UNIVERSIDADE REGIONAL DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES CAMPUS DE ERECHIM REJANE CAMILA NICKEL NAS ENTRELINHAS DE ALICE: O CHAPELEIRO MALUCO, A RAINHA DE COPAS E A MENINA ALICE NA ERA VITORIANA ERECHIM 2011 2 REJANE CAMILA NICKEL NAS ENTRELINHAS DE ALICE: O CHAPELEIRO MALUCO, A RAINHA DE COPAS E A MENINA ALICE NA ERA VITORIANA Monografia apresentada ao Curso de Letras do Departamento de Linguística, Letras e Artes da URI-Campus de Erechim . Orientadora: Profª. Ms. Maria Paula Seibel Brock. ERECHIM 2011 3 RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar e encontrar na obra de Lewis Carroll, Alice’s Adventures in Wonderland, mais especificamente nos personagens Rainha de Copas, Chapeleiro Maluco e Alice, características que representem a Era Vitoriana, época em que o autor viveu. Estas características focarão os seguintes tópicos: aspectos sociais, literatura, educação e governo. Primeiramente foi feito uma busca histórica, onde se aponta o governo, a sociedade, a rainha, a literatura e a educação da época, bem como a vida do autor da obra e um resumo da obra. Depois de retirar os excertos da obra e feita a análise, é possível afirmar que os três personagens representam a época vitoriana. A Rainha de Copas pode ser a própria rainha Vitória, com seus princípios e sua maneira de governar, principalmente seu temperamento forte e oscilante, parecendo muitas vezes confuso. Já o Chapeleiro Maluco liga-se à Revolução Industrial que teve seu início na época, havendo muita contradição entre a população. A menina Alice está inteiramente relacionada com a própria sociedade que vive em contradição, está na metade de um processo e passa por uma mudança entrando em um mundo que é totalmente controverso ao seu, aprendendo outras maneiras de pensar e agir. Ao finalizar o estudo, faz-se algumas considerações sobre o assunto. Palavras-chave: Literatura Inglesa. Época Vitoriana. Lewis Carroll. 4 ABSTRACT The aim of this work was to analyse and locate in the book Alice's Adventures in Wonderland, more specifically in the characters Queen of Hearts, Crazy Hatter and Alice, characteristics that represent the Victorian Age, period in which the writer lived. These characteristics will focus the themes: social aspects, literature, education and government. First of all, a Historical search was made, where the government, the society, the Queen, the literature, the education of the period were pointed, the book’s author's life and a book summary. After the parts of the book were analysed it is possible to say that the three characters represent the Victorian Age. The Queen of Hearts could be Queen Victoria herself, with her principles and her way to govern, especially her strong and oscillating temper, looking confusing sometimes. The Crazy Hatter is associated with the Industrial Revolution that began at that time, having a lot of contradiction among the population. The girl Alice is totally connected with the society itself that lives in contradition, it is in the middle of a process and is through a change entering in a world which was totally different of itself, learning other ways to think and act. To finish the search, some considerations about the theme are done. Kee-words: English Literature. Victorian Age. Lewis Carroll. 5 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................6 2 MARCO TEÓRICO..............................................................................................................8 2.1 ÉPOCA VITORIANA ..........................................................................................................8 2.2 RAINHA VITÓRIA ........................................................................................................... 11 2.3 LITERATURA VITORIANA.............................................................................................13 2.4 EDUCAÇÃO NO PERÍODO VITORIANO ..................................................................15 2.5 LEWIS CARROLL ............................................................................................................17 2.6 OBRA “ALICE’S ADVENTURES IN WONDERLAND” ...............................................18 3 METODOLOGIA................................................................................................................20 4 ANÁLISE DA OBRA ..........................................................................................................21 4.1 RAINHA DE COPAS .........................................................................................................21 4.1.1 Aspectos sociais ..............................................................................................................21 4.1.2 Educação no Período Vitoriano....................................................................................22 4.1.3 Governo ..........................................................................................................................23 4.2 CHAPELEIRO MALUCO.................................................................................................25 4.2.1 Aspectos Sociais .............................................................................................................25 4.2.2 Educação no Período Vitoriano....................................................................................27 4.2.3 Governo ..........................................................................................................................27 4.3.1 Aspectos Sociais .............................................................................................................29 4.3.2 Literatura .......................................................................................................................33 4.3.3 Educação no Período Vitoriano....................................................................................33 4.3.3 Governo ..........................................................................................................................36 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................38 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................40 6 1 INTRODUÇÃO O livro “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas” se tornou, junto com sua continuação, consagrado como o livro infantil de maior sucesso no mudo cerca de meio século após seu lançamento, e um aspecto que contribuiu para esse sucesso foi a leitura por pura diversão, por ser uma história que foge à lógica, que permite ao leitor viajar, sonhar junto com a menina Alice. Porém a obra não atrai somente crianças. Segundo Burgess (1996, p. 220), Carroll e seu companheiro Lear, poeta que também escrevia “nonsense”, “exploraram o mundo da fantasia para proveito das crianças, mas que talvez se sentissem mais à vontade nesse mundo do que na utilitária Inglaterra Vitoriana”. Por ser uma obra sem lições, mas para diversão, o adulto também se sente motivado e interessado nesse sonho, que pode refletir a real natureza da vida, como afirmam Priestley e Spear (1963, p. 333): “There is more meaning behind the strange characters in the distorced world of the Alice books than first appears. Adults find that the upside-down world of Alice reflects almost uncannily the true nature of life”.1 Carter e Mcrae (2004) afirmam que: This was an age of extremes: the working classes were poor, and lived and worked in terrible circumstances; the middle classes grew rich and comfortable. There were double standards in this society. Many writers used their works to show that although on surface this was a successful society, below the surface there were many 2 problems. (p. 126) 1 “Há mais significados por trás dos estranhos personagens no distorcido mundo dos livros de Alice do que aparenta. Adultos acham que o confuso mundo de Alice refletem quase a verdadeira natureza da vida.” (Minha tradução) 2 “Esta foi uma época de extremos: a classe dos trabalhadores era pobre e viviam e trabalhavam em terríveis condições; a classe média crescia rica e confortavelmente. Havia padrões duplos nesta sociedade. Muitos escritores usavam seus trabalhos para mostrar que embora na superfície esta foi uma sociedade bem sucedida, embaixo da superfície havia muitos problemas.”(Minha tradução) 7 Consequentemente, por ter sido escrito em uma época muito importante da História Inglesa, o livro também retrata a sociedade na época, as maneiras de pensar, de agir da Inglaterra Vitoriana. Com o objetivo de encontrar características na obra de Carroll que retratem a Era Vitoriana, serão analisados os personagens Rainha de Copas, Chapeleiro Maluco e Alice nos seguintes aspectos: social, literatura, educação e governo, retirando excertos da obra na versão original para apontar sua ligação com a Época Vitoriana. Primeiramente serão relatados aspectos importantes sobre a época Vitoriana, a literatura e educação do período. Logo após, será abordada a obra em si, após seu autor. Então, os excertos passarão a ser apontados e analisados. Terminada a análise, serão feitas considerações sobre o estudo. 8 2 MARCO TEÓRICO Neste capítulo abordarei a Época Vitoriana, a governante da época, a Rainha Vitória, a literatura, a educação, o autor e a obra Alice, que será analisada na versão original. 2.1 ÉPOCA VITORIANA A Época Vitoriana ocorreu quando a Rainha Vitória estava no poder. Seu reinado foi de 1837 a 1901. Nessa época houve muitas mudanças. Uma delas foi a etapa do progresso pacífico, que ficou conhecido como Pax Britânica e que propiciou a criação de novas técnicas engenhosas, frutos da Revolução Industrial. Já que tudo ocorreu na mesma época a Inglaterra tornou-se uma grande potência industrial. Figueira (2004, p.194) afirma que “a Inglaterra foi o primeiro país a reunir as condições necessárias para o desenvolvimento do sistema fabril”. Esta revolução começou primeiramente nos países europeus, mas principalmente naqueles países que aderiram à Reforma Protestante. São eles: Inglaterra, Escócia, Países Baixos e Suécia. Nos países Católicos, a revolução eclodiu mais tarde, copiando os primeiros países, mais desenvolvidos. Outros motivos da revolução ter iniciado na Europa foi pelos mercadores serem os principais comerciantes do mundo, pela expansão do mercado, a grande competitividade dos fabricantes, que se armaram e com isso, favorecendo, mais tarde, a eclosão da Primeira Guerra Mundial e pelo crescimento da população, que nessa época se desenvolveu consideravelmente. Segundo Evans (2011), “The United Kingdom’s population at Victoria’s accession in 1837 was about 25.5 million, eight million of whom lived in Ireland. At her death in 1901, it had risen to 41 million”.3 3 (A população do Reino Unido na ascensão de Vitória em 1837 era de cerca de 25.5 milhões, oito milhões vivia na Irlanda. Após sua morte, em 1901, aumentou para 41 milhões). 9 Durante este período a Inglaterra passou a competir por territórios que foram descobertos, com outros países europeus, principalmente na África e isso tornou-se um grande investimento para o império. Ela se tornou cada vez mais dependente na economia global, comprometendo-se a encontrar e forçar novos companheiros para negociar, incluindo as “colônias virtuais”, ou seja, nações que não faziam parte do império oficialmente, mas que estavam em transição para se tornarem colônias do Império (THE NORTON ANTHOLOGY, 1999) Houve bastante enriquecimento da classe burguesa, porém o povo foi mais uma vez oprimido. Foi instituído o parlamentarismo, por Benjamin Disraeli e William Gastone, que serviu para unir a sociedade para a fiscalização dos governantes. De acordo com Woodward (1964), Assim, os maus alojamentos dos pobres não eram nada de novo; a novidade estava no fato do Parlamento decidir realizar um inquérito sobre a habitação e as condições gerais da classe trabalhadora, na convicção de que era possível tomar medidas para as melhoras. (p. 180) O parlamentarismo também ajudou na reforma de 1832 que deu privilégios para os homens de classe média baixa e redistribuindo as representações do parlamentarismo de maneira mais razoável. Mas ainda as dificuldades econômicas e sociais associadas à industrialização caracterizaram a época pelo nome de “tempo dos problemas”, onde havia desemprego, grande pobreza e desordem (THE NORTON ANTHOLOGY, 1999). Grandes mudanças ocorreram na maneira de viver do povo inglês. Segundo Woodward (1964, p. 179), “Em contraste com os períodos anteriores, a era vitoriana surge como um amplo e inesperado despertar de consciência e, também, como uma tentativa, embora imperfeita, de aplicar a ética cristã às condições modernas”. Antes da revolução industrial, o comércio era artesanal e manual, sendo que muitas vezes o produtor era responsável por todas as fases do serviço, desde a matéria-prima até sua finalização e comercialização. Com essa mudança as pessoas passaram a trabalhar para os donos de fábricas como operários e trabalhar com apenas uma etapa do processo de produção. Segundo Evans (2011): 10 Victoria came to the throne during the early, frenetic phase of the world's first industrial revolution. Industrialisation brought with it new markets, a consumer boom and greater prosperity for most of the propertied classes. It also brought rapid, and sometimes chaotic change as towns and cities expanded at a pace which 4 precluded orderly growth. Com a Inglaterra toda em alvoroço pela modernização, a valorização do ser humano foi sendo esquecida. Segundo Morais (2004) A Revolução Industrial, o desenvolvimento do comércio e o laissez-faire econômico ensejaram um novo estilo de vida, mais dinâmico, que se converteu em uma intensa pressão do trabalho – lutava-se por sucesso e posição social. Nunca antes o homem foi tão reduzido à engrenagem de uma máquina poderosa e lucrativa (p. 41). A façanha da indústria moderna e da ciência foi celebrada na Grande Exibição no Hyde Park, em 1851. Com grande investimento de pessoas, dinheiro e tecnologia criaram o Império Britânico. Os ingleses puderam ver a expansão do seu império juntamente com moral e responsabilidade, esta sendo uma marca do governo em questão (THE NORTON ANTHOLOGY, 1999). Esta época foi também palco para grandes contradições. Com a revolução industrial surgindo, e com reflexos da revolução francesa e até mesmo da maneira de pensar do iluminismo, a sociedade recebe “respingos” desta maneira de pensar e agir, porém a mesma maneira de viver é colocada diante de uma outra, bem diferente da proposta pela revolução, e acaba ficando entre as duas, sem saber qual seguir. Morais (2004) explica esta afirmação da seguinte maneira: De um lado, havia a euforia pelo crescimento industrial, que colocou a Inglaterra (especialmente a cidade de Londres) na vanguarda desse processo, deslocando o estilo de vida inglês, até então baseado na agricultura, para uma economia urbana moderna baseada no comércio e na indústria. De outro lado, o vitorianismo se mostra como expressão de pavor à modernização, a rapidez jamais vivenciada de mudanças tão radicais. (p. 16) 4 Vitória chegou ao trono durante a fase inicial, frenética da primeira revolução industrial do mundo. A industrialização trouxe consigo novos mercados, um “boom” de consumo e uma grande prosperidade para a maioria das classes de posses. Trouxe também mudanças rápidas, e às vezes caóticas como as cidades que se expandiram a um ritmo que impedia o crescimento ordenado. 11 Houghton (1985, apud MORAIS, 2004, p. 18) também diz que “The victorian had to live in the meantime between two worlds, one dead or dying, one struggling, but powerless to be born, in an age of doubt”5. As injustiças entre homens e mulheres estimularam um debate sobre a questão da mulher na sociedade. Elas não tinham direito ao voto ou proteção policial neste período, mas com o tempo foram ganhando direitos significativos como a custódia das crianças e direito de posses no casamento. No final do reinado da Rainha Vitória, as mulheres já podiam estudar em doze universidades. Centenas de mulheres trabalhavam em fábricas em horríveis condições, e muitas delas se prostituíam (THE NORTON ANTHOLOGY, 1999). Para todos os acontecimentos citados anteriormente, a Rainha Vitória teve grande influência. 2.2 RAINHA VITÓRIA Alexandrina Vitória Regina se tornou rainha aos dezoito anos, com a morte de seu tio, rei William IV. Era filha do Duque de Kent e de Vitória Maria Louisa de Saxe-Coburg. Foi uma das primeiras mulheres a casar de vestido branco, com Albert, príncipe de SaxeCoburgo-Gotha, seu primo. Quando seu marido, príncipe Albert, faleceu, a Rainha Vitória se isolou e evitava aparecer em público. Surgiram muitas críticas sobre o valor da monarquia. Para evitar problemas maiores, a soberana voltou a aparecer em público e se tornou uma das regentes mais populares da Inglaterra. Seu reinado, de 1837 a 1901, foi chamado de Era Vitoriana. A moral e os bons costumes foram algumas das características marcantes do seu reinado. Segundo Silva (2005), Não é exagero considerar que o comportamento e o estilo de vida da rainha Vitória viriam a influenciar a sociedade fazendo com que a era vitoriana se tornasse sinônimo de pontualidade, sobriedade e sofisticação, até hoje características associadas ao povo inglês. (p. 224) 5 Os vitorianos tinham que viver, ao mesmo tempo, entre dois mundos, um morto ou morrendo, outro lutando, mas ainda sem força para nascer, numa era de dúvida. 12 Contudo, a sociedade era oprimida por esses costumes morais puritanos. Segundo Ramos (2010, p. 103): “A família e as relações afetivas eram estabelecidas sob terríveis sanções, em que a Rainha Vitória era o modelo de feminilidade virtuosa que as mulheres deveriam seguir”. Foi nessa época que surgiu o que se chama de literatura pedagógica, que tinha por fim ensinar sobre vários assuntos, dando a entender que seguir condutas morais torna a pessoa boa, com virtudes e valores. A rainha lançou um livro chamado “Our life in the Highlands” (Nossa vida nas Montanhas), o qual falava da vida da família real, era uma espécie de revista de fofocas. Isso agradou muito a população, como diz McDowall (1995): “It delighted the public, in particular the growing middle class.”6 Nesta época as pessoas levavam muito em conta a educação recebida pelos pais em casa. Estes, muito rígidos, faziam o possível para guiar seus filhos no caminho das grandes virtudes. Porém, o foco destas pessoas estava sempre relacionado em fazer a criança parecer um adulto (MORAIS, 2004, p.67). Porém a sociedade passou a ser hipócrita em seu viver, pois por mais que se valorizasse a família, valores morais e religiosos, as pessoas passaram a ter duas vidas: uma perante a sociedade, e outra em festas e prostíbulos, como novamente relata Silva (2005, p.225): Os jogos, as bebidas e por vezes o fumo se tornaram impróprios para cavalheiros. Esse era o preço para ser aceito nos círculos sociais como um homem respeitado, pelo menos aos olhos de todos. À noite, porém, muitos desses mesmos cavalheiros enchiam os prostíbulos e casas de jogos dos arredores de Londres. Quanto à mulher, o que se esperava dela era que agisse como um ser frágil, prudente e fútil, a quintessência da inutilidade. Gay (1989, p. 292, apud MORAIS, 2004, p. 25) diz também que houve “um divórcio completo entre o que se praticava e o que se pregava, de tal maneira que toda vida moderna na Inglaterra se transformou numa imensa mentira'”. Vitória também teve grandes ministros em seu governo. Alguns deles são: Lord Melbourne, Sir Robert Peel, Lords Russel and Palmerston, Disraeli e Gladstone. Vitória sempre esteve presente nas decisões, por isso sua soberania nunca foi de fachada. 6 Isto deleitava o público, em particular a classe média em crescimento. 13 As relações de Vitória com seus primeiros-ministros variaram segundo seu gosto pessoal: Melbourne, Robert Peel e, principalmente, Benjamin Disraeli contaram com suas simpatias, enquanto que em relação a lorde Palmerston e William Ewart Gladstone, ela não escondeu seu desagrado (ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL, s/d). Lord Melbourne foi o primeiro ministro de Vitória e o mais conhecido. Sempre conservador, ensinou-a todos os seus deveres como soberana. Porém, havia rumores de que Melbourne foi também o primeiro amor da jovem rainha, chegando a ser chamada de Sra. Melbourne. Contudo a rainha dizia o amar como um pai (HIBBERT, 2010). A rainha, porém, não se deixou governar por nenhum dos seus ministros. Por ser muito jovem, tomou também muitas atitudes precipitadas que decepcionaram o povo, por confundir força com teimosia, por não ouvir conselhos. Contudo, ninguém pode dizer que a rainha não tinha virtudes, e a principal era viver conforme seus princípios, que foram passados para a sociedade que a admirava, deixando rastros, também na literatura. 2.3 LITERATURA VITORIANA Whitehead (apud MORAIS, 2004, p. 91) diz que “Se esperamos descobrir os pensamentos internos de uma geração, é para a literatura que devemos olhar”. Neste aspecto, a Era Vitoriana se encaixa perfeitamente. Quando precisavam de conselhos, recorriam à literatura; quando queriam distrair-se, recorriam à literatura; quando queriam até mesmo reforçar seu dogmatismo peculiar, também recorriam à literatura. Não há como pensar a Era Vitoriana sem a associarmos aos seus grandes escritos e escritores, sem vincularmos a esse período uma literatura de tão extremado valor estético e social (MORAIS, 2004, p.36). A literatura desta época tinha um estilo um pouco romântico, com a idealização de um mundo melhor, escapar da tristeza idealizando algum outro lugar, porém os vitorianos não costumavam ter exageros ou a falta de controle. Também nesta época surge a literatura pedagógica que tem por principal objetivo ensinar o que se deve ou não fazer, como as pessoas devem se portar, agir. Morais (2004) confirma dizendo que 14 A Literatura, especialmente aquela denominada literatura pedagógica, com fins de aconselhamento, punha, por falta de senso crítico, as virtudes muito mais à mão das pessoas do que realmente estavam; tais textos ditavam normas e regras de comportamento como se fossem vestimentas fáceis de se adquirir e usar, para pessoas verdadeiramente sérias e honradas, para cidadãos de um império que estava acima dos demais (p. 26). Por mais que a leitura fosse manipuladora, era a diversão da sociedade. A leitura de obras como Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes, das irmãs Charlotte e Emily Brontë, embalaram as vidas pacatas de muitas pessoas, com serões de leitura (THE NORTON ANTHOLOGY, 1999) Alguns autores da época foram e ainda são muito lidos hoje. Assim, não se pode deixar de citar um dos maiores deles: Charles Dickens, que costumava escrever histórias em um mundo propriamente seu, mostrando algumas mazelas, mas que parecem que não serão resolvidas pelas pessoas que estão no poder da época. Burgess diz que “Dickens é inculto, seu estilo é grotesco, deselegante. Mas tem um ouvido atento aos ritmos da fala dos que não tem educação, e não tem medo nem da vulgaridade nem do sentimentalismo.” Algumas obras de Dickens são: Oliver Twist, Tempos Difíceis, Barnaby Rudge, David Copperfield, Um Cântico de Natal, entre outros. Outros grandes escritores se destacaram na época. Alguns deles são: Carlyle, John Ruskin, as irmãs Emily and Charlote Brontë, George Eliot, Gerard Hopkins, e também, Lewis Carroll. Neste período, houve grande progresso na literatura, e as editoras puderam trazer mais material por um preço menor. Foi o maior desenvolvimento nas publicações e no crescimento dos periódicos. Romances e longos trabalhos de não ficcionais foram publicados em publicação em série, promovendo o senso crítico dos leitores. Esses romances procuravam representar um mundo grande e compreensivo, criando tensões entre as condições sociais e as aspirações de heróis. Na sombra do Romantismo, os vitorianos escreveram poesias de ânimo e qualidade. O teatro foi transformado por obras primas de George Bernard Shaw e Oscar Wilde, 1890. Apesar de serem diferentes, ambos objetivavam mostrar a hipocrisia e a pretensão da época (THE NORTON ANTHOLOGY, 1999). 15 2.4 EDUCAÇÃO NO PERÍODO VITORIANO Give me twenty-four pupils today and I will give you twenty-four teachers tomorrow.”7 (MORAIS, 2004, p. 56) A educação nesta época foi marcada, como muitas outras áreas, pelo “faz de contas”. Para todos os efeitos, todos tinham acesso à educação, sem diferenciação. Podemos ver estas ideias na lei britânica educacional de 1870, sendo que suas linhas gerais eram: • O país será dividido em aproximadamente 2.500 escolas distritais; • os Conselho Escolares (School Boards) deverão ser eleitos pelos contribuintes de cada distrito; • os Conselhos Escolares deverão avaliar as condições do ensino elementar em seus distritos, providos então pelas Sociedades Voluntárias e, não havendo vagas suficientes, poderão construir e manter outras escolas; • os Conselhos Escolares poderão fazer suas próprias leis internas que os permitirão cobrar ou não taxas, conforme queiram (MORAIS, 2004, p. 57 e 58). Mas sabe-se que não era desta maneira que acontecia. Já que a responsabilidade estava sobre os Conselhos Escolares, muitas vezes as aulas eram ministradas pelos próprios alunos, que estivessem um pouco mais adiantados. A base da educação era decorar. Não havia aquela liberdade de pensar, já que não havia professor suficiente que soubesse como encaminhar o aluno a este tipo de exercício. Era apenas aquele conteúdo que era incutido às crianças sendo que, muitas vezes, nem era entendido. No quadro a seguir está a relação de alguns tipos de escola e suas características: 7 Dê-me vinte e quatro alunos hoje e eu devolverei vinte e quatro professores amanhã. 16 ESCOLA ORGANIZAÇÃO Workhouse schools Nestas escolas os professores eram muitas vezes miseráveis, muitos eram analfabetos, e o local das aulas era inapropriado. Charity schools Escolas separadas por sexo, onde meninas aprendiam os afazeres domésticos, e em geral, era um ensino para criar gente habilidosa e mão-deobra-barata para comerciantes. Ragged Schools Estas acolhiam crianças e educavam-nas com alguma instrução elementar. Public Schools Apesar de ser escola pública, era a escola particular, já que quem frequentava eram os filhos da classe média e alta. Seu método era a repetição onde os alunos deveriam repetir exatamente o que o professor dizia. Na educação feminina havia bastante preconceito. Encontramos esta característica quando Harriet Martineau, em seu livro, chamado Household Education (MORAIS, 2004), diz que Ao buscar o conhecimento, as mulheres consequentemente negligenciam seus deveres e afazeres femininos; Por mais avançado que seja o seu alcance em termos de conhecimento, jamais deixará de estar em grande desvantagem com relação ao dos homens; A natureza feminina é em essência feita para devaneios e qualquer esforço por modificá-la iria fazê-las (as mulheres) esquecerem de seu estado de subordinação assegurado pela lei, natural e divina. (p. 64) Ao falar em educação e escola, remete-se para um grande professor de álgebra da época, chamado Charles Lutwigde Dodgson, que também é autor da obra Alice. 17 2.5 LEWIS CARROLL Lewis Carroll, pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, escritor da obra Alice no País das Maravilhas, está inserido na Era Vitoriana. Charles nasceu em Daresbury, no condado de Cheshire, em 27 de janeiro de 1832. Seu pai se chamava Charles Dodgson e sua mãe Frances Jane Lutwidge, com quem o pequeno Charles era muito ligado. Era o segundo dos onze filhos do casal. Quando criança, tinha uma imaginação muito fértil. S. D. Collingwood, o sobrinho de Carroll, costumava dizer que o tio vivia no “fascinante País das Maravilhas” (COHEN, 1995, p. 25). Viveu sua infância em Daresbury, porém no ano de 1843 seu pai foi transferido para uma outra cidade, Croft, e lá Carroll viveu toda sua adolescência. Charles, então, tornou-se professor de matemática e diácono na igreja Anglicana. Quando Charles assumiu a vaga de mestre em Christ Church, Henry George Liddell, pai de Alice, era o reitor. Segundo Cohen (1995, p. 83) “O College (escola em que Carroll lecionava) mantinha a disciplina através de dois expedientes: o 'confinamento' dos alunos no campus e a 'imposição' de copiar trechos de algum clássico, normalmente Homero.” Em 1857, Charles conseguiu o título de mestre no College. Em fevereiro conheceu dois dos filhos de Liddell, Harry e Lorina, mas foi no dia 25 de abril de 1856 que o professor conheceu Alice Liddell, que viria a ser inspiração em sua obra mais conhecida. O escritor também desenvolveu muitos jogos para o ensino da matemática. Um de seus livros chama-se “A Syllabus of Plane Algebraical Geometry Systemactically Arranged with Formal definitions postulates, and axions” (Roteiro Sistemático de Geometria Algébrica Plana, com definições formais, postulados e axiomas). No dia 4 de julho de 1862, Dodgson e seu amigo e também professor Robinson Duckworth foram passear de barco pelo rio Tâmisa em Oxford para um piquenique com Lorina, Edith e Alice, filhas de Henry Liddel. Lá surgiu a história “As Aventuras de Alice no Subterrâneo”. A narrativa agradou tanto que convenceram Carroll a publicar. Carroll fez algumas modificações e em 1865 a obra foi lançada com o título: “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”. Foi tão grande o sucesso que, após seis anos, foi lançada a sequência Alice Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá. A obra de Carroll surge como algo novo, que leva tanto adultos como crianças a viajar em um mundo que parece ser somente seu. Sobre sua maneira de escrever, Cohen (1995, p. 18 103) diz que “Essas primeiras incursões literárias mostram um humor profundamente perspicaz, uma habilidade para brincar com a linguagem de maneira criativa e divertida. Sua força reside justamente nesse humor inventivo”. Charles morreu solteiro e sem filhos em 14 de janeiro de 1898. 2.6 OBRA “ALICE’S ADVENTURES IN WONDERLAND” A obra Alice's Adventures in Wonderland foi criada para a diversão e não impõe, aparentemente, como alguém deve se portar ou viver. Segundo Carter e Mcrae (2004, p. 154), “Carroll plays with reality, language and logic in ways that are both comic and frightening”8. Alice's Adventures in Wonderland (CARROLL, 1865) conta a história de uma menininha que está no jardim com a irmã, quando vê um coelho com muita pressa e resolve segui-lo; cai em um profundo buraco até chegar a outro mundo, este muito diferente do seu, onde encontra muitas figuras interessantes e misteriosas, que fogem da lógica aprendida em casa ou na escola. Logo quando para de cair, chega em uma sala; esta tem portas trancadas e a única que pode ser aberta é muito pequena. Desde então começa a aventura no país das maravilhas. Encontra um rato que tem muitos traumas; também encontra um grupo de animais que resolve fazer uma corrida para se secar após quase se afogarem no rio de lágrimas de Alice. Já, mais adiante, encontra uma lagarta fumando narguile. Esta a questiona sobre seus saberes e convicções, deixando-a confusa até mesmo sobre sua identidade. No capítulo seguinte Alice encontra sapos com rostos de peixe, fazendo reverências um ao outro por se tratar de um convite da rainha para a duquesa. Apesar da seriedade os dois conseguem prender sua perucas, o que acaba dando grande motivo de risada. Depois de conhecer a duquesa e seu filho, que se torna um porco, vai ao chá do chapeleiro e da lebre, onde também sofre críticas e conhece outra maneira de pensar, que a deixa indignada. Finalmente vai conhecer a rainha e suas crises de nervosismo e impaciência. Conhece a tartaruga que chora e lamenta a vida que tinha e ao voltar à corte, chega em um julgamento sobre as tortas roubadas da rainha. O réu é quase julgado sem provas. Alice se revolta e 8 “Carrol brinca com a realidade, linguagem e lógica em caminhos que são ambos cômicos e assustadores.” (Minha tradução) 19 mostra o que pensa, sendo expulsa deste mundo e voltando para o seu e conta a irmã tudo o que aconteceu. Neste mundo totalmente novo para Alice, muitas reflexões surgem em sua cabeça, fazendo-a duvidar de seu tamanho, de suas convicções e até mesmo de sua sanidade mental. Os personagens da obra também representam alguém ou algo da Era Vitoriana, como os três personagens que a seguir analisarei. A Rainha de Copas, representando a “tirania” da época na pessoa da rainha Vitória. A soberana mostra-se uma figura autoritária, que manda e desmanda sem pensar nas consequências de seus atos. Estas atitudes são representadas em sua principal frase: “Cortem-lhe a cabeça”. O Chapeleiro Maluco tem sua participação e representação, podendo ligar-se a Revolução Industrial, como representar os produtos químicos que afetavam a saúde do ser humano, já que antigamente usava-se mercúrio para a fabricação do feltro, envenenando os fabricantes, dando tremores, afetando os olhos e tornando a fala dos usuários confusa. (GARDNER, p. 63) Havia uma expressão na época para se referir a uma pessoa com problemas mentais, era “Crazy like a hatter” (louco como um chapeleiro). Carrol aproveitou e inseriu esta característica para acentuar a loucura em seu personagem. E, finalmente, temos Alice, uma menina que frequenta a escola vitoriana e que por isso, é instruída nos valores da época. A menina, então, pode representar a própria sociedade, com seus ensinos, modos e costumes, inserida em um mundo oposto ao vigente. A seguir apresento a metodologia e a análise proposta para este trabalho. 20 3 METODOLOGIA A partir do marco teórico de referência, e após a leitura da obra na versão original de “Alice's Adventures in Wonderland”, os personagens Rainha de Copas, Chapeleiro Maluco e Alice, serão segmentados e analisados de acordo com as seguintes categorias: aspectos sociais, literatura, educação e governo. Para cada um dos personagens são apresentados trechos comprobatórios referentes a cada categoria. 21 4 ANÁLISE DA OBRA Nesta seção destaco os personagens que escolhi para este trabalho, Rainha de Copas, Chapeleiro Maluco e Alice focando as seguintes categorias: Aspectos Sociais, Literatura, Educação e Governo. Saliento que o aspecto Literatura é evidenciado apenas pela personagem Alice. 4.1 RAINHA DE COPAS 4.1.1 Aspectos sociais A Rainha de Copas é, com certeza, a representação da Rainha Vitória. Em inglês, heart é a palavra que se traduz para Copas. Porém essa mesma palavra pode significar coração. Conhecendo a vida da Rainha e a maneira de agir da mesma, em especial após a morte de seu marido, príncipe Albert, pode-se concluir que existe aqui uma ironia, pois o que a rainha demonstrava era falta de coração, mostrava-se uma pessoa fria, sempre triste. No livro Alice, a rainha mostra-se uma pessoa compulsiva, que age por instinto, que não analisa suas decisões. Esta afirmação é comprovada em todas as partes do livro em que manda que “cortem a cabeça” de qualquer pessoa que estiver incomodando-a. “The players all played at once without waiting for turns, quarreling all the while, and fighting for the hedgehogs; and in a very short time the Queen was in a furious passion, and went stamping about, and shouting ‘Off with his head!’ or ‘Off with her head!’ about once in a minute.”9 (p. 84) 9 Os jogadores jogavam todos ao mesmo tempo, sem esperar pela sua vez, discutindo sem parar e disputando os ouriços; e em pouco tempo a rainha logo ficou enfurecida, indo de um lado para o outro batendo o pé e gritando 'Cortem a cabeça dele!' ou 'Cortem a cabeça dela!' um a cada minuto. 22 No âmbito social, por ter sido criada de uma maneira moralizante, a rainha tenta repassar seus valores para a sociedade, e sua metodologia é a da imposição. Percebemos esta característica na citação a seguir, onde a rainha esquece que há pouco gritava com Alice e agora, já que a mesma sabe jogar críquete, convida-a para o jogo, demonstrando que para estar inserido no seu mundo é preciso divertir-se como ela, ter os mesmos gostos, ou seja, ser uma cópia perfeita e, principalmente, manter a ordem de qualquer maneira. “Can you play croquet?’. The soldiers were silent, and looked at Alice, as the question was evidently meant for her. ‘Yes!’ shouted Alice”. 10 (p. 82) 4.1.2 Educação no Período Vitoriano Ao que concerne a educação da época, não temos nenhuma citação que tenha saído da Rainha de Copas, porém de alguns de seus súditos, quando explicam como eram suas aulas. Carroll faz inclusive um jogo de palavras com lesson e lessen. Já que a primeira significa lição e na segunda a palavra less é inserida, que traduzida significa menos. Isso explica porque cada dia a aula dos personagens leva menos tempo. Na pergunta crucial de Alice, a resposta seria que no décimo segundo dia não há mais aula, pois esses alunos já se tornam professores. Aqui está a crítica sobre a escola, onde as aulas eram ministradas por alunos um pouco mais velhos, que muitas vezes, mal sabiam escrever. “And how many hours a day did you do the lessons? Said Alice, in a hurry to change the subject. 'ten hours the first day,' said the Mock turtle:'nine the next, and so on.' 'What a curious plan!' exclaimed Alice. 'That's the reason they're called lessons,' the Gryphon remarked: 'because they lessen from day to day.' This was quite a new idea to Alice, and she thought it over a little before she made her next remark. 'Then the eleventh day must have been a holiday?' 'Of course it was,' said the Mock Turtle. 'And how did you manage on the twelfth?' Alice went on eagerly. 'That's enough about lessons,' the Gryphon interrupted in a very decided tone. 'Tell her something about the games now.” 11 (p. 98) 10 'Você sabe jogar críquete?' Os soldados estavam silenciosos, e olharam para Alice, já que a pergunta era para ela. 'Sim!' Gritou Alice. 23 4.1.3 Governo No governo, a rainha tinha fama de tirana. Encontramos no excerto em que Rainha fica vermelha de raiva só de pensar em ser humilhada, ou que alguém não faça o que pede. “The Queen turned crimson with fury, and after glaring at her for a moment like a wild beast, screamed ‘Off with her head! Off - !’’ ‘Nonsense!’ Said Alice, very loudly and decidedly, and the Queen was silent. The king laid his hand upon her arm, and timidly Said ‘Consider, my dear: she is only a child!" 12 (p. 81) A atitude impetuosa da rainha não aconteceu somente nas obras de Lewis Carroll. A rainha Vitória, por ter subido ao trono muito nova, com dezoito anos, e desta maneira por haver muitas pessoas interessadas em manipulá-la, resolveu mostrar “quem é que mandava”. Passou a seguir seu instinto e fazer o que ela queria, sem ouvir opiniões alheias. Por isso, teve muitas atitudes que desagradaram o povo. O seu marido, príncipe Albert, aparece como uma pessoa com a cabeça fria, que passou a ajudá-la, fazendo-a pensar nas suas atitudes e não permitindo essa precipitação comum da rainha. No livro de Alice, o príncipe Albert representa o rei, que em algumas situações a acalma, que não há motivo para algumas atitudes e que nem em todas as situações precisa-se punir, pois como ele mesmo diz de Alice, ela “é só uma criança”. Porém, por mais que Albert ajudasse, Vitória gostava de deixar claro que a rainha era ela. Vê-se também essa característica na obra, quando o rei pede para a rainha de Copas que ela mande cortar a cabeça do gato de Cheshire, na seguinte citação. A rainha, só para variar, nem olha para o gato e já grita: “cortem-lhe a cabeça”. Mostra novamente o descaso com o suposto “réu”. 11 E quantas horas de aula você tinha por dia?” indagou Alice aflita para mudar de assunto. “dez horas no primeiro dia”, disse a tartaruga falsa, “Nove no seguinte, e assim por diante.” “Que programa curioso!” exclamou Alice. “Essa é a razão de chamar de lição” observou o Grifo, “porque elas diminuem a cada dia”. A idéia era inteiramente nova para Alice e ela refletiu um pouco a respeito antes de fazer mais uma observação: “Nesse caso, no décimo primeiro dia, era feriado?” “Claro que era”, disse a tartaruga falsa. “E como se arranjavam no décimo segundo?” Alice insistiu, sôfrega. “Chega de falar sobre aulas”, o Grifo interrompeu num tom decidido. “Agora conte a ela alguma coisa sobre jogos. 12 A rainha ficou rubra de fúria, e depois de fuzilá-la com os olhos por um momento como uma fera selvagem gritou: Cortem-lhe a cabeça! Cortem... Disparate! Disse Alice decidida, em alto e bom som, e a rainha se calou. O Rei pôs a mão em seu ombro e disse timidamente: Pense bem, minha cara; é apenas uma criança. 24 “Well, it must be removed,’ Said the King very decidedly, and He called the Queen, who was passing at the moment, ‘My dear! I wish you would have this cat removed!’ The Queen had only one way of settling all difficulties, great or small. ‘Off with his head’ she Said, without even looking round.” 13 (p. 86) No excerto a seguir, algo interessante acontece. Enquanto continua aparecendo a teimosia da rainha e a coragem de Alice, passamos a ver que quando a rainha manda que cortem a cabeça de Alice, ninguém se mexe. Talvez esteja subentendido que o povo não levasse mais tão a sério o que rainha mandava e desmandava. Passaram a refletir um pouco, apesar de a rainha Vitória ter sempre grande popularidade entre seus súditos. Podemos concluir que Carroll também tivesse esta visão. “No, no!' said the queen 'Sentence first – verdict afterwards.' 'Stuff and nonsense!' said Alice loudly. 'The idea of having the sentence first!' 'Hold your tongue!' said the Queen, turning purple. 'I won't!' said Alice. 'Off with her head!' the Queen shouted at the top of her voice. Nobody moved. 'Who cares for you?' said Alice (she had grown to her full size by this time). 'You're nothing but a pack of cards!' At this whole pack rose up into the air, and came flying down upon her;” (p. 124 e 125)14 No momento em que haverá o julgamento de alguém pelo roubo das tortas da rainha, temos mais uma das provas de que tudo era aparência. Não importa quem foi que cometeu o erro, se realmente foi a tal pessoa, importa apenas julgar. Esta característica aparece quando o rei a deixa entender que se for necessário, encontram-se provas pra um possível culpado. “If there's no meaning in it,' said the King, 'that saves a world of trouble, you know, as we needn't try to find any. And yet I don't know,' he went on, spreading out the verses on his knee, and looking at them with one eye; 'I seem to see some meaning in them, after all.” 15 (p.123) 13 Bem, ele deve ser banido, decidiu o rei com muita firmeza, e chamou a Rainha, que estava passando nesse momento: “Minha querida! Quero que este gato seja banido!” A rainha só tinha uma maneira de resolver todas as dificuldades, grandes ou pequenas. “Cortem-lhe a cabeça!” ela disse, sem nem olhar. 14 “Não, não!” disse a Rainha. “Primeiro a sentença... depois o veredito.” “Mas que absurdo!”, Alice disse alto. “Que ideia, ter a sentença primeiro!” “Cale a boca!” disse a rainha, virando um pimentão. “Não calo!” disse Alice. “Cortem-lhe a cabeça!” berrou a Rainha. Ninguém se mexeu. “Quem se importa com vocês?”, disse Alice (a essa altura, tinha chegado a seu tamanho normal). “Não passam de um baralho!” A essas palavras o baralho inteiro se ergueu no ar e veio voando para cima dela. 15 “Se não há nenhum sentido neles”, disse o rei, “isso nos poupa um bocado de trabalho, não é mesmo, pois não precisamos tentar encontrar nenhum. No entanto, não estou bem certo”, prosseguiu, abrindo os versos sobre os joelhos e olhando para eles de rabo de olho; “tenho a impressão de que vejo algum sentido neles, afinal de contas.” 25 4.2 CHAPELEIRO MALUCO 4.2.1 Aspectos Sociais O chapeleiro está ligado à revolução industrial, já que está sempre com problemas com o tempo. Ele, junto com a Lebre de Março e o Leirão ou Caxinguelê passam o tempo tomando chá, pois, segundo o chapeleiro, houve um desentendimento entre ele e o tempo, que agora virou seu carrasco e que impõe sempre o mesmo horário para o chá. Sendo que nem tempo de lavar as louças da mesa eles têm. A revolução industrial, da mesma maneira, roubou o tempo das pessoas, que passavam horas e horas trabalhando como máquinas, em terríveis condições, não tendo mais tempo de viver suas vidas normalmente, ficar com seus familiares. Desta maneira as pessoas passaram a ser como malucos, viciados em seus trabalhos e sem tempo, sempre com cotas impossíveis para atingir. Esta pode ser uma das visões sobre a loucura do chapeleiro. “And ever since that,' the Hatter went on in a mournful tone, 'he won't do a thing I ask! It's always six o'clock now.' 'A bright idea came into Alice's head. 'Is that the reason so many tea-things are put out here?' she asked. 'Yes, that's it,' said the Hatter with a sigh: 'it's always teatime, and we've no time to wash the things between whiles'. 'Then you keep moving round, I suppose?' said Alice. 'Exactly so,' said the Hatter: 'as the things get used up.' 'But what happens when you come to the begginning again?' Alice ventured to ask. 'Suppose we change the subject,' the march Hare interrupted, yawning.'”16 (p. 73-74). Eis uma curiosidade sobre um dos companheiros do Chapeleiro Maluco: o caxinguelê. Em inglês este animal é chamado de “dormouse”, nome esse derivado de uma palavra latina, “dormire”, traduzido como dormir. “Dormouse” é um animal noturno, por isso, está sempre dormindo durante o dia, também na obra. Outra característica é que as crianças costumavam 16 E desde aquele momento, continuou o Chapeleiro, desolado, ele não faz o que peço! Agora, são sempre seis horas. Alice teve uma ideia luminosa. É por isso que há tanta louça de chá na mesa? Perguntou. É, é por isso, suspirou o Chapeleiro; é sempre hora do chá, e não temos tempo de lavar a louça nos intervalos. Então ficam mudando de lugar para outro em círculos, não é? disse Alice. Exatamente, concordou o Chapeleiro, à medida que a louça se suja. Mas o que acontece quando chega de novo ao começo? Alice se aventurou a perguntar. Que tal mudar de assunto? interrompeu a Lebre de Março, bocejando. 26 deixar seus animaizinhos hibernando dentro de bules com feno. Vemos esta característica quando o Chapeleiro e a Lebre tentam colocar o Caxinguelê dentro do bule. Encontramos também no Chapeleiro, por mais maluco que seja, oferecer vinho quando há somente chá, um apontamento do autor, onde nem tudo na vida das pessoas precisa ter um sentido, principalmente neste mundo das maravilhas, onde tudo é mágico e divertido, como se Carroll estivesse querendo lembrar desta imaginação da criança, que tanto faltava na Inglaterra Vitoriana. “'Have some wine,' the march Hare said in an encouraging tone. Alice looked all round the table, but there was nothing on it but tea. 'I don't see any wine,' she remarked. 'There isn't any,' said the March Hare. 'Then it wasn't very civil of you to offer it,' said Alice angrily. 'It wasn't very civil of you to sit down without being invited,' said the March Hare. 'I didn't know it was your table,' said Alice; 'it's laid for a great many more than three.' 'Your hair wants cutting,' said the hatter. He had been looking at Alice for some time with great curiosity, and this was his first speech.”. 17 (p. 68-69) Encontramos logo nas próximas duas citações mais amostras de que o autor quer apontar a magia da infância, fazendo brincadeiras, que não tem sentido nenhum, ou perguntas que não tem repostas. Percebemos que Alice fica brava com isso, porém a partir desta parte nossa menininha consegue ver, através da naturalidade do Chapeleiro, que nem tudo precisa ser regrado, que ela é uma criança que precisa se divertir. ‘“The Hatter opened his eyes very wide on hearing this; but all he said was, 'Why is a raven like a writting-desk?' 'Come, we shall have some fun now!' thought Alice. I'm glad they've begun asking riddles – I believe I can guess that,' she added aloud. 'Do you mean that you think you can find out the answer to it?' said the March Hare. 'Exactly so,' said Alice.'” 18 (p. 69) “... Alice replied. 'What's the answer?' 'I haven't a slightest idea', said the Hatter.”19 (p. 72) 17 “Tome um pouco de vinho”, disse a Lebre de março num tom animador. Alice correu os olhos pela mesa toda, mas ali não havia nada, além de chá. “Não vejo nenhum vinho”, observou. “Não há nenhum”, confirmou a Lebre de Março. “Então não foi muito polido da sua parte oferecer”, irritou-se Alice. “Não foi muito polido da sua parte sentar-se sem ser convidada”, retrucou a Lebre de Março. “Não sabia que a mesa era sua”, declarou Alice; “está posta para muito mais do que três pessoas.” “Seu cabelo está precisando de um corte”, disse o Chapeleiro.; fazia algum tempo que olhava para Alice com muita curiosidade, e essas foram suas primeira palavras.” 18 O Chapeleiro arregalou os olhos ao ouvir isso; mas disse apenas: “Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?” “Oba, vou me divertir um pouco agora!”, pensou Alice. “Que bom que tenham começado a propor adivinhações.” E acrescentou em voz alta: “Acho que posso matar essa.” “Está sugerindo que pode achar a resposta?” perguntou a Lebre de março. “Exatamente isso”, declarou Alice. 27 4.2.2 Educação no Período Vitoriano No âmbito escolar, vemos o quanto a mente das pessoas é controlada quando se impede o “abrir os horizontes”. O ensino era baseado em decorar e repetir, e quando havia perguntas, provavelmente nem o professor sabia responder. Uma curiosidade é sobre a história contada das três meninas que moravam no poço de mel. As três meninas eram as três irmãs Liddell. Treacle é uma palavra inglesa que tanto podia significar mel, como compostos medicinais. Este poço realmente existiu. As pessoas pensavam que a água deste poço tinha poderes curativos. Carroll colocou esta curiosidade na sua obra. “'Once upon a time there were three litltle sisters,' the Dormouse began in a great hurry; 'and their names were Elsie, Lacie, and Tillie; and they lived at the bottom of a well - ' '… but why did they live at the bottom of a well?' 'Take some more tea,' the March hare said to Alice, very earnestly.”20 (p. 74) 4.2.3 Governo O Chapeleiro também está presente no governo, pois, como dito anteriormente, representa a própria revolução industrial. O Chapeleiro conta sobre a briga com o tempo, que é seu carrasco e o deixa sempre preso no horário do chá. Os trabalhadores que antes tinham uma vida mais pacata, agora correm o tempo todo, vivem em condições vergonhosas e passam boa parte do tempo trabalhando, como que escravos do tempo. “We quarreled last March – just before he went mad, you know -' (pointing with his tearspoon at the March Hare) '- it was the great concert given by the Queen of Hearts, and I had to sing: 'Twinkle, twinkle, little bat! How I wonder what you're at!' you know the song, perhaps?' 19 Alice replicou: Qual é a resposta? Não tenho a menor ideia, disse o Chapeleiro. 20 Era uma vez três irmãzinhas, começou o Caxinguele, muito afobado; e elas chamavam Elsie, Lacie e Tillie, e moravam no fundo de um poço... mas porque moravam no fundo de um poço? Tome um pouco mais de chá, a Lebre de Março disse a Alice, com um ar sério. 28 'I've heard something like it,' said Alice” 21 (p. 72 e 73) Esta citação também pode mostrar a influência do temperamento da rainha na vida da população. Vemos que o chapeleiro foi obrigado a cantar, não tinha escolha, não havia meio termo para a soberana. Alguns autores afirmam que o chapeleiro pode também representar pessoas da época de Carroll, como um homem chamado Theophilus Carter, que era conhecido como Chapeleiro Louco por ter inventado uma cama despertador, que joga a pessoa para cima. Outra hipótese é que antigamente os chapeleiros usavam um produto químico que poderia deixá-los loucos, por isso o ditado popular “Crazy like a hatter” (louco como um chapeleiro). Em seu livro, Gardner (2002, p. 63) aponta [...] que tenha origem no fato de que até recentemente os chapeleiros realmente enlouqueciam. O mercúrio usado para preparar o feltro (agora há leis contra o seu uso na maioria dos estados nos EUA e em partes da Europa) era uma causa comum de envenenamento por mercúrio, o mercurialismo. As vítimas desenvolviam o chamado “tremor do chapeleiro”, que afetava seus olhos e membros e tornava sua fala confusa. Em estágios avançados, desenvolviam alucinações e outros sintomas psicóticos.” Quanto à loucura, é importante destacarmos a indagação feita por Carrol em seu diário em nove de fevereiro de 1856. Indagação: quando estamos sonhando e, como tantas vezes acontece, temos uma vaga consciência do fato e tentamos despertar, não dizemos e fazemos coisas que na vigília seriam insanas? Não poderíamos portanto definir por vezes a insanidade como uma incapacidade de distinguir o que é vigília e o que é sono? Frequentemente sonhamos sem a menor suspeita da irrealidade: 'O sono tem seu próprio mundo', e com frequência é tão real quanto o outro” (GARDNER, 2002, p. 64). Esta indagação feita por Carroll é respondida pelos pensadores Sócrates e Teeteto “SÓCRATES: Vês, portanto,que uma dúvida sobre a realidade dos sentidos é facilmente suscitada, já que pode haver dúvida até quanto a estarmos despertos ou num sonho. E como nosso tempo é igualmente dividido entre o sono e a vigília, em ambas as esferas da existência a alma sustenta que os pensamentos presentes em 21 Nós brigamos em março passado... pouco antes de ela enlouquecer, sabe ... (apontando a Lebre de Março com sua colher de chá); foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar: Pisca, pisca, oh morcego! Que eu aqui quero sossego! Você conhece a canção, talvez? Já ouvi alguma coisa parecida”, disse Alice. 29 nossas mentes no momento são verdadeiros; e durante a metade de nossas vidas afirmamos a verdade de uma, e, durante a outra metade, da outra; e temos plena confiança em ambas. TEETETO: A mais pura verdade. SÓCRATES: E não pode o mesmo ser dito da loucura e das desordens? A única diferença é que os tempos não são iguais.” (Cf. cap. 12, nota 9, e através do espelho, cap. 4, nota 10, apud GARDNER, 2002, p. 65). 4.3 ALICE 4.3.1 Aspectos Sociais Logo nas primeiras páginas do livro, vemos o contraste dos dois mundos. Primeiro Alice vê um coelho vestido e com luvas, segundo Gardner, símbolo de Carroll, e pior, vê um coelho correndo, atrasado, apavorado. Aqui o coelho pode representar tanto a revolução industrial quanto as normas que estão presentes ainda hoje na sociedade inglesa, como por exemplo, a pontualidade. Carroll fala também um pouco sobre seu personagem E o Coelho Branco, que dizer dele? Foi moldado nas linhas de “Alice” ou concebido como um contraste? Como um contraste, nitidamente. Onde nela há “juventude”, “audácia”, “vigor” e “pronta determinação”, veja nele “idoso”, “tímido”, “fraco”, “nervosamente indeciso”, e perceberá alguma coisa do que pretendi que fosse. Penso que o Coelho Branco devia usar óculos. Tenho certeza de que sua voz devia vibrar e seus joelhos tremerem, e todo o seu aspecto sugere total pusilanimidade (GARDNER, 2002, p. 20). No excerto a seguir encontramos as portas que simbolicamente podem representar a falta de liberdade de pensamento. Percebemos Alice triste e ansiosa por alguma luz, alguma chave que abra a porta para o outro mundo. “There were doors all round the hall, but they were all locked; and when Alice had been all the way down one side and up the other, trying every door, she walked sadly down the middle, wondering how she was ever to get out again.”22 (p. 14) As próximas citações nos mostram a maneira como as crianças eram tratadas. Eram 22 Havia portas por todo o aposento, mas elas estavam todas trancadas; quando Alice correu de baixo para cima, tentando abrir todas as portas, ela caminhou triste para o centro da sala, pensando como sairia novamente. 30 adultos em miniatura. A própria sociedade estava tão ocupada com suas regras que esquecia que as crianças precisam brincar, se divertir e não viver repletas de leis. “‘You ought to be ashamed of yourself,’ said Alice, ‘a great girl like you,’ (she might well say this), ‘to go on crying in this way! Stop this moment, I tell you!’ But she went on all the same, shedding gallons of tears, until there was a large pool all round her, about four inches deep and reaching half down the hall.” 23 (p. 20) “‘I wish I hadn’t cried so much!’ Said Alice, as she swam about, trying to find her way out. I shall be punished for it now, I suppose, by being drowned in my own tears! That will be a queer thing, to be sure! However, everything is queer today.” 24 (p. 24) Em Alice também encontramos o “fazer de conta”, mas não no sentido sadio, infantil, e sim, de uma maneira sufocante e aterrorizante, pois todos deveriam ser como clones, ser alguém que não se é. Aqui Alice se revolta dizendo que quer escolher quem será. É uma das primeiras mudanças da menina. “‘I shall only look up and say ‘who am I then? Tell me that first, and then, if I like being that person, I’ll come up: if not, I’ll stay down here till I’m somebody else’ – but, oh dear!’ cried Alice, with a sudden burst of tears, ‘I do wish they would put their heads down! I am so very tired of being all alone here!’” 25 (p. 23) Um dos personagens que é de grande importância na passagem de Alice neste mundo maravilhoso é o gato de Cheshire. Este questiona a personagem, o que ajuda para uma nova maneira de pensar. Eis uma curiosidade deste personagem: Cheshire é o nome do condado onde Charles nasceu. Lá fabricava-se queijos que eram vendidos com a imagem de um gato sorrindo. Também há histórias de que Carroll gostava de um lugar especial, que se olhado de baixo para cima, em uma pedra, parecia haver um gato sorrindo. Este condado também era conhecido pela quantidade de clérigos. Então entra a questão e a ironia: o gato, que pode representar os clérigos, dá muitos conselhos, fora dos padrões, contra, obviamente, a rainha, sendo irônico ao dizer que para estar neste mundo das maravilhas, só sendo louco. Para ele, 23 “Devia ter vergonha” disse Alice, “uma menina grande como você” (bem que podia dizer isso), “chorando dessa maneira! Pare já, já, estou mandando!” Mesmo assim continuou, derramando galões de lágrimas, até que à sua volta se formou uma grande lagoa, com cerca de meio plano de profundidade e se estendendo até a metade do salão. 24 “Gostaria de não ter chorado tanto!” disse Alice, enquanto nadava de um lado para o outro, tentando encontrar uma saída. “Parece que vou ser castigada por isso agora, afogando-me nas minhas próprias lágrimas! Vai ser uma coisa esquisita, lá isso vai! Mas está tudo esquisito hoje”. 25 “Vou simplesmente olhar para cima e dizer ‘Então quem sou eu?’ Primeiro me digam, e então, se eu gostar de ser essa pessoa, eu subo; se não, fico aqui embaixo até ser alguma outra pessoa”. 31 ser louco é uma dádiva. O país das maravilhas não podia ser visto de outro modo: mundo de loucos. Aqui as regras vigentes estavam longe de ser as da rainha Vitória. Portanto quem estava lá era contra o governo, alguém excluído da maravilhosa Inglaterra, um provável louco. Encontramos esta característica também quando onde Alice parece aceitar bem a condição de “maluca”. “Alice felt that this could not be denied, so she tried another question. 'What sort of people live about here?' 'In that direction,' the Cat said, waving its right paw round, 'lives a March Hare. Visit either you like: they're both mad.' 'But I don't want to go among mad people,' Alice remarked. 'Oh, you can't help that,' said the Cat: 'we're all mad here. I'm mad. You're mad.' 'How do you know I'm mad?' said Alice. 'You must be,' said the Cat, 'or you wouldn't have come here,'”26 (p. 64-65) A própria Alice fala, no próximo excerto, que não é a mesma desde que entrou no País das Maravilhas, pois pode conhecer outras ideias, para poder fazer suas próprias escolhas. “'I could tell you my adventures – beginning from this morning,' said Alice a little timidly; 'but it's no use going back to yesterday, because I was a different person then.'” 27 (p.104) A última frase da duquesa pode representar tanto a ideia de que Alice não sabia nada porque era criança (preconceito da época), como pelo fato de frequentar uma escola onde o máximo que aprendia era decorar conceitos e como cuidar de uma casa. “'I didn't know that Cheshire cats always grinned; in fact, I didn´t know that cats could grin.' 'They all can,' said the Duchess; 'and most of'em do'. 'You don't know much,' said the Duchess; 'and that's a fact.'” 28 (p. 59-60) 26 Alice sentiu que não podia negar, então uma outra pergunta: Que tipo de pessoas vivem aqui? “Naquela direção”, disse o gato, acenando coma pata direita, “ vive um Chapeleiro; e naquela direção”, acenando com a outra pata, “ vive uma Lebre de Março”. Visite qual deles quiser: os dois são loucos.” “Mas não quero me meter com gente louco”, Alice observou. “Oh! É inevitável”, disse o gato; “somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você é louca.” “Como sabe que sou louca”? perguntou Alice. “Só pode ser”, respondeu o gato, “ou não teria vindo para aqui.” 27 “Eu poderia lhes contar minhas aventuras .. começando por esta manhã”, disse Alice um pouco tímida; “mas não adianta voltar a ontem, porque eu era uma pessoa diferente.” 28 “Não sabia que os gatos de Cheshire sempre sorriem; na verdade, não sabia que os gatos podiam sorrir.” “Todos podem”, disse a Duquesa, “e a maioria o faz.” “Não conheço nenhum que sorria”, declarou Alice, com muita polidez, sentindo-se muito contente por ter entabulado uma conversa. “Você não sabe grande coisa”, observou a Duquesa; “E isto é um fato.” 32 Percebemos também a imposição das boas maneiras, mas aqui ela sai da boca da própria menina Alice, que ainda não consegue se desvencilhar destas atitudes. “'Don't grunt,'said Alice; 'that's not at all a proper way of expressing yourself.' 'If you're going to turn into a pig, my dear,' said Alice, seriously, 'I'll have nothing more to do with you. Mind now!'”29 (p. 62-63) Alice perde todo o medo já no próximo excerto e entra pela porta, pois quer saber, aprender coisas novas e logo depois, não se mostra mais a mesma, deixando-nos concluir que a sociedade já era diferente, pelo menos na visão de Carroll, pois abriu seus horizontes. “Just as she said this, she noticed that one of the trees had a door leading right into it. 'That's very curious!' she thought. 'But everything's curious today. I think I may as well go in at once.' And in she went.”30 (p. 77) Já no final do livro, Alice acorda do sonho, mas mostra que algumas atitudes de alguns personagens estão bem presentes na fala da irmã que lhe diz que está na hora do chá. Esta parte acaba sendo muito importante para concluirmos que Carroll aponta as características da época. “'Oh, I've had such a curious dream!' said Alice, and she told her sister, as well as she could remember them, all these strange Adventures of hers that you have just been reading about; and, when she had finished, her sister kissed her, and said, 'It was a curious dream, dear, certainly; but now run in to your tea: it's getting late.' So Alice got up and ran off, thinking while she ran, as well she might, what a wonderful dream it had been.” 31 (p. 126) 29 “Não grunha”, disse Alice, “Não é uma boa maneira de se expressar”. “Se você virar um porco, meu querido, disse Alice, seriamente, não vou ter o que fazer com você. Preste atenção!” 30 Exatamente quando dizia isso, percebeu que uma das árvores tinham uma porta, dando para o seu interior. “Isto é muito curioso!” pensou. “Mas hoje tudo é curioso. Por que não dar uma entradinha?” e foi o que fez. Viuse novamente no salão comprido, perto da mesinha de vidro. “Desta vez vou me sair melhor. ...” 31 “Ah! Tive um sonho tão curioso!” disse Alice, e contou à irmã, tanto quanto podia se lembrar delas, todas aquelas estranhas aventuras que tivera e que você acabou de ler; quando terminou, a irmã a beijou e disse: “Sem dúvida foi um sonho curioso, minha querida; agora vá correndo tomar o seu chá, está ficando tarde.” Alice então se levantou e saiu correndo, pensando, enquanto corria o mais rápido que podia, que sonho maravilhoso tinha sido aquele. 33 4.3.2 Literatura Na literatura a contribuição de Alice foi muito importante. Já nas primeiras falas do livro, Alice demonstra sua insatisfação com o que vê. Não acha graça em livros sem figuras. A literatura infantil era sempre repleta de moral, nada para a diversão e imaginação das crianças. “Alice was beginning to get very tired of sitting by her sister on the bank, and of having nothing to do: once or twice she had peeped into the book her sister was reading, but it had no pictures or conversations in it, 'and what is the use of a book,' though Alice 'without pictures or conversation?'” 32 (p.11) Em certo momento na obra, Alice afirma que gostaria de ser pequena, e é o que acontece no excerto seguinte, mostra que aquele mundo é realmente das maravilhas, que o que você sonha pode acontecer, que o mundo do “tudo é possível” não desampara Alice quando esta se vê em um problema. “‘What a curious feeling!’ Said Alice; ‘I must be shutting up like a telescope.’” (p.17) 33 Alice demonstra-se encantada com o nonsense deste País. É o infantil que as crianças tanto precisavam. “’Well! I’ve often seen a cat without a grin,’ thought Alice; ‘but a grin without a cat! It’s the most curious thing I ever saw in my life!’”34 (p. 66-67) 4.3.3 Educação no Período Vitoriano No que se refere à educação, as ações de Alice contribuem bastante para encontrar características da época. A seguir vemos a maneira como era a educação na época: repetição. Aqui há uma crítica à escola vitoriana, que, não diferente dos outros segmentos, é um faz de 32 Alice estava ficando muito cansada de estar sentada ao lado de sua irmã e não ter nada para fazer: uma vez ou duas ela dava uma olhadinha no livro que a irmã lia, mas não havia figuras ou diálogos nele e “para que serve um livro,” pensou Alice “sem figuras nem diálogos? 33 “Que sensação estranha!” Disse Alice; “Eu devo estar encolhendo como um telescópio. 34 “Bem! Já vi muitas vezes um gato sem sorriso”, pensou Alice, “mas um sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi na minha vida!” 34 contas. Segundo Gardner, nas escolas, muitas vezes, quem dava as aulas eram os alunos. Por isso, não havia décimo segundo dia, pois nesta data, o aluno já era professor. “'We had the best of educations – in fact, we went to school everyday - ' 'I've been to a day-school, too,' said Alice; 'you're needn't be so proud as all that.' 'With extras?' asked the Morck Turtle a little anxiously. 'Yes,' said Alice , 'we learned French and music.' 'And washing?' said the Morck Turtle. 'Certainly not!' said Alice indignantly. 'Ah! Then yours wasn't a really good school,' said the Morck Turtle in a tone of great relief. 'Now at ours they had at the end of the bill, 'French, music, and washing – extra.'” 35 (p.96) Outro aspecto é o das perguntas: toda vez que Alice faz uma pergunta, que questiona as atitudes dos personagens, sempre é repreendida, mostrando que as crianças também não eram incentivadas a perguntar. Nas falas de Alice vê-se sentimento de mudança. Quando Alice crescer não vai querer essa tirania que existe sobre ela. “'Once upon a time there were three litltle sisters,' the Dormouse began in a great hurry; 'and their names were Elsie, Lacie, and Tillie; and they lived at the bottom of a well - ' 'They lived on treacle,' said the Dormouse, after thinking a minute or two. 'They couldn't have done that, you know, ,' Alice gently remarked; 'they'd have been ill.' 'So they were,' said the Dormouse; 'very ill.' Alice tried to fancy to herself what such an extraordinary way of living would be like, but it puzzled her too much, so she went on: 'But why did they live at the bottom of a well?' 'Take some more tea,' the March hare said to Alice, very earnestly.”36 (p.74) 35 “Tínhamos a melhor educação, ... de fato, íamos à escola todo dia ...” “Eu também ia à escola”, disse Alice; “Não precisa ficar tão orgulhosa por isso.” “Com extras?” Perguntou a tartaruga Falsa, um pouquinho ansiosa. “É”, disse Alice, “Tínhamos aulas de Francês e música.” “E de lavanderia?” insistiu a tartaruga falsa. ”Claro que não!” Indignou-se Alice. “Ah! Então a sua escola não era realmente boa”, disse a tartaruga falsa num tom de grande alívio. “Pois na nossa vinha ao pé da conta Francês, Música e Lavanderia – extras.” 36 Era uma vez três irmãzinhas, começou o Caxinguelê, muito afobado; e elas chamavam Elsie, Lacie e Tillie; e moravam no fundo de um poço Por que moravam no fundo de um poço? Disse Alice, que sempre tinha grande interesse em questões sobre comer e beber. “Elas viviam em um poço de mel,” disse o Caxinguelê, depois de pensar um minuto ou dois. “Elas não podiam fazer isso, você sabe”, Alice gentilmente observou; “elas ficariam doentes.” “E elas ficaram”, disse o Caxinguelê; “muito doentes”. Alice tentou imaginar como seria extraordinário viver assim, mas isto a intrigou, então ela foi em frente: “Mas por que eles vivem no fundo de um poço?” “Tome um pouco mais de chá”, a Lebre de Março disse a Alice, com um ar sério. 35 Este é o momento em que mais claramente o objetivo da sociedade e, consequentemente, da escola é abordado: a moral. Tudo tem moral, tudo com um significado. Alice já começa a pensar diferente, que nem tudo tem moral. As coisas podem ser também para apenas para diversão, que é o que Carroll faz com seu livro. “' You're thinking about something, my dear, and that makes you forget to talk. I can't tell you just now what the moral of that is, but I shall remember it in a bit.' 'Perhaps it hasn't one,' Alice ventured to remark. 'Tut, tut, child!' said the Duchess. 'Everything's got a moral, if only you can find it.' And she squeezed herself up closer to Alice's side as she spoke.37” (p. 90) Nos excertos seguintes Carroll deixa claro que na era vitoriana ninguém tinha autoridade para crescer. Não me refiro à altura física, mas a mental, já que nas escolas, os professores não abriam os horizontes dos alunos, apenas “ensinavam” do jeito que aprenderam. Decorando. “ ‘But then’, thought Alice, ‘shall I never get any older than I am now? That’ll be a comfort, one way-never to be an old woman – but then – always to have lessons to learn! Oh, I shouldn’t like that!’38 (p. 38) “I wish you wouldn't squeeze so, ' said the Dormouse, who was sitting next to her. 'I can hardly breathe.' 'I can't help it,' said Alice very meekly: 'I'm growing.' 'You've no right to grow here,' said the Dormouse. 'Don't talk nonsense,' said Alice more boldly: 'you know you're growing too.' 39 (p.114) Na época, assuntos sobre o que haveria no centro da Terra começaram a surgir. Carroll não deixa esse acontecimento de fora de seu livro. “Down, down, down. Would the fall never come to an end? … (For you see, Alice had learnt several things of this sort in her lessons in the schoolroom, and though this was not a very good opportunity to showing off her knowledge, as there was no one to listen to her, still it was a good practice to say it over)” 40(p. 13) 37 “Você está pensando em alguma coisa, minha cara, e isso a faz esquecer de falar. nesse instante não posso lhe dizer qual é a moral disso, mas vou me lembrar daqui a pouquinho.” “Talvez não tenha nenhuma”, Alice atreveuse a observar. “Ora, vamos, criança!” disse a Duquesa. “Tudo tem uma moral, é questão de saber encontrá-la.” Enquanto falava se achegou mais a Alice. 38 “Mas nesse caso”, pensou Alice, “será que nunca vou ficar mais velha – mas por outro lado- sempre ter lições para estudar! Oh! Eu não iria gostar disso!” 39 “Gostaria que não me apertasse tanto”, disse o caxinguelê, que estava sentado ao lado dela. “Mal posso respirar.” “Não posso evitar”, respondeu Alice muito docilmente. “estou crescendo.” “Você não tem o direito de crescer aqui”, avisou o Caxinguelê. “Não diga tolice”, disse Alice, mais atrevida; “não sabe que também está crescendo?” 40 Para baixo, para baixo, para baixo. Essa queda nunca chegará ao fim? ...(para você ver, Alice aprendeu uma porção desse tipo de coisas na escola e pensou que seria muito boa a oportunidade de colocar para fora seu conhecimento, mesmo não havendo ninguém para ouvi-la, ainda assim era bom praticar. 36 4.3.3 Governo Alice aparenta começar a se indignar com as atitudes do governo e com a conformidade do povo, que deixa os que estão no poder fazer o que bem entenderem. “'If everybody minded their own business,' the Duchess said in a hoarse growl, 'the world would go around a deal faster then it does.' 'Which would not be an advantage,' said Alice, who felt very glad to get an opportunity of showing off a little of her knowledge. 'Just think what work it would make with the day and night! You see the earth takes twenty-four hours to turn round on its axis - ' 'Talking of axes,' said the Duchess, 'chopoff her head!'”41 (p. 60) Na citação seguinte Carroll mostra sua indignação com as pessoas que mandavam e julgavam na época. Eram pessoas que deveriam ter antes de tudo devoção pela rainha, ao ponto de fechar os olhos para qualquer coisa e sempre concordar com ela. “'They're putting down their names,' the Gryphon whispered in reply, 'for fear they should forget them before the end of the trial.' 'Stupid things!' Alice began in a loud, indignant voice, but she stopped hastly, for the White Rabbit cried out, 'Silence in the court!' and the King put on his spectables and looked anxiously round, to make out who was talking. Alice could see, as well as if she were looking over their shoulders, that all the jurors were writing down 'stupid things!' on their slates, and she could even make out that one of them didn't know how to spell 'stupid', and that he had to ask his neighbour to tell him. 'A nice muddle their slates'll be in before the trial's over!' thought Alice.” 42 (p.111) “'Here!' cried Alice, quite forgetting in the flurry of the moment how large she had grown in the last few minutes, and she jumped up in such a hurry that she tipped over the jury box with the edge of her skirt, upsetting all the jurymen on to the heads of the crowd below...” 43 (p. 118) 41 “Se cada um cuidasse da própria vida”, disse a Duquesa num resmungo rouco, “o mundo giraria bem mais depressa.” “O que não seria uma vantagem”, emendou Alice, muito satisfeita por ter uma oportunidade de exibir um pouco da sua sabedoria. “Pense só no que seria feito do dia e da noite! Veja, a Terra leva vinte e quatro horas para completar sua revolução...” “Por falar em revolução”, disse a Duquesa, “cortem-lhe a cabeça!” 42 “Estão escrevendo seus nomes”, o Grifo sussurrou em resposta, “Por medo de esquecê-los antes do fim do julgamento,” “Que tolos!” Alice começou num tom alto, indignado, mas parou de imediato, porque o Coelho Branco disse em altos brados: “Silêncio no tribunal!” e o Rei pôs os óculos, olhando em volta para descobrir se havia alguém falando. Alice conseguiu ver, tão bem como se estivesse espiando sobre os ombros deles, que todos os jurados estavam escrevendo “que tolos!” em suas lousas, e pôde perceber até que um deles não sabia escrever “tolos” e teve de perguntar ao vizinho. “Que bela embrulhada vão aprontar em suas lousas antes que o julgamento termine!” pensou Alice. 43 “Aqui!” gritou Alice, esquecendo por completo, na excitação do momento, o quanto tinha crescido nos últimos minutos, e se levantou com tal afobação que derrubou a banca dos jurados cm a barra da saia, jogando todos eles sobre as cabeças da assistência, embaixo,... 37 Nesta próxima citação, vemos o crescimento de Alice, que pode significar que a menina era maior do que o circo da corte da Rainha. Esta parte, final da obra, Alice já se sente autoconfiante e não vive mais com medo da Rainha. Isto acontece quando Alice é obrigada a se retirar por ser maior do que o permitido para ficar entre a corte. Foi uma lei criada na hora pelo Rei, sendo esta sem sentido nenhum. A menina não aceitou e questionou a monarquia, colocando-a contra a parede. Notamos também uma Alice nova, que não aceita mais ser enganada, que fala o que pensa, uma Alice livre. “At this moment the King, who had been sometimes busily writing in his notebook, called out 'Silence!' and read out from his book, 'Rule Forty-Two. All persons more than a mile high to leave the court.' Everybody looked at Alice. 'I'm not a mile high, 'said Alice. 'You are,' said the king. 'Nearly two miles high,' added the Queen 'Well, I shan't go, at any rate,' said Alice: besides, that's not a regular rule: you invented it just now.' 'It's the oldest rule in the book,' said the King. 'Then it ought to be Number One,' said Alice.” 44 (p. 120) A seguir, apresento as considerações finais acerca desta análise de alguns personagens de Alice no País das Maravilhas, a partir das características Vitorianas, nos aspectos elencados. 44 Nesse momento o Rei, que por algum tempo estivera escrevendo atarefado em seu bloco de anotações, gritou: “Silêncio!” e leu de seu bloco; “Regra Quarenta e Dois. Todas as pessoas com mais de um quilômetro e meio de altura devem se retirar do tribunal.” Todos olharam para Alice. “Não tenho um quilômetro e meio de altura”, disse ela. “Tem sim”, disse o Rei. “Tem quase três quilômetros”, acrescentou a Rainha. “Bem, seja como for, não vou sair”, disse Alice; “aliás, essa regra não é válida: você acaba de inventá-la” “É a regra mais antiga do livro”, observou o Rei. “Então deveria ser a Número Um”, disse Alice. 38 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme o que foi proposto, foram analisados os personagens Chapeleiro Maluco, a Rainha de Copas e Alice de forma a evidenciar características dos personagens relacionadas à Era Vitoriana. Com o término do estudo, chegou-se a conclusão de que os já referidos personagens têm essa ligação e podem representar a Era Vitoriana, em que o autor, Lewis Carroll, viveu. Este foi um momento de grande impacto na sociedade inglesa que estava na transição de um mundo pacato, tranquilo, para um outro extremo, de frenesi, movimento. Mudanças estas ocorridas também nos conceitos, valores e ideais. A sociedade, até então, era movida por princípios puritanos que eram outorgados pela rainha. A Rainha de Copas está intimamente ligada à rainha Vitória, que teve o maior reinado na Inglaterra, governando sessenta e quatro anos. Suas atitudes e ações confirmam esta semelhança. A soberana era uma pessoa compulsiva e que não gostava que a desrespeitassem. Por isso, durante a obra analisada, a rainha de Copas diz sempre sua famosa frase: “Cortem-lhe a cabeça”. O Chapeleiro Maluco também representa esta época na revolução industrial, quando passa seus dias guiado pelo tempo, nervoso e sem liberdade, por uma suposta briga com o mesmo. Esta “briga” ocorreu também com os trabalhadores das fábricas que passavam seus dias envoltos em graxa das máquinas, trabalhando horas e horas, sem a liberdade da vida que tinham antes. Também no âmbito das ideias, podemos dizer que o Chapeleiro é inovador. Uma de suas falas pode-nos provar, quando propõe uma adivinhação sem lógica, ensinando que nem tudo precisa ser regrado e ter um sentido, ao contrário dos pensamentos da época, sendo assim, chamado de louco. Um ditado popular também pode estar envolvido no seu significado. É este: “Crazy like a Hatter” (louco como um chapeleiro). Já que o produto que os chapeleiros usavam para confeccionar seus chapéus poderia deixá-los malucos. Alice, a protagonista desta incrível viagem, é com certeza a mais representativa na obra. Isso ocorre por que a menina não representa simplesmente, e sim participa de uma 39 mudança, que, aparentemente acontece com ela, porém, sabendo que a menininha representa a Era Vitoriana, temos aqui um momento de transição de uma sociedade inteira. Alice começa a sua viagem com uma visão fechada, coberta de regras e deveres e, ao sair dela, está livre, cheia de ideias na mente. A sociedade, a partir das mudanças da revolução industrial e dos novos estudos feitos por cientistas, teve mais liberdade e um maior poder de escolha. Não sabemos se Carroll realmente tinha a intenção de criticar os governantes de sua época, até por que durante a obra não há nenhuma observação do autor que possa dar a entender alguma crítica. Lewis apenas aponta características, fatos. Em resposta a crítica feita a Carrol, dizendo que sua obra era inapropriada para crianças, Gardner (2002, p.80) afirma: Pelo que sei, não se fizeram estudos empíricos sobre o modo como crianças reagem a tais cenas e o dano que é ou não causado às suas psiques. Minha impressão é que a criança normal acha tudo isso muito divertido e não é prejudicada em absoluto, mas que não se deveria permitir que os livros como Alice no País das Maravilhas e o Mágico de Oz circularem livremente entre adultos que estão se submetendo a tratamento. Com isso, concluímos que a obra, em sua essência, quer apenas mostrar a diversão, na alegria de uma criança, sem regras e leis que muitas vezes são enaltecidas por simples orgulho. Isto não quer dizer que a obra não tenha valor histórico, pois mesmo que de uma maneira implícita, o autor expõe suas opiniões, desejos no meio em que vive, posto que nenhuma obra está isenta de carga ideológica. Não somente os três analisados, porém todos os outros personagens são ricos e tem muito a ensinar. Saberes sobre animais, músicas, danças, brincadeiras, mas principalmente, encontramos no livro a criança adormecida em cada pessoa. Para despertá-la, resta abrir a primeira página e jogar-se neste mundo cheio de maravilhas. “A loucura é algo raro em indivíduos – mas em grupos, partidos, povos e épocas, a regra” (NIETZSCHE, 1995, p. 104). Portanto, encerra-se este trabalho, sendo que os objetivos propostos foram alcançados. 40 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. São Paulo: Ática, 1996. CARROLL, Lewis. Alice's Adventures in Wonderland. Collector's Library. Londres, 1865. CARTER, Ronald; MCRAE, John. The Penguin Guide to Literature in English. Essex: England, 2004. COHEN, Morton N. Lewis Carrol: Uma Biografia. Rio de Janeiro. Record, 1995. ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. S/D. 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