EE: pacificação e integração dos animais interiores À luz do Princípio e Fundamento, o exercitante sente-se envolvido no grande relato da Criação; há uma irmandade universal que aponta para a corrente única de vida e de sua imensa bio-diversidade, numa grande teia de inter-dependências e de comunhão de todos com a Fonte originante de tudo. Segundo o relato da Criação, o ser humano vem da argila, do húmus... Por isso ele carrega em si os mesmos elementos físico químicos da natureza: minerais, plantas, animais... O ser humano não está acima ou abaixo das outras criaturas; ele é “um” com elas e é chamado a cuidar delas. Sua vocação primeira é a de ser jardineiro. Cada ser humano carrega latente em seu íntimo toda a sabedoria do universo. O poeta americano Walt Whitman nos legou uma frase maravilhosa e emblemática sobre este tema: "Eu sou contraditório, eu sou imenso. Há multidões dentro de mim". Há multidões dentro de nós, não só de animais irracionais como também de homens e mulheres de todas as etnias, os jardineiros da criação divina. E, embora nesta grande diversidade, somos unidade na capacidade de pacificar e de fazer conviver todas as criaturas, como na arca de Noé. E o maior desafio é, justamente, a convivência com todos os animais que carregamos em nosso próprio interior. Nossa animalidade não deve ser esquecida, recusada, extirpada, controlada ou domesticada. Na mística judeu-cristã, nossa animalidade deve ser salva. Salvar nossa animalidade exige explorar nomes, identidades, símbolos e energias animais. O relacionamento entre humanidade e animalidade não é antagônico, excludente. Cada pessoa é chamada a conhecer, reconhecer, nomear e levar a termo os animais que a habitam. E caminhar fraternalmente com seus irmãos animais (cf. Evaristo de Miranda) É preciso, antes de tudo, pacificar nossos animais interiores. Trata-se de conhecê-los, aprender a linguagem deles, fazer amizade com eles para que eles não nos destruam por dentro. Faz parte da maturidade e crescimento pessoal encontrar e entender, em cada um de nós, a mensagem e o desafio de animais interiores como a rã, a pomba, o cachorro, o corvo, a serpente, a raposa, a perdiz, o lagarto, o falcão, o lobo, o leão... Cada animal deve ser verbalizado, integrado harmoniosamente no tempo certo e no lugar adequado. Ao fazer isso, descobrimos as diferentes dimensões da ecologia espiritual. Os animais nadadores, voadores, rastejantes e caminhantes (a locomoção é o critério utilizado pelos hebreus para designar os animais de sua região, pois eles também são um povo em marcha) são preciosos animais interiores em cada um de nós. Pedem para serem entendidos, desembaralhados, colhidos, contemplados e saboreados. Somos como essas criaturas sagradas quando buscamos as profundezas, explorando dimensões densas, inacessíveis e escondidas do ser; ou quando nos ensinam o segredo dos segredos: traçar seu próprio itinerário, sem se comparar a ninguém, como um amante do vôo e da liberdade; ou quando a virtude da vigilância e da prudência, própria à maioria dos rastejantes e aquáticos, é caminho fecundo para quem fica alerta, tateando e deslizando segundo uma escuta íntima e silenciosa. Cada animal tem seu papel sagrado e revelador da identidade humana. Os cães, por exemplo, são conhecidos universalmente pela fidelidade. Os gatos passam as lições de como afugentar o estresse quando se espreguiçam demoradamente, da meditação, da serenidade e até de meiguice quando recolhem as unhas para nos acariciar. Os cavalos, ao longo da história humana, foram eternos companheiros dos homens. Representam a força, companheirismo e a harmonia. O bode, na tradição judaica, representa o ouvido que escuta em silêncio a intimidade do confidente que confessa suas angústias e mágoas mais íntimas, confiante que seus segredos não serão revelados. Podemos usar a força de um tigre para lutar na defesa dos nossos ideais, a memória de elefante para lembrar dos propósitos divinos da natureza humana em busca do convívio comunitário, fraterno e feliz. Usar a prudência das serpentes que se arrastam e se cuidam para não serem pisadas. Podemos ser simples como as pombas para um convívio sem vaidades. Quem sabe, buscar nos macacos a inspiração para ser alegre, brindar a alegria de viver em comunidade como as abelhas, alegrar a nossa criança interior no convívio junto ao grande e livre zoológico que há em cada ser humano. No entanto, no nosso processo formativo e a partir de uma visão exageradamente antropocêntrica, fomos coagidos a viver uma espiritualidade que nos ensinou a reprimir e a manter presos todos os animais na gruta interior e a levantar junto dela um edifício de “grandes ideais”. E com isso, passamos a viver constantemente com medo de que os animais pudessem fugir e nos devorar. Com isso nos excluímos do prazer de viver, porque tudo é reprimido e nossa animalidade é violentada. Sabemos que tudo quanto nós reprimimos nos faz falta à nossa vida. Os “animais selvagens” tem muita força. Quando os prendemos, gera um desgaste muito grande e fica nos faltando a sua força, de que temos necessidade para o nosso caminho para Deus, para nós mesmos e para os outros. Somos obrigados a fugir de nós mesmos, ficamos com medo de olhar para dentro de nós, pois poderíamos correr o risco de nos deparar com os eles. Quanto mais os amarramos, tanto mais perigosos eles se tornam; eles nos atacam por dentro, tirando a disposição, o ânimo de viver. Cada um deles representa os instintos, impulsos, paixões, fragilidades, sensualidade, sentimentos... que, quando não pacificados e integrados, criam uma desarmonia interior. Lutar contra os animais interiores é permanecer na superfície de si mesmo e não ter acesso às reservas de riqueza do próprio coração. Quando todas as energias animais são ordenadas, elas colaboram para o conhecimento pessoal, o refinamento da identidade e a busca da autenticidade, elas são fonte interior de sabedoria e de desfrute espiritual. Então eles irão nos conduzir ao mais profundo e nos mostrar onde o tesouro está escondido. Textos bíblicos Gen 9,8-15: a aliança de Deus com Noé implica uma aliança com todos os animais, domésticos e selva- gens. Somos como a “arca de Noé”, no grande Oceano da vida, carregando em seu interior todos os animais, com seus instintos selvagens e primitivos, numa harmonia e convivência, onde cada um deles tem sua importância, seu papel sagrado e revelador da identidade humana. São eles que nos facilitarão o acesso às nossas riquezas interiores. Como Noé, podemos nomear e salvar - em nossa arca interior - todos os animais. Nenhum deve ficar de fora, vitima do dilúvio do inconsciente, que simbolicamente, significa tomar consciência da realidade que nos cerca, do meio ambiente interior, dos nossos limites na busca eterna do autoconhecimento; de aprender a dialogar com as dores e sofrimentos do corpo e do espírito, visando atingir uma relação terapêutica com a nossa animalidade, num novo ambiente, numa ecologia espiritual paradisíaca e harmônica para bem viver a maravilha da vida plena e em abundância. Resgatar os nossos animais interiores do dilúvio do inconsciente, é aceitar as diferenças e aprender a viver na diversidade. É fazer despertar a consciência dos nossos limites físicos, emocionais, espirituais com a certeza de que caminhamos em direção à plenitude da Criação, para um dia vibrarmos com todas as criaturas do universo no espírito do amor. Mc. 1,12-15: Jesus no deserto “vive entre animais selvagens e os anjos o serviam”. Jesus, enquanto homem, tem consciência dos diferentes animais presentes em seu interior. Sabe conviver com eles. As tentações não significam uma luta interior que atrofia seu interior. Ele se deixa conduzir pelo Espírito, e os anjos o alimentam. Nosso interior é morada de animais selvagens e de anjos. Todos eles tem sua importância na nossa vida. Prov. 30,24-31 Num. 21,4-9 Is. 11,1-9 Na oração: Diante do Deus criador, trazer os seus animais interiores à luz, deixá-los apresentar-se, serem reconhecidos e ocupar o seu lugar na ecologia espiritual. Trata-se de fazer uma aliança de Vida, entre viventes. Os cantos e pios, urros e berros, zumbidos e silvos dos animais interiores despertam nossa atenção para dimensões esquecidas, reprimidas de nossa existência. Basta escutar e sentir. FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050 [email protected] / www.ceijesuitas.org.br