RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS E REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL: RELATO
DE EXPERIÊNCIA
Daniela Cristina Lojudice1
Nelsi Salete Tonini2
Sinval A. Santos3
Jacó Fernando Schneider4
RESUMO: O presente artigo trata-se de um relato de experiência referente à implantação
das residências terapêuticas de um serviço de saúde mental da Prefeitura Municipal de
Ribeirão Preto –Estado de São Paulo, como uma das ações para desencadear o processo de
reabilitação psicossocial daquela instituição de saúde. Objetiva relatar as atividades
desenvolvidas no decorrer do processo apontando dificuldades e avanços na tão esperada
reforma psiquiátrica.
PALAVRAS-CHAVES:
Saúde
Mental;
Reabilitação
Psicossocial;
Residências
Terapêuticas.
1
Fisioterapeuta. Docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Catanduva.
Enfermeira. Mestre em Enfermagem Fundamental. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, e da Universidade Paranaense – UNIPAR. End: Rua da Bandeira,447 – Centro – Cascavel – email: [email protected] – (xx45) 223-1628 – 9978-5366.
3
Enfermeiro. Mestre em Enfermagem Psiquiátrica. Gerente do Núcleo de Atenção Psicossocial da Prefeitura
Municipal de Ribeirão Preto.
4
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Docente da Universidade Estadual do Oeste do Parana – UNIOESTE.
2
INTRODUÇÃO
Este trabalho buscou trazer à arena uma discussão de residências terapêuticas no processo
de reabilitação psicossocial, que tem muito a ver, seja com a idéia de casa, seja com a idéia
de morar. Freqüentemente estas duas idéias vêm sobrepostas entre si, onde um dos
elementos fundamentais da qualidade de vida de um indivíduo e de sua capacidade
contratual é representada pelo quanto o próprio “estar” em qualquer lugar se torna um
“habitar” (SARACENO, 1999).
Para o referido autor, o estar tem a ver com uma propriedade nula do espaço por parte de
um indivíduo, onde o mesmo não tem poder de decisão, tanto material como simbólico.
Concordando com o autor precisamos pensar uma rede de serviços que conforme PITTA
(2001) a mesma traz em si um modelo de compartilhamento de recursos que contempla
continuidade e complementariedade. Isso se faz necessário, segundo a autora, para pensar
uma estratégia resolutiva de cuidados que tenha de responder necessidades múltiplas, de
ordem afetiva, material, como renda, moradia, comida, trabalho, habilitação, cultura, lazer e
clínica psiquiátrica, psicológica e/ou sistêmica.
Pensando neste contexto, efetivar residências terapêuticas implica não somente em ter um
habitat para os indivíduos com sofrimento mental, mas como será sua inserção na
sociedade, na vida cotidiana.
Assim, inicialmente faremos um breve histórico do surgimento das residências terapêuticas,
conceituando e caracterizando-as no contexto nacional.
OBJETIVO
Refletir sobre a implantação da residência terapêutica enquanto prática alternativa em saúde
mental.
RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS: NOVAS ESTRATÉGIAS NO QUADRO ATUAL
DA REORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA
As residências terapêuticas surgem na Itália (Trieste) na década de 1970, como estratégia
da desistitucionalização, que se efetivaram somente após 1976. Durante o período de 1971
a 1976, ocorreu uma intensa campanha para obtenção de pensões, aposentadorias e
aprovação de subsídios sociais.
Inicialmente esse projeto de residência previa a reestruturação de prédios dentro do
complexo hospitalar, organizando apartamentos e num segundo momento iniciou-se o
processo que levaria os internos a residir em apartamentos na comunidade, sendo liberado
recursos financeiros para comprar ou alugar casas e/ou apartamentos.
No Brasil as primeiras residências surgem na década de 1990, onde, após 12 anos de luta
foi sancionada a lei psiquiátrica (lei 3.657/1989) que consagra o princípio da substituição
de
serviços
de
natureza
manicomial
para
serviços
abertos
na
comunidade
(VASCONCELOS, 2001).
No ano de 2000, o Ministério da Saúde lança duas portarias – as de n. º 106 e 1220 – as
quais definem regras básicas e financiamento específico para a montagem dos chamados
“serviços residenciais terapêuticos”.
Mesmo antes dessas portarias, no Brasil já encontrávamos experiências pioneiras e
consolidadas de dispositivos residênciais em saúde mental – principalmente nos estados do
Rio Grande do Sul (1990); São Paulo (1991) e Rio de Janeiro (1997).
Outras experiências começaram a surgir a partir das referidas portarias, como é o caso de
Sobral, no Ceará.
Conforme Vasconcellos (2001), as residências terapêuticas são elementos centrais na
proposta de substituição dos leitos psiquiátricos de longa permanência, bem como serviços
psicossocial adequados (NAPs e ambulatórios de saúde mental) no processo de
reorientação do modelo assistencial em saúde mental no Brasil.
Essa estratégia oferece uma alternativa para os usuários que não possuem uma casa ou
família, ou cujo parente não oferece as mínimas condições de cuidado responsável.
Sem as residências, a desospitalização poderia gerar negligência social, pois muitos deles
podem acabar vivendo nas ruas – ou inseridos em outras instituições fechadas.
Para Saraceno (1999), esta experiência da Moradia Assistida oportunizou aos usuários a
vivência de propriedade do espaço em que se vivem, com um nível de responsabilidade
mais elevado de contratualidade em relação à organização material e simbólica desses
espaços, propiciando trocas efetivas com técnicos, visitantes, moradores e vizinhos.
Estes serviços quando inseridos em comunidades urbanas fora das instituições asilares,
permitem uma reaproximação pessoal muito mais rica do corpo, do espaço e do tempo.
BREVE HISTÓRICO DA IMPLANTAÇÃO DE RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS
NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO
Em um Hospital Psiquiátrico do município de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, o
caminho percorrido para a ressocialização teve seu início na década de 1980, por meio da
criação do Núcleo de Convívio, dentro do território geográfico do hospital, o qual recebia
pacientes internados dos vários pavilhões. Como critério de seleção foi utilizado a
identificação de pessoas que realmente tinham limitação do ponto de vista mental e as que
estavam internadas somente por falta de apoio social e familiar, onde aos poucos os
pacientes foram retirados das enfermarias, para atividades laborais, recreativas, lazer e de
autocuidado, objetivando práticas comunitárias e de socialização.
Inicialmente os pacientes ficavam durante o dia no núcleo, retornando ao hospital no final
da tarde. Com a estruturação deste espaço e adequação dos pacientes a este novo modelo de
atenção os mesmos começaram a pernoitar no núcleo, com acompanhamento de técnicos do
serviço, caracterizando como o primeiro passo para a inserção desses indivíduos em
moradias assistidas.
O espaço determinado para a criação dos lares abrigados foi denominado de Vilas
Terapêuticas, constituídas de cinco casas com aspecto de lar convencional localizadas
dentro do hospital destinado a reabilitação psicossocial desta clientela, ainda dependente da
instituição. Os moradores contam com apoio intensivo das equipes de saúde mental, e
posteriormente recebem visitas das assistentes sociais e terapeutas ocupacionais,
readquirindo gradativamente autonomia, com trabalhos externos e práticas de atividades na
comunidade.
Os pacientes que conseguiram se inserir neste modelo, após um exaustivo trabalho da
equipe envolvida, conseguiram beneficio de prestação continuada no valor de um salário
mínimo pelo Governo Estadual. Com este benefício, muitos deles compraram
eletrodomésticos, roupas, cosméticos e outros objetos, como também fazem poupança.
Para Kardec (1997), esses lares assistidos se assemelham a uma residência comum. Seus
moradores plantam horta, cuidam do jardim, lavam roupas, fazem comida, assistem
televisão e se divertem nos centros comunitários.
Dando seqüência a esse processo de reinserção dos indivíduos na sociedade e com a
experiência adquirida, a equipe técnica pode consolidar as diretrizes gerais e propor com
maior segurança a instalação de novos instrumentos de combate ao asilamento, que foram a
implantação das pensões protegidas (residências terapêuticas), unidades localizadas fora do
espaço hospitalar, na comunidade.
Conforme Scatena (2000), pesquisas realizadas junto a pacientes que estavam internados
em macro hospitais, há muitos anos, indicam que, mesmo quando percebiam remotas
possibilidades de alta, falavam do desejo de ocuparem outros espaços, identificando o
hospital como um lugar de passagem e não como um lugar de habitar, mesmo tendo vivido
ali por muitos anos.
Os programas de desospitalização de pacientes psiquiátricos crônicos nos Estados Unidos e
na Europa inspiraram em parte, a realização do programa de Pensões Protegidas do hospital
Psiquiátrico de Ribeirão Preto.
As pensões protegidas (residências terapêuticas), têm caráter de natureza pública ou não
governamental (ONGs), localizadas fora dos limites de unidades hospitalares,
independentes entre si, localizadas em bairros dotados de infraestrutura.
A estrutura física mínima destes espaços deve contemplar até seis usuários, composta por
três dormitórios equipados, sala de estar com mobiliário adequado, copa e cozinha para
atividades domésticas e equipamentos (geladeira, fogão, filtros, armários), com garantia de
três refeições diárias.
Assumem a responsabilidades neste modelo de atendimento: O hospital psiquiátrico
(origem da clientela, responsável, financiadora e supervisora do programa); Sociedade
civis, filantrópicas contratadas (executores do programa); Rede ambulatorial do município
(retaguarda da equipe de saúde mental); COHAB- Ribeirão Preto (cessão de imóveis
destinados as pensões) (RIBEIRÃO PRETO, 1991).
As etapas percorridas para efetivação dessa nova proposta incluem: Identificação da
clientela; elaboração do projeto; criação e aprovação de instrumentos legais; elaboração e
aprovação do mesmo; contratação dos serviços e instalação das Pensões Protegidas.
Os pacientes beneficiados por esta modalidade são os que não mantém vínculo familiar e
que não tem residência própria.
Como critério para a inserção a este novo modelo faz se necessário que o indivíduo já tenha
passado pelo Núcleo de Convívio, pela Vila terapêutica e que esteja em alta hospitalar.
Para tanto, foi firmado um protocolo de intenções entre a Prefeitura Municipal, Companhia
Habitacional Regional e o Hospital Psiquiátrico de Ribeirão Preto, criando mecanismo de
apoio a desospitalização, no que se refere a disponibilidade de moradias para os
participantes do programa.
Neste momento, faz-se necessário
destacar que durante este processo houve alguns
obstáculos, tais como: instabilidade administrativa da instituição; entraves burocráticos na
redação do projeto; persistência na descontinuidade dos recursos financeiros para
manutenção do mesmo e a insuficiência de recursos dentro da política habitacional para
atender a necessidade de habitação, o que faz com que a continuidade fique restrita a esta
oferta, tornando o processo mais moroso e aquém das expectativas.
MATERIAL E MÉTODO
O presente trabalho é uma reflexão da experiência vivenciada pelos autores no processo de
reforma psiquiátrica ocorrida no município de Ribeirão Preto – Estado de São Paulo.
Segundo, Amarante (1996), entendemos por reforma psiquiátrica as transformações
administrativas, organizativas e modernizantes do aparato prático-discursivo e, sobretudo a
sua operacionalidade prática.
Nesse sentido, procuramos neste trabalho apontar os avanços e dificuldades enfrentadas
nesse processo de reabilitação psicossocial, que para Pitta (1996:19), “...representa um
conjunto de meios (programas e serviços) que se desenvolvem para facilitar a vida das
pessoas com problemas severos e persistentes em saúde mental”.
CONCLUSÃO
Este trabalho nos fez refletir que a maior conquista neste processo de reforma psiquiátrica
no município de Ribeirão Preto, foi o delineamento de um modelo de reinserção social de
clientela asilada em Hospital Psiquiátrico, demonstrando sua viabilidade técnica,
administrativa e econômica. O impacto que o programa trouxe foi à fundamentação e
adoção de diretrizes políticas visando à implementação do modelo por outras instituições.
Outro aspecto importante é que na medida que o público alvo, até então excluído e
marginalizado, pode ser reinserido socialmente, readquirindo condições de independência
econômica, valendo-se de direitos adquiridos ou pela produção de trabalho.
O principal impacto foi o resgate da cidadania da clientela pela sua desvinculação com o
hospital, sendo que a repercussão na sociedade foi positiva, observada por meio da
aceitação destes indivíduos pela comunidade, não havendo resistências importantes nas
localidades onde se instalavam as residências terapêuticas.
Pensar uma rede de serviços de atenção à saúde mental que seja ao mesmo tempo, efetiva,
eficaz e eficiente, implica em incluir dimensões singulares e intersubjetivas que considere
esperanças e valores entre os usuários, familiares, profissionais, gestores do SUS, grupos de
interesse, sociedades organizadas, ONGs, legislativo e judiciário comprometidos em
organizar uma rede de serviços que contemple e enfrente a complexidade da demanda. Só
assim estaremos avançando na Reforma Psiquiátrica, com resultados mais impactantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARANTE, P. O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
PITTA, A. Tecendo uma teia de cuidados em saúde mental. In: VENANCIO, A.T. A.;
CAVALCANTI, M. T. Saúde Mental – Campo, Saberes e Discursos. Rio de Janeiro:
IPUB – CUCA, 2001.
SARACENO, B. Libertando Identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania
possível. Rio de Janeiro: TeCorá, 1999.
SCATENA, M.C.M. Saindo do hospital psiquiátrico: análise da inserção dos pacientes
nos lares abrigados. Ribeirão Preto, 2000. 106p. Tese (livre –docência). Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo.
RIBEIRÃO PRETO. Coordenadoria de Saúde do Interior. Hospital Psiquiátrico de
Ribeirão Preto, 1991. /mimeografado/.
VASCONCELOS, E. M. Os novos dispositivos residenciais no quadro atual da
reorientação da assistência psiquiátrica brasileira. In: BOLETIM 18 DE MAIO, 8 (19),
Rio de Janeiro, 2001.
KARDEC, A. O retrato da loucura. Rev. Revide Semanal, ano 10, n.º 17, maio, 1997.
Ribeirão Preto, 1997.
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