na verdade, 80% da população brasileira residem
a não mais de 200 km do mar, o que equivale a um efetivo de aproximadamente 135
milhões de habitantes, cuja forma de vida impacta diretamente os ambientes
litorâneos. Nesse contexto, cinco das nove regiões metropolitanas brasileiras
encontram-se à beira-mar, respondendo por cerca de 15% da população do País
(aproximadamente 26 milhões de pessoas). Quando se adicionam a essas os efetivos
das oito outras conurbações litorâneas mais expressivas, atinge-se quase o total de
36 milhões de habitantes, distribuídos em apenas treze aglomerações urbanas na
costa.6
Essas áreas de concentração populacional acima da média nacional, sobretudo nas
áreas litorâneas, têm se revelado um desafio ao Estado no combate à poluição dos recursos
naturais, notadamente no que tange a agua do mar, tendo em vista o modo como essas cidades
cresceram negligenciando a importância de serviços públicos de saneamento e disposição de
rejeitos, acreditando na capacidade assimilativa das águas marinhas.
Ainda hoje, em que pese a mudança de paradigma verificada com relação à
importância dos recursos naturais de nosso planeta, sobretudo no que tange aos recursos
5
Dados extraídos de SERAFIM, Carlos Frederico Simões (Coord.); BITTENCOURT, Armando de Senna
(Org.). História: A importância do mar na história do Brasil. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2006, pag. 174. Disponível em: <http://www.mar.mil.br/secirm/publicacao/historia.pdf>
Acessado em: 02.09.2013.
6
JUAÇABA FILHO, Geraldo Gondim; CAMILLO, Jorge de Souza. O uso racional do mar. In: SERAFIM,
Carlos Frederico Simões (Coord.); CHAVES, Paulo de Tarso (Org.). Geografia: O mar no espaço geográfico
brasileiro. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2005, pp. 27-62, pag. 37. Disponível
em: <http://www.mar.mil.br/secirm/publicacao/geografia.pdf> Acesso em: 02.09.2013.
4
hídricos7, não é incomum observar nas cidades litorâneas galerias de esgoto que desaguam
dentro do mar, algumas, inclusive, perto de onde ficam os banhistas nas praias.
O mesmo problemase verifica com relação às atividades de turismo e lazer nessas
áreas, cujas casas flutuantes (ou casas de temporadas) têm agravado igualmente a
situação:com todo o seu entorno já ocupado, as zonas costeiras recebem construções cada vez
mais próximas de seus frágeis ecossistemas(margens de lagoas, restingas, manguezais,
encostas de morros etc.), que acabam ficando comprometidas com a atividade humana
predatória.
Outro aspecto a ser considerado, ainda, é a poluição decorrente das atividades
industriais localizadas nas proximidades dos litorais, que introduzem nas águas marinhas toda
sorte de contaminantes, desde matéria orgânica e metais tóxicos até petróleo e derivados,
pesticidas etc., sem falar, ainda, nos acidentes ambientais verificados eventualmente nas águas
marinhas de nosso país.
Conforme prevê o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC II), logo em
sua introdução,
A Zona Costeira abriga um mosaico de ecossistemas de alta relevância ambiental,
cuja diversidade é marcada pela transição de ambientes terrestres e marinhos, com
interações que lhe conferem um caráter de fragilidade e que requerem, por isso,
atenção especial do poder público, conforme demonstra sua inserção na Constituição
brasileira como área de patrimônio nacional. 8
Essas interações a que se refere o PNGC, com efeito, são mais comuns do que se
pensa, sobretudo se considerado o fato de que mais da metade da população mundial vivia, já
em 1992, em um raio de sessenta quilômetros do litoral, conforme disposto no capítulo 17,
item 17.3 da Agenda 21, datada de 1992.
O Brasil, com aproximadamente 7.367 quilômetros de litoral9, abriga cerca de 80%
(oitenta por cento) de sua população em uma área de até duzentos quilômetros do litoral. As
atividades econômicas nessas áreas, conforme ressalta Mariana Passos de Freitas, “[...] são
responsáveis por cerca de 70% do produto interno bruto (PIB) nacional, principalmente
devido à existência de portos nos quais é realizada grande parte da atividade econômica
exportadora brasileira”.10
7
Considerada, atualmente, como uma das maiores preocupações no cenário internacional, a água tem sido
reconhecida em diversos instrumentos, de vários países, como um bem essencial à sadia qualidade de vida das
presentes e futuras gerações.
8
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/orla/_arquivos/pngc2.pdf> Acesso em: 02.09.2013.
9
Dados extraídos de FREITAS, Mariana Passos de. Zona Costeira e Meio Ambiente: Aspectos jurídicos.
Dissertação de Mestrado apresentada pela PUC-Paraná: Curitiba, 2004, pag. 16. Disponível em:
<http://189.114.223.236:8484/dspace/bitstream/123456789/259/1/FREITAS_Mariana_Almeida_Passos_de.pdf>
Acesso em: 02.09.2013.
10
Ibidem, pag. 17.
5
A problemática também é sintetizada por Gruber, Barboza e Nicolodi. Segundo os
autores:
A Zona Costeira (área de interface entre o ar, a terra e o mar) é uma das áreas sob
maior estresse ambiental, devido à excessiva exploração de seus recursos naturais e
o uso desordenado do solo. [...] Submetida a forte pressão por intensas e
diversificadas formas de uso do solo, a nível mundial, a Zona Costeira pode ser
considerada uma região de contrastes, constituindo-se num campo privilegiado e
mesmo num desafio para o exercício de diferentes estratégias de gestão ambiental.
Nessa região, coincidem processos acelerados de intensa urbanização, atividade
portuária e industrial relevantes.11
Por essas e outras razões, pode-se afirmar que as zonas costeiras representam áreas
de considerável estresse ambiental, circunstância que exige um tratamento diferenciado na
tutela de seus recursos naturais, inclusive a água marinha – em que pese a negligência de
atuação do Poder Público na sua tutela.
2.
ZONA COSTEIRA: DEFINIÇÃO E ASPECTOS JURÍDICOS
A definição de zona costeira varia de acordo com a abordagem que se tenha sobre o
tema. No Brasil, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), instituída pelo
Decreto nº 74.557/74 e atualmente disciplinada no Decreto nº 3.939/2001, cuja finalidade é
coordenar os assuntos relativos à consecução da Política Nacional para os Recursos do Mar
(PNRM), define zona costeira em sua Resolução 01/90, subitem 3.2, como
A área de abrangência dos efeitos naturais resultantes das interações terra-mar-ar,
leva em conta a paisagem físico-ambiental, em função dos acidentes topográficos
situados ao longo do litoral, como ilhas, estuários e baías, comporta em sua
integridade os processos e interações características das unidades ecossistêmicas. 12
A Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar (UNCLOS), por sua vez,
definiu Zona Costeira como “aquela onde ocorre interação entre a terra e o mar, na qual a
ecologia terrestre e o uso afetam diretamente o espaço oceânico e vice-versa”13.
Atualmente, a delimitação da Zona Costeira brasileira é fornecida pelo Plano
Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC II)14, que delimita o âmbito de atuação do
11
GRUBER, N. L. S; BARBOZA, E.G; NOCOLODI, J.L. Geografia dos Sistemas Costeiros e
Oceanográficos: Subsídios para Gestão Integrada da Zona Costeira. Pag. 82. Disponível em:
<http://repositorio.furg.br:8080/jspui/bitstream/1/3450/1/Geografia%20dos%20sistemas%20costeiros%20e%20o
ceonogr%C3%A1ficos%20Subs%C3%ADdios%20para%20Gest%C3%A3o%20Integrada%20da%20Zona%20
Costeira.pdf> Acesso em: 02.09.2013.
12
Disponível em FREITAS, Mariana Passos de. Zona Costeira e Meio Ambiente: Aspectos jurídicos.
Dissertação de Mestrado apresentada pela PUC-Paraná: Curitiba, 2004, pag. 15. Disponível em:
<http://189.114.223.236:8484/dspace/bitstream/123456789/259/1/FREITAS_Mariana_Almeida_Passos_de.pdf>
Acesso em: 02.09.2013.
13
Ibidem, pag. 15.
14
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/orla/_arquivos/pngc2.pdf> Acesso em: 02.09.2013.
6
PNGC, os princípios aplicáveis na tutela das zonas costeiras, bem como os seus respectivos
instrumentos etc. Vale a pena conferir o que dispõe o item 3.1 e seus subitens, in fine:
3.1. Zona Costeira - é o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra,
incluindo seus recursos ambientais, abrangendo as seguintes faixas:
3.1.1. Faixa Marítima - é a faixa que se estende mar afora distando 12 milhas
marítimas das Linhas de Base estabelecidas de acordo com a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, compreendendo a totalidade do Mar Territorial.
3.1.2. Faixa Terrestre - é a faixa do continente formada pelos municípios que sofrem
influência direta dos fenômenos ocorrentes na Zona Costeira, a saber:
a) os municípios defrontantes com o mar, assim considerados em listagem desta
classe, estabelecida pelo Instituto Brasileiros de Geografia Estatística (IBGE);
b) os municípios não defrontantes com o mar que se localizem nas regiões
metropolitanas litorâneas;
c) os municípios contíguos às grandes cidades e às capitais estaduais litorâneas, que
apresentem processo de conurbação;
d) os municípios próximos ao litoral, até 50 km da linha de costa, que aloquem, em
seu território, atividades ou infra-estruturas de grande impacto ambiental sobre a
Zona Costeira, ou ecossistemas costeiros de alta relevância;
e) os municípios estuarinos-lagunares, mesmo que não diretamente defrontantes com
o mar, dada a relevância destes ambientes para a dinâmica marítimo-litorânea; e
f) os municípios que, mesmo não defrontantes com o mar, tenham todos seus limites
estabelecidos com os municípios referidos nas alíneas anteriores.
De um modo simplista, pode-se afirmar que a Zona Costeira corresponde aos
ecossistemas, terrestres e marinhos, que se estendem ao longo da costa marinha, ou seja, ao
longo das bordas do mar. É o espaço em que mar e terra se encontram, influenciando-se
mutuamente.
Conforme se infere da passagem do Plano de Gerenciamento Costeiro colacionado
acima, são considerados municípios pertencentes à zona costeira tanto aqueles ligados
diretamente ao mar, assim como aqueles que estejam ligados a este apenas indiretamente, a
exemplo de cidades contíguas às cidades litorâneas e que abrigam rico ecossistema costeiro.
Como fica claro da abrangência de seu conceito, as zonas costeiras possuem
inúmeros recursos naturais que devem ser efetivamente tutelados pelo Estado, a depender das
características do local em que seja analisada.
No entanto, algo que se observa com certa frequência quando se fala de tutela das
áreas situadas em zonas costeiras, é a timidez com que são defendidas as águas marinhas.
Quando se fala em doutrina sobre tutela dos recursos hídricos, enquanto recurso
natural utilizável pelo homem e para atividades econômicas, a preocupação da doutrina de
uma maneira geral é voltada à proteção dos corpos de água doce, tais como rios, lagos e
reservatórios subterrâneos.
Talvez pela sua grande quantidade na natureza - tida como fator de inesgotabilidade , ou então pelo alto custo do processo de dessalinização, as águas marinhas não são tratadas
pela doutrina como um bem ambiental isoladamente considerado. Vige, ainda, usualmente, a
7
noção de que as águas que merecem tutela do legislador são aquelas destinadas ao consumo e
à produção de energia etc.
Conforme preconiza Silva, ao abordar as razões do Código de Águas de 1934 não ter
disciplinado o regime do mar territorial,
Isso se deve ao fato de se considerar remota a utilização de água do mar para
consumo humano, irrigação ou, ainda, para uso industrial. O alvo de preocupação do
legislador sempre foi com o uso da água para consumo humano, para irrigação e
geração de energia hidrelétrica, não necessariamente nessa ordem de prioridade. 15
Com o passar do tempo, no entanto, vários países do globo terrestre abandonaram os
paradigmas predatórios que tinham com relação ao meio ambiente, convencidos, agora, de
que o avanço econômico não deve se dar a qualquer custo, uma vez que a natureza e seus
recursos naturais são essenciais para a sadia qualidade de vida de todos.
No Brasil, a preocupação com o mar - notadamente com a Zona Costeira - teve início
a partir da década de 1970, com a composição da Comissão Interministerial para os Recursos
do Mar (CIRM), criada com o objetivo de implementar programas de reconhecimento da
costa e plataforma continental brasileira, coordenar a elaboração de planos e programas
comuns e setoriais, sugerir as destinações de recursos financeiros para incrementar o
desenvolvimento de atividades relacionadas com o mar etc.
Iniciada em 1973 e concluída em 1982, a 3ª Conferência das Nações Unidas para o
Direito do Mar resultou na elaboração da “Convenção da ONU sobre direito do mar”, com
117 países subscritores, inclusive o Brasil. Essa convenção delimita diversos aspectos
marinhos e sobre a jurisdição do Estados nesses aspectos, introduz no plano internacional o
conceito de zona econômica exclusiva, dispõe sobre o direito de passagem inocente etc.
No cenário nacional, com a edição da Lei 8.617/93, o legislador brasileiro trouxe
para a legislação interna os novos conceitos adotados pela Convenção da ONU sobre o direito
do mar, uniformizando o tratamento das águas marinhas e das suas zonas costeiras.
Assim, definiu-se como Mar Territorial “uma faixa de doze milhas marítimas de
largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como
indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil” (art. 2º,
Lei 8.617/93), área sobre a qual o Estado Costeiro exerce soberania ou controle pleno sobre a
massa líquida e o seu respectivo espaço aéreo, assim como sobre o leito e o subsolo desse
mar.
Nas Zonas Contíguas, definidas no art. 4º do mesmo diploma como “uma faixa que
se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base
que servem para medir a largura do mar territorial”, o Brasil poderá tomar as medidas de
15
SILVA, Fernando Quadros da. Tutela das águas do mar. In: FREITAS, Vladmir Passos de. (Coord.). Águas:
Aspectos jurídicos e ambientais. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2002, pp. 167-197, pag. 170.
8
fiscalização necessária para evitar eventuais infrações às leis ou regulamentos aduaneiros,
fiscais, de imigração ou sanitários.
Por fim, introduziu-se no cenário internacional a definição de uma Zona Econômica
Exclusiva (ZEE), atribuindo-se ao Estado costeiro o direito exclusivo de exploração dos
recursos marinhos nessa área, visando, com isso, conciliar as pretensões dos diversos países
do mundo que se utilizam das águas oceânicas para os fins mais variados, protegendo-se os
países costeiros das ações dos demais países. Esse modelo, conforme preconiza Maria Helena
F. S. Rolim, “representa uma ruptura com o dogma tradicional de soberania, emergindo o
conceito de direito de soberania”16, uma vez que os países se comprometem a respeitas as
ZEE dos demais.
Na ZEE, conforme define o art. 7º da Lei 8.617/93, o Brasil tem direitos de soberania
para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos
ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que
se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins
econômicos.
Essas áreas podem ser ilustradas da seguinte forma:
Fonte: Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM)
A mesma regra se aplica às atividades científicas marinhas, de preservação e
proteção do meio marinho, consoante disciplina o art. 8º do mesmo diploma normativo. Como
se vê, a responsabilidade do país costeiro no âmbito de sua ZEE não se limita ao
aproveitamento econômico dos recursos marinhos, o que impõe ao Estado costeiro o dever de
preservar tais recursos no seu âmbito interno, considerando, para isso, a utilização dos seus
melhores dados científicos de que disponha.
Assim, por exemplo, conforme dados do Ministério da Educação,
16
ROLIM, Maria Helena Fonseca de Souza. A Tutela jurídica dos recursos vivos do mar, pag. 49, apud SILVA,
LIVROOOO, pag. 177.
9
O programa do governo brasileiro denominado Avaliação do Potencial Sustentável
de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee), coordenado pela
Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), identificou os recursos
vivos e estabeleceu o potencial de sua captura na ZEE brasileira. 17
Várias outras medidas da lavra da Comissão Interministerial para os recursos do mar
podem ser identificadas em uma breve pesquisa aos seus arquivos, disponíveis em seu site na
rede mundial de computadores. Porém, o que se nota, e neste ponto reside a crítica que ora se
faz neste trabalho, a proteção dos recursos hídricos marinhos não raras vezes é tratada de
maneira secundária, como forma de proteger os seus respectivos ecossistemas, o que se dá,
em grande parte, próximo às zonas costeiras e locais mais habitados.
3.
REGIME JURÍDICO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL
A tutela das águas no Brasil, assim como em vários outros países do mundo, foi
tratada por muito tempo sob a ótica do direito de vizinhança ou do seu aproveitamento para
geração de energia elétrica. Tratava-se a questão, pois, sob a ótica do direito privado, refutado
o seu valor individualmente considerado.
Esse paradigma privatista e utilitarista dos recursos hídricos, refletido em nossas
legislações passadas, está bem sintetizada nas lições de Maria Luiza Machado Granziera, para
quem “o Código de Águas dispõe sobre sua classificação e utilização, dando bastante ênfase
ao aproveitamento do potencial hidráulico que, na década de 30, representava uma
condicionante do progresso industrial que o Brasil buscava”.18
Com a implementação da nova ordem constitucional em 1988, alterou-se essa visão
utilitarista que se tinha sobre os recursos hídricos, que passaram a ser reconhecidos como bens
dignos de tutela constitucional, determinando-se aos entes públicos que assegurem a sua
conservação.
Nesse quadro de mudanças, elaborou-se a Lei nº 9.433/97, conhecida como Lei dos
Recursos Hídricos, que reafirma a dominialidade pública sobre as águas, bem como
reconhece o seu caráter econômico e prioritário para a vida humana, sujeitando o seu uso por
particulares à respectiva outorga por parte do Poder Público, que deve gerir os aspectos
qualitativos e quantitativos das respectivas bacias hidrográficas de água de onde se capta a
água.
Alargando a regulamentação da tutela sobre as águas, o congresso editou a Lei nº
9.984/2000 dispondo sobre a criação da Agencia Nacional de Águas – ANA, autarquia
17
SERAFIM, Carlos Frederico Simões (Coord.); BITTENCOURT, Armando de Senna (Org.). História: A
importância do mar na história do Brasil. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006,
pag. 178. Disponível em: <http://www.mar.mil.br/secirm/publicacao/historia.pdf> Acessado em: 02.09.2013.
18
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito de Águas e Meio Ambiente. São Paulo: Ícone, 1993, pag. 48,
apud FREITAS, Fernando Quadros da. Tutela das águas do mar. In: FREITAS, Vladmir Passos de. (Coord.).
Águas: Aspectos jurídicos e ambientais. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2002, pp. 167-197, pag. 20.
10
vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e responsável por implementar a Política Nacional
de Recursos Hídricos no âmbito da esfera federal, cabendo-lhe supervisionar e avaliar as
ações e atividades decorrentes da aplicação da legislação pertinentes aos recursos hídricos,
outorgar autorização de direito de uso de água etc.
Com a aplicação integrada desses diplomas legais, a lei torna obrigatória a concessão
de outorga para utilização da água para os mais diversos usos, desde a extração de água para a
utilização doméstica (inclusive para o abastecimento público) até para o lançamento de
esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos nos corpos d’água. Com isso, a legislação em
análise veio a reforçar a impossibilidade de apropriação da água de maneira irresponsável e
desmedida, deixando claro que o particular não detém mais a sua propriedade, mas tão
somente o direito de usá-la dentro dos parâmetros legais.
Dentre outras medidas adotadas pelas leis comentadas acima, institui-se a cobrança
pelo uso da água, paralelamente à cobrança do serviço de sua captação e fornecimento, como
é feito hoje na maioria das cidades brasileiras; determinou-se o enquadramento dos corpos
d’água por classes, de acordo com os seus usos preponderantes, visando, assim, assegurar o
acesso da água a todos e em um custo acessível; dividiram-se as regiões hidrográficas por
bacias, descentralizando a gestão dos recursos hídricos etc.
No Conselho Nacional de Recursos Hídricos, nos Conselhos estaduais e nos comitês
de bacia hidrográfica, ou seja, nos mais variados âmbitos de atuação dos órgãos gestores de
nossos recursos hídricos, tem-se assegurada a participação de representantes do governo, dos
usuários e das entidades civis do setor, garantindo-se, assim, uma gestão mais democrática
deste recurso de tamanha importância para a vida humana e para o desenvolvimento
econômico.
Como se vê, a tutela dos recursos hídricos em nosso país evoluiu muito nas últimas
três décadas, implementando-se nesse tempo diversos instrumentos voltados à proteção deste
recurso natural. Várias cidades, hoje, inclusive cidades interioranas, têm se utilizado e
introduzido em suas leis e regulamentos esses instrumentos de tutela das águas, fato que, sem
dúvidas, colabora com a conservação e utilização consciente deste recurso.
No entanto, vale dizer, toda essa proteção referida acima, contida na expressão
“recursos hídricos” - tal como se verifica nos diplomas legais apontados acima -, é menos
abrangente do que a própria expressão determina. Isso porque, conforme afirmado alhures,
quando se fala emproteção de recursos hídricos em doutrina a preocupação logo se volta à
proteção dos corpos de água doce, tais como rios, lagos e reservatórios subterrâneos.
A título de ilustração, veja-se que logo no art. 1º da Lei 9.433/97, onde são
identificados os fundamentos da política nacional de gerenciamento dos recursos
hídricos,parece não haver compatibilidade entre as suas diretrizes ea natureza das águas
marinhas.
11
Com efeito, referido diploma legal estabelece entre seus fundamentos a
esgotabilidadedos recursos hídricos, o enquadramento dos corpos d’água em diferentes
classes de uso, a sua gestão descentralizada em forma de bacias hidrográficas etc.,
fundamentos que, embora perfeitamente compatíveis com a gestão das águas doces, não se
ajustam com a natureza das águas marinhas.
Da mesma forma, o mesmo dispositivo determina a prioridade de utilização desse
recurso, em situação de escassez, ao consumo humano e a dessedentação dos animais,
circunstância que, novamente, demonstra a finalidade precípua de elaboração desta política de
proteção dos recursos hídricos.
Nesse sentido, vale conferir as lições de Silva,in verbis:
Com exceção do inc. I, do art. 1º, que poderia ser aplicável à agua do mar, os demais
incisos não parecem estar tratando da [sic] águas marinhas.
Embora a esgotabilidade dos recursos naturais seja fator incontestável, é de se supor
que não se pode falar propriamente em água do mar como recurso limitado. Tal
característica é aplicada usualmente à água doce. A diretriz básica para gestão em
situações de escassez se refere à água doce, pois a água do mar, no seu estado
natural não poderia estar incluída nesse critério. Da mesma forma a exigência de
gestão integrada para proporcionar uso múltiplo, parece dirigida ao gerenciamento
das águas dos rios.
[...]
A referência à bacia hidrográfica, parece afastar de vez a gestão das águas do mar.
Como se observa, a mencionada lei é fundamentalmente uma legislação que elege a
bacia hidrográfica, como unidade primordial de gestão dos recursos hídricos.
[...]
Trata-se de terminologia incompatível com a água do mar. Fica claro que o
legislador estava tratando dos recursos hídricos como sinônimos de águas dos rios,
lagos e depósitos subterrâneos encontrados no interior do território do país.19
Como se vê, os diplomas legais que tratam da Política Nacional de Gerenciamento
dos Recursos Hídricos possuem sua atenção toda voltadaà gestão das águas doces, o que
demonstra a opção do legislador brasileiro em separar esses dois regimes de gestão das águas.
Não há que se olvidar, é verdade, que ambos os recursos hídricos - agua doce e água
salgada – possuem características completamente diversas, assim como a sua disponibilidade,
acesso e finalidade de utilização ao homem, o que justifica o tratamento diferenciado
atribuído a uma e à outra.
Trata-se, portanto, de opção legislativa. Em outros países, a exemplo da Alemanha, a
“’Lei sobre gestão dos recursos de água’ (WHG – Wasserhaushahtsgesetz) faz referência
genérica ao ‘meio aquático’, evitando, com isso, que esse ou aquele corpo de água seja
excluído da proteção da lei [...]”.20
19
SILVA, Fernando Quadros da. Tutela das águas do mar. In: FREITAS, Vladmir Passos de. (Coord.). Águas:
Aspectos jurídicos e ambientais. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2002, pp. 167-197, pag. 184.
20
Ibidem, pag. 185.
12
A despeito desta ausência de regulamentação das águas marinhas nas leis que
tutelam os “recursos hídricos”, o importante é que haja a tutela destas águas no âmbito
nacional, o que de fato tem se verificado com a implementação da Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei 6.938/81) e da Política Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei 7.661/88).
4.
PLANO NACIONAL DE GERENCIAMENTO COSTEIRO E A TUTELA DAS
ÁGUAS MARINHAS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, §4º, define a zona costeira como
''patrimônio nacional“ e determina que “sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos
recursos naturais”.
A sua regulamentação no âmbito infraconstitucional se deu a partir da Lei 7.661/88,
que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, editada antes mesmo da Lei voltada
à Política Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, Lei 9.433/97.
Esta lei, por sua vez, definiu que o detalhamento da política de gerenciamento da
zona costeira seria estabelecido em documento específico no âmbito da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), conforme se infere de seu art. 4º, visando
orientar a utilização racional dos recursos na zona costeira e contribuir para a proteção do
patrimônio natural, histórico, étnico e cultural destas áreas.
A primeira versão do PNGC foi apresentada pela CIRM em novembro de 1990,
tendo sua publicação verificada na forma da Resolução CIRM nº 001/90, fazendo parte
integrante da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei nº 6.93881, e
da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM). A segunda versão do PNGC, vigente
hoje, fora publicada pela Resolução nº 005/97 da CIRM, introduzindo no âmbito da política
de gerenciamento costeiro uma atuação mais efetiva do poder executivo federal.
Conforme os estudos realizados pelo Grupo de Integração do Gerenciamento
Costeiro – GI- GERCO-, realizados no âmbito do Plano de Ação Federal da Zona Costeira do
Brasil,
O campo de atuação do PNGC é bastante amplo, extrapolando em muito uma
preocupação estritamente de preservação ambiental, como pode ser visto no Artigo
5º da Lei 7.661/88. O PNGC contempla, entre outros, os seguintes aspectos:
urbanização, ocupação e uso do solo, do subsolo e das águas; parcelamento e
remembramento do solo; sistema viário e de transporte; sistema de produção,
transmissão e distribuição de energia; habitação e saneamento básico; turismo,
recreação e lazer; pesca e aqüicultura; patrimônio natural, histórico, étnico, cultural
e paisagístico.21
21
COMISSÃO INTERMINISTERIAL PARA OS RECURSOS DO MAR. GRUPO DE INTEGRAÇÂO DO
GERENCIAMENTO COSTEIRO. Ação Federal da Zona Costeira. Brasília, 2005, pag. 3.. Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/estruturas/sqa/_arquivos/pafzc_out2005.pdf> Acesso em: 03.09.2013.
13
Esses aspectos apontados pelo GI-GERCO estão arrolados entre os objetivos do
PNGC II, contido na Resolução 005/97 da CIRM, que abordou a proteção da zona costeira
sob as mais diversas óticas de seus recursos naturais, históricos, étnicos e culturais.
Como visto anteriormente, a zona costeira brasileira se estende por aproximadamente
7.367 quilômetros de extensão, onde são encontrados ecossistemas contíguos das mais
variadas espécies22. Da mesma forma, cerca de 80% (oitenta por cento) da população
brasileira reside em uma área de até duzentos quilômetros do litoral, com as mais diversas
culturas, tradições e etnias conhecidas, não outra a razão de nosso país ser conhecido como
uma terra de todas as gentes. De outro lado, sob a perspectiva econômica, as atividades
concentradas nessas áreas são responsáveis por cerca de 70% do produto interno bruto (PIB)
nacional, principalmente devido à existência de portos nos quais é realizada grande parte da
atividade econômica exportadora brasileira.
A faixa costeira concentra 13 das 27 capitais brasileiras, um indicador do alto nível de pressão a
que seus recursos naturais estão submetidos.
Fonte:http://www.mma.gov.br/estruturas/205/_publicacao/205_publicacao27072011042233.pdf)
22
Segundo Mariana Freitas, “[...] o ecossistema litorâneo é todo especial. Nele se encontra uma variedade de
habitats e ecossistemas, como restingas, costões, manguezais, ilhas, dunas, praias arenosas, dentre outros, nos
quais estão abrigadas inúmeras espécies da flora e da fauna brasileira. Explorando o presente assunto e
ressalvando a sua importância, Cintia Maria Afonso pondera que ‘esses ecossistemas desempenham papel
fundamental na manutenção da qualidade de vida: são estabilizadores climáticos e hidrográficos e protetores do
solo (é indiscutível seu valor para evitar assoreamento de rios, bem como controlar inundações), além de serem
supridores de matéria-prima para consumo humano’” (FREITAS, Mariana Passos de. Zona Costeira e Meio
Ambiente: Aspectos jurídicos. Dissertação de Mestrado apresentada pela PUC-Paraná: Curitiba, 2004, pag. 18.
Disponível
em:
<http://189.114.223.236:8484/dspace/bitstream/123456789/259/1/FREITAS_Mariana_Almeida_Passos_de.pdf>
Acesso em: 02.09.2013.
14
Tais circunstâncias, com efeito, demonstram a riqueza destas áreas sob os mais
variados aspectos, bem como a sua fragilidade em face da atividade humana, o que demanda a
atuação do ente público na preservação destes variados valores.
Vários fatores hoje, contribuem para uma indevida utilização das áreas de zonas
costeiras. A deficiência do Poder Público em implementar projetos eficazes de assentamento
urbano; a forma com que trata os rejeitos da população, despejando-os no mar de maneira
desordenada; a emissão de poluentes nas águas marinhas por parte das grandes indústrias etc.
Portanto, um gerenciamento costeiro eficaz é necessário para prevenir um tratamento
predatório dos recursos naturais costeiros, assegurando-se, assim, a preservação destes
recursos para as atuais e futuras gerações. Urge salientar, no entanto, que não é o propósito
deste trabalho abordar a proteção de todos esses valores e recursos presentes na zona costeira,
haja vista a sua notável variedade.
Destarte, limitar-nos-emos à tutela da água marinha nas zonas costeiras, considerada
enquanto bem ambiental cujo papel para a vida humana futura não pode ser subestimada pelas
atuais gerações. No entanto, dadas as suas características, fácil é de observar que o estudo das
águas marinhas está indissociavelmente ligado à tutela de seus recursos.
Uma vez que a água marinha não fora disciplinada pela Lei 9.433/97, que trata da
proteção dos recursos hídricos e dos seus respectivos instrumentos de tutela, cabe-nos
questionar acerca dos instrumentos legais destinados a sua proteção.
O primeiro diploma a tratar da proteção do meio marinho em nosso país de maneira
substancial e que merece destaque foi a Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio
Ambiente – PNMA. Embora esta lei não trate especificamente sobre a proteção das zonas
costeiras e dos recursos marinhos, dispondo sobre a proteção do meio ambiente e seus
recursos naturais de maneira genérica e o mais abrangente possível, não se olvida de sua
importância na proteção destas áreas e seus recursos.
Dentre os objetivos da PNMA, por exemplo, estabelecidos em seu art. 2º, estão
arrolados a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, bem como a preservação e restauração
dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente,
concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida. Como se vê, trata-se
de objetivos perfeitamente compatíveis com a natureza das zonas costeiras, dada a sua
influência na vida marinha, seja no que tange à proteção dos ecossistemas dessas áreas ou,
ainda, no que tange à proteção da vida animal dependente destes ecossistemas.
Dentre as inovações da PNMA, vale destacar a criação do SISNAMA (Sistema
Nacional do Meio Ambiente), composto por órgãos e entidades da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo
Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental. O SISNAMA,
estruturado por diversões órgãos internos, possui como órgão deliberador e consultivo o
15
Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, cuja atribuição consiste em assessorar,
estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio
ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e
padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida.
Como não poderia ser diferente, as zonas costeiras de nosso país e os seus
respectivos recursos naturais, dentre eles a própria água marinha, estão enquadradas no
âmbito de atuação da PNMA, do SISNAMA e, principalmente, do CONAMA, órgão
responsável por deliberar a respeito dos padrões compatíveis com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, fator que deve ser interpretado paralelamente às demais
determinações legais que regulamentam a tutela dos recursos marinhos.
A título de ilustração, ressalta-se a atuação do Ministério do Meio Ambiente na
execução do Plano de Gerenciamento Costeiro – GERCO, executado no âmbito da PNMA.
Conforme preconiza levantamento do Ministério do Meio Ambiente,
Por meio do Gerco, o Ministério destinou recursos financeiros e apoio técnico para
que os Estados e Municípios costeiros estruturassem seus órgãos ambientais de
forma que pudessem aplicar os instrumentos de gestão da Zona Costeira previstos no
PNGC, tais como planos de gestão, zoneamento ecológico-econômico da orla
marítima – a faixa imediata de interação terra-mar, contida na Zona Costeira, que
concentra ecossistemas frágeis e crescentes demandas de usos e ocupação, o que
resulta em conflitos sociais, econômicos e ambientais – e definiu os limites da Zona
Costeira.
[...]
Além do Gerco, o PNMA apoiou as ações do Projeto Orla, criado em 2000 com o
objetivo de fortalecer o poder público municipal a aplicar os instrumentos previstos
no PNGC para enfrentar problemas sociais, econômicos e ambientais existentes nas
áreas de patrimônio da União localizadas na orla marítima. O Projeto, executado
conjuntamente pelo Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, apoiou a capacitação de equipes para uma atuação no âmbito
local capaz de produzir diagnósticos sobre a situação do ambiente da orla municipal
e, em seguida, elaborar planos de gestão integrada destinados a enfrentar os
problemas identificados.23
Já no âmbito da Lei 7.661/88, que disciplina o PNGC, dispõe o seu art. 5º que a
Política Nacional de Gerenciamento Costeiro deverá considerar na elaboração de suas
políticas, dentre outros aspectos, a qualidade da água marinha. Ademais, conforme se infere
do art. 6º do mesmo diploma, o legislador ocupou-se de limitar e coordenar as atividades das
unidades da federação, disciplinando a exigência de licenciamento ambiental para a instalação
e operação de atividades na zona costeira.
23
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Gerência de Biodiversidade Aquática e Recursos Pesqueiros.
Panorama da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos no Brasil. Brasília: MMA/SBF/GBA,
2010,
pag.
32-33,
Disponível
em:
<http://www.mma.gov.br/estruturas/205/_publicacao/205_publicacao27072011042233.pdf>
Acesso
em:
03.09.2013.
16
Segundo esse dispositivo,
Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção,
instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das
características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta
Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as
diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.
§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento
previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem
prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.
§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela
atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do
respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na
forma da lei”.
Trata-se de medida que visa a adequada ordenação da expansão urbana nas cidades
litorâneas, tendo em vista a grande migração da população das cidades interioranas para os
litorais, sobretudo em razão das casas não habitadas destinadas ao turismo, da indústria
hoteleira (que impele drásticas alterações no habitat costeiro) etc.
Outra medida adotada em nosso ordenamento jurídico, como visto acima, em
consonância com o firmado na Convenção Internacional da ONU sobre o Direito do Mar, é a
definição da soberania brasileira sobre a sua respectiva Zona Econômica Exclusiva (ZEE)
para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos
ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que
se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins
econômicos (art. 7º da Lei 8.617/93).
A partir desta definição, realizaram-se vários programas de proteção e conservação
dos recursos marinhos e seus ecossistemas, dentre eles o programa REVIZE, citado acima,
que segundo dados da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar,
[...] se dedicou a inventariar os potenciais sustentáveis de captura dos recursos vivos
existentes nos cerca de 3,5 milhões de km2 da zona econômica exclusiva do Brasil.
O interesse central dos levantamentos realizados pelo Programa foi, a partir dos
potenciais verificados, estabelecer limites para a atividade pesqueira, “de modo a
não comprometer o equilíbrio dos sistemas complexos que garantem a sua
viabilidade ecológica e econômica”. Entretanto, trouxe também novos dados e
conhecimentos sobre climatologia, fenômenos metereológicos, morfologia de fundo
e cobertura sedimentar, hidrologia, plâncton, bentos e nécton, identificando,
inclusive, novas espécies marinhas. Os conhecimentos gerados estão sendo
apropriados por programas e projetos do governo brasileiro cujos objetivos estejam
em sintonia com as diretrizes da CDB, de forma a garantir a sustentabilidade dos
recursos pesqueiros e o equilíbrio entre ecossistemas e a atividade econômica.
(Fonte: http://www.mar.mil.br/secirm/psrm/psrm_rev.htm, em 26/11/08). 24
24
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Gerência de Biodiversidade Aquática e Recursos Pesqueiros.
Panorama da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos no Brasil. Brasília: MMA/SBF/GBA,
2010,
pag.
31,
Disponível
em:
<http://www.mma.gov.br/estruturas/205/_publicacao/205_publicacao27072011042233.pdf>
Acesso
em:
03.09.2013.
17
Também o CONAMA, no âmbito de suas atribuições, disciplinou as obras destinadas
ao saneamento das cidades e o rejeito dos demais resíduos sólidos, exigindo de qualquer
atividade desta natureza, potencialmente causadora de degradação ambiental, que obtenha
previamente perante o órgão ambiental competente uma licença ambiental (Resolução
CONAMA 05/88).
No que tange à tutela das zonas costeiras e de seus recursos, o que se vê no âmbito
do Poder de Polícia administrativo das autoridades brasileiras é uma espécie de junção de
forças em prol do bem comum. Isso porque, conforme se infere do art. 225, §4º, da
Constituição Federal de 1988, a zona costeira é arrolada como patrimônio nacional, o que tem
levado a doutrina a entender que sua dominialidade não se limita à União - cujos bens se
encontram arrolados no art. 20 da Carta Magna -, mas sim que pertence à nação como um
todo, devendo receber tratamento como um “bem comum de todos”.25
Desta forma, verifica-se uma atuação conjunta das mais diversas autoridades
brasileiras, ambientais ou não, em prol da preservação dos recursos naturais, culturais,
étnicos, históricos etc., da zona costeira brasileira. Assim, pode-se apontar a atuação dos
seguintes órgãos, sem embargo de outras autoridades que, no âmbito de suas atribuições,
podem levar em consideração a degradação ambiental das zonas costeiras para a concessão,
autorização, permissão etc., dos atos administrativos de sua competência:
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM);
Ministério do Meio Ambiente (MMA);
Agência Nacional de Águas (ANA);
Órgãos de recursos hídricos estaduais (Comitês de bacias);
Secretaria de Patrimônio da União (SPU);
Marinha do Brasil;
Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República
(SEAP/PR);
h) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA);
i) Órgãos ambientais estaduais e municipais, sobretudo aqueles responsáveis pelo
tratamento do direito urbanístico.
Por fim, vale salientar, ainda, a previsão da tutela penal das águas, consubstanciada
na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/95), que considera crime, em seu art. 54, caput e
parágrafos, a poluição de qualquer natureza em níveis tais que possam resultar em danos à
saúde humana, ou que provoque a mortandade de animais ou a destruição significativa da
25
Nesse sentido, MMA/PNMA. Avaliação das normas legais aplicáveis ao gerenciamento costeiro. Brasília,
1988, pag. 22, apud FREITAS, Mariana Almeida Passos de. Zona Costeira e Meio Ambiente: Aspectos
jurídicos. Dissertação de Mestrado apresentada pela PUC-Paraná: Curitiba, 2004, pag. 30. Disponível em:
<http://189.114.223.236:8484/dspace/bitstream/123456789/259/1/FREITAS_Mariana_Almeida_Passos_de.pdf>
Acesso em: 02.09.2013.
18
flora, bem como lançar nas praias resíduos poluentes (a exemplo dos esgotos) em desacordo
com a lei ou com os regulamentos administrativos.
No âmbito civil, ademais, nada impede que uma ação civil pública seja ajuizada em
face daquele que poluir as águas marinhas, em desacordo com a lei e com os regulamentos
adminsitrativos, visando a condenação do particular ao pagamento de uma soma em dinheiro
como forma de reparar ou compensar o dano causado.
5.
A POLUIÇÃO DA ZONA COSTEIRA E O DESCASO COM AS ÁGUAS
SALGADAS
Sob a perspectiva da poluição das águas marinhas, vários fatores têm sido apontados
pela doutrina como potenciais poluidores das zonas costeiras. Porém, o que mais impressiona
nessa análise é saber que ainda hoje, com todos os sistemas de proteção do meio ambiente e
dos recursos costeiros, os fatores mais poluentes deste meio são o despejo dos esgotos
domésticos e o despejo dos demais resíduos sólidos nas águas marinhas. É dizer: o próprio
Poder Público, quem mais deveria estar atento a estas questões, é um dos maiores
responsáveis pelo agravamento da qualidade das águas marinhas de nosso país e seus
respectivos recursos.
Conforme dados apresentados pelo Portal Ambiente Brasil a respeito do tratamento
dado ao esgoto no brasil,
Cerca de 77% dos poluentes despejados [nos oceanos] vêm de fontes terrestres e
tendem a se concentrar nas regiões costeiras, justamente o habitat marinho mais
vulnerável, e também o mais habitado por seres humanos. A população que mora no
litoral ou nele passeia nos finais de semana e feriados é uma das grandes
responsáveis pelo lixo que acaba se depositando no fundo do mar. Produzimos cada
vez mais lixo e nos descartamos dele com uma velocidade cada vez maior.
Um estudo feito pela Academia Nacional de Ciências dos EUA estima que 14
bilhões de quilos de lixo são jogados (sem querer ou intencionalmente) nos oceanos
todos os anos. Não é à toa que as descargas de detritos urbanos produzam efeitos tão
nocivos.
[...]
O esgoto (industrial e doméstico) constitui uma das grandes ameaças para a vida
marinha e para quem vive no litoral porque age como um fertilizante. O esgoto leva
para o mar grande quantidade de matéria orgânica, o que acaba contribuindo para
uma explosão do fitoplâncton – uma explosão que, não por acaso, é conhecida por
"bloom". A vida microscópica cresce de forma desordenada, prejudicando os outros
microorganismos marinhos, que ficam sem espaço, sem oxigênio e sem nutrientes.
Um dos exemplos mais conhecidos do bloom é a chamada maré vermelha, que
resulta da proliferação dos dinoflagelados – um tipo de fitoplâncton que contém
pigmento vermelho. Os dinoflagelados produzem substâncias tóxicas que podem
causar a morte.
O esgoto também carrega para o oceano diversos organismos nocivos como
bactérias, vírus e larvas de parasitas. Metade do peso seco do lixo humano é
composto por bactérias. Delas, um grupo em particular costuma ser apontado como
o grande vilão: os coliformes fecais. Tanto que são empregados como indicadores
19
do nível de poluição das praias. Pelo menos 30% das praias brasileiras tem mais
coliformes fecais do que deveriam – um sinal de que tem esgoto demais por ali. 26
Não é novidade que o homem tem se utilizado do mar para se despojar de seus
dejetos, acreditando na capacidade infinita de absorção das águas marinhas. No entanto,
conforme se infere dos dados apresentados pelo Ministério do Meio Ambiente e colacionados
acima, o despejo desses resíduos sem o devido tratamento acaba por poluir até mesmo a água
do mar, notadamente a zona costeira – tendo em vista o fato de a maré carregar esses
organismos nocivos para o litoral -, o que não só prejudica a vida marinha como também
prejudica uma futura e eventual utilização das águas salgadas.
Devido ao fato do Brasil ser um país rico em águas doces - aproximadamente 13,7%
de toda a água doce disponível do mundo27 -, bem como em razão dos altos custos dos
processos de dessalinização das águas salgadas hoje existentes, acredita-se que a sua
utilização para fins domésticos é algo remoto. No entanto, a realidade não é bem esta.
Em primeiro lugar, em que pese a riqueza de águas doces em nosso país, sabe-se que
a preservação deste recurso ainda é algo incerto, tento em vista a forma com é utilizado pelas
pessoas, que ainda não criaram uma consciência coletiva sobre a importância deste bem.
Aliado a este fato, pode-se apontar a dificuldade do Estado em gerir esse recurso, uma vez
que ainda não conseguiu implementar medidas efetivas em todo o território nacional na gestão
qualitativa e quantitativa deste recurso.
Logo, se considerarmos que algumas regiões hidrográficas possuem uma vazão de
água doce insuficiente em face da grande demanda da população, o que se verifica sobretudo
nas grandes metrópoles – em geral localizadas nas zonas costeiras, como visto -, o problema
passa a assumir outros contornos.28
Nessa perspectiva, algumas cidades litorâneas tem enfrentado problemas com a
qualidade de suas reservas subterrâneas, cujos lençóis têm sido contaminados com a água
salgada do mar em razão da grande extração de águas subterrâneas. O fato já tem se
verificado na comunidade europeia, onde a demografia populacional nas áreas litorâneas
chega a 50% em alguns países. Vale conferir estudo da Comissão Europeia nesse sentido:
26
Dados
disponíveis
em:
<http://ambientes.ambientebrasil.com.br/agua/artigos_agua_salgada/poluicao_nos_mares.html> Acessado em:
03.09.2013.
27
FREITAS, Vladmir Passos de. Águas – Considerações gerais. In: ______ (Org.). Águas: Aspectos jurídicos e
ambientais. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2002, pp. 17-27, pag. 18.
28
Um exemplo desta deficiência regional de fornecimento de água doce é o caso da cidade de Los Angeles, nos
Estados Unidos da América, que se viu impelida a trazer a água de seu abastecimento de regiões remotas do país,
com mais de 350km (trezentos e cinquenta quilômetros) de distância de seu centro urbano. Sem as obras de
transposição de águas a cidade americana não seria o que é hoje, uma vez que as águas de sua bacia atendem
aproximadamente 250 mil pessoas, ao passo que a cidade abriga mais de 20 milhões atualmente. (fonte: FOLHA
DE SÃO PAULO. Sérgio Dávila. Sem transposição de água, Los Angeles não existiria. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1710200512.htm> Acesso em: 09.09.2013).
20
Os empreendimentos turísticos construídos no litoral tendem a exercer enormes
pressões, designadamente ao nível das reservas locais de água doce, estando na
origem dos graves problemas verificados nalgumas zonas do sul da Europa. Em
muitas zonas do Mediterrâneo, incluindo nas ilhas gregas, a exploração excessiva
dos escassos recursos hídricos subterrâneos esteve na origem de infiltrações de água
do mar nos lençóis freáticos locais, tornando aquelas águas impróprias para
consumo. Muitas dessas ilhas sofrem igualmente da falta de instalações adequadas
para a eliminação de resíduos sólidos, situação que se traduz no crescimento das
lixeiras não autorizadas.29
Em segundo lugar, vale registrar que no Brasil já existe um programa de
dessalinização de água, mantido pelo Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e
Amazônia Legal, que tem como alvo principal a “dessalinização das águas salobras e salgadas
nas faixas semi-árida e litorânea de diversas regiões do país”, visando o fornecimento de água
potável para o consumo humano.30
De acordo com Silva,
A região Nordeste dispõe de reservatórios de águas subterrâneas, ainda não
aproveitadas e que muitas vezes podem ser tratadas para o consumo humano. Hoje,
dos 70.000 poços abertos naquela região, cerca de 30.000, quase a metade deles, é
de águas salobras, impróprias para o uso da população e que, por isso, encontram-se
abandonados ou desativados. A dessalinização é uma alternativa para tornar possível
o uso dessas águas.31
Embora a utilização do processo de dessalinização e utilização das águas marinhas
pareça um tanto quanto remoto para um país como o Brasil, não se pode subestimar a sua
necessidade para a vida humana, tal qual para vida marinha, de modo que as autoridades de
nosso país devem se atentar para essa realidade e mudar os seus paradigmas quanto a este
recurso igualmente indispensável à vida humana.
A dessalinização já é uma realidade em vários outros países. Poluir essas águas hoje
poderá implicará em um custo ainda maior em seu tratamento, no futuro, caso seja necessária
a utilização destas águas para consumo humano. Em estudo sobre o tema, o engenheiro
Glycon de Paiva constatou que
O volume de água do mar atualmente dessalgada em Israel orça por 3 bilhões de
litros por ano, o que significa apenas 3 litros por habitante/dia, ao intolerável custo
de 3 dólares diários e sob volume que mal alcança 5% da água suprida pelo rio... Na
Arábia Saudita, o investimento aplicado em dessalinização da água do Golfo Pérsico
pretende alcançar 12 milhões de dólares, quantia equivalente ao orçamento de
29
COMISSÃO EUROPÉIA. A União Européia e as zonas costeiras. Luxemburgo: Serviços das Publicações
Oficiais das Comunidades Européias, 2001, não paginado, apud Mariana Passos de. Zona Costeira e Meio
Ambiente: Aspectos jurídicos. Dissertação de Mestrado apresentada pela PUC-Paraná: Curitiba, 2004, pag. 18.
Disponível
em:
<http://189.114.223.236:8484/dspace/bitstream/123456789/259/1/FREITAS_Mariana_Almeida_Passos_de.pdf>
Acesso em: 02.09.2013.
30
SILVA, Fernando Quadros da. Tutela das águas do mar. In: FREITAS, Vladmir Passos de. (Coord.). Águas:
Aspectos jurídicos e ambientais. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2002, pp. 167-197, pag. 194.
31
Ibidem, pag. 194.
21
Itaipu... Trata-se, principalmente, de água destinada ao tratamento preliminar do
petróleo bruto para transformação em petróleo do comércio. 32
Atento a essa realidade, o CONAMA, no âmbito de suas atribuições conferidas pela
PNMA, disciplinou a forma como devem ser realizados os serviços públicos de saneamento
básico, sujeitando as obras de saneamento ao licenciamento ambiental por parte das
autoridades competentes. A matéria está regulamentada na Resolução CONAMA nº 005/88.
As regras dessa Resolução, inclusive, aplicam-se às obras de saneamento já
implantadas ou em implantação, sujeitando o início das obras, nesse último caso, à prévia
licença ambiental (arts. 2ºe 4º da Resolução).
O art. 3º dessa Resolução determina as exigências necessárias para a concessão da
respectiva licença ambiental para construção e operação de obras de saneamento. Vejamos:
Art. 3º Ficam sujeitas a licenciamento as obras de sistemas de abastecimento de
água sistemas de esgotos sanitários, sistemas de drenagem e sistemas de limpeza
urbana a seguir especificadas:
I - Em Sistemas de Abastecimento de Água.
a) obras de captação cuja vazão seja acima de 20% (vinte por cento) da vazão
mínima da fonte de abastecimento no ponto de captação e que modifiquem as
condições físicas e/ou bióticas dos corpos d’água.
II - Em Sistemas de Esgotos Sanitários:
a) obras de coletores troncos;
b) interceptores;
c) elevatórias;
d) estações de tratamento;
e) emissários e,
f) disposição final;
III - Em Sistemas de Drenagem:
a) obras de lançamento de efluentes de sistemas de microdrenagem;
b) obras de canais, dragagem e retificação em sistemas de macrodrenagem.
IV - Em Sistemas de Limpeza Urbana.
a) obras de unidades de transferência, tratamento e disposição fi nal de resíduos
sólidos de origem doméstica, pública e industrial;
b) atividades e obras de coleta, transporte, tratamento e disposição fi nal de resíduos
sólidos de origem hospitalar.
Como se vê dos diplomas apontados acima, as mais diversas esferas de atuação em
prol da proteção do meio ambiente têm conjugado esforços em proteger as zonas costeiras e
seus mais variados recursos.
32
PAIVA, Glycon. Água doce e população. In: Carta Mensal, Órgão de Conselho Técnico da Confederação
Nacional do Comércio, Rio de Janeiro: CNC, a. XXVII, n. 314, maio/81, pag. 41, apud SILVA, Ibidem, pag.
195.
22
Embora não haja a aplicabilidade da Lei de Proteção dos Recursos Hídricos às águas
do mar, não há que se falar em prejuízos para a tutela destas águas e dos recursos que dela
dependem. Trata-se de recursos cujas características demandam um tratamento diferenciado,
tendo em vista a sua utilização pelo homem: as águas doces são tratadas pela legislação, hoje,
consideradas em si mesmas, voltadas ao atendimento do consumo humano, da dessedentação
dos animais, de sua utilização nas atividades industriais etc., sujeitando-se a sua gestão a
diversos instrumentos contidos na Lei 9.433/97 e que visam a manutenção de sua qualidade e
quantidade; de outro lado, as águas salgadas são tuteladas consideradas como um todo em seu
meio, abrangendo os seus ecossistemas, a vida marinha, a cultura, história e etnia das cidades
litorâneas etc., que visam a preservação do meio ambiente como um todo.
Vale dizer, no entanto, que alguns conflitos podem ser verificados futuramente com a
utilização das águas salgadas dessalinizadas e prontas para o consumo. Isso porque, como não
há norma que discipline a questão expressamente, não se sabe a que regime estará sujeito esse
recurso: se caberá a gestão dessas águas a partir dos fundamentos e objetivos da Política
Nacional dos Recursos Hídricos (a exemplo da exigência da outorga e da cobrança pela
utilização), ou, então, a partir das normas aplicáveis à gestão das zonas costeiras, que
demandam a observâncias das normas da PNMA e PNGC.
CONCLUSÃO
Tendo em vista o paradigma utilitarista que sempre se teve das águas do mar, a sua
tutela sempre esteve voltada para a pesca, a defesa dos estados costeiros, a exploração do
petróleo e demais substâncias cujo homem tira proveito econômico.
De outro lado, as águas doces eram tratadas sob o aspecto do direito de vizinhança
ou de propriedade, não outra a razão da legislação brasileira do século passado trata-la como
um sucedâneo do direito de propriedade ou, então, somente quando as águas pudessem
oferecer interesse econômico ao país, como sucedâneo do direito público.
Com um novo quadro mundial, em que pesquisas apontavam uma possível escassez
da água em alguns lugares no mundo, aumentou-se a reflexão sobre a importância do uso
deste bem tão valioso. Com isso, a sociedade amadureceu quanto ao paradigma que se tinha
quanto a forma correta de se utilizar a água, circunstância que se refletiu em diversas leis
mundo a fora, inclusive no brasil.
No entanto, viu-se que a Lei de Gestão dos Recursos Hídricos, consagrada
doutrinariamente como um política de sustentabilidade do uso da água para as presentes e
futuras gerações, não encontra aplicação no âmbito da tutela das águas marinhas, cujo regime
não é compatível com os fundamentos e instrumentos elencados por aquela.
A despeito desta inaplicabilidade, viu-se que a questão não passou desapercebida
pelo legislador brasileiro, que encarou o tema de maneira consciente e de maneira mais
23
abrangente possível, tutelando não só os recursos marinhos (vida animal e ecossistemas)
como também a própria água do mar, que deve ser tratada de tal forma que mantenha padrões
de qualidade previamente estabelecidos.
Além destes recursos, vale salientar, a legislação interna tratou da preservação dos
recursos históricos, culturais e étnicos dessas áreas, instituindo uma Zona Econômica
Exclusiva - área de doze a vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de
base que servem para medir a largura do mar territorial -, em que o Brasil tem direitos de
soberania para fins de exploração, aproveitamento e, principalmente, conservação e gestão
dos recursos naturais, o que tem servido de base para diversos programas adotados pelas
autoridades brasileiras.
Nessa perspectiva, viu-se que a Constituição Federal não atribuiu competência
exclusiva a uma única unidade da federação para a tutela destes recursos, o que possibilita
uma atuação conjunta nos mais diversos níveis, desde a fiscalização por meio do
licenciamento para construção, a ser obtido junto à autoridade local, até a obtenção de
licenciamento para construção e funcionamento de obras de saneamento e despejo de resíduos
sólidos.
A única ressalva que se faz quanto à regulamentação das águas doces e salgadas em
diplomas distintos, consiste na verificação de lacunas em ambas as leis na hipótese de
eventual utilização dos processos de dessalinização, uma vez que não fica claro na legislação
qual o tratamento a ser dispensado à água potável depois do processo, se sujeita à Política
Nacional de Recursos Hídricos ou à Política Nacional de Gerenciamento Costeiro.
No mais, a despeito da poluição verificada na zona costeira brasileira ainda hoje, vale
salientar que o país já possui instrumentos legais que lhe possibilitam uma adequada gestão
destes recursos naturais, em especial a água marinha.
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existiria. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1710200512.htm>
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24
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Dissertação de Mestrado apresentada pela PUC-Paraná: Curitiba, 2004. Disponível em:
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(Coord.). Águas: Aspectos jurídicos e ambientais. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2002, pp. 167-197.
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