2272 O Riso Negro de Kubrick A falta de sentido da vida força o homem a criar seu próprio sentido. Stanley Kubrick 2273 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade dos Meios de Comunicação Social Projeto de Iniciação Científica – Programa PUCRS 2009 O RISO NEGRO DE KUBRICK Uma análise da elaboração estética do cômico no cinema de Stanley Kubrick Acadêmico: Luana Brasil Dias Orientador: Francisco Rüdiger Porto Alegre, Abril de 2009 2274 A estética do cômico no cinema de Kubrick: Análise dos filmes Lolita, Dr. Fantástico, Laranja Mecânica e Nascido para Matar. Stanley Kubrick (1928 – 1999) foi um controverso diretor e produtor de cinema do séc. XX. Novaiorquino do Bronx, caracterizou-se pela crítica contumaz à típica neurose e frustração da sociedade liberal norte-americana em suas mais variadas instâncias. Deseja-se com este projeto analisar como quatro de seus filmes mais conhecidos elaboram cinematograficamente a categoria do cômico conforme ela foi pensada por Bergson em seu livro O Riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Kubrick estreou no cinema aos 22 anos, após ter trabalhado como fotógrafo freelance da revista Look, em Nova Iorque. Sua narrativa cinematográfica é fortemente influenciada pelo jazz e pelo xadrez, elementos presentes na vida de Kubrick desde a infância. As três primeiras produções de Stanley foram renegadas pelo próprio diretor e não se encontram em circulação. São elas os curta-metragens: Day of the Fight (1951), Flying Padre (1951), e o longa Fear and Desire (1953). Em 1955, Kubrick realiza Killers Kiss, um noir que relata as experiências de um jovem repórter no mundo do boxe. No ano seguinte, o diretor produz O Grande Golpe (1956), filme que conta a história de um fracassado roubo a um hipódromo. Glória feita de Sangue (1957) é um libelo anti-belicista que retrata a história verídica de soldados franceses durante a primeira grande guerra que são condenados à morte por covardia, após terem sidos enviados a uma missão suicida. Spartacus, de 1960, é um épico sobre um gladiador romano que luta por liberdade. Lolita, de 1962, é baseado na obra 2275 homônima de Nabokov, cujo enredo repousa sobre a história de um professor de literatura apaixonado por uma ninfeta. Em 1964, Kubrick lança Dr. Fantástico, uma comédia sobre os terrores de um holocausto iminente a uma guerra nuclear. Quatro anos depois, em 1968, adapta para o cinema a obra de Arthur C. Clarke: 2001: Odisséia no Espaço que é uma ficção científica/ poema visual sobre o próximo passo na evolução da raça humana e nas tecnologias. Laranja Mecânica de 1971 é uma comédia negra acerca da natureza pérfida dos seres humanos. Barry Lyndon (1975) é um filme histórico sobre um homem que busca dinheiro e ascensão social. O Iluminado de 1980 é um thriller sobre um escritor com bloqueio criativo num hotel assombrado. Em 1987 Kubrick produz Nascido para matar e conta a história da degradação moral de um soldado. Finalmente em 1999 Kubrick começa as filmagens de De olhos bem fechados, um filme que versa sobre a infidelidade, porém, o diretor acaba por morrer antes mesmo do lançamento, aos 81 anos de idade, em sua casa na Inglaterra. O projeto almeja analisar a forma como o cinema de Kubrick elabora esteticamente as categorias da comicidade, conforme elas foram identificadas e elaboradas nos escritos de Henri Bergson. Depois de uma breve caracterização da trajetória, obra e lugar no mundo do cinema de Kubrick, far-se-á uma descrição do papel do cômico na cultura e na comunicação contemporâneas, valendo-nos, para tanto, das contribuições, entre outras, de Lipovetsky e Eugênio Trivinho. Feito isso, passamos a uma análise dos seguintes filmes de Kubrick: Doutor Fantástico (Dr. Strangelove, 1964), Laranja Mecânica ( Clockwork Orange, 1971), Nascido para Matar (Full Metal Jacket, 1987) e Lolita (1962). Estima-se que este projeto possa revelar aspectos do cômico inusitados ou pouco suspeitos no âmbito da cultura de massas, mas que iluminados pelo gênio criador do cineasta possam relativizar a contraposição mecânica entre as esferas morais do bem e 2276 do mal. O riso, portanto, serve de elemento mediador dos nossos dilaceramentos morais e atua como elemento enriquecedor da compreensão do ser humano na cultura no mundo contemporâneo. Em conclusão, trata-se de identificar os procedimentos cômicos que esses filmes elaboram e de comentá-los, no tocante ao significado, dentro do contexto cultural lançado com a ajuda dos autores mencionados. 3-) Material de Análise 3.1-) Lolita Título Original: Lolita Tempo de Duração: 152 minutos Ano de Lançamento (Inglaterra): 1962 Estúdio: Steven Arts Production / Anya / Harris-Kubrick / Transwood Distribuição: MGM Direção: Stanley Kubrick Roteiro: Vladimir Nabokov, baseado no livro homônimo de Vladimir Nabokov Produção: James B. Harris Música: Bob Harris e Nelson Riddle Direção de Fotografia: Oswald Morris 2277 Direção de Arte: William C. Andrews Figurino: Gene Coffin Edição: Anthony Harvey James Mason (Professor Humbert Humbert), Sue Lyon (Dolores "Lolita" Haze / Sra. Richard Schiller). Gary Cockrell (Dick Schiller), Jerry Stovin (John Farlow), Diana Decker (Jean Farlow), Lois Maxwell (Enfermeira Mary Lore), Cec Linder (Físico), Bill Greene (George Swine), Marion Mathie (Miss Lebone), Peter Sellers (Clare Quilty) Baseado romance de Vladimir Nabokov, o filme Lolita versa sobre o amor do Professor de Literatura Humbert (James Mason), um homem de meia-idade, que apaixona-se pela dissimulada adolescente Dolores Haze (Sue Lyon). Chamado para dar aulas na Universidade de Ohio, o Prof. Humbert decide alugar um quarto para passar alguns dias de férias. Visitando a casa da viúva Charlotte Haze (Shelley Winters), que aluga quartos para ganhar dinheiro, ele acaba encantando-se pela jovem filha de Charlotte que toma sol no jardim. Para permanecer perto da adolescente, Humbert casase com a mãe da menina. Kubrick retrata o cotidiano da classe-média norte-americana e transforma o romance de Nabokov em uma comédia de costumes, na qual o que está em jogo é a ironia à pseudo-cultura e aos valores burgueses da época. Com seu refinado e peculiar humor, Stanley trás à luz no cinema os recônditos da alma humana; leitmotiv de toda sua obra. 2278 3.2-) Dr. Fantástico Título Original: Dr. Strangelove or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb Tempo de Duração: 93 minutos Ano de Lançamento (Inglaterra): 1964 Estúdio: Hawk Films Distribuição: Columbia Pictures Direção: Stanley Kubrick Roteiro: Stanley Kubrick, Terry Southern e Peter George, baseado em livro de Peter George Produção: Stanley Kubrick Música: Laurie Johnson Direção de Fotografia: Gilbert Taylor Desenho de Produção: Ken Adam Direção de Arte: Peter Murton Edição: Anthony Harvey Elenco Peter Sellers (Capitão Lionel Mandrake / Presidente Merkin Muffley / Dr. Fantástico), George C. Scott (General "Buck" Turgidson), Sterling Hayden (Brigadeiro Jack D. 2279 Ripper), Keenan Wynn (Coronel "Bat" Guano), Slim Pickens (Major T.J. "King" Kong), Peter Bull (Embaixador Alexi de Sadesky), James Earl Jones (Tenente Lothar Zogg), Tracy Reed (Srta. Scott), Jack Creley (Sr. Staines), Frank Berry (Tenente H.R. Dietrich), Robert O'Neil (Randolph), Glenn Beck (Tenente W.D. Kivel) Roy Stephens (Frank), Shane Rimmer (Capitão G.A. "Ace" Owens) A ameaça de aniquilação nuclear durante a Guerra Fria é o mote da comédia mais famosa de Stanley. A cúpula americana tenta impedir um ataque dos Estados Unidos à União Soviética que fora ordenado por um Tenente americano impotente e paranóico. A Rússia, no entanto, possui uma máquina do juízo final capaz de destruir toda a vida na Terra caso sejam atacados, e também um presidente carente e deprimido. O alto escalão reúne-se para pensar numa solução. Kubrick permeia as cenas com diálogos hilariantes e ironias, tais como: “ Cavalheiros, vocês não podem brigar aqui. Esta é a Sala de Guerra.”. Em qualquer abordagem acerca do cômico em Kubrick, esta é uma obra obrigatória. 3.3-) Nascido para Matar Título Original: Full Metal Jacket Tempo de Duração: 117 minutos Ano de Lançamento (EUA): 1987 Estúdio: Warner Bros. 2280 Distribuição: Warner Bros. Direção: Stanley Kubrick Roteiro: Michael Herr e Stanley Kubrick, baseado em livro de Gustav Hasford Produção: Stanley Kubrick Música: Vivian Kubrick Direção de Fotografia: Douglas Milsome Desenho de Produção: Anton Furst Direção de Arte: Keith Pain, Nigel Phelps, Rod Stratfold e Leslie Tomkins Figurino: Keith Denny Edição: Martin Hunter Elenco: Matthew Modine (Recruta Joker / Narrador)Adam Baldwin (Animal Mother), Vincent D'Onofrio (Recruta Gomer Pyle), R. Lee Ermey (Sargento Hartman), Dorian Harewood (Recruta Eightball), Arliss Howard (Recruta Cowboy), Kevyn Major Howard (Recruta Rafterman), Ed O'Ross (Tenente Walter J. "Touchdown" Tinoshky), John Terry (Tenente Lockhart), Kieron Kecchinis (Crazy Earl), Kirk Taylor (Recruta Payback), Jon Stafford (Doc Jay), Ian Tyler (Tenente Cleves), Papillon Soo, Bruce Boa Nascido para Matar (1987) é um filme anti-guerra (o segundo de Stanley, que já havia filmado Glória Feita de Sangue). A história, brutalmente realista e por vezes surreal, sobre a Guerra do Vietnan, se passa em 3 atos: 1) O recrutamento e treinamento dos soldados. Estes são sistematicamente atacados, insultados, maltratados e 2281 envergonhados pelo sargento Hartmann, culminando na morte de Pyle, um gordo desengonçando que não consegue cumprir a tarefa alguma, ri de qualquer coisa e apanha dos companheiros. A primeira parte é finalizada com o assassinato de Hartmann e o suicídio de Pyle. 2) Num segundo instante observamos o soldado Joker, que ganhou esse apelido dos colegas em conseqüência de seu sarcástico humor (Curinga em inglês) tornar-se um jornalista e observar o que de mais cruel acontecia na guerra do Vietnam, tornando-se cada vez mais frio e insensível. 3) No último terço do filme, Kubrick revela a transformação de seres humanos em assassinos, com bastante ironia e sarcasmo, que podem ser observados pela postura de Joker ao dar entrevistas. Pretendemos defender que Kubrick, assim como o escritor Kurt Vonnegut no romance Slaughterhouse V, utiliza o humor como crítica (sanção, segundo Bergson) aos horrores da guerra, cujas conseqüências são – algumas delas - a perda da humanidade e da sanidade. É com humor que Kubrick denuncia a atmosfera do descontrole inerente à Guerra e a transformação de jovens em assassinos. 3.4-) Laranja Mecânica Título Original: A Clockwork Orange Gênero: Ficção Científica Tempo de Duração: 138 minutos Ano de Lançamento (Inglaterra): 1971 Estúdio: Warner Bros. / Hawk Films Ltd. / Polaris Production 2282 Distribuição: Warner Bros. Direção: Stanley Kubrick Roteiro: Stanley Kubrick, baseado em livro de Anthony Burgess Produção: Stanley Kubrick Música: Wendy Carlos Direção de Fotografia: John Alcott Desenho de Produção: John Barry Direção de Arte: Russell Hagg e Peter Shields Figurino: Milena Canonero Edição: Bill Butler Elenco: Malcolm McDowell (Alex DeLarge), Patrick Magee (Frank Alexander)Michael Bates (Chefe Barnes), Warren Clarke (Dim), Adrienne Corri (Sra. Alexander), Carl Duering (Dr. Brodsky), Paul Farrell (Tramp), Clive Francis (Lodger), Michael Glover (Diretor do presídio), James Marcus (Georgie), Aubrey Morris(P.R. Deltoid), Godfrey Quigley (Chaplain) Laranja Mecânica foi um romance distópico e futurista de Anthony Burgess. Lançou o conceito de ultra-violence na cultura. Kubrick o adaptou para o cinema em 1962. Conta a história de Alex (Malcolm McDowell), um jovem psicopata e carismático, cujas paixões são a música clássica (especialmente Beethoven), o estupro e a ultraviolência. Alex é líder de uma pequena gangue de delinqüentes, os quais ele 2283 chama “Droogs” (do russo: amigo) que lhe acompanham pelas noites em alguma cidade britânica, não especificada no filme, colocando em prática o horrorshow. A demolidora reflexão de Kubrick-Burgess, com seu sangrento escárnio da chamada ‘ moral dos bons sentimentos’, levantou, como era de se esperar, uma polvorosa polêmica. O incômodo moral da película se incrementava pelo fato de que Alex era apresentado como brilhante e inteligente, enquanto suas vítimas apareciam como desagradáveis ou mesquinhas.(GUBERN, 1972) Kubrick evidencia o maniqueísmo da alma humana, fazendo de Alex um personagem bem-humorado, inteligente e sensível, porém genuinamente mau. Defenderemos que é através do subterfúgio do humor em sua narrativa, que Kubrick seduz o telespectador a simpatizar com Alex, a despeito de seus desvios morais, colocando a platéia em contato com seu próprio Leviatã (nos termos em que o definiu Hobbes). Pretendemos analisar a estética cinematográfica Kubrickiana com o auxílio das distinções conceituais sobre o riso e a comicidade apresentadas por Bergson na série de três artigos sobre o assunto publicados na Revista de Paris em 1899 e reunidos em livro em 1900 sob o título de O Riso: ensaio sobre a significação do cômico. Henri Bergson nasceu em Paris em 1859. Estudou na École Normale Supérieure de 1877 a 1881 e viveu os 16 anos seguintes como professor de filosofia. Em 1900 tornou-se professor no Collège de France e, em 1927, ganhou o prêmio Nobel de Literatura. Bergson morreu em 1941. 2284 Nesta obra, o autor define o cômico, suas formas e movimentos. Estabelece as propriedades que faz as situações, as palavras e o caráter dotados de comicidade. O cômico é, para Bergson, um desvio negativo da ordem das coisas, formas e ações estabelecidas socialmente. A essa ordem ele atribui a maleabilidade, a flexibilidade dos corpos, das ações, dos acontecimentos. O desvio é a rigidez mecânica aplicada sobre o que é vivo, é a incapacidade de contornar os obstáculos. O que há de risível num caso ou noutro é certa rigidez mecânica quando seria de se esperar a maleabilidade atenta, a flexibilidade vívida de uma pessoa. (BERGSON, 1900:8) Em contrapartida, o riso é a sanção funcional a este mecanicismo. Ele reestabelece a ordem do indivíduo e da sociedade, é um fenômeno absolutamente humano, cuja função social é o aperfeiçoamento do homem, e seu meio natural é a sociedade que é quem lhe atribui significado. O riso deve ser alguma coisa desse tipo, uma espécie de gesto social. Pelo medo que inspira, o riso reprime as excentricidades, mantêm constantemente vigilantes e em contato recíproco certas atividades de ordem acessória que correriam o risco de isolar-se e adormecer. (BERGSON, 1900:15) 2285 Tendo feita a análise categorial dos filmes com a ajuda das idéias de Bergson, vamos interpretar os resultados à luz do que, sobre o riso e o humor na cultura de massas atual, nos dizem Trivinho e Lipovetsky. Lipovetsky, assim como Bergson, afirma que cada cultura desenvolve de modo preponderante um esquema cômico, esmiuçando três grandes fases do cômico: o cômico na Idade Média, o cômico na Era Burguesa e o cômico na Pós-Modernidade. Se na Idade Média a estética do cômico tinha matizes grotescas, populares, de um riso violador de regras oficiais (como na imagem do bobo da côrte), na Era Burguesa ele se tornara privado, disciplinado, aleatório, como no riso abafado e dissimulado dos salões da Belle Époque. Já a pós-modernidade decretou a liquefação, a pauperização do riso. Contudo, a época é sobressaturada de signos humorísticos e somente ela pode dizer-se humorística. Se esse código se impôs, é porque corresponde aos novos valores, aos novos gostos, ao novo tipo de individualidade que aspira o ócio, a desconcentração, o avesso à solenidade do sentido que esta sociedade - a sociedade do consumo - utiliza como código de contato nas mais variadas esferas da vida. Esferas estas como a arte, a publicidade, a moda e própria interação com o Outro. “Mas o fenômeno não pode sequer ser circunscrito à produção expressa dos signos humorísticos ainda eu ao nível de uma produção de massas: o fenômeno designa simultaneamente o devir inelutável de todas as nossas significações e valores, do sexo ao Outro, da cultura ao político e isto contra a nossa própria vontade. A descrença 2286 pós-moderna, o neo-nihilismo que ganhou corpo, não é nem ateu, nem mortífero, mas doravante humorístico.” (LIPOVETSKY, 1983:127) Por outro lado, em “Contra a Câmera Escondida”, Eugênio Trivinho analisa um dos recursos de entretenimento da cultura de massas que consiste na vexação de sujeitos aleatoriamente escolhidos nos espaços públicos, seguida da captação destas situações tidas como hilárias e posteriormente divulgadas em programas populares, a fim de causar riso nos telespectadores. A respeito do humor pós-moderno, Trivinho é bastante explícito e sua crítica debruça-se sobre o riso perverso e narcísico de que a contemporaneidade faz exploração mercantil e patológica. “Diante da tela, o riso apresenta-se potencializado, indicando a sutil transformação e sua natureza: converte-se em riso escanecedor.” (TRIVINHO, 1997:72) Pretendemos elaborar e defender a hipótese de que Kubrick foi um autor contemporâneo, lançado e financiado por grandes produtoras cinematográficas norteamericanas, porém seu humor escapa às definições de Lipovetsky e Trivinho para o riso na pós-modernidade. Se para Trivinho o humor da cultura de massas deprecia o outro, lincha a alteridade, em Kubrick o humor denúncia a própria condição humana e o fracasso das instituições que a instauram: a família, o Estado, o exército, o casamento. 2287 Kubrick tem humor porque nos identificamos e nos projetamos no anteparo da tela, conforme nos sugere uma leitura de Edgar Morin. Sugere ele que devemos rir de nós mesmos. Se Kubrick provoca graça, é porque sua narrativa revela, critica e nos faz cúmplices de nossas próprias misérias. É um riso nervoso. Não pretendemos, enfim, encontrar categorias prontas nas quais enclausuraremos o humor de Kubrick. Não se trata de cercar o objeto de análise, mas revelá-lo, caminhar - e quem sabe até rir - junto com ele. Metodologia: Para analisar os filmes Laranja Mecânica, Nascido para Matar, Lolita e Dr. Fantástico procederemos à sua descrição fenomenológica, procurando comentar momentos do filme com a ajuda da tipologia Bergsoniana, sem perder de vista o todo da obra. Isto é, depois de um breve resumo ou súmula das características genéricas da produção e do desenrolar do enredo, selecionaremos cenários, situações e personagens para análise, permitindo encaminhar a elaboração de argumentos conclusivos. 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968) Obra-prima de Kubrick, é mais que um filme de ficção-científica, trata-se de uma ficção-filosófica. Baseado no livro homônimo de Arthur C. Clarke, 2001 é um poema visual sobre a evolução da humanidade e da técnica, num tempo em que o maior inimigo do homem é a máquina: Hal 9000, um computador omnisciente a bordo de uma nave espacial, a Discovery 1. O filme foi finalizado em 1968, porém sua produção demandou cinco anos de trabalho, que coincidem justamente com a corrida espacial disputada entre Estados Unidos e URSS. Uma Odisséia no Espaço é uma experiência 2288 não-verbal, ao contrário de Dr. Fantástico (no qual muito do impactante depende dos diálogos, dos modos de expressão, dos eufemismos empregados). Para Emir Labaki, por exemplo: “O filme estrutura-se em quatro grandes partes. A primeira, ‘The Dawn of Man’ é a mais breve delas. Durante pouco menos de 15 minutos, acompanha-se o cotidiano de um grupo de macacos. Pacificamente eles comem raízes e bebem água ao lado de outros animais. Um deles é atacado por uma pantera. Duas turmas de símios reúnem-se em margens opostas de um pequeno lago. Rosnam uns para os outros. Os recém-chegados partem para o ataque e assumem o controle sobre a região (...) A mais longa elipse da história do cinema transforma um osso que numa nave espacial. À moda de Eisenstein, resume-se milhões de anos da evolução.” (LABAKI, 2000:19) Já para Kagan: “O homem macaco lança o osso para o alto, este voa pelos ares girando e se converte, dando um enorme salto na história, da cultura e da civilização, em um utensílio sutil e sofisticado de quatro milhões de anos mais tarde. Um instrumento que voa, cumprindo as tarefas que lhe foram designadas.” (KAGAN, 1972:214) 2289 Considerando os trechos acima como resumos de relatos analíticos e comentários fenomenológicos de uma obra Kubrickiana, tratar-se-á em nossa pesquisa de proceder analogamente detendo-nos na questão do riso, conforme as linhas mais gerais indicadas no primeiro parágrafo desta seção. 9-) Referências 9.1-) Bibliografia ALBERTI, Verena. O riso e o risível: na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. LABAKI, Amir. 2001: Uma Odisséia no Espaço. São Paulo: Publifolha, 2000. BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade / Henri Bergson; tradução Ivone Castilho Benedetti. 2 ° Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007. DUNCAN, Paul. Stanley Kubrick – A Filmografia Completa. Lisboa: Taschen, 2003. FALSETTO, Mario. Stanley Kubrick: A Narrative and Stylistic Analysis. Greenwood Publishing Group, 2001 FREUD, Sigmund. Os chistes e sua relação com o inconsciente./ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira/ Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. – Rio de Janeiro: Imago, 1996. KAGAN, Norman. The cinema of Stanley Kubrick, 1972 (a detalhar). LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio. Lisboa: Relógio D'Água, 1983. MAST, Gerald. The Comic Mind: Comedy and The Movies. 2nd. Ed. Chicago : 2290 University of Chicago Press, 1979. MINOIS, Georges. A história do riso e do escárnio. Georges Monois; tradução Maria Elena O.Ortiz Assumpção – São Paulo: Editora UNESP, 2003. MONTGOMERY, John. Comedy Films. London : George Allen & Unwin, 1954. MORIN, Edgar. A alma do cinema (Capítulo IV de O cinema ou O Homem Imaginário) In: A Experiência do Cinema: antologia/ Ismail Xavier organizador. – Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983. PENA, Fernando M. Gag: La comedia em el cine: 1895-1930. Buenos Aires : Biblos, 1991. PERDIGÃO, Paulo. “2001 – A Alvorada do novo homem”. In: Filme Cultura. Ano 2n° 11 – Novembro 1968. SÁNCHEZ-VÁSQUEZ, Adolfo. Convite à Estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. TRIVINHO, Eugênio. Contra a câmera escondida: estruturas da violência. São Paulo: E. Trivinho, 1997. TURNER, Graeme. Cinema como prática social/ Graeme Turner; tradução de Mauro Silva. – São Paulo: Sumus, 1997. 9.2-) Filmografia: HARLAN, Jan. Life in Pictures. (2001) (Documentário sobre vida e obra de Kubrick). Lolita (1962) Dr. Strangelove or: how I Learned to Stop Worring about the Bomb (1964) 2001: a Space Odissey (1968) 2291 Clockwork Orange (1971) Shining (1980) Full Metal Jacket (1987) 9.3) Sites: www.kubrickfilms.com www.contracampo.com http://www.kubrick2001.com www.visual-memory.co.uk www.imdb.com