A relação entre a língua de sinais e o processo de alfabetização de crianças surdas Dalila Carneiro dos Santos1 Isabela Cristina Gomes da Silva2 Wilma Pastor de Andrade Sousa3 RESUMO: A alfabetização de crianças surdas tem sido um desafio, principalmente no que se refere à apropriação do Sistema de Escrita Alfabética (SEA), cuja metodologia de ensino geralmente é centrada no som. Assim, essa pesquisa tem como objetivo geral investigar qual a relação entre a língua de sinais e a apropriação do SEA em crianças surdas em processo de alfabetização. Trata-se de uma investigação de cunho qualitativo. Para isso, foram feitas 2 filmagens em vídeo com 3 crianças surdas, matriculadas no ciclo de alfabetização, durante atividades de leitura e escrita. Os resultados mostraram que as crianças surdas fazem uso do alfabeto manual em situação de leitura e escrita da língua portuguesa, bem como que a língua de sinais exerce influência no processo de alfabetização dessas crianças. Palavras-chave: Alfabetização. SEA. Criança surda. 1. INTRODUÇÃO Um dos maiores problemas enfrentados pelo Brasil hoje é a questão educacional. As políticas públicas formuladas para a educação parecem não suprir as necessidades apresentadas atualmente no cenário brasileiro, sobretudo quando se trata da educação de pessoas com deficiência, uma vez que as escolas ainda não se encontram preparadas para receber esses estudantes apresentando falta de materiais didáticos específicos, barreiras estruturais e atitudinais, a falta de formação de profissionais para trabalhar com esses sujeitos, entre outros. Deparamo-nos com uma realidade educacional que, na maioria dos casos, não atende às necessidades educacionais das pessoas com deficiência, como, por exemplo, das pessoas surdas. Em se tratando de alfabetização, tema que tem sido objeto de pesquisa de vários estudiosos, como: Ferreiro (2001), Soares (2004), Morais (2004), Albuquerque (2004) e Leal (2005), variadas são as produções que apresentam claramente esse processo sendo desenvolvido através de estratégias cada vez mais distintas e facilitadoras, como, por 1 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected] Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected] 3 Professora adjunta do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais – Centro de Educação – UFPE. [email protected] 2 exemplo, atividades com rimas, em que o som é primordial. Contudo, tais trabalhos são voltados, predominantemente, para crianças ouvintes e estas apresentam um processo de aprendizagem da língua escrita diferente das crianças surdas, já que se trata de uma língua oral auditiva cuja aprendizagem para o surdo, devido ao impedimento auditivo, não acontece de forma natural como ocorre com o ouvinte. Conforme o Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005, no Brasil, as pessoas surdas possuem o direito de ter acesso à educação em língua de sinais, e serem alfabetizadas em Língua Portuguesa na modalidade escrita, já que, segundo Quadros (2006, p. 28) “Através da língua, as crianças discutem e pensam sobre o mundo. Elas estabelecem relações e organizam o pensamento.” Ou seja, a aquisição da língua ajuda na interação entre os pares e é através dela que o sujeito passa a refletir sobre o mundo. Porém, observamos durante o período de estágio (2009-2011), que poucas modificações têm acontecido na forma como tem sido efetivada a educação de pessoas surdas nas escolas públicas do Estado de Pernambuco. Face ao exposto, justificamos o interesse nesta área de pesquisa por algumas razões. Inicialmente, a carência de estudos e pesquisas nesta área, já que muitos são os trabalhos no campo da alfabetização de crianças ouvintes, mas poucas são as produções sobre alfabetização de crianças surdas. Também nos instigou o interesse em saber quais os caminhos percorridos pela criança surda neste processo. Diante disso, surgiram os seguintes questionamentos: de que forma as crianças surdas se apropriam da Língua Portuguesa escrita? Que estratégias as crianças surdas utilizam em situação de leitura e escrita? A língua de sinais se mostra como um instrumento mediador na apropriação do SEA em crianças surdas? Com base nesses questionamentos, levantamos as seguintes hipóteses: as crianças surdas se apropriam da Língua Portuguesa escrita através de recursos visuais. As crianças surdas criam estratégias de leitura e escrita por meio da língua de sinais. A língua de sinais tem o papel mediador no processo de apropriação do SEA de crianças surdas. Logo, esta pesquisa tem como objetivo geral investigar qual a relação entre a língua de sinais e a apropriação do SEA em crianças surdas em processo de alfabetização. Como objetivos específicos, identificar se a criança surda utiliza a língua de sinais nos momentos de leitura e escrita da Língua Portuguesa; descrever a forma como a criança surda utiliza a língua de sinais nos momentos de leitura e escrita e caracterizar se a língua de sinais exerce um papel mediador no processo de apropriação do SEA de crianças surdas. 2. MARCO TEÓRICO 2.1. Alfabetização na perspectiva do letramento Sempre que falamos em escola, uma das primeiras palavras que nos vem à mente é “alfabetização”. Há muito tempo os profissionais da educação vêm refletindo sobre o melhor método, a melhor concepção, a fim de proporcionarem aos seus estudantes uma aprendizagem mais sólida do SEA. O que vemos hoje na maioria das instituições escolares é um trabalho voltado não apenas para a alfabetização, mas também para o chamado letramento. A alfabetização, definida por Ribeiro (2003) é: O processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita (RIBEIRO, 2003, p.91). Para definir letramento, Soares (2004) coloca que este é visto como um processo que vai além da alfabetização. Ele busca fazer com que o indivíduo, além de saber ler e escrever, saiba utilizar de forma concreta a leitura e a escrita dentro de contextos e práticas sociais. O primeiro questionamento levantado hoje no campo da alfabetização é “Como alfabetizar letrando?” O simples fato de saber ler e escrever não está suprindo mais as necessidades da sociedade. Os variados tipos de textos que hoje estão expostos fazem com que as pessoas não apenas saibam codificar e decodificar as letras, mas sim, utilizar o sistema de escrita dentro de vários contextos compreendendo o significado das palavras. Assim, entendemos que a perspectiva adotada hoje, alfabetizar letrando, é uma possibilidade a mais das crianças saírem da escola com uma visão de mundo ainda mais ampla, pois seria também neste processo que elas aprenderiam o real sentido da escrita. Entretanto, esse avanço parece só ter ocorrido em relação às crianças ouvintes, já que a alfabetização da criança surda ainda se encontra como um caminho deserto, no qual alunos e professores estão tentando percorrer. Logo, dentro da alfabetização, a aquisição do SEA é o passo inicial nesse processo. Ter esse conhecimento solidificado é indispensável para uma consolidação real do processo de alfabetização. 2.2 Apropriação do Sistema de Escrita Alfabética – SEA Quando falamos em escrita nos remetemos rapidamente à questão do som. Porém, as pessoas surdas que não têm o som como base para o aprendizado da escrita, acabam encontrando algumas dificuldades no momento desse processo. Conforme Leal e Morais (2010), no SEA os grafemas representam as consoantes e as vogais, há a relação entre a grafia e a pauta sonora, representando o significante e não o significado. As combinações das letras, que são símbolos convencionais, formam as diferentes sílabas. Atualmente, nem todas as línguas adotam o SEA, embora a maioria o utilize por sua possibilidade de notar diversos tipos de sons, sem a necessidade de memorizar centenas ou milhares de símbolos. É importante ressaltar que o SEA não é um código, aonde você aprende as letras e simplesmente agrupa-as formando as palavras, trata-se de um sistema notacional, no qual, se deve compreender como as palavras são formadas e as regras desse sistema. Segundo Leal e Morais (2010), os aprendizes do SEA precisam desvendar a lógica de funcionamento desse sistema. Relacionamos, a seguir, os conhecimentos que o indivíduo precisa construir para entender as propriedades desse sistema: a) Escreve-se com letras, que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito e que são diferentes de números e outros símbolos; b) As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças na identidade das mesmas (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p, P, p); c) A ordem das letras é definidora da palavra que, juntas, configuram e uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras; d) Nem todas as letras podem vir juntas de outras e nem todas podem ocupar certas posições no interior das palavras; e) As letras notam a pauta sonora e não as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem; f) Todas as sílabas do português contêm uma vogal; g) As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes, vogais e semivogais (CV, CCV, CVSv, CSvV, V, CCVC...), mas a estrutura predominante é a CV (consoante-vogal); h) As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos; i) As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra (LEAL E MORAIS, 2010 p. 36). Assim, cabe ao professor ajudar seus alunos a descobrirem essas propriedades, criando atividades que oportunizem a reflexão sobre o SEA. Até que compreendam o seu funcionamento, os aprendizes passam por um processo evolutivo. A partir disso, pensamos na apropriação da escrita pelas pessoas surdas que ocorre de forma diferente, já que elas têm impedimento auditivo o que torna a apropriação da escrita mais complexa. Assim, Pela mediação de leitores experientes, a criança ouvinte estabelece relações significativas entre oralidade e representação escrita das palavras. Assim, torna-se capaz de evocar o som e o significado de palavras e sentenças ao perceber visualmente a escrita. No caso da criança surda, o domínio da língua escrita ocorre pelo canal visual. Ela percebe visualmente um determinado símbolo gráfico que a remete à recuperação mental do sinal também visual, em Libras, e este, por sua vez, permite significar a palavra escrita (FERNANDES, 2003, p. 20). O caminho percorrido pela pessoa surda durante o processo de apropriação da escrita através de estímulos visuais faz com que esse processo tenha mais sentido para a pessoa surda. A Libras é o elemento indispensável para que essa apropriação aconteça com sucesso, pois é a língua que dará o subsídio necessário, visto que, ela é a língua natural da pessoa surda. No entanto, atualmente a aquisição do português escrito por crianças surdas ainda é baseada no ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado. A criança surda é colocada em contato com a escrita do português para ser alfabetizada em português seguindo os mesmos passos e materiais utilizados nas escolas com as crianças falantes de português. Várias tentativas de alfabetizar a criança surda por meio do português já foram realizadas, desde a utilização de métodos artificiais de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 23). A língua de sinais e a Língua Portuguesa na modalidade oral são a base do letramento de crianças surdas e ouvintes respectivamente, porém como a estrutura da língua de sinais é diferente da Língua Portuguesa, já que a primeira é espaço visual e a segunda oral auditiva, a unidade mínima da palavra (fonema) não faz sentido para o indivíduo surdo. O ouvinte associa o som do fonema /s/ com a escrita da palavra sapo, por exemplo, já para o surdo, a escrita da palavra sapo nada tem a ver com a configuração de mão (forma da mão) que é utilizada na composição do sinal da palavra sapo, dificultando o aprendizado da Língua Portuguesa escrita pelo sujeito surdo. 2.3 Alfabetização da criança surda Conforme já discutido anteriormente, uma das etapas de escolarização mais importante no percurso escolar das crianças é a alfabetização. Esta se apresenta como um processo onde o estudante estará ingressando em uma nova etapa, conhecendo novos caminhos, entrando agora efetivamente no mundo das letras. Porém, esta é uma fase complexa em que as crianças surdas costumam sentir muitas dificuldades. Geralmente, os problemas encontrados hoje no sistema educacional brasileiro começam já nesta etapa da escolarização. Com a proposta de inclusão em escolas regulares este processo mostra-se ainda mais difícil quando tratamos da alfabetização de crianças surdas, pois elas encontram barreiras de comunicação que dificultam as práticas de letramento. A primeira dificuldade geralmente está no desconhecimento, por parte da sociedade, da Língua Brasileira de Sinais - Libras. A maioria dos professores ainda não domina a Libras e, com isso, dificulta a aprendizagem das crianças surdas, pois faz com que elas não tenham acesso a um ensino-aprendizagem eficiente, e pautado em sua língua, que, aliás, é direito garantido pelo Decreto nº. 5.626/05. Para aprender a escrita da Língua Portuguesa, no caso da criança surda brasileira, ela deve ter adquirido uma primeira língua, a Libras. Este contato deveria começar na família, uma vez que esta deveria utilizar a língua de sinais no seu cotidiano, e ser uma continuidade em outros espaços como a escola, espaço de lazer e outros, porém nem sempre a língua de sinais é conhecida nestes ambientes. Como justificativa para este fato, Quadros e Schmiedt (2006) afirmam que isso ocorre principalmente porque a maioria das crianças surdas são filhas de pais ouvintes. Ao falar sobre a importância da língua de sinais para a criança surda no aprendizado da Língua Portuguesa, que é segunda língua para o indivíduo surdo, Fernandes (2006) afirma que: Sem sua mediação, os alunos não poderão compreender as relações textuais na segunda língua, já que necessitam perceber o que é igual e o que é diferente entre sua primeira língua e a língua que estão aprendendo (FERNANDES, 2006, p. 14). Diante dessa afirmativa, é importante que a criança surda adquira a Libras antes de iniciar o processo de alfabetização, para que ela possa identificar as diferenças entre a sua língua e a Língua Portuguesa escrita, e comece a estabelecer formas de compreensão através de estratégias criadas pelos próprios professores na tentativa de fazer com que a ela reconheça tais diferenças. Devido ao impedimento auditivo, a criança surda não faz a relação grafema/fonema de forma natural como a criança ouvinte. Com isso, novos procedimentos e estratégias didáticas devem ser adotados na alfabetização dessas crianças como, por exemplo, o uso de figuras, pois, já que o surdo é um sujeito visual, o auxílio de figuras facilita sua aprendizagem. Assim como a utilização de palavras impressas em Língua Portuguesa, vídeos, objetos, entre outros. Segundo Quadros (2008), as crianças surdas devem estabelecem visualmente as relações de significação com a escrita. Assim, a criança surda, por ter uma língua espaço-visual, busca nela o sentido que a levará a entender a escrita em Língua Portuguesa, mas para isso é importante que o seu direito seja respeitado: ter acesso à língua de sinais como primeira língua (L1), e aprender a Língua Portuguesa como segunda língua (L2). 2.4 A Aprendizagem de L2 pela criança surda Após várias lutas e debates pelo direito educacional das pessoas surdas, em 24 de abril de 2002 é sancionada a Lei 10.436, intitulada Lei de Libras, reconhecendo-a como língua, bem como a segunda língua oficial do país. O Decreto 5.626/05 que regulamenta a referida lei assegura que: Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até a superior. § 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem: II - ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos; (BRASIL, 2005, p.04) (grifo nosso) Esse Decreto vem como um grande avanço na educação de surdos porque assegura a melhor forma de aprendizagem para as crianças surdas, o acesso a Libras desde a Educação Infantil, além de orientar os profissionais da educação para atenderem a esse público e apresentarem a Língua Portuguesa escrita como L2. É importante ressaltar que o contato da Libras deve ser iniciado na Educação Infantil, mas, infelizmente, essa ainda não é a nossa realidade. Observamos durante o período de estágio que crianças surdas e ouvintes são agrupadas em Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI’s) e têm a mesma forma de ensino: baseada no oralismo e pouco visual, o que faz com que as crianças surdas sejam enquadradas em um processo de aprendizagem que beneficia apenas os ouvintes. A reflexão sobre a língua surge a partir de experiências adquiridas pela criança com o tempo, em que ela começará a entender o sentido da língua dentro dos vários contextos existentes. Com isso, a criança irá transpor o significado de todos os processos vividos para a escrita, em que atribuirá um significado a ela. Ler e escrever em sinais e em português são processos complexos que envolvem uma série de tipos de competências e experiências de vida que as crianças trazem. As competências gramatical e comunicativa das crianças são elementos fundamentais para o desenvolvimento da leitura e escrita (QUADROS, 2006, p.31). Diante disso, entendemos que se torna inviável a criança ser alfabetizada em uma segunda língua, sem ter domínio de uma primeira. O conhecimento de mundo que é trazido pela criança é de grande valia para que o desenvolvimento da língua escrita se dê de forma mais completa. “A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1988, p. 09). Assim, tão importante quanto estar alfabetizado em uma língua escrita, é trazer essa leitura de mundo citada por Freire (1988), que se mostra como primordial no processo de alfabetização, a partir do momento em que o sujeito utiliza esse conhecimento de mundo para se beneficiar em atividades que exijam um conhecimento que vá além das palavras. A história da educação de surdos nos traz com clareza todo o processo enfrentado por esses sujeitos em busca da aprendizagem da língua oral e todos os aspectos negativos que este processo trouxe para a educação das pessoas surdas, como por exemplo, o grande esforço exigido dos alunos surdos para que fizessem leitura labial, pois assim seria mais fácil a aprendizagem da leitura e escrita alfabética. Segundo Goldfeld (2002) tal processo perdurou por quase cem anos e, infelizmente, ainda nos dias de hoje, há quem pregue a filosofia oralista4 acreditando ser a única que possibilita o aluno surdo ser alfabetizado. Hoje no Brasil, por meio de uma nova perspectiva educacional, que é a educação bilíngue5, os alunos surdos têm a oportunidade de acesso a uma educação por meio da Libras e a se apropriar da Língua Portuguesa em sua modalidade escrita. Os estudos sobre bilinguismo estão direcionados para o entendimento do surdo, suas potencialidades, sua língua, sua cultura, sua forma peculiar de pensar, de agir, etc., e não apenas para os aspectos ligados à surdez. Nesse sentido, as realidades psicossocial, cultural e linguística são consideradas como balizadoras e desencadeadoras do processo educacional (SOUZA; HAUTRIVE; LORENSI, 2006, p. 04). Ou seja, o bilinguismo não só respeita a língua dos surdos, como também considera outros aspectos que influenciam diretamente na educação desses sujeitos promovendo um melhor ensino-aprendizagem. É através do bilinguismo que a criança surda pode se apropriar da língua de sinais conhecendo seus vários aspectos e de adquirir a segunda língua (na modalidade escrita) com mais facilidade através de atividades e metodologias que facilitam a aprendizagem da Língua Portuguesa escrita. Na Série Pesquisas em Estudos Surdos, Dechandt (2006, p.292) traz que: “(...) a apropriação de uma segunda língua (L2) é um processo, constituído por etapas que se sucedem no tempo, cujo ponto de partida é a Libras e o ponto de chegada é a escrita do Português.” Diante disso, podemos confirmar que a aprendizagem dessa segunda língua 4 Filosofia Educacional para Surdos que visa à integração da criança surda na comunidade ouvinte, trabalhando com o ensino da língua oral. (GOLDFELD, 2002) 5 Ensino da Língua Portuguesa na modalidade escrita, como segunda língua, e Libras como língua de instrução para crianças surdas. é construída ao longo de um processo. Mas para que essa aprendizagem seja efetiva, a criança surda deve partir de uma língua já internalizada que possa servir como base na aprendizagem de uma segunda língua. 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Trata-se de uma pesquisa qualitativa que teve como participantes 3 crianças surdas, as quais chamamos de: Maria, Sara e Laura, com idades entre 8 e 10 anos, em processo de alfabetização, em uma escola pública estadual da cidade de Recife6. O corpus foi composto por 2 filmagens em vídeo de crianças surdas, com duração média de 15 minutos cada, feitas em 2 dias, durante a realização de atividades de leitura e escrita propostas pelas pesquisadoras e executadas pelas pesquisadoras e pela professora das turmas. As filmagens foram realizadas em salas de aula do 1° e 2º anos do Ensino Fundamental apenas com crianças surdas. Participaram da pesquisa 3 crianças: Maria (8 anos), estudante do 2° Ano do Fundamental, filha de pais surdos; Sara, (10 anos) também estudante do 2° Ano do Fundamental, porém filha de pais ouvintes e Laura (8 anos) estudante do 1° Ano do Fundamental e filha de pais ouvintes. A escolha dos participantes foi pautada nos seguintes requisitos: serem crianças surdas usuárias da Libras, filhas de pais surdos ou ouvintes e não terem patologia associada. Para a coleta dos dados, adotamos uma metodologia baseada na videografia. Esta é apresentada por Meira (1994, p. 61) “como uma ferramenta ímpar para a investigação microgenética de processos psicológicos complexos, ao resgatar a densidade de ações comunicativas e gestuais.”. Por se tratar de uma língua espaço-visual, a videografia foi indispensável para a descrição das estratégias utilizadas pelas crianças surdas, no momento da escrita, a fim 6 Escola de referência na educação de pessoas com surdez. As crianças surdas ficam em salas de aula separadas das crianças ouvintes. Todas as crianças matriculadas são surdas e algumas apresentam outras patologias associadas. A professora sabia Libras e não há intérprete de Libras. de compreendermos qual é a relação entre a língua de sinais e o processo de apropriação do SEA de crianças surdas em processo de alfabetização. Inicialmente, fizemos uma análise minuciosa dos vídeos, identificando e descrevendo a utilização da Libras ou de outras estratégias durante a atividade de leitura e de escrita da Língua Portuguesa. Após esta análise videográfica, fizemos a transcrição integral dos movimentos das crianças relacionados à Libras com o objetivo de identificar as condutas das mesmas em relação ao processo de aprendizagem da Língua Portuguesa escrita. Finalmente, para tratamento dos dados, utilizamos a análise qualitativa microanalítica e descritiva, com base na abordagem microgenética, segundo Góes (2000), atentando-nos para as estratégias usadas pelos participantes capturadas pelas videografias, sendo a análise realizada a partir de transcrições integrais de cada episódio videografado. Com base em Sousa (2009), elaboramos uma forma de notação para transcrever os sinais utilizados pelos sujeitos da pesquisa. Em virtude da inexistência na Libras de desinências para gêneros (masculino e feminino) os itens lexicais da língua portuguesa que têm a marca de gênero foram terminados com o símbolo @. A seguir apresentaremos as formas de notação utilizadas: ( ) – esclarecimento de ocorrências de expressão facial e movimentos corporais concomitantes aos enunciados; (( )) – comentário do analista acerca de dados do contexto; Caixa alta – registro dos sinais em Libras; Turnos de fala – letra T (caixa alta) e número correspondente ao turno entre parênteses; Letras separadas por hífen – palavra soletrada com o alfabeto manual; Fonte Itálico – Fala dos sujeitos por meio da Língua Portuguesa oral; 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Analisaremos a seguir duas filmagens realizadas em dias diferentes, divididos em 2 episódios, sendo um filmado na sala de aula do 1º ano e o outro na sala do 2º ano. Para uma análise minuciosa, dividimos os episódios em 3 cenas. Episódio 01: Atividade proposta com o tema “Frutas” (recortado em 02 cenas) Descrição do episódio da videografia Neste momento, as crianças organizavam-se para o início da aula. Uma das pesquisadoras iniciou a atividade apresentando o tema “frutas”. Ela mostrou às crianças fichas com diversas imagens de frutas, contendo o sinal correspondente em Libras e a escrita em Língua Portuguesa. As crianças deveriam fazer a leitura da palavra utilizando o alfabeto manual e em seguida demonstrar o sinal da fruta em Libras. Participantes: Maria e Sara Cena 01 (T01) Pesquisador (T02) Maria (T03) Pesquisador (T04) Maria (T05) Pesquisador (T06) Maria (T07) Pesquisador (T08) Maria ((Apresenta uma ficha com a imagem de um abacaxi, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) CONHECER. ABACAXI. A-B-A-C-A-X-I ((Apresenta uma ficha com a imagem de uma melancia, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) MELANCIA. M-E-L-A-N-C-I-A ((A criança soletra a palavra com o braço direito esticado para cima, ultrapassando o espaço de enunciação, ou seja, o espaço neutro)). ((Apresenta uma ficha com a imagem de um melão, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) A-M-A-E-L-Ã-O ((Ao ver a figura Maria não faz o sinal. Olha para a colega ao lado e apenas soletra a palavra.)) (Expressão de dúvida. Parecia não saber o sinal da fruta apresentada). ((Apresenta uma ficha com a imagem de uma laranja, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) LARANJA. L-A-R-A-N-J-A ((Novamente a criança soletra a palavra ultrapassando o espaço de enunciação)). Conforme observamos, Maria (T 02) faz questão de dizer que conhece a palavra apresentada pela pesquisadora, já que antes de dizer o sinal ela diz “CONHECER”. Da mesma forma, no momento em que as figuras são apresentadas, Maria (T04 e T08) rapidamente faz o sinal de cada uma delas, demonstrando, assim, que traz consigo conhecimento de mundo sobre o tema trabalhado. Essa atitude confirma o que diz Freire (1988) ao afirmar que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Assim, o conhecimento de mundo também é ponto importante que deve ser considerado no processo de alfabetização. A partir do momento em que a criança surda passa a usar a sua língua natural, nesse caso, a Língua de Sinais, e por meio dela começa a conhecer o mundo, o seu desenvolvimento ocorre de forma plena. E esse conhecimento ajuda em seu desenvolvimento no âmbito escolar. É importante ressaltar que Maria é filha de pais surdos, o que, segundo Quadros (1997), favorece a aquisição da língua de sinais sem atraso, por estar em contato com a mesma desde o nascimento, além de propiciar a aprendizagem de uma segunda língua. Ao contrário do que acontece com as crianças surdas filhas de pais ouvintes, que na maioria das vezes, entram em contato com a língua de sinais tardiamente, em geral quando ingressam na escola. Maria (T04 e T 08) digita o nome das frutas fora do espaço neutro7. Percebemos que esse movimento acontece sempre que a criança tem segurança na digitação de uma palavra. Maria (T 06) não demonstra conhecer o sinal da palavra “melão”, já que apenas digita a palavra e o faz demonstrando insegurança. Constatamos também que, mesmo vendo no cartão a palavra escrita em Língua Portuguesa, a criança não digita a palavra de forma correta. Cena 02 (T 01) Maria (T 02) Sara (T 03) Pesquisador (T 04) Maria (T 05) Sara 7 ((Notando a dificuldade da colega ao lado, ela vira o corpo para frente da colega e soletra a palavra “laranja” junto com ela)). LARANJA. L-A-R-A-N-J-A ((Apresenta uma ficha com a imagem de uma pera, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) PERA. P-E-R-A ((A criança soletra a palavra dentro do espaço de enunciação.)) PERA. P-E-R-A ((Começa a fazer o sinal, mas olha para a amiga ao lado antes de terminá-lo. Ao notar que a colega também faz o mesmo sinal, ela Segundo Quadros e Karnopp (2004), o espaço neutro, também chamado de espaço de enunciação, tratase de uma área delimitada que contém os pontos dentro do raio de alcance das mãos em que se articulam os sinais. (T 06) Pesquisador (T 07) Maria (T 08) Sara (T 09) Pesquisador (T 10) Maria (T 11) Sara (T 12) Pesquisador (T 13) Maria (T 14) Sara (T 15) Pesquisador (T 16) Maria (T 17) Sara (T 18) Pesquisador (T 19) Maria (T 20) Sara continua e soletra a palavra utilizando o alfabeto manual)). ((Apresenta uma ficha com a imagem de um limão, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) LIMÃO. L-I-M-Ã-O (Mostra uma expressão de dúvida, mas rapidamente reconhece a figura. A criança soletra a palavra dentro do espaço de enunciação) LIMÃO. L-I-M-Ã-O ((A criança demonstra não reconhecer a fruta. Olha para a colega ao lado fazendo o sinal de limão e a imita copiando.)) ((Apresenta uma ficha com a imagem de um coco, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) COCO. C-O-C-O ((A criança utiliza a digitação rítmica.)) COCO. C-O-C-O ((A criança demora um pouco tentando ler a palavra ao mesmo tempo em que digitar de forma lenta. Em seguida, ela repete a digitação com mais propriedade.)) ((Apresenta uma ficha com a imagem de uma uva, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) U-V-U. U-V-A. UVA. ((Ao decodificar a palavra, a criança digita a palavra errada. Percebe que soletrou errado e digita novamente a palavra corretamente)). U-V-U-V-A. UVA ((Ela não repete a soletração. Após olhar a colega ao lado fazendo o sinal “uva”, ela a imita)) ((Apresenta uma ficha com a imagem de um abacate, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) ABACATE. A-B-A-C-A-T-E. ((A criança inicialmente demonstra não reconhecer a fruta. Pergunta a pesquisadora em português oral se é uma pera. A pesquisadora diz que é um abacate, a criança compreende, faz o sinal correto e decodifica a palavra)). A-B-C-A-E ((Ela parece não saber o sinal da fruta, olha para a digitação da colega ao lado, tenta copiá-la, mas o faz erroneamente)). ((Apresenta uma ficha com a imagem de um morango, o sinal em Libras e a escrita em língua portuguesa)) MORANGO. M-O-R-A-N-G-O. MORANGO. M-O. M-O. M-O-R-A-N-G-O. ((Ela digita as duas primeiras letras da palavra morango mais de uma vez e consegue terminar a digitação da terceira tentativa.)) Conforme ocorreu na cena 01, observamos que na cena 02 Maria e Sara utilizaram a datilologia8 para fazer a leitura das palavras. Isso demonstra o quanto o alfabeto manual exerce influência no processo de alfabetização da criança surda, sobretudo na apropriação do SEA. Além disso, Maria também lê com o apoio de figuras, suporte importante no ensino de pessoas surdas, já que são sujeitos visuais. Nos turnos 14, 17 e 20, Sara demonstra dificuldade em reconhecer as palavras. Por ser filha de pais ouvintes, seu contato com a Libras se deu tardiamente, o que, provavelmente, resultou em um atrasou no seu desenvolvimento linguístico. Episódio 02: Atividade de escrita com o tema “animais” Descrição do episódio da videografia Após a professora apresentar à turma a figura de vários tipos de animais, com seus respectivos sinais em Libras, escrita em datilologia e em Língua Portuguesa, as crianças foram solicitadas a realizar uma atividade escrita. A atividade era composta por 5 questões (1ª – escrever a 1ª letra de cada palavra; 2ª e 3ª – completar as palavras ; 4ª – ligar as palavras às figuras ou sinais em Libras e 5ª – caça-palavras), todas eram relacionadas ao vocabulário de animais, trabalhado anteriormente. Todas as questões eram relacionadas ao vocabulário de animais, trabalhados anteriormente. As questões envolviam reconhecimento, leitura e escrita de letras e palavras, todas com o apoio de imagens. Participantes: Professora e Laura Cena 01 T01 (Laura) T02 (Professora) T03 (Laura) 8 ((Acena para a professora, aponta para o enunciado da 1ª questão e inclina um pouco a cabeça para trás, indicando um questionamento)) ((Aponta para a figura de um pássaro apresentada na questão e vai até o quadro branco)) QUAL/SINAL? PÁSSARO Datilologia é o ato de soletrar as palavras utilizando o alfabeto manual. T04 (Professora) T05 (Laura) T06 (Professora) T07 (Laura) T08 (Professora) T09 (Laura) T10 (Laura) T11 (Laura) T12 (Laura) T13 (Professora) T14 (Laura) QUAL/PRIMEIR@/LETRA? ((Escreve a letra “p” como resposta da questão, em seguida, observa a figura de um elefante e escreve a letra “e”, não conseguindo identificar qual a primeira letra da palavra rato ela tenta encontrar alguma pista no quadro branco. Folheia a atividade para ver se encontra alguma pista.)) R ((Explica a 2ª questão da atividade e aponta para a palavra elefante, que está faltando as letras l, a e t)) Qual letra falta? QUAL/LETRA/FALTA? ((aponta para o espaço correspondente a letra “l”)) Qual letra? QUAL/LETRA? F T ((Observa o quadro tentando encontrar pistas. Movimenta a cabeça, indicando não saber qual a resposta)) ((Mostra uma placa com a palavra elefante)) ((Escreve a letra “l” no 1º espaço vazio da palavra)) L ((Observa a ficha e escreve no papel as letras “a” e “t” que faltam para completar a palavra)) LEGAL A T E-L-E-T-F-A-N-T-E ((No momento que faz a 1ª letra “t”, balança a cabeça de um lado para outro, indicando negação e a troca rapidamente pela letra “f”)) ((Observa a figura do gato e preenche corretamente os espaços vazios da palavra, letras “g” e “t”.)) G-A-T-O ((Observa o sinal da palavra macaco, exposto na atividade)) MACAC@ ((Observa o quadro e escreve as letras “a” e “c” que completam a palavra)) ((Observa o sinal da palavra vaca, olha para o quadro e em seguida completa a palavra com as letras “a” e “c”)) V-A-C-A ((Explica a 3ª questão, apontando para o enunciado)) É pra escrever ESCREVER ((Observa a figura do leão, expressa dificuldade, digitando letras aleatórias, elevando a sobrancelha, indicando questionamento)) L-A-R-T-F ((Movimenta a mão em círculo, indicando uma tentativa de lembrar as letras)) R T15 (Professora) T16 (Laura) T17 (Professora) T18 (Laura) T19 (Professora) T20 (Laura) T21 (Professora) T22 (Laura) T23 (Professora) T24 (Laura) T25 (Laura) T26 (Laura) T27 (Professora) T28 (Laura) T29 (Professora) T30 (Professora) ((Cobre o rosto com as mãos, indicando nervosismo)) ((Observa a dificuldade da criança e ajuda-a informando qual é a letra correta)) L ((Completa a palavra leão escrevendo as letras “e”, “a” e “o”)) ((Aponta para a figura do pato)) Qual é o sinal? QUAL/SINAL? PAT@ ((Apontando para a 2ª letra da palavra)) Qual letra? QUAL/LETRA? ((Completa a palavra escrevendo as letras “a”, “t” e “o”)) ((Aponta para a figura do tatu)) Qual? QUAL? ((Observa o quadro e completa a palavra com as letras “a”, “t” e “t”)) ERRAD@ ((Apaga a última letra)) R? U ((Completa a palavra escrevendo a letra u)) ((Sem o auxílio da professora, liga corretamente os sinais de macaco e peixe às palavras correspondentes e as figuras rato e pato às palavras correspondentes)) ((Aponta para a 5ª questão e inclina um pouco a cabeça para trás, indicando um questionamento)) ((Aponta para a 5ª questão, mostra o caça-palavras e as 6 (seis) palavras que devem ser encontradas)) Que? Igual QUAL? IGUAL ((Observa atentamente o caça-palavras e as palavras que deve encontrar)) B NÃO/TER! ((Observando a dificuldade da criança, mostrou onde encontrou a palavra cavalo)) JÁ! OK! Outro OUTR@ ((Mostra a palavra boi)) B-o-i T31 (Laura) B-O-I/JUNT@ ((Procura e encontra no caça-palavras a palavra boi. Após algum tempo o observando o passatempo, acena para a professora)) DIFICIL! Como pudemos observar nos turnos 05, 10, 12 e 20, Laura já possui o repertório de algumas palavras estáveis, respondendo corretamente as questões. Um fato que nos chamou a atenção foi que mesmo depois de todas as palavras utilizadas na atividade terem sido apresentadas minutos antes da realização da atividade, Laura não acertou todas as respostas, acreditamos que seja porque ela ainda não se apropriou das regras básicas do SEA. Também no turno 14, demonstra não haver se apropriado do SEA, pois digitou letras aleatórias, não considerando a composição básica das sílabas – consoante-vogal. Nos turnos 07, 09 e 24 faz a troca de letras, havendo uma confusão na escrita com base no alfabeto manual. Essa troca, comum em crianças ouvinte na pronuncia dos fonemas surdos e sonoros, como por exemplo, /d/ e /t/, também existe na língua de sinais no uso das configurações de mãos, como por exemplo, nas representações de R e U, T e F que possuem configurações semelhantes. Neste episódio, contatamos que Laura já se encontra em um processo mais avançado de apropriação da língua de sinais comparado ao SEA, pois ela não conseguiu compreender nenhum dos enunciados das questões. Nos turnos 02, 04, 06, 13, 17, 19 e 27, quando a professora explicou em Libras, Laura entendeu e iniciou a questão, isso mostra que a Libras exerce a função mediadora no processo de apropriação do SEA, já que no momento que a professora utilizava a Libras, e perguntava a Laura os sinais dos animais, Laura respondia corretamente. Além disso, Laura utilizou, muitas vezes, o alfabeto manual relacionando-o com o alfabeto em Língua Portuguesa para auxiliar na elaboração das respostas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo possibilitou-nos perceber que durante o processo de reconhecimento de palavras a língua de sinais esteve constantemente presente, principalmente por meio do alfabeto manual. Por ser a língua natural da pessoa surda, a Libras facilita o processo de ensino-aprendizagem do estudante surdo, uma vez que se apresenta totalmente acessível a esse sujeito, já que se trata de uma língua espaço visual. Diferente da Língua Portuguesa que é oral auditiva. Em resposta ao nosso questionamento inicial em que buscamos compreender de que forma as crianças surdas se apropriam da Língua Portuguesa escrita, percebemos que os recursos visuais, como figuras, por exemplo, ajudam no processo de apropriação da escrita, uma vez que as crianças surdas não têm o apoio do som e conseguem, a partir da visualização de figuras, remeter-se mentalmente ao sinal em Libras para, posteriormente, grafar as palavras, o que responde também a nossa primeira hipótese. Constatamos também que, nos momentos de leitura e escrita, as estratégias mais utilizadas são as palavras em Língua Portuguesa, impressas em tamanhos maiores e também em datilologia, o que facilita a visualização e a aprendizagem da escrita das palavras, pois assim as crianças têm acesso aos dois modelos de grafia do alfabeto (Língua Portuguesa e datilologia). Isso responde também a nossa segunda hipótese quando afirmamos que a língua de sinais faz parte das estratégias utilizadas pelas crianças surdas no momento de leitura e escrita. Além disso, observamos ainda que o uso da Libras em momentos de leitura e escrita da Língua Portuguesa é indispensável para as crianças surdas, o que confirma nossa última hipótese, quando afirmamos que a língua de sinais tem o papel mediador na apropriação do SEA em crianças em processo alfabetização. Por meio da língua de sinais as pessoas surdas conseguem realizar a leitura de forma acessível e facilitada. A língua de sinais é utilizada, portanto, a todo o momento na mediação da realização de atividades de leitura e escrita, comprovando o papel mediador desta língua na apropriação do SEA. Conforme pudemos registrar, o domínio da língua de sinais auxilia no processo de apropriação do SEA, pois o sujeito cria uma imagem da palavra escrita partindo do sinal já conhecido da Libras. Isso foi possível verificar já que as crianças utilizaram o alfabeto manual, os sinais da Libras e a expressão não-manual para realizar as atividades propostas. Esperamos que o resultado desse estudo proporcione melhor conhecimento de como se dá a apropriação do SEA pela criança surda em processo de alfabetização, levando ao aprimoramento do trabalho pedagógico e, consequentemente, da aprendizagem dos alunos surdos. Além de ajudar aos professores alfabetizadores a perceberem a importância da língua de sinais no processo de alfabetização dessas crianças. Sugerimos que novos estudos sejam feitos, buscando aprofundar o conhecimento sobre as estratégias usadas para apropriação da escrita de crianças surdas, visto que, para a criança surda, essa aprendizagem acontece de maneira diferenciada, a partir do uso de recursos visuais diversos e da mediação da língua de sinais. Apontamos também a necessidade de novas pesquisas sobre a formação de professores nessa área para que, assim, eles possam oferecer um ensino de qualidade com maior significado para esses sujeitos. 6. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm> Acesso em: 03 Ago. 2012. DECHANDT, S. B. A apropriação da escrita por crianças surdas. In: QUADROS, R. M. (Org.) Estudos Surdos I. Série Pesquisas. Petrópolis: Arara Azul, 2006. FERNANDES, S. Educação bilíngüe para surdos: identidades, diferenças, contradições e mistérios. Curitiba: UFPR, 2003. (Tese de doutorado) _____. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p. GOES, M. C. R. de. A abordagem microgenética na matriz histórico-cultural: uma perspectiva para o estudo da constituição da subjetividade. Cad. CEDES [online]. 2000, vol.20, n.50, pp. 9-25. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v20n50/a02v2050.pdf> Acesso em 10 mai 2012. GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionaista. São Paulo: Plexus, 2002. LEAL, T. F.; MORAIS, A. G. de. O aprendizado do sistema de escrita alfabética: uma tarefa complexa, cujo funcionamento precisamos compreender. In: ALBUQUERQUE, E. B. C. de; MORAIS, A. G. de (Orgs.). Alfabetizar Letrando na EJA: fundamentos teóricos e propostas didáticas. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 2010. MEIRA, L. Análise microgenética e videografia: ferramentas de pesquisa em psicologia cognitiva. 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