Tutoria e Mediação em Educação: Novos Desafios à Investigação Educacional
XVI Colóquio AFIRSE/AIPELF 2008
TRABALHO DE GRUPO E AJUSTAMENTO ACADÉMICO | IMPLICAÇÕES
PARA A TUTORIA NO ENSINO SUPERIOR
COSTA LOBO, Cristina ([email protected])
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho
TAVEIRA, Maria do Céu
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho
RESUMO
O presente estudo aprofunda os contributos da abordagem sócio-cognitiva da
carreira desenvolvida por Lent, Brown e Hackett (1994) na conceitualização e
explicação dos processos de implementação e de adaptação às escolhas e ao ambiente
do ensino superior, em jovens e adultos. Com este objectivo geral, pretende-se,
também, dar um contributo, na perspectiva da Psicologia Vocacional, à linha de
investigação sobre o (in)sucesso no ensino superior desenvolvida, nos últimos dez
anos, por Taveira e colaboradores (2001, 2004).
PALAVRAS – CHAVE
Trabalho em grupo; Adaptação à carreira; Ajustamento escolar; Ensino superior.
Introdução
São fulcrais as problemáticas enfrentadas na actualidade pelo Ensino Superior,
nomeadamente, no campo pedagógico, vocacional e social. A este propósito, um dos
relatórios UNESCO (1998) destaca expressamente que tal desafio significa capacitar as
universidades para: (...) educar e formar pessoas altamente qualificadas, cidadãos
responsáveis, capazes de atender às necessidades de todos os aspectos da actividade
humana, oferecendo-lhes qualificações relevantes, incluindo capacitações profissionais
nas quais sejam combinados conhecimentos teóricos e práticos de alto nível mediante
cursos e programas que se adaptem constantemente às necessidades presentes e
futuras da sociedade (…) (Unesco, 1998: artigo 1º letra "a").
A Universidade enfrenta, neste contexto, novos desafios, entre os quais, dar conta
da excelência e eficácia dos seus métodos pedagógicos, em termos do desempenho e
(in) sucesso dos seus alunos, a nível académico, social e profissional.
Desde a década de 80 que o tema do insucesso escolar/académico tem sido alvo
de estudos internacionais e nacionais, nas vertentes do sistemas de ensino,
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institucional, dos alunos e dos professores. Ao longo da década de 90 surgem algumas
linhas de investigação sistemática sobre o tema, no seio das universidades, levadas a
cabo por investigadores das ciências educacionais e sociais (e.g., psicologia
educacional, psicologia vocacional, sociologia, pedagogia), que permitem concluir que
o fenómeno da adaptação e (in)sucesso dos alunos no ensino superior não pode ser
encarado como um factor linear e causal, mas antes como um processo complexo,
multifacetado, que beneficia de uma abordagem multidisciplinar. Com base nesta
perspectiva, têm vindo a ser desenvolvidas, a nível nacional, diversas linhas e redes de
investigação sistemática sobre o tema, das quais, o projecto iniciado e orientado por
Tavares e colaboradores (1998) constitui um bom exemplo. Neste projecto colaborarem
membros de várias universidades, entre as quais, a Universidade do Minho, que
entretanto, desenvolveu a sua própria linha de estudo sobre esta problemática.
Com efeito, tendo em conta, as referidas linhas de estudo, pode concluir-se, por
exemplo, que à entrada no ensino superior, as várias dificuldades que os alunos
enfrentam na inserção no curso e na Universidade resultam não só de factores pessoais
- demográficos e sócio-económicos, a personalidade, o bem-estar psicológico à entrada,
a história pessoal, incluindo a preparação académica no ensino secundário, o processo
de decisão vocacional -, como também de factores contextuais - o ambiente social e
académico à entrada no curso e na universidade, as capacidades de adaptação e
correspondência em face das novas exigências académicas, sociais e culturais, entre
outros (e.g., Almeida, 1998; Gonçalves, 2000; Santos, 2001; Tavares & Santiago, 1998).
Neste âmbito, autores recentes da literatura vocacional têm vindo a estudar o
fenómeno do (in) sucesso no ensino superior, enquanto adaptação a escolhas e
contextos novos de carreira, definindo sucesso como um processo de correspondência
e de satisfação de expectativas, de interesses, valores, da parte do estudante; e do
carácter satisfatório, para a instituição, das capacidades e competências de estudante
para lidar com as novas exigências. Embora os resultados de alguns dos estudos
efectuados nesta linha de investigação apoiem a ideia de existência de uma influência
da satisfação com a vida geral na satisfação com um domínio específico da vida, por
exemplo, a satisfação com a vida escolar e profissional (e.g, Eccles e Wigfield, 2002;
Findley e Cooper, 1983; Woolfoolk, 1999), a "hipótese de transbordamento" permanece
também como uma noção viável. Esta hipótese assegura que há influências bidireccionais entre os domínios de vida específicos e a satisfação global; ou seja, a
satisfação, adaptação, ou ajustamento em domínios de vida particulares podem
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influenciar o bem-estar geral, e vice-versa (cf. Lent, 2005). Contudo, existe necessidade
de realizar mais pesquisa neste âmbito, que permita explorar de modo mais
aprofundado, que mecanismos, processos e condições afectam a força e direcção causal
das relações entre satisfação global e a satisfação num domínio particular da vida,
como é o caso do domínio de vida académica.
A investigação tem demonstrado, ainda, que um moderador potencial da relação
entre a satisfação com a vida em geral e a vida académica em particular é a importância
percebida ou relevância de valor de um determinado domínio de vida para um
indivíduo particular (Lent, Brown e Hackett, 2004). Os autores desta linha de estudo
defendem ser provável que as pessoas desenvolvam e persistam orientados a metas,
em domínios de actividade nos quais eles se vêem como eficazes e percepcionando
como provável atingir resultados positivos. Os resultados de outros estudos
congéneres (e.g. Descamps, 1999) sugerem, entretanto, que a personalidade e os
factores socio-cognitivos podem não representar fontes completamente separadas e
independentes de bem-estar. Assim, Lent et al (2003) defendem que em lugar de os
isolar simplesmente um contra o outro como competidores empíricos, interessa
considerar se eles podem funcionar juntamente como preditores e mecanismos causais
promotores de bem-estar.
Recentemente os mesmos autores (Lent et al., 2003), usaram o modelo SócioCognitivo Social de Satisfação com Domínios de Vida e da Vida em Geral, para
predizer a satisfação de vida global de estudantes universitários e também a sua
satisfação com dois domínios mais específicos de vida – o comportamento académico e
a vida social., em especifico, com o recurso à análise de regressão.
As medidas factores de satisfação com a vida académica incluíram dimensões
como a presença de afectos positivos, a auto-eficácia, o progresso nos objectivos, a
existência de recursos/apoios sociais, a satisfação global com cada domínio específico
de actividade ou vida e a satisfação com a vida em geral.
Parece plausível, de acordo com os estudos de Lent et al (2003), que as
predisposições cognitivas associadas com características particulares, como afectos
positivos, recursos do meio ambiente, eficácia pessoal, progresso nos objectivos,
satisfação em domínios específicos e satisfação com a vida em geral, podem predizer a
satisfação em domínios de vida específicos.
Nesta linha de estudo julgamos importante, também, compreender melhor que
tipo de processos de apoio/recursos sociais mais afectam a satisfação e o bem-estar
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envolvidos na implementação com sucesso das escolhas dos alunos e a sua adaptação
ao ambiente académico, em geral. De acordo com Lent et al (2003), a aceitação social no
grupo de pares em sala de aula, pode constituir, a par de outros recursos sociais, um
importante factor de adaptação à carreira, no ensino superior.
O estudo dos fenómenos de grupo (e.g., as actividades em grupo e de equipa,
para efeitos pedagógicos, dentro e fora da sala de aula) poderá contribuir para
compreender melhor o tipo de recursos ambientais ao dispor e a fomentar no Ensino
Superior, para promover factores de adaptação e bem-estar psicológico à entrada no
ensino superior.
Na literatura psico-pedagógica, o trabalho de grupo, entendido como um recurso
social que caracteriza as vivências do estudante do ensino superior, tem vindo a ser
defendido como podendo ser adoptado para qualquer tipo de abordagem ao ensino e à
aprendizagem e tem subjacente a filosofia da aprendizagem cooperativa ou
colaborativa. Para a psicologia escolar, uma aprendizagem cooperativa acontece se há
uma real interacção social, no grupo, ao realizar tarefas, podendo ser a mais eficiente o
conhecimento em construção. A perspectiva teórica que legitima e defende o trabalho
em grupo cooperativo indica serem as práticas em que as acções pedagógicas
envolvem efectivamente o aluno, seja nas tarefas realizadas por seu grupo, seja na
definição de atitudes que promovam uma interacção social produtiva; aquela em que
as acções de um aluno o conduzem a compartilhar conhecimento, contrapondo-se à
aprendizagem individual; em que as acções do professor são as de um orientador
único, destacado e isolado da turma. O trabalho em equipa, um termo que se emprega
com frequência nas salas de aula, depende da organização e desenvolvimento das
actividades que os professores mantenham. Trabalhar em equipa é um modelo que
vem sendo seguido e tem se modificado ao longo do tempo. Tem recentemente vindo a
ser dado mais valor à aprendizagem cooperativa, isto é, ao método segundo o qual um
grupo de alunos trabalha em equipa e em que o resultado do seu trabalho deve
reflectir que todos e cada um deles tenham trabalhado com a informação de igual
maneira.
Neste âmbito, ainda, e decorrente das várias discussões em torno dos estilos de
ensino e aprendizagem (no sentido de os colocar mais ao encontro das necessidades
dos alunos), vários investigadores têm vindo a desenvolver modelos alternativos de
ensino e aprendizagem dando particular destaque às actividades de pares e de grupo.
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Por seu lado, em termos de limitações, este sistema pode colocar demasiada
pressão nos alunos individualmente - nem todos os alunos serão “bons professores”, o
nível de instrução oferecido pelo peer pode não ser suficientemente elevado e pode
colocar problemas em termos de gestão da sala de aula e potenciar conflitos de grupo.
As vantagens do trabalho envolvendo a colaboração do grupo de pares têm
demonstrado ser uma mais-valia. Por exemplo, estudos vários realizados em contexto
universitário por Pereira e colaboradores a nível de peer counselling, têm demonstrado,
aquando da autoavaliação de todos os envolvidos, que o processo de ajuda aos outros
é também um processo de auto-ajuda e desenvolvimento pessoal para aquele que
ajuda (Pereira, Rego e Reis, 2003; Rego e Cunha, 2003; Rego, 1998, 1999, 2000, 2001,
2002, 2003). A estratégia de Peer Teaching parece vir ao encontro das necessidades de
formação de indivíduos activos na sociedade, com capacidade de se adaptarem a
diferentes contextos e diferentes pessoas, autónomas e responsáveis, na medida em
que potenciar dotar os jovens de instrumentos que lhes permitam lidar com a
mobilidade, mudança e concorrência que caracterizam as sociedades actuais (Pereira,
Rego e Reis, 2003).
O aprofundamento dos processos de grupo no ambiente do ensino superior
poderá esclarecer até que ponto tais processos poderão favorecer do ponto de vista
sócio-cognitivo os processos de adaptação à carreira no ensino superior.
Objectivos específicos do estudo
No seguimento da abordagem apresentada por Lent et al (2003) o objectivo mais
específico com o desenvolvimento do presente estudo é analisar em que medida os
processos de trabalho em grupo adoptados pelos docentes do ensino superior,
entendido como um dos recursos do meio do estudante, favorece o processo de
adaptação à carreira. Partindo do modelo apresentado por Lent et al. (2004),
pretendemos demonstrar que os processos de aprendizagem em grupo adoptados ao
longo da frequência das disciplinas (recursos do meio do estudante) predizem a autoeficácia, os afectos positivos, o avanço nos objectivos e o ajustamento escolar
(compósito de ajustamento percebido, satisfação com a vida académica e stress) dos
estudantes, à entrada na Universidade.
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Participantes
A avaliação inicial do ajustamento académico e das vantagens e desvantagens
percebidas no trabalho de grupo foi concretizada junto de 305 alunos do ensino
superior. Envolveram-se 200 alunos de Engenharia do Instituto Superior de
Engenharia do Porto (65,6%)e 105 alunos de Educação e Psicologia da Universidade do
Minho (34,4%). O grupo é constituído por um total de 108 raparigas(35,4%) e 197
rapazes (64,6%). As idades dos participantes estão compreendidas entre 18 e 46 anos,
(M=25,2; DP=0,88), dos quais: 91,8% frequentam o 2º ano da licenciatura e 94,1% são
portugueses.
Método
Foram utilizados dois instrumentos: O Academic Adjustment Questionnaire( Lent,
2004 ) que permite a avaliação do modelo sócio-cognitivo de adaptação/ajustamento e
bem-estar psicológico em ambiente académico e o
Questionário de Informação
Complementar sobre Trabalho de Grupo (Costa-Lobo & Taveira, 2007) que permite o
registo de frequência de realização de trabalho de grupo, vantagens e desvantagens
percebidas no trabalho de grupo e no trabalho individual.
As variáveis em estudo são: predisposições cognitivas associadas com
características particulares da vida dos estudantes do ensino superior, como afectos
positivos, recursos do meio ambiente (metodologias pedagógicas), eficácia pessoal,
progresso nos objectivos, satisfação em domínios específicos e satisfação global.
Foi feia a avaliação inicial das vantagens e desvantagens percebidas no trabalho
de grupo junto do total dos alunos e a análise das relações de medidas de ajustamento
académico (Academic Adjustment Questionnaire; Lent, 2004) com tais percepções
(Questionário de Informação Complementar sobre Trabalho de Grupo; Costa-Lobo &
Taveira, 2007).
Resultados
Quando questionados sobre O que mais apreciam no trabalho de grupo foi
possível obter 48 respostas diferentes, divididas em 6 categorias: Enriquecimento da
tomada de decisão; Maior rapidez e eficácia na concretização dos objectivos; Divisão
das tarefas; Criação de laços de amizade; Segurança e Poder e influência face ao
exterior.
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Quando questionados sobre O que menos apreciam no trabalho de grupo foi
possível obter 15 respostas diferentes, divididas em 5 categorias: Tomadas de decisão
empobrecidas; Pensamento de grupo; Transformação do eu em nós e Nada a declarar.
Quando questionados sobre O que mais apreciam no trabalho individual foi
possível obter 8 respostas diferentes, divididas em 5 categorias: Auto- controle da
aprendizagem , Inexistência de conflitos, Aumento de concentração, Avaliação do
desempenho através da classificação obtida e Nada a declarar.
Quando questionados sobre O que menos apreciam no trabalho individual , foi
possível obter 12 respostas diferentes, divididas em 10 categorias: Dificuldades
motivacionais, Maior dispêndio de tempo, Tendência a procrastinar, Sensação de
responsabilidade excessiva, Défice de rapidez e eficácia, Inexistência de partilha de
experiências, Risco maior, Défice de criatividade, Défice de inovação e Nada a declarar.
Numa escala de 1 a 5, quando avaliada a Satisfação com a decisão de se graduar
no actual domínio de estudos obteve-se média global de 4,80; desvio padrão de 0,445 e
variância de 0,198. Esta variável teve concordância forte de 251 (81,3%) dos
participantes.
Numa escala de 1 a 5, quando avaliado o Conforto com o ambiente educativo do curso
obteve-se os valores: Média global: 4,70; DP: 0,467; Variância: 0,218. Esta variável teve
concordância forte de 214( 70,2%) dos participantes.
Numa escala de 1 a 5, quando avaliado o Gosto, em termos gerais, do trabalho
nas disciplinas obteve-se os valores: Média global: 4,66; DP: 0,546; Variância: 0,298. Esta
variável teve concordância forte de 212( 69,5%) dos participantes.
Numa escala de 1 a 5, quando avaliado o Gosto do nível de estimulação
académica proporcionado nas disciplinas obteve-se os valores: Média global: 4,66; DP:
0,546; Variância: 0,298.
Esta variável teve concordância forte de 212 ( 69,5%) dos participantes. Numa escala de
1 a 5, quando avaliado o Gosto do quanto está a aprender nas aulas obteve-se os
valores: Média global: 4,39; DP: 0,795; Variância: 0,633. Esta variável teve concordância
forte de 178 (58,4%) dos participantes.
Numa escala de 1 a 5, quando avaliado em termos globais, a descrição do
próprio ajustamento académico obteve-se os valores: Média global: 4,32; DP: 0,757;
Variância: 0,573. Esta variável é indicada no nível excelente por 151 ( 49,5%) dos
participantes.
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Quando avaliado o ajustamento total, numa escala de 13 a 75 pontos obteve-se
os valores: Média global: 60,47; DP: 5,21; Variância: 27,44.
Conclusão
Em termos gerais, o padrão de resultados obtidos é favorável, no que respeita
ao ajustamento total. Pretendemos avançar este estudo com o intuito de clarificar até
que ponto o Trabalho de Grupo tem os elementos que segundo o modelo sóciocognitivo de satisfação com domínios de vida e vida em geral (Lent et al, 2003),
favorecem o ajustamento, através do aumento do rendimento e da aprendizagem
percebidos. Resultante de um investimento feito na investigação sobre o ajustamento
académico com estudantes do ensino superior, o presente trabalho constituiu uma
oportunidade de ensaio e exploração inicial num processo de compreensão e
conceptualização que se antecipa longo, exigindo uma profunda maturação.
Cientes do seu carácter não definitivo, o presente trabalho parece, no entanto,
reunir um conjunto de elementos que poderão contribuir para uma compreensão mais
alargada da satisfação e o bem-estar envolvidos na implementação com sucesso das
escolhas dos alunos e a sua adaptação ao ambiente académico, em geral.
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