PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5ª Câmara de Direito Público
Registro: 2014.0000005015
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados
e
discutidos
estes
autos
de
Apelação
nº
0042550-65.2011.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CHEFE DO
POSTO FISCAL AVANÇADO 10 DA SECRETARÍA DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
são apelados GABRIEL SOUZA VASCONCELOS (MENOR(ES) REPRESENTADO(S)) e
WAGNER VASCONCELOS OLIVEIRA (E POR SEUS FILHOS).
ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São
Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores NOGUEIRA
DIEFENTHALER (Presidente sem voto), MARCELO BERTHE E FERMINO MAGNANI FILHO.
São Paulo, 13 de janeiro de 2014.
Leonel Costa
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5ª Câmara de Direito Público
MANDADO DE SEGURANÇA
APELAÇÃO:
0042550-65.2011.8.26.0053
APELANTE:
FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
APELADO:
GABRIEL SOUZA VASCONCELOS
RECORRENTE:
JUÍZO EX-OFFÍCIO
Juiz Sentenciante:
Henrique Rodriguero Clavisio
VOTO 17141
MANDADO DE SEGURANÇA
Sentença concessiva de ordem
para garantir a isenção do IPVA e ICMS de veículo a ser adquirido
pelos pais de menor portador de deficiência motora severa Veículo
destinado ao auxílio da família e, especialmente, à condução da
criança para os tratamentos médicos e de fisioterapia Manutenção
da segurança em face do direito especial de tutela constitucional e
programático a orientar a edição e interpretação de normas
infraconstitucionais e administrativas. Precedentes do E. STJ e deste
E. TJSP. Recurso da Fazenda e reexame necessário não providos.
Vistos.
Trata-se de recurso de apelação da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO contra
sentença concessiva de mandado de segurança de fls. 107/108, que garantiu à menor
portador de deficiência física (Aciduria Glutarica Tipo I e Hipotonia Axial e Distonia
Segmentar), o direito de isenção do IPVA e ICMS para aquisição de veículo automotor a
ser utilizado em seu benefício por seus genitores.
Inconformada, apela a Fazenda do Estado (fls.113/142). Preliminarmente, alega a
inadequação no manejo da ação mandamental e impossibilidade jurídica do pedido. No
mérito, postula a denegação da ordem, afirmando que a legislação de regência apenas
isenta o portador de deficiência que seja capaz de conduzir seu veículo e que, ademais,
tenha sido adaptado às suas necessidades. Afirma ser descabida a interpretação
extensiva da lei tributária (CTN art. 111, II), bem como haver quebra de isonomia.
O recurso é tempestivo e se apresenta formalmente em ordem.
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Contrarrazões às fls. 176/183 pela manutenção do julgado.
Parecer da D. Procuradoria de Justiça oficiante nesta instância pelo provimento do
recurso da FESP e denegação da ordem (fls. 194/202).
Sentença sujeita ao reexame necessário.
É o relatório do necessário.
Voto.
Dou por feito o reexame necessário, a teor das disposições contidas no artigo 475
do Código de Processo Civil.
Inicialmente, afasto as preliminares de inadequação e impossibilidade jurídica do
pedido arguidas pela FESP.
Não há qualquer vício capaz de macular a ação mandamental, já que foi bem
proposta. O direito líquido e certo autorizativo do manejo dessa ação especial decorre da
proteção
constitucional
deferida
aos
portadores
de
deficiência,
bem
como
dos
precedentes jurisprudenciais desta Corte e também dos Tribunais Superiores acerca do
tema.
Além disso, a prova pré-constituída da deficiência que acomete o interessado na
isenção vem bem demonstrada nos autos, com relatório médico sobre a incapacidade
permanente
do
menor,
sua
limitação
motora,
de
locomoção,
fazendo
uso
de
gastrostomia, enfim, apontando para grave deficiência incapacitante do menor, que conta
com, aproximadamente, 03 anos de idade.
Ademais, o pedido deduzido é certo, bem delimitado e, como já dito, se mostra
possível quando se faz uma interpretação integrativa do sistema jurídico constitucional,
infraconstitucional e administrativo.
No mérito, a irresignação fazendária também não subsiste.
A Constituição da República tece um sistema de tutela especial da pessoa
portadora
de
deficiência
física,
abrangendo
matéria
salarial,
previdenciária,
acessibilidade, concursos públicos, prioridade de atendimento, tratamento fiscal, etc.
3
de
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O
ordenamento
administrativas,
devem
infraconstitucional
respeitar
as
e,
normas
com
muito
mais
constitucionais
e
razão
ser
as
regras
construído
e
interpretado de forma compatível com a Constituição da República, no sentido de a
afirmar, descabendo sua negação ou esvaziamento a pretexto de falta de cumprimento
de exigências marotas e subalternas.
Nesse contexto é que vieram várias leis federais e, em especial, a Lei 7.853/1989,
que visa garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais
necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que
lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e
entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade,
cabendo ao Poder Público e seus órgãos assegurar às pessoas portadoras de deficiência o
pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao
trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de
outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal,
social e econômico.
Por isso, fere a lógica do razoável o argumento da Fazenda do Estado em deferir a
isenção, seja do ICMS ou IPVA, ao portador de deficiência condutor de veículo adaptado e
de negar o benefício quando este é incapaz ou não-condutor, negando-lhe o direito
subjetivo de propriedade de veículo não-adaptado para que outra pessoa capaz e
habilitada faça-lhe o transporte!
Nesse sentido da concessão de benefício fiscal com exegese constitucional pelo E.
STJ:
REsp 523971 / MG, 2003/0008527-7, Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, STJ T2 SEGUNDA TURMA
Data do Julgamento 26/10/2004
Data da Publicação/Fonte DJ 28/03/2005 p. 239, RSTJ vol. 190 p. 235
Ementa:
RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "A" - MANDADO DE SEGURANÇA - IPI - AQUISIÇÃO
DE VEÍCULO POR PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA
ISENÇÃO - EXEGESE DO
ARTIGO 1º, IV, DA LEI N. 8.989/95.
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A redação original do artigo 1º, IV, da Lei n. 8.989/95 estabelecia que estariam
isentos do pagamento do IPI na aquisição de carros de passeio as "pessoas, que,
em razão de serem portadoras de deficiência, não podem dirigir automóveis
comuns".
Com base nesse dispositivo, ao argumento de que deve ser feita a interpretação
literal da lei tributária, conforme prevê o artigo 111 do CTN, não se conforma a
Fazenda Nacional com a concessão do benefício ao recorrido, portador de atrofia
muscular progressiva com diminuição acentuada de força nos membros inferiores e
superiores, o que lhe torna incapacitado para a condução de veículo comum ou
adaptado.
A peculiaridade de que o veículo seja conduzido por terceira pessoa, que não o
portador de deficiência física, não constitui óbice razoável ao gozo da isenção
preconizada pela Lei n. n. 8.989/95, e, logicamente, não foi o intuito da lei. É de
elementar inferência que a aprovação do mencionado ato normativo visa à inclusão
social dos portadores de necessidades especiais, ou seja, facilitar-lhes a aquisição
de veículo para sua locomoção.
A fim de sanar qualquer dúvida quanto à feição humanitária do favor fiscal, foi
editada a Lei nº 10.690, de 10 de junho de 2003, que deu nova redação ao artigo
1º,
IV,
da
Lei
Industrializados
n.
8.989/95:
"ficam
isentos
do
Imposto
Sobre
Produtos
IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional" (...)
"adquiridos por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou
profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal".
Recurso especial improvido.
Nesse mesmo sentido esta C. 5ª. Câmara:
0047248-51.2010.8.26.0053
Apelação
Relator(a): Franco Cocuzza
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Público
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Data do julgamento: 13/08/2012
Data de registro: 15/08/2012
Outros números: 472485120108260053
Ementa:
APELAÇÃO
AÇÃO
ORDINÁRIA PEDIDO DE
ISENÇÃO
DE
IPVA DE
AUTOMÓVEL FALTA DE INTERESSE DE AGIR INOCORRÊNCIA PESSOA PORTADORA
DE TETRAPLEGIA (TRAUMATISMO RAQUI-MEDULAR) VEÍCULO CONDUZIDO POR
TERCEIRA PESSOA, EM BENEFÍCIO DO DEFICIENTE POSSIBILIDADE O ARTIGO 111,
II, DO CTN NÃO PODE SER INTERPRETADO DE FORMA LITERAL, MAS DE MANEIRA
LÓGICO-SISTEMÁTICA
EM
FACE
DOS
PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
TRIBUTÁRIOS, NÃO SE LIMITANDO O BENEFÍCIO FISCAL À PESSOA COM
DEFICIÊNCIA FÍSICA RECURSO DESPROVIDO
0013934-25.2009.8.26.0482
Apelação / Reexame Necessário
Relator(a): Nogueira Diefenthaler
Comarca: Presidente Prudente
Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Público
Data do julgamento: 23/05/2011
Data de registro: 05/07/2011
Outros números: 990100103350
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA - ICMS ISENÇÃO - PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA - TERCEIRO CONDUTOR - CABIMENTO. A isenção de ICMS na
aquisição de veículo automotor à pessoa com deficiência deve abranger inclusive
aqueles que demandam terceiro como condutor Exegese que privilegia a inclusão
da pessoa com deficiência. Sentença mantida. Recursos desprovidos.
No entender da Fazenda Estadual , a isenção dos tributos de ICMS e IPVA só está
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autorizada quando o adquirente é simultaneamente condutor do veículo e este for
necessariamente adaptado ao déficit físico do seu comprador, afastando a benesse
quando o interessado é incapacitado completamente para a sua condução ou mesmo
inabilitado.
Ocorre que a força argumentativa do FISCO Paulista e que reside na literalidade
das leis que estabeleceram mencionado benefício, não prevalece quando avaliada frente à
proteção constitucional especial concedida aos deficientes por nossa Carta Política.
Assim, ainda que o instituto da isenção tributária represente forma de exclusão do
crédito tributário, sendo de rigor sua expressa previsão em lei que não comportará
qualquer interpretação ampliativa, entendo que, para estes casos, deve ser privilegiada
a isonomia tributária (tratando-se os deficientes de modo igualitário), bem como a
proteção integral à dignidade humana, princípios consagrados na Constituição Federal de
1988.
Se assim não fosse, sem razão a proteção especial aos deficientes, vez que aquele
acometido por moléstia de menor extensão ou complexidade teria mais vantagens e
benefícios do que outros, absolutamente incapacitados e dependentes do auxílio de
terceiros.
Portanto, a ratio legis do benefício fiscal possui contornos humanitários e foi
destinado a facilitar a locomoção da pessoa portadora de deficiência física, dependente,
quase sempre, de submissão a inúmeros tratamentos, sem o necessário suporte do
serviço público de transporte, que sabidamente é inexistente ou insuficiente às demandas
locais.
Isso posto, voto para negar provimento ao reexame necessário e ao recurso de
apelação da Fazenda do Estado, mantida a r. sentença em seus termos.
Leonel Costa
Relator
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