UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES LICENCIATURA PLENA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA EDJA CAMILA GOMES DE ARAÚJO OS JOGOS TEATRAIS NO ENSINO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS JOÃO PESSOA NOVEMBRO DE 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES LICENCIATURA PLENA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA EDJA CAMILA GOMES DE ARAÚJO OS JOGOS TEATRAIS NO ENSINO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua Portuguesa. Prof.ª Dr.ª Mônica Mano Trindade Ferraz, orientadora JOÃO PESSOA NOVEMBRO DE 2011 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal da Paraíba. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Araújo, Edja Camila. Os jogos teatrais no ensino de português para estrangeiros. / Edja Camila Gomes de Araújo. - João Pessoa, 2011. 33 f. Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Orientadora: Profª. Drª. Mônica Mano Trindade Ferraz 1. Língua Portuguesa. 2. Jogos teatrais. 3. Alunos estrangeiros. I. Título. BSE-CCHLA CDU 811.134.3 Resumo Os Jogos Teatrais da americana Viola Spolin (1973) podem auxiliar na educação. No fichário elaborado pela dramaturga, existem jogos que privilegiam o uso da linguagem verbal, que forçam uma interação e que levam os jogadores a utilizarem a pragmática da língua. Esse material permitiu o uso de tais jogos para o ensino de PLE (português como língua estrangeira). O aluno de PLE utiliza todo seu conhecimento adquirido nas aulas de português (leitura, gramática, produção de texto e conversação) em situaçõesproblema simuladas, em que há um contexto de uso da língua (que Viola define como Onde, Quem e O quê – Cenário, Personagem e Situação de Cena) e o desafio de compreenderem a língua na forma prática do cotidiano. Apesar de serem jogos teatrais, eles são voltados também para indivíduos que não trabalham na aérea de artes cênicas. O objetivo dos jogos não é de formação de atores, e sim de resolução de problemas, tudo sendo feito através de uma forma lúdica. Este trabalho pretende relatar a aplicação desses jogos em uma turma do curso de Português para estrangeiros ministrado pelo PLEI (Programa Linguistico Cultural para Estudantes Internacionais), composta de alunos vindos dos seguintes países: República Democrática do Congo, República do Benim, Camarões, Haiti e Espanha. Exporemos a metodologia utilizada no curso, e os resultados obtidos (produtivos ou não) nas aulas ministradas, através de uma avaliação realizada segundo os Postulados Conversacionais de quantidade, qualidade, relevância e modo, do filósofo Herbert Paul Grice. (apud KOCH, 2007) SUMÁRIO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: CONTEXTUALIZANDO O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA............................................................................................07 2. O JOGO DO IMPROVISO ........................................................................................11 3. O IMPROVISO DO TEATRO NO IMPROVISO DA LÍNGUA .............................15 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................24 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................26 ANEXOS........................................................................................................................27 Considerações Iniciais: Contextualizando o Português como Língua Estrangeira Por que o Brasil? Essa era a pergunta que eu fazia aos meus alunos de PLE. As respostas prontas que estavam na minha cabeça eram: "Oh, o Brasil é um paraíso", "Tem muitas festas aqui", "Os brasileiros são mais relaxados, o país exala liberdade", "As mulheres brasileiras são muito bonitas" etc. Nós, brasileiros, nos assustamos/surpreendermos ao ver estrangeiros estudando em nossas universidades. Reclamamos tanto do nosso sistema educacional que não entendemos quando pessoas trocam as universidades de primeiro mundo, tão almejadas por nós, pelas salas sucateadas e professores mal pagos. Então, o que nos vem em mente é que esses estrangeiros são aventureiros em busca de exotismo. Porém, as respostas que obtive foram bastante positivas. As que imaginei, de fato, foram ditas. Entretanto vieram outras que me fizeram sentir mais orgulho do meu país. Além de despertar a curiosidade sobre nossa cultura (língua, manifestações artísticas, modo de vida), nosso país tem atraído pesquisadores de todo o mundo. Segundo relatos de alunos estrangeiros, temos uma infraestrutura para a realização de pesquisas tão boa quanto à da China, por exemplo. As bolsas de estudos brasileiras são bem maiores do que as bolsas de pesquisas europeias. Muitos estudantes de outros países resolvem fazer desde uma parte da graduação até um pós doutorado nas universidades públicas brasileiras, devido à qualidade e à amplitude das pesquisas realizadas em nosso território nacional. Não podemos deixar de citar a hospitalidade do povo brasileiro que também ajuda na permanência desses pesquisadores. Também cresce a busca por empregos no Brasil. Graduados e especialistas resolvem investir cada vez mais no país. Desde 2010, o investimento em pesquisas e empresas brasileiras tem crescido, segundo dados da CGig (Coordenação Geral de Imigração) e MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Do ano passado até o ano corrente, cerca de 56.000 estrangeiros tiveram autorização para trabalharem no Brasil. A exploração da camada do Pré-sal tem sido a maior motivação da vinda desses investidores. Além disso, há os eventos esportivos que irão acontecer: a Copa do Mundo e as Olimpíadas. 7 Os estados mais visados ainda são os da região Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro, pelo fato de serem reconhecidos como pólos industrial e cultural. Todavia, muitos estrangeiros procuram os estados nordestinos, por questões culturais, pelo baixo custo de moradia, pelas belezas naturais e pelo clima ensolarado. João Pessoa tem recebido estrangeiros que fogem da agitação das cidades grandes, como São Paulo e Recife, e de complexidade turística, como Rio de Janeiro, Salvador e Natal. Essa crescente busca pela capital paraibana vem permitindo a realização de intercâmbios entre as universidades nos níveis de graduação e pós-graduação. Neste contexto, a Universidade Federal da Paraíba possui convênios com diversas universidades estrangeiras, o que acarreta o aumento na demanda de alunos estrangeiros que desejam ingressar nos diversos cursos ofertados pela instituição. Destarte, os intercambistas precisam aprender ou aperfeiçoar a língua portuguesa. Sendo assim, é imprescindível haver um programa permanente que ofereça cursos de PLE, com regularidade semestral. O Programa Linguístico-cultural para Estudantes Internacionais (PLEI) foi criado por esta razão. É um programa de extensão que oferta cursos de PLE nos níveis básico, intermediário e avançado, com uma proposta metodológica pautada na abordagem comunicativa. Optamos por essa abordagem que, segundo Larsen-Freeman (1986), consiste em centralizar o ensino da língua estrangeira na comunicação, isto é, o aluno deve se comunicar apenas na língua alvo (português) e, com a prática, adquirir as competências comunicativas. Saber se comunicar é elaborar enunciados linguísticos adequados à intenção da comunicação e à situação (contexto) de comunicação. Devem-se conhecer as regras do jogo. Ser competente comunicativamente significa dominar diversos contextos de uso da língua alvo, o que compreende uma competência gramatical, sociolinguística e estratégica. A reprodução de diálogos pré-formulados, cópias de frases, repetições de estruturas entre outras atividades resumem-se a uma reprodução automática que não aparenta trazer grande enriquecimento para as habilidades comunicativas do aluno. Ao invés desses exercícios formais e repetitivos, aplicam-se exercícios de situações reais ou simuladas em que o aluno deverá descobrir as regras do funcionamento da língua aprendida. Usam-se trabalhos em grupo que permitem a interação dos alunos, os jogos dramáticos que simulam situações do cotidiano, a leitura de textos autênticos (esquecendo daqueles textos que são elaborados com um objetivo 8 apenas pedagógico) e trabalhos individuais em que o aluno deve participar de uma autoaprendizagem. O aluno entra em contato com diversos gêneros textuais da língua escrita e da língua falada que serão aplicados em seu cotidiano. Vale destacar que a proposta baseada na abordagem comunicativa auxilia o aluno que fará o exame do CELPE-Bras1. Nessa prova, o candidato é avaliado por meio de tarefas que envolvem a produção de vários gêneros textuais. Não se foca numa microcorreção gramatical, mas na capacidade de uso dessa língua, logo o candidato deve saber se comunicar, ser entendido. Assim, além da produção escrita, o aluno é avaliado em uma entrevista oral, o que possibilita que a avaliação perpasse pelas quatro habilidades: compreensão oral e escrita (ouvir/ler); produção oral e escrita (falar/escrever). O PLEI tem a responsabilidade, também, de preparar alunos conveniados ao PEC-G2 para o exame do CELPE-Bras. Esse grupo de alunos, provenientes de países em desenvolvimento, frequentam um curso intensivo específico de 20 horas semanais, durantes nove meses seguidos. Se aprovados no exame, ingressam em uma universidade brasileira para cursar uma graduação inteira. Por essas características, os alunos do grupo PEC-G (2011) foram eleitos os sujeitos participantes desta pesquisa. A turma é composta por quinze alunos provenientes dos países: República Democrática do Congo, República do Benim, Camarões e Haiti. Para auxiliar na desenvoltura da competência oral desses aprendizes, foram usados alguns jogos teatrais que possuem o objetivo de forçar a comunicação verbal pela fala. Nesses jogos, os alunos são postos em situações simuladas, dentro de um contexto. A prática frequente, adicionada ao fato de os alunos estarem em processo de imersão, possibilita o desenvolvimento da habilidade oral, tornando-os mais preparados e seguros para o uso cotidiano e para a entrevista a ser realizada no exame CELPE-Bras. Este trabalho objetiva a apresentação das práticas de sala de aula, em que se utilizam os jogos teatrais, analisando como tais atividades podem auxiliar no 1 2 Certificado de Proficiência e Língua Portuguesa. O PLEI é um posto aplicador desse exame. Programa de Estudantes-convênio de Graduação. 9 desenvolvimento da comunicação na língua alvo, delimitando aqui as habilidades de compreensão e produção oral (escuta/fala). Desse modo, dando sequência a este capítulo inicial, organizamos o texto da seguinte forma: No segundo capítulo, há uma explanação dos jogos teatrais. De onde eles vieram; quem criou esses jogos; qual a sua relação com a educação e, especificamente, com o ensino de língua estrangeira. No terceiro capítulo, traremos uma breve análise do corpus recolhido em duas aulas: uma aula do nível básico e outra do nível intermediário, aplicadas à mesma turma. Esta análise é baseada nos Postulados Conversacionais do filósofo Grice (KOCH, 2007). 10 O jogo do improviso na educação O teatro improvisacional está em alta no Brasil. Grupos de atores lotam teatros com espetáculos feitos na hora e participação da platéia. Existem concursos nacionais e copas mundiais, em que os atores/jogadores competem para saber quem improvisa melhor, quem tem a melhor intuição, quem faz a platéia rir mais. Esses grupos até possuem programas de TV em que são expostos esses jogos de improviso tão inéditos para o povo brasileiro. Acontece que esses jogos em que os atores devem dialogar apenas através de perguntas, ou construir uma narrativa com palavras randômicas, ou elaborar uma cena através de frases fornecidas pela platéia, não foram criados por esses grupos famosos brasileiros. Usados para a formação de atores de uma companhia em Chicago, nos anos 60, esses jogos foram elaborados pela dramaturga americana: Viola Spolin. Considerada por muitos a “avó da improvisação”, Spolin teve como fonte inspiradora a educadora e socióloga Neva L. Boyd, com quem trabalhou na famosa Hull House - uma casa de abrigo e apoio a imigrantes com atividades sociais e culturais dos Estados Unidos, que se localiza em Chicago. Boyd ensinou Spolin a usar jogos recreativos, contação de estórias e danças folclóricas para estimular a criatividade tanto das crianças como dos adultos que frequentavam o espaço. Em 1963, Viola publicou o seu primeiro livro, Improvisação para o Teatro3, que reúne mais de cem jogos de improviso, frutos de uma longa análise da aplicação destes em salas de aula. O livro se tornou a Bíblia para atores em formação e um “baú” de possibilidades para educadores que trabalham com o lúdico em sala de aula. “Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco.” (SPOLIN, 2010, p. 3). A diretora teatral acredita que o talento vem com o trabalho. Os jogos iriam auxiliar no aumento da capacidade de atuação do ator/jogador em formação. Eles foram aplicados numa época em que o teatro estava preso no palco, em que os atores deviam interpretar de acordo com preceitos românticos, assim como nas óperas. Algo tão artificial que separava os atores da platéia. E se o ator ou a atriz errasse o texto? Naturalmente iria se desfazer do personagem carregado de emoções e 3 Improvisation for the Theather – traduzido por Ingrid Dormien Koudela, principal pesquisadora da área no Brasil. 11 assumir o erro através de uma expressão insegura. O objetivo de Viola Spolin era de naturalizar a interpretação dos atores através da espontaneidade. Os jogos têm como base a solução de problemas. O objetivo, isto é, o problema a ser solucionado é chamado de “Foco”. As regras do jogo são inseridas dentro de um contexto dado ao ator que Viola chama de “Onde” (o espaço em que acontece o jogo), “Quem” (a personagem assumida pelo jogador) e “O Quê” (o que o jogador estará fazendo no momento do jogo). O jogador não joga sozinho, ele interage com um grupo e recebe instruções (não recebe ordens) do diretor (o mestre do jogo). Dessa forma, o jogador aprende a solucionar os problemas com a cooperação dos colegas e sempre está atento aos problemas a serem solucionados devido à presença de comentários feitos pelo diretor. Mais tarde, em 1975, Spolin reuniu todos os seus jogos num Fichário de Jogos Teatrais4. O fichário possui um manual de instruções, dividido em três partes. A primeira parte dá dicas de como ministrar uma oficina usando os jogos. Na segunda, há uma exposição da abordagem ensino/aprendizagem, para a compreensão do uso dos jogos. A terceira parte consiste em um leque de sugestões de jogos separadas por categorias, para que o professor selecione e adapte os jogos para o seu plano de aula. As fichas foram elaboradas de uma forma bem simples para serem seguidas, cada uma possui uma explicação da atividade a ser aplicada, como essa atividade deve ser aplicada e como os jogadores devem ser avaliados. As fichas são divididas em três níveis de dificuldade. Mas o professor tem total liberdade de usar qualquer nível fazendo a sua própria programação sequencial. Colocados em sala de aula, os jogos não devem ser reconhecidos como atividades lúdicas que fogem ao contexto do conteúdo passado e sim como “suportes que podem ser tecidos no cotidiano” (SPOLIN, 2001, p. 20), atuando no envolvimento do aprendiz, trazendo uma aprendizagem mais prazerosa. “Ensinar/aprender deveria ser uma experiência feliz, alegre, tão plena de descoberta quanto à superação da criança que sai das limitações do engatinhar para o primeiro passo – o andar” (SPOLIN, 2001, p. 20)! Com os jogos teatrais, professores e alunos são companheiros e cooperadores de um ensino-aprendizagem mútuo, em que se aprende experimentando. São jogos, mas 4 Jogos Teatrais – o fichário de Viola Spolin - Theater Game File 12 não há competição. As competições e comparações isolam os jogadores, pois eles se sentem inferiores ou melhores que os outros e aí não há uma aprendizagem mútua. Infelizmente, em alguns casos, a competição é uma estratégia que funciona, pois provoca no aluno um interesse pela disciplina. Mas o objetivo de Viola é desenvolver o trabalho em grupo, algo tão importante na atualidade. Uns ajudam os outros nas suas dificuldades e, desse modo, possibilita-se que a turma cresça quase que de forma homogênea. Não tendo competição e comparação, não há aprovação ou desaprovação. “A liberdade pessoal para fazer isso leva-nos a experimentar e adquirir autoconsciência”(SPOLIN 2010, p. 6). Quando não se preocupa com o julgamento de certo ou errado, o aluno se torna livre no meio do jogo para poder experimentar diversas soluções para o problema a ser resolvido. O julgamento tolhe a criatividade do aluno, pois ele estanca, prende-se, bloqueia-se com medo de ser desaprovado e não há tentativas. Então, “Todas as palavras que fecham portas, que têm implicações ou conteúdo emocional, atacam a personalidade do aluno/ator ou mantém o aluno totalmente dependente do julgamento do professor, devem ser evitadas” (SPOLIN, 2010, p.7). Mas isso é algo bastante difícil de controlar, já que fomos educados pelo método da aprovação/desaprovação. Sabemos o que é certo e o que é errado. Contudo, é possível equilibrar, deixando o aluno fazer a sua auto-observação e auto-correção, pois “os atuantes „ensinam‟ a si mesmos. Eles aprendem por meio da conscientização de suas experiências” (KOUDELA, 2007, p. 31). Mas o professor não deve se distanciar do aluno, para que ele não se sinta perdido. O professor, sabendo das regras do jogo, servirá como um guia. É importante ressaltar que o professor deve deixar os alunos à vontade. Não há obrigações no jogo, por isso joga quem tem vontade. O professor/diretor deve certificarse de que o aluno/jogador está participando livremente da atividade. Quando se planeja uma aula, espera-se que tudo o que está descrito em seu plano seja realizado. Mas a experiência em sala de aula nos mostra que muitas vezes o plano não se encaixa à aula. As atividades não se adequam ao perfil da turma, ou simplesmente, a turma não está disposta a fazer o que se planejou em um determinado dia. Um jogo pode não ser adequado para o perfil da turma. “Nem sempre o aluno pode fazer o que o professor 13 acha que ele deveria fazer, mas na medida em que ele progride, suas capacidades aumentarão” (SPOLIN , 2010, p. 9). A Abordagem Comunicativa permite que o professor insira esses jogos no ensino de língua estrangeira. Simulando diálogos, os alunos aprendem o aspecto da língua que está sendo exposto na aula. Acontece que muitas vezes essas dramatizações são constrangedoras, pois nem sempre há alunos que gostam desse tipo de aprendizado, são mais acostumados com o método tradicional focado no ensino gramatical. Por isso que os jogos teatrais devem ser inseridos aos poucos. Deve-se sentir a recepção da turma e essa atividade não precisa ser imposta valendo nota. Os alunos que se sentirem a vontade, jogam. Ao jogarem, os alunos vêem que a “brincadeira” auxilia numa aprendizagem séria. Sabemos que a língua falada possui algumas características de improvisação. Ela é exposta em sua própria gênese, isto é, enquanto na língua escrita nós planejamos o que queremos dizer, apagamos o que foi errado, organizamos o nosso pensamento, na língua falada o que é dito é o próprio rascunho, não há borracha que apague o que foi dito. Mas há a correção de um interlocutor, ou até mesmo do próprio locutor. Há a adição de novas informações e, conjuntamente, a mensagem vai sendo construída. É a partir deste ponto que os jogos teatrais podem ser utilizados para o desenvolvimento da oralidade em uma língua estrangeira. Os alunos são inseridos num contexto ( Onde, Quem e O Quê) e devem resolver um problema. Esse pode ser, por exemplo, apenas concordar os verbos na construção de uma narrativa. Mas a maior dificuldade a ser superada é a efetuação da comunicação. Os alunos precisam se compreender para que haja uma continuação no jogo. Nacionalidades, culturas e sotaques diferentes também se tornam mais um problema, pois causam um ruído entre os interlocutores. Mas os jogos têm o objetivo de solucionar problemas e esse na medida em que eles são aplicados, pode ser solucionado. Basta ter paciência e perseverança. No próximo capítulo, poderemos observar um pouco da aplicação desses jogos numa sala de aula de Língua Portuguesa para Estrangeiros. 14 O improviso do teatro no improviso da língua A interação entre falantes é um jogo. Cada jogo tem um objetivo a ser atingido. Os jogadores, por sua vez, atuam (locutores) e reagem (interlocutores). Às vezes ocorrem algumas descontinuidades, como repetição, correção, explicação, reparo, etc. Mas o foco (tópico) é mantido, pelo menos é o que se espera. A língua falada possui características de improvisação, pode ser uma espécie de rascunho do pensamento em alguns momentos espontâneos. Os interlocutores se ajudam na formação da mensagem a ser falada. Há uma interação cooperativa. Sendo feita por improviso e construída em conjunto, é necessário que haja entendimento, ou seja, comunicação. Os falantes devem estar num mesmo contexto, devem saber o que está sendo tratado no tópico conversacional. Se é exato que “falamos através de textos”, isto é, se os discursos constituem de fato o objeto adequado da lingüística; se, de outro lado, admitimos que a língua é um meio de resolver problemas que se apresentam constantemente na vida social, então a conversação pode ser considerada a forma de base de organização da atividade de linguagem, já que ela é a forma da vida cotidiana, uma forma interativa, inseparável da situação. (BANGE, 1983, p.3) Baseado nessa noção de língua falada como jogo de improviso, iniciou-se um estudo da utilização de jogos de improviso teatral no auxílio da competência oral de alunos de Língua Portuguesa como língua estrangeira (PLE). A turma do PEC-G, composta por quinze alunos estrangeiros (treze congoleses, um haitiano e uma camaronesa) foi escolhida para a aplicação desses jogos teatrais com o fim de analisar a melhora na competência oral, sendo avaliados pelas Máximas de Grice (apud KOCH, 2007, p. 27), que consistem em: Máxima da quantidade: dizer apenas a quantidade necessária para o entendimento da mensagem; Máxima de qualidade: falar sobre fatos verdadeiros; Máxima de relevância: dizer apenas o que for relevante, importante; Máxima de modo: ser claro e conciso, sem prolixidade. Esses são princípios que regem a comunicação, segundo o filósofo, além de também firmar que a comunicação exige um princípio de cooperação. “Isto é, quando duas ou mais pessoas se propõem interagir verbalmente, elas normalmente irão cooperar 15 para que a interlocução transcorra de maneira adequada”. (KOCH, 2007, p. 27) Quando não há comunicação, significa dizer que essas máximas foram infringidas. Foram escolhidos dois jogos: um elaborado pela professora da turma e outro selecionado no fichário. Cada jogo foi aplicado em um nível diferente. O primeiro jogo foi aplicado no início do curso intensivo, quando os alunos ainda estavam no nível básico e o segundo foi aplicado próximo ao final do curso, quando os alunos estavam no nível intermediário. Em seguida, faremos a análise do corpus recolhido na aplicação dos jogos. No primeiro jogo, os alunos foram separados em dois grupos. Nem todos participaram, mas os que tomaram parte foram de livre e espontânea vontade, para que não houvesse constrangimento. Cada grupo recebeu um papel com um ditado popular5 acompanhado de um desenho que a representava “ao pé da letra”. Os alunos, doravante denominados jogadores, deveriam encenar um exemplo do uso desse ditado. Foram dados 5 minutos para que eles descobrissem o sentido do ditado e elaborasse um pequeno roteiro de cena, pois as falas deveriam ser improvisadas. O primeiro grupo recebeu o ditado “Quem compra o que quer, vende o que não quer”. Os jogadores simularam o seguinte exemplo: uma pessoa queria comprar um dicionário de português brasileiro, mas este era muito caro, então negociou uma forma de pagamento com o vendedor. Esta forma não deu certo, pois o consumidor não tinha dinheiro para as outras parcelas. Desta forma, o consumidor vendeu alguns de seus pertences e conseguiu o dinheiro para pagar o restante das parcelas. Vamos analisar alguns trechos do jogo. A transcrição, na íntegra, se encontra em anexo para consulta. 1.A1: Quem compra:: o que não pode... vande o que não qué (( se dirigindo a uma estante com dicionários)) 2.A2: Olá...Tudo bem? O que você quer? 3.A1: Tudo bem... Eu preciso:: um dicionário:: português 4.A2: Sim... Tem... Português da Brasil ou da Portugal? 5 Esses ditados fora retirados do livro Meu livro de folclore, de Ricardo Azevedo. Ver nas Referências Bibliográficas. 16 5.A1: Do Brasil 6.A2: ((procurando os dicionários na estante)) 7.A1: ( ) Quanto? 8.A2: Eh::: cem cinqüenta reais 9.A1: caRAMba::... Caro:: ((risos da platéia)) 10.A2: ( ) compra:: ... boa dicionário:: 11.A1: mas... não tenho:: cento cinqüenta reais 12.A2: não não não (( acenando a cabeça)) 13.A1: por favo:::: ... cinqüenta::: {não 14.A2: não não não ((acenando a cabeça)){ tenho:: 15.A1: prova amanha... por favo:: por favo:: me ajuda:: 16.A2: (( fazendo o gesto de negação com os dedos)) se você não tem dinheiro:: deixa isso ( ) { me ajuda:: 17.A1: ( ) amanhã ou agorra:: 18.A2: eu vou te ajudar... ( ) da me o dinheiro você tem agora::... depois... eh::... três dias... você vai... me ( ) dinheiro. 19.A1: muito obrigado... ((pega o dicionário e aperta a mão de A2)) Percebe-se, claramente, que os jogadores se encontram no nível básico, pois não conseguem formar uma oração sintaticamente completa, o que aparece em todos os segmentos da transcrição. Por exemplo, na linha 10, há “prova amanhã”, em vez de “farei uma prova amanhã” ou “haverá uma prova amanhã”. No entanto, eles selecionam alguns itens lexicais que são essenciais para a compreensão. Apesar dos itens lexicais estarem isolados, eles possuem uma carga semântica que auxilia na compreensão dos jogadores. Isso contribui para a coerência e clareza no discurso. Os jogadores, então, obedecem às Máximas de relevância, falando apenas o que é necessário para a conversa, e de modo, evitando ruídos na comunicação. Isso também se deve ao fato dos jogadores envolvidos serem da mesma nacionalidade, então, entendem o sotaque e possuem gestos comuns que auxiliam na interação. Rigorosamente, a noção interacional de coerência toma como base para a produção de sentido os processos colaborativos no uso efetivo 17 da língua. O sentido passa a ser uma construção social realizada na comunicação. (MARCUSCHI, 2007, p. 15) Porém, é muito interessante ressaltar a importância da imersão cultural desses jogadores. Na linha nove, o jogador A1 usa uma expressão coloquial característica de falantes nativos da língua alvo: “caramba”. Certamente, se ele estivesse aprendendo a Língua Portuguesa em seu país de origem, não conheceria tantas expressões, nem as usaria tão naturalmente. Além disso também usa marcas de interação, como aparece no segmento treze, “por favor”. Nesse primeiro grupo, não há muita diferença de nível entre os jogadores, o que também facilita a interação entre eles e possibilita-os alcançarem o objetivo do jogo. De modo diferente, no segundo grupo, que recebeu a expressão “Gaiola bonita não alimenta canário”, há uma grande diferença de nível entre os jogadores. Esse grupo simulou a situação de um mendigo que estava com muita fome, mas que não tinha dinheiro. Pediu dinheiro para uma pessoa aparentemente bonita e rica, pois estava muito bem vestida. Mas esta pessoa lhe dá apenas um real. Ao fim da encenação, entra uma outra pessoa que não estava tão bem vestida e dá ao mendigo alguns dólares. Como já foi dito anteriormente, a transcrição na íntegra se encontra em anexo. Vamos analisar alguns trechos dessa encenação. 62.A1: estou com uma sorte... parece que este este este... homem... tem algo para dar-me... que rOupa... que telefones... ((para A2)) você pode... ajudar-me? Todo dia não comi... não comi nada todo dia... se você pode ajudar-me com um pouco ... 63.A2: de dinheiro? 64.A1: sim...sim... para poder comprar alguma coisa pra comer porque ... sim...sim... 65.A2: ((dá uma moeda)) 66.A1: ((aborrecido)) ê:: que isso? Um real? ((risadas da turma)) na::o ... não...a::::: meu deus... que coisa o que vou comer com um real? 67.A3 ((entra na sala)) 68.A1: tudo bem? Por favor... eu... eu não... não tenho nada... para comer... durante todo o dia... eu propopropro curei procurei... alguém pra dar se se se você puder me dar um... um pouco de dinheiro... para comprar só um pão 69.A3: você quer dinheiro? 18 70.A1: sim... não tEnho dinheiro... você pode ajudar-me? Com um pouco que você tem lá? ( ) por favor... ar ((mão na barriga)) 71.A3: (( tirou dólares da carteira)) 72.A3: eu vou para você... eu vou para dAr... para você...dinheirro... 73.Turma: que isso? 74.A1: muito obrigado... e/r... muito obrigado senhor...ar... 75.Turma: que i::::sso? 76.A1: não sabia que... esta pessoa ((apontando para A3)) que... que... não ES... que não estava...bem... bem... bem vestIdo... poderia ter um... uma moneta como assim? mUito... Ah ((grito)) muito obrigado dEus... dEus muito obrigAdo...por tudo... Logo de início, podemos perceber que há uma diferença de nível entre A1, A2 e A3. Diferença justificada pelo fato de A1 já ter feito curso de língua portuguesa em Angola, antes de iniciar seus estudos na UFPB. Díspar do resto da turma, A1 já falava bem português, construindo frases completas e complexas, usando preposições, pronomes pessoais do caso reto e oblíquo, a negação redundante, apesar de possuir algumas descontinuidades, o que é considerado normal para o nível básico. No segmento 66, A1 demonstra que não há o que comer com um real. Embora seja uma simulação, o jogador traz uma situação que ocorre na realidade: o que dá pra comer com apenas um real? Não se pode comer bem com um real. Uma boa alimentação é cara no país que agora eles vivem. Com a imersão, os jogadores podem simular situações que são muito próximas à realidade. O jogador A3 possui muita dificuldade em formular orações completas. No segmento 72 vemos isso claramente. No início da frase, o jogador não obedece à máxima de modo, pois é uma frase confusa e fora do contexto, mas, em seguida, ele faz um reparo, que tem como função “formular melhor ou reformular um segmento maior ou menor do texto já produzido, às vezes para sanar problemas detectados quer pelo próprio locutor, quer pelo parceiro” (KOCH, 2007. p.114). Pela observação em sala de aula, o jogador A3 não é participativo, não fala. O jogo, espontâneo, forçou a interação pela linguagem entre este jogador e os outros participantes, fato que o ajuda bastante no momento de desenvolver a sua habilidade oral na língua alvo. Quando os alunos atingiram o nível intermediário, foi aplicado o segundo jogo à turma. Essa turma também possuía dois alunos espanhóis, o que dificultou a interação dos jogadores. 19 Por serem “novatos”, os espanhóis não estavam bem integrados à turma. A interação não era tão espontânea. Havia diferenças culturais e o sotaque espanhol prejudicava um pouco a compreensão dos demais. O segundo jogo é baseado em um que está contido no fichário de Viola Spolin, é chamado “Construindo uma história a partir de seleção randômica de palavras”. O foco, ou objetivo, é construir uma história a partir de palavras diferentes. Originalmente, os jogadores devem, trabalhando em conjunto, escrever uma história com fichas contendo palavras diversas com carga semântica isolada. Mas adaptamos esse jogo para uma aula de conversação. Ao invés dos jogadores escreverem uma história, eles devem contá-la de forma improvisada. O grupo recebe um título e algumas palavras escritas em pequenas fichas de papel, as quais são guardadas nos bolsos dos jogadores e retiradas no decorrer da narrativa. O jogador deve inserir a palavra no contexto da narrativa oral. Nesta aplicação, os grupos possuíam cerca de 5 jogadores, cada jogador com duas fichas no bolso. Quando um jogador inseria as duas palavras na narrativa, “passava a vez” para o jogador seguinte, que, da mesma forma, deveria continuar a história. O ultimo jogador deve encerrar a narrativa. O primeiro grupo, que continha dois alunos espanhóis, recebeu o título “Meu grande sonho”. 77.A1: ((mostra a palavra)) não sei qualé o meu grande sonho...mas... há:::: dois meses... assim... que cheguei ao Brasil... e estou conhecendo a sua ((mostra o papel)) cultura... ((pega outra palavra e aponta)) o Brasil... tem um governo... socialista ((risos))eh::: eu não conheço a sua presidenta mas... o anterior foi lula da silba... Ele tinha um grande sonho... acho... 78.Professora: continua A2... não esqueça do titulo da estória... meu grande sonho... 79.A2: ((mostra o papel e ri)) em::: ((olha para o colega e ri)) eh:::: fala... não... 80.Professora: continua o que ele tava falando 81.A2: essos eram meus pensamentos...de ontem... em::: muito::: tarde da noite? Em:::: quando eu::::acordei...pra ir...ala geladeira...em... a buscar? Água...mas...quando eu saí do quarto... a porta ((mostra o papel)) queda fechada... 82.Professora: a porta estava fechada... 83A2: e eu... fiquei... lá...( ) voltar a cama 84.A3: ( ) meu sonho... é... viajar... para o Brasil...estudar... mas há gente que diz que... os estrangeiros não pode fazer o vestibular ((mostra o papel))...mas... acho que os brasileiros fazem o vestibular para começar a universidade mas eu não posso fazer o vestibular...só estudar a língua e depois fazer aula normal...curso normal... mas... também quando começar a aula ( ) sou estudante (( mostra papel)) é isso... meu sonho... 20 Nota-se que A1 e A2 são espanhóis pelas marcas do idioma. O som do “v” que é trocado pelo “β”, algumas palavras espanholas como “queda” (no segmento 81), entre outras marcas registradas na transcrição. Esses dois jogadores, por terem uma língua semelhante à nossa, desenvolveram melhor a narrativa, tendo mais fluência. Porém, A3 não compreendeu o foco do jogo e quebrou a narrativa que estava sendo desconstruída. Podemos dizer que ele infringiu a máxima de relevância, pois ele não falou o que era importante para aquele momento da narrativa. O título recebido pelo grupo provoca um desejo de falar de si mesmo, principalmente com os alunos congoleses. Observando a sala de aula, notamos que os congoleses possuem um desejo muito forte de falar deles mesmos. E foi o que aconteceu com A3, pois ele desconstruiu a história para falar do seu próprio sonho. Percebe-se aí um deslocamento. Por um lado, o aluno foge do jogo, não cumprindo a tarefa proposta, que é a sequência da narrativa previamente posta. Por outro lado, surge a fala espontânea, a fala de si mesmo, a fala real e não simulada, provocada pela temática em jogo. O segundo grupo foi contemplado com um título fantasioso que incita a narrativa fictícia: “A flor mágica”. 90.A1: Era uma vez... na foresta... na floresta... uma criança...que estava... fazendo ((é atrapalhado por um aluno)) shiu... que estava... fazendo... e encontro::::u uma flo::::r... tão bonIta... que ela queria... ficar com Ela... e então... ela pegou água ((mostra o papel))... e... ((olha pra um aluno e faz um gesto de regar plantas)) shiii... AM? 91.A2: regar 92.A1: regar... a flor... pra que ela fica bem bonita e pra sempre... essa menina... tinha... uma gata ((mostra o papel))... e essa gata... era tão inteligente... ela queria ficar com tudo... com a gata e com a flor... 93.A2: mas... aquela menina que queria ficar com a flor mágica... não estava compreendendo o meu sotaque ((mostra o papel))... porque eu era estrangeiro... então não dava pra me entender ((risos da turma)) quase estava perdendo a minha flor mágica... que eu tinha descoberto... mas caminhei com aquela menina ((mostra o papel))... segurava a flor mágica até a praia... aproveitarmos um por do sol mágico... ((risos da turma))... e todo mundo ficou feliz... No segmento 90, A1 inicia a narrativa com uma marca “era uma vez” que propõe uma narrativa fantasiosa. No discurso de A1 há descontinuidades que não impedem o entendimento da mensagem. No mesmo segmento, o jogador faz um reparo na própria fala e pede ajuda a 21 outro jogador para dizer um verbo que não sabia. Os jogadores cooperam mutuamente para que o objetivo seja cumprido. Eles próprios se ensinam. Nesse grupo não houve uma quebra da narrativa. Todos os jogadores se entenderam e compreenderam o foco do jogo. Apesar de alguns erros gramaticais (permitidos no nível intermediário), as orações são bem construídas, diferente das orações elaboradas no nível básico. Houve, então, a obediência das máximas de relevância e de modo. 96.A4: voltando da praia... com a flor mágica... coloc... coloquei na mesa... e a caneta tava... bem.. tava... e... perto de um prato... aí a flor... a flor... voava... no prato e pegou... pegou a caneta... e... jogou lá na gata que tava debaixo da mesa... ((tosse)) aí...a gata comprimiu... aí.. daí... a gata...começou uma briga entre a gata e a flor...a flor... que era uma flor mágica... bateu em a gata e... na gata... e a gata acho que ficou chorando... 97.A5: ê... a gata... queria comer muito...a flor mágica... ((risos)) o flor mágica... 98.A1: a flor... 99.A5: a flor... a flor...a flor mágica... mas ela não tem.... meio para comer... e ela gosta muito de passear... para a praia e para outros lugares... ((coçando a cabeça)) cabou... Nessa sequência, podemos observar a utilização do marcador “aí”, frequente no discurso oral e narrativo. Trata-se de um marcador temporal, que indica a continuidade das ações, o desenrolar do enredo. Essa marca é resultado da imersão cultural do jogador que, ao observar nativos falando, absorveu-a. No segmento 99, A5 diz “cabou”, fragmento de “acabou” que é usado informalmente na língua falada, também resultado da imersão. “O jogo é uma das peças mais importantes para a solução de problemas de ordem pedagógica, devendo ser elevado à categoria de fundamento de métodos educacionais” (KOUDELA, 2007, p. 21). Ao usar o lúdico em sala de aula, o aluno se sente mais à vontade para “errar”, pois o aprendizado se torna mais espontâneo. Com o auxilio da simulação, jogos dramáticos, a turma de PLE é levada a desenvolver competências orais, que podem influenciar na escrita, por meio de aulas dinâmicas e tornam produtivas, em que há o interesse por parte dos aprendizes. Como posto anteriormente, se a abordagem metodológica utilizada nas aulas de PLE prioriza a comunicação, devemos ter como meta desenvolver, de modo integrado, as quatro habilidades. As práticas demonstradas neste trabalho sugerem que os jogos teatrais são alternativas para o desenvolvimento da habilidade oral, pois simulam 22 situações que levam o aluno a agir como se estivesse em situações reais de uso da língua. 23 Considerações Finais “O „brinquedo‟ é, sob as suas diferentes formas, ainda hoje praticamente excluído do sistema educacional, sendo que diversão e ensino são em grande parte tidos como fatores incompatíveis” (KOUDELA, 2007, p. 21). Quando nos deparamos com uma sala repleta de alunos adultos, temos medo de usar o lúdico, pois este é visto como perda de tempo. Pode ser que quando usado, é de forma que obrigue o aluno a participar da “dinâmica” ou “brincadeira”, o que o constrange. Porém, sempre ouvimos falar que quando nos divertimos aprendemos melhor. Como foi visto no primeiro capítulo, os jogos teatrais não são novos, nem são desconhecidos e foram criados para auxiliar também no processo de ensino e aprendizagem. Já no segundo capítulo, pudemos observar o quanto esses jogos, sendo aplicados de forma espontânea, deixando o aluno livre para participar ou não, facilitaram, por meio da interação e cooperação dos jogadores, a aquisição da língua alvo. Além de trazer um aspecto lúdico, divertido para uma aula que possui uma carga horária diária extensa, as simulações fizeram os alunos usarem o que foi aprendido em sala de aula e acrescentarem, sem medo de serem reprovados, as expressões apreendidas no processo de imersão, que são usadas pelos seus colegas nativos no dia a dia. Diante disso, os alunos/jogadores se tornam mais capazes de interagir em um momento de avaliação, como o exame Celpe-Bras, pois não podemos deixar de lembrar que a prática do teatro também nos tira a timidez e desenvolve a nossa oralidade, seja na língua materna ou na língua estrangeira. A interação de alunos de diferentes culturas e diferentes sotaques enriquece uma aula, já que haverá uma maior dificuldade de compreensão e o aluno deverá se focar e se concentrar mais para que haja entendimento. E a própria cultura brasileira é mostrada e vivida com veracidade. A elaboração deste trabalho foi um pouco difícil pelo fato de não haver muitas pesquisas na área de PLE. São poucas, recentes e de bibliografia restrita. Porém, pelo mesmo motivo, ainda há muito que se pesquisar. É uma área promissora, pois como vimos no início do trabalho, o interesse dos estrangeiros em aprender a língua 24 portuguesa vem crescendo. E as pesquisas estão se formalizando academicamente há pouco tempo, como diz o presidente da SIPLE6, José Carlos Paes de Almeida Filho (2007). Nas universidades brasileiras não existe uma graduação que capacite os alunos de Letras para seguir a profissão de professor de PLE, ou pesquisador. O PLEI foi importante para a minha formação, pois tive acesso a essa escassa pesquisa, o que me possibilitou elaborar melhor as minhas aulas. O programa foi fundamental para a minha formação como professora. Aprendi a elaborar aulas, material didático, controlar tempo de aula, entre outras coisas que só se aprendem na prática. Este trabalho foi o início de uma pesquisa que pretendo aprofundar futuramente. Trabalhar e pesquisar no PLEI foi uma experiência muito importante para a minha formação e para a elaboração deste trabalho. Outros participantes do programa também se inserem nessa nova área de pesquisa. Em breve, muitos outros trabalhos serão elaborados para enriquecer a pesquisa em PLE. 6 Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira 25 Referência Bibliográfica ALMEIDA FILHO, JCP & CUNHA, MJC Projetos iniciais no ensino de Português a falantes de outras línguas. Campinas e Brasília: Pontes Editores e Editora da UnB, 2007. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. Ed.10, 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2007. KOUDELA, Ingrid Dormien. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 2007. LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and principles in language teaching. New York: OUP, 1986. MARCUSCHI, Luís Antônio. Cognição, linguagem e práticas interacionais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. SPOLIN, Viola. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin. Tradução de KOUDELA, Ingrid Dormien. São Paulo: Perspectiva, 2001. _____________ Improvisação para o teatro Tradução e revisão de KOUDELA, Ingrid Dormien e AMOS, Eduardo José de Almeida. São Paulo: Perspectiva, 2010. _____________ O jogo teatral no livro do direto. Tradução de KOUDELA, Ingrid Dormien e AMOS, Eduardo. São Paulo: Perspectiva, 2008. 26 ANEXO 27 Transcrições 1º Jogo Grupo 1: Quem compra o que quer, vende o que não quer. 1.A1: Quem compra:: o que não pode... vande o que não qué (( se dirigindo a uma estante com dicionários)) 2.A2: Olá...Tudo bem? O que você quer? 3.A1: Tudo bem... Eu preciso:: um dicionário:: português 4.A2: Sim... Tem... Português da Brasil ou da Portugal? 5.A1: Do Brasil 6.A2: ((procurando os dicionários na estante)) 7.A1: ( ) Quanto? 8.A2: Eh::: cem cinqüenta reais 9.A1: caRAMba::... Caro:: ((risos da platéia) 10.A2: ( ) compra:: ... boa dicionário:: 11.A1: mas... não tenho:: cento cinqüenta reais 12.A2: não não não (( acenando a cabeça)) 13.A1: por favo:::: ... cinqüenta::: {não 14.A2: não não não ((acenando a cabeça)){ tenho:: 15.A1: prova amanha... por favo:: por favo:: me ajuda:: 16.A2: (( fazendo o gesto de negação com os dedos)) se você não tem dinheiro:: deixa isso ( ) { me ajuda:: 17.A1: ( ) amanhã ou agorra:: 18.A2: eu vou te ajudar... ( ) da me o dinheiro você tem agora::... depois... eh::... três dias... você vai... me ( ) dinheiro. 19.A1: muito obrigado... ((pega o dicionário e aperta a mão de A2)) 20.A2: mais tarde... ((espera um pouco)) ei ei ei ei (( para A1 que passa em sua frente)) meu dinhEIrro:: 21.A1: eu não tenho isso agorra... 28 22.A2: (( pegando de volta o dicionário de A1)) meu dinheirro meu dinheirro... meu dinheirro... 23.A1: va va va vamos fazer isso... eu vou procurar dinheiro... { da-me 24.A2: da-me essa camisa... ((puxando a mohila de A1)) 25.A1: Vou procurrar dinheirro... vou prourrar dinheirro... espere... eu conheço ele((apontando para A3)) O..o...oi... meu amigo... eu preciso de dinheiro agora! 26.A3: Eu tenho não dinheiro 27.A1: que isso:: que isso:: ? 28.A3: o que você fazer com...com.. dinheiro? 29.A1: comprei um dicionário:: 30.A3: a::::::... eu não tem dinheiro...hum hum... não tem dinheiro... 31.A1: não pode fazer alguma coisa por mim? 32.A3: a::::rra:::: não tenho dinheiro... 33.A1: ta bom... ta bom... ta bom... (( para A4)) oi... amigo... preciso de dinheiro 34.A4: o:: tudo bem? 35.A1: preciso de dinheiro... 36.A4: dinheiro? 37.A1: preciso de dinheiro agora... eh importente... 38.A4: Por que? 39.A1: vou comprar a ele ((aponta para A1)) um dicionário... 40.A4: dicionario? 41.A1: preciso fazer... tenho prova 42.A4: Quanto é o dicionário? 43.A1: cem reais... 44.A4: cem reais? Cem reais? 45.A1: cem...cem reais 46.A4: muito carro... 47.A1: dgia dgia dgia dei... cinqüenta 48.A4: cinqüenta? Ah:: falta cem reais 29 49.A1: falta...falta 50.A4: ((mexe no bolso)) espere... não... não tenho... não tenho... mas... espera... vim cá... vim cá... você tem... uma... uma boa bolsa... 51.A1: gosta? Gosta? 52.A4: mi gosto moito... 53.A1: primeira... primeira caridade... 54.A4: mas... pode vender para mim essa bolsa? 55.A1: com isso? ((dá os óculos escuros)) 56.A4: Com isso? Au... Quanto? 57.A1: junto... junto... cem reais 58.A4: cem reais? Não... cem e cinqüenta... cem cinqüenta reais... ALUNA DE FORA DO EXERCÍCIO: na:::o... cento e trinta 59.A1: ta bom... ta bom... ((apertam as mãos)) a::::... bolsa... minha bolsa... ((mão na cabeça)) 60.A2: ((recebendo o dinheiro)) muito obrigado... muito obrigado... Grupo 2: Gaiola bonita não alimenta canário 61.A1: quer dizer que ((lendo)) “se alguém se apaixona por uma pessoa bonita... pode ver que esta pessoa não paga o que ele quer” ((largando o papel)) estou muito muito com fome fome...não sabe...o que fa... não sEi o que fazer... eu...hoje... eu vou comEr... o que eu vou comer deus? Durante todo o dia... durante todo o dia... eu... eu... ((põe as mãos nos joelhos)) me sinto mal...a:::i ((senta no chão)) ((entram 3 alunos na sala bem vestidos)) 62.A1: estou com uma sorte... parece que este este este... homem... tem algo para dar-me... que rOupa... que telefones... ((para A2)) você pode... ajudar-me? Todo dia não comi... não comi nada todo dia... se você pode ajudar-me com um pouco ... 63.A2: de dinheiro? 64.A1: sim...sim... para poder comprar alguma coisa pra comer porque ... sim...sim... 65.A2: ((dá uma moeda)) 66.A1: ((aborrecido)) ê:: que isso? Um real? ((risadas da turma)) na::o ... não...a::::: meu deus... que coisa o que vou comer com um real? 30 67.A3 ((entra na sala)) 68.A1: tudo bem? Por favor... eu... eu não... não tenho nada... para comer... durante todo o dia... eu propopropro curei procurei... alguém pra dar se se se você puder me dar um... um pouco de dinheiro... para comprar só um pão 69.A3: você quer dinheiro? 70.A1: sim... não tEnho dinheiro... você pode ajudar-me? Com um pouco que você tem lá? ( ) por favor... ar ((mão na barriga)) 71.A3: (( tirou dólares da carteira)) (( a turma fia alvoroçada)) Turma: que isso? Ê... 72.A3: eu vou para você... eu vou para dAr... para você...dinheirro... 73.Turma: que isso? 74.A1: muito obrigado... e/r... muito obrigado senhor...ar... 75.Turma: que i::::sso? 76.A1: não sabia que... esta pessoa ((apontando para A3)) que... que... não ES... que não estava...bem... bem... bem vestIdo... poderia ter um... uma moneta como assim? mUito... Ah ((grito)) muito obrigado dEus... dEus muito obrigAdo...por tudo... 2º Jogo Grupo 1: Meu grande sonho 77.A1: ((mostra a palavra)) não sei qualé o meu grande sonho...mas... há:::: dois meses... assim... que cheguei ao Brasil... e estou conhecendo a sua ((mostra o papel)) cultura... ((pega outra palavra e aponta)) o Brasil... tem um governo... socialista ((risos))eh::: eu não conheço a sua presidenta mas... o anterior foi lula da silba... Ele tinha um grande sonho... acho... 78.Professora: continua A2... não esqueça do titulo da estória... meu grande sonho... 79.A2: ((mostra o papel e ri)) em::: ((olha para o colega e ri)) eh:::: fala... não... 80.Professora: continua o que ele tava falando 81.A2: essos eram meus pensamentos...de ontem... em::: muito::: tarde da noite? Em:::: quando eu::::acordei...pra ir...ala geladeira...em... a buscar? Água...mas...quando eu saí do quarto... a porta ((mostra o papel)) queda fechada... 82.Professora: a porta estava fechada... 83A2: e eu... fiquei... lá...( ) voltar a cama 84.A3: ( ) meu sonho... é... viajar... para o Brasil...estudar... mas há gente que diz que... os estrangeiros não pode fazer o vestibular ((mostra o papel))...mas... acho que os brasileiros fazem o vestibular para começar a universidade mas eu não posso fazer o vestibular...só estudar a 31 língua e depois fazer aula normal...curso normal... mas... também quando começar a aula ( ) sou estudante (( mostra papel)) é isso... meu sonho... 85.A4: (( abre o primeiro papel)) 86.Professora: lembrem de continuar a estória... aí você não pode entrar no quarto... por que o quarto estava fechado... aí... o que aconteceu? 87.A4: eu olho... ao redor ao redor... pra ver se tem um vizinho... pra me ajudar... pra me ajudar... por que a portA estava ... fechada então... eu não tinha a chave comigo... então... vou busc... então quando eu Olho... no meu lado tive um vizinho lá... que me::: ajudou pra... pra quebrAr a minha porta ((risos)) ... porque não tinha a chave comigo... e também ((mostra o papel)) eu pensei nesse momento que tinha muita saudade da minha família... eh por ela que eu estou aqui estudando... eh um grande sonho também... ( ) satisfazer minha família 88.A5: vamos ver que... vem nesses papéis... (( pega um papel)) Professora: agora tem que terminar a estória... tava com saudade da família... 89.A5: sim... saudade da família... porta fechada... eu tenho um maior sonho... sobre isso... vai ser sanar a doença ((mostra o papel))... mas a doença não pode impedir o meu sonho pra que ele não seja cumprida... eu tenho que lutar... nenhum sonho foi faxil de conseguir... temos que olhar através da estória... ( ) todas pessoas que sonharam ficaram doente... mas um bom sonho começa quando você é criança ((mostra o papel)) quando você é criança... e desse jeito que um bom sonho começa... até quando você vai crescer... vai conseguir o sonho... nunca desista... ((palmas)) Grupo 2: Uma flor mágica 90.A1: Era uma vez... na foresta... na floresta... uma criança...que estava... fazendo ((é atrapalhado por um aluno)) shiu... que estava... fazendo... e encontro::::u uma flo::::r... tão bonIta... que ela queria... ficar com Ela... e então... ela pegou água ((mostra o papel))... e... ((olha pra um aluno e faz um gesto de regar plantas)) shiii... AM? 91.A2: regar 92.A1: regar... a flor... pra que ela fica bem bonita e pra sempre... essa menina... tinha... uma gata ((mostra o papel))... e essa gata... era tão inteligente... ela queria ficar com tudo... com a gata e com a flor... 93.A2: mas... aquela menina que queria ficar com a flor mágica... não estava compreendendo o meu sotaque ((mostra o papel))... porque eu era estrangeiro... então não dava pra me entender ((risos da turma)) quase estava perdendo a minha flor mágica... que eu tinha descoberto... mas caminhei com aquela menina ((mostra o papel))... segurava a flor mágica até a praia... aproveitarmos um por do sol mágico... ((risos da turma))... e todo mundo ficou feliz... 94.A3: a flor mágica... foi muito:: foi muito legA::l... descobrira uma flora mágica...que maravilha de dEus... ((mostra o papel)) que maravilha...e... caminhando até a praia...é...teve... uma grande... uma grande...uma grande::: oportunidade de descobrir uma gente muito 32 importante... mas... eu vi que::: como sou danado... era muito ruim ((mostra o papel)) de passar uma noi... de passar um dia... um dia:: um dia tão... um dia tão che cheio fora... e é por isso que eu:: eu deixei de caminhar até... até meia noite... 95.Professora: deixou de caminhar até meia noite... e cadê a flor mágica? Cadê a flor mágica? 96.A4: voltando da praia... com a flor mágica... coloc... coloquei na mesa... e a caneta tava... bem.. tava... e... perto de um prato... aí a flor... a flor... voava... no prato e pegou... pegou a caneta... e... jogou lá na gata que tava debaixo da mesa... ((tosse)) aí...a gata comprimiu... aí.. daí... a gata...começou uma briga entre a gata e a flor...a flor... que era uma flor mágica... bateu em a gata e... na gata... e a gata acho que ficou chorando... 97.A5: ê... a gata... queria comer muito...a flor mágica... ((risos)) o flor mágica... 98.A1: a flor... 99.A5: a flor... a flor...a flor mágica... mas ela não tem.... meio para comer... e ela gosta muito de passear... para a praia e para outros lugares... ((coçando a cabeça)) cabou... 33