24 Brasil Econômico Sábado, 12 de junho, 2010
EMPRESAS
Preço de venda
é o novo desafio
da soja sustentável
Produtores como SLC e compradores como Unilever negociam
prêmio para grão com a certificação recém-criada
Luiz Silveira
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Uma vez encerradas as discussões técnicas sobre a certificação privada global para a soja
sustentável, produtores e compradores do grão passam agora
para as negociações comerciais
sobre o diferencial de preço do
novo produto. “Os problemas
reais começam quando os produtos feitos com a soja certificada chegarem ao mercado”, diz o
diretor de agricultura sustentável da Unilever, Jan-Kees Vis.
A certificação aprovada na
quinta-feira pelos 140 membros
da associação Round Table on
Responsible Soy (RTRS) prevê 27
critérios de análise, com um total de 90 indicadores nas áreas
legal, social e ambiental. “Mesmo para uma empresa do porte
da SLC, houve dificuldades e
quatro não-conformidades com
a certificação durante os testes”,
diz o gerente de sustentabilidade
da SLC Agrícola, Álvaro Dilli.
Basicamente, os produtores
querem agora ver os benefícios
concretos que podem ter em
certificar sua produção. Dilli ressalta que o Brasil, com uma legislação ambiental mais rigorosa
que a maioria dos outros países,
terá ainda mais dificuldade em
conseguir a certificação. Afinal,
as fazendas precisam estar estritamente dentro das leis do país
para conseguir o selo verde.
Por outro lado, as companhias
consumidoras de soja argumentam na associação que há outros
benefícios que compensam os
custos da certificação. “O agricultor precisa ampliar o controle
do processo produtivo e assim
ganha eficiência”, diz o diretor
mundial de agricultura sustentável da Unilever, Jan-Kees Vis.
Criada em 2006,
a mesa-redonda
sobre soja responsável
chegou a um
consenso a respeito
dos critérios de
certificação. Mas os
benefícios para quem
aderir ao sistema
serão definidos
em negociações
comerciais
Peso-pesados
Um mercado de créditos de soja sustentável
A Associação Round Table on
Responsible Soy (RTRS) planeja
estimular um comércio de
certificados de soja responsável,
em formato similar ao que
atualmente existe com os créditos
de carbono. Assim como uma
indústria europeia que precisa
reduzir suas emissões de carbono
pode comprar créditos de
emissões reduzidas por outras
indústrias, em vez de cumprir sua
meta, indústrias de soja poderão
Além disso, o selo motivaria
os compradores a firmar contratos de longo prazo com os
agricultores, aumentando a
previsibilidade de receita e barateando o crédito. “Sete em
cada dez critérios da certificação trazem redução de custo, e
só três geram aumento”, complementa Jason Clay, da ONG
World Wildlife Fund (WWF).
Mas Vis, da Unilever, reconhece que em um primeiro
momento será preciso pagar
mais pela soja certificada para
estimular a sua produção. “Sabemos que o mercado terá que
dar um incentivo, pelo menos
no início.”
A queda de braço, portanto,
passou do campo técnico e teórico para o comercial. Foi justamente a falta de clareza sobre os
prêmios para a soja certificada
que motivaram a saída da Associação de Produtores de Soja do
Mato Grosso (Aprosoja) da associação, em abril.
comprar a commodity no mercado
comum e adquirir o certificado
sustentável de outros produtores.
O mecanismo é uma alternativa
aos altos custos de se colher,
transportar e processar a soja
certificada sem misturá-la à
comum. Nesse caso, o produto
final levaria o selo sem ter sido
efetivamente produzido com soja
responsável. “O sistema permite
qualquer modelo de comércio”,
diz Jeroen Douglas. L.S.
A ideia da associação é criar
um padrão internacional de
sustentabilidade na produção
de soja, diante do impacto de
temas como o desmatamento
da Amazônia no próprio Mato
Grosso junto aos consumidores
europeus.
Os membros da associação
somam cerca de 40% da produção mundial de soja, incluindo
nomes como Grupo Maggi, SLC
Agrícola, ADM, Bunge, Cargill,
Louis Dreyfus, Unilever, Carrefour e Shell. Organizações nãogovernamentais e bancos como
Santander e Rabobank também
são associados.
A SLC Agrícola, o grupo Maggi
e outras grandes empresas de
grãos testaram na última safra a
produção de soja seguindo os parâmetros da certificação, e devem plantar no segundo semestre a primeira safra comercial
com a nova certificação. No
mundo, foram 600 mil toneladas
de soja produzidas em teste dentro dos critérios. O volume equivale a cerca de 0,25% da produção mundial.
Apesar de fazer alterações
pontuais no texto das exigências, a assembleia geral da associação realizada quinta-feira em
São Paulo manteve os pontos
centrais, como a proibição do
plantio em áreas desmatadas
depois de maio de 2009. ■
PERSONAGENS DA MESA-REDONDA
Definidos os critérios privados para a produção sustentável, o mercado
discute como os agricultores vão recuperar o custo da certificação
Álvaro Dilli
SLC Agrícola
Gerente de Sustentabilidade
Não vai ser simples atender às exigências da norma, especialmente
em um país com uma agricultura muito regulamentada como o Brasil
Há um mercado disposto a pagar mais por um produto sustentável, mas
atender à certificação tem um custo, e não sabemos ao certo os benefícios
ou prêmios de preço que teremos
Jan-Kees Vis
Unilever
Diretor de agricultura sustentável
O caminho é transmitir para o consumidor quais os valores inseridos em
seus produtos que ainda não são considerados, como consumo de água
e emissão de carbono ao longo da cadeia produtiva
No caso da mesa-redonda do óleo de palma sustentável, não vimos um caso
sequer em que os custos de produção aumentaram por conta da certificação.
Ao contrário, o maior controle trouxe ganhos de eficiência e contratos de
venda de longo prazo. Mas sabemos que no início o mercado terá que dar
incentivos para os produtores se certificarem
Os problemas reais começam quando os produtos certificados
chegam ao mercado
Christopher Wells
Santander Brasil
Superintendente de risco socioambiental
Neste ano testamos a produção seguindo as regras da certificação
em 600 mil toneladas de soja, o equivalente a 0,25% da safra mundial
Grandes produtores estão interessados na certificação, de forma que já
na próxima safra (2010/2011) teremos agricultores produzindo soja RTRS
Jeroen Douglas
Round Table on Responsible Soy
Presidente
O caminho para a agricultura sustentável como um todo é internalizar
os custos da preservação ambiental
Os governos precisam ter um papel relevante no estímulo à adoção de padrões
sustentáveis, como a União Europeia está fazendo agora com os biocombustíveis
Nossos membros representam 40% da produção mundial de soja. Se em cinco
anos tivermos 10% da safra global certificada, ficarei feliz. Mas para ter força
precisamos superar a metade da produção mundial em 15 anos
Sábado, 12 de junho, 2010 Brasil Econômico 25
Luiz Silveira
Colheita de soja no Mato Grosso: receio dos consumidores com
relação ao desmatamento motivou a criação da mesa-rendonda
ESTRATÉGIA
Certificação servirá
para atender exigência
europeia no biodiesel
Para a associação de caráter
privado Round Table on
Responsible Soy (RTRS),
é essencial que os governos
atuem no estímulo à adoção de
práticas de produção sustentável.
O primeiro exemplo é a normativa
da Comissão Europeia (CE) sobre
biocombustíveis sustentáveis,
que entra em vigor em 2011.
A associação harmonizou seus
critérios com as exigências
da CE e vai protocolar na próxima
semana um pedido para que a sua
certificação seja aceita no grupo
de países como indicador de
sustentabilidade de biodiesel
feito a partir de soja, informa
o secretário-executivo da
entidade, Miguel Hernández.
A estratégia é importante para
incentivar a adoção dos padrões
na Argentina, grande exportadora
de biodiesel para a Europa.
Além disso, “as áreas de energia
e agricultura da CE estão
conversando muito e não tenho
dúvida que as exigências agora
aplicadas aos biocombustíveis
chegarão aos alimentos em três
a cinco anos”, diz o presidente
da RTRS, Jeroen Douglas. L.S.
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