7° Congresso de Pós-Graduação RELAÇÕES Autor(es) OZANEA GONCALVES SANTANA Orientador(es) ANNA MARIA LUNARDI PADILHA 1. Introdução Minha participação em movimentos sociais e em programas educacionais no Bosques do Lenheiro, em Piracicaba, SP, bem como o interesse nos estudos sobre a participação política popular, conduziram-me à necessidade de adensamento teórico no programa de Mestrado. As escolhas da temática e do objeto de estudo têm, portanto, uma inserção na vida pessoal, como ponto de partida. Os estudos teóricos contribuem para a análise da realidade pesquisada. Marx, Engels, Gramsci, Milton Santos e Paulo Freire são os suportes teóricos que oferecem fundamentos para as análises. Karl Marx, Friedrich Engels e alguns de seus seguidores me dão o suporte, a raiz, para compreender que o homem é um ser histórico, que vive em determinado espaço e tempo e assimila as idéias que predominam durante seu período de vida bem como as que o antecederam, pois, ao nascer, ele já herda todo o patrimônio cultural da humanidade. “A essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade é o conjunto das relações sociais” (MARX e ELGELS,1996, p.13). Na mesma obra A Ideologia Alemã - esses autores apontam que a construção da cidade, mesmo sendo um avanço em relação às grutas e choupanas dos povos muito antigos, requer condições materiais para isso. É necessária a utilização de muitas forças produtivas, a iluminação, o abastecimento de água, a utilização de forças naturais. Antonio Gramsci contribui com reflexões sobre a possibilidade de o homem controlar seu próprio destino – “o homem é um processo, precisamente o processo de seus atos” (1989, p.38). Para ele, os homens não entram em relação com outros homens por justaposição, por estar ao lado, simplesmente, mas porque se organizam, passam a fazer parte de organismos, “dos mais simples aos mais complexos”. As relações não são mecânicas, são “ativas e conscientes”, ou seja, “correspondem a um grau maior ou menor de inteligibilidade que delas tenha o homem individual”. O ambiente é o conjunto das relações sociais do qual cada um faz parte. Conscientizar-se dessas relações modifica as próprias relações (idem, p.40). Milton de Almeida Santos traz importante contribuição em relação aos conceitos de territorialidade, ou seja, a formação socioespacial, bem como nos ajuda a compreender o mundo globalizado e a cidadania. Ele fala de um país distorcido olhado de forma distorcida, acrítica, desenraizada – porque se recusa a adentrar o território para conhecer as pessoas que vivem nele (2002). Paulo Reglus Neves Freire como estudioso, educador, ativista social, desenvolveu, mais do que uma prática de alfabetização, o que chamou de “sua prática educativo-crítica” (FREIRE, 2005, p.98). Para ele a Educação é um direito fundamental do ser humano. Direito este que permitirá a conquista de outros direitos, pois pode permitir que a pessoa passe a perceber o mundo criticamente e ao mesmo tempo tenha condições de assumir suas responsabilidades na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. É através da relação dialógica que se consolida a educação como prática da liberdade 2. Objetivos Interessa-me estudar a participação política dos indivíduos de forma geral e, neste estudo, em especial, a participação política dos moradores do Bairro Bosques do Lenheiro, Piracicaba, SP, na tentativa de relacioná-la com os processos educativos envolvidos. 3. Desenvolvimento Fui ao Bairro Bosques do Lenheiro, desta vez como pesquisadora, em busca de pistas que pudessem elucidar, em um primeiro momento, a origem do bairro: dialoguei com as assistentes sociais, com o Presidente da Associação dos Moradores e sua esposa e com uma professora da escola municipal. Essas entrevistas foram semi-estruturadas e objetivaram identificar: o que cada um dos entrevistados sabe sobre o bairro Bosques do Lenheiro - como iniciou, os problemas enfrentados e qual foi ou ainda é a participação dos entrevistados na organização e na vida do bairro. Quanto aos documentos e registros, tive acesso: ao Dossiê sobre o bairro Bosques do Lenheiro escrito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação Popular (NEPEP); aos registros da Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba (EMDHAP); e ao primeiro Mapa Oficial do Bairro. Em um terreno às margens do rio Corumbataí a 6 quilômetros do centro da cidade de Piracicaba, havia vários e vastos bosques no qual apenas um lenheiro abastecia com lenha e carvão as padarias da cidade. Tempos depois todas as árvores foram derrubadas e o local passou a ser uma enorme plantação de cana. Quando a prefeitura adquiriu a área, essa historia foi resgatada pelos moradores da região e assim nasceu, oficialmente em 1998, “Bosques do Lenheiro” - Núcleo Habitacional Bosques do Lenheiro. O “Bosques do Lenheiro” foi um loteamento destinado às famílias de baixa renda (um a três salários mínimos) em parceria com a Caixa Econômica Federal e SEMDES/EMDHAP - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social/ Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba - em 1997. Localizado na região norte do Município de Piracicaba, possui 1412 terrenos, 1370 moradias, pois 42 terrenos são destinados ao comércio. Os lotes são de aproximadamente 150 m. sendo 31,32 m. de área construída; a maioria das residências é de alvenaria, do tipo bloco de concreto sem laje, sem forro e a parede do meio da casa é geminada com a casa vizinha, ou seja, uma fina parede de blocos sem reboco divide uma casa da outra até a altura em que deveria haver uma laje. Esse espaço da parte de cima da casa até o teto é um buraco, deixando as famílias sem a menor privacidade, tudo que se fala dentro de uma casa é ouvido na outra, cheiros e fumaças também são compartilhados. Na leitura do mapa do bairro é possível verificar a ausência de espaço reservado para uma escola de educação infantil, o posto de saúde e a área reservada para o Centro Comunitário, que hoje, localizam-se bem ao final do espaço territorial do bairro. As casas foram chamadas de “embriões”, pois foram entregues apenas quarto, sala e banheiro, construídos com espaço para ampliação. O terreno é considerado grande em relação aos terrenos à venda em outros loteamentos populares, na cidade de Piracicaba. O Bosques foi projetado para a população proveniente de áreas consideradas de risco, das áreas verdes, do movimento dos sem-tetos e famílias cadastradas na EMDHAP, de forma que pudessem ser removidas, como já descrito anteriormente. As primeiras famílias a chegarem no Bosques, por remoção, foram as que estavam assentadas na Usina Modelo, famílias que faziam parte do MST – Movimento dos Sem Teto - que outrora haviam ocupado as casas do Núcleo Habitacional Mario Dedine (bairro vizinho ao Bosques). Essas primeiras famílias conquistaram o direito por essas moradias através de mobilização, ocupação e resistência. Durante os anos de 1996 a 1998, quando ocuparam o Núcleo Habitacional Mario Dedine que, segundo suas lideranças, estava abandonado há um ano à espera do sorteio da prefeitura para famílias inscritas na EMDHAP, o grupo de famílias do MTST realizaram caminhadas, fechamento de ruas e reuniões com membros da prefeitura. Antes de conquistarem as moradias no Bosques do Lenheiro passaram quase dois anos assentados na usina Modelo, após desapropriação do Mario Dedine. Quanto às entrevistas, foram abertas e semi-estruturadas, áudio-gravadas e/ou registradas em Caderno de Campo e já se efetivaram com o Presidente da Associação de Moradores e sua esposa, ex-membros do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; as Assistentes Sociais do bairro e circunvizinhanças; uma professora da Escola Municipal José Pousa de Toledo, a primeira escola construída no bairro; as agentes de Saúde que lá trabalham desde o início do bairro. 4. Resultado e Discussão Para esse momento, trago alguns trechos das entrevistas realizadas, que serão analisadas à luz dos autores que dão base teórica a este estudo. Todos os nomes das pessoas são fictícios. Marília, Assistente Social, que atuava com moradores das áreas de risco conta que “A prefeitura em 1993 foi acionada pela promotoria para que se retirassem as famílias moradoras das áreas de mananciais.” Parece ser esse o momento em que a idéia de encontrar um bairro para essas pessoas começa a tomar forma. Era preciso, por força da lei, que a prefeitura encontrasse um destino para os moradores. A questão, na verdade, era a desocupação das áreas dos mananciais. Não há registros nem depoimentos conhecidos de alguma preocupação em relação às pessoas que moravam nessas áreas de risco. Sr. Bernardo, presidente da Associação dos Moradores e líder do MTST na época). nos conta: “A Rua 25 é a rua inicial, depois veio o pessoal da área de risco, né? Favelas, ai foi indo... Foi ocupando a Rua 12 a Rua 25 e foi indo, foi indo...ate ocupar o bairro inteiro.” Sr.Bernardo contou que já havia um grupo pertencente ao MTST, ocupando a área que é hoje o bairro Mario Dedine, bem próximo à área do Bosques. Como as casas tinham proprietários, embora desocupadas, essas, durante o processo de negociação, essas pessoas foram transferidas para outras áreas, inclusive para o Bosques. Os moradores das áreas de risco chegaram depois, mesmo que o processo tenha começado em 1993, demorando, portanto, seis anos. “Uma família precisa ter casa, não dá pra pensar educação de filhos ou até em saúde se não tem um teto pra habitar... A coisa mais importante para uma família é a casa!“ (Sr. Bernardo). A professora Gina da Escola Municipal, Ensino Fundamental, faz o seguinte relato: “Em 2004 eu fui pra atribuição [de aulas] e escolhi o Bosques...era uma das primeiras atribuição daí eu pedi o Bosques e todo mundo achou muito esquisito porque o Bosques é um dos últimos a ser escolhido... Dai estou até hoje [em tom de brincadeira] e o povo acha que sou do PCC.” Essa professora escolheu dar aulas no Bosques. Sempre quis ser boa professora lá, para os alunos que estão marcados pelo estigma e pelo preconceito. A população desse bairro sempre foi identificada como violenta, pobre, vagabunda, desordeira, por isso, o estranhamento dos outros professores em relação à escolha de Gina. Quando questionei sobre a participação da comunidade na escola, Gina diz: “No começo a escola era a única construção, assim, que a comunidade podia usar, pra capoeira, pra igreja, não tinha centro comunitário...então no começo o envolvimento da comunidade com a escola era esse, usar a escola pra outras manifestações...várias igrejas usava...eu sei que a semana inteira a escola tinha atividade à noite de várias coisas porque não tinha outro espaço a escola estadual não abria e a creche não existia.” Quanto à presença da vida da comunidade no currículo escolar, a entrevistada diz: “Não é da grade. Não, é assim... Não faz parte dos conteúdos nem da grade curricular falar da comunidade, vai depender da professora, por exemplo, quando sai assuntos da comunidade no jornal” Paulo Freire (1985) nos ensina sobre a condição fundamental para que cada um possa assumir o ato comprometido de estar no mundo e nele agir e sobre ele refletir: É preciso que [cada sujeito] seja capaz de, estando no mundo, saber-se nele. Saber que, se a forma pela qual está no mundo condiciona a sua consciência deste estar, é capaz, sem dúvida, de ter consciência desta consciência condicionada. Quer dizer, é capaz de intencionar sua consciência para a própria forma de estar sendo, que condiciona sua consciência de estar (p.16). A escola é o lugar privilegiado para a reflexão sobre o “estar no mundo”. As palavras da professora indiciam que o processo do conhecimento não parte, ainda, das práticas sociais para, ao refletir e teorizar sobre elas discutir criticamente sobre as contradições de vida existentes. A participação popular não pode passar ao largo nos projetos da escola porque, ela mesma, é uma prática social cuja participação popular é ponto de partida e de chegada, mediada pela teorização que cabe, essencialmente, à escola. 5. Considerações Finais Por mais que as pessoas não se dêem conta, há um processo de participação natural da vida, de convivência uns com os outros. Para Paulo Freire (2005, p.47), a política “é esse conjunto de normas “invisíveis” que estão presentes no relacionamento entre pessoas diferentes.” Até o momento, pudemos observar que a Educação Popular acontece em todos os lugares onde as pessoas aprendem umas com as outras e em situações não rotineiras. Aprendem a se organizar em associações ou outros grupos para fazer reivindicações a quem é de direito, quando acreditam ser necessário. Portanto ocupar-se da própria sobrevivência pode ser considerada participação política popular e processo educativo, afinal não nos ocupamos da vida sozinhos. Somos as relações sociais concretas, encarnadas em nós, como ensina Marx (1996). Referências Bibliográficas FREIRE, Paulo R.N. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1985. _____. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra , 2005. _____. Que fazer, Teoria e Prática em Educação Popular. São Paulo: Vozes. 2005 GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1996. NEPEP/Unimep. Dossiê sobre o bairro Bosques do Lenheiro, 2005. SANTOS, Milton. O país Distorcido. São Paulo: Publifolha, 2002.