Capı́tulo 3 Relação de Equivalência e Ordem 3.1 Relações de equivalência e abstracções Uma relação binária R(x, y) em que tanto x como y percorrem certo conjunto, X, diz-se relação de equivalência se tem as seguintes propriedades: 1) ∀x R(x, x) – propriedade reflexiva 2) ∀x ∀y [R(x, y) ⇒ R(y, x)] – propriedade simétrica 3) ∀x ∀y ∀z [R(x, y) ∧ R(y, z) ⇒ R(x, z)] – propriedade transitiva Por exemplo, sendo X o conjunto das rectas do plano, x, y, . . . , a relação “x é paralela a y” é relação de equivalência (se se convencionar que cada recta é paralela a si própria); sendo X o conjunto dos números racionais, Q, a relação “x é aproximadamente igual a y a menos de 0, 001” não é relação de equivalência porque não satisfaz 3). As relações de equivalência intervêm no processo mental de abstracção do modo seguinte: por vezes, sabemos reconhecer se dois objectos, x e y, têm ou não certa analogia ainda que não saibamos definir a caracterı́stica comum que os torna análogos, mas, se a relação R(x, y) que traduz essa analogia entre x e y for uma relação de equivalência, dado um objecto, x0 , o conjunto {x : R(x0 , x)} que representaremos por x̂0 e se chama a classe de equivalência definida por R e x0 e o conjunto x̂1 = {x : R(x1 , x)} em que x1 satisfaz R(x0 , x1 ) – isto é, em que x1 é análogo a x0 – são iguais em virtude de 2) e 3). Deste modo, a propriedade 33 34 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM de pertencer a esta classe de equivalência não depende especificamente de x0 , podendo ser definida por qualquer outro elemento, x1 , da mesma classe. Abstraimos assim um conceito novo, a propriedade comum a x0 e aos objectos análogos (segundo R). Por exemplo, como a relação de paralelismo entre rectas do plano é uma equivalência, todas as paralelas a certa recta x0 têm uma propriedade comum, que se chama a direcção definida por x0 (ou por qualquer destas paralelas). Pelo contrário, com a relação de igualdade aproximada a menos de 0, 001, as coisas passam-se diferentemente: por exemplo, o n.◦ 2, 4006 tem a propriedade de diferir de 2, 4 menos de 0, 001 mas a propriedade de diferir de 2, 4006 menos de 0, 001 já é outra (2, 3992 tem a primeira propriedade mas não a segunda). Vimos que, se R(x0 , x1 ), as classes de equivalência x̂0 e x̂1 coincidem. Vejamos agora que, se ∼ R(x0 , x1 ), as mesmas classes são disjuntas, isto é, x̂0 ∩ x̂1 = 0. Porque, se existisse x2 ∈ x̂0 ∩ x̂1 verificar-se-iam R(x0 , x2 ) e R(x1 , x2 ), donde, por 2), R(x2 , x1 ) e, por 3), R(x0 , x1 ), contradição. Exemplo: No conjunto X = {1, 2, 3, 4, 5}, “x − y é múltiplo de 3” é uma relação de equivalência, visto que ∀x x − x é múltiplo de 3 ∀x ∀y (x − y múltiplo de 3 ⇒ y − x múltiplo de 3) ∀x ∀y ∀z (x − y múltiplo de 3 ∧ y − z múltiplo de 3 ⇒ x − z múltiplo de 3) As classes de equivalência são: 1̂ = 4̂ = {1, 4} 2̂ = 5̂ = {2, 5} 3̂ = {3} Como se vê neste exemplo, e também de um modo geral, uma relação R de equivalência definida no conjunto X efectua uma decomposição de X em subconjuntos (as classes de equivalência) dois a dois sem elementos comuns. Reciprocamente, seja dada uma decomposição de X em subconjuntos Ai : [ X= Ai i∈I 35 3.2. CARDINAIS com ∀i∈I ∀j∈I (i 6= j ⇒ Ai \ Aj = 0) A relação R(x, y) definida por ∃i∈I (x ∈ Ai ∧ y ∈ Ai ), isto é, x e y satisfazem R sse ambos pertencem a um mesmo dos conjuntos Ai , é uma relação de equivalência. Demonstremos, por exemplo, que R é transitiva. Suponhamos que R(x, y) e R(y, z), isto é, ∃i∈I (x ∈ Ai ∧ y ∈ Ai ) e ∃j∈I (y ∈ Aj ∧ z ∈ Aj ) Como y ∈ Ai ∩ Aj , Ai ∩ Aj 6= 0, donde i = j (porque i 6= j ⇒ Ai ∩ Aj = 0) de modo que z ∈ Ai e ∃i (x ∈ Ai ∧ z ∈ Ai ), isto é, R(x, z). Dado um conjunto, X, e uma relação de equivalência, R, definida em X, fica então definido o conjunto das respectivas classes de equivalência, que se X chama conjunto quociente de X pela relação R e se escreve X/R ou . R No exemplo supra, X = {{1, 4}, {2, 5}, {3}}. R Como a cada elemento x de X corresponde uma e uma só classe (porque duas classes distintas não têm elementos comuns), a classe x̂, e como cada classe, x̂, tem pelo menos um elemento (o próprio x), vê-se que a aplicação x 7→ x̂ é uma sobrejecção X → X/R. 3.2 Cardinais Um exemplo importante de conceito definido por uma relação de equivalência é o de número cardinal, ou cardinalidade ou potência de um conjunto; dados dois conjuntos X e Y diz-se que são equicardinais ou equipotentes ou têm o mesmo cardinal se existe uma bijecção de X para Y . A bijecção iX e o facto de serem bijecções a inversa de uma bijecção e a composta de duas, mostram 36 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM que esta relação entre X e Y é, de facto, uma equivalência e a correspondente noção é a de número cardinal 1 . Às diversas classes de equicardinalidade correspondem, assim, números cardinais 2 : à que é definida pelo conjunto vazio, ∅, (e que só possui esse conjunto) corresponde um cardinal a que se chama 0 (zero); à classe de equicardinalidade de que faz parte o conjunto {∅} (e todos os que lhe são equicardinais, como {a}, {24}, etc.) corresponde um cardinal a que se chama 1; chama-se 2 o cardinal do conjunto {∅, {∅}}, 3 o cardinal do conjunto {∅, {∅}, {∅, {∅}}} e assim por diante, considerando de cada vez um conjunto cujos elementos são todos os conjuntos anteriores. Ficam, assim definidos o zero e os números naturais e poderiam definir-se também, para estes números, as relações de desigualdade (≤, ≥, <, >) e as operações (+, −, ×, :, potenciação) que já conhecemos, e demonstrar, a partir dessas definições, as suas propriedades. Em particular poderia demonstrar-se o princı́pio de boa ordem (em qualquer conjunto de números naturais há um que é o menor de todos) e o princı́pio de indução completa: se P (n) é uma propriedade da variável natural n, P (1) ∧ ∀n [P (n) ⇒ P (n + 1)] ⇒ ∀n P (n) Os números naturais constituem um conjunto N, cujo cardinal (chamado álefe-zero, ℵ0 ) já não é um número natural, pois (num sentido intuitivamente evidente, mas que adiante se definirá), os primeiros são finitos e o segundo não. Poderia ainda pensar-se que todos os conjuntos infinitos tinham o mesmo cardinal, mas não é verdade: alguns têm “mais elementos” que outros, se se definir esta noção do seguinte modo: Dados dois conjuntos X e Y , diz-se que X ≤ Y se existe uma injecção i : X → Y (o que sucede, por exemplo, se X ⊆ Y ). Se isto se verifica, i é também uma bijecção X → i(X) ⊆ Y e, reciprocamente, se existe uma bijecção b : X → Y1 ⊆ Y , b é também uma injecção b : X → Y . Em particular, se X = Y existe uma bijecção b : X → Y e b−1 é também 1 O cardinal do conjunto A representa-se aqui pela sua primitiva notação: A. Outras são Card A e #A. 2 A ideia de definir deste modo o número de elementos de um conjunto, que aparece por vezes atribuı́da a Russell, foi exposta já em 1884 pelo matemático alemão F.L.G. Frege (1848 - 1925) a quem se deve a fundamentação da aritmética na lógica. 37 3.2. CARDINAIS bijectiva: Y → X, donde X =Y ⇒X ≤Y ∧Y ≤X Podem então, em princı́pio, acontecer quatro casos: X ≤ Y ∧ Y ≤ X (isto é, existem injecções i : X → Y e j : Y → X) X ≤Y∧∼Y ≤X ∼X ≤Y ∧Y ≤X ∼X ≤Y∧∼Y ≤X É necessário recorrer agora a dois teoremas importantes da teoria dos conjuntos que não poderemos demonstrar aqui. O primeiro afirma que ∀X ∀Y X ≤ Y ∨ Y ≤ X, propriedade que, por vezes, se chama dicotómica (da relação ≤) ficando deste modo excluı́do o 4.◦ caso. O outro teorema é o de Bernstein, e afirma que X ≤Y ∧Y ≤X ⇒X =Y isto é, se existem injecções i : X → Y e j : Y → X existe uma bijecção b:X →Y. Deste modo, dados os cardinais de dois conjuntos quaisquer, X e Y , ou se está no primeiro caso e X = Y , ou no segundo e diz-se então que X < Y porque é X ≤ Y mas não X = Y , ou no terceiro e diz-se então, por motivos análogos, que Y < X. Este resultado constitui a propriedade tricotómica da desigualdade de cardinais. Definamos agora conjunto finito e conjunto infinito. Representando por X ∗ ⊂ X o facto de ser X ∗ ⊆ X mas X ∗ 6= X, o que se exprime também dizendo que X ∗ é parte própria de X, diz-se que X é finito se nenhuma parte própria de X é equicardinal a X (isto é, se não existe nenhuma bijecção b : X → X ∗ ⊆ X). 38 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM Por exemplo, {a, b} com a 6= b é finito porque as suas partes próprias são ∅, {a} e {b}, e facilmente se vê que nenhuma é equicardinal a {a, b}. Um conjunto que não é finito diz-se infinito e o seu cardinal chama-se transfinito. Um exemplo simples é o do conjunto N que é equicardinal a N \ {1}, pela bijecção b(n) = n + 1, ou ao conjunto {1, 4, 9, 16, . . .} dos quadrados dos números naturais 3 . Estes conjuntos e todos os que são equicardinais a N chamam-se conjuntos numeráveis, isto é, que podem ser numerados usando apenas os números naturais e todos eles. Não podemos desenvolver aqui a teoria dos números cardinais (finitos ou transfinitos) e das suas relações e operações mas vamos citar alguns resultados importantes demonstrando alguns. a) A infinito ⇒ A ≥ N Suponhamos que existe b : A → A∗ ⊂ A. A \ A∗ tem pelo menos um elemento, a1 . Seja a2 = b(a1 ), a3 = b(a2 ), . . . e em geral an+1 = b(an ). Mostremos que estes elementos são todos distintos. Com efeito, se não fossem todos distintos, pelo prı́ncipio de boa ordem haveria um ı́ndice m que seria o menor ı́ndice tal que ∃n>m am = an . De n > m deduz-se sucessivamente n > 1, an = b(an−1 ), an ∈ A∗ (por ser imagem na bijecção b), am ∈ A∗ (por ser = an ), am = b(am−1 ), b(am−1 ) = b(an−1 ) e am−1 = an−1 por ser b bijectiva. Mas isto contraria a hipótese de ser m o menor ı́ndice, tal que ∃n>m am = an . b) A ≥ N ⇒ A infinito Seja i uma injecção: N → A. i é também uma bijecção i : N → i(N) que tem uma inversa i1 : i(N) → N. 3 É o chamado paradoxo de Galileu: paradoxo, porque contradiz o axioma “a parte é menor que o todo” que vem já dos geómetras gregos, e de Galileu porque nos tempos modernos foi o astrónomo e fı́sico florentino Galileu Galilei (1564 - 1642), bem conhecido protagonista da polémica em torno do heliocentrismo, quem chamou a atenção para este facto. Mas descobriu-se recentemente que já na primeira metade do séc. XIV se tinham ocupado do assunto dois autores, Henry of Harclay, em Oxford, e Gregorio da Rimini. 3.2. CARDINAIS 39 Considere-se a aplicação j : A → A definida por se x ∈ A \ i (N) x j(x) = i(i1 (x) + 1) se x ∈ i (N) j não é sobrejectiva porque, no primeiro caso, j(x) ∈ A \ i(N) e, no segundo, i1 (x) + 1 nunca toma o valor 1, de modo que ∈ N \ {1} e, como i é injectiva, j(x) = i(i1 (x) + 1) ∈ i(N \ {1}) = i(N) \ {i(1)}; logo, j(x) nunca toma valor i(1). Por outor lado, j é injectiva, pois: se j(x1 ) e j(x2 ) resultam do primeiro caso (x1 e x2 ∈ A \ i(N)), j(x1 ) = j(x2 ) ⇒ x1 = x2 porque j(x1 ) = x1 , etc.; se j(x1 ) e j(x2 ) resultam do segundo caso, j(x1 ) = j(x2 ) ⇒ i(i1 (x1 ) + 1) = i(i1 (x2 ) + 1) ⇒ i1 (x1 ) + 1 = i1 (x2 ) + 1 ⇒ ⇒ i1 (x1 ) = i1 (x2 ) ⇒ x1 = x2 em vista de serem i e i1 injectivas. Então j é uma injecção A → A \ {i(1)} ⊂ A e A é infinito. De a) deduz-se c) Se A é infinito, contém um subconjunto numerável. De a) e b) deduz-se d) A é finito ⇔ A < N Pode demonstrar-se que também e) A é finito ⇔ A é um número natural, ou zero. f) N × N é numerável. g) A reunião de uma famı́lia numerável (isto é, cujo conjunto de ı́ndices é N) de conjuntos numeráveis é um conjunto numerável. h) A reunião de um número finito de conjuntos numeráveis é um conjunto numerável. 40 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM i) A reunião de um conjunto finito com um conjunto numerável é um conjunto numerável. A segunda destas propriedades pode demonstrar-se elementarmente do seguinte modo. N × N é o conjunto de todos os pares (m, n) em que m e n são naturais. Se dispusermos estes pares num quadro com uma infinidade numerável de linhas e uma infinidade numerável de colunas como o que é sugerido à esquerda da figura 3 e se os numerarmos como é indicado pela outra parte da mesma figura, segundo linhas oblı́quas 4 fica definida uma bijecção de N × N para N. (1, 1) (1, 2) (1, 3) (1, 4) · · · 1 2 4 (2, 1) (2, 2) (2, 3) (2, 4) · · · 3 5 8 (3, 1) (3, 2) (3, 3) (3, 4) · · · 6 9 (4, 1) (4, 2) (4, 3) (4, 4) · · · 10 7 11 · · · 12 · · · · · · 13 · · · · · · · · · 14 · · · · · · · · · · · · ··· ··· ··· ··· ··· 15 · · · · · · · · · · · · · · · ··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· ··· Fig. 3 A propriedade g) pode demonstrar-se por um processo análogo: Sendo A1 ∪ A2 ∪ . . . An ∪ . . . 5 uma reunião de conjuntos numeráveis, podemos dispôr os elementos de A1 na primeira linha de um quadro como o dos pares (m, n) da figura 3, os de A2 na segunda linha e assim por diante e enumerá-los de modo análogo ao que aı́ se indicou apenas com a precaução de desprezar os elementos que, por figurarem em mais de um dos conjuntos An , já tinham recebido numeração. A demonstração de h) é análoga à de g) e a de i) é muito fácil. i) permite mostrar que é numerável o conjunto N0 = N ∪ {0}; daı́, usando h), deduz-se que é numerável Z porque o conjunto dos inteiros negativos é evidentemente equicardinal a N; g) permite mostrar que é numerável o conjunto 4 É possı́vel indicar explicitamente uma função b(m, n) que defina uma bijecção b : N × N → N de modo que esta propriedade se [ demonstre sem recurso à figura. 5 Ai . Modo sugestivo de exprimir a reunião i∈N 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM 41 Q+ dos números racionais positivos (A1 seriam as fracções de denominador 1, A2 as de denominador 2, etc...) e daqui se deduz, usando outra vez i) e h), que Q também é numerável. Finalmente, mostremos que j) P(X) > X Como a aplicação x 7→ {x} é uma injecção de X em P(X), X ≤ P(X). Se fosse igual, existiria uma injecção i : P(X) → X. Seja C = {i(A) : i(A) 6∈ A}. Se fosse i(C) ∈ C, i(C) seria um dos elementos i(A) com a propriedade i(A) 6∈ A, logo i(C) 6∈ C, contradição. Se fosse i(C) 6∈ C, i(C) teria aquela propriedade e i(C) ∈ C, outra contradição. Logo, não existe i. 3.3 Relações de ordem Chama-se relação de ordem (parcial) em sentido lato num conjunto X uma relação binária R que tenha as seguintes propriedades: 1) ∀x R(x, x) 2) ∀x ∀y [R(x, y) ∧ R(y, x) ⇒ x = y] 3) ∀x ∀y ∀z [R(x, y) ∧ R(y, z) ⇒ R(x, z)] A cada relação R deste tipo corresponde uma e uma só relação binária R0 , relação de ordem (parcial) em sentido restrito definida por R 0 (x, y) sse R(x, y) ∧ x 6= y, que tem as propriedades seguintes: 10 ) ∀x ∼ R0 (x, x) 20 ) ∀x ∀y ∼ [R0 (x, y) ∧ R0 (y, x)] 30 ) ∀x ∀y ∀z [R0 (x, y) ∧ R0 (y, z) ⇒ R0 (x, z)] como seria fácil de provar. Reciprocamente, dada uma relação R0 com as propriedades 10 ), 20 ) e 30 ) e definindo R por meio de R(x, y) sse R0 (x, y) ∨ x = y 42 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM vê-se que R tem as propriedades 1), 2) e 3). Também a partir de uma relação R se pode definir a relação inversa −1 R (x, y), que se verifica sse R(y, x) e que é também uma relação de ordem parcial, em sentido restrito ou em sentido lato, conforme for R. Chama-se conjunto ordenado (parcialmente) um conjunto em que esteja definida uma relação de ordem parcial (por exemplo, em sentido lato R e, portanto, também as respectivas relações de ordem parcial R0 , R−1 e (R−1 )0 ). Mais propriamente, um conjunto ordenado é o par (X, R) em que X é um conjunto e R uma relação de ordem parcial. Exemplos: 1.◦ ) O exemplo tı́pico é o da relação x ≤ y no conjunto N, Z, Q ou R. Por este motivo, em vez de R(x, y), escreveremos muitas vezes x ≤ y, mesmo que não se trate destes conjuntos ordenados e que ≤ tenha um significado diferente. As respectivas relações R0 , etc., são <, ≥ e >. 2.◦ ) Uma recta horizontal, como conjunto dos seus pontos, ordenados por “x não está à direita de y”. No conjunto dos pontos de um plano esta relação já não é de ordem parcial por se não verificar 2) nem 20 ). 3.◦ ) N, com a relação “x é divisor de y”. 4.◦ ) Sendo E um conjunto, P(E) com a relação X ⊆ Y , em que X ⊆ E e Y ⊆ E. 5.◦ ) Considere-se o conjunto {a, b, c, . . . , h} de pontos indicados na figura 4: a ? ??? ?? ?? ?? ?? ? b ???? ??c?? d ?? ?? ?? ?? ??? ??? ?? ?? f e ??? g ?? ?? ?? ?? ?? h Fig. 4 43 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM com a relação “x = y ∨ x está abaixo de y e ligado a y por uma poligonal que não é intersectada em mais de um ponto por nenhuma recta horizontal”. Verifica-se, por exemplo, R(h, h), R(h, e), R(h, c) mas não R(e, f ) porque uma poligonal que una e a f , como e b f ou e h f já não tem a propriedade indicada. Sendo finito o conjunto ordenado X, pode representar-se a relação de ordem R por um esquema deste tipo. O exemplo 3.◦ , no conjunto {2, 3, . . . , 10}, tem o esquema 8• 4• 6 9 10 3 5 7 • • jjjj• jjjjjj j jjjj jjjjjj jjjj • • • 2 •jj Fig. 5 Dado um conjunto parcialmente ordenado (X, ≤), define-se: a é um elemento máximo (ou maximal) de X quando, com x ∈ X, ∀x (a ≤ x ⇒ a = x). Do mesmo modo, a é um elemento mı́nimo (ou minimal) de X quando ∀x (x ≤ a ⇒ x = a). Pode haver ou não e haver um ou mais elementos máximos e mı́nimos. Assim, considerem-se os seguintes exemplos: 6.◦ ) Em (N, ≤) não há máximos e há um único mı́nimo, 1. 7.◦ ) Em (Z, ≤) e no segundo dos exemplos anteriores não há máximos nem mı́nimos. 8.◦ ) No exemplo a que se refere a figura 5 há cinco máximos, 6, 7, 8, 9 e 10 e 4 mı́nimos, 2, 3, 5 e 7. 9.◦ ) Em (P({1, 2, 3}), ⊆) há um máximo, {1, 2, 3}, e um mı́nimo, ∅. O esquema deste conjunto ordenado é o da figura 4. 44 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM Desta noção de máximo e mı́nimo é preciso distinguir a seguinte: Chama-se o maior (ou o máximo) elemento de X, se existir, ao elemento a ∈ X tal que ∀x x ≤ a. Analogamente, a é o menor (ou o mı́nimo) elemento de X quando ∀x a ≤ x. O maior e o menor elemento de X podem existir ou não: em (Z, ≤) não existem; em (N, ≤) existe só o menor elemento, 1; em (P{1, 2, 3}), ≤) {1, 2, 3} é o maior elemento e ∅ o menor. a) O maior [menor] elemento de X, se existe é um máximo [mı́nimo] e o único máximo [mı́nimo]. Por exemplo, sendo a o maior elemento, ∀x x ≤ a. Então, se a ≤ x, a = x, isto é, ∀x (a ≤ x ⇒ a = x) e a é máximo. Se fosse a0 outro máximo, tinha de ser a0 ≤ a (por ser a o maior) e a0 ≤ a ⇒ a0 = a por ser a0 máximo; logo, a0 = a. Dado um subconjunto A do conjunto ordenado X, chama-se maiorante de A, um elemento m de X tal que ∀x∈A x ≤ m; do mesmo modo, m é minorante de A quando ∀x∈A m ≤ x. Como nas definições anteriores, pode haver ou não maiorantes e minorantes. E um ou mais. 6 Exemplos: 10.◦ ) Em (Z, ≤) o conjunto N não admite maiorantes e tem muitos minorantes, como −4, 0 e até 1 (este por sinal ∈ N). 11.◦ ) No 5.◦ exemplo, o conjunto A = {b, c, d} tem um só maiorante, a, que 6∈ A e 4 minorantes, e, f, g, h. Se A = ∅, como ∀x∈A x ≤ m significa ∀x (x ∈ A ⇒ x ≤ m) e a hipótese x ∈ A é sempre F , qualquer m ∈ X é maiorante (e, analogamente, é minorante) de A. Por vezes usam-se as seguintes abreviaturas: Em vez de ∀x∈A x ≤ m escreve-se A ≤ m e, analogamente se interpretam A < m, A ≥ m, A > m. Se ∀x∈A ∀y∈B x ≤ y, escreve-se A ≤ B e do mesmo modo A < B, etc.7 . 6 Melhor que “majorante” pois todas as palavras portuguesas da famı́lia de “maior” se escrevem com i, excepto “major”. 7 Não são relações de ordem em P(X). 45 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM Sendo (X, ≤) um conjunto ordenado e A ⊆ X, A e a restrição 8 da relação ≤ ao conjunto A definem um novo conjunto ordenado. Pode, por exemplo, falar-se do maior dos elementos de A. E facilmente se vê que b) O maior [menor] dos elementos de A é maiorante [minorante] de A (no conjunto ordenado (X, ≤)). Considere-se agora o conjunto MA dos maiorantes [minorantes] de A. Se existe o menor [maior] elemento de MA , chama-se-lhe supremo ou extremo superior [ı́nfimo ou extremo inferior] de A e representa-se por sup A [inf A]. Pode existir ou não, mas se existir é único em virtude de a). Exemplos: 12.◦ ) N em (Z, ≤) não tem supremo (porque não tem maiorantes) mas tem ı́nfimo, que é 1 e ∈ N. 13.◦ ) {b, c, d}, do exemplo 11.◦ , tem supremo, a, que 6∈ {b, c, d} mas não tem ı́nfimo. 14.◦ ) Considere-se uma recta horizontal de que se excluiu um ponto, p, e ordene-se este conjunto, X, pela relação do exemplo 2.◦ (figura 6). X A ◦ p | m Fig. 6 Seja A = {x : x está à esquerda de p}. Os maiorantes de A são todos os pontos de X que estão à direita de p (p não é maiorante porque não faz parte de X). Mas não existe sup A porque, dado um dos maiorantes, m, o ponto médio do segmento pm ainda é maiorante de A e está à esquerda de m. Seja A uma parte do conjunto parcialmente ordenado X e MA o conjunto dos seus maiorantes. Então: 8 Isto é, a relação ≤ (x, y) que se verifica sse x ∈ A, y ∈ A e x ≤ y. Salvo indicação em contrário, quando se considera como conjunto ordenado um subconjunto A de (X, ≤) supõe-se que se toma para relação de ordem em A esta restrição de ≤. 46 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM a) m é o maior dos elementos de A sse m ∈ A ∩ MA . Pois a definição de “maior dos elementos” foi que m ∈ A e ∀x∈A x ≤A m sendo ≤A a restrição da relação ≤ ao conjunto A. Mas, entre elementos x e m de A, x ≤A m sse x ≤ m, sendo pois m o maior dos elementos de A sse m ∈ A ∧ ∀x∈A x ≤ m, isto é, sse m ∈ A ∩ MA . a0 ) m é o menor dos elementos de A sse m ∈ A e m é minorante de A. b) Se m ∈ A ∩ MA , m = sup A m é maiorante de A. Para qualquer outro maiorante, m0 , ∀x∈A x ≤ m0 , logo, porque m ∈ A, m ≤ m0 , isto é, m é minorante de MA e, como ∈ MA de acordo com a0 ) é o menor dos maiorantes de A, isto é, o sup A. b0 ) Se algum minorante de A pertencer a A é o inf A. c) Se existe inf MA , existe sup A e é igual. E reciprocamente. Seja c = inf MA . Ora ∀a∈A a ≤ MA (a é minorante de MA ), donde ∀a a ≤ c por ser c o maior dos minorantes de MA . Logo, c ∈ MA , mas como é minorante de MA , por a0 ), c é o menor elemento de MA , isto é, sup A. Reciprocamente, se c = sup A, é o menor elemento de MA , logo, por a0 ) e b0 ), é o inf MA . c0 ) Se existe o supremo dos minorantes de A, existe inf A e é igual. E reciprocamente. Facilmente se vê que d) m ≥ A ⇔ m ≥ sup A e m ≤ A ⇔ m ≤ inf A. e) Se A ⊆ B, sup A ≤ sup B caso estes supremos existam. 47 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM De facto, x ∈ A ⇒ x ∈ B. Logo, ∀x∈B x ≤ m ⇒ ∀x∈A x ≤ m. Logo, m ∈ MB ⇒ m ∈ MA , isto é, MB ⊆ MA . Como sup B ∈ MB , sup B ∈ MA , e como sup A é o menor elemento de MA , sup A ≤ sup B. e0 ) Se A ⊆ B e inf A e inf B existem, inf A ≥ inf B. f) Se A 6= ∅ e inf A e sup A existem, inf A ≤ sup A porque ∃a a ∈ A e inf A ≤ a ≤ sup A. Mas é costume considerar sup ∅ igual ao menor dos elementos de X e inf ∅ igual ao maior, se estes elementos existirem (porque, por exemplo, ∀m∈X (x ∈ ∅ ⇒ x ≤ m), de modo que M∅ = X). Seja f : X → Y , em que X é um conjunto qualquer e Y um conjunto ordenado pela relação ≤. Seja A ⊆ X. f (A), como parte de Y , pode ter ou não sup e inf, que se chamam então supremo ou ı́nfimo de f em A e se representam por sup f e inf f ou sup f (x) A A x∈A e inf f (x). x∈A Se em particular este supremo ou este ı́nfimo pertencerem a f (A), isto é, forem valores efectivamente tomados pela função f em A, chamam-se o máximo absoluto 9 de f em A e o mı́nimo absoluto de f em A. Por exemplo, sendo f : R → R dada por x 7→ x2 e A = [−1, 2[, f (A) é [0, 4[, inf f = 0, sup f = 4 e 0 é também o mı́nimo absoluto de f em A. A A g) A ⊆ B ⇒ sup f ≤ sup f ∧ inf f ≥ inf f A A B B Basta atender a e) e e0 ) e a que f (A) ⊆ f (B). h) Se ∀x∈A f (x) ≤ g(x) e se sup f e sup g existem, sup f ≤ sup g. A A A A Porque a hipótese implica que qualquer maiorante de g(A) é maiorante de f (A), isto é, Mg(A) ⊆ Mf (A) , donde inf Mf (A) ≤ inf Mg(A) e estes ı́nfimos são precisamente sup f e sup g. A 9 A Mesmo que, para abreviar, se diga apenas “o máximo de f em A” distingue-se esta noção da de “um máximo de f (A)” porque agora se usa o artigo definido. 48 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM h0 ) Sob a mesma condição, se inf f e inf g existem, inf f ≤ inf g. A A A A As noções de supremo, máximo, etc., de uma função aplicam-se naturalmente a famı́lias (xi : i ∈ I), bastando que xi ∈ X, parcialmente ordenado. Em particular o conjunto dos ı́ndices pode ser um produto cartesiano I × J, isto é, pode tratar-se de um aplicação x : I × J → X, dada por (i, j) 7→ xij . Sem demonstração, citaremos uma propriedade importante. i) Se ∀j∈J sup xij existe, então I∈I sup xij existe sse existe sup xij e, (i,j)∈ I×J j∈J i∈I nesse caso, estes dois supremos coincidem. Seja agora f : X → Y uma aplicação entre dois conjuntos parcialmente ordenados por certas relações de ordem que, para simplificar, designaremos – ambas – pelo mesmo sinal ≤. Diz-se que f é crescente em sentido lato quando ∀x ∀y [x < y ⇒ f (x) ≤ f (y)] Analogamente, diz-se que f é crescente em sentido restrito, decrescente em sentido lato e decrescente em sentido restrito quando se verificam propriedades análogas em que apenas a desigualdade f (x) ≤ f (y) é substituı́da, respectivamente por f (x) < f (y), f (x) ≥ f (y) e f (x) > f (y). No primeiro e no terceiro casos diz-se, ainda, que f é monótona em sentido lato e que é monótona em sentido restrito nos outros dois. É claro que a função crescente em sentido restrito é também crescente em sentido lato, etc. Se f é crescente e decrescente em sentido lato, ∀x ∀y [x < y ⇒ f (x) = f (y)], de modo que f é constante. 15.◦ ) Exemplos de aplicações f : R → R classificadas quanto ao crescimento: 49 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM tt tt t t tt tt t t tt tt t tt tt ttt ttt 44 44 44 44 44 4 OOO OOO OOO OOO OOO OO Fig. 7 Num conjunto parcialmente ordenado, X, dados dois elementos a e b, chamam-se intervalos de extremos a e b (por esta ordem) os conjuntos [a, b] = {x : a ≤ x ∧ x ≤ b} 10 intervalo fechado ]a, b[= {x : a < x ∧ x < b} intervalo aberto [a, b[= {x : a ≤ x ∧ x < b} intervalo fechado à esquerda e aberto à direita ]a, b] = {x : a < x ∧ x ≤ b} intervalo aberto à esquerda e fechado à direita Consideram-se ainda os intervalos ilimitados [a, → [, ]a, → [, ] ←, b], ] ←, b[ e ] ←, → [, que significam, respectivamente, {x : a ≤ x}, {x : a < x}, {x : x ≤ b}, {x : x < b} e X 16.◦ ) Exemplos de intervalos no conjunto ordenado do exemplo 5.◦ . [e, a] = {e, b, c, a}, [g, a[= {g, c, d}, ]f, c[= ∅, [f, → [= {f, b, d, a}, [f, f ] = {f }, [f, h] = ∅, ] ←, h[= ∅ 50 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM Facilmente se vê que os intervalos [a, → [ e ] ←, b] e, se a ≤ b, os intervalos [a, b], [a, b[ e ]a, b] não podem ser vazios. Se a < b e ]a, b[ é vazio, diz-se que a e b são consecutivos. Consideremos agora diversas espécies particulares de conjuntos ordenados. Diz-se que X, ordenado por ≤, é filtrante à direita [esquerda] quando ∀x ∀y ∃m (x ≤ m ∧ y ≤ m) [∀x ∀y ∃m (m ≤ x ∧ m ≤ y)], isto é, quando dois quaisquer elementos possuem um maiorante [minorante] comum. j) Num conjunto filtrante à direita [esquerda], qualquer elemento máximo é o maior [menor] elemento. Seja a o máximo. ∀x ∃m (a ≤ m ∧ x ≤ m). Como a é um máximo, a ≤ m ⇒ a = m, donde ∀x x ≤ a. 17.◦ ) O conjunto do exemplo 3.◦ é filtrante à direita (por exemplo m = m.m.c. (x, y)) e à esquerda (m = 1). 18.◦ ) O conjunto parcialmente ordenado a, b, c representado por a •?? •c ?? ?? ? • b é filtrante à esquerda mas não à direita. Diz-se que X é um reticulado quando, dados dois quaisquer elementos, x e y, existem sup{x, y} e inf{x, y} Exemplo: 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM 51 19.◦ ) (P(E), ⊆) é um reticulado. Dados A e B, contidos em E, os maiorantes de A, B, isto é, os subconjuntos de E que contêm A e B são A ∪ B e todos os conjuntos que contêm A ∪ B. A ∪ B é, pois, um maiorante ≤ que qualquer outro (isto é, ⊆ em qualquer outro). Logo, A∪B = sup{A, B} e analogamente inf{A, B} = A∩B, no conjunto ordenado que estamos considerando. 1) Num reticulado a intersecção de dois intervalos é um intervalo. Bastará analisar o que se passa num dos casos; os outros são análogos. [a0 , b[ ∩ ]a00 , → [ = {x : a0 ≤ x ∧ x < b} ∩ {x : a00 < x} = {x : a0 ≤ x ∧ x < b ∧ a00 ≤ x ∧ a00 6= x} = {x : a0 ≤ x ∧ a00 ≤ x ∧ a00 6= x ∧ x < b}. Seja a = sup {a0 , a00 }. Então a0 ≤ x ∧ a00 ≤ x ⇔ {a0 , a00 } ≤ x ⇔ a ≤ x (de acordo com d). Logo, a intersecção daqueles intervalos é igual a {x : a ≤ x ∧ a00 6= x ∧ x < b} = [a, b[\{a00 }. Como a00 < a ∨ a00 = a, a mesma intersecção ou é [a, b[ ou ]a, b[. Chama-se denso um conjunto parcialmente ordenado, tal que ∀a ∀b (a ≤ b ⇒]a, b[6= 0), isto é, onde não há elementos consecutivos. Por exemplo, (Q, ≤) é denso, porque, dados m2 m1 e , n1 n2 a sua média aritmética é ainda ∈ Q e pertence ao intervalo aberto determinado por aqueles números; (Z, ≤) não é denso porque ]2, 3[, por exemplo, é vazio. Chama-se completo um conjunto parcialmente ordenado que satisfaz uma das três condições seguintes (em que A e B designam subconjuntos do c.p.o. X) 52 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM 1) ∀A (A 6= ∅ ∧ A maiorado ⇒ ∃s s = sup A) 2) ∀B (B 6= ∅ ∧ B minorado ⇒ ∃i i = inf B) 3) ∀A ∀B (A 6= ∅ ∧ B 6= ∅ ∧ A ≤ B ⇒ ∃x A ≤ x ≤ B) (diz-se que entre A e B, com A ≤ B, há uma lacuna se ∼ ∃x A ≤ x ≤ B). Estas três condições são equivalentes entre si, bastando verificar-se uma delas para que as outras se verifiquem (e o c.p.o. seja completo). Demonstração: Vejamos que 1) ⇒ 3). Se A e B satisfazem a hipótese de 3), como B 6= 0, ∃b (b ∈ B ∧ A ≤ b) (porque A ≤ B) de modo que A é maiorado; por 1) existe s = sup A, o que implica, conforme a definição de sup, s ∈ MA e s ≤ MA , donde, respectivamente A ≤ s e s ≤ B (porque todos os elementos de B pertencem a MA por ser A ≤ B); s é então o x a que se refere a tese de 3). Vejamos que 3) ⇒ 2). Seja B 6= 0 e minorado e seja A = {x : x é minorante de B}. A 6= 0 porque B é minorado e A ≤ B, dada a definição de A. Então, por 3), ∃i A ≤ i ≤ B. A ≤ i significa que i é ≥ qualquer minorante de B; i ≤ B significa ser i minorante de B. Logo, i = inf B. Vejamos que 2) ⇒ 1). Se A satisfaz as hipóteses de 1), A maiorado, donde MA 6= 0, e A 6= 0, de modo que MA minorado (por ser A ≤ MA ). Então, por 2), existe inf MA , mas, como se viu em c), existe então sup A. 20.◦ ) Exemplo de um c.p.o. completo é (Z, ≤) pois se A é um conjunto de inteiros não vazio (∃n1 n1 ∈ A) e maiorado (∃n2 A ≤ n2 ), como n1 ≤ n2 e entre n1 e n2 há apenas um número finito de inteiros, pode verificar-se um a um se ∈ A ou 6∈ A e encontrar-se assim o maior dos elementos de A, que é o sup A. 21.◦ ) Exemplo de um c.p.o. não completo é o exemplo 14.◦ , acima mencionado, por não existir sup A como logo se vê. Há aqui, pois, uma lacuna entre A e X \ A como a figura 6 sugere. 22.◦ ) Outro exemplo de c.p.o. não completo é (Q, ≤). 53 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM Seja A = {q : q > 0 ∧ q 2 < 2}. 1 ∈ A, logo A 6= 0. q ∈ A ⇒ q ≤ 2, pois q > 2 ⇒ q 2 > 4; logo A ≤ 2. Se existisse, em Q, s = sup A, teria de ser 1 ≤ s ≤ 2. Vejamos o valor de s2 . m Se s2 = 2, seja s = , irredutı́vel. n 2 m Então 2 = 2, m2 = 2 n2 , m par, m = 2 p, 4 p2 = 2 n2 , 2 p2 = n2 e n n m par contra a hipótese de ser irredutı́vel. n Se s2 < 2, como s2 ≥ 1, 0 < 2 − s2 ≤ 2 − 1 = 1. Então, (s + 2 − s2 2 2 (2 − s2 )2 ) = s2 + s (2 − s2 ) + 5 5 25 2 2−s 4 ≤ s2 + (2 − s2 ) + 5 25 (atendendo a que s ≤ 2 e 2 − s2 ≤ 1), donde (s + 2 − s2 2 21 ) = s2 + (2 − s2 ) < s2 + (2 − s2 ) = 2. 5 25 2 − s2 ∈ A, não podendo s ser maiorante de A. 5 Se s2 > 2, 0 ≤ s2 − 2, e O racional s + (s − s2 − 2 2 2 (s2 − 2)2 ) = s2 − s (s2 − 2) + 5 5 25 ≥ s2 − 4 2 (s − 2) 5 porque s ≤ 2, vindo (s − Como s2 ≤ 4, s2 − 2 2 5 ) > s2 − (s2 − 2) = 2. 5 5 s2 − 2 2 s2 − 2 ≤ <s e s− é positivo. 5 5 5 54 CAPÍTULO 3. RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA E ORDEM s2 − 2 s2 − 2 6∈ A e, se q > s − também q > 0 e q 2 > 2, Logo, s − 5 5 donde q 6∈ A. Então, q ∈ A ⇒ q ≤ s − contradiz s = sup A. s2 − 2 s2 − 2 e s− ∈ MA sendo < s, o que 5 5 Finalmente, um conjunto parcialmente ordenado (X, R) diz-se totalmente ordenado ou linearmente ordenado se R satisfaz 4) ∀x ∀y [R(x, y) ∨ R(y, x)] não podendo, pois, existir em X elementos incomparáveis (tais que nem x ≤ y nem y ≤ x). O conjunto do exemplo 5.◦ não é linearmente ordenado. Os conjuntos N, Z e Q são-no. Se R satisfaz esta condição, a respectiva relação de ordem em sentido restrito, R0 , satisfaz a propriedade tricotómica: ∀x ∀y Verifica-se sempre uma e uma só das três condições seguintes: R0 (x, y), x = y, R0 (y, x). De facto, se R(x, y) ∨ R(y, x), há três casos possı́veis: R(x, y) ∧ R(y, x), donde, por 2), x = y; R(x, y)∧ ∼ R(y, x), donde R0 (x, y), porque ∼ R(y, x) implica, em vista de 1), x 6= y; e analogamente, se ∼ R(x, y) ∧ R(y, x). Em sentido inverso, se R0 é tricotómica, a respectiva relação R satisfaz 1) e 2), como facilmente se vê, de modo que se pode caracterizar um conjunto totalmente ordenado por meio de uma relação de ordem (em sentido restrito) que seja, apenas, transitiva e tricotómica. Algumas propriedades dos c.t.o. m) Se (X, ≤) é totalmente ordenado, é um reticulado. Pois, dados a e b, se a ≤ b, sup {a, b} = b e inf {a, b} = a, e inversamente se a ≥ b. 55 3.3. RELAÇÕES DE ORDEM n) Uma aplicação, f , monótona em sentido restrito de um conjunto totalmente ordenado X num conjunto parcialmente ordenado, Y , é injectiva e a respectiva aplicação f −1 : f (X) → X é crescente em sentido restrito ou decrescente em sentido restrito conforme for f . Supondo f crescente, x < y ⇒ f (x) < f (y) ou x 6= y ⇒ ⇒ f (x) 6= f (y) x > y ⇒ f (x) > f (y) de modo que f é injectiva. Inversamente, dados dois elementos de f (X), f (x) e f (y), f (x) 6= f (y) ⇒ x 6= y e o esquema anterior mostra que < < f −1 [f (x)] = x > y = f −1 [f (y)] conforme f (x) > f (y). o) Num conjunto totalmente ordenado, X, dado um subconjunto, A, s = sup A ⇔ s ≥ A ∧ ∀x (x < s ⇒ ∃a∈A x < a ≤ s) De facto, se s = sup A, é ≥ A e sendo x < s, ∼ x ≥ A, logo ∃a∈A ∼ x ≥ a. Ora, sendo X totalmente ordenado, ∀x (∼ x ≥ a ⇔ x < a) de modo que 11 ∃a∈A x < a e a ≤ s por ser s = sup A. Reciprocamente x < s ⇒ ∃a x < a significa x < s ⇒∼ x ≥ A, donde x ≥ A ⇒∼ x < s ⇒ x ≥ s. Logo, s é minorante de MA , mas como s ≥ A, s ∈ MA e é o sup A. Analogamente, num conjunto totalmente ordenado i = inf A ⇔ i ≤ A ∧ ∀x (x > i ⇒ ∃a x > a ≥ i). 11 De ∀x (∼ x ≥ a ⇔ x < a) deduz-se sucessivamente ∀x (∼∼ x ≤ a ⇔∼ x < a), e por 3) da pág. ??, ∀x ∼∼ x ≥ a ⇔ ∀x ∼ x < a, e finalmente ∼ ∀x ∼∼ x ≥ a ⇔∼ ∀x ∼ x < a, isto é, ∃x ∼ x ≥ a ⇔ ∃x x < a.