VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216
LIBRAS E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM PARA SURDOS
Sonia Maria Dechandt Brochado (orientadora- UENP)
Mariana Matheus Pereira da Silva (G- UENP/ campus Jac.)
Introdução
A língua é o instrumento
fundamental para a criança
estabelecer relações e organizar pensamento, portanto essas relações
cognitivas são essenciais para o próprio desenvolvimento e para o êxito do
processo acadêmico. A descoberta da língua e as relações expressas por
meio dela, enriquecem em qualidade e quantidade o processo educacional,
como menciona Quadros (2006):
As relações cognitivas que são fundamentais para o desenvolvimento
escolar estão diretamente relacionadas à capacidade da criança em
organizar suas idéias e pensamentos por meio de uma língua na
interação com os demais colegas e adultos (Quadros, 2006:28).
É importante ressaltar que o desenvolvimento de uma criança
surda também se dá de acordo com a capacidade de comunicação lingüística
que
ela
apresenta.
A
linguagem
tem
papel
de
destaque
para
o
desenvolvimento cognitivo, da personalidade e interação social do surdo.
Durante a infância, a criança passa por diversas transformações, e é a
aquisição de uma língua, no caso das crianças surdas a língua de sinais, que
vai proporcionar o processo das relações sociais, através das quais vão
definir sua maneira de ver o mundo e participar da comunidade cultural.
Tratando deste contexto, é necessário estimular a aquisição da
língua de sinais como primeira língua para a criança surda, para que assim
esteja preparada para adquirir uma segunda língua, que no contexto
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brasileiro será o letramento em língua portuguesa. O nível de dificuldade que
a criança surda pode apresentar no processo da aquisição da língua materna
dependerá do grau de surdez e a partir de qual momento da vida foi privada
da audição, mas isso não significa que ela não terá a possibilidade de
desenvolver a linguagem.
O que é Libras?
A sigla - LIBRAS - denota Língua Brasileira de Sinais, língua
utilizada por surdos no país. Esta língua se diferencia da língua oral-auditiva
por ser de uma modalidade espaço-visual, de forma a valer-se da visão e do
espaço para uma efetiva comunicação, esse sistema lingüístico funciona
independentemente dos sistemas de línguas orais auditivas. Quadros (2006)
destaca que:
A língua de sinais atende a todos os critérios lingüísticos de uma
língua genuína no léxico na sintaxe e na capacidade de gerar uma
quantidade infinita de sentenças (QUADROS,2006).
É característico dessa língua, a imensa produtividade no que diz
respeito às novas mensagens sobre um número ilimitado de novos temas.
Portanto são comparáveis a qualquer língua oral em nível de complexidade e
expressividade, já que são organizadas a partir de unidades mínimas
formando outras mais complexas. A língua oferece possibilidades de
discussões de vínculo entre significante e significado, assim como signo e
referente. Sobre esses pontos oferece duas visões: a de conteúdo e
expressão.
A língua de sinais se constitui da combinação de parâmetros, e
estes por sua vez formam o sinal. Portanto a combinação de tais elementos
dão origem às palavras em LIBRAS.
Como toda língua é organizada de acordo com uma estrutura
gramatical, assim também acontece com a língua de sinais. Sua organização
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por meio dos parâmetros possibilita a estruturação e formação de níveis
lingüísticos distintos.
•
Configuração de mãos (CM): é o formato que a mão admite quando
cumpre um sinal.
•
Ponto de articulação (PA): localização do corpo onde o sinal será
realizado.
•
Movimento (M): deslocamento efetuado pela mão num dado espaço,
no momento em que o sinal é executado.
•
Expressão facial e corporal: é indispensável
como
elemento
diferenciador, na expressividade de estado triste ou alegre.
Os sinais podem ser classificados ainda em arbitrários, quando
não tem relação nenhum com o referente, ou icônicos, quando existe a
semelhança entre o sinal e a imagem a ser representada.
É indispensável salientar que, assim como as línguas oralauditivas, as línguas de sinais também apresentam variações lingüísticas de
um país para outro. No Brasil é estabelecida como LIBRAS, no continente
norte americano se estabelece como ALS - Língua de Sinais Americana, na
França como LSF - Língua de Sinais Francesa, e assim sucessivamente.
Na LIBRAS, além da variação lingüística há também o dialeto
geográfico, ou seja, variações de sinais de uma região para outra. Assim
como mudanças históricas, quando os sinais se alteram com o passar do
tempo.
Dando enfoque à estruturação sintática da língua de sinais
pode-se perceber que não existe qualquer tipo de relação entre esta e a
língua portuguesa, pois a LIBRAS tem uma gramática própria. Não há o
emprego de artigos, conjunções e preposições, pois estes já estão acoplados
aos sinais.
Em referência aos sinais, eles podem ser simples ou compostos,
sendo o último estabelecido por dois sinais para mencionar apenas um
referente. Ao tratar da desinência de gêneros masculino e feminino, eles não
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existem na língua de sinais, para esse caso são usados os sinais de conceito
homem e mulher, acompanhado dos sinais para emitir a frase. Já as formas
repetidas dos sinais ou a indicação de quantidade é que designam as formas
do
plural.
Dentro
dessa
situação
cabe
ainda
dar
destaque
a
uma
característica da língua de sinais, a polissemia, que é quando um sinal,
apesar de se apresentar em uma única forma, tem a função de representar
palavras de diferentes significados.
O alfabeto manual, ao contrário do que muitos pensam, não é
considerado parte da estrutura gramatical da língua de sinais, ele é um
empréstimo das línguas orais, utilizado apenas para soletrar nomes próprios,
como o de pessoas, lugares ou rótulos de produtos, nomes inexistentes na
Libras e recurso didático na escrita do português.
As noções temporais na língua de sinais não são feitas por
meio da conjugação de verbos no presente, passado e futuro, para isso na
LIBRAS, são utilizadas palavras que remetem a frase no tempo a que se
pretende referir. Por exemplo, quando se quer proferir a frase “eu vou à casa
da vovó”, utiliza-se o sinal de “hoje” para indicar presente, “ontem” para
especificar o passado e de “futuro” para indicar fatos que irão ocorrer.
No Brasil, a Lei nº 10436, de 24 de abril de 2002, dispõe e
reconhece LIBRAS como meio legal de comunicação e expressão objetiva e
de utilização corrente das comunidades surdas, bem como o acesso bilíngue
aos surdos em instituições de ensino. O Decreto-Lei 5.626, de 22 de
dezembro de 2005 coloca em vigor a Lei e dispõe sobre a criação da
disciplina de Libras nos cursos de licenciaturas e Fonoaudiologia, educação
Especial e Normal, como se destaca na publicação de Desenvolvendo
competências para atendimento as necessidades educacionais de alunos
surdos:
A capacidade de comunicação lingüística apresenta-se como um dos
principais responsáveis pelo processo de desenvolvimento da criança
surda em toda a sua potencialidade, para que possa desempenhar
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seu papel social
(BRASIL, 2006).
e
integrar-se
verdadeiramente
na
sociedade
É por meio da língua que as crianças compartilham aquilo que
pensam sobre o mundo. A produção artística que efetiva o uso de histórias e
da literatura, torna possível para as crianças a interação com colegas e
adultos bem como organizar seus pensamentos, já que empregam todos os
recursos de produção da língua de sinais. Através das histórias a criança vai
executar as configurações de mãos mais comuns utilizadas na língua de
sinais, utilizar as configurações de mãos do alfabeto manual e demais
configurações da língua brasileira de sinais. Quanto aos temas das histórias
vai proporcionar a interação de histórias próprias, de outras pessoas surdas
e de pessoas ouvintes.
O processo de aquisição da linguagem
A aquisição da língua materna depende do estímulo ao qual a
criança está exposta em seu ambiente familiar, visto que ela desenvolve a
primeira língua segundo aquilo que lhe é apresentado informalmente pela
família. Sua apropriação é aguçada pela curiosidade e necessidade de
transmitir suas necessidades.
O processo de aquisição da linguagem de uma criança ouvinte e
de uma criança surda é análogo; para que absorva uma língua de forma
eficaz deve estar imersa em ambiente rico em estímulos visuais e esteja em
contato desde muito cedo com usuários efetivos da língua de sinais, como
ressalta Quadros (2006) “A língua de sinais vai ser adquirida por crianças
surdas que tiverem a experiência de interagir com usuários de língua de
sinais”
A criança surda que tem pais ouvintes corre o risco de serem
privadas da linguagem apropriada e de entender tudo aquilo que acontece a
sua volta por um determinado tempo, devido à incapacidade de comunicação
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que seus pais apresentam. Levando esses fatores em consideração, é
propenso que o vínculo com a criança seja afetado. Uma pesquisa revela que
apenas 5% das crianças surdas têm pais surdos, o que torna denotativa uma
realidade em que mais de 90% de crianças surdas não têm contato com a
língua de sinais desde o nascimento.
Se a criança com limitações auditivas apresentar um contato
efetivo desde seu nascimento com pessoas que façam o uso da língua de
sinais, então por volta dos dois anos de idade estará produzindo sinais
correspondentes a um número restrito de configurações de mãos, bem como
mensagens transmitidas por combinações simples vinculadas a interesses
imediatos, necessidades como sentir sede, fome e dores, já que a criança
ainda não relaciona fatos do passado e nem do futuro.
Se a aquisição da linguagem seguir esse curso, então, uma
criança surda que faz o uso da língua de sinais desde o seu nascimento terá
o desenvolvimento lingüístico, em língua de sinais, correspondente ao de
uma criança ouvinte que desenvolve a fala.
Uma
pesquisa
realizada
por
Pettito
e
Marantette,
em
observância ao balbucio de bebês surdos e ouvintes em um mesmo espaço
de tempo, constatou que todos os bebês, independente de serem limitados
ou não de audição, produzem o balbucio e, esse fenômeno é apresentado
também através de sinais.
O desenvolvimento do balbucio oral e manual é semelhante e,
até um determinado estagio são produzidos pelos bebês surdos e ouvintes. A
partir do momento em que o balbucio oral é interrompido nos bebês surdos
então o balbucio manual também se cessa em bebês ouvintes, isso porque a
interação lingüística favorece o progresso apenas de um dos modos de
balbuciar.
Desse modo fica claro que, independente da modalidade da
língua, seja ela oral-auditiva ou espaço-visual, as relações encontradas entre
as duas formas de balbucio comprovam junto a outras teorias que o ser
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humano possui uma capacidade lingüística que tende a aquisição de uma
língua.
A aquisição da língua de sinais obedece, o processo de
maturação do bebê que internaliza a língua a partir do que é de fácil
compreensão até atingir um nível mais complexo de evolução.
Em um primeiro instante os bebês surdos produzem o balbucio
parecido com os dos bebês ouvintes, somado a isso produzem uma
seqüência de gestos que se assemelham aos sinais, mas não pode ser assim
reconhecidos.
Com uma dada evolução o bebê já expressa frases de apenas
uma ou duas palavras, classificadas como holófrases. Entre 5 a 7 meses as
crianças surdas já proferem as primeiras palavras em LIBRAS, esse fato
pode estar relacionado ao desenvolvimento motor que acontece em
momento equivalente. Comparado às crianças ouvintes que ainda não
aplicam bem o sistema fonológico, as crianças surdas também não
sobrepõem os parâmetros da língua de sinais de forma correta, por exemplo,
podem trocar a configuração das mãos, que corresponde a um “fonema” se
comparado à produção da fala de uma criança ouvinte.
É somente depois dos dois anos de idade que as crianças
surdas começam a produzir frases compostas por duas ou mais palavras,
que podem alcançar até sete configurações de mãos que forma um todo de
unidades fonológicas mínimas da língua de sinais.
Nessa fase as expressões faciais se fazem importantes, pois
são responsáveis por marcar sentenças interrogativas, unidas ao uso de
sinais. Também é perceptível que a criança começa a valer-se da
movimentação da cabeça para fazer negação, ao invés de usar as mãos.
No universo das línguas de sinais a expressão facial é uma
função indispensável, pois são marcas não manuais que representam grande
importância dentro da questão gramatical já que não dependem de sons
vocálicos para manifestar seus sentimentos e sensações.
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Expressões mais complexas começam a serem inseridas na
produção da língua de sinais, mas o processo de substituição predomina, já
que os sinais mais complexos na maioria das vezes são substituídos pelos
mais simples, porque ainda que a direção dos movimentos seja usada com
êxito, é notável que os movimentos característicos são feitos de forma mais
simples. Os classificadores são sinais que utilizam um número específico de
configuração de mãos para representar objetos incorporando ações, assim
como movimento e trajetória percorridos por ele. Também importantíssimos
para a língua de sinais são agregados para diferir através de expressões, as
ações tais como chover muito, chover pouco. Nessa mesma fase a criança já
entende as marcas de negação sobre as expressões como os adultos fazem.
As estruturas interrogativas de razão (porque) começam a ser presentes no
desenvolvimento lingüístico. A criança que antes só expressava fatos
relacionados ao presente começa a contar histórias que relatam fatos
ocorridos em casa, sobre presente que ganhou, mas não firmam os fatos
referentes no espaço o que pode dificultar o entendimento daquilo que
querem expressar.
As configurações de mãos mais complexas aparecem a partir
dos quatro anos. Capacidade essa que se uni com a de relacionar o espaço
com os argumentos, o que significa que os movimentos são incorporados aos
sinais de forma mais estruturada. A combinação de unidades menores
permite a formação de palavras com mais estabilidade para as crianças que
estão nessa fase. As produções não manuais são usadas corretamente, visto
que as expressões faciais se relacionam adequadamente às estruturas,
(interrogativas, topicalizações e de negação). Apesar de não conseguirem
relacionar suas histórias com o espaço, esboçam algumas tentativas com
êxito. O uso da direção dos olhos aos poucos se torna mais claro quando
usados para a concordância dos argumentos, do mesmo modo que o jogo de
papéis desempenhado pela posição do corpo, quando são empregados para o
relato de histórias.
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Em observação de crianças na aquisição da língua de sinais foi
possível constatar que a direção dos olhos por volta dos dois anos de idade,
é usada com mais precisão. O olhar é indispensável para o uso da
concordância verbal, visto que traz a compreensão do discurso da criança
que se encontra nesse período tão prematuro em relação à linguagem.
Considerações Finais
Como se viu, para que ocorra o desenvolvimento lingüístico
normal nos surdos, é necessário que a língua de sinais se desenvolva com
êxito, explorando na aquisição dessa língua as configurações de mãos,
movimentos, expressões faciais gramaticais, localizações, movimentos do
corpo, espaço de sinalização e classificadores. Deve-se concretizar a prática
de tais explorações da LIBRAS, para que a realização da língua seja um
sistema lingüístico complexo. Na aquisição da linguagem, os surdos utilizamse do sistema visual e motor, que se apropria da anatomia das mãos e dos
braços, bem como da anatomia visual.
Dessa maneira se dará suporte para a criança desenvolver a
sua capacidade criativa e também a capacidade cognitiva, como base para
adquirir uma segunda língua.
Como bem sabemos, no Brasil ainda é reduzido o número de
professores de língua de sinais, poucas são as escolas que tem professores
capacitados ao ensino de LIBRAS, o que acaba obrigando crianças surdas a
se submeterem à alfabetização na língua portuguesa, sem nem mesmo
terem adquirido a LIBRAS.
Para amenizar tal situação, propõe-se o investimento da
leitura
na
própria
língua
de
sinais
às
crianças
surdas
para
que
posteriormente possam ler palavras escritas em português, bem como
escrevê-las.
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O professor deve ser especializado em LIBRAS, além de
mostrar sua capacidade na exploração das idéias, histórias e reflexões das
crianças surdas fazendo com que produzam, através da escrita e leitura em
LIBRAS, a descoberta do mundo e da própria língua. Esse processo de ensino
da língua de sinais é a base para que se estabeleça adiante um processo
mais consciente; processo esse que servirá como alicerce para o ensino da
língua portuguesa, dessa maneira a criança identifica o processo pelo qual
esta passando, como afirma Quadros:
O ensino da língua de sinais é um processo de reflexão sobre a
própria língua, que sustenta a passagem do processo de leitura e
escrita elementar para um processo mais consciente. [...] A criança
passa a construir e reconhecer o seu próprio processo, bem como
refletir sobre o processo do outro (QUADROS, 2006).
Para que a aquisição da linguagem aconteça efetivamente é
necessário que a criança seja exposta a um ambiente que a estimule a
produzir uma língua. No caso das crianças surdas é imprescindível criar
alternativas que as possibilitem desenvolver seu potencial linguístico, pois é
evidente que os recursos utilizados para estimular uma criança ouvinte não
servirão como estímulo para uma criança surda.
Referências
Brasil. Desenvolvendo competências para atendimento as necessidades
educacionais de alunos surdos. Maria Salete Fabio Aranha (org.). Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005.
______. Educação infantil: saberes e práticas da inclusão: dificuldades de
comunicação e sinalização: surdez. 4 ed. Brasília: MEC, Secretaria de
Educação Especial, 2006.
Quadros, Ronice Müller de; Schmiedt, Magali L. P. Idéias para ensinar
português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.
Download

Sonia Maria Dechandt Brochado