A CULTURA DO HIP HOP NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA (PIBID-UEL)
Márcio Henrique Laperuta
João Henrique Ayzava
RESUMO
O programa institucional de bolsas de iniciação a docência (PIBID-UEL), tem
possibilitado uma significativa contribuição para a educação, de modo que
favorece na formação inicial do estagiário, com sua exposição à realidade
escolar, e na continuada do professor supervisor, esse vinculo proporciona
uma reflexão conjunta entre os conhecimentos escolares e os científicos. Um
dos resultados dessa união foi a pesquisa e o ensino do conteúdo dança, e do
contexto maior que foi a ideologia promovida pelo Hip Hop, que teve origem na
década de 1960 nos Estados Unidos e exerceu uma forte influência na cultura
juvenil, por meio de seus elementos, características e concepções. Os
elementos do Hip Hop são: DJ (disc jockey), responsável pela música, o B- Boy
o dançarino responsável pelos movimentos, o Rap que faz a poesia e o Grafite,
definido pelos desenhos coloridos de reivindicação ao modelo posto. Diante
desse contexto surge o seguinte questionamento: Como estudar o conteúdo
dança – Hip Hop nas aulas de Educação Física considerando como uma
manifestação cultural presente na sociedade? O objetivo desse estudo e de
promover o conhecimento do Hip Hop, abordando seu desenvolvimento
histórico, os elementos, os conceito e características e os movimentos
específicos da dança. O presente relato foi realizado durante as aulas de
Educação Física de uma escola pertencente a rede estadual de ensino,
localizada na região norte da cidade de Londrina-PR, com turmas do 6° ano do
ensino fundamental. Utilizamos estratégias de ensino pautadas na perspectiva
critica, com questionamentos, problematização, diálogo e discussão, por meio
do uso de vídeos, textos e pesquisas. Por fim, apontamos avanços no processo
de ensino-aprendizagem do Hip Hop e de suas relações com o contexto
cultural.
Palavras-chave: Hip Hop, processo de ensino-aprendizagem, Educação
Física.
1-INTRODUÇÃO.
Ao pensarmos na educação escolarizada devemos refletir
sobre a realidade social em que a escola está inserida, sobre os alunos que
nela estão matriculados e sobre a cultura e as sociabilidades.
A humanidade é o que é porque cria, assimila, e reconstrói a cultura
formada por elementos materiais e simbólicos. Do mesmo modo, o
desenvolvimento da criança se encontra inevitavelmente vinculado à
sua incorporação mais ou menos criativa para a cultura de sua
comunidade (SACRISTÁN e GOMES, 2008, p.54).
A partir desse aspecto torna-se necessário o entendimento de
cultura que refere a valores que são passados de geração para geração e são
caracterizados nas relações estabelecidas entre as pessoas. Para Geertz
(2003) a cultura é a própria condição de vida dos seres humanos. É produto
das ações humanas, mas também é o processo contínuo que as pessoas dão
sentido a suas ações.
A organização do Hip Hop apresentou sua origem nos guetos
dos Estados Unidos, no final da década de 1960, devido o movimento de
reivindicação dos direitos negados e contra a violência com que os negros
eram tratados.
Cansado das violentas e sangrentas guerras travadas pelas gangues
do seu bairro (Bronx, Nova Iorque), Kevin e seus amigos começaram
a substituí-las por batalhas de dança, nos festivais de Hip Hop da
época, as famosas Batalhas de Break, disputadas durante as Block
Parties. (SOARES, 2010, p.297).
Com a disseminação do Hip Hop no mundo, tornou-se uma
manifestação cultural que apresenta como princípios a valorização dos
costumes e características dos povos menos favorecidos e um movimento de
luta contra os modelos postos na sociedade. De acordo com os estudos de
Souza (2010), depois de se tornar uma manifestação cultural se espalhou pelo
mundo, reservando aos seus adeptos uma formação crítica que valoriza a
ancestralidade dos povos oprimidos e a luta pela validação dos seus valores
frente à cultura dominante.
No Brasil observamos uma crescente do Hip Hop em 1980,
caracterizado principalmente com a dança dos jovens negros, com sua
evolução outros elementos foram construídos abrangendo a arte e a música.
Durante esse momento da história o Hip Hop não era bem visto pela sociedade
no geral, tornando-se alvo de preconceitos com julgamentos indevidos. Como
observamos, “[...] os jovens que dançavam nas ruas eram considerados
marginais, por executarem uma prática socialmente desconhecida e, acima de
tudo, pelo preconceito que recaía sobre eles” (SOUZA, 2010, p.21).
Diante desse contexto o presente artigo apresenta o intuito de
promover o ensino da dança, especificamente do Hip Hop nas aulas de
Educação Física. Para isso foi necessário dialogar com uma questão, como
quebrar com a visão reducionista que se tem sobre a dança? Quais estratégias
de ensino podem ser utilizadas no ensino da dança? Sabemos que são muitas
as dificuldades encontradas, tais como: falta de materiais, espaço inadequado
ou “salas superlotadas”, e a resistência dos alunos ao participar das aulas.
Neste
sentido,
consideramos
que
são
necessários
os
conhecimentos da docência, para possibilitar uma intervenção coerente e
orientada que contribua confrontar todos esses aspectos negativos e garantir o
processo educativo.
2-CULTURA DO HIP-HOP
A conceituação do Hip Hop foi elaborada por Afrika Babaataa,
em 1968, na periferia de Nova Iorque, no bairro do Bronx. O seu significado ao
em inglês quer dizer: movimentar os quadris e saltar. Originada em meados
dos anos de 1970, nos subúrbios de Nova Iorque, especificamente no gueto do
Bronx. Afrika Babaataa é considerado como o pioneiro deste movimento,
Bambaataa fundou a Zulu Nation que tinha como lema “Paz, União e Diversão”,
em 12 de novembro de 1973, dia este que é celebrado como o nascimento do
Hip-Hop. A Zulu Nation contempla os quatro elementos do Hip-Hop, o Grafite, o
MC, o B.Boy e o DJ (ROCHA, et al. 2001)..
Estes elementos são representações das manifestações
artísticas da dança e da música presentes no movimento Hip-Hop; o Grafite
representa as artes visuais; o MC o poeta, aquele que se utiliza da arte da
oratória/palavras; o B.boy é o representante da dança, que se expressa por
meio dos movimentos corpóreos; e o DJ que seria o “maestro das ruas” quem
conduz a música, muitas vezes também Produtores Musicais.
Nasciam então os quatro elementos da Cultura Hip Hop: o MC, o DJ,
o b-boy/b-girl e o grafite. Segundo Athayde (2008), o MC (ou mestre
de cerimônia) é a voz ouvida durante os festivais do Hip Hop, pois ele
fica narrando todas as ações das batalhas de b-boys, faz comentários
sobre a música que o DJ está tocando e sobre participantes do
evento, com o objetivo de criar uma maior interação dentro do
festival. Ele fica responsável por manter a animação, reforçar o
repertório dos DJ’s, passar informativos do evento e as informações
mais importantes, sinaliza também a urgência médica em algum
atendimento aos participantes. (SOARES, 2010, p.297).
Pode ser verificado nos centros urbanos e nas periferias como
é evidente essa cultura, por meio dos grafites, músicas, roupas e dialetos,
enfim vemos que os jovens se identificam e intervém pela cultura do Hip-Hop.
As culturas juvenis de acordo com os estudos de Dayrell (2007) expressa
mutações mais profundas nos processos de socialização, seus espaços e
tempos. Ou seja, entender os jovens como sujeito social é estar orientado em
um contexto histórico, com características, vontades, ideologias e interesses
que devem ser respeitados.
Observamos uma grande identificação dos jovens com o
movimento do Hip-Hop, pelo fato que constitui como integrante de sua cultura.
Com os jovens tendo a possibilidade de criar, refletir e intervir na sociedade. No
Brasil o Hip-Hop chegou a mais ou menos três décadas e ganhou muitos
adeptos, pois num país de tanta desigualdade, um movimento que resgata os
valores dos excluídos, aponta as fraquezas do sistema e por meio da arte e da
cultura promove uma identidade ao sujeito que lhe permite sair da invisibilidade
social, e ser melhor compreendido.
O início foi marcado pela dança o break, que apresentou
grande destaque por abordar movimentos de difícil execução, com vestimentas
coloridas que chamavam atenção do público. A dança era realizada, na
maioria, “[...] por negros que se vestiam com roupas inabituais, e se portavam
de modo totalmente diferente daquilo que as pessoas estavam acostumadas a
observar” (SOUZA, 2010, p.19).
Em seguida com sua divulgação e evolução foram surgindo
várias manifestações culturais inseridas no movimento do Hip Hop, por meio da
arte do grafite, de eventos de rap, campeonatos e batalhas de break
construindo a identidade cultural dos jovens. Assim, os b-boys responsáveis
pela dança “[...] realizam movimentos “de quebrar” (to break), esses (as)
dançarinos (as) demonstram o desejo das comunidades em romper
culturalmente com o sistema opressor e explorador, bem como o seu anseio
por um mundo melhor” (SOARES, 2010, p.298).
Os artistas de rua (grafiteiros) tem a função de representar as
indignações e as reivindicações por meio do desenho Os artistas visuais
urbanos (grafiteiros) “[...] aproveitam os espaços públicos para interferir
culturalmente na decoração da cidade. Suas obras costumam ter um caráter
poético-político” (SOARES, 2010, p.298). O Hip-Hop não é somente dançado
como um estilo das danças urbanas, ele compõem um conjunto de elementos
que foram evoluindo no decorrer de sua história.
3- RELATO DO PROCESSO DE INTERVENÇÃO
Entendemos a dança como uma manifestação cultural presente
na sociedade, “[...] responsável por tratar do corpo em suas diversas
expressões artísticas, estéticas e criativas” (DCP, 2008, p.70). Desta maneira a
dança é considerada um dos conteúdos da Educação Física por possibilitar a
compreensão do movimento humano intencional.
O processo de ensino da dança na escola foi sistematizado e
planejado em um sequencia de aulas, para as turmas do 6°ano de uma escola
da rede estadual de ensino, localizada na região norte de Londrina,
oportunizando conhecimentos que façam com que os estudantes interajam na
sociedade que estão inseridos, para isso selecionamos o Hip Hop como
temática principal a ser ensinada nas aulas de Educação Física, pelo fato de
ampliar as possibilidades de intervenção pedagógica e também por estar
relacionado enquanto uma manifestação cultural que os jovens apresentam
conhecimentos prévios.
O processo de intervenção foi realizada na cidade de Londrina
que abrange diversas culturas juvenis e o Hip Hop se faz muito presente, com
muitos adeptos. A escola localiza-se na região norte, o bairro é bem marcado
por essas culturas juvenis, pode-se observar pelos grafites, a maneira de se
vestir dos jovens, pela dialética de alguns alunos. .
Ao estudar dança enquanto conteúdo curricular das aulas de
Educação Física elaboramos alguns questionamentos que nortearam o
planejamento das aulas: Quais alunos gostariam de trocar o conteúdo de
dança por algum outro? E praticamente toda a sala levantou a mão. Em
seguida propomos que os alunos formassem um círculo na sala. Com base nos
conhecimentos do conteúdo a ser ministrado, foi realizado uma breve
apresentação de break dance e do Hip Hop.
A pergunta foi realizada
novamente, porém nenhum aluno levantou a mão.
Diante dessa experiência podemos inferir que os saberes
docentes envolvem um conjunto de conhecimentos, e esses são fundamentais
para que o processo de intervenção seja consciente promovendo uma
educação com qualidade, não centrado no aluno no que “gosta fazer”, nem
com imposição do professor, é necessária uma interação no ensinoaprendizagem, em que os conhecimentos precisam ser ensinados. Com o
intuito de superar o paradigma já posto em nossa sociedade e que reflete nas
aulas de Educação Física, de transmissão unilateral do conhecimento,
procuramos ampliar as atividades para que houvesse uma intervenção dos
alunos onde eles pudessem se expressar ilustrando os conteúdos estudados,
que se deram por meio das danças (break) no primeiro momento.
A princípio verificamos uma resistência dos alunos ao participar das
aulas, mas a medida com que íamos dialogando e explicando o conteúdo,
forma se soltando e realizando os movimentos específicos do break-dance
como o top look, realizados em plano alto na posição em pé, O Footwork é o
conjunto de movimentos que o b-boy faz com os pés enquanto ele está em pé
ou no chão. Para esses momentos utilizamos como equipamentos os
colchonetes e o tatame que a escola possui, facilitando a realização de
movimentos como o freeze, caracterizado como movimento congelado em que
a pessoa se mantem na mesma posição por alguns segundos.
No segundo momento, discutimos sobre o elemento Grafite presente
na cultura do Hip Hop, propomos a representação dos Grafites em cartazes,
com o objetivo de reivindicar e críticas ao modelo posto. Para isso utilizamos
como estratégias um documentário sobre os grafites realizados em espaços
públicos, chamado “Cidade Cinza” que aborda os principais artistas do Brasil e
a concepção do grafite com desenhos coloridos que chamam a atenção da
sociedade, em contraste vemos atualmente as cidades tomadas de prédios e
concretos. A construção dos cartazes foi um momento de avaliação do
processo de ensino –aprendizagem, desta forma propomos algumas frases que
representam o Hip Hop como por exemplo: 1-A cidade deve ser cinza, ou não.
2- Respeito e para quem tem. 3- Você preserva o meio ambiente, quais
atitudes está realizando.
Com base nessas frases foram elaborados os grupos, tendo
responsabilidade de criar desenhos do grafite a partir das frases préestabelecidas. Observamos uma participação efetiva dos estudantes na
representação do Grafite e ao final do processo elaboramos uma apresentação
para a escola, expondo os cartazes do Grafite, uma apresentação dos
movimentos do break-dance com os alunos e uma explicação de como foi o
processo de ensino do Hip Hop nas aulas de Educação Física.
Ao envolvermos os jovens não somente com os movimentos
corporais, buscamos uma maior aproximação com a realidade, pois o
movimento Hip-Hop é composto por mais que os quatro elementos (B.boy, Mc,
Graffiti e Dj), dentro da cultura do Hip-Hop há uma preocupação com a política,
com os espaços públicos, há um pensar crítico sobre a realidade que ali se
instaura. Partindo da importância que se tem em ensinar num sentindo amplo,
abrangendo as conquistas históricas e cumprindo a função de socialização, a
cultura toma um importante papel no âmbito educacional dos jovens em
escolarização. A assimilação pelo indivíduo da realidade em que vive, de como
foram conquistados os direitos e como intervir de uma maneira a conquistar
novas melhorias ao local onde vive é um importante fator para que o aluno se
torne um cidadão crítico que busca intervir de forma autônoma.
4-CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Hip Hop é considerada uma manifestação cultural, que teve
sua origem embasada por um processo de reivindicação contra os modelos
sociais já estabelecidos. A concepção do Hip Hop foi se ampliando e difundindo
pelo mundo e se consolidou no Brasil na década de 1980.
Com a evolução do Hip Hop, verificamos a sua inserção não
apenas nas periferias, como também nos grandes centros, por meio de seus
elementos o break, o rap, o grafite e o DJ. Assim a sua inserção na escola
tornou-se inevitável enquanto conteúdo a ser ministrado nas aulas de
Educação Física. Diante desse contexto, torna-se cada vez mais frequente o
ensino do Hip Hop nas aulas de Educação Física, com relatos de experiências,
estudos e pesquisas, contribuindo para uma socialização do conhecimento.
Portanto podemos constatar que houve avanços importantes
nos conhecimentos específicos do Hip Hop, na participação das aulas e que
promovam relações com a realidade em que estão inseridos. Assim
fundamental um processo de intervenção docente planejado, que possibilite
ampliar os conteúdos ministrados nas aulas.
REFERENCIAS
DAYRELL, J. O jovem com sujeito social. Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Educação. 2003. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a04. Acesso em 11/04/2015.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. São Paulo: LTC, 2003.
PARANÁ, Diretrizes curriculares de educação física para os anos finais do
ensino fundamental e para o ensino médio. Curitiba-PR, 2008.
ROCHA, J. DOMENICH, M. CASSEANO, P. Hip Hop A periferia grita São
Paulo, Perseu Abramo, 2001.
SOUZA, Ivan Candido de Hip hop e educação física escolar: possibilidades de
novas tematizações / Ivan Candido de Souza. - São Paulo, 2010.
Márcio Henrique Laperuta
Professor da rede estadual de educação
Universidade Estadual de Londrina
Gepef- Lapef- UEL
Pibid- UEL
Endereço: Rua Cambará 670 - apto 34
Centro Londrina-PR
2- Fundamentos teórico-metodológicos do processo ensino-aprendizagem e
avaliação em Educação Física - Dimensões da relação pedagógica da
Educação Física na Educação Básica e modalidades de ensino, referentes a:
a) organização curricular; b) organização do processo ensino, aprendizagem e
da avaliação educacional; c) saberes e práticas escolares.
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