LINHA DE RUMO por Nuno da Silva Leal País das Maravilhas Cheguei à conclusão que devemos estar a viver num País excelente, sem problemas graves, quando reparei que a única coisa que trouxe discussão na moção que o Eng. Guterres apresentou publicamente para o Congresso do PS é a questão de se votar com 16 anos. Defende a JS que isso é seu património histórico. Até pode ser, mas assemelha-se mais a património genético causador de doenças graves! Basta ver que a posição da sua responsável máxima (Jamila Madeira) mudou radicalmente de alguns meses atrás até hoje: passou do contra (fase em que a doença ainda não se havia manifestado mas já estava presente) para o totalmente a favor (fase em que após se manifestar, já é tarde para efectuar algum tratamento). Talvez neste País já não existam mais problemas... Talvez o saneamento já chegue a todo o lado, tal como a água potável, o gás canalizado, a electricidade, o telefone, a TV por cabo ou a Internet; os transportes públicos são excelentes e há muitas alternativas para viajar: TGV, metro, eléctricos rápidos, comboios modernos, autocarros não poluentes; não há listas de esperas nos hospitais e quem está doente tem atendimento garantido, rápido e eficaz, em qualquer centro de saúde ou hospital; já podemos ir de auto-estrada desde um extremo ao outro do país, as estradas estão em boas condições, o IP5 já não é a “Estrada da Morte”, Trásos-Montes é ao “virar da esquina”; há jardins de infância em todas as freguesias, nas escolas tudo vai bem, não faltam professores para umas matérias e há em excesso para outras, os conteúdos educativos são excelentes e não há alunos que mal sabem ler ou escrever e passam de ano, os programas que se leccionam são de uma actualidade e interesse e adaptação à realidade impressionantes, nas universidades não se chumbam centenas de alunos numa só cadeira (passando apenas alguns, muitos poucos, “iluminados”, verdadeiros Einsteins só ao nível dos seus magníficos professores!), os cursos são criados em função das necessidades do País e não das próprias Universidades; o ambiente está cada vez melhor porque não há inceneradoras, os rios têm colectores dos esgotos e afluentes industriais, as praias são limpas, as chaminés das fábricas têm filtros, as ETAR funcionam lindamente e a reciclagem é norma; a Justiça é célere e não há prescrições, os julgamentos começam a horas, as prisões são excelentes; a administração pública e os seus serviços funcionam de forma eficaz, com total preocupação pelo cidadão utente... Não, nenhum destes problemas existe, vivemos no “País das Maravilhas” dos prodigiosos feitos de aproximação à média comunitária alcançados nestes anos do diálogo. Agora, pergunto eu: será coerente falar em medidas avulsas, verdadeiramente caídas de páraquedas sem que nada o fizesse prever e sem se enquadrar numa profunda e eficaz reformulação de todo o sistema eleitoral? Discutiu-se até há alguns dias atrás a reforma do sistema eleitoral autárquico, mas parece-me que todo o sistema devia ser revisto e assim, se tudo for posto em causa no sentido de dar maior vivacidade e aproximação da política aos reais interesses dos eleitores, talvez se possa colocar a questão do voto aos 16 anos. Mas desta forma avulsa e sem qualquer base de sustentação, apenas parece ser uma tentativa de distracção de assuntos bem mais importantes como as criticas que a OCDE fez ao Governo e às suas políticas económicas e financeiras que fazem hoje de Portugal um país em crise acentuada quando os outros países da União Europeia estão em franca recuperação dessa crise. É necessário dar corpo a um novo sistema eleitoral, desde as Freguesias à Presidência da República. Porque não instituir os círculos uninominais para a eleição dos deputados? Quantos leitores sabem quem são, ou mais raro ainda, falaram com os Deputados que nasceram em Guimarães? E não seria melhor haver apenas um mandato para o Presidente da Republica, mais alargado que actualmente, talvez de 8 anos? E porque não limitar os mandatos autárquicos a três consecutivos? E porque não limpar correcta e definitivamente os cadernos eleitorais, fazendo um novo processo de recenseamento eleitoral e garantindo os meios e formas de futuramente os eleitores que falecem ou mudem de residência sejam automaticamente actualizados? E porque não dar Educação Cívica, através de uma disciplina ao nível do ensino básico, talvez 3º ciclo, onde se ensinaria o que é a Constituição, quais as finalidades dos organismos nacionais e internacionais, entre outros assuntos ditos de “cultura geral”? Para mim, estes são quesitos fundamentais e só após lhes ser dada resposta não verei qualquer inconveniente em dar aos cidadãos com mais de 16 anos a capacidade de votando ditarem o destino do seu País. Antes, parece-me que tal atitude apenas irá contribuir para o acentuar quer da abstenção quer do distanciamento dos políticos com o “País das Maravilhas”.