UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
SILVANA CRISTINA COSTA CORREIA
RESISTÊNCIA E FORMAS DE (RE)CRIAÇÃO CAMPONESA
NO SEMIÁRIDO PARAIBANO
João Pessoa-PB, Agosto de 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
SILVANA CRISTINA COSTA CORREIA
RESISTÊNCIA E FORMAS DE (RE)CRIAÇÃO CAMPONESA
NO SEMIÁRIDO PARAIBANO
Dissertação apresentada como requisito à
obtenção do título de Mestre em Geografia pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal da Paraíba, sob a
orientação da Professora Dra. Emília de Rodat
Fernandes Moreira.
João Pessoa-PB, Agosto de 2011
C824r
UFPB/BC
Correia, Silvana Cristina Costa.
Resistência e formas de (re)criação camponesa no
semiárido paraibano / Silvana Cristina Costa Correia.João Pessoa, 2011.
281f.
Orientadora: Emília de Rodat Fernandes Moreira
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCEN
1. Campesinato. 2. Recriação camponesa – Nova
Floresta - Teixeira. 3. Resistência camponesa – Nova
Floresta – Teixeira.
CDU: 323.32(043)
Às famílias camponesas do município de Nova Floresta residentes nas comunidades rurais de:
Canoa do Costa, Morada Nova, Boi Morto, Saco de Milho, Montevidéu, Gamelas, Sítio
Novo, Salamantra, Flores de Cima, Estrondo, Flores de Baixo e no Assentamento APROUNI,
conhecido como Pororoca.
Às famílias camponesas do município de Teixeira residentes nas comunidades rurais de:
Santo Agostinho, Fava de Cheiro, Riacho Verde, São Francisco, Serra Verde, Livramento,
Sabonete, São José de Belém, Flores, Rio de Janeiro, Saco de Serra, Sítio Onça, Rosário;
Poços de Cima, Poços de Baixo, e no Assentamento Poços de Baixo.
AGRADECIMENTOS
À minha mãe Ana Maria Costa Melquíades (in memorian), exemplo de dedicação e
amor aos filhos e netos. Obrigada pela minha formação social e pelos incentivos aos estudos.
Amarei-te sempre!
Ao meu marido Ricardo Correia, pelo grande suporte durante toda a minha formação
acadêmica. Obrigada pela imensa paciência mesmo quando não era para tê-la. Te amo!
A minha filha Yasmin Correia, pela paciência durante a elaboração desta dissertação e
pelo tempo não compartilhado. Mas, fique sabendo que mesmo se eu tivesse em minhas mãos
todas as coisas belas da vida e todo o perfume das rosas, nada teria sentido se eu não tivesse o
presente mais valioso que a vida me deu: você, a flor que embeleza o meu jardim. Eu só tenho
a agradecer por você existir em minha vida. Te amo muito!
À minha orientadora Emília Moreira, por quem nutro o mais profundo respeito e
admiração, principalmente, por ter realizado meu grande sonho de trabalhar com pesquisas
sob sua coordenação. Acima de tudo, ela foi amiga e companheira sempre me orientando para
os caminhos certos a serem seguidos e ainda se fez mais do que presente em todos os
momentos desta dissertação de mestrado, me dando apoio incondicional que fez dela meu
porto seguro nos momentos mais difíceis da minha vida. Sem dúvida alguma, a realização
deste trabalho só foi possível graças à sua colaboração direta, até mesmo financeiramente, já
que o valor da Bolsa Capes de mestrado algumas vezes foi insuficiente para atender às
necessidades desta pesquisa. Por isso, manifesto a minha imensa gratidão na conclusão desta
dissertação.
À Capes pela bolsa de estudos no período de março de 2009 a março de 2011.
À minha amiga Ana Maria Gomes Santos, pela constante presença e ajuda
imprescindível nos trabalhos de campo, bem como à sua família que acolheu a mim, a minha
orientadora e aos membros da pesquisa em sua residência nos possibilitando uma condição de
alojamento privilegiada e fundamental para a nossa pesquisa de campo.
À Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) do município de
Nova Floresta, que através de seus engenheiros agrônomos, facilitou o nosso trabalho de
campo nos acompanhando até às unidades de produção camponesas situadas nas comunidades
rurais e no assentamento APROUNI, além de nos ceder alguns documentos que foram
necessários para a elaboração desta pesquisa. Destaco a ajuda imprescindível de Audivam
Azevedo da Silva, que esteve presente sempre que nós solicitávamos. Sou muito grata.
Aos colegas do Centro de Educação Popular e Formação Sindical (CEPFS) do
município de Teixeira: José Dias Campos; José Rêgo Neto, Aurilene Venâncio de Holanda,
Kelly Betânia Monteiro Batista e Edmilson Alves, que apoiaram esta pesquisa nos
concedendo alojamento e transporte na realização da pesquisa de campo. Destaco a
importância de José Rêgo Neto, que acompanhou e facilitou o nosso acesso às famílias
camponesas deste município. Sou muito grata.
Ao Prefeito de Nova Floresta, João Elias da Silveira Azevedo (popularmente
conhecido como “Meu Louro”), pela disponibilidade de transporte para a realização do
trabalho de campo. Obrigada!
À professora Ana Madruga, pela paciência em passar seus conhecimentos sem
restrições e, sobretudo, pela confiança no empréstimo de seus livros sempre que foi preciso.
À professora Maria Franco pela amizade e pelo exemplo de perseverança.
À Professora Alexandrina Luz Conceição por ter aceitado o convite na participação da
banca examinadora e pelas contribuições valiosas na qualificação desta pesquisa. Obrigada!
Ao Professor Anieres Barbosa da Silva por ter concordado em ser membro da banca
examinadora e, principalmente, pela disponibilidade de suas orientações quando eu o
procurei. Obrigada também pelo crédito e confiança no empréstimo de livros da sua sala.
Obrigada!
Aos amigos queridos do Grupo de Estudo sobre Trabalho, Espaço e Campesinato
(GETEC): Noemi, Elton, Lidiane, Michel, Jossandra, Áurea, Luana, Pablo, Nielson, Caio,
Gustavo, Leandro, Juliano e Éricson. Obrigada pela convivência harmoniosa e de incentivos
recíprocos.
À Elton e Pablo pela ajuda na sistematização dos dados do IBGE e na confecção de
tabelas e gráficos. Obrigada pela força!
À Lidiane, Michel e Elton pela disponibilidade no trabalho de campo de Teixeira.
Obrigada, vocês nunca faltaram com palavras e apoio moral.
À Noemi Paes Freire pela amizade, alegria, sabedoria e por ter me recebido com muita
alegria nas vezes que fui à sua casa. Obrigada pelo bem estar que me proporcionou durante
toda a nossa trajetória acadêmica. Sou sua fã.
Ao meu amigo de todas as horas, Éricson da Nóbrega Torres, pela confiança e
perseverança.
À Sônia pela constante ajuda nas horas necessárias.
Aos meus amigos da turma 2009 do mestrado que trilharam comigo os mesmos
caminhos e objetivos: Elianete, Shauane, Nicole, Henrique, Ilana, Péricles, Jussara, Rafaela,
Dilson, Jean, Marquilene, Welington, Joseilton, Leandro, Altemar, David. Obrigada pela
convivência harmoniosa.
Aos professores do Programa de Pós-gradução em Geografia, pelas disciplinas
oferecidas que foram importantes para a minha formação.
Aos amigos da AGB (João Pessoa) que conquistei durante a trajetória do mestrado, se
aqui fossem citados, escreveria diversas linhas. Obrigada pelas mudanças e pelos resultados
alcançados em tão pouco tempo.
Enfim, a todos que contribuíram direta ou indiretamente para minha formação neste
mestrado.
Um pedaço de terra
Uma casinha de taipa
É o bastante
Com a enxada na mão
A gente ganha o pão
E vai avante
Essa mão calejada, danada
Que ainda não cansou
Essa pele morena
Que o sol queimou
É a identidade
De um bom cidadão
Que está querendo
Um pedaço de terra
Pra ganhar o pão
Se isso acontecer
Maria vai gostar
A meninada enche o bucho
Pára de chorar
Toda semana lá em casa
Vai ter um forró
Quero ver rapaziada
Levantando o pó
A galinha corcoreja
Meu cabrito berra
Meu pedacinho de terra
Vai ser meu xodó
Baião agrário de Luiz Gonzaga
RESUMO
Praticamente quatro autores clássicos são responsáveis pela construção do arcabouço teórico
que norteia as discussões sobre o desenvolvimento agrário: Marx, Lênin, Kautsky e
Chayanov. Marx defende a tese de que a agricultura, como os demais setores da economia,
seguiria as leis gerais do desenvolvimento capitalista; Lênin enfatiza o processo de
diferenciação social ao qual estariam fatalmente submetidos os camponeses; Kautsky destaca
a especificidade da agricultura no processo de desenvolvimento capitalista ressaltando a
superioridade técnica da grande produção sobre a produção familiar e; Chayanov defende a
tese de que a produção camponesa é ao mesmo tempo uma unidade de consumo e de
produção cuja organização está pautada no balanço entre estes dois elementos. Essas
diferentes teses podem ser integradas em duas correntes teóricas que se contrapõem: a que
preconiza o fim do campesinato com a expansão do capitalismo no campo e a que pressupõe
que o desenvolvimento do capitalismo no campo é responsável tanto pela criação de relações
capitalistas de produção como pela criação de relações não capitalistas, ou seja, que a
resistência e a recriação camponesa decorrem do próprio movimento contraditório e desigual
do capitalismo. No Brasil essa discussão permanece atual e tem sido abordada tanto por
autores agraristas como por geógrafos agrários. Este trabalho recupera a discussão clássica
sobre o papel do campesinato no desenvolvimento do capitalismo agrário e o debate levado a
efeito sobre a mesma por alguns autores agraristas e geógrafos agrários brasileiros.
Defendendo, no caso do Brasil, que a expansão do capital no campo não promoveu o fim do
campesinato, mas que este resiste e se recria sob o capitalismo. Este trabalho estuda as formas
assumidas por estes processos em dois municípios do semi-árido paraibano: Nova Floresta e
Teixeira. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica e documental e da análise de dados
secundários, o estudo pautou-se em ampla pesquisa empírica. Do ponto de vista conceitual ele
privilegia os conceitos de campesinato, espaço, território, resistência e recriação camponesa.
Constata-se, nos municípios estudados, que o campesinato resiste e se recria de diversas
formas, subordinado à lógica do desenvolvimento capitalista o qual, ao mesmo tempo em que
monopoliza a produção camponesa, permite a sua reprodução. Por sua vez, esses processos se
reproduzem e se expressam na forma como se organiza e se estrutura o espaço agrário
municipal.
Palavras-chave: Campesinato; Recriação camponesa; Resistência Camponesa; Nova
Floresta; Teixeira.
RESUMEN
Prácticamente son cuatro autores clásicos los responsables por la construcción de un marco
teórico que guía a los debates sobre el desarrollo agrario: Marx, Lenin, Kautsky y Chayanov.
Marx defiende la tesis de que la agricultura, como los otros sectores de la economía, va a
seguir las leyes generales del desarrollo capitalista; Lenin hace énfasis en el proceso de
diferenciación social por lo cuál fatalmente estarian sometidos los campesinos; Kautsky
destaca la naturaleza especial de la agricultura en el proceso de desarrollo capitalista
destacando la superioridad técnica de la gran producción en la producción familiar y
Chayanov defiende la tesis de que la producción campesina , és al mismo tiempo una unidad
de consumo y producción cuya organización se basa en el equilibrio entre estos dos
elementos. Estas diversas tesis pueden ser integrados en dos corrientes teóricas que se
oponen: la que defiende la extinción de los campesinos con la expansión del capitalismo en el
campo y a la cual presupone que el desarrollo del capitalismo en el campo es responsable
tanto por la creación de relaciones capitalistas de producción cuanto por la creación de
relaciones no capitalistas, es decir, que la resistencia y la recreación de los campesinos
proceden de lo propio movimiento contradictorio y desigual del capitalismo. En Brasil, este
debate sigue siendo actual y ha sido dirigido tanto por los autores agraristas como por los
geógrafos de la Geografía Agraria. Este trabajo recupera el debate clásico sobre el papel del
campesinado en el desarrollo del capitalismo agrario y los debates sobre el mismo por algunos
autores agraristas y geógrafos agrarios brasileños. Creemos en el caso de Brasil, que la
expansión del capital en el campo no promovió la extinción de los campesinos, todavía ellos
resisten y se recrean en el capitalismo. Este trabajo estudia las formas asumidas por estos
procesos en dos municipios de la región semiárida de la Paraíba: Nova Floresta y Teixeira.
Para eso, además de la investigación bibliográfica y documental y el análisis de datos
secundarios, el estudio se basa en una extensa investigación empírica. Desde el punto de vista
conceptual se centra en los conceptos del campesinado, espacio, territorio, resistencia
campesina y su recreación. Está claro, en las ciudades estudiadas, que el campesinado resiste
y se recrea en sus diversas formas, sujeto a la lógica del desarrollo capitalista que, al mismo
tiempo que monopoliza la producción campesina, permite su reproducción. A su vez, estos
procesos se reproducen y se expresan en la manera que se organiza y se estructura el espacio
agrario municipal.
Palabras clave: campesinado; recreación campesina; resistencia campesina; Nova Floresta;
Teixeira.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACOTUN
Associação dos Trabalhadores Unidos da Comunidade Boi Morto
AIT
Associação Internacional dos Trabalhadores
APROUNI
Associação Comunitária dos Produtores da União
ASA
Articulação do Semiárido
BSCs
Banco de Sementes Comunitário
CFCPR
Crédito Fundiário de Combate à Pobreza Rural
CEPFS
Centro de Educação Popular e Formação Sindical
CNPq
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONTAG
Confederação Nacional dos trabalhadores na Agricultura
EMBRATER
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMATER
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba
FETRAF-SUL
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar na Região Sul
FHC
Fernando Henrique Cardoso
GETEC
Grupo de Estudos sobre Trabalho, Espaço e Campesinato
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
INCRA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INTERPA
Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba
MDA
Ministério de Desenvolvimento Agrário
MIR
Comuna Agrária Russa
PAM
Produção Agrícola Municipal
PIBIC
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PRONAF
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROCERA
Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária
PRONART
Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios
PRONERA
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PCA
Paradigma do Capitalismo Agrário
PCB
Partido Comunista Brasileiro
PCA
Paradigma do Capitalismo Agrário
PCPR
Programa de Combate a Pobreza Rural
PQA
Paradigma da Questão Agrária
SEMILUSO
Seminário Luso-Brasileiro Caboverdiano
SIBRAER
Sistema brasileiro de Extensão Rural
SDT
Secretaria de Desenvolvimento Territorial
STR
Sindicato dos Trabalhadores Rurais
UFPB
Universidade Federal da Paraíba
UNACT
Associação Comunitária do Município de Teixeira
LISTA DE MAPAS
Mapa 1
Mapa de localização das comunidades rurais e do assentamento de
Poços de Baixo em Teixeira................................................................
Mapa 2
Mapa de localização das comunidades rurais e do Assentamento
APROUNI em Nova Floresta.............................................................
Mapa 3
32
33
Mapa de localização dos municípios de Nova Floresta e
Teixeira................................................................................................
114
Mapa 4
Mapa pedológico de Nova Floresta....................................................
151
Mapa 5
Mapa pedológico de Teixeira..............................................................
157
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Paisagem da área de caatinga em Nova Floresta.................................
115
Figura 2
Paisagem da área subúmida de serra de Nova Floresta.......................
115
Figura 3
Alinhamento da serra de Teixeira........................................................
117
Figura 4
Assentamento Poços de Baixo no município de Teixeira...................
145
Figura 5
Assentamento APROUNI em Nova Floresta.....................................
146
Figura 6
Unidade
de
produção
camponesa
abandonada
em
Nova
Floresta................................................................................................
Figura 7
147
Feijão macacar produzido pelos camponeses da região semiárida de
Nova Floresta......................................................................................
152
Figura 8
Maracujá cultivado na região serrana de Nova Floresta.....................
153
Figura 9
Tipo de poço tubular de uma unidade camponesa da região
semiárida de Nova Floresta.................................................................
Figura 10
154
Tanque natural em fenda de rocha na ACOTUN em Nova
Floresta................................................................................................
154
Figura 11
Pinha colhida na região semiárida de Nova Floresta..........................
155
Figura 12
Horta organizada em canteiros no município de Teixeira..................
156
Figura 13
Camponês que cultiva cenoura irrigada na comunidade São
Francisco em Teixeira.........................................................................
Figura 14
Camponês em seu roçado de milho na Comunidade Riacho Verde
159
em Teixeira.........................................................................................
Figura 15
159
A criação de gado numa unidade de produção camponesa em Nova
Floresta...............................................................................................
161
Figura 16
Camponês após o corte do miolo do sisal em Nova Floresta.............
161
Figura 17
Miolo do sisal pronto para a alimentação do gado em nova
Floresta...............................................................................................
Figura 18
Camponês alimentando o gado com o miolo do sisal em Nova
Floresta...............................................................................................
Figura 19
161
162
Coelhos e preás se alimentando do capim e de restos de frutas em
Teixeira................................................................................................
163
Figura 20
Galinhas se alimentando do milho em Teixeira..................................
163
Figura 21
Porcos se alimentando de restos de culturas agrícolas em
Teixeira...............................................................................................
164
Figura 22
Patos procurando frutas caídas no chão em Nova Floresta................
164
Figura 23
Preparo do solo feito a tração animal em Teixeira..............................
171
Figura 24
Camponesa com as sementes selecionadas por ela em sua
propriedade em Teixeira.....................................................................
Figura 25
Processo
de
beneficiamento
do
feijão
com
uso
173
da
debulhadeira........................................................................................
179
Figura 26
Escoamento do feijão macaçar pelos atravessadores..........................
180
Figura 27
Atravessador negociando à produção do feijão macacar em Nova
Floresta................................................................................................
181
Figura 28
Produção consorciada de milho e feijão em Nova Floresta................
185
Figura 29
Macaxeira após ser colhida manualmente pelo camponês em Nova
Floresta...............................................................................................
Figura 30
Cultiva de macaxeira numa unidade de produção camponesa em
Nova Floresta......................................................................................
Figura 31
189
Colheita do caju numa unidade de produção camponesa em
Teixeira................................................................................................
Figura 33
188
Plantio da batata-doce no Assentamento Poços de Baixo em
Teixeira...............................................................................................
Figura 32
188
194
Ordenamento territorial de uma unidade de produção camponesa na
região serrana de Nova Floresta..........................................................
198
Figura 34
Pai e filho trabalhando no plantio da batata-doce em Teixeira...........
Figura 35
Jovem trabalhando no beneficiamento do feijão macacar nova
Floresta................................................................................................
Figura 36
212
Mulheres camponesas trabalhando no beneficiamento do feijão
macacar................................................................................................
Figura 38
212
Idoso trabalhando no beneficiamento do feijão macacar em Nova
Floresta................................................................................................
Figura 37
212
214
Camponês produtor agrícola e atravessador negociando a produção
de cenoura em Teixeira.......................................................................
221
Figura 39
Prédio do STR....................................................................................
229
Figura 40
Presidente do STR de Teixeira...........................................................
229
Figura 41
Camponeses
esperando
atendimento
no
STR
de
Teixeira...............................................................................................
Figuras
Unidade camponesa Canteiro Cheiro Verde comercializando na
42 e 43
feira livre de Nova Floresta................................................................
Figura 44
Camponeses do Canteiro Cheiro Verde comercializando na feira
livre de Nova Floresta.........................................................................
Figuras
Cultivo de maracujá e goiaba em Nova Floresta................................
45 e 46
............................................................................................................
Figura 47
Goiaba colhida na unidade de produção pesquisada em Nova
Floresta...............................................................................................
Figura 48
229
233
234
235
236
Camponês se assalariando na produção da goiaba em Nova
Floresta...............................................................................................
236
Figuras
Cisterna de placa e casa de farinha em Teixeira.................................
49 e 50
............................................................................................................
238
Figura 51
Camponeses na reunião da UNACT..................................................
241
Figura 52
Tanque em fenda de rocha na Comunidade Fava de Cheiro em
Teixeira...............................................................................................
Figura 53
Barragem subterrânea na Comunidade Santo Agostinho em
Teixeira...............................................................................................
Figura 54
Figura 55
244
245
Tanque em fenda de rocha na Comunidade Riacho Verde em
Teixeira...............................................................................................
245
Sistema de captação de água através de cisterna em Teixeira............
245
Figura 56
Jumento transportando água em Teixeira...........................................
Figuras
Bancos de sementes comunitária das comunidades de Riacho Verde
57 e 58
e Fava de Cheiro em Teixeira..............................................................
Figura 59
Camponesas que são presidentes das associações comunitárias na
reunião da UNACT em Teixeira..........................................................
Figuras
Equipamentos
utilizados
no
beneficiamento
das
frutas
60 e 61
comunidade Poços de Baixo em Teixeira............................................
Figuras
Utensílios domésticos organizados na estante e polpas armazenadas
62 e 63
num freezer..........................................................................................
Figura 64
Camponês e sua mandalla na Comunidade de Monte Videu em
251
254
255
256
Camponesa olhando a rua da janela da sua porta em Nova
Floresta................................................................................................
Figura 68
251
Horticultura, plantas, frutíferas e medicinais na mandalla de uma
unidade camponesa em Nova Floresta................................................
Figura 67
249
Círculos de canteiros de hortaliças em torno do tanque central da
mandalla em Nova Floresta.................................................................
Figura 66
248
na
Nova Floresta......................................................................................
Figura 65
246
259
Santuário na Associação Comunitária dos Pequenos Produtores de
Riacho Verde em Teixeira...................................................................
Figuras
Casa rústica com antenas parabólicas e eletrodomésticos de
69 e 70
camponês em Nova Floresta...............................................................
Figura 71
Fogão à lenha numa unidade de produção camponesa de
Teixeira...............................................................................................
261
263
263
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1
Evolução da área plantada com lavouras temporárias em Nova
Floresta.............................................................................................
Gráfico 2
Evolução da área plantada com lavouras temporárias em
Teixeira.............................................................................................
Gráfico 3
130
Composição por sexo e idade da população residente nas unidades
produtivas de Nova Floresta............................................................
Gráfico 6
130
Evolução da área plantada com lavouras permanentes em
Teixeira.............................................................................................
Gráfico 5
129
Evolução da área plantada com lavouras permanentes em Nova
Floresta............................................................................................
Gráfico 4
129
139
Composição por sexo e idade da população residente nas unidades
produtivas de Teixeira......................................................................
140
Gráfico 7
Tamanho das unidades produtivas visitadas em Teixeira................
143
Gráfico 8
Tamanho das unidades produtivas visitadas em Nova Floresta......
144
Gráfico 9
Percentual dos camponeses que comercializam o excedente das
variedades de feijão em Nova Floresta............................................
Gráfico 10
Percentual dos camponeses que comercializam o excedente das
variedade de feijão..........................................................................
Gráfico 11
184
Percentual dos camponeses que comercializam o excedente do
milho em Nova Floresta...................................................................
Gráfico 12
184
186
Percentual das unidades de produção camponesas que cultivam o
maracujá nas duas regiões naturais de Nova Floresta......................
190
Gráfico 13
Condição de acesso a terra dos produtores entrevistados...............
206
Gráfico 14
Condição de acesso à terra dos produtores entrevistados em
Teixeira.............................................................................................
Gráfico 15
Condição de acesso à terra dos produtores entrevistados em Nova
Floresta.............................................................................................
Gráfico 16
207
Unidades de produção camponesa segundo o tipo de trabalho
utilizado em Teixeira........................................................................
Gráfico 17
206
208
Percentual dos camponeses que complementam a renda com o
trabalho assalariado em Nova Floresta.............................................
216
Gráfico 18
Percentual dos camponeses que complementam a renda com o
trabalho assalariado em Teixeira.......................................................
Gráfico 19
Camponeses que utilizam a parceria como atividade acessória em
relação ao total de entrevistados em Nova floresta..........................
Gráfico 20
219
Camponeses que combinam o trabalho agrícola com atividades
não agrícolas em Nova Floresta.......................................................
Gráfico 22
218
Camponeses que utilizam a parceria como atividade acessória em
relação ao total de entrevistados em Teixeira...................................
Gráfico 21
217
222
Camponeses que combinam o trabalho agrícola com atividades
não agrícolas Teixeira.......................................................................
222
Gráfico 23
Camponeses que tiveram acesso ao PRONAF em Teixeira.............
231
Gráfico 24
Camponeses que tiveram acesso ao PRONAF em Nova Floresta...
232
Gráfico 25
Famílias camponesas entrevistadas que participam do FRS em
Teixeira..............................................................................................
Gráfico 26
243
Famílias camponesas entrevistadas que tiveram acesso aos
projetos do CEPFS em Teixeira........................................................
243
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Rebanho de grande e médio portes em Nova Floresta........................
131
Tabela 2
Rebanho de grande e médio portes em Teixeira..................................
132
Tabela 3
Produtores rurais segundo a condição em Nova Floresta e
Teixeira/2006.......................................................................................
133
Tabela 4
Estrutura fundiária de Nova Floresta/2006..........................................
134
Tabela 5
Estrutura fundiária de Teixeira/2006...................................................
134
Tabela 6
Estrutura fundiária do estado da Paraíba/2006....................................
135
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Calendário agrícola das principais culturas de Nova Floresta e
Teixeira................................................................................................
166
LISTA DE CROQUIS
Croqui 1
Exemplo da ordenação territorial de uma unidade de produção
camponesa na região subúmida/serrana...............................................
Croqui 2
Exemplo da ordenação territorial de uma unidade de produção
camponesa na região semiárida/caatinga.............................................
Croqui 3
200
201
Exemplo da ordenação territorial de uma unidade de produção
camponesa em Teixeira.......................................................................
202
LISTA DE ORGANOGRAMAS
Organograma 1
Esquema das tarefas agrícolas nas unidades de produção
camponesa de Teixeira e Nova Floresta..................................
Organograma 2
168
Fatores externos que redefinem a forma de recriação do
campesinato............................................................................... 175
Organograma 3 Circulação do feijão macaçar e de outras variedades de feijão
em Nova Floresta......................................................................
181
Organograma 4
Circulação da produção do maracujá de Nova Floresta............ 193
Organograma 5
Relação entre consumidores e trabalhadores nas unidades de
produção camponesas de Nova Floresta...................................
Organograma 6
209
Relação entre consumidores e trabalhadores nas unidades de
produção camponesas de Teixeira............................................
210
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
.................................................................................................
CAPITALISMO
E
CAMPESINATO
NA
23
TEORIA
MARXISTA......................................................................................
37
1.1
A questão do campesinato no pensamento de Karl Marx..................
37
1.2
O campesinato na concepção de Kautsky e Lênin: teóricos
marxistas ortodoxos ou heterodoxos?................................................
1.3
57
O campesinato no marxismo heterodoxo: a teoria dos “espaços
vazios do capitalismo” de Rosa Luxemburgo e a teoria da economia
camponesa de Alexander Chayanov..................................................
2
O
DEBATE
SOBRE
O
CAMPESINATO
68
NO
DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NO CAMPO
BRASILEIRO..................................................................................
2.1
78
Desaparecimento versus recriação do campesinato: um controverso
debate................................................................................................
2.2
78
Resistência e território camponês: o local na construção da
autonomia camponesa........................................................................
3
PROCESSO
HISTÓRICO
DE
FORMAÇÃO
101
E
ORGANIZAÇÃO ATUAL DO ESPAÇO AGRÁRIO DE NOVA
FLORESTA E TEIXEIRA.............................................................
113
3.1
Aspectos locacionais e ambientais de Nova Floresta e Teixeira........
113
3.2
O processo histórico de produção do espaço agrário de Nova
Floresta e Teixeira...............................................................................
119
3.2.1
O Processo histórico de produção do espaço agrário de Teixeira......
121
3.2.2
O processo histórico de produção do espaço agrário de Nova
Floresta...............................................................................................
3.3
3.3.1
126
A organização atual do espaço agrário dos municípios de Teixeira e
Nova Floresta.....................................................................................
128
A organização recente da produção agropecuário..............................
128
3.3.2
Relações de trabalho e estrutura fundiária..........................................
133
3.3.3
O padrão técnico da agricultura..........................................................
135
4
RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA: AS FORMAS
DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO.......................................
138
4.1
Caracterização do campesinato...........................................................
138
4.2
A autonomia camponesa no processo produtivo: a organização da
produção.............................................................................................
149
4.2.1
A organização da produção................................................................
149
4.2.1.1
O calendário agrícola e as etapas do processo produtivo...................
164
4.2.1.2
As principais culturas agrícolas, seus ciclos e seu processo de
produção e comercialização................................................................
5
RESISTÊNCIA
E
RECRIAÇÃO
CAMPONESA:
176
A
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, A AÇÃO DE AGENTES
EXTERNOS,
OS
COSTUMES
E
VALORES
CAMPONESES................................................................................
205
5.1
A organização do trabalho..................................................................
205
5.1.1
O trabalho familiar..............................................................................
207
5.1.2
O trabalho acessório............................................................................
214
5.2
A atuação dos agentes externos junto aos camponeses de Nova
Floresta e Teixeira...............................................................................
223
5.2.1
A ação do Estado...............................................................................
223
5.2.2
A atuação das ONGs.........................................................................
239
5.2.2.1
A atuação do CEPFS no município de Teixeira................................
239
5.2.2.2
A atuação da Agência Mandalla em Nova Floresta...........................
252
5.3
Costumes e valores como formas de resistência e recriação
camponesa..........................................................................................
257
...........................................................................
266
REFERÊNCIAS ................................................................................................
274
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ANEXOS
INTRODUÇÃO
23
INTRODUÇÃO
O debate sobre o papel do campesinato no desenvolvimento do capitalismo no campo
não é recente, surgiu na Europa no final do século XIX e início do século XX, mas permanece
vivo em pleno século XXI. Ele contrapõe duas correntes do pensamento marxista: a que se
baseia nos pressupostos teóricos e metodológicos de Marx, Kautsky e Lênin e preconiza o
desaparecimento do campesinato com a expansão do capitalismo no campo e a que,
influenciada pelas idéias de Rosa Luxemburgo e Chayanov preconiza que o desenvolvimento
do capitalismo no campo é responsável pela criação e recriação de relações não tipicamente
capitalista de produção como a camponesa, bem como pela geração de relações tipicamente
capitalistas como a assalariada. Essa corrente acredita na resistência e recriação camponesa
pelo próprio movimento contraditório e desigual do capitalismo.
No Brasil, as transformações ocorridas no campo na segunda metade do século XX,
com a denominada “revolução verde”, e os seus impactos sobre a estrutura fundiária, o padrão
técnico da agricultura, as relações sociais de produção, promovendo a expulsão de milhares de
trabalhadores rurais, são responsáveis pelo agravamento das tensões sociais, pela eclosão de
conflitos agrários e pelo surgimento de movimentos sociais no campo. Tudo isso contribuiu
para reacender o debate sobre a questão agrária brasileira e sobre o destino do campesinato no
desenvolvimento capitalista. São muitos os estudiosos que têm se preocupado com esta
questão seja corroborando a tese do fim do campesinato seja defendendo a idéia da resistência
e recriação camponesa.
Podemos destacar entre os estudiosos da questão agrária brasileira que se preocuparam
e/ou se preocupam em discutir a questão camponesa, Alberto Passos Guimarães, Caio Prado
Júnior, José Graziano da Silva, José de Sousa Martins, Ricardo Abramovay, José Eli Veiga
além de outros.
Na geografia agrária brasileira o tema ganha relevância a partir de estudos realizados
por Orlando Valverde, Manoel Correia de Andrade e Ariovaldo Umbelino de Oliveira.
Convém destacar, de modo especial, o importante papel desempenhado por Ariovaldo
Umbelino de Oliveira cuja tese de doutorado fortalece dentro da geografia agrária a
24
incorporação dos conceitos básicos do materialismo dialético e abre espaço para a discussão
da questão camponesa pela geografia no âmbito dessa matriz filosófica. É justamente a partir
da publicação dos trabalhos deste autor que se multiplica na geografia agrária brasileira uma
produção científica sobre a temática do campesinato em forma de livros, artigos em eventos,
monografias, dissertações e teses com abordagens diversas.
Vale ressaltar entre os estudiosos do tema, aqueles que nós tivemos oportunidade de
consultar além dos autores mencionados, quais sejam: Bernardo Mançano Fernandes; Larissa
Mies Bombardi; Eliane Tomiasi Paulino; Rosemeire Aparecida de Almeida; Valéria de
Marcos; João Edmilson Fabrini; Alexandrina Luz Conceição; Suzane Tosta Souza além de
outros. Na Paraíba, Emilia Moreira, Maria Franco Garcia e Maria de Fátima Ferreira
Rodrigues, por diversos caminhos têm despertado o interesse de estudantes para dar
continuidade aos estudos sobre o campesinato através da realização de curso de PósGraduação em nível de mestrado e doutorado.
A oportunidade que eu tive em participar de vários projetos de pesquisa que tiveram
como foco a agricultura camponesa despertou o meu interesse pelo tema. O primeiro contato
aconteceu desde o terceiro período da graduação quando cursei a disciplina “Geografia
Regional da Paraíba” ministrada pela professora Dra. Emília Moreira. Foi a partir do contato
com essa disciplina que construí o meu primeiro artigo científico sobre campesinato,
apresentado no I Seminário Luso-Brasileiro Caboverdiano (I SEMILUSO) realizado na
Paraíba em 2006. Daí em diante surgiram vários convites para participar de diversos grupos
de estudo existentes no Departamento de Geociências da UFPB. Todavia, eu me identifiquei
com um grupo que ainda estava em processo de criação e cujos objetivos tinham muito a ver
com minhas aspirações e me candidatei para participar do mesmo. Trata-se do “Grupo de
Estudos sobre Trabalho, Espaço e Campesinato” (GETEC), coordenado pela Profª Emília
Moreira.
Após dois meses de participação no GETEC, fui contemplada com uma bolsa do
Programa de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/UFPB, no âmbito de um projeto coordenado
pela mencionada professora. Tratava-se do projeto “Espaço agrário paraibano: a organização
da produção e do trabalho”, financiado pelo CNPq. A mim coube estudar “A organização da
produção e do trabalho no espaço agrário de Nova Floresta -PB”. O objetivo era caracterizar e
identificar as diferentes formas de organização da produção e do trabalho nas menores
25
unidades camponesas de produção do município de Nova Floresta à luz da discussão sobre
espaço e campesinato.
Nos
anos
seguintes,
entre
2007
e
2008,
continuei
sendo
bolsista
do
PIBIC/CNPq/UFPB, sob a orientação da mesma orientadora. Nesse segundo momento
participei de outro projeto denominado “Terra de produção, terra de trabalho e terra de vida: a
organização da produção e do trabalho na agricultura de base familiar paraibana”. Neste
projeto dei continuidade aos estudos realizados em Nova Floresta dando ênfase as
experiências exitosas de organização da produção camponesa identificadas no primeiro
estudo. Paralelamente, me integrei como pesquisadora do GETEC num projeto internacional
também de responsabilidade de nossa orientadora que aborda a questão do desenvolvimento
territorial e as práticas agrícolas sustentáveis em regiões com risco de desertificação no Brasil,
em Portugal e Cabo Verde. A partir de então tive a oportunidade de começar a estudar o
campesinato do município de Teixeira, também situado no semiárido paraibano, procurando
entender à ação de agentes externos na territorialização de práticas agrícolas sustentáveis no
interior da agricultura camponesa.
A experiência de iniciação à pesquisa me propiciou a oportunidade que buscava para
ampliar meus conhecimentos sobre espaço e campesinato, para por em prática e apreender as
diversas metodologias de pesquisa através de procedimentos, instrumentos e técnicas
diversas. Ela também me estimulou a dar continuidade aos estudos buscando meu
aprimoramento.
A minha monografia de conclusão do curso de bacharelado denominada “Espaço
agrário e campesinato: o caso do município de Nova Floresta” resultou dos estudos efetuados
na minha primeira pesquisa de iniciação científica.
A participação em um grupo de pesquisa e no Programa de Bolsas de Iniciação
Científica do CNPq/UFPB abriu caminhos para a minha participação em eventos acadêmicos,
não somente da Geografia, mas também de áreas afins como Economia, História e Sociologia,
o que muito contribuiu para ampliar os horizontes do meu conhecimento científico.
Levando em consideração a experiência e o conhecimento acumulado durante as
pesquisas realizadas bem como a necessidade de aprofundar o debate introduzido na
monografia concluída, resolvi no mestrado, em nível de dissertação, dar continuidade ao
estudo do campesinato nos municípios anteriormente estudados. A finalidade é dar um novo
direcionamento ao estudo através de um recorte sobre as formas de resistência e recriação do
26
campesinato. Para tanto se fez necessário vários retornos ao campo com um novo olhar que
me permitiu agora uma compreensão diferenciada, embora articulada àquela anteriormente
desenvolvida, sobre a organização da produção e do trabalho camponês e sua expressão no
território.
O trabalho aqui apresentado é fruto desse processo. Ele tem como objetivo principal
estudar as formas de resistência e (re)criação camponesa em dois municípios do semiárido
paraibano, Nova Floresta e Teixeira, sem perder de vista que estes processos acham-se
intrinsecamente relacionados à forma como se organiza e se estrutura o espaço agrário nas
sociedades dominadas pelo modo de produção capitalista.
Para tanto buscou-se: a) analisar o papel do campesinato no desenvolvimento do
capitalismo no campo no pensamento de Marx e na teoria marxista; b) analisar o campesinato
dentro do desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro sob a ótica de alguns
estudiosos da Geografia e áreas afins, que em alguns momentos buscaram explicações nas
teorias clássicas para compreender a realidade brasileira; c) resgatar o processo histórico de
produção e a organização atual do espaço agrário dos municípios estudados buscando
entender nestes, como surgiu e como se apresenta atualmente a agricultura camponesa; d)
identificar e caracterizar as formas de resistência e de recriação camponesa pelo viés da
organização da produção e do trabalho, da ação de agentes externos e dos costumes e valores
dos camponeses.
Do ponto de vista teórico-conceitual, busquei apoio em várias disciplinas cursadas no
mestrado e em muitas leituras realizadas buscando não apenas o aprimoramento do meu
conhecimento, mas também, e, sobretudo, me dar a oportunidade de aprender com os
clássicos do marxismo, o papel do campesinato no desenvolvimento capitalista através de
seus diversos olhares no tempo e no espaço. Este foi um exercício muito importante que me
ajudou a desvendar muitos aspectos da questão camponesa sob o capitalismo que até então eu
não havia tido a possibilidade de visualizar.
No que se refere aos aspectos conceituais, optei por trabalhar com os conceitos de
campesinato, espaço, território, resistência e recriação camponesa.
Sobre o conceito de campesinato me pautei nos autores anteriormente mencionados
que abordam diferentes visões sobre o futuro do campesinato no desenvolvimento do
capitalismo.
27
Sobre espaço, me pautei na abordagem de Milton Santos (2008), que o considera um
produto social que foi transformado pelo trabalho humano ao longo do tempo histórico.
A porção do espaço apropriada pelo homem constitui o território. Este, em sociedades
capitalistas como a brasileira, é fundamentalmente um elemento de disputa. No campo, essa
disputa se dá entre o latifúndio e o minifúndio. A abordagem sobre o território foi realizada
com base na percepção de Raffestin (1993) e de Fernandes (2008).
Sobre a concepção de resistência camponesa me apoiei na abordagem realizada por
Fabrini (2008) que a compreende como um processo que se expande para além dos
movimentos sociais e que também é influenciado por forças locais materializadas no território
camponês.
No que se refere à recriação camponesa, entendemos que esta é fruto do processo
contraditório do próprio movimento do modo de produção capitalista. Para defender esse
pressuposto me pautei nas obras de agraristas clássicos, de geógrafos e estudiosos de ciências
afins contemporâneos.
É neste contexto que se encontra a hipótese central deste trabalho, de que o próprio
capital cria e recria relações não-capitalistas de produção como a camponesa nos municípios
de Nova Floresta e Teixeira.
2 – Metodologia
A dialética, na sua concepção moderna, como afirma Konder (2003), “é o modo de
pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como
essencialmente contraditória e em permanente transformação” (p.8).
Lênin, afirma que, segundo o método dialético:
O mundo se encontra em perpétuo movimento, num perpétuo processo de
destruição e de criação e que, por conseguinte, todo fenômeno, seja na
natureza como na sociedade, deve ser considerado no seu movimento, no
processo de destruição e de criação e não como algo cristalizado e imóvel
(http://www.comunismo.com.br/textlen3.html).
É neste sentido que buscamos entender a realidade do campesinato nos municípios
estudados.
Para explicar a sobrevivência do campesinato num espaço estruturado segundo a
lógica do modelo de desenvolvimento capitalista vimos a necessidade de buscar apoio na
28
leitura de alguns clássicos do marxismo, sobre sua percepção quanto ao destino do
campesinato no desenvolvimento capitalista e também na leitura de outros autores modernos
brasileiros e estrangeiros que fazem uma releitura da teoria marxista clássica. Temos
consciência tanto dos nossos limites quanto do desafio aí implicados bem como da
importância dessas leituras para nossa formação acadêmica e cidadã.
No que se refere à metodologia de pesquisa adotada para levar a termo a proposta de
trabalho, esta compreendeu: a) ampla pesquisa bibliográfica e documental; b) levantamento
de dados secundários no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através do
Censo Agropecuário de 2006, e da publicação Produção Agrícola Municipal (PAM) referente
ao período compreendido entre 1994 e 2006. Os dados levantados permitem a análise da
evolução da estrutura fundiária, das relações de trabalho, da produção agropecuária e do
padrão tecnológico adotado nos municípios estudados.
No que se refere ao trabalho de campo, o consideramos como um pressuposto
metodológico basilar da Geografia. Todavia, apesar de sua importância, são poucos os
trabalhos que abordam esta metodologia no âmbito dessa ciência.
Para alguns geógrafos, o desenvolvimento de novas tecnologias de
informação torna desnecessária a realização de trabalhos de campo, dada a
capacidade superior que tais tecnologias teriam no que diz respeito à
obtenção de informação (ALENTEJANO, 2006, p. 51).
As contribuições metodológicas para o trabalho de campo são encontradas mais
comumente em outras ciências sociais com destaque para a Antropologia. Apesar dessa
lacuna, recentemente observa-se uma preocupação maior dos geógrafos com a questão.
Suertegaray (2002) em sua obra “O trabalho de campo como procedimento metodológico da
pesquisa geográfica” trabalha a questão de como proceder no campo levando em consideração
a escolha do método pelo pesquisador. Isso, dado ao fato que no processo de pesquisa há uma
relação entre o sujeito e o objeto, ambos se fundem, isto é, o sujeito constrói o objeto e o
objeto reconstrói o sujeito. Segundo a autora, essa relação é expressão de diferentes métodos,
em diferentes momentos históricos, portanto, diz respeito a diferentes formas de leitura de
mundo.
Concordamos com Suertegaray (2002), pois no âmbito do pensamento geográfico, o
trabalho de campo foi visto por diferentes abordagens, quais sejam: a) no método positivista;
b) no método neo-positivista; c) no método dialético, d) no método fenomenológico e c) no
29
método hermenêutico. Esses diferentes métodos conduzem a formas diferenciadas de trabalho
de campo. Ou seja, um mesmo objeto de investigação, terá diferentes maneiras de
interpretação, a depender do método utilizado pelo geógrafo.
A partir dessas breves considerações, buscamos neste estudo trabalhar a pesquisa de
campo sob a perspectiva do método materialista histórico e dialético. Partindo desse princípio
entendemos que o campo como realidade não é externo ao sujeito, é uma extensão do sujeito.
E a pesquisa é fruto da relação dialética entre o sujeito e o objeto. Assim o campo é pensado
como ação de explicação e transformação que ultrapassa os limites da descrição, da
classificação e da enumeração dos fenômenos geográficos.
A pesquisa de campo compreendeu a realização de entrevistas semi-estruturadas com
representantes de órgãos governamentais e não governamentais, de entidades de classe bem
como com camponeses dos dois municípios estudados. Foram entrevistados 15 camponeses
responsáveis por seus estabelecimentos sendo 10 em Nova Floresta e 5 em Teixeira.
Além das entrevistas, aplicamos também questionários junto a 76 camponeses
responsáveis pelos estabelecimentos agropecuários visitados. Estes estabelecimentos estão
distribuídos em diferentes comunidades rurais que compõem os territórios camponeses tanto
do espaço agrário do município de Teixeira como de Nova Floresta. Os questionários
continham questões abertas e fechadas que permitiram o levantamento de informações sobre
as formas de organização da produção e do trabalho no seio da unidade produtiva e fora dela,
bem como a obtenção de dados relativos à composição da família do (a) camponês (a) por
idade e sexo, escolaridade, renda, padrão de moradia e migração.
Dos 76 questionários, 35 foram aplicados no município de Teixeira em 15
comunidades rurais e 1 assentamento de reforma agrária, quais sejam: Comunidades Santo
Agostinho, Fava de Cheiro, Riacho Verde, São Francisco, Serra Verde, Livramento,
Sabonete, São José de Belém, Flores, Rio de Janeiro, Saco de Serra, Sítio Onça, Rosário;
Poços de Cima, Poços de Baixo, e o Assentamento Poços de Baixo (Mapa 1).
Em Teixeira, as unidades de produção camponesa não são conhecidas por um nome
específico. Elas formam as comunidades e é o nome da comunidade que define a sua
localização. Cada comunidade é composta por trinta a quarenta unidades de produção
camponesas, porém, há aquelas formadas somente por duas, três ou quatro como foi
verificado nas comunidades de Rio de Janeiro, Sítio Onça e Rosário.
30
A pesquisa de campo no município também compreendeu visitas ao Centro de
Educação Popular e Formação Sindical (CEPFS), ao Sindicato de Trabalhadores Rurais
(STR), a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba (EMATER-PB), à
seção local do Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba (INTERPA-PB), ao
Complexo Educacional e Administrativo Serafim Pereira de Souza. Nestes órgãos foram
coletados documentos que contribuíram para a elaboração deste trabalho.
Em Nova Floresta foram aplicados 41 questionários nas diferentes subunidades agroecológicas do município de modo a possibilitar a obtenção de uma representatividade da
diversidade de formas de resistência e recriação nas unidades camponesas em nível intramunicipal. Foram visitadas 11 comunidades camponesas e 1 assentamento de reforma agrária
no município (Mapa 2), a saber: Canoa do Costa, Morada Nova, Boi Morto, Saco de Milho,
Montevidéu, Gamelas, Sítio Novo, Salamantra, Flores de Cima, Estrondo, Flores de Baixo e o
Assentamento APROUNI, conhecido como Pororoca. Realizamos entrevistas com os técnicos
da EMATER 1 e com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Uma entrevista não
estruturada foi também realizada com um dos membros de três famílias responsáveis pela
gestão de uma unidade de produção que apresenta uma particularidade: situa-se em plena sede
do município, na zona urbana, e volta-se exclusivamente para a produção de horticultura
destinada ao abastecimento das feiras livres do próprio município e de municípios vizinhos.
Em Nova Floresta, da mesma forma de Teixeira, é o nome da comunidade que define
a localização das unidades de produção camponesas. Este fato chama a atenção uma vez que é
comum utilizar-se a toponímia “sítio”, para, regra geral, designar-se a pequena unidade
produtiva camponesa em oposição à fazenda, à granja e ao engenho. No caso dos camponeses
de Nova Floresta e Teixeira, a terra de trabalho, de produção e de vida é uma parcela da
comunidade que não tem uma denominação específica. Também se utiliza o termo “sítio”
para indicar o nome da comunidade, como por exemplo, Comunidade Sítio Onça (em
Teixeira) e Comunidade Sítio Novo (em Nova Floresta).
Essa denominação de Comunidade dada à área ocupada pelos estabelecimentos
agropecuários camponeses dos dois municípios se assemelha a que foi atribuída à área
estudada por Heredia (1979) no final da década de 1970 em Pernambuco. Esta área,
denominada pelos camponeses de Sítio Boa Vista compreendia a extensão total das unidades
1
Neste órgão também coletamos documentos que foram importantes para a elaboração desta pesquisa.
31
de produção de cada família produtora, “incluindo nessa denominação a casa e a parcela de
terra que se dispõe para o cultivo, o roçado” (HEREDIA, 1979, p. 36-37).
Caracterizamos as comunidades e os assentamentos como territórios camponeses
situados dentro do território capitalista (espaço de governança) municipal. Ou seja, conforme
a classificação de territórios dentro do território apontado por Fernandes (2008), na qual o
segundo território é formado tanto pelas propriedades capitalistas como pelas propriedades
camponesas. Compreendemos assim, porque observamos na pesquisa empírica que há uma
predominância de camponeses proprietários de suas terras nos dois municípios, o que nos
revelou que nem toda propriedade privada é capitalista.
Foram realizados sete trabalhos de campo, sendo que quatro deles foram feitos entre os
meses de janeiro e março de 2011 dando ênfase às formas de resistência e de recriação
camponesa e três foram realizados nos anos de 2006, 2007 e 2008 no âmbito das pesquisas
anteriores, nas quais tratamos das formas da organização da produção e do trabalho nos
municípios. Cada ida ao campo em cada município teve uma duração média de três a sete dias.
Foi definido que as unidades de produção a serem estudadas deveriam ter dimensão
igual ou inferior a 50 hectares. Este foco nos menores estabelecimentos rurais mesmo sabendo
que, no caso do semiárido, um estabelecimento com até mais de 100 hectares por vezes não é
suficiente para garantir a manutenção de uma família, se deve ao fato de que são nestes onde
se encontra a maior diversidade de categorias de produtores rurais (parceiros, arrendatários,
ocupantes e posseiros) o que permite à pesquisa um melhor dimensionamento e uma maior
percepção dessa diversidade (MOREIRA, 2006).
Não é desconhecido tampouco que o que se denomina de pequeno estabelecimento ou
pequena unidade de produção camponesa pode variar, de Estado para Estado e até de
subunidade regional para subunidade regional em função das características da distribuição da
propriedade fundiária e dos critérios de escala utilizados pelos estudiosos para nortear suas
pesquisas. Estudo recente realizado por Ariovaldo Umbelino de Oliveira considera como
pequenos estabelecimentos em escala de análise nacional, as unidades de produção menores
de 200 hectares (OLIVEIRA, 1990). Para a realização da pesquisa de campo, tomou-se
emprestado à antropologia o método etnográfico, onde a observação direta, as anotações no
diário de campo, a utilização de técnicas de pesquisa como a entrevista livre, a entrevista
estruturada (questionários) e semi-estruturada, a gravação de entrevistas e a documentação
fotográfica foram fundamentais para nos aproximar da realidade.
32 Mapa 1
MAPA DE LOCALIZAÇÃO DAS COMUNIDADES RURAIS DE TEIXEIRA
N
E
W
Teixeira
S
é
Ca t
ol
Ri
a ch
do
ESCALA - 1:500.000
Área urbana
Escala Gráfica
Estrada carroçável
Hidrografia
Estrada não pavimentada
Estrada pavimentada
Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000.
Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95
o
5
0
10
15
20
25 m
Datum Horizontal: Córrego Alegre
Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34°
Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia
33 Mapa 2
MAPA DE LOCALIZAÇÃO
DAS COMUNIDADES RURAIS
DE NOVA FLORESTA
Área urbana
Lagoa de Montevidéu
Estrada carroçável
Hidrografia
R ch M
Estrada não pavimentada
on
te
Estrada pavimentada
A
leg
r
e
Açude Monte Alegre
N
E
W
S
ESCALA - 1:500.000
Escala Gráfica
5
0
10
15
20
25 m
Datum Horizontal: Córrego Alegre
Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34°
Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia
Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000.
Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95
34
O método etnográfico foi utilizado como método de pesquisa e não como método
científico de interpretação da realidade estudada. A ele somou-se os métodos de pesquisa
quantitativo, qualitativo e o descritivo-analítico no sentido de instrumentalizar melhor a
pesquisa.
Como foi colocado anteriormente, o método de interpretação da realidade que se
utilizou foi o dialético, entendendo claramente todas as nossas limitações na sua utilização,
mas compreendendo que é preciso realizar o exercício do tentar fazer para poder chegar a
fazer bem no futuro.
A partir do que estamos entendendo deste método, buscamos
compreender os processos invisíveis que se exprimem através do visível.
Utilizamos o termo camponês como equivalente de pequeno produtor, pequeno
agricultor e produtor familiar. O termo pequeno produtor ou pequeno agricultor por nós
utilizado não tem cunho pejorativo. Ele refere-se ao fato do camponês ter acesso legal ou
precário a pequenas parcelas de terra. A expressão produtor familiar foi usada na medida em
que se considera a organização do trabalho na unidade produtiva camponesa como de base
familiar, forma de organização esta, presente no campo desde os primórdios da história da
humanidade. O termo camponês e seus equivalentes foram usados independentemente do
nível de integração ao mercado, da utilização ou não de tecnologias modernas, de adesão ou
não às políticas públicas do Governo, ou da sua condição de produtor (proprietário, parceiro,
posseiro, arrendatário, etc). Do mesmo modo utilizou-se as expressões pequena produção,
pequenas unidades produtivas ou de produção e estabelecimento agropecuário para nos referir
a parcela de terra gerida pelos camponeses (MOREIRA, 2006, p.3).
Conforme os dados e informações obtidos bem como com base nas leituras realizadas,
estruturamos a dissertação em cinco capítulos além da introdução e das considerações finais.
No primeiro capítulo apresentamos a discussão sobre campesinato buscando entender o seu
lugar no processo de desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Para tanto, de início
trabalhamos com esse tema no pensamento de Marx e em seguida, buscamos sua apreensão
em diferentes autores que se expressam em diferentes correntes do pensamento marxista,
como: Kautsky, Lênin, Rosa Luxemburgo e Chayanov. No segundo capítulo abordamos o
debate que contrapõe duas correntes teóricas distintas: a que defende o desaparecimento do
campesinato como condição para o Brasil alcançar o desenvolvimento capitalista e a que
defende a permanência do campesinato através da sua resistência e recriação ancorada na
idéia de que o desenvolvimento do modo de produção capitalista no Brasil é desigual e
35
contraditório. Essa abordagem foi feita com base nas diversas abordagens e posições
assumidas pelos autores agraristas e pelos geógrafos brasileiros. No âmbito deste capítulo
trabalhamos com a noção de espaço, território, resistência e recriação camponesa. No terceiro
capítulo, a partir da apresentação dos municípios estudados com base nos aspectos locacionais
e ambientais, recuperamos o processo histórico de produção e a organização atual do espaço
agrário de Nova Floresta e Teixeira. No quarto capítulo, traçamos um panorama das formas
de resistência e de recriação camponesa pelo viés da organização da produção agropecuária
nos municípios de Teixeira e Nova Floresta a partir da pesquisa empírica. No quinto e último
capítulo, tratamos das formas de resistência e de recriação camponesa através da organização
do trabalho, da ação de agentes externos e dos costumes e valores dos camponeses dos
municípios estudados.
CAPÍTULO I
CAPITALISMO E CAMPESINATO NA TEORIA
MARXISTA
37
1 CAPITALISMO
E
CAMPESINATO
NA
TEORIA
MARXISTA
As transformações ocorridas no campo da Europa, no final do século XIX, vinculadas
à lógica de reprodução ampliada do capital provocaram discussões no campo teórico acerca
do debate sobre o destino do campesinato. Destacaram-se duas correntes de pensamento com
particular força neste debate. A primeira corrente deu ênfase à discussão do campesinato
atrelada à análise das mudanças surgidas pelo avanço das relações de mercado, bem como aos
processos de modernização e industrialização que estavam vinculados ao desenvolvimento do
capitalismo no campo. Ela pressupunha o desaparecimento do campesinato na medida em que
se implantava e se desenvolvia o capitalismo. Os principais teóricos desta corrente são Marx,
Kautsky e Lênin. A segunda corrente enfatizou a lógica de reprodução camponesa no
capitalismo e reforçou a tese da sua permanência. Destacam-se como principais teóricos desta
linha de interpretação, Rosa Luxemburgo e Chayanov.
Neste primeiro capítulo, recupera-se de modo sucinto as principais contribuições
desses teóricos marxistas sobre o destino do campesinato no capitalismo.
1.1 A questão do campesinato no pensamento de Karl Marx
A produção científica de Marx se desenvolveu na Europa Ocidental no século XIX, no
período de consolidação do capitalismo e da sociedade burguesa após a revolução industrial.
Para analisar o campesinato no pensamento deste autor, é preciso, em primeiro lugar,
compreender o momento histórico-social em que suas obras foram escritas e, paralelamente, o
momento na trajetória intelectual do mesmo. Entendemos que, diante de uma variável gama
de assuntos produzidos por Marx, o campesinato não foi objeto de um estudo aprofundado,
sua análise ocorreu de forma secundária, podendo até se perceber diferentes abordagens a
respeito deste tema em seu pensamento.
A partir de 1890, surgiram duas correntes socialistas que divergem sobre a
compreensão do futuro do campesinato no desenvolvimento do capitalismo no campo: o
38
marxismo ortodoxo e o marxismo heterodoxo. Para fins de maior compreensão sobre o
assunto em tais correntes, recorremos primeiramente à compreensão do próprio Marx
referente ao campesinato com base na análise do desenvolvimento do capitalismo na porção
ocidental e oriental 1 da Europa. Para tanto, na tentativa de manter uma coerência estrutural
das idéias aqui formuladas, classificaremos a compreensão do autor sobre o campesinato no
capitalismo a partir das três fases distintas do seu pensamento: a) na juventude; b) na
maturidade; c) no último Marx.
Na primeira fase, inserem-se os manuscritos de Marx elaborados entre1840 e 1843.
Este período literário marca a transição de Marx de uma concepção ainda marcada pelo
idealismo de Hegel 2 para uma concepção materialista de cunho histórico e dialético
(BELTRAME, 2006). O autor vivendo na Alemanha, país politicamente atrasado em
comparação com a França e a Inglaterra, países de fortes tradições revolucionárias 3 , somente
no decorrer de 1840, começou a ser influenciado pelos ideais socialistas. Esse ideal foi
tomando forma com base na análise da realidade daquele momento histórico vivenciado pela
Europa Ocidental do século XIX, que coincide com a primeira grande crise de
desenvolvimento do capitalismo industrial ocorrido entre 1830 e 1840, como bem assevera
Hobsbawm:
Por volta de 1840, a história européia assumiu uma nova dimensão: o
“problema social”, ou para considerá-lo de outra perspectiva, a revolução
social em potência encontrava expressão típica no fenômeno do
“proletariado”. Os autores burgueses, de modo cada vez mais sistemático,
tomavam consciência do proletariado como problema prático e político,
enquanto classe, movimento, e, em última análise, potência capaz de
subverter a sociedade (1979, p. 60).
O jovem Marx, que ainda não se convertera ao comunismo, era um democrata de
esquerda hegeliana e, neste período, direcionou seus olhares para: a) a França, na qual, em
1840, nascia um movimento comunista dotado de consciência política que lutava pela
superação do capitalismo rumo ao comunismo; b) a Inglaterra, cujo movimento proletário
cartista desenvolvia-se rapidamente; c) outros países da Europa Ocidental que influenciados
1
Referente à análise sobre a questão da Rússia.
O jovem Marx, com 25 anos de idade, compunha o grupo de discípulos de Hegel, que após a morte deste em
1831, por divergências entre os integrantes em torno da concepção política e religiosa, dividiram-se, em 1837,
em dois grupos distintos denominados por David Strauss de Direita e Esquerda hegeliana. Marx passou a
integrar o grupo da Esquerda hegeliana, acompanhado por David Strauss, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer,
Marx Stiner além de outros (BELTRAME, 2006).
3
Do ponto de vista econômico, o mundo do século XIX formou-se sob a influência da revolução industrial da
Inglaterra. E do ponto de vista político, essencialmente sob influência dos ideais da Revolução Francesa (1789).
2
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pelas formas do socialismo utópico 4 contestavam a forma de sociabilidade instaurada pelo
modo de produção capitalista. Neste contexto, com uma classe operária que se expandia e se
“mobilizava a olhos vistos, era agora possível uma nova e mais significativa fusão da
experiência e das teorias jacobino-revolucionárias-comunistas com as socialistasassociacionistas” (HOBSBAWM, 1979, p. 61).
O que fez precipitar essa fusão da teoria com o movimento social foi a
combinação de triunfo 5 e de crise, ocorrida nesse período nas sociedades
desenvolvidas e de certo modo paradigmáticas, como a França e a Inglaterra.
Na esfera política, as revoluções de 1830 e as reformas inglesas
correspondentes de 1832-35 instituíram regimes que serviam evidentemente
aos interesses da parte predominante da burguesia liberal, mas fracassaram
clamorosamente no objetivo da democracia política. No campo econômico, a
industrialização – que já se impusera na Inglaterra – avançava a olhos vistos
em algumas regiões do continente, mas numa atmosfera de crise e incerteza,
que a muitos parecia pôr em discussão o próprio futuro do capitalismo como
sistema (HOBSBAWM, 1979, p. 62).
Frente aos fatos, o jovem Marx, nesse período literário, direcionou os seus estudos
para as mudanças acerca da sua concepção de Estado e política, influenciado pelo momento
histórico, social, econômico e, principalmente, intelectual, como mostram as citações
supracitadas. Anos mais tarde, acabou rompendo de vez com o pensamento de Hegel, o qual
foi alvo de suas críticas no manuscrito de 1843 “A Crítica da Teoria do Estado de Hegel”. Um
ano antes, em 1842, quando o mesmo foi redator do jornal alemão Rheinische Zeitung (Gazeta
Renana), realizou um estudo sobre a situação de miséria dos camponeses viticultores de
Mosella e, em defesa destes, exigiu que o governo tomasse as devidas providências para
solucionar com urgência o problema, ele tem sua primeira aproximação com a questão do
campesinato (HEGEDÜS, 1984). Isso é importante, dado ao fato, da maioria dos intelectuais
que sucederam Marx, sobretudo os marxistas ortodoxos como Kautsky e Lênin,
desconhecerem esse fato e pensarem erroneamente que aquele autor somente fez prognósticos
negativos ao campesinato. De fato, depois de se converter ao comunismo, Marx apregoa o fim
do campesinato no desenvolvimento do capitalismo no campo, com base nos estudos
realizados para compreender o avanço do capitalismo na Europa Ocidental, mais
precisamente, na Inglaterra do século XIX.
Para Marx, o capitalismo desenvolve-se de acordo com as particularidades de cada
país. Aqui merece destacar, sucintamente, o caso recente do campesinato brasileiro, que,
4
5
Que precedeu ao socialismo científico de Marx nas subseqüentes fases de seu pensamento.
Triunfo do capitalismo liberal burguês.
40
mesmo diante da penetração do capitalismo no campo, acentuado em 1970, sobrevive até hoje
se recriando contraditoriamente ao modelo hegemônico do capital pelas diversas formas de
resistências que são construídas localmente no território, como veremos no caso dos
municípios paraibanos de Nova Floresta e Teixeira.
Mas o que nos importa é que encontramos, na fase de juventude de Marx, o
desvendamento da sua primeira relação com o campesinato: a defesa dos camponeses de
Mosella. Porém, não podemos omitir que, nesta fase do pensamento do autor, ele ainda não
tem um estudo sistematizado sobre o funcionamento do capitalismo e da economia política,
dedicando-se a estes a partir de 1844. Portanto, ele ainda não vê no proletariado a solução
para a transformação da sociedade vigente, e não rotula o camponês como atrasado e
conservador, situação oposta ao que veremos na fase seguinte.
Entre 1844 e 1870, o campesinato reaparece na visão de Marx pela sua suposta
incapacidade política na revolução de 1848 na França. Ao estudar profundamente a
Revolução Francesa (1789-1843) e a Revolução Industrial (1780-1830), ele começa a projetar
para o campo apenas as duas classes que passam, no seu entender, a serem fundamentais para
o funcionamento do capitalismo: a burguesia e o proletariado. Depois de analisar a
conseqüência da dupla revolução, acreditar na força revolucionária do campesinato seria o
caminho mais longo para alcançar o socialismo. Todavia, para entender o prognóstico do fim
do campesinato no pensamento de Marx, agora convertido ao socialismo científico, é preciso
entender o período compreendido entre 1789 a 1848, isto é, sucessivamente, ano da
Revolução Francesa e ano da esperada revolução social, correspondendo ao que Hobsbawm
(1982) denomina de “era de superlativos”, referente à maior transformação da história
humana de todos os tempos, a saber: a) aumento da área geográfica do mundo conhecido que,
mapeada e em comunicação entre si, tornou-se maior do que antes; b) crescimento da
população e multiplicação das cidades; c) expansão da economia industrial; d) progressão da
ciência e inovação técnica em função da criação de um sistema fabril mecanizado, a exemplo
da indústria algodoeira que para seu funcionamento exigia máquinas, inovações químicas,
eletrificação industrial; e) difusão do conhecimento através de revistas, jornais e livros antes
nunca vista f) aumento astronômico da produção industrial; f) expansão do mercado
exportador e grandes lucros (HOBSBAWM, 1982).
Todos esses triunfos conferiram à burguesia industrial uma grande força econômica
gerando para si grandes riquezas, porém, na mesma proporção, criou a miséria e o
descontentamento de outras classes sociais, principalmente da classe proletária que, ao vender
a sua força de trabalho, transformou-se numa simples mercadoria. Diante dos graves
41
problemas sociais provocados pela nova forma de sociabilidade instaurada pelo capitalismo,
os proletários passaram a ansiar por uma sociedade sem classes, acreditando que a supressão
da propriedade privada garantiria uma sociedade igualitária e mais justa. Porém, é preciso ter
em mente que a insatisfação com a revolução industrial, que provocou grandes problemas
sociais, não se limitava somente aos trabalhadores pobres, mas também a outras classes que,
naquele momento histórico, estavam com desvantagens econômicas em comparação com a
burguesia industrial. Conforme Hobsbawm,
Os pequenos comerciantes, sem saída, a pequena burguesia, setores especiais
da economia eram também vítimas da revolução industrial e de suas
ramificações. Os trabalhadores de espírito simples reagiram ao novo sistema
destruindo as máquinas que julgavam ser responsáveis pelos problemas, mas
um grande e surpreendente número de homens de negócios e fazendeiros
ingleses simpatizavam profundamente com estas atividades dos seus
trabalhadores luditas 6 porque também eles se viam como vítimas da minoria
diabólica de inovadores egoístas. A exploração da mão-de-obra, que
mantinha sua renda a nível de subsistência, possibilitando aos ricos
acumularem os lucros que financiavam a industrialização (e seus próprios e
amplos confortos), criavam um conflito com o proletariado. Entretanto, um
outro aspecto desta diferença de renda nacional entre pobres e ricos, entre o
consumo e o investimento, também trazia contradições com o pequeno
empresário. Os grandes financistas, a fechada comunidade de capitais
nacionais e estrangeiros que embolsava o que todos pagavam impostos (...)
cerca de 8% de toda a renda nacional, eram talvez ainda mais impopulares
entre os pequenos homens de negócios, fazendeiros e outras categorias
semelhantes do que entre os trabalhadores, pois sabiam o suficiente sobre
dinheiro e crédito para sentirem uma ira pessoal por suas desvantagens.
Tudo corria muito bem para os ricos, que podiam levantar todos os créditos
de que necessitavam para provocar na economia uma deflação rígida e uma
ortodoxia monetária depois das guerras napoleônicas: era o pequeno que
sofria e que, em todos os países e durante todo o século XIX, exigia crédito
fácil e financiamento flexível. Os trabalhadores e a queixosa pequena
burguesia, prestes a desabar no abismo dos destituídos de propriedade,
partilhavam dos mesmos descontentamentos (1982, p. 55-56).
Frente aos descontentamentos, eclodiram as revoltas populares entre todos os
segmentos da sociedade, a exemplo da revolução de 1848 na França, que, posteriormente,
propagou-se para outros países da Europa Ocidental e Central, pois a essa altura a
industrialização que a priori concentrou-se na Inglaterra, a partir de 1830, começa a se
expandir rapidamente para outros países, como a França, Alemanha, Bélgica, Itália entre
outros. Ao mesmo tempo, também se expandem os proletários que começam a formar
6
Movimento de trabalhadores ingleses que se rebelaram entre 1811 a 1816 e destruíram as máquinas têxteis por
acreditar que eram as responsáveis pelo desemprego (HOBSBAWM, 1982).
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associações 7 contra a burguesia e lutam pelos mesmos ideais: contra a fome, a miséria, o
desemprego causado pela maquinaria, além da luta pelos salários mais justos. Nesse período,
Marx e Engels escrevem “O Manifesto do Partido Comunista” a pedido do Segundo
Congresso da Liga Comunista. Nesta obra, os autores fazem duras críticas ao modo de
produção capitalista, apresentando de forma crítica a transformação que a burguesia industrial
provocou na sociedade feudal e que desempenhou um papel essencialmente revolucionário na
história, a saber:
Onde passou a dominar, destruiu as relações feudais, patriarcais e idílicas.
Dilacerou sem piedade os laços feudais, tão diferenciados, que mantinham as
pessoas amarradas a seus “superiores naturais” sem pôr no lugar qualquer
outra relação entre os indivíduos que não o interesse nu e cru do pagamento
impessoal e insensível “em dinheiro”. Afogou na água fria do cálculo
egoísta todo fervor próprio do fanatismo religioso, do entusiasmo
cavalheiresco e do sentimentalismo pequeno burguês. Dissolveu a dignidade
pessoal no valor de troca e substituiu as muitas liberdades, conquistadas e
decretadas, por uma determinada liberdade, a de comércio. Em uma palavra,
no lugar da exploração encoberta por ilusões religiosas e políticas, ela
colocou uma exploração aberta, desavergonhada, direta e seca. A burguesia
despiu de sua auréola todas as atividades veneráveis, até agora consideradas
dignas de pudor piedoso. Transformou o médico o jurista, o sacerdote, o
poeta e o homem de ciência em trabalhadores assalariados (MARX E
ENGELS, 2008, p. 12).
A citação acima mostra a destruição do poder monárquico e religioso pela classe
opressora em função da valorização do capital e desvalorização das relações sociais vigentes e
mostra também, do ponto de vista econômico, a passagem do modo de produção feudal para o
modo de produção capitalista, através do vínculo entre a revolução social e a relação que há
entre as relações sociais e as forças produtivas.
Antes da publicação do Manifesto do Partido Comunista em 1848, os autores já
assinalaram em “A Ideologia Alemã” de 1845 sobre o papel determinante das forças
produtivas no desenvolvimento da sociedade e na transição de um modo de produção a outro.
As alterações causadas pelo desenvolvimento das forças produtivas na natureza das relações
de produção ocorriam concomitantemente à transformação da sociedade feudal. Isto acarretou
na emersão de novas demandas sociais e econômicas, alterando a estrutura desta sociedade e
delineando uma nova forma de sociabilidade na Europa Ocidental com base na propriedade
privada dos meios de produção.
7
Nas quais se preparam para a ocorrência de ondas revolucionários que estouraram na Europa do século XIX,
grande herança da velha revolução de 1789.
43
Essa contradição existente entre as forças produtivas e as relações sociais de qualquer
modo de produção, segundo Marx e Engels (2009), se expressa como luta de classes. Então,
dessa forma, compreenderam que o motor da história é realmente a luta de classes e, em uma
sociedade organizada em classes como a capitalista, as relações sociais se transformarão
unicamente a partir dos conflitos. O que significa dizer, segundo os autores, que é só por
meio de uma luta de classes que as relações socialistas poderão surgir. Ou seja, a
ultrapassagem se daria pelas relações de produção capitalistas, que ao serem reduzidas à
propriedade privada dos meios de produção, seriam capazes de barrar o desenvolvimento das
forças produtivas e, conseqüentemente, ocasionariam a transição para o socialismo.
Abre-se agora o período das revoluções e o pensamento de Marx daqui por diante
marca uma perspectiva crítica e revolucionária e apresenta no Manifesto um programa de
ação apoiado no materialismo histórico e dialético, propondo a apropriação dos meios de
produção através da abolição da propriedade privada pela ação revolucionária da única classe
capaz de reverter à situação de miséria dos trabalhadores: a proletária. Mas como aconteceria
tão somente por meio dela se nesse período histórico, entre 1789 a 1848, o mundo era
essencialmente rural, ou seja, formado por camponeses?
Em países como a Rússia, a Escandinávia ou os Bálcans, onde a cidade
jamais se desenvolvera de forma acentuada, cerca de 90 a 97% da população
era rural. Mesmo em áreas com uma forte tradição urbana, ainda que
decadente, a porcentagem rural ou agrícola era extraordinariamente alta:
85% na Lombardia, 72-80% na Venécia, mais 90% na Calábria e na
Lucânia, (...). De fato, fora algumas áreas comerciais e industriais bastante
desenvolvidas, seria muito difícil encontrar um grande Estado europeu no
qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem camponeses. E
até mesmo na própria Inglaterra, a população urbana só veio ultrapassar a
população rural pela primeira vez em 1851 (HOBSBAWM, 1979, p. 27).
No meio século mais revolucionário da história humana, a classe camponesa era
predominante, porém, para Marx e Engels, (2008, p. 26), “só o proletariado constitui uma
classe verdadeiramente revolucionária”. As demais constituem o “lumpemproletariado” que
corresponde à “parcela passiva em decomposição das camadas inferiores da velha sociedade”
(MARX E ENGELS, 2008, p. 27), tais como: os pequenos industriais, os comerciantes, os
artesãos e os camponeses que caminham em direção ao proletariado, portanto, estão em vias
de extinção por dois motivos: um referente ao nível econômico e outro ao nível político. O
primeiro é dado à incapacidade de concorrer com os grandes capitalistas, uma vez que, pela
insuficiência do pequeno capital, não tem condições de adotar novos métodos de produção. O
segundo é que essas classes “combatem a burguesia para garantir a própria existência como
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classes médias e impedir o próprio declínio” (MARX E ENGELS, 2008, p. 26). Por isso, não
têm nada de revolucionárias, são conservadoras e reacionárias, e “quando são revolucionários,
é porque estão na iminência de passar para o proletariado, não defendem então os seus
interesses atuais, mas futuros, abandonam seu próprio ponto de vista para se colocar no do
proletariado” (MARX E ENGELS, 2008, p. 26).
Sendo assim, os autores planejam a revolução socialista através da tomada do poder
político pela classe inferior da sociedade em curso: a proletária. E essa luta contra a burguesia
deve ser transnacional, ou seja, tem que ultrapassar as fronteiras nacionais, pois exige que “o
proletariado de cada país tem que derrotar, antes de tudo, sua própria burguesia” (MARX E
ENGELS, 2008, p. 28). Depois da tomada do poder, será instaurada a ditadura do proletariado
que corresponde ao “predomínio político para retirar, aos poucos, todo o capital da burguesia,
para concentrar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado” (2008, p. 44). Isto
significa a ascensão do proletariado como classe dominante com o objetivo de aumentar
rapidamente as forças produtivas do modo de produção capitalista para, em seguida, derrubálo de vez. Mas, para tanto, é preciso tomar algumas medidas que variarão de acordo com os
diferentes países. Nos países mais avançados da Europa Ocidental, a exemplo da Inglaterra e
da França, serão as seguintes:
1.Expropriação da propriedade latifundiária e utilização da renda da terra
para cobrir despesas do estado. 2. Imposto fortemente progressivo. 3.
Abolição do direito de herança. 4. Confisco da propriedade de todos os
emigrados e sediciosos. 5. Centralização do crédito nas mãos do estado, por
meio de um banco nacional com capital estatal e monopólio exclusivo. 6.
Centralização do sistema de transportes nas mãos do Estado.7. Multiplicação
das fábricas e dos instrumentos de produção pertencentes ao Estado,
desbravamento das terras cultivadas segundo um plano geral. 8. Trabalho
obrigatório para todos, constituição de brigadas industriais, especialmente
para a agricultura. 9. Organização conjunta da agricultura e da indústria, com
o objetivo de suprimir paulatinamente a diferença entre cidade e campo. 10.
Educação pública e gratuita para todas as crianças. Supressão do trabalho
fabril de crianças (...). Integração da educação com a produção material etc.
(MARX E ENGELS, 2008, p. 44-45).
Frente às medidas supracitadas, desaparecerá, conseqüentemente, o poder político e
todo o antagonismo de classes, e com isto não haverá mais a dominação de uma classe sobre
outra. Inclusive o proletariado, que se manteve até então como classe dominante e como tal ao
sucumbir às velhas relações de produção e as outras classes em geral, abole também a sua
própria dominação de classe e redefine uma nova sociedade: a socialista, na qual a abundância
de riquezas será equivalente à satisfação das necessidades de todos.
45
Na prática, a perseguição a este objetivo ficou mais no sonho do que na possibilidade,
pois vários países da Europa, em 1848, inclusive a França, organizaram um conjunto de
tentativas para eliminar a exploração do capital sobre o trabalho, mas foram derrotados pela
burguesia. Marx mostra na sua obra “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” que houve um sinal
de vitória efêmera no processo revolucionário francês depois da queda da monarquia burguesa
de Luís Filipe nas jornadas de fevereiro 8 de 1848, quando se instalou uma forma de governo
provisório, isto é, uma “república social 9 ”, na qual extinguiram o direito da ação real e todas
as classes que participaram desta revolução se encaixaram provisoriamente neste governo,
foram elas: a) os social-democratas: a classe proletária; b) a pequena burguesia democráticorepublicana; c) a burguesia republicana; d) e todos aqueles que se opunham à dinastia
(MARX, 2008). Mas de que lado ficaram os camponeses que constituíam a maior parte da
população francesa?
Com a instalação da república social, todos os partidos políticos uniram-se ao Partido
da Ordem, o qual posteriormente, nas jornadas de junho do corrente ano, em prol de seus
interesses próprios, reuniu às escondidas todos os partidos e classes contra a classe proletária.
Enquanto o proletariado neste momento se debruçara principalmente para as medidas a serem
tomadas para solucionar os problemas sociais que mais o preocupava, “as velhas forças da
sociedade se haviam agrupado, reunido, concertado e encontrado o apoio inesperado da massa
da nação: os camponeses (...) que se precipitaram de golpe sobre a cena política depois que as
barreiras da monarquia de julho caíram por terra” (MARX, 2008, p. 26). E, assim, instalaram
a República parlamentar no lugar da anterior, com Luís Bonaparte à frente do poder. Diante
de tal acontecimento, o que se ouvia pela burguesia era que os objetivos do proletariado de
Paris jamais se realizariam, por isso, tratavam-se de devaneios utópicos que deviam ser
barrados. A resposta a essa traição foi dada com a “Insurreição de Junho” de 1848 do
proletariado de Paris, “ acontecimento de maior envergadura na história das guerras civis da
Europa” (MARX, 2008, p. 26). Os insurretos lutaram contra o partido da ordem em prol da
proclamação da república na qual os direitos dos homens fossem garantidos de forma justa.
Mas a derrota foi inevitável e os insurretos foram massacrados pelas forças armadas a mando
da burguesia, uns foram mortos e outros deportados. Portanto, a luta da classe trabalhadora
passou para a estaca zero no cenário revolucionário francês. A república burguesa triunfou
8
“O objetivo inicial das jornadas de fevereiro era uma reforma eleitoral, pela qual seria alargado o círculo dos
elementos politicamente privilegiados da própria classe possuidora e derrubado o domínio exclusivo da
aristocracia financeira” (MARX, 2008, p. 25).
9
Prova que “o conteúdo geral da revolução moderna, conteúdo esse que estava na mais singular contradição com
tudo que, com o material disponível, com o grau de educação atingido pelas massas, dada as circunstâncias e
condições existentes, podia ser imediatamente realizado na prática” (MARX, 2008, p. 25).
46
com o apoio das outras classes a ela aliadas como: a) a aristocracia financeira; b) a burguesia
industrial; c) a classe média; d) a pequena burguesia; e) o exército, o lumpemproletariado
organizado em guarda móvel; f) os intelectuais de prestígio; g) o clero; h) a população rural
(MARX, 2008). Enquanto que do lado da classe proletária não havia outra classe senão ela
mesma. A derrota da minoria, segundo Marx (2008), deve-se à cooptação dos camponeses aos
interesses do partido da ordem representado por Bonaparte que, para ganhar popularidade
daqueles, prometeu a restauração do império caso fosse eleito. Neste caso, “a idéia fixa do
sobrinho realizou-se porque coincidia com a idéia fixa da classe mais numerosa do povo
francês” (MARX, 2008, p. 116). Porém, é preciso termos em mente que:
A dinastia de Bonaparte representa não o camponês revolucionário, mas o
conservador, não o camponês que luta para escapar às condições de sua
existência social, a pequena propriedade, mas antes o camponês que quer
consolidar sua propriedade, não a população rural que, ligada à das cidades,
quer derrubar a velha ordem de coisas por meio de seus próprios esforços,
mas pelo contrário, aqueles que, presos por essa velha ordem em um
isolamento embrutecedor, querem ver-se a si próprios e suas propriedades
salvos e beneficiados pelo fantasma do império (MARX, 2008, p. 117).
A recompensa pela aliança foi estabelecida pela divisão do solo francês em pequenas
propriedades concedidas aos camponeses. Essa forma de propriedade consolidou as bases
materiais para a transformação do camponês feudal em camponês proprietário (livre), dado os
seguintes fatores: a) o arruinamento progressivo da agricultura; b) o endividamento constante
dos camponeses; c) a alteração nas relações dos camponeses com as outras classes sociais, a
exemplo, da substituição dos senhores feudais em usurários urbanos, que substituiu o imposto
feudal da terra pela hipoteca 10 ; d) a substituição da aristocrática propriedade territorial pelo
capital burguês (MARX, 2008). Em outras palavras, a forma de propriedade dada por
Bonaparte aos camponeses representa a submissão daquela aos lucros, juros e renda do solo
para os capitalistas que passam a vê-la daqui por diante como uma fonte de riquezas para si.
Mas no decorrer dos três anos de governo da república parlamentar, de 1848 até o
golpe de Estado de Bonaparte que marca o seu fim em 1851, uma pequena fração dos
camponeses “(...) desapontados em todas as suas esperanças, esmagados mais do que nunca,
de um lado pelo baixo nível dos preços do grão e de outro pelo aumento dos impostos e das
dívidas hipotecárias” (Marx, 2008, p. 63), protestaram ainda que superficialmente pelo efeito
10
“A dívida hipotecária que pesa sobre o solo francês impõe ao campesinato o pagamento de uma
soma de juros equivalentes aos juros anuais do total da dívida nacional britânica” (MARX, 2008, p.
119).
47
do restabelecimento da lei do ensino sob o regime da igreja. Mas, infelizmente, foram
reprimidos violentamente pela burguesia que aniquilou os mestres-escolas (camponeses). Isso
foi indubitavelmente importante, pois marca um progresso da consciência política de classe da
minoria dos camponeses franceses, com os primeiros esforços para se tornarem libertos da
ilusão de Bonaparte e da atuação do governo parlamentar.
Depois do golpe de Estado em 1851, alguns camponeses se aliaram aos proletários e
protestaram de armas na mão contra o resultado de seu próprio voto nas eleições de 1848, mas
sem efeito, pois a palavra já estava empenhada e não podiam voltar atrás, uma vez que “as
eleições de 10 de dezembro de 1848 só se consumaram com o golpe de Estado de 2 de
dezembro de 1851” (MARX, 2008, p. 115), através do qual Bonaparte conquistou o poder e
governou sob a forma de um império. E, assim, se fecha o meio século mais revolucionário de
todos os tempos, tendo como modelo político a França nesse período histórico.
A partir dessas premissas, levando em consideração que Marx analisou profundamente
a conjuntura política da França através dos levantes revolucionários ocorridos entre 1848 e
1851, ele tece duras críticas a aliança feita pelos camponeses conservadores ao partido de
Bonaparte e às demais classes que se contrapunham ao proletariado. Para o autor, esses
camponeses tradicionais são equivalentes a “um saco de batatas” pelo seu modo de vida e por
viverem isolados de outras classes sociais, não estabelecendo uma comunidade de interesses
próprios, nem uma organização política. Por isso, são atrasados, conservadores e não
constituem uma classe. Aqui merece algumas ressalvas referentes à sucinta definição de
classe social presente no “18 Brumário de Luís Bonaparte” de Marx:
Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições
econômicas que as separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida,
os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, esses
milhões constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os
pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de
seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional
alguma, nem organização política, nessa exata medida não constituem uma
classe (MARX, 2008, P. 116).
As condições idênticas de vida dos camponeses, segundo a passagem acima, não
geram uma forma específica de classe. O que os torna classe são as condições econômicas e
sociais que determinam um modo de vida cujos interesses comuns divergem dos interesses de
outras classes.
É sabido que Marx não realizou uma sistematização profunda sobre o conceito de
classes sociais em “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, pois esta não era a sua pretensão.
48
Dedicou, segundo Bottomore (2001), um capítulo da sua obra “O Capital” a essa temática,
mas faleceu antes de concluí-lo. Então, não cabe aqui fazer um inventário sobre o assunto,
mas somente mostrar ligeiramente que, na citação acima, está implícito o reconhecimento das
formas dúbias de “classe em si” e “classe para si”, expressões cuja distinção mais precisa
Marx fez em “A Miséria da Filosofia”, em 1847, explicando que:
As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa do país em
trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa uma situação
comum, interesses comuns. Esta massa, pois, é já, face ao capital, uma
classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, de que assinalamos
algumas fases, esta massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os
interesses que defende se tornam interesses de classe. Mas a luta entre
classes é uma luta política (MARX, 1985, p. 159).
É óbvio que o autor está se referindo ao proletariado industrial do século XIX, mas o
mesmo vale para todas as outras classes. No caso dos camponeses franceses, a situação
econômica e social de vida somente determina a condição de classe em si, mas na medida em
que os interesses que determinam essa classe, em oposição, ganham dimensão política, tornase uma classe para si, ou seja, uma classe revolucionária. Então, na compreensão de Marx, os
camponeses não constituem uma classe para si, mas ele os reconhece enquanto uma classe
em si. O que prova o reconhecimento de outras classes que estão estruturadas entre o
proletariado e a burguesia no pensamento do autor.
Todavia, como já vimos no Manifesto, para Marx, para o funcionamento do
capitalismo, somente a classe proletária e a burguesia são fundamentais, as demais como o
campesinato e o lumpemproletrariado estarão sempre na iminência de transitar a qualquer
momento para aquelas, principalmente nos períodos de crises do capitalismo quando ocorre o
empobrecimento da classe média. Então, do ponto de vista político, para Marx, os
camponeses não constituem uma classe para si, não têm força revolucionária. Tal
compreensão fez com que o autor deixasse de lado o estudo sobre a questão camponesa para
se dedicar à análise da lei de desenvolvimento da agricultura no modo de produção capitalista,
tendo como modelo a dinâmica do capitalismo em alguns países da Europa Ocidental.
Marx (1988), a partir dos estudos realizados sobre a conjuntura política e econômica
da Inglaterra, exposta na obra “O capital” escrita em 1856, concluiu que, diante do
desenvolvimento do modo de produção capitalista, a propriedade camponesa tende a
desaparecer, passando a ser substituída pela exploração capitalista. Na Inglaterra, este
processo foi longo e cruel, tendo começado no final do século XV e início do XVI e se
49
concretizado no século XIX. Nele, o campesinato foi destruído para atender o
desenvolvimento da indústria de lã, suas terras agrícolas foram transformadas em áreas de
pastagem para ovelhas e campos de caça. A Lei de Cercamentos das terras comunais,
legitimada pela Jurisprudência inglesa, foi a responsável pela expropriação dos camponeses
em favor da burguesia que estava diante do florescimento da manufatura de lã que exigia para
seu desenvolvimento grandes lotes de terras para aumentar a criação de ovelhas para o seu
abastecimento. Marx (1988), para mostrar as atrocidades cometidas contra os camponeses, fez
uso da expressão de Thomas Morus: “as ovelhas devoram os seres humanos” (p. 835)
evidenciando a situação dos camponeses diante da supressão da propriedade comunal (feudal)
e a expansão da propriedade privada capitalista que transformou as terras de lavouras dos
camponeses em áreas de pastagens para a burguesia.
Como bem assevera Marx (1988), o sistema de cercamentos serviu como instrumento
de roubo para favorecer a burguesia no processo de acumulação de capital:
O roubo assume a forma parlamentar que lhe dão as leis relativas ao
cercamento das terras comuns, ou melhor, os decretos com que os senhores
das terras se presenteiam com os bens que pertencem ao povo, tornando-os
sua propriedade particular, decretos de expropriação do povo (p. 841).
Após serem expulsos de seu habitat, os camponeses migraram para as cidades, uns
foram convertidos lentamente em trabalhadores assalariados da indústria e outros não foram
logo absorvidos pela indústria manufatureira de lã e se transformaram em mendigos, ladrões e
vagabundos face às circunstâncias que encontraram nas cidades e também pela própria
tendência à vadiagem. Os expropriados diante de tal situação receberam tratamentos severos,
tais como: açoites, mutilações de parte do corpo, escravização e enforcamentos. Essas foram
as medidas tomadas para combater a vadiagem durante os reinados de Henrique VIII,
Eduardo VI, Elizabeth além de outros (MARX, 1988).
No capítulo XXIV do “Capital” que aborda “A Chamada Acumulação Primitiva”,
Marx (1988) afirma que o processo histórico do capitalismo constitui o elemento principal da
separação entre o trabalhador e os meios de produção.
O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que
retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo
que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção
e converte em assalariados os produtores diretos (MARX, 1988, p. 830).
50
Assim, na medida em que a produção capitalista torna-se independente, a tendência
não é somente produzir, mas reproduzir essa separação em escala cada vez maior. Segundo
essa compreensão de Marx, o desenvolvimento do capitalismo no campo subentenderia o
desaparecimento do campesinato como uma etapa do chamado processo de acumulação
primitiva. Tal proposição pressupõe um evolucionismo unilinear do processo histórico,
aceitando que a etapa capitalista é a condição necessária para atingir a etapa socialista e,
depois, a comunista. Portanto, ela conteria apenas duas classes sociais antagônicas: o
proletariado e a burguesia (GUZMÁN E MOLINA, 2005).
No prefácio da primeira edição de “O Capital”, Marx já introduz implicitamente a sua
tese fatalista e evolucionista da história da sociedade ao afirmar que “um país mais
desenvolvido não faz mais do que representar a imagem futura do menos desenvolvido”
(1988, p. 5). Esse enfoque gerou grandes problemas de interpretação entre os Narodiniks 11
russos quando leram pela primeira vez a edição russa de “O Capital” entre 1870 a 1880, uma
vez que eles acreditavam na possibilidade da Rússia chegar ao socialismo sem passar pelo
capitalismo. Mikhailovski chegou mesmo a afirmar que “O Capital” conteria uma filosofia da
história eurocêntrica que faria da passagem pelo capitalismo uma condição universalmente
necessária para a realização do socialismo” (FERNANDES, 1982, p. 44-45). Marx, nos
últimos anos de sua vida, período de máxima maturação intelectual, se interessou pela questão
agrária da Rússia e trocou uma série de correspondências com os narodiniks russos, nas quais
percebemos outro Marx, inovado e com grande flexibilidade a respeito da sua concepção da
história e também sobre o futuro do campesinato, como veremos a seguir.
A fase que denominamos de o último Marx corresponde ao período final da produção
teórica do autor, entre 1871 até 1883, ano do seu falecimento. Esse período literário é
caracterizado, principalmente, pelos escritos que ficaram obscurecidos durante a vida de Marx
e que foram publicados somente postumamente. Entre eles, estão o rascunho e carta a Vera
Zasulitch e os Grundrisse, ambos publicados sucessivamente em 1924 e 1935. Todos os
escritos constituídos na fase analisada estão associados a alguns fatos de grande importância
política ocorridos nesse momento histórico, tais como: a) a derrota da Comuna de Paris em
1871; b) a expulsão de Bakunin da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT); c) a
transferência do Conselho Geral da AIT para Nova Iorque em 1872; d) as lutas internas da
11
Trata-se de uma corrente intelectual e política conhecida como populismo russo que apresenta três etapas de
construção: a) a que lhe deu origem, que defendia a “volta atrás” ou seja, algo como o retorno do coletivismo
camponês como ideal socialista; b) o narodnismo clássico que defendia a idéia de que era possível se alcançar o
socialismo sustentado na comuna rural sem passar pela fase do capitalismo e; c) a expressão prática ou
revolucionária que era representada por organizações como “a Vontade do Povo”, Terra e Liberdade e o Partido
Social Revolucionário.
51
AIT que levaram a sua dissolução em 1876; e) as resistências na difusão do marxismo em
movimentos operários dos principais países europeus (FERNANDES, 1982). Esses fatos
somados ao dilema da questão agrária da Rússia, que exporemos a seguir, contribuíram para a
reflexão de Marx sobre novas questões distantes de algumas de suas concepções das fases
anteriores, tais como: o reconhecimento da multilinearidade da história da sociedade humana,
pondo fim ao equívoco da teoria geral da história. Todavia, devemos destacar, em particular, a
distinta compreensão de Marx e Engels sobre a questão russa e a recusa pela tradição
marxista, inclusive de Engels, em não aceitar as transformações inovadoras do último Marx.
Para tanto, classificaremos três períodos da comunicação entre Marx, Engels e os narodiniks:
a) período de oposição às idéias dos narodiniks; b) período de aproximação de Marx com os
narodiniks; c) período de separação e rejeição com a participação dos marxistas russos.
O primeiro período de comunicação ocorreu entre 1870 a 1880 e se caracteriza pela
questão posta pelos narodiniks a Marx e Engels referente à possibilidade de realizar o
socialismo na Rússia ultrapassando o capitalismo. Engels, em resposta à carta de Tkatchov em
1875, realça a distância referente a tal assunto e reafirma que a revolução russa só seria
possível com um desenvolvimento das forças produtivas do capital e uma formação do
proletariado industrial e da burguesia. Segundo essa visão unilinear que permanece no
pensamento de Engels, os camponeses da comuna agrária russa seriam destruídos na medida
em que a servidão feudal fosse sucumbida pelo capitalismo. De acordo com o autor:
Somente uma revolução no Ocidente poderia oferecer ao componês russo as
condições necessárias para aquela transição, especialmente os recursos
materiais de que precisaria para realizar as transformações que tal revolução
implicaria para o seu sistema agrícola (ENGELS apud FERNANDES, 1982,
p. 44).
Percebe-se então, que para Engels, a permanência do campesinato e a transformação
da comuna agrária russa dependeriam de uma ação exógena, ou seja, de uma revolução na
Europa ocidental.
Talvez Marx também compartilhasse dessa análise de Engels, mas,
posteriormente, uma sucinta diferença surgiu entre os dois pensadores, quando Marx, em
resposta à acusação de Mikhailovski, nega ser autor de uma filosofia universal da história e
sublinha que o capítulo XXIV de “O Capital” é uma análise feita sobre a origem do capital
restrita somente à Europa ocidental. Então, dele não se pode extrair uma conclusão a favor ou
não da possibilidade da Rússia passar para o socialismo sem experimentar os males do
capitalismo, pois se tratam de situações históricas diferentes, a saber:
52
(...) Nesse movimento ocidental trata-se, portanto, da transformação de uma
forma de propriedade privada em outra forma de propriedade privada. Entre
os camponeses russos, tratar-se-ia, ao contrário, de transformar sua
propriedade comum em propriedade privada (MARX apud FERNANDES,
1982, p. 45).
Após analisar profundamente a conjuntura política e econômica da Rússia, Marx
concluiu que o capitalismo só poderia se desenvolver segundo as particularidades daquele
país. Então, logo demonstra oposição a qualquer compreensão fatalista da história, a qual
levaria à extinção do campesinato na sucessão do modo de produção feudal para o modo de
produção capitalista em qualquer país do mundo, e apresenta uma visão multilinear com duas
vias contraditórias de desenvolvimento para a comuna agrária russa 12 : uma de possibilidade
para uma revolução socialista, sem a necessidade de passar pelo capitalismo, demonstrando
certa aproximação com as idéias políticas defendidas por uma corrente dos narodiniks, e a
outra de transformação radical pela submissão ao regime capitalista que transformaria boa
parte dos camponeses em proletários. Essas diferentes vias de desenvolvimento para a
comuna agrária russa foram apresentadas por Marx em resposta à carta de Vera Zasulitch, em
1881, que será apresentada com maiores detalhes na próxima fase de comunicação com os
militantes narodiniks.
O segundo período de comunicação data de 1881 até a morte de Marx em 1883. Este
período literário é caracterizado pela aproximação de Marx com os projetos socialistas de uma
facção dos narodiniks, denominada “A Partilha Negra” cuja principal representante é Vera
Zasulitch, a qual endereçou uma carta à Marx comunicando sobre o debate acirrado entre os
populistas e os marxistas russos referente à questão agrária na Rússia depois da leitura de “O
Capital”. Nesta carta, Zasulitch explica a Marx:
Das duas, uma: ou esta comuna rural – liberada das excessivas pressões
fiscais, das indenizações aos grandes proprietários rurais e da arbitrariedade
administrativa – será capaz de desenvolver o caminho socialista, isto é, de
organizar gradualmente sua produção e a divisão de seus produtos em bases
coletivas, caso em que o revolucionário socialista deverá dedicar todas as
suas forças para a libertação e o desenvolvimento da comuna; ou, ao
contrário, a comuna está condenada à ruína, caso em que ao socialista nada
resta senão dedicar-se a cálculos mais ou menos justificados sobre quantos
anos levará para que a terra do camponês russo passe às mãos da burguesia,
quantas centenas de anos serão, quem sabe, necessárias para que o
capitalismo alcance na Rússia o nível da Europa Ocidental (ZASULITCH,
1982, p. 174).
12
Chamada de “mir”. 53
Em rascunho da carta-resposta, Marx (1882) aproxima-se das idéias de Zasulitch ao
prognosticar a permanência ou decomposição da comuna agrária russa. O autor vai mais
longe, ao enfatizar algumas vantagens que poderiam conduzir a comuna agrária a um
desenvolvimento ulterior que a pouparia dos males do capitalismo, a saber:
Graças a uma combinação de circunstâncias únicas, a comuna rural, ainda
estabelecida em escala nacional, pode desembaraçar-se gradualmente de seus
caracteres primitivos e desenvolver-se diretamente como elemento da
produção coletiva em escala nacional. É justamente graças à
contemporaneidade da produção capitalista que ela pode apropriar-se de
todas as conquistas positivas desta última, sem passar por suas peripécias
terríveis. A Rússia não vive isolada do mundo moderno, nem é presa de um
conquistador estrangeiro, como as Índias Orientais (p. 176).
No final do século XIX, a Rússia era eminentemente agrícola, a comuna agrária
manteve-se predominante em escala nacional sob a forma da propriedade comum do solo.
Marx (1982) viu nessa “vantagem do atraso 13 ” a possibilidade da Rússia transitar ao
socialismo a partir da evolução ulterior de sua comuna agrária. Ou seja, a propriedade comum
da terra permitiria fazer uma transformação direta: da agricultura parcelar para uma
agricultura coletiva. Essa passagem histórica a ser realizada pelos camponeses aconteceria,
principalmente, do ponto de vista econômico, pela vantagem da contemporaneidade da
produção capitalista dos países da Europa ocidental, que poderiam fornecer as condições
materiais e intelectuais para o seu desenvolvimento, como por exemplo: a incorporação do
conhecimento técnico-científico para garantir o trabalho coletivo organizado em grande
escala. Mas, para isso, seria necessário colocar a comuna russa em seu estado normal de
produtividade para suplantar a forma insustentável em que se encontrava naquele momento
histórico, que, além da infertilidade do solo e das fracas colheitas, estava submetida ao poder
estatal por meio do fisco e dos grandes proprietários de terra que ameaçam a existência da
comuna se apropriando dos solos mais férteis da Rússia. Portanto, era preciso derrubar o
Estado czarista que acabava de criar um capitalismo (à custa da força de trabalho dos
camponeses) na forma de “estufa” em resposta à pressão da Europa ocidental para implantar:
bancos, bolsas, ferrovias e comércio. A insustentabilidade da comuna russa favorecia os
interesses articulados no Estado que pretendia transformar a sociedade russa em novos
segmentos sociais, para tanto, “é preciso constituir em classe média rural a minoria mais ou
13
A situação histórica da Rússia, com a resistência da comuna rural ao mesmo tempo em que o capitalismo se
desenvolvia na Europa Ocidental, sobretudo na Inglaterra, possibilitaria uma passagem direta ao socialismo sem
sofrer a expropriação direta dos produtores (MARX, 1982).
54
menos rica dos camponeses e converter a maioria em simples proletários” (MARX, 1982, p.
185).
Na busca de soluções para evitar tal catástrofe, Marx chama a atenção para uma rápida
revolução russa na tentativa de preservar a comuna. Nas palavras do autor:
Se a revolução for feita a tempo, se ela concentrar todas as suas forças para
assegurar um livre curso à comuna rural, logo ela se desenvolverá como um
elemento regenerador da sociedade russa e como fator de superioridade
sobre os países submetidos ao regime capitalista (1982, p. 185).
Na citação acima, percebemos a mudança no pensamento de Marx quanto ao papel
histórico da comuna agrária, ou seja, do campesinato russo, pois estaria nele a possibilidade
da regeneração social da Rússia. Ou seja, a resistência da comuna russa, ao mesmo tempo em
que o capitalismo se desenvolvia nos países ocidentais, indicava um passo à frente em direção
ao socialismo, portanto, na visão de Marx (1982), constituía a base para uma revolução
socialista no Ocidente. Esse fato ficou obscurecido por muito tempo por dois motivos: o
primeiro é de cunho político, pelo fato de Vera Zasulitch anos mais tarde romper com o
pensamento dos narodniks e se converter ao marxismo russo, fundando o movimento
denominado de “A Liberdade do Trabalho”, por isso, a carta-resposta enviada por Marx foi
engavetada pelos membros de seu partido e descoberta somente em 1924. O segundo foi que,
após a morte de Marx em 1883, anos depois, Engels retomou a comunicação com Zasulitch e
distorceu a análise feita por Marx.
Em 1882, Marx em parceria com Engels prefaciou a edição russa do “Manifesto do
Partido Comunista”, no qual os autores confirmam a tese dos narodiniks sobre a passagem
direta ao socialismo, mas fazem uma ressalva, desde que seja realizada em conjunto com a
revolução do Ocidente. Conforme o autor, “se a revolução russa der o sinal para uma
revolução proletária no Ocidente, de modo que ambas se complementem, a atual propriedade
comum da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para uma evolução comunista”
(1882, p, 46). Aqui há uma pequena diferença no pensamento de Marx que tende à ligação
com a fase posterior: de separação e oposição ao pensamento narodinista.
O último período de comunicação com os narodiniks ocorreu sem a participação de
Marx. Esse período literário, entre 1883 até 1894, é caracterizado pelo rompimento com o
pensamento dos narodiniks. Depois do falecimento de Marx, Engels torna-se a principal
referência teórica para os grupos marxistas que estavam se organizando na Rússia. Nessa
condição, envia cartas à Vera Zasulitch e a Nikolai Franzewitsch Danielson. Em carta à Vera,
em 1885, reafirma a sua concepção de que a revolução que estava a ponto de estourar na
55
Rússia seria do estilo jacobino, a ser realizada pela burguesia para impulsionar o
desenvolvimento do capitalismo (ENGELS, 1982). Em carta a Danielson, em 1893, o autor
insiste em dizer que somente uma revolução socialista no Ocidente poderia livrar a Rússia do
desenvolvimento do capitalismo. Dava à Rússia um vínculo subalterno em relação ao
Ocidente, que depois da suposta revolução, os restos da propriedade comum que ficariam na
Rússia deveriam se adaptar ao novo tipo de propriedade comum surgida da superação do
capitalismo no Ocidente (ENGELS, 1982).
Em 1890, o antagonismo entre os narodiniks e os marxistas russos tornou-se mais
acirrado. Engels, por sua vez, envolveu-se e deu suporte ao grupo marxista “Libertação do
Trabalho” e rompeu de vez com as idéias dos narodiniks, sem deixar nenhum rastro de
aproximação. É tanto que, em 1894, o autor escreve o “Epílogo à questão social na Rússia” e
reafirma mais uma vez a sua tese do desenvolvimento do capitalismo e que “a iniciativa para
a transformação da comuna russa não pode sair do seu interior, mas unicamente do
proletariado industrial do Ocidente” (ENGELS, 1982, p. 47). Demonstrando, então, a sua
persistência quanto à origem exógena da revolução russa.
Nas palavras de Engels:
Somente quando a produção capitalista for superada em sua pátria e nos
países onde floresce, somente quando, através do seu exemplo, os países
atrasados puderem ver “como se faz”, como a coletividade utiliza as forças
produtivas industriais modernas em função da propriedade socialista, só
então esses países poderão tomar aquele caminho mais curto de
desenvolvimento, quando então terão a garantia do sucesso. E isto vale não
só para a Rússia, mas para todos os países que se encontram em uma etapa
de desenvolvimento pré-capitalista (ENGELS, 1982, p. 48).
Pelo exposto, percebemos que Engels sempre enfatizou a objetividade das leis de
desenvolvimento do capitalismo para todos os países do mundo. O que significa que este
autor em suas análises não considerou as particularidades históricas de cada país. E, quanto ao
campesinato, de fato, surgiu uma brecha de resistência com Marx ainda em vida, mas depois
foi negada pelo próprio Engels.
Todavia, a discussão sobre a sobrevivência ou a extinção do campesinato no
desenvolvimento do capitalismo ganhará novos contornos com a publicação dos Grundrisses
em 1934. Estes escritos ficaram inéditos durante toda a trajetória intelectual de Marx, mas
cabe salientar que foram escritos em 1858. Classificamos este período como o do último
Marx, pelo fato dos escritos terem sido encontrados muito depois da sua morte. Nestes
escritos, a extinção do campesinato já não aparece como uma tendência inexorável do
56
desenvolvimento capitalista na agricultura, pois, para Marx, o capital pode criar e recriar
relações sociais de produção não-capitalistas, contanto que favoreçam o processo de
acumulação (MARX apud TARGINO E MOREIRA, 2008).
Em suma, admitimos que somente a partir dos escritos obscurecidos da fase
denominada de o “último Marx” atentamos para a acentuada diferença entre Marx e Engels.
Com efeito, Marx, na última fase de sua produção teórica, negou ser o fundador de qualquer
filosofia da história e apresentou as formas dúbias de desenvolvimento para a Rússia,
conforme a sua visão multilinear e unilinear da história humana. Todavia, depois de seu
falecimento, em 1883, a sua visão multilinear de desenvolvimento da sociedade foi rejeitada
pelos grupos marxistas russos rivais dos narodiniks. Nessa condição, subentende-se que
Engels, ao dar suporte ao grupo marxista “Liberdade do Trabalho”, negou a aproximação de
Marx com os narodiniks e a sua concepção sobre a possibilidade da Rússia passar diretamente
para o socialismo sem decompor o seu campesinato com o desenvolvimento do capitalismo.
Talvez tenha sido por incompreensão do pensamento de Marx por parte de Engels que a
questão agrária e o campesinato no interior do marxismo até hoje constituem-se como temas
polêmicos. E isto se deve ao duplo enfoque de análise de Marx e Engels que se difundiu no
marxismo: Engels expunha a desagregação do campesinato com a possibilidade de transição
para um capitalismo subordinado ao Ocidente, enquanto Marx indicava para uma ruptura
revolucionária para garantir a sobrevivência do campesinato russo que serviria de estímulo
para a eclosão da revolução socialista nos países do Ocidente. Há indícios que o enfoque de
Marx inspirou a teoria política de Lênin 14 e os bolcheviques com a eclosão da revolução russa
de 1917. Enquanto que o enfoque de Engels inspirou Plekhanov e os mencheviques.
No entanto, sabemos que nem as previsões de Marx e nem as de Engels foram
confirmadas em sua plenitude pela história, mas entendemos que são fundamentais para a
compreensão dos debates travados sobre o campesinato até os dias atuais no interior do
pensamento marxista. É sabido também que as disjunções existentes entre o pensamento de
Marx e Engels na última fase de o “último Marx” inspirou duas grandes correntes socialistas:
o marxismo ortodoxo e o marxismo heterodoxo. Cabe a nós procurar saber qual é o papel do
campesinato no desenvolvimento do capitalismo sob a ótica de alguns autores clássicos que se
expressam nestas duas correntes marxistas.
14
Vale acrescentar que, apesar de Lênin ter visto a realidade russa de acordo com as idéias de Marx, depois da
revolução, este pensador aderiu às idéias de Engels sobre a decomposição da comuna russa com base na visão
unilinear do progresso histórico. Todavia, posteriormente, essa teoria foi repensada por ele quando firmou
aliança com os neo-narodiniks para a efetivação da revolução socialista.
57
1.2 O campesinato na concepção de Kautsky e Lenin: teóricos marxistas ortodoxos ou
heterodoxos?
A princípio, consideramos que seja mais oportuno distinguir as duas correntes
marxistas postas em questão, para depois mostrar a idéia geral das obras clássicas de Kautsky
e Lênin no que diz respeito ao campesinato. No sentido etimológico, a palavra ortodoxia vem
do grego “orthos” que significa certo e “doxa” opinião, portanto, ortodoxia é a crença
correta, conforme os princípios tradicionais de qualquer doutrina ou religião. Ao contrário da
palavra heterodoxia, que vem do grego “heteródoxo” que significa de opinião diferente, ou
seja, é o desvio de princípios doutrinários (FERREIRA, 2000). No que se refere ao marxismo,
a eclosão de sua primeira crise com a revisão crítica dos trabalhos de Marx e Engels, a partir
de 1889, pode servir de base para compreender o embate travado entre os marxistas ortodoxos
e os marxistas heterodoxos. Não que seja preciso aprofundar no assunto, mas somente
introduzir minuciosamente tal diferença.
A ortodoxia no marxismo surgiu no final do século XIX e primeira metade do século
XX em prol da fidelidade ao método dialético na teoria marxista diante do revisionismo de
Eduard Bernstein que pretendia excluí-lo. Sobre isso, Lukács afirma que:
O marxismo ortodoxo não significa, portanto, um reconhecimento sem
crítica dos resultados da investigação de Marx, não significa uma “fé” numa
ou noutra tese, nem a exegese de um livro “sagrado”. Em matéria de
marxismo, a ortodoxia se refere antes e exclusivamente ao método. Ela
implica a convicção científica de que, com o marxismo dialético, foi
encontrado o método de investigação correto, que esse método só pode ser
desenvolvido, aperfeiçoado e aprofundado no sentido dos seus fundadores,
mas que todas as tentativas para superá-lo ou “aperfeiçoá-lo” conduziram
somente à banalização, a fazer dele um ecletismo – e tinham
necessariamente de conduzir a isso (2003, p. 64).
A citação acima evidencia que a corrente marxista ortodoxa defende o status quo do
método dialético presente nos trabalhos de Marx e Engels, contra a corrente revisionista
liderada por Bernstein, que rompe com o marxismo ortodoxo ao rejeitar os pressupostos
teóricos do materialismo histórico através da negação da dialética (LUKÁCS, 2003). Isto
provocou um grande cisma no seio do Partido da Social-Democracia alemã, durante a
Segunda Internacional, que foi considerada a primeira crise do marxismo. Como vimos, o
revisionismo é um desvio das bases teóricas do marxismo oficial, portanto, é uma corrente
heterodoxa do marxismo, pois a rejeição e a exclusão da dialética por Bernstein aproximou-o
58
do idealismo kantiano e do positivismo, ocultando de sua teoria todas as contradições do
capitalismo em defesa de um reformismo anti-revolucionário. Apesar de ter descaracterizado
a teoria marxista, tirando o seu conteúdo crítico e transformador, o revisionismo ganhou
simpatizantes em vários países do mundo, espalhando neles diversas concepções heterodoxas,
com variados níveis de distorções dos pressupostos teóricos e metodológicos do marxismo
ortodoxo. É contra o ecletismo que Lukács (2003) chama a atenção, lembrando que o
marxismo ortodoxo não significa a tradição do pensamento de Marx e Engels, mas a luta
permanente contra o pensamento burguês que a todo custo quer barrar o sentido do
socialismo.
Nas palavras do autor:
A função do marxismo ortodoxo – a superação do revisionismo e do
utopismo – não é, portanto, uma liquidação definitiva de falsas tendências,
mas uma luta incessantemente renovada contra a influência perversora das
formas de pensamento burguês sobre o pensamento do proletariado. Essa
ortodoxia não é a guardiã de tradições, mas a anunciadora sempre em vigília
da relação entre o instante presente e suas tarefas em relação à totalidade do
processo histórico (2003, p. 104).
Entretanto, em um sentido mais amplo, o marxismo ortodoxo constitui a primeira
corrente que incorpora o conjunto de desenvolvimento do pensamento de Marx e Engels, com
o objetivo de criar uma estratégia teórica e metodológica para orientar o proletariado a
derrubar o capitalismo e atingir o socialismo. É caracterizado pelos seguintes aspectos
teóricos: a) incompreensão do arcabouço teórico do livro O capital, influenciada por três
fatores, a saber: 1) ao modo peculiar de Marx escrever, ao destinar assuntos centrais a notas
de rodapé de páginas; 2) ao equívoco da generalização da evidência empírica do
desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra para todos os países do mundo e; 3) ao
desconhecimento da metodologia 15 utilizada por Marx nesta obra; b) falsa interpretação do
último Marx por Engels por não aceitar a diferenciação do pensamento de Marx nas três fases
(juventude, maturidade e último Marx), sobretudo, na última, ao não aceitar a aproximidade
que se operou no pensamento de Marx com a concepção narodinista ao ver a possibilidade de
uma via campesina; c) unilateralidade do processo histórico, uma vez que os marxistas
ortodoxos acreditam na teoria geral dos modos de produção, em que a passagem de um modo
de produção a outro, como já foi dito anteriormente, dá-se pelo descompasso entre as formas
15
Segundo Gusmán e Molina (2005), a lei universal referente à seqüência de modos de produção foi utilizada
por Marx “tão-somente como modelos ou cortes históricos, em seu processo de avaliação no interior de seu
método de regressão histórica” (p. 41).
59
de produzir, de pensar e atuar dos homens, surgindo novas lógicas sociais que substituirão as
anteriores, transformando a forma de atuar sobre a natureza para dela tirar as condições
necessárias para sobreviver. Ou seja, o processo unilinear da sociedade funciona conforme as
leis do movimento econômico, isto é, do modo de produção comunista primitivo, passou-se
para o modo de produção escravista, o qual foi substituído pelo modo de produção feudal, que
foi ultrapassado pelo modo de produção capitalista, que será supostamente substituído pelo
modo de produção socialista. Para o marxismo ortodoxo, Marx teria pressuposto essa mesma
lógica seqüencial dos modos de produção para todas as sociedades históricas; d) consideração
da agricultura como um ramo da indústria, hipótese efetuada por Marx após analisar a
agricultura européia em pleno desenvolvimento do capitalismo, mais precisamente na
Inglaterra como consta no livro O capital (GUSMÁN E MOLINA, 2005).
A partir dessas breves considerações sobre o marxismo ortodoxo, percebemos que esta
corrente teórica orienta-se pelos escritos da fase da maturidade de Marx e não considera a
diferenciação das demais fases do pensamento do autor, por isso, caracteriza-se pela rigidez
oficial do marxismo, contrapondo-se a outras correntes consideradas marxistas, mas que
apresentam certas discrepâncias em relação a esta.
Após essa explanação referente à corrente marxista ortodoxa, cabe agora verificar
como a questão agrária e o campesinato foram interpretados por ela e pelos autores clássicos
que se orientaram por tal.
De acordo com Gusmán e Molina (2005), denomina-se de marxismo ortodoxo agrário
o contexto teórico que interpreta a questão agrária no desenvolvimento do capitalismo a partir
das seguintes características: a) evolução unilinear; b) sequência histórica; c) dissolução do
campesinato; d) superioridade da grande empresa agrícola e; e) contraposição entre a grande e
a pequena produção.
A questão agrária analisada de acordo com a tese da evolução unilinear dos marxistas
ortodoxos funciona da seguinte maneira:
As transformações que se operam na agricultura respondem às mudanças
que se produzem na sociedade global. Essas mudanças estão determinadas
pelo crescimento das forças produtivas e a configuração do progresso como
resultado, gerando formas de polarização social nas quais se produz um
processo acumulativo de formas de exploração social (GUSMÁN E
MOLINA, 2005, p. 49-50).
Neste contexto, a seqüência de fases históricas das formas de exploração foi: da
escravidão na civilização antiga passou-se para a servidão na Idade Média e depois para o
60
trabalho assalariado na Idade Moderna. Para o marxismo ortodoxo agrário, essas formas de
exploração dependem da lógica do desenvolvimento das forças produtivas. “Portanto, as
transformações que tem lugar no campo se produzem seguindo uma seqüência histórica de
modos de produção irreconciliáveis entre si” (GUSMÁN E MOLINA, 2005, p. 50). Desta
forma, o modo de produção capitalista se constrói sob as bases das antigas relações sociais e
econômicas do modo de produção anterior, determinando a dissolução do campesinato por ser
uma forma de organização social própria do modo de produção passado.
A corrente marxista ortodoxa agrária, segundo Gusmán e Molina (2005), defende a
tese que “a centralização e a concentração, como processos necessários ao capitalismo
industrial eliminam o campesinato da agricultura por ser ele incapaz de se incorporar ao
progresso técnico” (p. 50). Acredita na superioridade técnica da grande exploração agrícola
perante a pequena exploração, principalmente, pela vantagem de adaptação daquela ao
funcionamento da agricultura capitalista. Essa contradição entre ambas acontece porque “a
dinâmica do capitalismo gera uma confrontação entre o campesinato e o latifúndio, que tem
como desenlace a proletarização do campesinato e a polarização social do campo”
(GUSMÁN E MOLINA, 2005, p. 50-51).
A tese da dissolução e proletarização do campesinato, bem como da superioridade
técnica da grande propriedade agrícola em comparação à pequena produção camponesa,
foram formuladas por Lênin e Kautsky em seus estudos sobre a questão agrária no
desenvolvimento do capitalismo. Por isso, o marxismo ortodoxo agrário atribui a ambos a
inevitável tendência ao desaparecimento do campesinato no modo de produção capitalista.
Mas, como chama a atenção Paulino e Almeida (2010), “é necessário ressalvas à questão do
marxismo ortodoxo agrário de Kautsky e Lênin, além disso, é preciso considerar suas
diferenças interpretativas em relação à questão agrária” (p. 22). Isso porque, ao tentarem
explicar a evolução do campesinato conforme a visão unilinear do processo histórico, tecem
profecias quanto ao seu fim com o avanço das relações capitalista no campo. Porém, em seus
trabalhos, há elementos teóricos que se opõem a tal formulação e confirma a resistência
camponesa no modo de produção que o oprime. É neste contexto que será discutida a seguir a
questão da existência ou não do campesinato no pensamento desses dois autores.
Karl Kautsky (1972, 1986), com a publicação em 1898, de sua obra “A Questão
Agrária”, além de descrever a influência do capitalismo sobre a agricultura e as
transformações que estavam ocorrendo no campo no final do século XIX, mas precisamente
na Alemanha, faz prognósticos para o novo século no que se refere à introdução do
capitalismo no campo. Neste momento, o autor vivia um momento ímpar na sua vida, pois,
61
além de desfrutar de grande prestígio intelectual entre os marxistas, era um dos líderes da
Segunda Internacional. O objetivo principal do autor na mencionada obra foi analisar como o
capital se apropria da agricultura na Alemanha (área de investigação geográfica dele),
evidenciando que a grande propriedade agrícola é superior à pequena propriedade camponesa,
dado o fato da penetração do capitalismo no campo favorecer aquela, por ser a melhor em
satisfazer as necessidades da grande indústria agrícola. Neste caso, a pequena unidade de
produção por não ter condições para se fortalecer tecnicamente para desenvolver as atividades
capitalistas tenderia a diminuir ou desaparecer 16 (KAUTSKY, 1972). Essa profecia foi tecida
pelo autor ao analisar o processo da integração indústria-agricultura que determinou um novo
ritmo de vida do camponês alemão que passou a depender do capital para realizar as suas
atividades. Em outras palavras, o camponês terminou se envolvendo com o sistema capitalista
e passou a produzir para o mercado, dependendo de dinheiro para comprar as coisas
necessárias para o seu sustento, bem como, as ferramentas e produtos industrializados para a
sua produção agrícola. Então, nas palavras de Kautsky (1972), o camponês:
(...) deixa, portanto de ser o senhor da sua exploração agrícola: esta torna-se
um anexo da exploração industrial pelas necessidades da qual se deve
regular. O camponês torna-se um operário parcial da fábrica (...) ele cai
ainda sob a dependência técnica da exploração industrial (p. 128-129).
A conseqüência da integração da agricultura com a indústria imposta pelo capital ao
camponês deixou-o mais vulnerável e dependente da indústria, por isso, a sua existência como
tal estaria com os dias contados.
Sobre essa integração, Kautsky afirma:
Quanto mais este processo avança, mais se dissolve a indústria doméstica a
que, primitivamente, o camponês se dedicava, e mais aumenta a necessidade
de dinheiro não só para comprar coisas que não são indispensáveis, ou que
são até supérfluas, mas também para comprar coisas necessárias. Já não pode
continuar a explorar a sua terra nem prover ao seu sustento sem dinheiro
(1972, p. 26).
Na citação supracitada, não podemos ignorar três fatores condicionantes à submissão
do camponês ao capital, quais sejam: o primeiro refere-se ao avanço tecnológico proveniente
da Revolução Industrial, durante a qual, foram inventadas diversas máquinas com os objetivos
16
Para Kautsky (1972), o campesinato é compreendido como um vestígio de modos de produção pré-capitalistas,
talvez por isso, acredite no seu fim no capitalismo.
62
principais de reduzir a penosidade do trabalho na terra e de aumentar a sua produção; o
segundo fator insere-se no contexto citado anteriormente e se refere à falta de recursos
financeiros pela maioria dos camponeses para comprar tais equipamentos que naquele
momento fazia-se necessário para tocar à frente a sua produção diante da sua recém inserção
no mercado. Em prol destes, surgiram os empréstimos junto aos usurários para comprarem
equipamentos e máquinas. Estes, porém, em contrapartida, impunham a hipoteca das terras
dos camponeses como forma de garantir o pagamento. Os que experimentaram deste milagre
caído do céu perderam suas terras, uns migraram para as cidades em busca de empregos e
outros permaneceram no campo, mas trabalhando em grandes propriedades. Os poucos que
tinham recursos para obter equipamentos compraram e continuaram no campo, mas adotaram
novas formas de uso de terra no intuito de aumentar a sua produtividade. Para isso, passaram
a organizar a produção com base no método de rodízio das culturas e na divisão do trabalho
na terra, buscando cultivar mais os produtos que tivessem os melhores preços no mercado,
reduzindo ou até mesmo deixando de cultivar os cereais para a sua alimentação, passando,
então, a comprá-los (KAUTSKY, 1972).
Foi com base nesses pressupostos que Kautsky (1972, 1986), inspirado na obra “O
Capital” de Karl Marx, analisou a questão agrária utilizando-se de alguns fundamentos da
sociedade capitalista, como por exemplo: a mais-valia; o lucro; a renda da terra; as classes
sociais e outros. Portanto, a organização social camponesa não foi analisada a partir da lógica
de sua estrutura interna, mas do espaço econômico em que se realiza. Desse ponto de vista, o
autor defende a superioridade técnica da grande exploração em relação à pequena, que,
associada às desigualdades geradas pela penetração do capitalismo no campo, condenaria o
campesinato à proletarização, à pobreza e à exclusão sendo sua tendência diminuir ou
desaparecer. Kautsky realmente procura e se esforça para provar que a grande exploração é
bem mais vantajosa que a pequena. E, dentre essas vantagens, destaca: a) a idéia que há na
pequena exploração desperdício de trabalho; b) a hipótese que somente na grande exploração
pode ocorrer a utilização racional e proveitosa de máquinas, animais, irrigação, drenagem,
instrumentos e conhecimentos escolares e técnicos para o manejo da terra; c) somente a
grande exploração terá maiores vantagens ao comércio e ao crédito; d) os bons salários e uma
boa alimentação serão oferecidos somente pela grande exploração.
Contudo, o autor ainda afirma que a grande exploração não é necessariamente a
melhor, dado ao fato que o aumento da empresa agrícola ocasiona uma expansão de prejuízos
materiais, dentre tais, podemos citar o maior emprego de força-de-trabalho e meios para o
63
transporte dos trabalhadores. Porém, essa vantagem da pequena exploração somente ocorria
em casos especiais, já que, no geral, as vantagens prevaleciam para as grandes explorações.
Kautsky ainda projeta a transformação da sociedade capitalista para a socialista. E
dentro desse processo, a tendência do campesinato é a sujeição e a proletarização no
capitalismo e ao Estado, no socialismo. De acordo com o autor,
(...) é muito mais agradável depender do Estado democrático que ser
explorado por meia dúzia de “tubarões” do açúcar. O Estado nada irá tirar do
camponês, mas antes dar-lhes alguma coisa. A transformação da sociedade
capitalista numa sociedade socialista transformará os camponeses e os
trabalhadores rurais, sem dúvida alguma em uma força de trabalho
especialmente respeitada (KAUTSKY, 1986, p. 391).
Kautsky propõe a implantação do socialismo através da instalação das cooperativas,
transformando o camponês em um determinado tipo de proletário. Para o autor:
Quando as cooperativas socialistas (...) tiverem afirmado a sua vitalidade,
quando tiverem desaparecido os riscos que hoje ameaçam ainda qualquer
empresa econômica, quando o camponês já não tiver que recear tornar-se um
proletário pelo abandono dos seus bens, então ele reconhecerá que a
propriedade individual dos meios de produção é um obstáculo que impede de
chegar a uma forma superior de exploração, um obstáculo de que ele se
desembaraçará com prazer (KAUTSKY, 1972, p. 176).
No entanto, o camponês que tiver consciência que sua salvação será pela produção
agrícola cooperativa, compreenderá também que esse tipo de produção só haverá na altura em
que o proletariado tiver força para modificar a forma da sociedade em conformidade com os
seus interesses. Porém, nessa altura, claro que ele já será socialista. Desta forma, Kautsky
enfoca o processo de diferenciação social, embora admita a superioridade da grande
propriedade. Deixa bem clara a possibilidade de resistência da pequena produção camponesa,
principalmente se ela for capaz de se associar e cooperar, pois a grande exploração necessita
de um bom número de pequenas propriedades para sua exploração industrial, no qual a
pequena fornecerá matéria-prima e ainda servirá como reserva de mão-de-obra para os
períodos que a grande exploração necessite de trabalhadores assalariados. Por isso, o autor
sugeriu que os camponeses, para superarem as suas dificuldades, se organizassem em ligas,
isto é, em uma forte organização socialista de produção para enfrentar o capitalismo agrário.
64
Em suma, subentende-se que a produção científica de Kautsky se distancia da visão
unilinear do marxismo ortodoxo e se aproxima da abordagem multilinear 17 do marxismo
heterodoxo, contribuindo, assim, para a discussão sobre a resistência da produção camponesa
ao apontar algumas estratégias de sua recriação, tais como: a) a opção pelo trabalho acessório
(impulsionado pelas ruínas de algumas pequenas unidades produtivas) para complementar a
renda familiar; b) a difusão da idéia de que as cooperativas e a ação do Estado poderiam
favorecer os pequenos produtores; c) ao funcionalismo complementar da grande exploração e
da pequena exploração, onde uma torna-se o sustentáculo da outra e vice-versa, isto é, de um
lado, a grande exploração dá oportunidade de emprego para os camponeses, por outro lado, a
pequena exploração torna-se um sustentáculo para a grande propriedade na medida em que
fornece para ela força-de-trabalho. É tanto que ambas sempre se localizam em áreas próximas.
Outra obra que merece destaque sobre o estudo do processo de penetração do
capitalismo na agricultura é “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia” de Lênin
publicada em 1899. Esse autor também defendeu a tese da desintegração do campesinato e
argumentava que os camponeses apresentavam formas contraditórias ao capitalismo, uma vez
que, detendo os meios de produção, eles representavam um entrave ao avanço do capitalismo
e, assim, viviam em uma situação intermediária entre “não” ser totalmente um capitalista e
“não” ser um proletário propriamente dito. Lênin (1982) traz uma abordagem sobre a situação
do camponês frente ao processo capitalista, onde o camponês na economia mercantil torna-se
inteiramente subordinado ao mercado, dependendo deste tanto para seu consumo próprio
como para sua atividade agrícola, o que resulta na criação de um mercado interno para o
capitalismo.
Para Lênin (1982), o processo de desintegração do campesinato na Rússia foi
conseqüência de vários fatores que ocasionou o empobrecimento do camponês, quais sejam: o
problema do arrendamento da terra; a compra de terras; os implementos agrícolas
aperfeiçoados; as atividades temporais; o progresso da agricultura mercantil; e o trabalho
assalariado. Essas transformações decorrentes do processo capitalista no campo fizeram com
que ocorressem mudanças nas classes sociais rurais, pois “o campesinato antigo não se
17
O marxismo heterodoxo, corrente teórica dos populistas russos, cuja maior representante foi Rosa
Luxemburgo, aborda a visão multilinear do marxismo e defende a idéia de que para alcançar o modo de
produção socialista e depois a comunista, poderia-se ultrapassar o modo de produção capitalista. Portanto, não
acredita na hipotése de que todas as sociedades teriam que passar pela seqüência dos modos de produção. Nessa
corrente, a extinção do campesinato já não aparece como uma tendência inexorável do desenvolvimento do
capitalismo na agricultura, pois o capital é contraditório ao se utilizar de relações não-tipicamente capitalistas,
portanto, pode criar e recriar as mesmas para se desenvolver, contanto que favoreçam ao processo de
acumulação (GUZMÁN E MOLINA, 2005).
65
‘diferencia’ apenas: ele deixa de existir, se destrói, é inteiramente substituído por novos tipos
de população rural (...)” (1982, p. 114), que passaram a constituir a base de uma sociedade
dominada pela economia mercantil e pela produção capitalista.
Na visão de Lênin (1982), o camponês é tido igualmente como na concepção de
Kautsky, como vestígio de modos de produção pré-capitalistas, porém, existe uma nítida
diferença quanto ao papel político do campesinato. A concepção defendida por Lênin admite
que os camponeses pobres possam ser sujeitos ativos da transformação das estruturas da
sociedade mediante a aliança com a classe operária, embora de maneira subordinada.
Lênin (1982) ainda nos remete ao processo de diferenciação interna do campesinato.
Essa diferenciação consiste no empobrecimento da grande maioria dos camponeses e,
simultaneamente, no aumento do poder financeiro e do controle sobre maiores extensões de
terra por parte de uma parcela ínfima desse mesmo campesinato. Desse processo resultariam
fragmentos sociais diferenciados: os camponeses ricos (em sua minoria que supostamente
viria a constituir os capitalistas agrários); os camponeses pobres (que em prol de sua
sobrevivência terão que vender sua força de trabalho formando o proletariado rural); e os
camponeses médios (com o passar do tempo passariam a aumentar a fila dos proletários
rurais).
Nesse sentido, o autor apresenta-nos duas vias possíveis para o desenvolvimento do
capitalismo na agricultura, a saber:
Os restos do feudalismo podem desaparecer, quer mediante a transformação
dos domínios dos latifundiários quer mediante a destruição dos latifúndios
feudais, isto é, por meio da reforma ou por meio da revolução. O
desenvolvimento burguês pode verificar-se tendo à frente as grandes
propriedades dos latifundiários, que paulatinamente se tornarão cada vez
mais burguesas que paulatinamente substituirão os métodos feudais de
exploração pelos métodos burgueses; e pode verificar-se também, tendo à
frente as pequenas explorações camponesas, que, por via revolucionária,
extirparão do organismo social a “excrescência” dos latifúndios feudais e,
sem eles, desenvolver-se-ão livremente pelo caminho da agricultura
capitalista dos granjeiros (LÊNIN, 1980, p.29-30).
A tese da dissolução do campesinato defendida por Lênin (1980) foi posteriormente
revista por ele quando apresentou essas duas vias para o desenvolvimento capitalista: a via
prussiana e a via americana. Na primeira, a exploração feudal do latifundiário conserva-se e
se transforma aos poucos numa exploração puramente capitalista do tipo “junker”
(latifundiários nobres prussianos), condenando os camponeses a décadas da mais dolorosa
expropriação e do mais doloroso jugo, ao mesmo tempo em que se distingue uma minoria de
66
“Grossbauers” (lavradores abastados). Na verdade, nesta via, o objetivo fundamental da
evolução é a transformação do feudalismo em sistema diários do tipo “júnkers”. Na segunda,
“ou não existem domínios latifundiários ou são liquidados pela revolução, que confisca e
fragmenta as propriedades feudais” (LÊNIN, 1982, p. 30). Desta forma, predomina o
camponês que passa a ser o agente exclusivo da agricultura e vai evoluindo até se converter
no granjeiro capitalista, ou seja, o conteúdo da via americana está na transformação do
camponês patriarcal em granjeiro burguês.
Apesar de Lênin ter a consciência de que não era possível desencadear um processo
revolucionário de transformação social sem o apoio político dos camponeses (na suposta
aliança operário-camponesa), ele não elevou o campesinato à mesma altura do proletariado no
que se refere à tarefa de construção do socialismo.
Contudo, é importante acrescentar que Lênin (1982) efetuou estudos sobre a questão
agrária na Rússia, em condições completamente diferentes dos estudos feitos por Kautsky na
Alemanha. Pois, neste país, o capitalismo já havia consolidado, enquanto na Rússia, houve
um retardo do desenvolvimento do capitalismo, portanto, ainda permaneciam características
do antigo regime feudal.
Porém, Lênin (1982) se contrapunha ao pensamento ideológico do movimento
populista, cujos integrantes, a exemplo de Chayanov, difundiam idéias que a Rússia, por ser
um país agrícola, não possuía características de países capitalistas da Europa Ocidental.
Então, preocuparam-se em preservar as comunidades aldeãs e tradicionais, no sentido de
manter características do sistema socialista, evitando, dessa maneira, chegar ao estágio
histórico do capitalismo, transitando diretamente do feudalismo para o comunismo. Esse
posicionamento teórico incomodava Lênin, que afirmava com particular força, através da
pesquisa empírica e de dados estatísticos na sua obra, que a Rússia já se encontrava dentro da
economia capitalista, mesmo que atrasada.
Em suma, aparentemente, Lênin segue a leitura unilinear de Marx, ao afirmar que o
emprego da mão-de-obra assalariada é o indicador direto do desenvolvimento do capitalismo
no campo. Mas também apresentou uma visão multilinear do desenvolvimento capitalista na
agricultura, ao apresentar, como idéia central no seu estudo, que o capital pode criar diferentes
formas de propriedades na agricultura, mesmo que estejam submissas ao seu
desenvolvimento, tais como: a medieval, a clã e a comunal.
Contudo, é óbvio que as interpretações de Kautsky e Lênin sobre a desintegração do
campesinato se encaixam nas orientações da corrente marxista ortodoxa que era a dominante
no período histórico em que escreveram as suas famosas obras. Mas também não podemos
67
ocultar a grande contribuição desses dois autores, tão sagazes para a época, que se aproximam
das orientações do marxismo heterodoxo sobre a resistência camponesa no desenvolvimento
do capitalismo. Kautsky foi longe, neste sentido, pois identificou a resistência camponesa ao
lado da concentração da grande propriedade capitalista. De fato, o autor afirma que o modo de
produção capitalista domina a sociedade atual, mas não significa que seja a única forma de
produção existente, pois ao lado da grande exploração agrícola encontram-se ainda restos de
modos de produção pré-capitalistas. Ele, com base na sua pesquisa empírica, deu-nos o
exemplo concreto da empresa Nestlé em Vevey na Suíça, “cujos habitantes ainda são,
exteriormente, proprietários de suas terras, mas não são mais agricultores livres” (AMIN E
VERGOPOULOS apud PAULINO E ALMEIDA, 2010, p. 22). Ou seja, com a subordinação
da agricultura camponesa à indústria, o camponês se reduz à mera condição de um trabalhador
disfarçado. Enquanto Lênin, da mesma forma que Kautsky, autodenominou marxista
ortodoxo, porém, deixou brechas em suas análises sobre a resistência do campesinato. O que
lhe rendeu críticas por parte do Partido da Social-Democracia que, a partir de 1907, acusoulhe de ter se transformado em um narodinista russo. Sobre isso, Shanin (1980) afirma que
Lênin, desde 1907, “(...) passa a reconhecer certo exagero em suas primeiras conclusões sobre
a natureza capitalista da agricultura russa, e, ainda que implicitamente, a aceitar a
permanência de traços camponeses” (p. 55).
Comprovada a resistência camponesa no pensamento de Kautsky e Lênin, mesmo que
seja sucintamente, podemos agora classificá-los como teóricos clássicos que se posicionaram
na interface entre o marxismo ortodoxo e o marxismo heterodoxo. Afirmamos isso sem
dúvida alguma, pois essas entre outras análises aqui apresentadas foram ignoradas pela
postura dogmática do marxismo ortodoxo, que via somente na burguesia e no proletariado as
únicas classes do capitalismo. Isto devido ao entendimento do desenvolvimento histórico em
etapas, conforme dito aqui anteriormente, isto é, do feudalismo para o capitalismo e deste para
o socialismo. Compreensão muito cara para alguns estudiosos sobre essa temática no Brasil
como veremos mais adiante neste trabalho, pois os partidos comunistas que se instalaram pelo
mundo inteiro, reproduziram a tese etapistas, influenciando muitos países capitalistas
periféricos. Todavia, com o passar do tempo, tal tese foi questionada com diversas críticas
referentes à compreensão do campesinato no marxismo ortodoxo. É neste contexto de críticas
que apresentaremos a seguir o campesinato no marxismo heterodoxo a partir das
contribuições de Rosa Luxemburgo e Chayanov.
68
1.3 O campesinato no marxismo heterodoxo: a teoria dos “espaços vazios do
capitalismo” de Rosa Luxemburgo e a teoria da economia camponesa de Alexander
Chayanov
Alguns desvios à ortodoxia marxista foram apresentados por Rosa Luxemburgo (1985)
na sua obra “A Acumulação do Capital”, na qual se opõe a interpretação marxista referente à
realização da mais-valia e sobre a existência do campesinato no capitalismo. Segundo a
autora, o esquema da reprodução do capital 18 apresentado por Marx é insuficiente e limitado.
Sobre isso, Luxemburgo (1985) afirma:
(...) historicamente, a acumulação de capital é o processo de troca de
elementos que se realiza entre os modos de produção capitalistas e os não
capitalistas. Sem esses modos, a acumulação de capital não pode efetuar-se.
Sob esse prisma, ela consiste na mutilação e assimilação dos mesmos, e daí
resulta que a acumulação do capital não pode existir sem as formações nãocapitalistas, nem permite que estas sobrevivam a seu lado. Somente com a
constante destruição progressiva dessas formações é que surgem as
condições de existência da acumulação de capital. O que Marx adotou como
hipótese de seu esquema de acumulação corresponde, portanto, somente à
tendência histórica e objetiva do movimento acumulativo e ao respectivo
resultado teórico final. O processo de acumulação tende sempre a substituir,
onde quer que seja, a economia natural pela economia mercantil simples, e
esta pela economia capitalista, levando a produção capitalista – como modo
único e exclusivo de produção – domínio absoluto em todos os países e
ramos produtivos. E é nesse ponto que começa o impasse. Alcançado o
resultado final – que continua sendo uma simples construção teórica -, a
acumulação torna-se impossível: a realização e a capitalização da mais-valia
transformam-se em tarefas insolúveis. No momento que o esquema marxista
corresponde, na realidade, à reprodução ampliada, ele acusa o resultado, a
barreira histórica do movimento de acumulação, ou seja, o fim da produção
capitalista. A impossibilidade de haver acumulação significa, em termos
capitalistas, a impossibilidade de um desenvolvimento posterior das forças
18
Luxemburgo (1985) mostra claramente como acontece a reprodução do capital e a forma em função da qual as
relações capitalistas de produção dialogam com as relações não capitalistas para completar o ciclo reprodutivo
do capital. Primeiro a autora expõe a fórmula responsável pelo funcionamento do processo de reprodução social
do capital, qual seja: c + v + m. Considera-se “c” o capital constante que corresponde aos meios de produção que
retornam ao processo produtivo. O “v” refere-se ao capital variável, representado pelos trabalhadores que
adquire seus meios de consumo. E “m” corresponde à mais-valia realizada pelas formas de produção não
capitalistas, como a camponesa. Portanto, segundo a autora, não faz sentido o esquema da reprodução do capital
de Marx, pois em uma sociedade limitada somente por duas classes, a dos proletários e a dos capitalistas, não
haveria a reprodução ampliada do capital, tendo em vista que “a mais-valia não pode ser realizada nem por
operários, nem por capitalistas, mas por camadas sociais ou sociedades que por si não produzem pelo modo
capitalista” (p. 241). Sem a classe (não capitalista) responsável pela a realização da mais-valia, não ocorre a
reprodução ampliada do capital, e sem esta, não tem como a empresa capitalista desenvolver-se. Foi esse o
espaço vazio deixado por Marx quando apresentou o seu esquema da reprodução do capital.
69
produtivas e, com isso, a necessidade objetiva, histórica, do declínio do
capitalismo (p. 285).
Para a autora, a realização da mais-valia é fundamental para a acumulação capitalista,
mas, para que seja realizada, faz-se necessária a utilização de relações não capitalista de
produção, inclusive, a camponesa. Tal explicação preenche os “espaços vazios do
capitalismo” deixado por Marx, que, em suas análises sobre o processo de reprodução do
capital, chega à conclusão que o modo de produção capitalista é o dominante, por isso, há
somente duas classes sociais, a dos capitalistas e a dos trabalhadores assalariados. Todavia,
Luxemburgo (1985), no Capítulo XXVI da mencionada obra, demonstra o contrário,
explicando minuciosamente que nunca existiu uma sociedade capitalista cuja forma de
produção capitalista funcionasse exclusivamente. O que há, segunda a autora, é uma
coexistência entre as sociedades capitalistas com as sociedades não capitalistas, mas desde
que favoreça em primeira instância a acumulação do capital daquela.
Percebe-se que a análise de Luxemburgo (1985) traz um novo marco teórico sobre o
futuro do campesinato no desenvolvimento do capitalismo na agricultura, uma vez que a idéia
de sua recriação no interior do capitalismo é explicada não somente pela articulação entre
diferentes modos de produção, mas, sobretudo, pelo processo contraditório criado pelo capital
para que haja a sua reprodução. Ou seja, ocorre um processo dúbio de recriação: tanto da
burguesia capitalista como do campesinato, mesmo que a tendência seja a substituição da
primeira pela segunda. Tal afirmativa, na qual o camponês ganha destaque, completa as
entrelinhas deixadas por Marx quando formulou a sua teoria sobre a reprodução do capital.
Portanto, sem receio de errar:
É possível atribuir a Rosa Luxemburgo o estabelecimento de um marco
teórico sobre os “espaços vazios do capitalismo”, segundo o qual em toda
sociedade se produz a coexistência de regimes de produção diferentes assim
como um forte intercâmbio entre eles. Nesse sentido, o campesinato, como
estrutura social não capitalista, possui mecanismos de funcionamento que
marcaram fortes peculiaridades em seu intercâmbio com a forma de
exploração dominante nessa determinada sociedade (GUSMÁN E
MOLINA, 2005, p. 48-49).
Em suma, na interpretação de Rosa Luxemburgo (1985), o desenvolvimento do
capitalismo no campo não significa necessariamente a destruição do campesinato, dado ao
fato que o papel do camponês neste processo é o de um trabalhador para o capital, por ser ele
o responsável pela reprodução da mais-valia capitalista. Por isso, para o capital se
desenvolver, faz-se necessário a dissolução e a recriação do campesinato para completar o seu
70
ciclo produtivo. Porém, é preciso ressalvas quanto a tal compreensão da autora, pois estamos
no século XXI e ainda não se comprovou a extinção do campesinato, mas a sua transformação
e recriação no capitalismo, e isso se deve não somente ao processo de acumulação do capital,
mas à luta pela terra e as diversas formas de organização da produção e do trabalho.
Outras idéias que também estão no contexto da existência e recriação do campesinato
no desenvolvimento do capitalismo no campo é apresentada por Chayanov na obra “A
organização da Unidade Econômica Camponesa 19 ”, publicada em 1925. Essa obra constitui
um importante referencial teórico sobre a questão camponesa e coloca como elemento
principal a caracterização do campesinato russo sob um ponto de vista interno, através do
núcleo familiar e do equilíbrio trabalho-consumo. Chayanov (1974), diferentemente de
Kautsky e Lênin, não analisa os camponeses a partir de sua inserção na dinâmica capitalista,
ao contrário, faz uma avaliação subjetiva sobre a natureza da produção camponesa e a
compreende como um modo de produção. De fato, o autor também identificou uma
diferenciação camponesa, mas completamente diferente da diferenciação social defendida por
Lênin que resultaria no desaparecimento do campesinato no capitalismo. Paulino e Almeida
(2010), ao tecerem comentários sobre o ponto de vista de Chayanov, afirmam:
A diferenciação, para Chayanov, longe de ser a possibilidade de
descamponização, era uma estratégia de manutenção da condição de
camponês diretamente relacionada com o ciclo de desenvolvimento da
família e, portanto, indispensável à compreensão da permanência
camponesa. Para o autor, o que estava em curso no campo russo não era um
processo de desigualdade e antagonismo de classe no seio do campesinato,
numa competição própria da lógica capitalista que levaria inflexivelmente à
desintegração do mundo camponês. Mas, sim, um conjunto de estratégias
orientadas por uma racionalidade que partia da família para a terra, portanto,
da avaliação subjetiva das necessidades do núcleo familiar. Assim sendo, a
diferenciação não resultaria na proletarização (futuro operário) ou na
acumulação (pequeno patrão) como lógica capitalista. Na verdade, era
expressão de mecanismos internos relativos ao (des)equilíbrio da família, em
que o padrão de vida e a amplitude das exigências de consumo também
figuravam como fatores decisivos para a estrutura da unidade produtiva
camponesa (p. 33).
Por isso, que a tese da subordinação dos camponeses ao capital e a sua subseqüente
expropriação não tiveram lugar de destaque na obra de Chayanov (1974), se apresentaram
“marginalmente”, pois o autor se limitou em analisar o interior do organismo camponês e
entender a diferenciação demográfica ali existente. De acordo com Chayanov, cada família
19
Do original “La Organización de la Unidade Econômica Campesina”, baseada nos estudos realizados nas
unidades econômicas de produção familiares russas no início do século XX.
71
camponesa possui uma dinâmica demográfica própria, constituída pelo número de
trabalhadores e consumidores, conforme suas idades determinam a variação no volume do
trabalho e consumo necessário para a reprodução familiar. Em outras palavras, a produção
camponesa aumenta ou diminui de acordo com a quantidade de membros consumidores de
uma família, ou seja, os camponeses buscam sempre ajustar o tamanho de sua família às
necessidades de sua base material. Nas palavras do autor, “el volumen de la actividad de la
família depende totalmente del número de consumidores y de ninguna manera del número de
trabajadores” (1974, p. 81). Portanto, ele parte da necessidade de consumo e subsistência da
família para entender o trabalho camponês.
Neste contexto, a pequena produção camponesa busca equilibrar a relação entre: a) o
trabalho familiar; b) o consumo; c) e a intensidade do trabalho. Esse equilíbrio estabelece um
limite natural na produção, “que é o da satisfação das necessidades da família, sendo
desinteressante qualquer esforço maior” (PAULINO E ALMEIDA, 2010, p. 34). Para
Chayanov (1974), o aumento da produtividade do trabalho camponês deve-se à pressão
desempenhada pelas necessidades do consumo familiar.
Sendo assim, a lógica da
organização da unidade econômica camponesa está baseada na racionalização entre
quantidade e qualidade de terra e entre força-de-trabalho e capital. Ou seja, qualquer distorção
nesta relação é compensada pela ocupação da força-de-trabalho em atividades não-agrícolas
complementares 20 , ou até mesmo, pela intensificação do trabalho. Sobre a ocupação dos
camponeses nas atividades não agrícolas, Chayanov afirma:
(...) En numerosas situaciones no es una falta de médios de produccíon lo
que origina ganancias provenientes de las artesanias y comercio, sino una
situación de mercado más favorable para este tipo de trabajo, em el sentido
de la remununeración que brinda a la fuerza de trabajo campesina,
comparada con la dela agricultura (1974, p. 118).
O ingresso às atividades não agrícolas é justificado pela possibilidade em obter o
equilíbrio interno de modo mais rápido, porém, é importante acrescentar, para não
descaracterizar a natureza da produção camponesa, que, ao restabelecer o equilíbrio interno,
ocorre o retorno da família para retomar a sua condição de existência social.
Nos seus escritos “Sobre a Teoria dos Sistemas Econômicos Não-Capitalistas”,
Chayanov (1981) elaborou a teoria sobre o cálculo econômico camponês, segundo a qual, a
20
As contribuições de Chayanov a respeito das atividades não-agrícolas complementares, serão expostas neste
trabalho posteriormente de forma mais detalhada no item que trata sobre as diferentes formas de recriação
camponesa.
72
lógica da produção camponesa se realiza no interior da sua unidade, onde a terra é manejada
somente pelos membros da própria família, por isso, caracteriza-se por um cálculo econômico
específico, muito diferente do cálculo econômico capitalista. Analisando a produção
camponesa, o autor a comparou com a produção capitalista e chegou à seguinte conclusão:
uma empresa é considerada lucrativa quando a renda bruta (RB), após a dedução das despesas
em materiais (DM) e também em salários (DS), perfaz a soma (S). A soma maior do que zero
indica a existência de um lucro líquido. Esta é a fórmula que expressa a economia capitalista,
na qual as categorias: preço, capital, salários, juros e renda determinam-se mutuamente e são
inseparavelmente vinculadas entre si. Segundo Chayanov (1981, p. 136), “na ausência de
qualquer destas categorias econômicas, todas as demais perdem seu caráter específico e seu
conteúdo conceitual, e nem sequer podem ser definidas quantitativamente”. Assim, por
exemplo, a retirada da categoria salário desagrega completamente o sistema, pois a ausência
dela em qualquer cálculo econômico coloca-se diante de uma economia não capitalista, como
a economia de base familiar camponesa, em que a família possui somente os elementos da
renda bruta (RB) e as despesas em materiais (DM) e não pressupõe trabalho porque são eles
mesmos, os camponeses, os empreendedores da produção que atuam como trabalhadores.
Então, se deduzir (RB) de (DM) terão um produto líquido que pode ser considerado
satisfatório ou não diante das necessidades da família camponesa. Ou seja, a perda para o
camponês é suportável, pois o mesmo não visa o lucro, busca somente alcançar o equilíbrio
interno (trabalho-consumo) para atender as necessidades básicas da sua sobrevivência.
Entretanto, sem a categoria salário, é impossível estabelecer ao cálculo camponês o
lucro líquido, a renda e o juro do capital.
Neste contexto, Chayanov (1981, p.138) afirma:
Com efeito, o camponês ou artesão que dirige sua empresa sem trabalho
pago recebe, como resultado de um ano de trabalho, uma quantidade de
produtos que, depois de trocada no mercado, representa o produto bruto de
sua unidade econômica. Deste produto bruto devemos deduzir uma soma
correspondente ao dispêndio material necessário no transcurso do ano; restanos então o acréscimo em valor dos bens materiais que a família adquiriu
com seu trabalho durante o ano ou, para dizê-lo de outra maneira, o produto
de seu trabalho. Este produto do trabalho familiar é a única categoria de
renda possível, para uma unidade de trabalho familiar camponesa ou
artesanal, pois não existe maneira de decompô-la analítica ou objetivamente.
Dado que não existe o fenômeno social dos salários, o fenômeno social de
lucro líquido também está ausente. Assim é impossível aplicar o cálculo
capitalista do lucro.
73
Pelo exposto, percebe-se que o funcionamento econômico verificado entre os
camponeses russos, com base na lógica do equilíbrio interno (trabalho-consumo), não se
ajustava ao cálculo capitalista do lucro. Por isso, Chayanov (1981) parte da análise de um
“modo de produção camponês”, não-capitalista, cujas unidades são constituídas por famílias
de camponeses trabalhadores que destinam a maior parte de sua produção para o consumo
familiar e apenas uma pequena parte é destinada ao comércio. O autor ainda explica que o
camponês em questão não é um empresário capitalista porque o mesmo não procura
maximizar o lucro de seu capital, mas somente viver na terra que é sua em virtude de uma
organização social camponesa.
Todavia, Chayanov (1974) ainda vê nas cooperativas 21 coletivas a única alternativa
para inserir o camponês russo no ambiente da industrialização agrícola em grande escala,
incorporando inclusive, o progresso técnico disponível:
(...) deberá evolucionar historicamente el nuevo agro en la próxima década,
habiendo convertido, por médio de cooperativas, una considerable parte de
su economia en formas de producción socialmente organizadas. Deberá ser
un campo industrializado en todas las esferas del processo técnico,
mecanizado e eletrificado, un campo que ha aprovechado todos los logros de
la ciência y la tecnologia agrícola (CHAYANOV, 1974, p. 43-44).
Assim, o futuro da unidade camponesa parece se adaptar às novas tendências do
desenvolvimento do capitalismo. Contudo, é preciso ressalvas quanto a tal compreensão, pois
Chayanov (1974) explica que algumas propriedades camponesas podem até intensificar o
capital através da ampliação dos meios de produção, tais como: terra, equipamentos e
máquinas, resultado da formação do capital proveniente dos ganhos de uma articulação mais
favorável de mercado ou até mesmo das atividades não agrícolas. Porém, o autor deixou bem
claro que o equilíbrio trabalho-consumo, além de determinar o modo de funcionamento da
economia camponesa, torna-se um entrave na formação do capital, assim os camponeses
somente irão intensificar o capital mediante a observância do equilíbrio interno da unidade
camponesa.
Então, neste caso:
21
Somente desta maneira, ele acreditava em “superar el capitalismo de estado y pueda constituir la base para un
futuro sistema económico socialista” (p. 315). Então, o autor sugere que, para continuar no modo de produção
camponês, o caminho é através da unidade econômica familiar e, caso ingresse no capitalismo (agroindústria), a
sugestão é que devem aliar-se e unir-se em cooperativas.
74
(...) por mais vantajoso que possa parecer um determinado investimento em
que o uso do capital resulte em aumento de ganhos, isso não representa,
necessariamente, um estímulo para o camponês. Ele não trabalha com o
princípio capitalista de valorização do capital e, sim, com uma análise do
balanço-consumo que é subjetiva porque baseada nas necessidades da
família. (...) as unidades de exploração familiar usam máquinas não em
função das vantagens econômicas e sim, por causa dos riscos a que ficam
expostas em época de plantio e de colheita. (...) onde a lavoura exige uma
colheita rápida que extrapole as possibilidades de trabalho da família, o
camponês fatalmente fará uso da máquina, independente do cálculo custobenefício. Por outro lado, se a mão de obra da família encontra-se ociosa, o
camponês dispensará o uso de maquinário (PAULINO E ALMEIDA, 2010,
p. 36-37).
No entanto, a compreensão tem que partir do modo de vida camponês e, sobretudo,
das suas particularidades que são bem diferentes das aplicáveis aos capitalistas ou até mesmo
aos trabalhadores urbanos. Chayanov (1974) analisa, na unidade camponesa, as relações entre
terra, capital e família e reconhece como suas principais características: a) a força do trabalho
familiar; b) a inexistência da força de trabalho assalariada; c) a pequena propriedade como
local das atividades agrícolas e; d) a produção de seus meios de produção pela própria família.
Sendo que periodicamente, devido a diversos fatores, alguns membros da família são
obrigados a empregar a sua força de trabalho em atividades não-agrícolas complementares
conforme já foi mencionado aqui. Mesmo assim, a atividade econômica camponesa não se
assemelha a de um empresário capitalista o qual investe seu capital recebendo uma diferença
entre a entrada bruta e as despesas gerais de produção, o que faz gerar lucro. Mas somente
uma simples remuneração que permite ao camponês determinar o tempo e a intensidade do
trabalho.
Enfim, Chayanov, adepto da corrente heterodoxa neo-populista e membro da “Escola
da Organização da Produção”, na primeira metade do século XX, juntou-se a estudiosos de
diversas áreas do conhecimento, como: agrônomos, economistas e extensionistas rurais, para
difundir idéias contra os pressupostos teóricos e metodológicos do marxismo-leninismo
dominante na Rússia. Eles, com base nos dados estatísticos resultantes de suas pesquisas
sobre o funcionamento econômico das unidades camponesas russas, reprovaram os modelos
da política agrária proposta pelos marxistas leninistas, por não se ajustarem ao
comportamento interno das unidades camponesas, pelo fato de serem elaboradas com base na
dinâmica das categorias capitalistas que é incompatível com a realidade camponesa.
Chayanov (1974) defende a viabilidade da agricultura camponesa mesmo em
economia de mercado, dado ao fato dela se adaptar a diferentes modos de produção e
encontrar diferentes estratégias para alcançar o equilíbrio trabalho-consumo. E, mesmo que
75
haja a sua integração (vertical) a indústria capitalista, sua existência não será comprometida
ao desaparecimento, desde que seja como ele profetizou para o futuro, a partir de sua
organização em cooperativas. De fato, essa forma de penetração do capitalismo no campo
russo muda o funcionamento interno da produção camponesa, mas não significa um processo
horizontal de diferenciação social que foi defendido por Lênin.
De acordo com o autor:
(...) esta concentração vertical, segundo a situação econômica geral, assume
forma cooperativa ou mista e não capitalista. Neste caso, o controle dos
empreendimentos necessários ao sistema de comércio, ao transporte, à
irrigação, ao crédito e ao processamento que concentram e guiam a produção
agrícola parcial ou totalmente, este controle pertence não aos proprietários
de capital, mas aos pequenos produtores mercantis organizados que
contribuíram com seu próprio capital a estes empreendimentos ou foram
capazes de criar capital social (CHAYANOV, 1925/1986 apud
ABRAMOVAY, 1998).
Portanto, Chayanov (1974) rejeita a tese do fim do campesinato no desenvolvimento
do capitalismo na agricultura e contribui para reforçar a tese da sua permanência. Todavia, a
sua teoria do equilíbrio trabalho-consumo (elaborada a partir de estudos sobre a racionalidade
interna da economia camponesa, apesar de sua relevância teórica como orientação analítica no
nível microeconômico) recebeu severas críticas de alguns intelectuais marxistas-leninistas.
Estes não acharam a teoria adequada para explicar a permanência da agricultura camponesa
no capitalismo, uma vez que Chayanov não teria levado em consideração as relações externas
e se restringira somente em explicar uma forma de economia familiar pouco subordinada à
indústria e isolada das relações mercantis. Isto foi uma compreensão errônea dos marxistasleninistas, pois o fato dele analisar a dinâmica interna da produção camponesa não significa:
a) que ela esteja isolada socialmente; b) que produza somente para atender as necessidades
básicas da sua família sem estabelecer relações comercias; c) que não recorram às atividades
não-agrícolas em épocas de desequilíbrio interno; d) que não incorpore o progresso técnico,
além de outras. Por isso, acreditamos que a teoria do equilíbrio interno de Chayanov, tanto é
fundamental para revelar os equívocos teóricos dos marxistas-leninistas como para nos ajudar
atualmente a compreender a natureza da resistência e recriação do campesinato dos
municípios paraibanos de Nova Floresta e de Teixeira.
Tendo em vista que as teorias clássicas de Marx, Kautsky, Lênin, Rosa Luxemburgo e
de Chayanov repercutiram no Brasil e na Geografia Agrária brasileira, nosso objetivo neste
capítulo foi buscar nesses autores um suporte para a compreensão sobre o futuro do
76
campesinato no processo do desenvolvimento do capitalismo no Brasil e na Paraíba. Para
tanto, é preciso termos em mente que esse processo não aconteceu da mesma forma do que
ocorreu na Europa, a começar pelo fato de que aqui não houve a implantação do feudalismo e
sua transição para o capitalismo, pois as transformações no espaço agrário brasileiro, iniciadas
com o processo de colonização, surgem no momento no qual já predominava o capitalismo
mundial na sua fase comercial de expansão. Convém salientar, porém, que esses pressupostos
teóricos nos quais esses autores clássicos marxistas (ortodoxos ou heterodoxos) se basearam
podem explicar, até certo ponto, a realidade do campesinato brasileiro atual.
Isto posto, buscamos, no próximo capítulo, recuperar o debate sobre o campesinato no
desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, levado a efeito por estudiosos
brasileiros da Geografia e de áreas afins.
CAPÍTULO II
O DEBATE SOBRE O CAMPESINATO NO
DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NO
CAMPO BRASILEIRO
78
2 O
DEBATE
SOBRE
O
CAMPESINATO
NO
DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO NO CAMPO
BRASILEIRO
No Brasil, o debate em torno do campesinato no processo de desenvolvimento do
capitalismo no campo acirrou-se a partir de 1960, situando-se no contexto de uma discussão
mais ampla sobre o caráter da sociedade brasileira. Esse debate contrapõe duas correntes
teóricas distintas: a que pressupõe o desaparecimento do campesinato como condição para o
país alcançar o desenvolvimento capitalista e a que pressupõe a permanência do campesinato
através da sua resistência e recriação apoiada na lógica de que o desenvolvimento capitalista
no Brasil é desigual e contraditório. Este capítulo recupera este debate com base nas diversas
abordagens e posições assumidas por teóricos agraristas e geógrafos brasileiros.
2.1 Desaparecimento versus recriação do campesinato: um controverso debate
Autores como Alberto Passos Guimarães, Maurice Dobb, Nélson Werneck Sodré e
Ignácio Rangel analisaram a questão agrária brasileira a partir do processo histórico de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Eles defendem a existência de uma economia
colonial feudal no país com formas arcaicas de produção. Influenciados pela concepção
leninista, apostaram no desaparecimento do campesinato por este representar obstáculos ao
desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. O maior expoente dessa corrente foi
Alberto Passos Guimarães.
Guimarães (1968), em seu livro “Quatro séculos de latifúndio”, analisa o percurso da
agricultura brasileira a partir dos quatro séculos de latifúndio sob os quais o sistema agrário
brasileiro esteve submetido. Para tanto, ele caracterizou: a) a natureza da colonização
brasileira; b) a grande propriedade da terra e; c) as relações sociais de produção, que inclui o
campesinato.
Partindo da gênese do período colonial, o autor conclui que o latifúndio desta época
possuía características feudais e uma forma arcaica de produção. Desse modo, ele contesta a
tese de que o capitalismo foi o regime econômico colonial implantado no Brasil.
79
Nas palavras de Guimarães (2005, p. 36-37):
A despeito do importante papel desempenhado pelo capital comercial na
colonização do nosso país, ele não pôde desfrutar aqui a mesma posição
influente, ou mesmo dominante, que havia assumido na metrópole; não
conseguiu impor à sociedade colonial as características fundamentais da
economia mercantil e teve de submeter-se e amoldar-se à estrutura
tipicamente nobiliárquica e ao poder feudal instituídos na América
portuguesa. Por conseguinte, o processo evolutivo em curso na sociedade
lusa não veio continuar-se no Brasil-Colônia, onde o regime econômico
instaurado significou um recuo de centenas de anos em relação ao seu ponto
de partida na metrópole. Para que assim acontecesse, a classe senhorial,
despojada ali de seus recursos materiais, empenhou-se a fundo na tarefa de
fazer girar em sentido inverso a roda da História, embalada pelo sonho de
ver reconstituído o seu passado.
O autor afirma ainda que a estrutura social implantada no Brasil pela metrópole
portuguesa não seguiu os padrões do feudalismo clássico por três motivos principais, a saber:
a) pela regressão das relações sociais de produção e de trabalho do feudalismo colonial
brasileiro em relação à metrópole colonizadora com a implantação do regime escravista; b)
pela forma de colonização portuguesa ser efetivada através da associação entre os senhores
feudais sem fortuna e a burguesia nascente, que, naquele momento, ainda não tinha condições
de manter um status social e econômico dentro do Estado português; c) pelo próprio
descompasso da estrutura econômica de Portugal: entre não ser completamente feudal e não
ser completamente capitalista, embora já tivesse atingido um sistema de troca elevado, a sua
forma de produzir ainda era assentada na agricultura e não na indústria (GUIMARÃES,
1968).
Para Guimarães (1968, 2005), a origem da concentração da propriedade da terra no
Brasil remonta ao regime de sesmaria, implantado durante o período colonial, que teve como
base interna o monopólio territorial. As grandes extensões de terras doadas aos fidalgos
portugueses (sem fortuna) foram chamadas pelo autor de latifúndios:
Como latifúndios, temos conceituado, neste trabalho, as unidades
agropecuárias por demais extensas para serem exploradas exclusiva ou
predominantemente pelo trabalho do núcleo familiar, como a propriedade
camponesa, ou exclusiva ou predominantemente pelo trabalho assalariado,
como a propriedade do tipo capitalista (1968, p. 223-224).
No que se refere às relações de trabalho no campo, Guimarães (1968) afirma que, com
a abolição da escravatura, a parceria tornou-se a relação de trabalho predominante no Brasil.
Tratava-se, segundo o mencionado autor, de um sistema de arrendamento de terra primitivo
80
feito por um suposto contrato de igualdades de condições entre o proprietário da terra e seu
cultivador. O primeiro doava pequenos lotes de terra do latifúndio para o segundo plantar
lavouras de subsistência. Esta relação de trabalho incluía a servidão por dívida que não
conferia ao trabalhador nenhuma autonomia econômica sobre a produção.
Ainda de acordo com Guimarães (2005, p.52):
Todas essas e outras relações extra-econômicas derivam do monopólio
feudal da terra e correspondem a um tipo de exploração pré-capitalista que
consiste em coagir os trabalhadores a lavrarem a terra que não lhes pertence,
por processos primitivos ou rotineiros e mediante uma ínfima participação
no produto de seu trabalho.
Para este autor, essa dinâmica da organização da produção e do trabalho imposta pelo
monopólio feudal e colonial da terra teria acentuado os fatores regressivos e atrasados das
transações comerciais do Brasil, que passou a depender das formas primitivas de capital
comercial e, posteriormente, de trustes internacionais que passaram a comprar a produção
latifundiária. Tais fatores, segundo Guimarães (2005), impedem as transformações
democráticas do país, como a reforma agrária e a sua evolução para a forma de produção
capitalista. Neste contexto, o autor faz uma diferenciação entre a forma de monopólio feudal
da terra, que atendeu ao mercado interno de alguns países desenvolvidos da Europa e da
América, com a forma de monopólio feudal e colonial da terra, que atendeu somente aos
interesses do mercado externo como foi o caso do Brasil:
Quando o monopólio feudal da terra existe em função do mercado interno,
como no caso dos países desenvolvidos da Europa e da América (Antiga
Prússia, Sul dos estados Unidos etc.) em virtude de ficar retida no país a
totalidade do excedente econômico obtido na produção e do próprio
desenvolvimento industrial interno, o latifúndio é levado a incorporar
processos técnicos mais adiantados, a adotar formas de trabalho e de
produção do tipo capitalista, e tem condições para modernizar-se
gradualmente, para “aburguesar-se” ou converter-se em grandes
propriedades capitalistas. Com o monopólio feudal e colonial da terra (ou
semifeudal e semicolonial), de que o sistema de plantação é a forma típica,
isso só pode acontecer muito lenta e dificilmente. (...) porque o sistema
latifundiário feudal-colonial está constituído para exportar toda a sua
produção, e ao fazê-lo, por definição, exporta também parte da renda e dos
lucros produzidos, cedendo-os aos trustes compradores internacionais. Para
que tal mecanismo de sucção funcione sem prejuízo da parte que cabe à
classe latifundiária, esta transfere, para os seus trabalhadores e para a
população do país onde se situa, os ônus decorrentes desse processo de
espoliação (GUIMARÃES, 2005, p. 52-53).
81
Ou seja, o sistema latifundiário do feudalismo colonial exigiu para seu funcionamento
uma articulação com os intermediários compradores e com os intermediários usurários que
“atuam não só no sentido de facilitar a transferência da parte dos lucros especulativos para as
mãos dos trustes internacionais, como no sentido de ainda mais reduzir a remuneração dos
trabalhadores agrícolas” (GUIMARÃES, 2005, p.53). É essa forma de comercialização do
feudalismo colonial brasileiro, de dependência aos compradores da produção latifundiária,
que constitui o argumento central de Guimarães (2005), sobretudo, pela influência regressiva
que essa forma de produção e de distribuição exerce sobre o desenvolvimento do capitalismo
no campo. Dado que, ao promover a saída de uma parte da renda gerada aqui para o exterior,
tanto descapitaliza o país, limitando o seu desenvolvimento industrial, como limita o
desenvolvimento de um mercado interno pela redução econômica da população rural.
Feita a caracterização do sistema agrário brasileiro, Guimarães 1 (2005) apresentou
dois caminhos, por ele considerados importantes, para o desenvolvimento do capitalismo 2 no
campo brasileiro e solucionar a questão agrária: um reformista e outro revolucionário. O
primeiro consiste nas transformações burguesas sem alterações na estrutura fundiária. O
segundo se opõe a este e contempla o plano para destruir os laços feudais com todas as formas
de produção pré-capitalistas existentes no Brasil com o apoio de três formas de lutas de
classes do campo, quais sejam: a) a luta dos assalariados e semi-assalariados rurais contra os
seus patrões e grandes proprietários da terra; b) a luta do campesinato contra os resquícios do
feudalismo e contra os latifundiários; c) a luta de toda a classe camponesa contra as diversas
formas de opressão e de espoliação imperialista (GUIMARÃES, 2005).
A primeira forma de luta de classes no campo é “a frente dos assalariados e semiassalariados” que buscaria construir uma aliança operário-camponesa, no intuito de “ligar o
proletariado e o movimento democrático das cidades aos camponeses e ao movimento
democrático do campo” (GUIMARÃES, 2005, p. 103). A segunda forma de luta, considerada
mais ampla que a anterior 3 , é “a frente dos camponeses contra o latifúndio” que abrange toda
1
No seu escrito “As três frentes da luta de classes no campo brasileiro - 1960”, publicado na “Tribuna de
debates” do V Congresso do Partido Comunista Brasileiro – PCB.
2
O autor, a partir da visão unilinear do marxismo ortodoxo, acreditava que, no Brasil, na década de 50 e 60 do
século XX, ainda existiam relações de trabalho do tipo feudal, e essa forma de produzir no campo brasileiro
impedia o desenvolvimento do capitalismo. Por isso, era preciso uma revolução brasileira de caráter burguês
para consolidar o capitalismo no campo.
3
Guimarães (2005) contestou as afirmações de Caio Prado Júnior sobre a grande quantidade dos trabalhadores
assalariados no campo. Os resultados do censo de 1950 indicavam tal superioridade, mas Guimarães, para fins de
maiores esclarecimentos sobre essa contagem da população rural, achou por bem analisá-lo minuciosamente.
Conforme o censo de 1950: “(...) havia nos 2 milhões de estabelecimentos agropecuários, 11 milhões de
trabalhadores, dos quais cerca de 2 milhões de pessoas eram as responsáveis pela gestão daqueles
estabelecimentos (proprietários e arrendatários à frente da exploração, administradores etc.); cerca de 4 milhões
82
a população heterogênea do campesinato pré-capitalista e semifeudal, ou seja, os agregados,
os moradores, os meeiros, os parceiros, os rendeiros e os foreiros que, ligados entre si, em
prol de seus interesses comuns, almejavam destruir as formas pré-capitalistas de produção a
fim de se libertarem da coação econômica e extra-econômica imposta pelo monopólio da
terra. A terceira e última forma de luta de classe, considerada a maior e mais ampla que as
anteriores, é “a frente de luta dos camponeses contra o imperialismo”, que, organizada em
nível nacional, buscaria romper com as condições de dependência impostas pelo monopólio
dos grupos econômicos estrangeiros 4 apoiados em agentes internos 5 (GUIMARÃES, 2005).
Em suma, o campesinato foi visto por Guimarães (2005) como a classe responsável
pelas mudanças 6 no campo brasileiro, uma vez que os camponeses em 1950/1960 constituíam
a classe predominante no país. Para ele, os camponeses se inseriam em diferentes formas de
relações de trabalho, tais como: a) os camponeses da categoria da renda-trabalho como os
moradores, os agregados e todos aqueles que prestavam serviços gratuitos ou semigratuitos;
b) os camponeses da categoria renda-produto como os meeiros e parceiros; c) os camponeses
da categoria renda-dinheiro como os rendeiros e foreiros; d) os camponeses proprietários de
terra e os posseiros. O autor estabeleceu o limite de 5 até 50 hectares para caracterizar os
estabelecimentos camponeses. Para tanto, classificou as propriedades camponesas a partir de
uma diferenciação social semelhante à diferenciação social de Lênin. Ou seja, os camponeses
pobres são aqueles que possuem até 20 hectares de terra e não contratam trabalhadores
assalariados, cultivam somente com a utilização da força do trabalho familiar. Os camponeses
médios são aqueles que possuem entre 20 até 50 hectares de terra e organizam a sua produção
de pessoas constituíam os membros não-remunerados das famílias dos responsáveis, isto é, menores e mulheres
em sua maioria, que trabalhavam ajudando os chefes da família sem receberem remuneração direta nenhuma;
3,7 milhões eram “empregados” dos estabelecimentos; e 1, 3 milhões eram “parceiros” (GUIMARÃES, 2005, p.
104). Acontece que o censo incluiu na sua contagem: os moradores, os agregados, os meeiros, os parceiros, os
rendeiros e os foreiros, como sendo trabalhadores assalariados que recebem remuneração em dinheiro. Porém,
para Guimarães, todos são considerados camponeses feudais, segundo os critérios marxista-leninista. Esse erro
foi cometido a partir dos critérios adotados pelo próprio censo, que na definição de “empregado”, (...) “mistura
os assalariados propriamente ditos (...) com as pessoas remuneradas com parte em dinheiro e parte em produtos
que recebiam a maior porção em dinheiro” (GUIMARÃES, 2005, p. 104).
4
Representados pela empresa Bung Born que detinha o monopólio da moagem de trigo; pelos frigoríficos
Armour e Anglo; pela Souza Cruz, compradora e exportadora do fumo; pelas empresas: Sambra e Anderson
Clayton, compradoras e exportadoras de algodão e amendoim e; pelas empresas Standard Brands, American
Coffe, compradoras e exportadoras de café.
5
A agricultura semifeudal do Brasil era baseada na monocultura para exportação, por isso precisava manter uma
relação econômica por meio do sistema do capital comprador, considerado: “(...) o conjunto de relações
econômicas que atua, quer na produção, quer na distribuição dos produtos destinados ao mercado exterior”
(GUIMARAES, 2005, p. 108). No entanto, essas relações econômicas, para manter a sua existência material,
exigiam uma rede de empresas estrangeiras que pelos seus agentes provocava a coação econômica e extraeconômica de uma parte (a maior) da mais-valia do processo de acumulação primitiva do capital e do produto
dos camponeses.
6
Embora faça esse reconhecimento, o autor não acredita no poder político dos camponeses para modificar a
estrutura agrária do país por serem de formação recente, por isso, atrasado.
83
com o predomínio da mão-de-obra assalariada. Os camponeses ricos, de caráter capitalista,
são os que possuem entre 50 até 500 7 hectares de terra, estes incorporam o nível técnico na
produção e emprega a mão-de-obra assalariada permanentemente.
A compreensão de Alberto Passos Guimarães sobre a questão agrária e o campesinato
foi compartilhada por alguns intelectuais pertencentes ao Partido Comunista Brasileiro –
PCB, que, no início da década de 1960, foi a principal referência para a esquerda brasileira. O
seu projeto político, denominado de democrático-burguês, tinha como pressuposto básico a
idéia da existência no Brasil de uma economia agroexportadora atrasada em contraste com
uma economia urbano-industrial que se modernizava rapidamente. E, para superar o atraso
daquela, era preciso estabelecer um regime político que rompesse com a dependência do
mercado externo e destruísse de vez as relações pré-capitalistas de produção existentes no
campo brasileiro. Tal compreensão, porém, não encontrou consenso no interior do PCB,
provocando até confronto teórico e político entre seus integrantes, como aconteceu com
Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior.
Caio Prado Júnior defende a existência de uma economia colonial capitalista no Brasil
e pressupõe a industrialização do campo pelo desenvolvimento das forças produtivas
capitalistas. Nesta compreensão, o campesinato estaria fadado ao desaparecimento pelo
processo de diferenciação social provocado pelo progresso do capitalismo no campo. Na sua
obra “A questão agrária” (1979), partindo da análise ortodoxa marxista, defende a tese de
que a agricultura brasileira já surgiu sob as bases de uma sociedade capitalista. Para o autor:
Ao invés de “restos feudais” e relações “semifeudais”, seria mais acertado e
adequado falar em restos escravistas ou servis, e relações semi-escravistas ou
semi-servis, pois uma economia de base escravista não se confunde com
economia feudal, e as relações de produção são em ambas distintas (PRADO
JR. 1979, p. 67).
Com base na concepção unilinear do processo histórico, ou seja, na seqüência dos
modos de produção, Prado Júnior (1979) entendeu que, no Brasil, se teria passado diretamente
das relações escravistas para o trabalho assalariado, sem afetar a estrutura das grandes
propriedades rurais. Nesta compreensão, não há e nunca houve camponeses neste país, uma
vez que a sua existência dependeria da transição do sistema feudal para o capitalista. Todavia,
em outros escritos, como no livro “Formação do Brasil contemporâneo” (2000), no capítulo
intitulado “Grande lavoura e agricultura de subsistência”, o autor, ao utilizar o termo
7
De acordo com os critérios de Guimarães (2005), são considerados latifúndios os estabelecimentos acima de
500 hectares de terra.
84
“pequena lavoura”, reconhece implicitamente a existência de um campesinato autônomo já
integrado ao sistema capitalista de forma dependente. Mas, mesmo assim, defende o
predomínio das relações capitalistas no campo, compreendendo o sistema de parceria como
formas de pagamentos ajustadas, em que o dinheiro é substituído por formas não-monetárias.
Nas palavras do autor:
Certas relações de trabalho presentes na agropecuária brasileira, embora se
revistam formalmente de caracteres que as assemelham a instituições que
encontramos no feudalismo europeu onde (...) não constituem senão
modalidades de pagamento que correspondem ao salário. Isto é, são formas
de retribuição de serviços prestados em que por um motivo ou outro – mas
sempre motivo de ordem circunstancial – o pagamento em dinheiro é
substituído por prestações de outra natureza (PRADO JR., 1979, p. 66).
A parceria é vista por Caio Prado Júnior como uma relação de trabalho tipicamente
capitalista que ainda prevalecia no campo brasileiro entre 1950 e 1960. Por isso, que o foco de
sua análise esteve mais voltado para a forma de trabalho assalariada e não para a camponesa,
a não ser em áreas restritas de importância secundária.
Diante das contradições existentes no campo herdadas do passado colonial, o autor
insere a questão agrária brasileira no processo por ele denominado de “Revolução Brasileira”.
O objetivo principal da “Revolução Brasileira” seria romper com a situação de miséria
dos trabalhadores do campo a partir de duas frentes de luta: uma de regularização das leis
trabalhistas para o campo e a outra de desconcentração da propriedade fundiária. A primeira
asseguraria aos trabalhadores do campo seus direitos trabalhistas para terem melhor qualidade
de vida. A segunda teria a reforma agrária como medida necessária para solucionar a questão
agrária brasileira (PRADO JR, 1979).
Como consequência das medidas citadas acima, aconteceria:
O crescimento quantitativo e o qualitativo da população, e sua integração
num todo social orgânico, corresponde à ampliação e diversificação das
necessidades econômicas, e, pois à formação e desenvolvimento de um
mercado interno que se irá emparelhar e tende mesmo a superar o externo,
de início o único existente. O que determinará novos estímulos e diferente
orientação, e, em conseqüência, a modificação gradual das atividades
produtivas (...). Em suma, a estrutura da produção e, pois, a economia em
geral se transformam a fim de fazerem face às novas solicitações e estímulos
proporcionados por uma grande coletividade socialmente integrada e
nacionalmente organizada (PRADO JR., 1966, p. 117).
85
Enfim, as duas frentes de luta da suposta Revolução Brasileira convergiam num
sentido de elevar as condições sócio-econômicas dos trabalhadores assalariados do campo,
para, em seguida, inserir toda a população brasileira com eqüidade no desenvolvimento do
capitalismo para depois, com a superação deste, atingir a forma socialista de produção. Neste
sentido, o desaparecimento da parceria seria inevitável, dado que a regulamentação das leis
trabalhistas não permitiria a existência de vínculos extra-econômicos. Todavia, apesar do
equívoco de Prado Júnior (1979) em compreender os parceiros como proletários do campo,
excluindo a sua essência camponesa, não se pode negar a existência da agricultura camponesa
no seu pensamento, mesmo que de forma residual e dispersa.
Os caminhos apontados por Caio Prado Júnior e Alberto Passos Guimarães para a
superação da questão agrária brasileira foram inviabilizados com o golpe militar de 1964, que
empreendeu uma derrota em termos políticos para o partido que ambos pertenciam, o PCB.
Em termos acadêmicos, ainda hoje o debate teórico sobre a existência ou não de um modo de
produção feudal colonial no Brasil se faz presente.
Nas décadas seguintes, com o modelo político e econômico implantado pelo regime
militar e o desenvolvimento do capitalismo no campo pautado na modernização da
agricultura, a questão agrária brasileira ganha novos contornos. É neste contexto que se
inserem as contribuições de José Graziano da Silva sobre o campesinato vinculado às
transformações capitalistas. Ele corrobora, como será visto a seguir, com a idéia de que o
desenvolvimento do capitalismo no campo culmina com o desaparecimento do campesinato,
no entanto, faz ressalvas ao caso brasileiro, uma vez que, para ele, no Brasil, a insuficiência
do desenvolvimento do capitalismo na agricultura não foi suficiente para expropriar
completamente os camponeses de seus meios de produção.
Cabe ressaltar que não há consenso sobre o conceito de modernização da agricultura.
Para alguns estudiosos, a expressão está relacionada exclusivamente às modificações na base
técnica da produção. Para outros, a exemplo de José Graziano da Silva (1982), a expressão
embute todas as mudanças no processo produtivo, inclusive, nas relações sociais de produção.
Segundo Silva (1982), no Brasil, o desenvolvimento do capitalismo no campo se
consolidou com a modernização da agricultura, na década de 1960 8 , com a implantação de um
setor industrial voltado para produção de equipamentos e insumos para a agricultura. O
8
De acordo com Silva (1996) em Soto (2002), o espaço agrário brasileiro começou a se transformar desde 1850
com a proibição do tráfico negreiro e com a implantação da Lei de Terras Nº 601 e, em 1888, com a abolição da
escravatura. Esses fatores determinaram mudanças nas relações de trabalho e na criação, em 1950, de um setor
industrial voltado para produção de bens de capital. Em 1960, essas transformações se acentuaram
principalmente para as regiões Sul e Sudeste, e, na década de 1970, expandiram-se para as outras regiões.
86
objetivo era passar 9 de uma agricultura tradicional, condicionada pela natureza e por formas
rudimentares de produção, para uma agricultura mecanizada com formas intensivas de
produção. A industrialização da agricultura 10 , para Silva (1980), significa a subordinação da
“natureza pelo capital, quando então se liberta o processo de produção gradativamente das
condições naturais dadas, passando-se a fabricá-las sempre que se fizerem necessárias” (p.45).
O autor compreende o processo de industrialização da agricultura a partir da concepção de
Marx referente à divisão social do trabalho, cuja expressão é a separação entre o campo e a
cidade.
A separação inicial entre a indústria e a agricultura ocorre, em primeiro lugar, com a
mecanização da agricultura para libertar o processo produtivo das condições naturais de solo e
clima, com a finalidade de permitir que a indústria seja livre dos condicionantes naturais. Em
segundo lugar, ocorre a reunificação de ambas as atividades quando a agricultura transformase em uma fábrica, isto é, perde a sua condição autônoma e torna-se um ramo da indústria
(SILVA, 1980). É neste processo dialético de separação e reunificação da indústria com a
agricultura que acontece a proletarização do campesinato, mas não sob a forma de
expropriação direta do produtor de seus meios de produção, mas como subordinação do
trabalho ao capital. Tal processo se “inicia com a transformação do camponês num
assalariado temporário, mediante a conversão das atividades acessórias da agricultura em
ramos da indústria nascente” (SILVA, 1980, p. 54). Posteriormente, a própria dinâmica do
capitalismo provoca a passagem do trabalho temporário para o trabalho permanente.
Neste contexto, Silva (1980), influenciado pela tese leninista, afirma que o
desenvolvimento do capitalismo implica necessariamente na proletarização do campesinato.
Todavia, o autor explica que ressalvas são necessárias no que diz respeito ao Brasil, visto que
isso não aconteceu aqui em virtude da fraqueza do capitalismo. A sazonalidade do trabalhado
temporário do camponês expressa a debilidade do desenvolvimento do capitalismo no campo
brasileiro.
Para Silva (1982, p. 30):
9
Refere-se à passagem do Complexo Rural para o Complexo Agroindustrial, isto é, da transição de uma
agricultura camponesa que dependia da natureza para uma agricultura totalmente dependente de insumos
industriais (SOTO, 2002).
10
Para entender o processo de industrialização da agricultura, deve-se analisar o processo produtivo através de
três componentes: a indústria a montante, a agricultura e a indústria a jusante. A indústria a montante tem a
função de fornecer bens de capital e insumos para a agricultura e; a indústria a jusante é a agroindústria
propriamente dita, que tem a função de processar a matéria-prima proveniente da agricultura (SILVA, 1982).
87
A mecanização, na medida em que atinge (por questões tecnológicas)
principalmente outras atividades que não a colheita, acentua a sazonalidade
de ocupação dessa mão-de-obra não qualificada numa dada propriedade
agrícola. A solução mais econômica para o proprietário que moderniza passa
a ser a substituição do trabalhador permanente pelo volante, com o
conseqüente aumento da sazonalidade do emprego dos trabalhadores rurais.
No que se refere ao desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro via
modernização agrícola, este se deu, segundo Silva, de modo parcial, desigual e excludente.
Nas palavras do autor:
Esse processo foi profundamente desigual, eu diria até mesmo parcial; seja
por região, produto, tipo de lavoura, tipo de cultura, tipo de produtor,
principalmente; ou seja, aqueles produtores menos favorecidos tiveram
menos acesso às facilidades de crédito, aquisição de insumos, máquinas,
equipamentos etc, e apresentaram graus menores de evolução, especialmente
da sua produtividade. (...) Uma segunda característica desse processo é que
ele foi profundamente excludente, quer dizer, ele não foi só desigual como
também foi excludente. Ele atingiu uns poucos e fez com que alguns poucos
chegassem ao final desse processo (SILVA, 1994, p. 138-139).
A modernização restringiu-se, de início, à região Centro-Sul, principalmente, ao
estado de São Paulo, expandindo posteriormente para as regiões Norte e Nordeste de forma
moderada.
O Estado atuou com força neste processo, principalmente através de políticas de
crédito rural subsidiado, incentivos fiscais e políticas incentivadoras das exportações. No
entanto, os pequenos camponeses foram excluídos destas políticas, uma vez que a
modernização torna a agricultura cara, pois há uma substituição dos insumos produzidos na
própria unidade de produção (sementes selecionadas pela família, adubos e fertilizantes
naturais) por insumos produzidos na indústria. Então, diante do processo de transformação
capitalista da agricultura, alguns se beneficiaram com o fortalecimento das monoculturas,
produzindo de forma intensiva, enquanto outros ficaram totalmente de fora, produzindo
culturas alimentares de forma extensiva.
Conforme Silva (1999, p.138):
(...) o fator limitante da modernização no setor camponês parece residir,
fundamentalmente, na incompatibilidade entre escala mínima de produção
requerida pelo novo padrão tecnológico e a insuficiência dos recursos
produtivos e financeiros por parte daquele setor.
88
Ao abordar a questão histórica do desenvolvimento do capitalismo no campo
brasileiro e a permanência ou desaparecimento do campesinato nesse processo, José Graziano
da Silva (1980), na obra “Estrutura agrária e produção de subsistência na agricultura
brasileira”, com base na concepção da acumulação primitiva do capital de Marx, afirma que
o desenvolvimento capitalista não foi suficiente para expropriar completamente os
camponeses de seus meios de produção. Nas palavras do autor:
(...) não foi possível, nesse momento histórico, realizar a separação completa
entre produtor direto e meios de produção. Ou seja, ‘homens livres e pobres’,
que surgem ao longo da história brasileira como agregados, posseiros,
pequenos proprietários, no geral, assim se mantiveram. Se expulsos de um
local, iam se reconstituir enquanto pequenos produtores em outro. Nesse
sentido, a abundância relativa de terras tornou também relativamente inócua
a Lei de Terras. Os próprios imigrantes não se tornam, aqui, pura e
simplesmente vendedores de força de trabalho. De certa forma, eles se
ligam, embora parcialmente, aos meios de produção e produzem seus
próprios meios de vida (SILVA, 1980, p. 27).
Neste contexto, a permanência do campesinato no campo brasileiro, segundo Silva
(1980), deve-se à insuficiência do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, que pode
ser explicada: a) pela existência da propriedade privada da terra; b) pela permanência da
agricultura camponesa no campo representada por pequenos proprietários, arrendatários,
posseiros e parceiros; c) pelo papel do Estado e das políticas de créditos subsidiados que
atuam favorecendo mais os grandes proprietários do que os camponeses; d) pelo elevado grau
de exploração da mão-de-obra empregada.
Visto por este prisma, segundo Silva (1980), a presença dos camponeses no Brasil não
pode ser explicada nem como resquício do modo de produção feudal nem como atraso da
agricultura, mas pela forma específica adotada pelo próprio desenvolvimento do capitalismo
no campo.
José Graziano da Silva faz uma certa confusão em suas análises ao tentar adaptar as
idéias dos autores clássicos marxistas à realidade brasileira. Em seus primeiros escritos,
explica a existência da agricultura camponesa diante das transformações ocorridas no campo
brasileiro com base na tese da acumulação primitiva do capital de Marx, que consiste na
separação direta do produtor de seus meios de produção, na concentração da terra e na
propriedade privada. Conseqüentemente, sustenta a tese da proletarização do campesinato
projetada por Lênin como condição inevitável do desenvolvimento do capitalismo. Neste
sentido, o campesinato tenderia ao desaparecimento. Todavia, reconhece a debilidade do
capitalismo monopolista na agricultura brasileira e afirma, com base nas idéias de Kautsky,
89
que aqui o seu desenvolvimento não necessariamente levaria à proletarização dos
camponeses, mas a integração da agricultura camponesa à indústria.
Nesse caso, a recriação camponesa se daria subordinada ao capital, conforme prega a
teoria da acumulação primitiva do capital de forma continuada de Rosa Luxemburgo. De
acordo com a mesma, o desenvolvimento capitalista necessita da existência do campesinato
para realizar a mais-valia para reproduzir o capital. Silva (1980) sustenta essa idéia, com
muita propriedade na sua obra “Estrutura agrária e produção de subsistência na agricultura
brasileira”, afirmando a importância da agricultura camponesa no processo de acumulação do
capital. Todavia, nos seus escritos posteriores, principalmente na sua obra “A modernização
dolorosa – Estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais no Brasil”, ele rever
tal idéia e afirma o inverso, que o desenvolvimento do capitalismo não precisa preservar a
agricultura camponesa “porque a dinâmica do capitalismo é dada pelo movimento do próprio
capital, não sendo necessário nenhuma ‘acumulação primitiva contínua’ para que o sistema se
desenvolva” (SILVA, 1982, p. 9). Desta forma, ele se restringe à forma única da acumulação
primitiva de Marx e não considera as relações camponesas como funcionais à acumulação do
capital. Para o autor, elas são nada mais que uma forma específica das contradições geradas
pelo desenvolvimento capitalista no Brasil. Portanto, o fato do capitalismo reproduzi-las, de
acordo com seus interesses, numa determinada fase histórica de seu desenvolvimento, não
significa que sejam antagônicas ao processo de proletarização, mas ao contrário, fazem parte
dele.
A partir de tais premissas e na tentativa de superar a imagem de um campesinato
isolado, atrasado e sem vínculo com o mercado, surge o conceito de “novos camponeses” que
“organizam a produção com base no trabalho familiar e que só excepcionalmente lançam mão
de trabalho assalariado nas suas unidades de exploração” (SILVA, 1982, p. 139). Além disso,
o autor classifica a pequena produção camponesa levando em consideração as transformações
externas, oriundas do desenvolvimento capitalista na agricultura brasileira, que provocaram
profundas mudanças no seu funcionamento interno. Quais sejam:
a) uma camada em processo de tecnificação e capitalização, conduzindo à
formação de pequenas empresas familiares; e b) uma camada em franco
processo de proletarização e marginalização das atividades produtivas. Entre
esses dois extremos subsiste uma faixa intermediária, ainda com
características de campesinato, com uma diferenciação interna visível pelo
seu maior ou menor grau de riqueza (pobres, remediados e ricos) (SILVA,
1999, p. 126-127).
90
Ainda para Silva (1999), a primeira camada seria a dos camponeses ricos, que
passaram a produzir alimentos e matérias-primas fundamentalmente para o mercado. A
segunda camada seria a dos camponeses remediados (semiproletários) que funciona como
reserva de mão-de-obra para as atividades capitalistas. A terceira camada seria a dos
camponeses pobres marginalizados diante da industrialização da agricultura. Para o autor, a
tecnologia e o grau de inserção no mercado seriam os elementos-chave da diferenciação social
dos camponeses. Ele também afirma que a forma específica assumida pelo desenvolvimento
capitalista em cada região do Brasil permitiu a existência de diversas formas de produção
camponesa que vão desde o sistema de parceria ainda existente no Nordeste até a sua
integração à agroindústria no Sul do país.
Todavia, as transformações ocorridas no campo brasileiro entre as décadas de 1960 e
1990, com o desenvolvimento capitalista na agricultura, fatores como a criação de um
mercado interno para a indústria, o aumento da produção agrícola nacional, a transformação
do campesinato tradicional em um “novo campesinato tecnificado”, a territorialização do
capital integrando interesses urbanos e agrários aos complexos agroindustriais teriam
contribuído decisivamente para a heterogeneidade da produção camponesa e para recolocar
em pauta a questão da reforma agrária.
Nesse contexto, a agricultura camponesa, na sua heterogeneidade, apresentou, segundo
Silva (1999), um traço comum: a sua subordinação ao capital sob diversas formas. A reforma
agrária, por sua vez, permaneceu no discurso da esquerda brasileira, sobretudo, depois da
criação do Estatuto da Terra (Lei 4.504), em 1964, no âmbito do regime militar, que preferiu
consolidar o processo de modernização da agricultura mantendo a grande propriedade para
evitar qualquer esforço de reforma agrária.
Após os estudos e análises da agricultura brasileira realizadas nos anos de 1980, José
Graziano da Silva desenvolveu, nos anos de 1990, uma nova tese que ficou conhecida como o
“novo rural brasileiro”. Nesta fase, ele defende a unificação dos trabalhadores urbanos com os
trabalhadores rurais a partir da combinação das atividades agropecuárias com as atividades
não-agrícolas. Para tanto, seria preciso uma reforma agrária não-agrícola para intermediar a
transição para uma sociedade urbanizada. Por isso, o autor sugere a efetivação de uma
reforma agrária que estimule as atividades não-agrícolas, pois ela “teria a grande vantagem de
necessitar de menos terra, o que poderia baratear significativamente o custo por família
assentada, o que é forte limitante para a massividade requerida pelo processo distribuitivo
(...)” (SILVA, 1990, p. 131).
91
No contexto da tese do “novo rural brasileiro”, emerge uma categoria social
denominado de “part-time”, responsável pela fase de transição para a urbanização do campo,
uma vez que a sua presença quebra a barreira capitalista/camponês, bem como
patronal/familiar, dificultando uma reclassificação das classes sociais no campo.
Em suma, é evidente a influência dos clássicos marxistas na trajetória intelectual de
José Graziano da Silva, principalmente do processo de diferenciação social de Lênin, haja
vista que o autor a todo custo defende a tese da proletarização do campesinato brasileiro e o
seu conseqüente desaparecimento. Com efeito, ele afirma a recriação camponesa adequada ao
sistema capitalista, quer seja como compradora de suas mercadorias ou como fornecedora dos
meios de produção de que o capital necessita. Neste sentido, a recriação só acontece pelo
próprio desenvolvimento do capitalismo que a recria conforme seus interesses. Aqui de fato,
ele dá sustentação à tese de funcionalidade da produção camponesa no capitalismo, conforme
Rosa Luxemburgo defende, sobretudo quando faz referências à dinâmica da recriação e
destruição do campesinato diante do movimento cíclico do capitalismo:
(...) na fase da subida do ciclo econômico, as pequenas propriedades são
engolidas naquelas regiões de maior desenvolvimento capitalista no campo e
empurradas para a fronteira, na maioria das vezes na forma de pequenos
posseiros. Na fase de descenso do ciclo, as pequenas se expandem, é
verdade, mesmo em certas regiões de maior desenvolvimento capitalista e/ou
de estrutura agrária consolidada. Mas essa expansão é sempre limitada em
termos absolutos e quase nunca significa também um crescimento relativo,
pois em termos mais gerais do país, ou mesmo das regiões, a grande
propriedade no Brasil cresceu sempre a taxas superiores às das pequenas no
período 1965-1975 (SILVA, 1981, p. 54-55).
Todavia, essa dinâmica de recriação/destruição do campesinato no processo de
acumulação primitiva contínua não permanece no pensamento do autor, que posteriormente
reviu e a explicou como sendo uma fase do processo de proletarização. É sobre tal perspectiva
que surgiu mais recentemente a concepção do “novo rural brasileiro” cuja existência do parttime é fundante no processo de urbanização do campo e no fim do campesinato.
Constata-se que o debate acerca dos rumos da agricultura camponesa no Brasil ganhou
novas interpretações teóricas com as transformações ocorridas no campo brasileiro a partir de
1970. De fato, não se pode negar que, do ponto de vista econômico, o processo de
modernização da agricultura trouxe um considerável aumento na produção agrícola do país,
porém, do ponto de vista social e ambiental, os seus efeitos foram muito perversos. Segundo
Moreira et al. (1999, p. 6-7):
92
Deve-se também levar em conta que, se de um lado a modernização levada a
efeito foi responsável por uma grande expansão da produção de
determinadas culturas industriais e de exportação, tais como soja e cana-deaçúcar, e da pecuária, pelo aumento do número de tratores utilizados, pelo
crescimento do consumo de NPK e pelo fortalecimento do Complexo
Agroindustrial, de outro lado, ela trouxe, no seu bojo, uma série de
complicadores da ordem sócio-econômica, tais como: a) a expropriação dos
pequenos produtores e sua transformação em assalariados; b) a retração da
área cultivada com culturas alimentares; c) a acentuação do processo de
concentração da propriedade da terra; d) a deterioração da distribuição da
renda do setor agropecuário; e) a utilização indiscriminada de fertilizantes e
defensivos agrícolas, comprometendo a fertilidade dos solos e provocando
desequilíbrio nos ecossistemas existentes e efeitos nocivos sobre a saúde dos
trabalhadores e consumidores; f) a intensificação da sazonalidade da
demanda de trabalho na atividade agrícola.
Na atualidade, as principais abordagens sobre o campesinato brasileiro têm se
centrado, no âmbito das transformações ocorridas com a expansão do capitalismo no campo,
na capacidade ou não da adoção de tecnologia pelo campesinato e de sua inserção no
mercado. Nesta direção, situam-se, entre outros, José Eli Veiga e Ricardo Abramovay para
quem há dois caminhos para os camponeses: ou eles se transformam em “agricultores
familiares” e se integram ao mercado capitalista ou se mantêm como camponeses e
desaparecem devido à expansão do capitalismo no campo.
Na sua obra “Fundamentos do agroreformismo”, José Eli Veiga (1994) concebe a
agricultura familiar como equivalente à empresa familiar, por isso que o aumento da
produtividade, a integração ao mercado, a adoção de novas tecnologias e o papel do Estado
em fomentar as políticas produtivistas são fundamentais para a sua sobrevivência no
capitalismo.
Para o autor:
Os prejudicados pelo avanço tecnológico serão os agricultores mais
retardatários (...) que, por este ou aquele motivo, não adotaram a nova
tecnologia. Não poderão cobrir todos seus custos, serão levados a sair do
ramo. (...) No contexto do livre mercado, a adoção de novas tecnologias
força os agricultores participantes a pedalar um treadmill 11 . E os que
decidirem não pedalar serão empurrados à falência (VEIGA, 1994, p. 79).
Em outras palavras, os camponeses que forem capazes de se adequar às inovações
tecnológicas serão inseridos ao mercado e permanecerão na economia agrícola. Enquanto os
outros “retardatários”, pela incompatibilidade nas relações mercantis, terão que abandonar o
11
Instrumento usado no século XVIII para transformar o andar humano em força motriz, os seus eixos rodavam
sem que os usuários saíssem do lugar (VEIGA, 1994).
93
campo. Neste sentido, Abramovay (1998, p.125) explica que “a pobreza do campesinato é
uma das bases sociais, em que se apóiam os mercados incompletos”, o que impossibilita a sua
participação em mercados completos desenvolvidos pelo sistema capitalista. Portanto, a
metamorfose do camponês em agricultor familiar significa a superação daquele a mercados
parciais e incompletos. De acordo com o autor, os camponeses do Sul do Brasil encaixam-se
neste perfil:
Integram-se plenamente a estas estruturas nacionais de mercado,
transformam não só sua base técnica, mas, sobretudo o círculo social em que
se reproduzem e metamorfoseiam-se numa nova categoria social: de
camponeses, tornam-se agricultores profissionais. Aquilo que era antes de
tudo um modo de vida converte-se numa profissão, numa forma de trabalho.
O mercado adquire a fisionomia impessoal com que se apresenta aos
produtores numa sociedade capitalista. Os laços comunitários perdem seu
atributo de condição básica para reprodução material. Os códigos sociais
partilhados não possuem mais as determinações locais, por onde a conduta
dos indivíduos se pautava pelas relações de pessoa a pessoa. Da mesma
forma, a inserção do agricultor na divisão do trabalho corresponde à maneira
universal como os indivíduos se socializam na sociedade burguesa: a
competição e a eficiência convertem-se em normas e condições da
reprodução social (ABRAMOVAY, 1998, p. 126-127).
Para o autor, os camponeses da região Sul do Brasil transformaram-se em agricultores
familiares porque se adaptaram às exigências do mercado por meio do capital, das relações
externas e do progresso técnico e assim criaram uma realidade contrária à permanência da
agricultura camponesa no mesmo espaço agrário em que se consolidou a empresa capitalista.
Ou seja, “o ambiente no qual se desenvolve a agricultura familiar contemporânea é
exatamente aquele que vai asfixiar o camponês, obrigá-lo a se despojar de suas características
constitutivas” (ABRAMOVAY, 1998, p. 131). Para Abramovay, o desaparecimento dos
camponeses é previsto pela sua metamorfose em agricultores familiares, ao contrário dos
teóricos brasileiros da corrente anterior que pressupõem o seu fim a partir do processo de
proletarização ocasionado pela industrialização da agricultura.
Na obra “Paradigmas do capitalismo agrário em questão”, Ricardo Abramovay
(1998) procura romper com as teses marxistas de que o desaparecimento do campesinato seria
inevitável com a expansão do capitalismo no campo, e apresenta, na contramão de Marx 12 ,
12
Para Abramovay (1998, p.129), “O que Marx não podia antever, que estava totalmente fora de sua perspectiva
teórica, é que o extermínio social do campesinato não significaria fatalmente a eliminação de qualquer forma de
produção familiar como base para o desenvolvimento capitalista na agricultura”.
94
Kautsky e Lênin, que a agricultura de base familiar teve participação expressiva no
desenvolvimento econômico dos Estados Unidos e de alguns países da Europa.
Conforme o autor:
Em vários países europeus, a intervenção da política fundiária é mais
profunda que muitos planos de reforma agrária caracterizados como radicais
na América Latina. A diferença básica é que o objetivo central das políticas
fundiárias na França, por exemplo, nunca foi fundamentalmente
distribuitivista, mas produtivista: tratou de adaptar a estrutura de posse e de
uso da terra às exigências do progresso técnico (ABRAMOVAY, 1994, p.
106).
Portanto, a permanência ou o desaparecimento do campesinato depende de mudanças
conjunturais (sócioeconômicas) determinadas pela intervenção do Estado a partir de
fomentação de políticas produtivistas pautadas no progresso técnico. Ou seja, a produção
familiar nada mais é que uma produção moderna e mercantil, por isso, a questão da
produtividade e o seu vínculo com novas tecnologias determinam o seu desenvolvimento. De
acordo com essa compreensão, a reforma agrária de forma distributivista é totalmente
descartada, uma vez que o tamanho da propriedade camponesa não representa obstáculos para
o seu desenvolvimento, pois basta a inovação tecnológica para ela maximizar a produção e ter
uma boa relação de mercado.
Os teóricos da agricultura familiar interpretam o desenvolvimento do capitalismo no
campo como um processo de metamorfose do campesinato. Portanto, a única condição de
existência do camponês seria sua conversão em agricultor familiar. Esta nova categoria social
representa o moderno e o progresso, enquanto que o camponês representa o velho, o arcaico e
o atraso. Tal interpretação teve forte influência: a) na organização dos movimentos
camponeses; b) nas políticas públicas elaboradas pelo Estado e; c) nas pesquisas acadêmicas.
Politicamente, entre os movimentos camponeses existentes no Brasil, criou-se uma
disputa ideológica pelo uso dos termos agricultura familiar ou agricultura camponesa. A
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e a Federação dos
Trabalhadores na Agricultura Familiar na Região Sul (FETRAF-SUL) identificam-se com os
pressupostos teóricos e metodológicos dos autores da agricultura familiar e dão preferência
pelo uso do conceito de agricultor familiar em contraposição ao de camponês. Enquanto que
os movimentos camponeses que são vinculados à Via Campesina – Brasil dão preferência ao
95
uso do conceito de camponês 13 . Todavia, nos eventos nacionais em que todos participam,
procura-se manter um certo consenso quanto ao uso dos conceitos, utilizando as seguintes
expressões:
“agricultura
familiar/camponesa
ou
agricultura
camponesa/familiar”
(FERNANDES, 2004, p. 21).
No segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), foram
criadas diferentes políticas públicas assentadas na lógica da corrente da viabilidade da
agricultura familiar articulada ao mercado, que foram: o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF 14 ) e o Programa Novo Mundo Rural, que
teve como objetivo principal “a implantação da relação de compra e venda da terra como
forma de inibir as ocupações de terra, além da criação de infra-estrutura social nos
assentamentos rurais” (FERNANDES, 2004, p. 21). Outras políticas públicas que não se
adequaram ao novo modelo capitalista foram extintas ou ficaram congeladas durante muito
tempo, como por exemplo: o Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária
(PROCERA); o Projeto Lumiar de Assistência Técnica e; o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (PRONERA). Este último ficou congelado durante quase todo o segundo
governo FHC.
No espaço acadêmico, o uso dos conceitos de camponês e agricultor familiar passou a
exigir esclarecimentos teóricos. É tanto que, na obra “Reforma agrária: o impossível
diálogo”, José de Souza Martins (2000) evidenciou que:
Neste livro, uso as palavras “camponês” e “campesinato”, ao referir ao
Brasil, porque são palavras incorporadas, ainda que indevidamente, ao nosso
discurso político e ao trato da questão agrária. Estou pensando no agricultor
familiar e seu mundo, que ainda preserva muitos traços culturais do velho
mundo camponês europeu que se adaptou ao nosso país de diferentes modos
em diferentes ocasiões e por diferentes meios. Mas, penso, sobretudo, no
pequeno agricultor familiar, proprietário ou não da terra, que organiza sua
vida mediante diferentes graus e modalidades de combinação da produção
para o mercado com a produção direta dos meios de vida. Mas sujeito,
portanto, as condutas e relacionamentos e a uma visão de mundo de tipo
tradicional (MARTINS, 2000, p. 45).
Com efeito, Martins usa os dois conceitos de forma articulada, reunindo características
que Abramovay separa. Neste sentido, segundo Fernandes (2004), os teóricos da agricultura
familiar sustentam a tese:
13
Neste caso, inserem-se: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST; o Movimento dos
Pequenos Agricultores – MAP; o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB; o Movimento das Mulheres
Camponesas – MMC; a Comissão Pastoral da Terra – CPT (FERNANDES, 2004).
14
Este programa tem forte influência no campesinato do município de Nova Floresta que será apresentado em
capítulos posteriores.
96
(...) que o produtor familiar que utiliza os recursos técnicos e está altamente
integrado ao mercado não é um camponês, mas sim um agricultor familiar.
Desse modo, pode-se afirmar que a agricultura camponesa é familiar, mas
nem toda a agricultura familiar é camponesa, ou que todo camponês é
agricultor familiar, mas nem todo agricultor familiar é camponês. Criou-se
assim um termo supérfluo, mas de reconhecida força teórico – política. E
como eufemismo de agricultura capitalista, foi criada a expressão agricultura
patronal (FERNANDES, 2001, p. 29-30).
Fernandes (2001) chama a atenção para dois aspectos importantes do debate e da
utilização dos conceitos aqui apresentados. Em primeiro lugar, destaca o fato de que, apesar
de muitos trabalhos acadêmicos utilizarem o conceito de agricultor familiar, isto não
representa a perda do status teórico do conceito de camponês. Para ele, “uma coisa é a opção
teórica e política dos cientistas frente aos paradigmas, o que é extremamente diferente da
perca do status de um conceito” (FERNANDES, 2001, p. 30). Em segundo lugar, ressalta
que, observando atentamente os trabalhos acadêmicos, pode-se verificar que, enquanto os
pesquisadores que utilizam o conceito de agricultura familiar com consistência teórica, não
utilizam o conceito de camponês, os que usam o conceito de camponês, comumente também o
designam de agricultores familiares, não como um conceito em si, mas como condição de
organização do trabalho. Afirma também que, ao se trabalhar com o conceito de camponês,
pode-se utilizar sem problemas as expressões pequeno produtor e pequeno agricultor.
Já para Almeida (2003), o uso do conceito de camponês, no Brasil, mesmo que tenha
sido importado pelo partido comunista na década de 1960, é explicado pelo sentido de
unidade que carrega, por ser capaz, segundo esta autora, de “dar visibilidade à classe, ao
contrário do termo trabalhador que é genérico” (p. 20). Além disso, segundo Paulino (2006), é
este conceito que:
permite vislumbrar a unidade de classe que se manifesta na ordenação das
parcelas do território sob seu controle. Como classe sui generis do
capitalismo, sua singularidade se manifesta na experiência única de
reprodução, a qual se baseia no próprio controle sobre o trabalho e sobre os
meios de produção. É o que lhes permite conservar a capacidade de
produzirem seus próprios meios de vida, ainda que as condições concretas de
reprodução de cada família nem sempre assim o determine (PAULINO,
2006, p.21).
Em suma, conceber o camponês separado do agricultor familiar ou considerá-los de
forma equivalente é uma questão de método. E o método utilizado pelos teóricos da
97
agricultura familiar “dá ênfase aos processos determinantes e dominantes do capital que
metamorfoseia um sujeito para adequá-los aos seus princípios” (FERNANDES, 2004, p. 20).
As idéias de Abramovay e Veiga se espacializaram na academia, nos movimentos
camponeses e, principalmente, no governo de FHC, redefinindo territórios teóricos e políticos
e entrando em conflito com outras correntes teóricas como a que pressupõe a permanência do
campesinato através da sua resistência e recriação apoiada na lógica de que o
desenvolvimento capitalista no Brasil é desigual e contraditório. Como integrantes dessa
corrente, neste trabalho, destacamos a contribuição de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, José
de Souza Martins, Eliane Tomiase Paulino e Bernardo Mançano Fernandes.
Em “Agricultura camponesa no Brasil”, Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1996)
afirma que o desenvolvimento do capitalismo na agricultura se faz de forma desigual 15 e
contraditória, “isto significa que para seu desenvolvimento ser possível, ele tem que
desenvolver aqueles aspectos aparentemente contraditórios a si mesmo” (OLIVEIRA, 1996,
p. 18). Ou seja, tem que haver a articulação de relações capitalistas com as relações nãocapitalistas.
Nas palavras do autor:
Entender o desenvolvimento desigual do modo capitalista de produção na
formação social capitalista significa entender que ele supõe sua reprodução
ampliada, ou seja, que ela só será possível se articulada com relações sociais
não capitalistas. E o campo tem sido um dos lugares privilegiados de
reprodução dessas relações não-capitalistas (OLIVEIRA, 1996, P. 11).
A citação acima demonstra o caráter contraditório do capitalismo no campo, pois ao
mesmo tempo em que expande as relações capitalistas nas médias e grandes propriedades,
também expande as relações não-capitalistas baseadas no trabalho familiar do camponês nas
pequenas propriedades.
De acordo com Oliveira (1996, p.20):
(...) o capital não expande de forma absoluta o trabalho assalariado, sua
relação de trabalho típica, por todo canto e lugar, destruindo de forma total e
absoluta o trabalho familiar camponês. Ao contrário, ele, o capital, o cria e
recria para que sua produção seja possível, e com ela possa haver também a
criação, de novos capitalistas.
15
Creditamos a noção de desenvolvimento desigual do capitalismo aos autores clássicos: Trotsky, Lênin e Rosa
Luxemburgo (MARQUES, 2008).
98
Em outras palavras, as relações capitalistas não se estabelecem de forma homogênea
no tempo e no espaço, pois o capital na medida em que expropria o camponês em
determinados lugares, contraditoriamente, na mesma medida, ele cria condições para sua
recriação e para que haja a subjugação da renda da terra ao capital.
Conforme Oliveira (2002, p.80):
Na agricultura, o capital ora controla a circulação subordinando a produção,
ora se instala na produção subordinando a circulação. Aliás, uma engendra a
outra. Como conseqüência desse movimento contraditório, temos o
monopólio do capital ora na produção, ora na circulação. Esse processo
contraditório de desenvolvimento da agricultura ocorre nas formas
articuladas pelos próprios capitalistas, que se utilizam de relações de
trabalho familiares para não terem que investir, na contratação de mão-deobra assalariada, uma parte do seu capital. Ao mesmo tempo, utilizando-se
dessa relação sem remunerá-la, recebem uma parte do fruto do trabalho dos
camponeses proprietários, parceiros, rendeiros ou posseiros, convertendo-o
em mercadoria e, ao vendê-la, convertem-na em dinheiro. Assim,
transformam, realizam a metamorfose da renda da terra em capital. Esse
processo nada mais é do que o processo de produção do capital, que se faz
por meio de relações não capitalistas.
Neste caso, o desenvolvimento do capitalismo no campo ocorre com a monopolização
do território pelo capital que se define pela sujeição da renda da terra ao capital e pela
subjugação do trabalho realizado. Todavia, para compreender o processo contraditório do
capital e a recriação camponesa gerada por ele, faz-se necessário destacar o processo de
funcionamento da geração da renda da terra.
Oliveira (1996), baseado na acumulação primitiva continuada de Rosa Luxemburgo,
explica que, no processo produtivo, os capitalistas estão envolvidos em dois processos
distintos: na reprodução do capital, através do trabalho assalariado, e na produção do capital
com a sujeição da renda da terra gerada através do trabalho familiar camponês. Neste caso,
não se trata da sujeição do trabalho ao capital, mas da subordinação da produção ao capital na
circulação mercantil. Portanto, não é o trabalho, mas a produção que gera a taxa de lucro
(mais-valia) aos capitalistas. Para não confundir a sujeição formal do trabalho ao capital com
a sujeição real do trabalho ao capital, achamos por bem buscar em José de Souza Martins a
correta adequada definição dos conceitos:
A noção de sujeição formal do trabalho ao capital está originalmente
relacionada à expropriação dos trabalhadores (...). Essa sujeição não
representaria nenhuma mudança no processo de trabalho. Ele continuaria
sendo realizado exatamente como era na produção artesanal doméstica. Só
que agora o artesão, transformado em trabalhador assalariado, já não
99
trabalha para si mesmo, mas para o capitalista (...). O passo seguinte é o
capital se assenhorear não só do resultado do trabalho, mas também do modo
de trabalhar (...) na sujeição real do trabalho ao capital, o conhecimento se
restringe a um pequeno aspecto da produção (...). Na medida em que o
produtor preserva a propriedade da terra e nela trabalha sem o recurso do
trabalho assalariado, utilizando unicamente o seu trabalho e o de sua família,
ao mesmo tempo que cresce a sua dependência em relação ao capital (...)
estamos diante da sujeição da renda da terra ao capital (MARTINS, 1995
apud PAULINO, 2006, p. 110).
A renda da terra é gerada pelo trabalho familiar dos camponeses e se faz presente nos
produtos que são lançados no mercado. Neste caso, conforme Paulino (2006), o que os
“camponeses vendem, no capitalismo, é o produto no qual está contido o trabalho da família,
uma distinção essencial em relação aos demais trabalhadores, que têm para vender
unicamente a mercadoria força de trabalho” (p. 108). É na fase da circulação que acontece a
transformação da renda da terra em capital, haja vista que, na fase da produção de mercadoria,
os camponeses se recriam controlando ao mesmo tempo a força de trabalho e os meios de
produção.
A apropriação da renda da terra se dá pelo capital comercial, pelo capital industrial e
pelo capital financeiro. Uma das formas de transferência da renda da terra ao capital foi
apresentada por Paulino (2006) através dos estudos por ela realizados sobre o sistema de
integração dos camponeses do Norte do Paraná às indústrias de fumo, de leite, de aves, de
suínos e do bicho-da-seda. Para a autora, é nos contratos estabelecidos que ocorre a sujeição
da renda da terra pela indústria, que dita o preço da matéria-prima. Essa é uma das investidas
do capital para garantir primeiramente a produção e depois a reprodução do capital. Todavia,
há uma dupla funcionalidade neste processo que tanto explica a contradição do capitalismo
como deixa brecha para a recriação camponesa. Se de um lado o sistema de integração
possibilita a monopolização do território pelo capital, de outro garante a recriação camponesa
e impede a territorialização do capital. Dito de outra forma, neste caso, a monopolização do
território pelo capital ocorre sem a territorialização do capital, dado que, para produzir o
capital, os camponeses precisam manter a sua recriação e sua territorialização.
Paulino (2006) percebeu, em seus estudos, que alguns camponeses resistem à sujeição
ao capital. É o caso, por exemplo, de uma família que rompeu com a lógica da
agroindustrialização do leite porque a empresa capitalista exigiu a utilização de tecnologias
avançadas na produção leiteira. Ao perceber a perda da sua autonomia nas tomadas de
decisões, a família abandonou a produção leiteira e passou a investir na criação de gado
mestiço, evitando a dependência externa.
100
Sobre isso, a autora afirma que:
(...) é o deslocamento das estruturas decisórias para fora das unidades
camponesas que acaba alimentando as relações de subordinação que
certamente interfere na autonomia camponesa (...). Lembremos que, além
desse, muitos outros almejam tal vínculo, não o estabelecendo em virtude da
necessidade de investimentos, em geral incompatíveis com os recursos
disponíveis. É evidente que nesse momento há também os que já foram
integrados e rechaçam a experiência, da mesma forma como há muitos que
nem sequer cogitam tal possibilidade (PAULINO, 2006, p. 120).
É contra a sujeição da renda da terra ao capital que os camponeses produzem diversas
formas de resistência: seja para permanecer na terra controlando o seu tempo e seu espaço ou
para entrar nela através das ocupações organizadas pelos movimentos sociais. É a este último
contexto que se refere Fernandes (2000) quando afirma que:
A ocupação é uma realidade determinadora, é espaço/tempo que estabelece
uma cisão entre latifúndio e assentamento e entre o passado e o futuro. Nesse
sentido, para os sem-terra a ocupação, como espaço de luta e resistência,
representa a fronteira entre o sonho e a realidade, que é construída no
enfrentamento cotidiano com os latifundiários e o Estado (FERNANDES,
2000, p. 19).
Para o autor, a ocupação de terra é uma das formas de resistência ao capital que
possibilita a recriação camponesa no processo contraditório do desenvolvimento do
capitalismo no campo. Isto porque ela abre possibilidades para o retorno ou a entrada na terra
por meio da luta pela terra e pela reforma agrária.
Com base no exposto, confirma-se a influência das duas correntes teóricas,
anteriormente mencionadas, na análise do desenvolvimento do capitalismo no campo
brasileiro realizada por agraristas e geógrafos: a que acredita que este desenvolvimento
levaria o campesinato ao desaparecimento e a que acredita que é justamente o caráter
contraditório e desigual do capitalismo que favorece a criação e recriação do campesinato no
seu interior. Isso significa que os camponeses, para manterem ou assegurarem a
territorialização camponesa, produzem diversas formas de resistência ao capital. Este aspecto
será abordado em seguida.
101
2.2 Resistência e território camponês: o local na construção da autonomia camponesa
A palavra resistência no sentido etimológico significa “ato ou efeito de resistir” ou
“força que se opõe a outra” (FERREIRA, 2000). Outro sentido é apresentado por Chauí
(1986) quando estudou os aspectos da cultura popular no Brasil. Esta autora considera a
resistência e o conformismo como palavras ambíguas na busca de compreender a relação
existente entre a cultura popular e a cultura dominante. Mas como encarar essa ambigüidade
se essas palavras possuem significados opostos? A etimologia da palavra conformismo
significa “atitude de quem se conforma com todas as situações” (FERREIRA, 2000, 174).
Todavia, Marilena Chauí entende a cultura popular como algo que se realiza no interior da
cultura dominante, ou seja, como mistura de conformismo e resistência.
Nas palavras da autora:
Ora, seres e objetos culturais nunca são dados, são postos por práticas sociais
e históricas determinadas, por formas da sociabilidade, da relação
intersubjetiva, grupal, de classe, da relação com o visível e o invisível, com o
tempo e o espaço, com o possível e o impossível, com o necessário e o
contingente (CHAUÍ, 1986, p. 122).
A cultura popular concebida em suas ambigüidades se expressa como “tecido de
ignorância e de saber, de atraso e de desejo de emancipação, capaz de conformismo ao
resistir, capaz de resistência ao se conformar” (CHAUÍ, 1986, p. 124). Ou seja, não existe
oposição entre conformismo e resistência, são dimensões simultâneas entendidas como
práticas locais historicamente determinadas em um mesmo processo.
A partir de tal premissa, entendemos a recriação do campesinato brasileiro a partir da
forma ambígua de resistência e conformismo. Afirmamos isso porque uma determinada ação
ou reação que caracterize conformismo do camponês pode ter efeitos de resistência à lógica
dominante capitalista, tais como: a) a autonomia no processo produtivo; b) o predomínio do
trabalho familiar na produção; c) a produção para o autoconsumo ou a produção mercantil
simples; d) a diversificação da produção contra a penetração de monoculturas exportadoras; e)
a produção orgânica; d) a criação de animais (aves, bois, cabras, porcos, abelhas e outros); f) a
não integração à indústria capitalista; g) a eliminação dos atravessadores na comercialização
da produção; h) as relações de vizinhança e comunitárias, além de outras formas de
conformismo ao resistir ao capital.
Em termos políticos, alguns camponeses proprietários de terras ou não são
considerados reacionários, conservadores e conformados, pelo fato de não se organizarem em
102
grandes movimentos sociais contra a sujeição da renda terra ao capital, ou em prol da reforma
agrária. Isso deve-se ao fato de que “os movimentos sociais se tornaram paradigmáticos na
realização de lutas e passaram a ser considerados a forma mais eficiente de resistência dos
camponeses” (FABRINI, 2008, p. 239). Todavia, de acordo com Fabrini:
A resistência camponesa não se limita à ação/organização dos movimento
sociais, ou seja, as lutas camponesas não devem ser interpretadas somente na
esfera dos movimentos sociais: “o movimento camponês” é mais amplo do
que os “movimentos sociais”. É possível verificar, entre os camponeses, um
conjunto de relações assentadas no território que se ergue como resistência à
dominação do modo de produção capitalista. A produção para autoconsumo, a autonomia e o controle no processo produtivo, a solidariedade,
as relações de vizinhança, os vínculos locais, dentre outros, são aspectos
deste processo (FABRINI, 2008, p. 239-240).
Para o autor, existe um movimento camponês superior aos movimentos sociais que se
caracteriza pelo processo de construção de resistência que carrega um conjunto de práticas
sociais (como as supracitadas) de conteúdo político, econômico, cultural, ambiental e
costumeiro, que são construídas a partir de forças locais assentadas no território camponês,
quais sejam: os acampamentos dos sem-terra; os assentamentos; as comunidades rurais; os
bairros rurais e as pequenas propriedades camponesas. Portanto, antes de caracterizar o
território camponês a partir das diversas formas de resistência ao capital, faz-se necessário
apresentar o conceito de território para além do espaço de governança. Neste sentido, o ponto
de partida é o espaço.
Milton Santos (2008), ao elaborar uma definição plena do espaço na sua obra “A
natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, explica que “o espaço é formado por
um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a
história se dá” (SANTOS, 2008, p. 63). Assim, o espaço geográfico é uma totalidade onde se
realizam todos os tipos de relações que o produz. Nesta compreensão, é evidente a noção de
sistema espacial composta por objetos e ações indissociáveis.
Sobre o funcionamento do sistema espacial, Santos (2008, p.63) afirma:
Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas
de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o
sistema de ações leva á criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos
preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.
103
Nesta abordagem, o sistema de objetos é formado pelos objetos naturais que estão
presentes na natureza e pelos objetos sociais produzidos a partir de uma simbiose entre o
trabalho do homem e uma natureza modificada por esse mesmo trabalho. Dito de outra
forma, o sistema de objetos é formado pela transformação dialética da primeira natureza em
segunda natureza. De acordo com Santos (2008, p. 72-73):
Para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra,
toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se
objetivou. Os objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria
fora do homem e se torna instrumento material de sua vida, em ambos os
casos uma exterioridade.
O sistema de ações é exclusivamente de natureza humana, haja vista que somente os
homens com intencionalidades técnicas poderão dar sentido aos objetos.
Nas palavras de Santos (2008, p. 82-83):
As ações resultam de necessidades, naturais ou criadas. Essas necessidades:
materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas, é que
conduzem os homens a agir e levam a funções. Essas funções, de uma forma
ou de outra, vão desembocar nos objetos. Realizadas através de formas
sociais, elas próprias conduzem à criação e ao uso de objetos, formas
geográficas.
Assim, o espaço geográfico é produzido através de uma relação dialética entre os
sistemas de objetos e sistemas de ações cuja intencionalidade é carregada de conteúdo
técnico. Todavia, segundo Santos (1986), este espaço geográfico não pode ser explicado sem
o tempo social, devido ao processo histórico, ao fato da relação espaço-tempo ser o resultado
de cada período da história que, configurado através do modo de produção, vai produzir um
espaço específico, expressão da sociedade que o organiza. Assim sendo, o espaço geográfico
é algo dinâmico, é a expressão da sociedade em movimento.
Se partirmos da premissa que o território é construído a partir do espaço geográfico, o
processo que produz o espaço também produz o território.
Para Raffestin (1993), o conceito de território necessariamente deve ser diferenciado
do conceito de espaço geográfico, o qual constitui um substrato, é algo anterior ao território.
Conforme o autor:
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida
por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
104
Ao se apropriar de um espaço concreto ou abstratamente, o ator
“territorializa” o espaço. (...) o território, nessa perspectiva, é um espaço
onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por
conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão
original”, o território é a prisão que os homens constroem para si
(RAFFESTIN, 1993, p. 143-144).
O território, para Raffestin (1993), é, portanto, produzido a partir do espaço e
caracterizado por relações de poder. O poder exercido pelas pessoas, grupos ou instituições
estatais é fundamental na compreensão do território. Este poder é relacional porque está presente
em todas as relações sociais que formam o território.
Essa compreensão de território a partir das relações de poder tem influenciado inúmeros
trabalhos desenvolvidos no âmbito da Geografia brasileira, por estudiosos como Andrade (1995);
Souza (2009); Haesbaert (2004); Oliveira (1996) e; Fernandes (2008, 2009).
Não é nosso objetivo resgatar esses estudos, mas apresentar como as comunidades
rurais e os assentamentos podem ser compreendidos enquanto territórios para além do espaço
de governança. É neste sentido que trazemos a abordagem de Fernandes (2008) sobre a
tipologia dos territórios.
Em “Entrando nos territórios do território”, Bernardo Mançano Fernandes (2008)
destaca a importância da multidimensionalidade e da multiescalaridade na análise dos
territórios. Para o autor, “cada território é uma totalidade, por exemplo: os territórios de um
país, de um estado, de um município ou de uma propriedade são totalidades diferenciadas
pelas relações sociais e escalas geográficas” (FERNANDES, 2008, p. 279). Ou seja, a
dimensionalidade corresponde ao princípio da totalidade na compreensão dos territórios,
refere-se à relação dialética entre as dimensões políticas, sociais, econômicas, culturais e
ambientais materializadas nos territórios. A multiescalaridade nos permite compreender o
território para além do espaço de governança, levando em consideração os diferentes tipos de
território em nível local, regional, nacional, internacional.
Nas palavras do autor:
O princípio da multidimensionalidade pode ser considerado como uma
propriedade do significado do conceito de território. Este é um grande
desafio, porque por mais que se defenda a multidimensionalidade na acepção
do conceito de território, as teorias, métodos e práticas a fragmentam. Mas
esta fragmentação não ocorre somente na multidimensionalidade dos
territórios, acontece também na sua multiescalaridade. Nas “abordagens
territoriais” predominam análises da dimensão econômica e da dimensão
social numa acepção de território como espaço de governança. A definição
de “território” por órgãos governamentais e agências multilaterais não
consideram as conflitualidades dos diferentes tipos de territórios contidos no
105
“território” de um determinado projeto de desenvolvimento territorial. Ao se
ignorar propositalmente os distintos tipos de território, perde-se a
multiescalaridade, porque estes territórios estão organizados em diversas
escalas geográficas, desde a local até a escala internacional (FERNANDES,
2008, p. 278).
Portanto, recusar a análise do território a partir da sua dimensionalidade e
multiescalaridade significa negar a socialização das tomadas de decisão e não reconhecer os
territórios das diferentes classes sociais. Em outras palavras, o conceito de território é
considerado espaço de governança se analisado somente a partir de uma dimensão territorial
(país, estados ou municípios) e se considerar apenas uma ou duas das dimensões da totalidade
nas relações travadas no território. É neste sentido, segundo Fernandes (2008), que este
conceito vem sendo utilizado “(...) como instrumento de controle social para subordinar
comunidades rurais aos modelos de desenvolvimento apresentado pelas transnacionais do
agronegócio” (FERNANDES, 2008, p. 279). O autor ainda explica que:
A compreensão de cada tipo de território como totalidade com sua
multidimensionalidade e organizado em diferentes escalas, a partir de seus
diferentes usos, possibilita-nos entender o conceito de multiterritorialidade.
Considerando que cada tipo de território tem sua territorialidade, as relações
e interações dos tipos nos mostram as múltiplas territorialidades. É por essa
razão que as políticas executadas no território como propriedade atingem o
território como espaço de governança e vice-versa. A multiterritorialidade
une todos os territórios através da multidimensionalidade e por meio das
escalas geográficas, que podem ser representadas como camadas sobrepostas
(layers), em que uma ação política tem desdobramento em vários níveis ou
escalas: local, regional, nacional, internacional (FERNANDES, 2008, p.
280).
Na tentativa de superar a compreensão do território somente como espaço de
governança, uno e singular, o autor propõe três tipos de territórios: a) o território
caracterizado como espaços de governança: país, estados e municípios; b) o território
caracterizado por dois tipos de propriedades privadas: a capitalista e a não-capitalista; c) o
território caracterizado pelos territórios fluxos, os quais são produzidos no primeiro e segundo
territórios, isto é, suas fronteiras se movimentam conforme a intencionalidade de diferentes
instituições e as conflitualidades geradas pelas disputas territoriais. Todavia, é no interior do
primeiro território que os demais se organizam, ou seja, é no território brasileiro e nos seus
estados e municípios que as diferentes formas de propriedade privada são materializadas.
Nesta compreensão, Fernandes (2008) considera as propriedades privadas capitalista e
106
camponesa como territórios dentro do território do espaço de governança, o que mostra que
nem toda propriedade privada é capitalista.
O segundo território pode ser contínuo ou descontínuo, isto é, pode “pertencer a uma
pessoa ou instituição ou a diversas pessoas ou instituições” (FERNANDES, 2008, p. 283).
Deste modo, também pode ser uma comunidade rural ou parte dela, um sítio ou parte dele. O
caráter descontínuo é porque ele pode se organizar em redes ligando-se a vários territórios.
Ao analisar essa tipologia de territórios, tem-se que levar em consideração o sentido
político da soberania nas tomadas de decisões, principalmente no segundo território, cujas
propostas de desenvolvimento são definidas pelos proprietários.
Essa compreensão sobre o significado de território é fundamental para este trabalho,
uma vez que se trabalha com as propriedades privadas como territórios dentro do território de
governança (municipal, estadual, regional, nacional e internacional). Neste sentido, podemos
entender as comunidades rurais dos municípios paraibanos de Nova Floresta e Teixeira
enquanto territórios do território municipal. Mas, para tanto, é preciso saber como se dão as
relações de poder em seu interior para defini-lo a partir de tal compreensão. Essa abordagem
será apresentada nos resultados da pesquisa empírica presentes nos próximos capítulos.
Todavia, temos que ter em mente que considerar o território como uno, sem levar em
consideração a sua dimensionalidade e sua multiescalaridade, é compreendê-lo somente como
espaço de governança e ignorar suas conflitualidades. Isso acontece porque o conceito de
território é definido de acordo com as intencionalidades de pesquisadores que estão
vinculados a diferentes métodos, correntes teóricas e instituições. Portanto, “Dar significados
mais amplos ou mais restritos depende da intencionalidade do sujeito que elabora ou que usa
o conceito” (FERNANDES, 2008, p.278).
Para este autor, os estudos sobre o desenvolvimento rural no Brasil partem de apenas
duas linhas de interpretação: a dos autores/pesquisadores que defendem a viabilidade da
agricultura familiar através da sua integração ao mercado e da incorporação tecnológica e os
que estudam o espaço agrário brasileiro a partir do desenvolvimento desigual e contraditório
da expansão do capitalismo. Essas duas correntes são denominadas por ele como Paradigma
do Capitalismo Agrário (PCA) e Paradigma da Questão Agrária (PQA).
No PCA, o conceito de território se expressa como espaço de governança (território do
Estado) devido a suas análises serem feitas a partir dos modelos do modo de produção
capitalista, portanto, nesta corrente, ele tem o significado semelhante aos conceitos de espaço
e região. Afirma-se isso, sobretudo, pela falta de estudos sobre as contradições e as
conflitualidades geradas pelas diferentes classes sociais. Nesta compreensão, predominam as
107
políticas de desenvolvimento territorial rural cujos parâmetros são sempre as relações
capitalistas. Podemos citar como exemplo as pesquisas financiadas pelo Banco Mundial que
utilizam o território não como conceito, mas como instrumento de análise na elaboração de
políticas territoriais. É o caso das políticas neoliberais que ainda predominam no espaço
agrário brasileiro através de três processos: primeiro intensifica a desterritorialização dos
territórios camponeses “por meio de empreendimentos realizados em parcerias entre o capital
e o Estado” (FERNANDES, 2008, p. 293); segundo facilita a territorialização do agronegócio
através das monoculturas voltadas para exportação; e terceiro permite a reterritorialização dos
territórios camponeses por meio da mercantilização das políticas públicas como a reforma
agrária. É evidente, neste último processo, a recriação do campesinato mesmo que seja de
forma subalterna, usando as palavras de Fernandes (2008, p. 294): “O capital vende territórios
capitalistas para a produção de territórios não capitalista”, no denominado processo de
acumulação por espoliação 16 .
Os territórios capitalistas e camponeses possuem diferentes formas de organização da
produção e do trabalho, portanto, para um se expandir é preciso a destruição do outro.
O território capitalista se territorializa destruindo os territórios camponeses,
ou destruindo territórios indígenas ou se apropriando de outros territórios do
Estado. Os territórios camponeses se territorializam destruindo o território
do capital, ou destruindo territórios indígenas ou se apropriando de outros
territórios do estado (FERNANDES, 2008, p. 295).
Este processo 17 contínuo de territorialização, desterritorialização e reterritorialização
permanecerá enquanto a fronteira agrícola estiver aberta, pois com o seu fechamento as
conflitualidades existentes entre as classes capitalistas e camponesas se intensificarão ainda
mais.
No PQA, o conceito de território utiliza como parâmetro em seus estudos as
contradições e as conflitualidades entre as classes capitalista e camponesa. Por essa razão, este
conceito distingue-se dos conceitos de espaço e região porque se expande para além do
sentido de espaço de governança. Neste sentido, as perspectivas do desenvolvimento
territorial rural dão mais ênfase a sua dimensão política através de severas críticas ao
capitalismo. O território é analisado através da soberania expressa pelas formas de resistência
à desterritorialização do campesinato que acontece através de políticas de desenvolvimento
16
Sobre o processo de acumulação por espoliação, ver Harvey (2004).
É importante destacar que, neste processo, há uma desvantagem do campesinato em relação ao agronegócio
que se territorializa mais rápido no campo.
17
108
local dos órgãos oficiais e multilaterais que colocam limites à existência camponesa com a
sua inserção ao mercado.
Fabrini (2008) apresenta duas abordagens sobre o “local” para a compreensão do
território camponês. A primeira abordagem trata da questão do desenvolvimento local na
interpretação do PCA que focaliza o local como possibilidades de desenvolvimento de
negócios. Neste sentido, o local é entendido como:
(...) a comunidade, municípios pequenos ou conjunto deles em detrimento de
lugares mais populosos já que a geografização do camponês ocorre pelas
trocas, no caso de mercadoria, a qual, na essência, encontra-se a idéia de
desenvolvimento (FABRINI, 2008, p. 255).
O desenvolvimento é concebido no sentido de progresso bem como de acesso a
tecnologias e idéias que vão elevar a capacidade de produção e de consumo. O local
apresenta-se como potencializador do desenvolvimento na medida em que possui “um
conjunto de vantagens que permite formas descentralizadoras e participativas de gestão”
(FABRINI, 2008, p.257). Dito de outra forma, as forças locais favorecem a descentralização
de políticas públicas com a transferência de responsabilidade do Governo Federal para os
estados, municípios e até mesmo para as comunidades rurais conferindo poder aos segmentos
populares. Nesta compreensão, os camponeses, denominados no PCA de agricultores
familiares, em virtude das características locais, teriam mais vantagens econômicas com a sua
inserção ao mercado. O contexto local ergue-se como elemento fundamental na caracterização
do território, todavia, é preciso observar se esse desenvolvimento assentado na oportunidade
de negócios cria possibilidades de mercado para todos.
A segunda abordagem, em contraposição à primeira, apresenta as forças locais (das
comunidades rurais, assentamentos, acampamentos, bairros, além de outras) no sentido de
resistência ao mercado global imposto pela lógica capitalista. Nesta compreensão, estão os
teóricos do PQA e alguns movimentos sociais que caracterizam o território como
possibilidades de resistência aos esquemas hegemônicos do modo de produção capitalista.
Neste sentido, defendem que as forças locais erguem-se no território camponês no sentido de
fortalecer a agricultura camponesa para abastecer o mercado interno.
Essa posição foi apresentada no I Fórum Mundial da Reforma Agrária realizada na
Espanha em 2004:
Em oposição ao modelo agro-exportador, o FMRA – Fórum Mundial sobre a
Reforma Agrária – defende o fortalecimento da agricultura camponesa e
109
familiar voltada para os mercados locais como ferramenta para garantir a
soberania alimentar das nações. Esse modelo de produção agrícola, segundo
a declaração final do encontro é potencialmente mais produtivo por unidade
e superfície, mais compatível com o meio ambiente e muito mais capaz de
proporcionar uma vida digna às famílias rurais ao mesmo tempo em que
proporciona aos consumidores rurais e urbanos alimentos sãos, baratos e
produzidos localmente (BRASIL DE FATO apud FABRINI, 2008, p. 259).
As forças locais do território se erguem como processo de resistência à ordem
dominante capitalista. Por essa razão, “os movimentos sociais não devem ser considerados
como possibilidade única de mudanças sociais, pois nem todas as relações são sinônimas de
movimentos” (FABRINI, 2008).
(...) ao se construir como paradigma nas lutas camponesas, os movimentos
não devem ser absolutizados ou considerados de forma exclusiva, como se
tivessem o monopólio das lutas no campo. É importante considerar que os
camponeses, e não os movimentos, são os sujeitos políticos no campo, ou
seja, os camponeses que constroem os movimentos e não o contrário (p.
259).
Os movimentos camponeses constituem apenas um dos fatores da existência do
campesinato. Com efeito, é evidente que a escala de ação deles se espacializa pelos
movimentos sociais, mas é preciso levar em consideração que estes se fortalecem por uma
força local do território, que se manifesta em formas de resistências ao capitalismo, como por
exemplo, a autonomia no processo produtivo e um conjunto de costumes e valores que
tradicionalmente se distancia das forças externas capitalistas.
A etimologia da palavra autonomia significa, segundo Ferreira (2000, p. 77),
“faculdade de se governar por si mesmo”. Porém, a autonomia a qual nos referimos não
significa independência em relação ao modo de produção capitalista nem a outros fatores
externos provenientes dele, e sim a uma forma de resistência camponesa pautada no controle
do próprio tempo e do próprio espaço no processo produtivo de forma inversa à lógica
capitalista.
Bombardi (2004, p.200), ao estudar a autonomia dos camponeses do bairro Reforma
Agrária de São Paulo, afirma que:
Esta autonomia diz respeito ao controle total do processo de trabalho na
terra, o que significa ser senhor do próprio tempo e do próprio espaço. Essa
liberdade se dá em sentido amplo: vai desde a possibilidade de escolher com
qual cultura se quer trabalhar, da forma como vão imprimi-los em suas terras
(controle do espaço), passando pela determinação de suas técnicas, pelo
controle daquilo que foi produzido (o produto final do trabalho da família
110
lhes pertence, não é diretamente apropriado por ninguém), até o ritmo de
trabalho que se quer, ou que se precisa atribuir à própria família.
O controle do próprio tempo está relacionado ao ritmo de trabalho determinado pela
família conforme o ciclo biológico das espécies que cultivam. Por essa razão, durante o ano,
há período em que o trabalho é mais extenso, como na fase do plantio e da colheita, enquanto
que, nas fases dos tratos culturais, o trabalho diminui. Além disso, o fato de ter o controle da
força de trabalho e dos meios de produção faz com que o camponês seja ao mesmo tempo
produtor para o autoconsumo e produtor de excedente.
Conforme Fabrini (2008, p. 261):
O ideário da produção para autoconsumo ou mercantil simples implica numa
autonomia porque são os camponeses os produtores diretos dos meios de
vida. Por isso, uma grande parte dos camponeses despossuídos da terra
almeja alcançá-la porque vê aí uma possibilidade de independência e
autonomia.
A agricultura camponesa é regida por princípios opostos à agricultura capitalista, para
compreendê-los podemos utilizar as idéias de Marx (1988) sobre o cálculo camponês
expresso na seguinte fórmula: M – D – M, que significa mercadoria, dinheiro, mercadoria. Ou
seja, os camponeses produzem mercadorias que são comercializadas para poderem comprar
outras mercadorias que são necessárias à reprodução da família. O dinheiro entra neste
processo como um mecanismo intermediário de troca.
Essa teoria da produção mercantil simples camponesa é contrastante à teoria de
produção mercantil capitalista, para a qual Marx (1998) utiliza a seguinte fórmula: D – M –
D, que significa dinheiro, mercadoria e dinheiro. Nesta concepção, o processo se inicia com o
dinheiro investido na agricultura (para compra de matéria-prima, máquinas e força de
trabalho) para a produção das mercadorias, que, ao serem comercializadas, dão um retorno
monetário superior ao que foi investido, possibilitando a acumulação do capital.
A produção camponesa não visa fundamentalmente o lucro, mas a sobrevivência do
núcleo familiar. Por essa razão, consideramos a autonomia como resistência localmente
construída que permite a recriação do campesinato pelos saberes acumulados de geração a
geração, a saber: a) controle do processo de produção e da força de trabalho familiar; b)
produção para o autoconsumo e para a comercialização de excedente; c) fabricação de alguns
dos instrumentos e ferramentas de trabalho pelos próprios camponeses não dependendo dos
equipamentos e máquinas sofisticadas produzidas pelas empresas capitalistas; d) a
111
organização da produção e do trabalho pautada predominantemente no trabalho familiar e na
diversificação de culturas alimentares; e) relação ambientalmente correta com a natureza
resistindo ao consumo de agrotóxico, insumos industrializados, equipamentos e orientações
técnicas proveniente da lógica capitalista de produção; f) as condições naturais de solo e clima
determinam o calendário agrícola camponês e marca a sua dependência em relação à natureza.
Além de outras formas de resistências que extrapolam a dimensão econômica por meio
de hábitos e valores localmente construídos no território camponês que se referem às
dimensões culturais, sociais, ambientais e políticas, relacionadas entre si, tais como: a) as
relações de vizinhanças que se estendem à produção agrícola por meio da ajuda mútua na
troca de dias de serviços; b) a religiosidade marcando uma relação local em torno da igreja; c)
os laços e ações comunitários centrados nas festividades, nas visitas aos vizinhos aos
domingos que são caracterizados pelo prazer das conversas (sobre saúde, educação, produção
agrícola) que estão além das ações políticas e ideológicas.
Em suma, é com base nesses pressupostos que fundamentamos este trabalho. Nele,
compreende-se que o campesinato se recria de modo contraditório no interior do modo de
produção capitalista por meio de diversas formas de resistência construídas localmente no
território, que asseguram a sua existência e permanência num sistema a ele adverso.
Entendemos ainda o campesinato enquanto classe inerente ao modo de produção capitalista
por acreditar que os prognósticos da destruição e do desaparecimento do campesinato no
desenvolvimento capitalista não se concretizaram no Brasil porque, no nosso país, a sua
recriação acontece por meio da luta pela terra, pela reforma agrária e por outras formas de
resistência que estão para além destas materializadas numa base territorial local carregada de
conteúdo político, econômico, social, cultural e ambiental que garantem a sua existência no
capitalismo. Cabe relacionar ainda a pertinência deste arcabouço teórico à realidade do espaço
agrário de Nova Floresta e Teixeira. Para tanto, partimos do resgate do processo de produção
do espaço agrário desses municípios.
CAPÍTULO III
PROCESSO HISTÓRICO DE FORMAÇÃO E
ORGANIZAÇÃO ATUAL DO ESPAÇO AGRÁRIO
DE NOVA FLORESTA E TEIXEIRA
113
3 PROCESSO
HISTÓRICO
DE
FORMAÇÃO
E
ORGANIZAÇÃO ATUAL DO ESPAÇO AGRÁRIO DE
NOVA FLORESTA E TEIXEIRA
Antes de enveredarmos no estudo da produção do espaço agrário dos municípios de
Nova Floresta e Teixeira e sua organização atual, expomos os aspectos locacionais e
ambientais que lhes conferem individualidade.
3.1 Aspectos locacionais e ambientais de Nova Floresta e Teixeira
Os municípios de Nova Floresta e Teixeira situam-se no estado da Paraíba-Brasil.
Nova Floresta com uma extensão territorial de 59 km2 situa-se na Microrregião do Curimataú
Ocidental que faz parte da Mesorregião do Agreste Paraibano. Sua posição geográfica é
determinada pelo paralelo de 06°27’18” de Latitude Sul, em sua interseção com o meridiano
de 36°12’10” de Longitude Oeste. Limita-se ao Norte com o estado do Rio Grande do Norte,
ao Sul com os municípios de Cuité e Picuí, a Leste com o município de Cuité e a Oeste com o
município de Picuí (Mapa 3).
O município de Teixeira localiza-se na Microrregião da Serra do Teixeira, na
subunidade espacial da Mesorregião do Sertão Paraibano. A sua extensão territorial é de 160,
899 km² e sua posição geográfica é determinada pelo paralelo de 07°13’22’’ de Latitude Sul,
em sua interseção com o meridiano de 37°15’15’’ de Longitude Oeste (Mapa 3). Limita-se ao
Norte com os municípios de São José do Bonfim e Cacimba de Areia, ao Sul com o estado de
Pernambuco, ao Leste com Cacimbas e Desterro, e a Oeste com Maturéia e Mãe d’Água.
Do ponto de vista ambiental, os dois municípios se situam, no todo ou em parte, em dois
conjuntos serranos constituídos pelos Brejos Serranos de Cuité e Bom Bocadinho e pela Serra do
Teixeira. Os conjuntos serranos constituem maciços residuais, isto é, “blocos individualizados,
separados do corpo geral e principal da Superfície Aplainada da Borborema, por depressões
tectônicas ou pediplanadas” (CARVALHO, 1982, p.49) que apresentam níveis altimétricos
situados entre 600-800 metros e são constituídos principalmente de granitos e/ou gnaisses.
114 Mapa 3
-38°30'
-38°00'
-37°30'
-37°00'
-36°30'
-36°00'
-35°30'
-35°00'
-6°00'
Rio Grande do Norte
-6°30'
BRASIL
70º
60º
50º
40º
0º
-7°00'
Ceará
0º
10º
10º
70º
-7°30'
20º
20º
40º
30º
Pernambuco
30º
60º
50º
-8°00'
N
W
E
ESCALA GRÁFICA
1
0
1
2 km
36º20'
-6º27'
37º19'
-7º10'
Patos
Cuité
S
NOVA
FLORESTA
MAPA DE LOCALIZAÇÃO DOS
MUNICÍPIOS DE NOVA FLORESTA
E TEIXEIRA
TEIXEIRA
Maturéia
Elaboração: Richarde Marques
Picuí
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
DIVISÃO POLÍTICA-ADMINISTRATIVA DA PARAÍBA - 1997
UFPB - DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS - LEPAN
PROJEÇÃO POLICÔNICA
MERIDIANO CENTRAL:-36º45'
PARALELO DE REFERÊNCIA:-07º15'
São José do Egito
37º10'
-7º18'
Localização dos municípios de Nova Floresta e Teixeira
36º12'
-6º32'
115
O município de Nova Floresta está situado em parte nos Brejos Serranos de Cuité e
Bom Bocadinho (na porção norte) e em parte na depressão tectônica do Curimataú1
caracterizada pela semi-aridez (ao sul). As duas fisionomias da paisagem, uma mais seca e de
domínio da caatinga, e outra subúmida acham-se presentes no município de Nova Floresta,
como pode ser visualizado através das figuras 1 e 2 abaixo.
Figura 1
Paisagem da área da Caatinga em Nova Floresta. Arquivo: Silvana Correia. 13/05/2006.
Figura 2
Paisagem da área subúmida de Serra de Nova Floresta. Arquivo: Silvana Correia. 13/05/2006.
1
“Trata-se de uma área deprimida com altitude média entre 300-350 metros e desníveis de até 300 metros entre a
baixada e o topo das serras situadas ao norte. Do ponto de vista geológico a depressão do Curimataú é
considerada um ambiente de tectonismo por rutura que teria originado falhas, responsáveis pela orientação da
drenagem local. Ela é estruturada em micaxistos e apresenta uma topografia colinosa com elevações de topos
planos a arredondados” (MOREIRA, 1999, p. 14).
116
A essas duas paisagens naturais correspondem formas diversificadas de uso do solo
agrícola. Embora não se pressuponha um determinismo ambiental, não se pode negar a
influência dos condicionantes naturais à qual se soma os condicionantes técnicos, na forma de
organização produtiva das áreas estudadas.
Do ponto de vista geológico, a porção norte do município de Nova Floresta coincide
com a unidade estratigráfica denominada Formação Serra dos Martins (Fig. 5). Esse
capeamento sedimentar imprime uma feição semi-horizontal, tabular aos topos das serras que
se destacam na paisagem como ”chapadas elevadas”.
Na porção sul, dominada pela Depressão do Curimataú, o município sofre os rigores
da semiaridez caracterizado por uma:
pluviosidade média anual em torno de 350 mm, com os meses mais
chuvosos atingindo no máximo 800 mm de chuvas, temperaturas médias em
torno de 27º C e umidade relativa do ar de aproximadamente 75% (...). A
intensa semi-aridez aí apresentada deve-se tanto à sua localização
geográfica, a sotavento do curso dos ventos alíseos de Sudeste e em posição
de abrigo das massas de ar CIT, quanto à sua condição de área deprimida em
relação à circunvizinhança (MOREIRA, 1999, p. 16).
É justamente a porção sul do município de Nova Floresta que coincide com duas
unidades litoestratigráficas: do neoproterozóico (formada por granitóides de quimismo
indiscriminado e granitóides diversos) e do paleoproterozóico (formada pelo Complexo
Serrinha-Pedro Velho: ortognaisse tonalítico trndhjemítico a granítico migmatizado e
migmatito) (BELTRÃO, 2005).
Quatro tipos de solos2 predominam em Nova Floresta: os Bruno Não Cálcico, os
Latossolos Vermelho Amarelo, os Regossolos e os Litossolos. Em algumas áreas podem ser
encontrados também afloramentos de rochas (EMBRAPA, 1995). Nestes solos desenvolve-se
uma cobertura vegetal “constituída por fitofisionomia não florestal, subxerófila, decídua, com
predomínio das formas arbóreas e arbustivas, características do semi-árido nordestino”
(SEBRAE-PRODER, 1996, p. 11).
A rede de drenagem se apresenta bastante incipiente, em decorrência da irregularidade
da superfície e das características litólicas. Os solos, nas áreas mais úmidas são mais
profundos e nas áreas mais secas são rasos e pedregosos com acidez de moderada a baixa, e
facilmente erodidos.
2
A caracterização dos solos de Nova Floresta será abordada correlacionada com a aptidão dos produtos agrícolas
no Capítulo 4 que trata da organização da produção agrícola.
117
Já o município de Teixeira acha-se integralmente inserido no conjunto serrano da
“Serra de Teixeira” na porção sul do Sertão paraibano. Essa unidade morfológica corresponde
a um conjunto de serras dispostas no sentido leste-oeste do Estado, “que apresenta uma linha
de escarpa muito íngreme, com desníveis da ordem de até 500 metros na face voltada para o
pediplano sertanejo” (CARVALHO, 1982, p. 50) (Fig. 3).
Figura 3
Alinhamento da Serra do Teixeira. Fonte: Arquivo de Emília Moreira. 27/05/2007.
Do ponto de vista geológico, em Teixeira distinguem-se três unidades estratigráficas:
do Cenozóico (formado por depósitos colúvio-aluviais de sedimentos arenosos, areno-argiloso
e conglomerático); do Neoproterozóico ( formado por rochas shoshonítica alcalina referente
aos leucogranito e biotita-hornblenda sienito); e do Mesoproterozóico ( as rochas graníticamigmatítica com ortognaisse granodiorítico a monzogranítico; o complexo São Caetano
formado por gnaisse, megrauvaca, metavulcânica félsíca e metavulcânica e; o Complexo
Salgueiro-Riacho
Gravatá,
referente
aos
xistos,
metavulcânica
máfica
a
félsica,
metaultramáfica e metatufo) (BELTRÃO, 2005).
A topografia é bastante acidentada (ondulada e fortemente ondulada) com predomínio
de solos Litólicos, Regossolos, Cambissolos e Latossolos (EMBRAPA, 1995). Nestes solos,
há uma cobertura vegetal de Caatinga Hiperxerófila de porte e densidade diferente das
encontradas na Depressão Sertaneja, motivada por uma maior umidade. As cactáceas são
menos expressivas, destacando-se pouca presença de facheiro (CAVALCANTE, 1989).
118
Compõem a rede hidrográfica do município o alto curso dos rios Espinharas, que
integra a bacia do rio Piranhas (cujas águas escoam para norte) e do rio Taperoá, que integra a
bacia do rio Paraíba (cujas águas escoam para leste) (BELTRÃO, 2005).
O padrão de drenagem é o dentrítico e os cursos d’água dos rios possuem regime de
escoamento intermitente. As águas somente ocorrem nos meses de inverno e nos meses
restantes do ano os leitos ficam expostos. Esses recursos hídricos pobres apresentam-se em
forma de riachos: o das Moças, o de Poços, o de Catolé e do Desterro.
Em decorrência da topografia acidentada, os cursos de alguns riachos não possuem
direção comum, isto é, têm seus cursos orientados em direção que tanto banham alguns
municípios vizinhos, como ultrapassam a fronteira do município com o estado de Pernambuco
(BELTRÃO, 2005).
De acordo com a divisão do estado da Paraíba em regiões Bioclimáticas, o município
de Teixeira enquadra-se no bioclima 4bth de Gaussen ou ao clima:
Tropical quente, de seca média, (...). Este clima corresponde a uma caatinga
mais branda com fitofisionomia diferente da do clima 4ath, apresentando
menor quantidade de cactáceas e bromeliáceas, e expressiva ocorrência de
representantes arbóreos, como braúnas, aroeiras, angicos e outros
(MINISTÉRIO DO INTERIOR, 1973, p. 4).
Já segundo a classificação de Köopen, o clima que ocorre na área é do tipo Aw’
quente e seco, amenizado pela altitude das serras que imprimem modificações no quadro
climático local e regional em virtude de sua posição perpendicular às correntes aéreas
dominantes, conferindo-lhe uma feição subúmida decorrente da atuação das chuvas
orográficas nas encostas a barlavento. Esse clima contribui para formação de uma caatinga
arbórea que originaram as matas serranas. A pluviometria média anual do município varia
entre 800/900 mm, atingindo até 1.000 mm nos anos bons de chuvas. A temperatura,
geralmente, fica entre 15° a 28°C, ocorrendo grandes quedas durante a noite (MOREIRA,
1999).
Em suma, apesar de Nova Floresta e Teixeira apresentarem limitações para a produção
agrícola decorrentes da presença de um relevo acidentado, de afloramentos rochosos, da
susceptibilidade à erosão e da falta de água, o clima semi-árido ao ser suavizado pelo relevo
cria condições especiais para o desenvolvimento agrícola originando uma área de exceção no
semiárido paraibano.
Embora não se pressuponha um determinismo ambiental nos dois municípios, não se
pode negar a influência dos condicionantes naturais sobre a dinâmica da organização do
119
espaço agrário. De fato, ao contrário do que ocorre no pediplano sertanejo onde predominam
os latifúndios pecuaristas, na Serra do Teixeira e em Nova Floresta, desenvolveu-se
historicamente uma atividade agrícola diversificada praticada principalmente em pequenos e
médios estabelecimentos rurais. A forte presença das pequenas explorações agrícolas é
facilmente percebida na paisagem rural, o que mostra que a natureza aqui apresentada foi
transformada pelo processo histórico de ocupação do espaço agrário como veremos a seguir.
3.2 O processo histórico de produção do espaço agrário de Nova Floresta e Teixeira
Para entendermos o processo histórico de produção do espaço agrário dos municípios
de Nova Floresta e Teixeira partimos do pressuposto de que:
o espaço e o espaço agrário como um dos seus segmentos, não é algo dado e
acabado, mas algo dinâmico, determinado historicamente, um produto da
ação do homem sobre a natureza e das relações que se estabelecem entre os
homens através do processo de trabalho ao longo do tempo histórico
(MOREIRA, 1999).
Em outras palavras, concebemos o espaço segundo Milton Santos (1985) como:
um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos;
não entre estes especificamente, mas para os quais eles servem de
intermediários. O espaço é (...) o resultado da produção (...) mais
precisamente, da história dos processos produtivos impostos ao espaço pela
sociedade (SANTOS, 1985, p.49).
Nesse sentido concordamos com Bezerra (2008) que:
São as condições históricas de reprodução social, determinantes dos
processos de elaboração das formas espaciais, que devem ser investigadas
para que se possa obter uma interpretação consistente sobre o processo de
produção do espaço como forma de apreensão da história social (p. 23).
Desse modo, o espaço é entendido “como o produto material ou o substrato material
que reflete as condições de reprodução social vigentes em determinada época, sendo ainda um
produto do processo dialético pelo qual a sociedade desenvolve seus conflitos” (BEZERRA,
2008, p. 23).
O espaço é, portanto, uma totalidade aqui entendida segundo Goldmann, como o
“conjunto absoluto das partes em relação mútua” (1967, p. 94). Por esse prisma, “toda ação e
120
todo objeto gera um reflexo e interage com todos os outros pontos do planeta direta ou
indiretamente. A totalidade só pode então ser compreendida por suas partes, assim como as
partes só são compreensíveis em uma totalidade relacional” (BEZERRA, 2008, p. 23).
Desse modo, o espaço agrário dos municípios estudados constitui um segmento do
espaço nacional e estadual e reproduz as condições de reprodução social vigentes ao longo do
tempo histórico nesses espaços.
Segundo Moreira e Targino (1997):
O espaço agrário paraibano, desde o início da colonização portuguesa, temse constituído em um espaço de exploração. As articulações entre as
variáveis econômicas, sociais, políticas e culturais teceram um “ambiente de
vida” gravoso à sobrevivência da classe trabalhadora. A sua estruturação e a
sua organização, subordinadas inicialmente aos interesses do capital
mercantil metropolitano e, mais recentemente, aos ditames de valorização do
capital industrial e financeiro, não têm como finalidade o atendimento das
necessidades básicas da maioria da população (p. 19).
Na verdade, o espaço agrário paraibano, enquanto segmento do espaço nacional,
esteve inicialmente subordinado ao modo de produção capitalista na sua fase mercantil. Por
essa razão, ele se constituiu para atender necessidades externas a ele. Daí a expressão de
Moreira e Targino (1997) de “espaço alienado” para se referir ao momento posterior a
conquista do território paraibano pelos colonizadores portugueses que se apropriaram deste
espaço para tirar dele um excedente colonial. Tal assertiva descarta a idéia de Guimarães
(1968) da existência de uma economia feudal no território brasileiro, haja vista que “as
culturas exploradas, as relações de trabalho implantadas, o nível tecnológico vigente e a
distribuição da propriedade da terra” (MOREIRA e TARGINO, 1997, p. 20), foram
construídos com a intencionalidade de extrair um excedente para atender a acumulação do
capital mercantil.
A atividade canavieira desenvolvida no Litoral paraibano garantiu este processo, além
de ter sido responsável pela ocupação inicial do espaço agrário paraibano, na medida em que
“promoveu, em seu período áureo, a separação da produção agrícola e pecuária, determinando
uma divisão espacial do trabalho: o Litoral especializou-se na produção do açúcar enquanto a
lavoura alimentar e a pecuária passaram a ser produzidos no Sertão e no Agreste”
(MOREIRA E TARGINO, 1997, p. 79).
Além da cana e da pecuária, o algodão foi outra cultura que contribuiu para o
povoamento do Agreste e do Sertão.
121
A agricultura camponesa paraibana surgiu no interstício das atividades canavieira na
Zona da Mata, pecuária e algodoeira no Agreste e no Sertão. Segundo Moreira e Targino
(1997), ela desenvolveu-se inicialmente no interior do latifúndio e dele dependente. Sua
expansão acha-se relacionada à implantação do sistema de morada no interior dos engenhos
da Zona da Mata e da parceria e do arrendamento no Agreste e no Sertão.
Outra atividade que marcou a paisagem da região agrestina e da porção oriental da
Serra do Teixeira no Sertão Paraibano foi a sisaleira. Trazido do México por volta de 1903,
somente a partir do final da década de 1930 e início da década de 1940 o sisal se constituiu
em uma alternativa econômica para algumas regiões do semi-árido aí incluído o Agreste seco.
A crise do sisal no final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970 decorrente da queda dos
preços no mercado internacional em virtude da concorrência com a fibra sintética foi
responsável pela busca de novas alternativas econômicas para além do algodão e da pecuária
nas regiões que haviam se convertido em produtoras dessa lavoura. Nelas desenvolvem-se a
partir de então, experiências de produção de frutas e hortaliças a exemplo do caju e da
cenoura. Mais recentemente observa-se a expansão da cultura do maracujá irrigado e de
sequeiro.
O espaço agrário de Nova Floresta e de Teixeira enquanto frações do espaço paraibano
reproduziram esse processo.
3.2.1 O processo histórico de produção do espaço agrário de Teixeira
Como já mencionamos, o processo inicial de ocupação do espaço agrário do Sertão
deveu-se à atividade pecuária que penetrou e se estabeleceu na região entre o final do século
XVI e a primeira metade do século XVII. Esse avanço da pecuária para o interior do território
paraibano acha-se relacionado à expansão da atividade canavieira na Mesorregião da Mata
Paraibana. Essa atividade, no seu período áureo, provocou a separação da produção de canade-açúcar e do gado no interior dos Engenhos determinando uma nova divisão territorial do
trabalho na Paraíba, qual seja: o Litoral voltou-se exclusivamente para a produção da cana-deaçúcar enquanto a pecuária passou a ser praticada no Sertão (MOREIRA e TARGINO, 1997).
Conforme Moreira e Targino (1997):
Inicialmente, o gado era criado em currais no interior dos Engenhos do
Litoral. Ele destinava-se quase que integralmente ao atendimento das
necessidades de trabalho. Os animais de “tiro” eram utilizados para
transportar açúcar, lenha e a cana do eito para o picadeiro. Amarrados a
122
carroças de madeira em pares de dois ou quatro, deram origem aos
tradicionais “carros de boi”. Serviam ainda como “animais de tração” para
mover os trapiches. (...) O crescimento de animais de tiro em função da
expansão da atividade açucareira, o paulatino aumento do consumo de
carnes nos Engenhos e centros urbanos em emergência e os conflitos entre
criadores e lavradores foram responsáveis pela separação das atividades
canavieira e pecuária (p. 65-66).
Os rios constituíram os “caminhos do gado” (ANDRADE 1986; MOREIRA E
TARGINO, 1997) no processo de penetração do povoamento para o interior, sobretudo pela
disponibilidade de água. Às suas margens foram se instalando currais e ergueram-se fazendas
de gado que posteriormente originaram núcleos de povoamento.
O processo inicial de ocupação do interior da Paraíba foi marcado pelo confronto entre
os colonizadores e os nativos como lembra Andrade (1986):
Os vários grupos indígenas que dominavam as caatingas sertanejas não
podiam ver com bons olhos a penetração do homem branco que chegava
com gado, escravos e agregados e se instalava nas ribeiras mais férteis.
Construía casas, levantava currais de pau-pique e soltava o gado no pasto,
afugentando os índios para as serras ou para as caatingas dos interflúvios,
onde havia falta d’água durante quase todo o ano. Vivendo na idade da
pedra, retirando o sustento principalmente da caça e da pesca, o indígena
julgava-se com o direito de abater os bois e cavalos dos colonos, como fazia
com qualquer caça. Abatido o animal, vinha a vindita3 e a reação do indígena
e, finalmente a guerra. Guerra que provocou o devassamento do interior e
que concluiu com o aniquilamento de poderosas tribos e com aldeamento
dos remanescentes. Guerra que possibilitou a ocupação, pela pecuária, do
Ceará, do Rio Grande do Norte, e de quase toda a Paraíba (p. 149).
Os índios nativos do Sertão pertencentes ao grupo dos Cariris, lutaram em defesa do
seu território e se organizaram dando origem a “Confederação dos Cariris” ou “Guerra dos
Bárbaros”. Esta foi considerada a maior guerra anticolonialista travada no Brasil, a qual se
expandiu pelos sertões nordestinos desde 1680 até 1730 (MOREIRA E TARGINO, 1997).
A atividade pecuária que se desenvolveu no Sertão paraibano, foi organizada de forma
ultraextensiva em campo aberto devido a alguns fatores, tais como: a) a escassez das
pastagens naturais da caatinga; b) a existência de secas periódicas; c) a utilização de técnicas
muito rudimentares na criação de gado, além de outros. Por essas razões, era preciso muito
hectares de terras para alimentar uma rês, fato que explica a organização da pecuária bovina
em grandes propriedades: a fazenda (MOREIRA E TARGINO, 1997). Sendo assim, o
latifúndio no Sertão surgiu para atender as necessidades da atividade pecuária.
3
Vingança ou qualquer forma de punição.
123
Outros fatores também contribuíram para expansão desta atividade em grandes
propriedades, quais sejam: a) o baixo nível de capitalização exigida para implantação de uma
fazenda, haja vista que bastava construir uma casa e organizar os currais de bois para soltá-los
em vastos hectares de terra; b) a organização do trabalho com base na combinação do trabalho
livre e escravo, com baixo predomínio deste último, dado que “o criatório não exigia mão-deobra numerosa, bastava somente dez ou doze trabalhadores para manter o funcionamento de
uma fazenda” (MOREIRA E TARGINO, 1997, p. 71); c) o sistema de pagamento do vaqueiro
com um quarto da produção a partir de quatro ou cinco anos de trabalho, o qual recebia “(...)
de uma só vez, um certo número de animais, suficiente para permitir sua instalação por conta
própria em terras que ele comprava, arrendava ou, simplesmente, se apossava” (MOREIRA E
TARGINO, 1997, p.72); d) a fraca relação com o mercado exterior, uma vez que era muito
pouca a exportação do couro se comparada com a exportação da cana-de-açúcar produzida no
Litoral. Por isso que as crises externas não atingiam o sistema criatório como atingiam a
atividade canavieira. Como resultado de tais premissas, a região sertaneja teve um processo
contínuo e disperso de povoamento.
Neste contexto desenvolve-se a agricultura camponesa associada inicialmente à
pecuária. O desenvolvimento da agricultura alimentar realizada por camponeses na região
semiárida pode ser explicada entre outras razões: a) pelo isolamento geográfico do Sertão que
se encontra muito distante das áreas produtoras de alimentos, como o Litoral e o Agreste; b)
por se tratar de uma atividade complementar à atividade pecuária, cujo gado aproveitava os
restos das culturas alimentares após a colheita; c) pela capacidade da autoreprodução dos
trabalhadores das fazendas que cuidavam ao mesmo tempo do gado e do roçado,
proporcionando uma reprodução social através do consumo dos alimentos que plantavam e da
carne e do leite do gado que cuidavam (MOREIRA E TARGINO, 1997). Os camponeses
recebiam diferentes denominações tais como: vaqueiro, boiadeiro, parceiro, rendeiro e outros.
O espaço agrário da Mesorregião do Sertão se organizou até a primeira metade do
século XVIII em função da atividade pecuária extensiva complementada pela agricultura
alimentar praticada pelos camponeses. A partir da segunda metade deste mesmo século, o
algodão se expande na região reorganizando o espaço agrário sertanejo.
Segundo Moreira e Targino (1997), embora o algodão já se fizesse presente nas
combinações agrícolas desde o período pré-colonial e como produto de autoconsumo da
Colônia, ele só terá destaque na economia paraibana “(...) nos fins do século XVIII, com o
crescimento do progresso técnico da indústria têxtil inglesa e o conseqüente aumento da
demanda no mercado internacional, e durante a Guerra de Independência americana, com o
124
afastamento dos Estados Unidos do mercado mundial (...) (MOREIRA E TARGINO, 1997,
p.73-74).
Com a expansão do algodão pelo território sertanejo têm-se a formação do complexo
gado-algodão o qual estará fortemente relacionado à policultura alimentar. No decorrer do
século XIX, a cultura do algodão se tornou (ao lado da cana-de-açúcar) uma das principais
fontes de renda monetária da Paraíba.
O município de Teixeira, integrado a este espaço regional vivenciou as transformações
ocorridas no seu quadro agrário. A ocupação do seu território reproduziu a lógica da
exploração colonial.
De acordo com Frei Hugo Fragoso (2006), as primeiras famílias colonizadoras que se
enraizaram na Serra de Teixeira chegaram expulsando os índios Sucurus que ali viviam para
instalar suas fazendas de gado.
A terra dos índios pertencia, segundo os conquistadores, que chegaram à
Serra do Teixeira, a quem as tivesse “descoberto”. E tal “descoberta” era um
título especial para impetrar ao Governo a carta de sesmaria. A terra
“descoberta” ainda não tinha “dono”, afirmavam eles, e por isso os
colonizadores se propunham a “povoá-la”. E é impressionante como em
mais de um documento de pedido de sesmaria, na região do futuro município
do Teixeira, se alega que a terra está “despovoada”, pois só tem índios
brabos nela morando. E, por isso, os colonizadores se propõem, como
expressam no pedido de sesmaria, a povoá-la com gado (FRAGOSO, não
datado)4.
Segundo Batista (1933), a Serra do Teixeira se constituía numa “artéria de
comunicação” e de comércio por onde passavam estradas de boiadas, fazia-se “intercâmbio do
café da Baixa Verde, do açúcar do Cabo de Santo Agostinho e das Alagoas, dos cereais e da
pecuária local com o sal riograndense do norte” (p. 14-1 5).
A ocupação inicial desse subespaço regional se deu, portanto com base na atividade
pecuária, mas seu povoamento só se efetivou posteriormente com a atividade algodoeira.
Todavia, o município, como de resto os municípios da região serrana de Teixeira se
diferenciam dos municípios da depressão sertaneja pelo fato de concentrarem uma maior
produção de lavouras alimentares e por apresentar uma melhor distribuição da propriedade da
terra. De acordo com Moreira e Targino (1997):
4
Disponível em: http://www.teixeirapb.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=92&Itemid=33
125
Merece destaque a maior concentração da produção alimentar nas áreas de
exceção, como os brejos de altitude existentes no Sertão, a exemplo de
Monte Horebe, Bonito de Santa Fé, Teixeira. Nessas manchas verdes, houve
uma maior concentração da produção e da população, bem como um padrão
de distribuição de terras menos concentrado do que nas demais áreas
sertanejas (p. 78).
Isto se deve em parte ao relevo fortemente ondulado que dificultou uma maior expansão da
pecuária, às melhores condições de clima e solo e à fragmentação da propriedade da terra por
motivo de herança.
O povoado que deu origem ao município de Teixeira teria sido fundado, segundo
alguns historiadores, em 1761 com o nome de Canudos, mais tarde denominado de Serra de
Teixeira e finalmente, de Teixeira.
Do ponto de vista político-administrativo, o povoado de Teixeira foi transformado em
vila pela Lei provincial nº 4, passando a ser Distrito do município de Patos por força da Lei
nº. 16 de 06 de outubro de 1857. Em 1859, o território de Teixeira desmembra-se do
município de Patos sendo elevado à condição de município no dia 29 de agosto de 1859, pela
Lei provincial nº 45. Em 1949 quando a Lei nº. 318 aprovou a divisão territorial da Paraíba em
41 municípios, Teixeira já se integrava à nova divisão político-administrativa do Estado com
cinco distritos, quais sejam: Desterro, Cacimbas, Mãe D’Água, Imaculada e Maturéia. Mas, a
partir de 1959, os mencionados distritos se desmembraram de Teixeira dando origem a novos
municípios: Desterro e Cacimbas em 1959; Mãe D’Água em 1961; Imaculada em 1965 e
Maturéia em 1995.
Até o início do século XX o espaço agrário do município de Teixeira organizava-se
com base na produção de alimentos produzidos consorciados ao algodão e na atividade
pecuária.
Por volta de 1940, a valorização do sisal no mercado internacional estimulou sua
produção no município. Tanto os grandes como os pequenos proprietários passaram a
produzir sisal, promovendo mudanças significativas na paisagem rural e nas relações de
trabalho uma vez que essa cultura exige muita mão de obra o que obriga o produtor a
contratar trabalhadores assalariados.
A desvalorização do sisal no mercado externo foi responsável pela retração da cultura
no município a partir do final dos anos de 1960 e pela sua substituição por frutas a exemplo
do caju e de hortaliças como a cenoura, a beterraba, cebola e outras leguminosas.
5
Enciclopédia dos municípios paraibanos. João pessoa-PB, 1976.
126
A modernização da agricultura que teve lugar na segunda metade dos anos de 1960 no
Brasil e de forma atenuada, na Paraíba não promoveu muitas alterações na organização do
espaço agrário teixeirense. Isto pelo fato de nele predominar uma agricultura dominantemente
camponesa e pela dificuldade de utilização de máquinas em virtude das condições de relevo
fortemente movimentado. Não resta dúvida, porém que expandiu-se o consumo de insumos
químicos, particularmente dos formicidas e pesticidas e da prática da irrigação verificada na
produção do caju e da cenoura (MOREIRA E TARGINO, 1997).
3.2.2 O processo histórico de produção do espaço agrário de Nova Floresta
O processo inicial de produção do espaço agrário do município de Nova Floresta
reproduziu a lógica do processo de ocupação do espaço agrário da Mesorregião do Agreste
Paraibano o qual, da mesma forma que no Sertão, esteve relacionado ao desenvolvimento da
atividade canavieira. Só que, numa aparente contradição, enquanto no Sertão a ocupação se
deu em função da expansão daquela atividade, no Agreste ela se deu em virtude da sua
retração. Ou seja, com o declínio da economia açucareira na segunda metade do século XVII,
houve um deslocamento da mão-de-obra que foi liberada dos engenhos em direção ao Agreste
Baixo6 onde passou a se dedicar ao cultivo de alimentos em pequenas unidades de produção
(os sítios).
Também contribuiu para a ocupação do Agreste,
o surgimento de currais e de pontos de pouso, para gado e vaqueiros
oriundos da região sertaneja quando dos longos percursos em direção ao
Litoral. Algumas cidades agrestinas daí se originaram e tiveram sua
dinâmica relacionada às feiras de gado que ali se desenvolveram. O núcleo
de povoamento de Itabaiana no Agreste Baixo e a cidade de Campina
Grande são dois bons exemplos desse processo (MOREIRA E TARGINO,
1997, p. 80).
Mas o povoamento efetivo da região só se efetivou, com a expansão da atividade
algodoeira.
Os principais efeitos da “febre do algodão” na organização socioeconômica do
Agreste foram: a) a monetarização da economia; b) a consolidação do sistema morador, pois
para o cultivo do algodão os grandes e médios proprietários substituíram o trabalho escravo
6
Moreira denomina de Agreste Baixo a região que fica à retaguarda dos tabuleiros costeiros da Paraíba e que é
dominada, do ponto de vista morfológico, pela depressão sublitorânea (MOREIRA, 1999).
127
pelo o sistema morador; c) a concentração da população ocasionada pela migração da mão-deobra livre e escravos libertos dos engenhos do Litoral (MOREIRA E TARGINO, 1997).
Da primeira metade do século XX, até o final de 1960, além do algodão, outra
atividade econômica se expandiu na região do Agreste motivada pelos altos preços no
mercado internacional: o sisal. Assim, o algodão e o sisal partilharam o espaço agrário
regional com a policultura alimentar e a criação de gado, disputando porções desse espaço
(MOREIRA E TARGINO, 1997).
O município de Nova Floresta, integrado ao espaço regional vivenciou as
transformações nele ocorridas ao longo do tempo histórico.
Do ponto de vista político-administrativo, até março de 1959, tinha seu território
integrado ao município vizinho de Cuité, do qual se desmembrou em 30 de abril daquele ano
quando foi elevado à condição de município pela Lei Estadual nº 2.077 (SEBRAE-PRODER,
1996).
No território de Cuité do qual Nova Floresta era parte integrante, viviam índios da
nação Tarairius “verdadeiros tapuias do Nordeste, que desde os primórdios da colonização se
opuseram à penetração lusa e à conquista de suas terras” (SANTOS, 2010, não paginado). Só
após a Guerra dos Bárbaros quando os índios já haviam sido expulsos ou exterminados é que
tem início a ocupação do território pelo colonizador através da concessão de sesmarias no
início do século XVIII para a criação de gado e cultivo de lavouras7.
Os primeiros povoadores seriam procedentes das margens do Rio São Francisco e da
Zona da Mata de Pernambuco, ali chegando em busca de terras propícias à lavoura e à criação
de gado (SANTOS, 2010).
A atividade pecuária, complementada com a produção alimentar marcaram assim o
processo inicial de ocupação e povoamento do espaço agrário de Nova Floresta.
Posteriormente, com o “boom” do algodão, assiste-se a expansão dessa cultura no município
onde era cultivada tanto pelos grandes como pelos pequenos proprietários e pelos camponeses
sem terra como os parceiros e arrendatários.
Apesar de estar localizado distante do município de Teixeira, Nova Floresta também
sofreu a influência da valorização do sisal no mercado internacional e se transformou em um
grande produtor dessa fibra.
A crise do sisal iniciada na década de 1960, decorrente da queda do preço deste
produto no mercado internacional devido à concorrência com o fio sintético e com o sisal
7
De acordo com Tavares (1982) a primeira sesmaria concedida na região data de 08 de dezembro de 1704.
128
africano, foi agravada com sucessivos períodos de seca. A isto se somou, na década de 1980,
a crise da atividade algodoeira, promovida pela expansão da praga do bicudo (MOREIRA E
TARGINO, 1997). Esses fatos promoveram forte impacto na organização do espaço agrário
do município com repercussões importantes na organização da produção agropecuária, na
estrutura fundiária e nas relações de trabalho.
As velhas relações de parceria que comandavam a organização da produção algodoeira
se retraíram. Houve um crescimento do trabalho assalariado devido ao fato do sisal ser
cultivado com as culturas alimentares somente nos dois primeiros anos de cultivo. Portanto,
os camponeses conviviam com o sisal no início do seu ciclo produtivo e depois se
transformavam em trabalhadores assalariados (temporários) na época da extração do produto.
Com a crise da atividade sisaleira, a organização da produção agropecuária municipal
ficou restrita, até 1985, à combinação da policultura alimentar com o algodão e à criação de
gado. Com o desmantelamento da atividade algodoeira a partir de então, em virtude da
disseminação da praga do bicudo, as combinações agrícolas municipais se restringem aos
produtos alimentares básicos voltados em parte ao autoconsumo e em parte à comercialização
e à atividade pecuária. Na década de 1990 é introduzido o maracujá no município que passa a
ser o substituto do algodão nas pequenas unidades produtivas.
3.3 A organização atual do espaço agrário dos municípios de Teixeira e Nova Floresta
Entre a primeira metade dos anos de 1990 e a primeira década do século XXI algumas
alterações podem ser observadas na organização da produção agropecuária dos dois
municípios estudados como será visto a seguir.
3.3.1 A organização recente da produção agropecuária
Nos municípios de Teixeira e de Nova Floresta observa-se entre 1994 e 2009 uma
retração significativa tanto das lavouras permanentes como das lavouras temporárias. Este
comportamento declinante sofreu alterações no período como pode ser visto nos gráficos 1 e
2.
Em Nova Floresta, o comportamento das lavouras temporárias entre 1990 e 2009 é
muito irregular. De acordo com o gráfico 1, pode-se perceber certa coincidência entre os
períodos de retração da área cultivada com os anos de pico de seca como por exemplo em
1993, em 1998 e entre 2002 e 2003. A pauta dos produtos agrícolas da lavoura temporária
129
municipal em 2009, segundo o IBGE, era muito pouco diversificada, sendo composta
basicamente pelo feijão, pelo milho, pela fava e a mandioca.
Gráfico 1
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 1994-2009.
No caso de Teixeira a coincidência dos picos de seca com a redução da área plantada é
também muito perceptível (Gráfico 2). Além do efeito das secas sobre a produção dos
alimentos básicos o município também sofreu com a crise do algodão provocada pela praga
do bicudo e pela retração de outras lavouras como o arroz que deixou de ser produzido desde
2001 e a cana-de-açúcar cuja área plantada declinou de 70 hectares em 1990 para apenas 6
hectares em 2009 (IBGE, 1990-2009). Daí a redução da área cultivada a partir do final da
segunda metade dos anos de 1990 (Gráfico 2).
Gráfico 2
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 1994-2009.
No que se refere às lavouras permanentes, constata-se nos dois municípios um
comportamento decrescente da área plantada desde o início dos anos de 1990 (Gráficos 3 e 4).
130
Este comportamento reflete, sem dúvida, a erradicação do algodão arbóreo, cultura
permanente muito produzida em ambos os municípios até a segunda metade dos anos de 1980
e o declínio persistente do sisal.
Gráfico 3
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 1994-2009.
Gráfico 4
Fonte: IBGE. Produção Agrícola Municipal, 1994-2009.
Os produtos que compõem a pauta das lavouras permanentes de Nova Floresta são,
pela ordem de importância: a castanha de caju, o maracujá, o sisal e a goiaba. Outros produtos
como o algodão arbóreo, a manga e a banana desapareceram do ranking dos produtos
cultivados no município. O sisal embora em franco declínio ainda é encontrado em algumas
pequenas unidades de produção do município. O maracujá que já era cultivado no início dos
anos de 1990 se encontra em fase de expansão.
No caso de Teixeira, os produtos que compõem a pauta das lavouras permanentes são,
pela ordem de importância: a castanha de caju, o sisal e a goiaba. O algodão arbóreo também
131
já fez parte das combinações agrícolas municipais, porém acha-se completamente erradicado
no município. Da mesma forma que em Nova Floresta o sisal ainda resiste e é produzido em
cerca de 50 hectares do município por pequenos proprietários.
Vale a pena chamar a atenção, no caso do município de Teixeira, para o fato de que a
retração da área plantada com as lavouras temporárias e permanentes pode ser em parte
atribuída ao desmembramento em 1995, de parte do seu território para dar origem ao
município de Maturéia. Considerando-se que em 2006 a área dos estabelecimentos
agropecuários desse município correspondia a 4.833,0 hectares (IBGE, 2006) e sabendo-se
que esta área pertencia a Teixeira, não há como deixar de atribuir mesmo que em parte a
redução das áreas ocupadas com lavoura a essa perda territorial.
Outro aspecto que também merece ser ressaltado é que na pauta dos produtos das
lavouras permanentes e temporárias não estão incluídas as plantas forrageiras a exemplo do
capim e da palma forrageira, nem a horticultura cujos dados não são disponibilizados pela
Pesquisa da Produção Agrícola Municipal (PAM). No censo agropecuário de 2006, porém, foi
possível identificar a existência de 22 estabelecimentos rurais em Teixeira que produziram
8.769 toneladas de cenoura e menos de 3 estabelecimentos agrícolas que produziram milho
para forragem.
No que se refere à atividade pecuária, o município de Teixeira se destaca por possuir
um rebanho de grande e médio porte com 4.597 cabeças bem superior ao de Nova Floresta
que é de 2.111 cabeças (Tabela 1).
Tabela 1. Nova Floresta. Rebanho de grande e médio porte
Tipo de
rebanho
Bovino
Equino
Asinino
Suíno
Caprino
Ovino
Total
No. de
cabeças
1.232
50
29
397
193
210
2.111
%
58,4
2,4
1,4
18,8
9,1
9,9
100,0
Fonte. IBGE. Produção Pecuária Municipal, 2009
Em ambos os municípios predomina a pecuária bovina sendo que em Nova Floresta,
embora o plantel seja menor ele representa 58,4% do total do rebanho de grande e médio
porte, seguido em ordem de importância pelos rebanhos suíno, ovino e caprino (Tabela 1). Os
132
animais de trabalho como os asininos, embora em pequeno número ainda são encontrados no
município (Tabela 1).
Em Teixeira embora o plantel do rebanho bovino seja maior que o de Nova Floresta,
ele representa 46,3% do total do rebanho de grande e médio porte em virtude, principalmente,
da importância que assume o rebanho caprino. Este representa 30,0% do total do rebanho de
grande e médio porte. Seguem em ordem de importância os rebanhos suíno, ovino, asinino,
eqüino e muar (Tabela 2).
Tabela 2. Teixeira. Rebanho de grande e médio portes
Tipo de
rebanho
Bovino
Equino
Asinino
Muar
Suíno
Caprino
Ovino
Total
No. de cabeças
2.130
55
208
12
539
1.380
273
4.597
%
46,3
1,2
4,5
0,3
11,7
30,0
5,9
100,0
Fonte. IBGE. Produção Pecuária Municipal, 2009.
No que tange a avicultura observa-se que o período de maior expansão da atividade
em Teixeira foi de 1985 a 1996 quando o número de cabeças passou de 13.200 para 39.343, o
que representou um crescimento médio da ordem de 198%. A partir de 1997 há uma redução
gradativa do plantel que em 2009 correspondia a 16.340 cabeças, o equivalente a um
crescimento negativo da ordem de 58,5% em relação a 1996.
Em Nova Floresta a avicultura tem uma menor expressão e o crescimento da atividade
é mais recente. Entre 1970 e 1980 o total de aves existente no município só em dois anos
chegou a 2.000 cabeças. Na década de 1990 a média da produção anual girou em torno de
2.500 a 2.900 cabeças. Só na década de 2000 é que o número de aves do município atinge
uma média entre 3.000 e 4.000 cabeças, o que vale dizer que esta atividade não é muito
significativa para a economia municipal.
133
3.3.2 Relações de trabalho e estrutura fundiária
A grande maioria dos produtores rurais dos dois municípios são proprietários das
terras (69,8% em Nova Floresta e 61,7% em Teixeira) (Tabela 3). É importante destacar que
esses proprietários detêm pequenas parcelas. De fato, segundo o censo agropecuário de 2006,
do total de proprietários de Nova Floresta 75,6% detém menos de 10 hectares e 95,7% detém
menos de 50 hectares. Em Teixeira os proprietários com menos de 10 hectares de terra
representam 70,9% do total dos produtores rurais e os que detêm estabelecimentos com
menos de 50 hectares representam 93,6% do total.
Além dos proprietários, os parceiros e os ocupantes são outras categorias de
produtores que se fazem presentes nos municípios, sendo mais numerosos em Teixeira
(Tabela 3). Na sua grande maioria (mais de 90% do total nos dois municípios) são pequenos
produtores que administram áreas inferiores a 50 hectares.
Tabela 3. Nova Floresta e Teixeira. Produtores rurais segundo a condição
2006
Produtores
segundo a
condição
Nova Floresta
No. de produtores
Teixeira
No. de
produtores
%
%
Proprietário
303
69,8
701
61,7
Arrendatário
1
0,2
7
0,6
Parceiro
66
15,2
218
19,2
Ocupante
64
14,7
211
18,6
434
100,0
1137
100,0
Total
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário da Paraíba, 2006.
Essa predominância do pequeno produtor é reafirmada através da análise da estrutura
fundiária dos municípios. Como pode ser visto nas tabelas 4 e 5 os pequenos estabelecimentos
agropecuários isto é, os com menos de 50 hectares representam mais de 95% do total dos
estabelecimentos existentes tanto em Nova Floresta como em Teixeira. A área ocupada por
estes estabelecimentos representa, no caso de Nova Floresta, 51,3% da área agrícola
municipal e em Teixeira, representa 65,5% da área agrícola de Teixeira.
Os dados contidos nas tabelas 4 e 5 permitem também constatar que o perfil da
distribuição da propriedade fundiária dos municípios estudados não reproduz o do estado da
Paraíba.
134
No caso do Estado, o perfil da estrutura fundiária é marcado por uma forte
concentração de terras. Como pode ser observado na tabela 6, em 2006, os estabelecimentos
menores de 50 hectares que representavam 91,4% do total dos estabelecimentos
agropecuários existentes na Paraíba apropriavam-se de apenas 26,7% da área agrícola total.
Enquanto isso, os estabelecimentos com mais de 200 hectares que representavam apenas 2,2%
do total dos estabelecimentos, apropriavam-se de quase a metade da área agrícola (47,6%).
Tabela 4 - Estrutura Fundiária de Nova Floresta – 2006
N° de
estabelecimento
Área dos
Classes de Área (ha)
s
%
Estabelecimentos
360
81,1
998,0
0 a menos de 10
44
9,9
528,0
De 10 a menos de 20
22
5,0
613,0
De 20 a menos de 50
9
2,0
560,0
De 50 a menos de 100
6
1,4
682,0
De 100 a menos de 200
3
0,7
790,0
De 200 a menos de 500
444
100,0
4471,0
Total
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário da Paraíba, 2006.
%
23,9
12,7
14,7
13,4
16,4
18,9
100,0
Tabela 5 - Estrutura Fundiária de Teixeira – 2006
N° de
estabelecimento
s
%
Área dos
Estabelecimentos
%
0 a menos de 10
981
81,3
1701,0
21,6
De 10 a menos de 20
140
11,6
1762,0
22,4
De 20 a menos de 50
57
4,7
1692,0
21,5
De 50 a menos de 100
21
1,7
1373,0
17,5
De 100 a menos de 200
5
0,4
533,0
6,8
De 200 a menos de 500
3
0,2
797,0
10,1
Classes de Área (ha)
Total
1207
100,0
7858,0
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário da Paraíba, 2006.
100,0
135
Tabela 6 - Estrutura Fundiária do estado da Paraíba – 2006
N° de
estabelecimento
s
%
Área dos
Estabelecimentos
%
0 a menos de 10
110928
69,3
317045
8,4
De 10 a menos de 20
19329
12,1
255966
6,8
De 20 a menos de 50
16037
10,0
480498
12,7
De 50 a menos de 100
6506
4,1
438274
11,6
De 100 a menos de 200
3675
2,3
491125
13,0
De 200 a menos de 500
De 500 a menos de
1000
De 1000 a menos de
2500
2505
1,6
737829
19,5
723
0,5
471533
12,5
286
0,2
399175
10,6
43
0,0
191433
5,1
Classes de Área (ha)
De 2500 e mais
160032
100,0
3782878
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário da Paraíba, 2006.
Total
100,0
Conclui-se, com base no exposto, que a pequena unidade produtiva prepondera em
número e área nos dois municípios estudados e, por conseguinte, que a propriedade da terra é
bem melhor distribuída que na maioria dos municípios do Estado.
Na Paraíba a agricultura camponesa de base familiar se desenvolve em
estabelecimentos menores de 200 hectares. Essa assertiva se consolida quando ao analisar os
dados censitários de 2006 constatamos a presença de pessoal ocupado com laço de parentesco
com o produtor em quase todos os estabelecimentos agropecuários de Nova Floresta e
Teixeira.
3.3.3 O padrão técnico da agricultura
No que se refere ao padrão tecnológico, verifica-se que o relevo movimentado do
município de Teixeira dificulta a mecanização. Daí o número de tratores existentes em 2006
no município ser muito pequeno: apenas 6 presentes em 5 estabelecimentos agropecuários
(IBGE, 2006). Em Nova Floresta o número de tratores existentes é maior: 34 distribuídos em
30 unidades produtivas. Mesmo assim se levarmos em conta a existência de 444
estabelecimentos agrícolas menos de 10% possuem tratores. Daí ser comum o aluguel de
tratores por hora de trabalho.
136
A utilização de tecnologias químicas é bem mais significativa nos dois municípios.
Em Nova Floresta 162 estabelecimentos (36,5% do total) e em Teixeira 269 estabelecimentos
(22,3% do total) utilizam agrotóxicos (IBGE, 2006).
A irrigação é uma prática adotada por 98 estabelecimentos agropecuários de Nova
Floresta (22,1% do total) e por 76 estabelecimentos de Teixeira (6,3% do total) (IBGE, 2006).
Em Nova Floresta o método de irrigação mais utilizado é o de gotejamento e micro aspersão
praticado por 74 estabelecimentos (75,5% do total dos que adotam a prática da irrigação). Em
Teixeira o método mais utilizado é o da aspersão, praticado por 54 estabelecimentos (71,1%
do total dos que adotam a prática da irrigação).
Verifica-se, por conseguinte que a pequena unidade de produção nos dois municípios
adota tecnologias mecânicas e químicas. Todavia, no que se refere à propriedade de máquinas
essa é restrita a um pequeno número de produtores rurais. As tecnologias químicas e a prática
da irrigação ainda que mais difundidas ainda se restringem a um número reduzido de
estabelecimentos. Donde se conclui que a modernização técnica da agricultura brasileira
embora tenha sido incorporada por parcela dos camponeses de Nova Floresta e Teixeira ainda
não conseguiu atingir sua totalidade.
Apesar de pautado em fontes bibliográficas e dados estatísticos, o estudo aqui
realizado constata que o processo histórico de produção do espaço agrário e as limitações ou
potencialidades naturais têm rebatimentos na organização da produção agropecuária, na
estrutura fundiária, nas relações de trabalho e no padrão técnico adotado pela agricultura. Ele
permite também afirmar que nos dois municípios estudados a agricultura camponesa se
constitui no sustentáculo da economia agrícola municipal.
Nos capítulos que seguem verificaremos com base na pesquisa de campo, de que
forma o campesinato de Nova Floresta e Teixeira vêm resistindo e se recriando no interior do
modo de produção capitalista dominante.
CAPÍTULO IV
RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA: AS
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
138
4 RESISTÊNCIA
E
RECRIAÇÃO
CAMPONESA:
AS
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO Nosso esforço analítico recai nas evidências de que a recriação da classe camponesa
de Nova Floresta e Teixeira é uma expressão do desenvolvimento contraditório do capital.
Essa compreensão descarta a idéia da inexorabilidade do desenvolvimento capitalista em
expropriar os camponeses dos seus meios de produção, haja vista que a realidade das
comunidades rurais de ambos os municípios, expressam exatamente o contrário deste
caminho cujo fim seria o desaparecimento do campesinato. Neste capítulo abordamos a
resistência e a recriação camponesa nos municípios de Nova Floresta e Teixeira pelo viés das
formas de organização da produção buscando evidenciar tal assertiva. Partimos de uma
caracterização dos camponeses desses municípios realizada com base na pesquisa empírica.
4.1 Caracterização do campesinato de Nova Floresta e Teixeira
Caracterizamos a população que compõe o universo das famílias camponesas que
responderam aos questionários nos dois assentamentos e nas 26 comunidades visitadas em
ambos os municípios. Além da visita ao Sítio Canteiro Cheiro Verde localizado na sede do
município de Nova Floresta. Levou-se em consideração para o cálculo do tamanho médio das
famílias o número de pessoas residentes no domicílio e os filhos que já saíram de casa.
Verificamos que o tamanho médio das famílias em Nova Floresta é de 4,7 pessoas e em
Teixeira é de 6,6 pessoas.
Considerando apenas a população residente no momento da pesquisa nas unidades de
produção camponesas de Nova Floresta, verificamos a predominância de crianças na faixa
etária de menos de 4 até 14 anos de idade (58,4%), o que é indicador da jovialidade dessa
população (v. gráfico 5). A distribuição segundo o sexo ressalta uma ligeira predominância
dos homens (51,5%) sobre as mulheres (48,5%).
139
Gráfico 5
Fonte: Pesquisa de campo em Nova Floresta-PB em 05/02/2011.
Org. Silvana Cristina Costa Correia.
A relação entre sexo e idade permite fazer algumas inferências interessantes, tais
como: a) a população que compõe as famílias camponesas investigadas é dominantemente
jovem, com 44,4% do total inserida nas faixas etárias entre menos de 1 a 24 anos; b) embora
os homens representem um número maior na faixa de 25 a 34 anos, percebemos uma presença
maior de mulheres nas faixas etárias de 10 a 14 anos e um retorno da preponderância feminina
entre 20 e 34 anos. Podemos inferir a diminuição do número de pessoas do sexo masculino na
faixa de 35 a 44 anos, à saída dos filhos da casa dos pais por motivo de casamento ou a
migração dos homens em idade produtiva em busca de trabalho noutros lugares; c) o número
de idosos é pequeno, apenas 8 pessoas com mais de 65 anos de idade, sendo 3 homens e 5
mulheres.
Em Teixeira, conforme o gráfico 6, verificamos também a jovialidade da população
camponesa, com a predominância de crianças e jovens na faixa etária de 10 a 17 anos de
idade (16,3%) e de adultos na faixa entre 25 e 44 anos (33,3%). A distribuição da população
segundo o sexo, de forma semelhante a de Nova Floresta, ressalta uma ligeira predominância
dos homens (51,%) sobre as mulheres (49%).
140
Gráfico 6
Fonte: Pesquisa de Campo em Teixeira. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 11/01/2011.
Algumas constatações sobre a relação entre sexo e idade também foram feitas em
Teixeira, a saber: a) os homens representam um número maior na faixa entre 10 a 14 anos,
entre 20 a 24 anos e um retorno entre 40 a 44 anos; b) as mulheres são predominantes na faixa
de 25 a 34 anos; c) os idosos acima de 65 anos de idade representam somente 7 pessoas,
sendo 4 homens e 3 mulheres.
Os mesmos motivos encontrados em Nova Floresta para explicar a saída dos homens
da casa de seus pais em idade produtiva, também foram identificados em Teixeira: o
casamento1 e a migração para outras regiões. Todavia, é preciso ressalvas para compreender a
questão da migração dos camponeses, pois em determinados casos específicos, ao invés de
indicar a desintegração do campesinato, pode surgir como efeito de resistência para garantir a
sua condição de ser camponês. Esse é o caso da migração temporária2, movimento tradicional
1
É comum a permanência dos filhos depois de casados no campo, geralmente, eles herdam ou compram
pequenas propriedades em comunidades próximas dos pais e formam novas famílias camponesas. Observou-se
durante nossas visitas, o interesse dos pais em indicar as propriedades dos seus filhos para que fôssemos aplicar
os questionários. Constatou-se também, de forma reduzida, a saída dos filhos depois de casados para a sede dos
municípios de Nova Floresta e Teixeira, ou para outros municípios do estado da Paraíba.
2
Até mesmo no caso da migração definitiva para as regiões Sul e Sudeste, pois o dinheiro enviado dos filhos
para os pais assegura em parte a recriação deles como camponeses.
141
que caracteriza a vida camponesa. Conforme Fabrini (2003) esse movimento se apresenta de
forma contraditória:
Quase sempre o trabalhador migra temporariamente para assegurar a
permanência de seu pequeno mundo camponês; migra para assegurar com
ganhos extraordinários as carências que já não podem ser supridas pela
própria unidade de produção familiar (p. 3).
Para Fabrini (2003) as migrações são formas de resistências que devem ser estudadas
num contexto de crise do sistema capitalista de produção, no qual a crise é sempre
caracterizada pelo movimento migratório das pessoas em busca de melhores condições de
sobrevivência para suas famílias. Tal assertiva explica o que verificamos em Nova Floresta:
do total das 41 famílias camponesas entrevistadas, 8 delas possuem pelo menos um membro
da família que migra temporariamente. Durante as entrevistas, uma camponesa de 26 anos de
idade, declarou que o seu marido se encontrava em Goiás trabalhando no corte da cana.
Nas palavras da jovem camponesa:
No momento só tá eu e meu filho em casa, será que eu sirvo prá responder as
entrevista que a senhora tem? Porque meu marido faz seis mês que tá em
Goiás trabalhando na cana (...). Ele já foi também pro Mato Grosso,
geralmente ele passa uns seis mês lá e depois volta pra casa, aí só fica eu e
ele de dois anos e seis meses. Eu toco o roçado do meu jeito, planto um
pouco de feijão e milho, às vezes o meu pai vem me ajudar aqui, crio 3
galinhas e tenho um garrote novo que o meu marido comprou o ano passado
depois de trabalhar fora, longe daqui. (...) As vez eu vendo castanha do caju,
pra dá uma ajudinha financeira antes que ele chegue com dinheiro em casa
(...) geralmente ele vem com uns dois mil reais (Depoimento concedido pela
camponesa Josineide dos Santos Silva da Comunidade de Boi Morto em
Nova Floresta-PB, 04/02/2011).
Em outras palavras, o marido da jovem camponesa migra temporariamente para outras
regiões do país para trabalhar na atividade canavieira e depois retorna para o seu sítio para no
próximo ano viajar outra vez. Fato que explica que “a migração em si não se constitui na
libertação, mas num potencial onde se busca a fixação num determinando lugar” (FABRINI,
2003, p. 4). Ou seja, é no retorno à pequena unidade de produção camponesa que o camponês
se liberta das relações de subordinação impostas pelo modo de produção capitalista e garante
a sua autonomia como camponês permanecendo na sua terra. Neste caso, a migração é uma
forma de resistência construída pelo próprio camponês (migrante temporário) que se recria
contraditoriamente à lógica capitalista.
142
Essa compreensão se contrapõe a idéia de José Graziano da Silva (1994) de que a
própria dinâmica do desenvolvimento do capitalismo no campo do Brasil provocaria a
passagem do trabalho assalariado temporário dos camponeses para o trabalho assalariado
permanente. Porém, o que vimos em Nova Floresta foi o contrário, a saída do camponês
migrante temporário para o Centro-Sul do país não expressa nenhuma debilidade do capital, e
sim o movimento contraditório deste que precisa desta relação de trabalho para se reproduzir.
Dando continuidade à caracterização das famílias camponesas de Nova Floresta e de
Teixeira, a maior parte dos membros das famílias é natural3 dos próprios municípios ou das
mesorregiões em que os mesmos se situam.
O nível de escolaridade dos chefes de família é muito baixo, em Teixeira 68,5% deles
cursaram somente a primeira fase do ensino fundamental e nem todos chegaram a concluí-la.
Verificamos ainda que quatro são analfabetos e somente um dos 35 chefes de família possui
curso superior de Pedagogia, leciona numa escola no centro de Teixeira, mas continua
morando em seu sítio.
Em Nova Floresta dos 41 chefes de famílias, 41,4% não conseguiram terminar o
ensino fundamental I, 12 deles declararam nunca terem estudado, e apenas uma família tem
um filho formado em Agronomia e mais um se preparando para o vestibular deste ano. Tratase justamente da família cuja unidade produtiva localiza-se na sede do município.
Em contrapartida em ambos os municípios, todas as crianças de 7 a 15 anos de idade
encontram-se freqüentando a escola e no nível de escolaridade compatível com a sua faixa
etária, portanto, são contempladas com o Programa Bolsa Família, cujos valores variam entre
R$ 90,00 a R$ 120,00.
Constatamos em Nova Floresta que 10 chefes de família (24,3%) estão aposentados,
outros dois têm um parente em casa que recebe aposentadoria e que contribui com as despesas
do sítio. Já em Teixeira encontramos um número maior de chefes de família aposentados,
totalizando 15, o que representa 42,8% do total dos entrevistados. Apenas um camponês
declarou não ser aposentado, mas em compensação, complementa a sua renda familiar com a
aposentadoria e a pensão da mãe que reside com ele em seu sítio.
3
De acordo com os depoimentos dos camponeses de Nova Floresta, são naturais dos seguintes municípios:
Cuité, Currais Novos, Frei Martinho, Picuí, Jaçanã-RN, Santa Cruz-RN, Rio de Janeiro-RJ e Itibiara-MG. Os
camponeses de Teixeira declararam serem naturais da Mesorregião do Sertão paraibano dos municípios de
Desterro, Cacimbas, Cacimbas de Areia, Imaculada, Pombal, Manaíra e Princesa Isabel. Vale destacar que é
comum apenas o nascimento ter lugar nas maternidades destes municípios, mas o local de moradia é sempre a
zona rural.
143
É nítida a contribuição da bolsa família e da aposentadoria no processo de recriação do
campesinato dos municípios analisados. Este aspecto será melhor abordado no último subitem
deste capítulo.
O tamanho das unidades de produção camponesas das 35 famílias que responderam
aos questionários em Teixeira varia de 0,5 a 50 hectares, sendo que 62,8% inserem-se na faixa
de 2 a menos de 10 hectares (Gráfico 7). Apenas uma família mora em uma propriedade
cedida por um parente cujo tamanho ultrapassa a média de nossas análises, com 112 hectares,
porém eles produzem em somente 5 hectares.
Gráfico 7
Fonte: Trabalho de campo em Teixeira-PB, 11/01/2011.
Org. Silvana Cristina Costa Correia.
Em Nova Floresta, o tamanho das unidades de produção camponesas das 41 famílias
segue quase o mesmo padrão de Teixeira, varia de 0,5 a 20 hectares, com 83% deles inseridos
na faixa de 1 a menos de 20 hectares (Gráfico 8).
144
Gráfico 8
Fonte: Trabalho de campo em Nova Floresta-PB, 05/02/2011.
Org. Silvana Cristina Costa Correia.
Em todas as comunidades visitadas nos dois municípios, as casas4 se encontram
dispersas numa distância que não ultrapassa os 500 metros. Já os assentamentos estão
organizados sob a forma de agrovila, na qual as casas dos camponeses assentados ficam
afastadas de suas parcelas de terra.
O Assentamento Poços de Baixo em Teixeira pertencia à fazenda Poços (sítio Poços)
da família do ex-Deputado Federal da Paraíba João da Mata. O imóvel foi desapropriado no
dia 05 de outubro de 2000 pelo o Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba
(INTERPA) que assentou as 45 famílias no dia 22 de maio de 2001 (INCRA/PB). Algumas
famílias hoje assentadas já trabalhavam antes para o antigo proprietário no sistema de parceria
baseado na terça. Ou seja, os camponeses parceiros sem-terra, davam um terço da produção
de bananas para o patrão. Eles cultivavam somente bananeiras conforme a vontade do patrão
que além desta cultura criava gado. Anos mais tarde, não restava espaço nesta terra para os
camponeses plantarem as culturas alimentares para sustentar suas famílias, então, saíram à
procura de outros lugares para montarem seus roçados, deixando aquela terra que ficou
improdutiva até o momento em que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teixeira (STR)
4
No que se refere ao padrão de moradia, a maioria das casas em ambos os municípios são de alvenaria com mais
de 5 cômodos dividido entre salas, quartos e cozinha. O banheiro em quatro casas em Nova Floresta foi
construído no terreiro, ou seja, do lado de fora da casa. O chão de todas as casas foi feito de cimento liso, não
verificamos nenhuma casa com piso de terra batida. Todas as casas possuem energia elétrica e na maioria água
encanada por meio de cisterna de placas.
145
resolveu abrir um processo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) solicitando a desapropriação do imóvel e o assentamento das famílias.
No imóvel com 635,09 hectares, foi construída uma agrovila e cada família recebeu
um lote de 12 hectares (Fig. 4).
Figura 4
Assentamento Poços de Baixo no município de Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2008.
Em Nova Floresta, além das comunidades rurais existe o assentamento da Associação
Comunitária dos Produtores da União - APROUNI, conhecido popularmente como
comunidade Pororoca. A mencionada associação adquiriu a área pelo Crédito Fundiário de
Combate à Pobreza Rural (CFCPR) no dia 25 de março de 2004 por intermédio do Instituto
de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba (INTERPA).
No assentamento com 151
hectares, também foi construída uma agrovila e foram assentadas15 famílias as quais
receberam lotes de 10,8 hectares (INTERPA, 2004).
De acordo com os depoimentos dos camponeses assentados, a terra antes pertencia a
um proprietário cujo nome é Nicesto da Costa Gomes que produzia sisal, com base no
trabalho assalariado, criava gado e cultivava mandioca no sistema de parceria no qual os
camponeses dividiam com o patrão a metade da produção. Com o passar do tempo, a família
do antigo proprietário ficou reduzida por motivo de casamento dos filhos que saíram de sua
casa para constituírem suas próprias famílias. Diante disso, o proprietário sem os filhos para
lhe ajudar não conseguiu dar conta da propriedade e resolveu vendê-la. O Estado comprou a
área e o INTERPA assentou as famílias. Todavia, é nítida a insatisfação dos assentados
quanto à qualidade de vida que eles têm se comparado com a vida dos camponeses das
146
comunidades rurais vizinhas que possuem as suas casas construídas dentro do próprio lote.
Acreditam que a organização do assentamento em forma de agrovila (Figura 5) deixa a
parcela de plantio e de criação de animais com possibilidades de furtos por falta de vigilância
constante devido às casas ficarem localizadas muito distantes de suas parcelas.
Figura 5
Assentamento APROUNI em Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 04/02/2011.
Além disso, para eles a aglomeração de casas altera as relações de vizinhança uma vez
que permite o surgimento de fofocas e intrigas entre vizinhos.
Depois a gente se arrependeu muito em ter aceitado calado esse estilo de
casa, em agrovila, era pra ter falado que queria a casa na parcela de terra.
Mas a gente na hora até pensou que ia ser uma boa idéia viver junto um do
outro, mas na verdade depois só causou problema, as vez nossos pertence é
roubado na parcela e a gente não sabe quem rouba porque não tamos lá pra
ver, as nossa plantação as vez é saqueada pelos próprios vizinho, mas a gente
não pode afirmar porque não temos prova. Era bom que fosse cada um no
seu lote e pronto, só assim também evitaria as encrencas que rola aqui entre
os vizinho (Depoimento do camponês Claudemir Gomes da Silva do
Assentamento APROUNI em Nova Floresta, 04/02/2011).
Atualmente, o que se ouve falar tanto nas comunidades rurais como no assentamento
em Nova Floresta é a questão da violência no campo sob a forma de furtos e algumas vezes
seguido de homicídio. Este fato é atribuído a moradores da cidade que estão praticando no
campo ondas de assaltos assustando as famílias camponesas em suas unidades produtivas.
147
Constatamos que algumas famílias estão abandonando suas casas nas comunidades rurais com
receio de serem as próximas vítimas (Fig. 6).
Figura 6
Unidade de produção camponesa abandonada em Nova Floresta.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 05/02/2011.
Com efeito, dos 10 camponeses de Nova Floresta que responderam as entrevistas
semiestruturadas, dois deles abandonaram o campo e foram morar na cidade e atualmente
trabalham na feira local aos domingos vendendo produtos comprados dos antigos vizinhos da
comunidade onde moravam. Três deles afirmaram que foram morar na cidade, mas continuam
trabalhando no campo em terras de terceiros no sistema de parceria. Ou seja, dois se
transformaram em atravessadores e os outros três passaram da condição de camponês
proprietário para serem somente parceiros de outros proprietários.
Não apenas os camponeses entrevistados informalmente, mas também aqueles que
responderam aos questionários fechados, afirmarem que as motos são furtadas com freqüência
no campo do município de Nova Floresta. Diante disso, constatamos que 50% das 41 famílias
camponesas possuem motocicletas, o que explica o porquê do campo ser hoje alvo de tantos
assaltos se comparado com a realidade do campo de décadas atrás, cujo principal meio de
locomoção se restringia a carroças a tração animal, a cavalos e a jumentos.
Neste caso, o abandono de algumas unidades de produção camponesas está
relacionado à questão da segurança pública do município de Nova Floresta. Os camponeses
após serem assaltados registram a ocorrência na delegacia local, mas não recuperam seus
148
pertences. A polícia ao tomar conhecimento do fato, faz rondas nas comunidades rurais por
dois ou três dias e depois não aparece mais. Um fato nos chamou a atenção: a morte de um
camponês que sofreu um assalto a mão armada em frente à propriedade de seus pais. Os
assaltantes levaram a sua moto e deixaram o corpo estirado no chão e nunca foram pegos. Os
pais inconformados com o falecimento do filho foram morar na sede do município de Nova
Floresta. Diante disso, podemos afirmar que a violência hoje é uma das causas do processo de
descamponeização no município de Nova Floresta, o que não significa dizer que o
campesinato analisado está em vias de extinção, mas indica que este problema de ordem
social do município está impossibilitando a reprodução e continuidade de algumas famílias
camponesas.
Em Teixeira, apesar de 50% dos camponeses possuírem motos, não se verificou essa
onda de assaltos no campo, talvez porque as comunidades rurais estão localizadas distantes da
sede do município, o que dificulta o acesso dos assaltantes nas unidades de produção.
A partir dessas breves considerações sobre o perfil do campesinato de Nova Floresta e
Teixeira, constatamos a permanência e a recriação das famílias camponesas apesar das ondas
de violência em Nova Floresta. Isto pode ser justificado, entre outras razões que serão
apresentadas a seguir, pela jovialidade da família camponesa, pela migração temporária dos
chefes de família, pela permanência dos filhos depois de casados nas comunidades rurais, e
principalmente, pela existência de um assentamento rural em cada município que caracteriza
um processo de territorialização do campesinato.
Quando perguntamos sobre o significado da terra para os camponeses, verificamos que
ela ainda é uma possibilidade positiva de recriação das famílias. Nas palavras da camponesa
Mariinha da região serrana de Nova Floresta:
Não consigo imaginar meus filhos sendo criado na cidade, lá só tem o que
não presta, tenho medo deles se meter em confusão. Todo dia eu digo
sempre pra eles que se eles se dedicar em trabalhar na terra não vão precisar
de patrão futuramente, a terra é tudo na vida da gente, é dela que tiramos
quase tudo que precisamos pra viver, mas é preciso muita dedicação porque
o trabalho é pesado, quem é preguiçoso não agüenta (...). É por isso, que
criei meus quatro filhos ajudando meu marido no roçado, hoje são
adolescente e não reclama de nada porque desde pequeno são acostumado a
trabalhar na terra, até as meninas também ajuda a gente no plantio
(Depoimento cedido pela camponesa Maria das Dores da Silva. Nova
Floresta-PB, 29/07/07).
149
Em outras palavras, o fato de não ter patrão e ter a própria terra para trabalhar e tirar o
sustento da família significa ter liberdade e autonomia no processo produtivo. Essa autonomia
será apresentada a seguir pelo viés da organização da produção como forma de resistência que
permite a recriação dos camponeses dentro do território capitalista.
4.2 A autonomia camponesa no processo produtivo: a organização da produção
Como já mencionamos em capítulos anteriores, a autonomia a qual nos referimos não
significa que os camponeses de Nova Floresta e Teixeira estão livres de fatores externos
provenientes do capitalismo, mas a liberdade e o controle que os mesmos têm no processo
produtivo de qualquer cultura agrícola. O controle do próprio tempo e do próprio espaço dos
camponeses contribuiu para o desenvolvimento deste trabalho na medida em que não foi
preciso agendar um horário prévio para as nossas visitas em suas unidades de produção.
Durante a temporada dos trabalhos de campo, de 2006 a 2011, fomos recebidos de dia
à noite em seus sítios independente de quaisquer fases do processo de trabalho. O fato de não
ter patrão possibilitou aos mesmos nos receber sem precisar pedir autorização a ninguém.
Portanto, essa peculiaridade da autonomia camponesa nos deu liberdade de realizar os
trabalhos de campo em qualquer horário e dia, inclusive aos domingos e feriados.
4.2.1. A organização da produção
Em Nova Floresta, as unidades de produção camponesas estão atualmente voltadas
para a fruticultura, principalmente para a produção de maracujá, do cajueiro anão precoce, da
goiaba, da pinha, da graviola e do limão. Além dessas lavouras o camponês cultiva feijão,
fava, milho, mandioca, macaxeira, abóbora, alguns ainda produzem sisal, palma e capim. Há
uma diferença na pauta dos produtos agrícolas cultivados nas duas5 regiões distintas de Nova
Floresta, condicionada fundamentalmente pelas condições de solo e clima. Tal fato pode ser
observado pela diferença relatada por um camponês que já morou nas duas áreas:
É muito bom aqui, eu acho bom por causa que é o seguinte: porque é
diferente de onde que eu morava, na caatinga seca. Porque lá a terra só é boa
pro feijãozinho macaçar, e aqui dá pra gente plantar o maracujá, o feijão
carioca, a manga, o caju e a goiaba. (...) tem tudo, até água permanente. E
5
Na área de transição, predomina a atividade pecuária, a produção de grãos e a fruticultura de sequeiro em pouca
quantidade.
150
quando a gente morava lá, a mulher saía de manhã para pegar água, e só
chegava de meio dia carregando a água num jumento. E, aqui, na região
serrana, graças a Deus é tudo facilitado. Depois fizeram essas cisternas, que
é a água de beber e que tem que dá pro ano todinho. (...)por isso, é que eu
digo que é melhor nessa região porque a gente tem água pra beber e plantar
(Depoimento concedido pelo camponês da região serrana Genário Francisco
dos Santos. Nova Floresta, 14 de maio de 2006).
Dito de outra forma, na região subúmida a produção é mais intensa devido à maior
fertilidade do solo e à irrigação. Nesta área predomina o solo LatossoloVermelho Amarelo,
apto ao cultivo de fruticultura e culturas alimentares por ser muito profundo, textura argilosa,
fertilidade natural média a alta e fortemente drenado ( EMBRAPA, 1995). Por isso, que as
unidades de produção camponesas localizadas nesta região (Mapa 4) estão produzindo mais
as frutíferas irrigadas, como: o maracujá, o cajueiro pré-franco, o cajueiro anão-precoce, a
pinha, a graviola e o limão. As culturas alimentares produzidas nesta área são o feijão
mulatinho (carioca), o milho, a mandioca e a macaxeira.
Na região semiárida, predominam os solos Brunos Não Cálcicos, Regossolos e
Litossolos (Mapa 4). Os dois primeiros se caracterizam por serem poucos desenvolvidos,
pedregosos e com baixa textura de argila, são aptos somente para algumas culturas
alimentares, como o milho, o feijão, a mandioca e a macaxeira. Os Litossolos são rasos,
pedregosos com exposição da rocha mãe, aptos apenas para a pecuária. Os camponeses desta
área não se restringem apenas ao cultivo do milho, do feijão macaçar (principal produto
agrícola da região), e da mandioca, vão além e cultivam frutas no sistema de sequeiro, como o
caju tradicional (pré-franco), o maracujá, a manga e a pinha.
Na pesquisa de campo percebemos que o território camponês se organiza
estrategicamente de forma diversificada em função da realidade climática existente para
viabilizar a sua recriação. Por exemplo, o feijão macacar (Fig. 7) é bastante cultivado pelos
camponeses da região semiárida, uma vez que ele consegue se adequar às condições adversas
dessa região, como: a seca, a carência de água, a falta de irrigação e a falta de nutrientes do
solo.
151
Mapa 4
MAPA PEDOLÓGICO
DE NOVA FLORESTA
Área urbana
Lagoa de Montevidéu
Estrada carroçável
Hidrografia
R ch M
Estrada não pavimentada
on
te
Estrada pavimentada
A
leg
r
Litossolo
e
Açude Monte Alegre
Bruno Não cálcico
Latossolo Vermelho Amarelo
Regossolo
N
E
W
570
S
ESCALA - 1:500.000
Escala Gráfica
5
0
10
15
20
25 m
Datum Horizontal: Córrego Alegre
Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34°
Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia
Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000.
Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95
152
Já o feijão mulatinho necessita de uma maior quantidade de água para se desenvolver
devido suas raízes serem superficiais, por isso, não observamos o seu cultivo nesta região seca
e sim na região subúmida devido o solo ser mais apto para o seu cultivo.
Figura 7
Feijão macaçar produzido pelos camponeses da região semiárida de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/05/2006.
Da mesma forma do feijão, há uma diferenciação referente à qualidade do maracujá
cultivado nas duas regiões de Nova Floresta. Na região semiárida, os camponeses cultivam o
maracujá de sequeiro, e por não existir reserva de água, a produção é menor, verifica-se uma
notável diminuição no peso da fruta. Na região subúmida, o maracujá é irrigado e de melhor
qualidade, sobretudo no sabor e no peso. O cajueiro pré-franco, o cajueiro anão precoce e a
graviola também são plantados na região subúmida onde a produção é mais intensa devido à
aptidão do solo e à irrigação.
O maracujá (Fig. 8) é considerado o produto de maior destaque nas combinações
agrícolas do município, porém, na região serrana, se produz um maracujá irrigado de melhor
qualidade enquanto na região de caatinga, por não existir reserva de água, a produção é
menor, o maracujá é de sequeiro e verifica-se uma notável diminuição no peso da fruta.
153
Figura 8
Maracujá cultivado na região serrana de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 06.02.2011
Tal diferenciação pode ser verificada através dos relatos de um camponês da região
mais seca deste município.
A terra aqui é boa, só não é melhor porque é muito seca. Já, as terra da serra
é melhor, é úmida. Lá, dá de tudo que se planta. Aqui a gente só planta:
gerimum, melancia, mandioca, palma, capim, a pinha, o feijão macaçar, que
é a salvação da gente e crio um gadinho. Sim, a gente planta o maracujá,
tombém. Só que aqui ele não é tão bom como lá na serra, (...) aqui a terra é
pobre e ele pesa menos (depoimento de um camponês da região semiárida,
Pedro Guedes de Lima. Nova Floresta-PB, 14 de maio de 2006).
Vê-se que o camponês utiliza o termo pobre para indicar que o solo da região
semiárida não tem aptidão para a produção do maracujá e interfere diretamente na qualidade
do produto. Assim, pode-se afirmar que existe uma forte influência do meio natural na
determinação da produção agrícola dos camponeses deste município, que se reflete na
paisagem imprimindo características bem particulares e diferenciadas às duas regiões: a
subúmida e a semiárida. Nesta última, como não há tanta disponibilidade de água no subsolo,
por se tratar de uma região de terrenos cristalinos, a água existente é proveniente de pequenos
barreiros, poços tubulares (Fig. 9) e tanques naturais represados em rochas (Fig. 10). No caso
de água para o consumo humano, utiliza-se a de cisterna.
154
Figura 9
Tipo de poço tubular de uma propriedade camponesa da região semiárida de Nova
Floresta-PB. Arquivo: Ana Maria Gomes Santos. 14/05/2006.
Figura 10
Tanque natural em fenda de rocha da Associação Comunitária dos Trabalhadores Unidos
(ACOTUN) da Comunidade Boi Morto, região semiárida de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/ 02/2011.
Diante da ausência de recursos hídricos na região e da falta de recursos financeiros
para investir no sistema de irrigação, os camponeses organizam a sua produção de acordo com
as condições naturais existentes e dependem da estação chuvosa para plantar culturas que têm
uma boa adaptação à região seca do município. De fato, nos trabalhos de campo realizados
em 2006 e 2007 foi notória a produção do maracujá nas duas regiões com o predomínio na
região serrana. Porém, no retorno ao campo em 2011, percebemos que os camponeses da
155
região semiárida reduziram a produção do maracujá e voltaram-se quase que completamente
para a produção da pinha (Fig. 11), deixando a região subúmida com o predomínio quase que
total da produção do maracujá. Nota-se aqui a autonomia na substituição de uma cultura para
outra sem pedir autorização a ninguém, versatilidade que caracteriza o campesinato desta
região.
Figura 11
Pinha colhida na região semiárida de Nova Floresta.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/02/2011.
Em Teixeira, a produção do maracujá não se destaca e não é devido à aptidão ou não
do solo, pois além dos produtos tradicionais cultivados nas unidades de produção
camponesas, como o feijão, a fava, o milho, a batata-doce, a mandioca, a palma forrageira e o
capim, também se cultivam frutas e hortaliças. Na verdade são as frutas e hortaliças
atualmente as lavouras mais cultivadas no município devido à existência de açudes que torna
favorável o seu cultivo. Dentre as frutas, destacam-se o cajueiro, a pinha, a manga, a
serigüela, a laranja, o limão e a melancia.
Nas unidades de produção camponesas visitadas (situadas em diferentes comunidades,
conforme apresenta o mapa 5) não verificamos a produção do maracujá, mas o caju se faz
presente em quase todas sem o sistema de irrigação, como no caso das demais frutas.
Predominam no município, quatro tipos de solos: a) os Regossolos (poucos desenvolvidos,
pedregosos com baixa textura de argila); b) os Litossolos (são os mais fracos, rasos e
pedregosos com a rocha mãe aparente); c) os Cambissolos (são poucos profundos,
cascalhentos, e têm baixa permeabilidade); d) os Latossolos (considerados os melhores, são
permeáveis, profundos e com textura argilosa) (EMBRAPA, 1995) (Mapa 5). Eles
156
influenciam diretamente na produção agrícola do município e com exceção dos solos
Litossolos que são mais aptos para a pecuária, os demais são aptos para os cultivos da
mandioca, da batata-doce, do feijão e do milho.
A prática da horticultura se faz presente nas margens dos açudes de São Francisco e de
Poços localizados na zona rural, e em unidades de produção camponesas localizadas próximas
(Fig. 12).
Figura 12
Horta organizada em canteiros em terra arrendada localizada próxima do açude São Francisco
em Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia, 13/05/2008.
Mapa 5
MAPA PEDOLÓGICO DE TEIXEIRA
N
E
W
Teixeira
S
ol
é
Ca t
do
Ri
ac h
157 Área urbana
Estrada carroçável
Hidrografia
Estrada não pavimentada
Estrada pavimentada
ESCALA - 1:500.000
Litossolo
Escala Gráfica
Cambissolo
Latossolo Vermelho Amarelo
Regossolo
Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000.
Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95
o
5
0
10
15
20
25 m
Datum Horizontal: Córrego Alegre
Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34°
Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia
158
Observou-se o cultivo de hortas em 3 unidades de produção camponesas localizadas
nas comunidades de Fava de Cheiro e São Francisco e no assentamento de Poços de Baixo.
Nelas a produção é estruturada em canteiros de coentro, cebolinha, alface, cenoura, beterraba,
pimentão, couve e gerimum. O sistema de produção é semi-orgânico e irrigado através do
sistema de microaspersão.
A maioria dos camponeses não trabalha com a horticultura por não poderem
acompanhar a parte técnica que a produção exige, portanto não utilizam a água para este fim
mesmo morando em áreas próximas dos açudes. Neste caso, se limitam à produção de
culturas que se adéquam ao solo existente, como a batata-doce, a mandioca, o feijão, o milho
além das fruticulturas de sequeiro com destaque para o caju.
Então, a realidade dos camponeses do município de Teixeira é a seguinte: a minoria
que tem condições financeiras para adotar o sistema de irrigação pratica a horticultura com
destaque para a produção da cenoura (Fig. 13), portanto se recria de forma mais estável
porque os produtos provenientes da horticultura possibilitam uma renda maior do que os
produtos de sequeiros. E, a maioria que não tem recursos financeiros para investir no sistema
de irrigação6 se dedica aos cultivos de sequeiros que depende exclusivamente das chuvas.
Neste caso, se recria fundamentalmente com a produção voltada para o autoconsumo da
família (Fig. 14), comercializando apenas o excedente (quando existe) de algumas frutas de
estação cultivadas em sua propriedade.
Essa realidade, parece se aproximar da tese de Veiga (1994) de que os camponeses
que foram capazes de se adequar às novas tecnologias, inclusive ao sistema de irrigação,
ficarão para sempre no mercado e permanecerão na agricultura, enquanto os camponeses
pobres retardatários serão prejudicados pela incompatibilidade nas relações mercantis, por
isso desaparecerão do campo. Acontece que o município de Teixeira, da mesma forma que o
município de Nova Floresta, não sofreu tanto impacto com o desenvolvimento do capitalismo
no campo uma vez que ele se desenvolveu, conforme Silva (1980), de forma espacialmente
desigual.
6
A adoção do sistema de irrigação na horticultura ou fruticultura além de requerer disponibilidade de água em
quantidade exige mão-de-obra contratada, o que representa custos para aqueles que não têm recursos financeiros
para investir nestas atividades.
159
Figura 13
Camponês que cultiva cenoura irrigada na Comunidade São Francisco em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/05/2008.
Figura 14
Camponês em seu roçado de milho na Comunidade Riacho Verde em Teixeira-PB. Arquivo:
Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2008.
No caso da Paraíba, o processo de dominação do capital no campo se concentrou mais
na Mesorregião da Mata Paraibana e no Brejo Paraibano e quase não atingiu as demais
regiões. Isso pode ser esclarecido, entre outras razões, pelo fato dos camponeses de Teixeira
não terem incorporado tanta tecnologia na produção agrícola, pois a existência do sistema de
irrigação na horticultura em três unidades de produção camponesas é insuficiente para
160
explicar à tese de Veiga, haja vista que a mesma é baseada no pressuposto da diferenciação
social da teoria leninista cujo fim do campesinato é inevitável.
Em Nova Floresta, os camponeses da região subúmida estão mais inseridos ao
mercado devido à comercialização do maracujá irrigado que é o principal produto comercial
do município como de toda região do Curimataú Ocidental. Enquanto isso, os camponeses da
região semiárida, conscientes da dificuldade de comercialização do maracujá de sequeiro, por
eles produzido devido à sua qualidade inferior7, estão agora se interessando por outras
culturas alternativas como a pinha. Como o solo desta região é mais apto para o cultivo dessa
fruta, ela se desenvolve com melhor qualidade obtendo assim um melhor preço no mercado.
Em ambos os municípios, o que se observa é que o campesinato se recria de forma
diversificada conforme as condições naturais, econômicas e sociais existentes. De fato, existe
um processo de diferenciação social entre os camponeses dos municípios analisados, porém,
diferente daquele concebido por Lênin e reafirmado por José Graziano da Silva, Caio Prado
Júnior, Alberto Passos Guimarães, Ricardo Abramovay e José Eli Veiga. É evidente que eles
apresentaram abordagens distintas sobre o campesinato, mas como já vimos em capítulos
anteriores. Ou seja, esses autores caminham na mesma direção quando classificam os
camponeses a partir do processo de diferenciação social dado pela sua inserção ou não no
mercado ou pela sua integração ou não às atividades não agrícolas.
Todavia, entendemos que a produção do maracujá em Nova Floresta e da cenoura em
Teixeira, embora restrita somente aos camponeses que possuem recursos financeiros, em
hipótese alguma significa uma distinção entre capitalistas e camponeses, uma vez que não é o
destino final da produção que o caracteriza como camponês ou não, mas um conjunto de
fatores que estão além da sua inserção ao mercado, como: o trabalho familiar, a pouca
contratação do trabalho assalariado e a autonomia no processo de produção. É o que ainda
veremos no decorrer deste capítulo.
Em relação à criação de gado, o camponês de Nova Floresta e de Teixeira possui
sempre uma cabeça de gado com o objetivo de usá-la como transporte puxando a carroça ou a
capinadeira e, às vezes, uma vaca de leite para o consumo da família e até para auferir uma
renda complementar através da comercialização do leite. Não há um tipo específico de gado
para corte, a finalidade da produção é mista sendo maior a tendência leiteira (Fig. 15).
7
Se comparado com o maracujá irrigado da região subúmida, cujo peso é maior,
161
Em campo foi possível identificar nas unidades de produção camponesas o cultivo da
palma forrageira, do capim e do sisal destinado a alimentação do gado (Figs. 16,17 e 18), o
que indica que é costume articular a criação de animais a alguma cultura.
Figura 15
A criação de gado numa unidade de produção camponesa como complemento da renda familiar.
Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
Figuras 16 e 17
Camponês após o corte do miolo do sisal e miolo do sisal pronto para alimentação do gado.
Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
162
Figura 18
Camponês alimentando o gado com o miolo do sisal produzido por ele.
Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
Mesmo diante de pouca terra, os camponeses costumam destinar uma parte dela aos
pastos para o gado como garantia de recursos financeiros caso tenham algum prejuízo durante
o ano. Como lembra seu José, camponês de Nova Floresta:
Quando a senhora me perguntou se no ano passado a gente teve prejuízo,
lembra do que eu disse? Que o ano foi ruim de chuva, um sofrimento só
porque perdemo todo feijão e milho também. (...) aí o que foi que eu fiz pra
não deixar a mulher e as meninas passando necessidade aqui em casa: vendi
dois garrote que eu criava aqui em casa, e fiquei somente com a vaca. (...)
com o dinheiro comprei logo feijão e milho a granel na feira, pra garantir o
ano todo, e ainda deu pra comprá semente para o plantio desse ano e
algumas besteira pras meninas, porque elas estuda e precisa sempre de
alguma coisa ( Depoimento do camponês José Félix Xavier de Nova
Floresta-PB, 07/02/2011).
A fala do camponês expressa que a presença do gado nas unidades de produção
camponesas significa uma situação mais estável da família. Conforme Paulino (2006),
“Mesmo que sejam poucas cabeças, o incremento de renda é notável: além da sobrevivência
direta, o esterco se presta à fertilização da lavoura e os bezerros se constituem uma espécie de
poupança dos camponeses” (p. 239). Então, a criação de gado representa uma forma de
recriação camponesa na medida em que permite a sua combinação8 com outras culturas no
8
Se o gado se alimenta da palma e do sisal produzido na propriedade camponesa, significa que a sua criação não
é tão onerosa à família, além do mais ele também fornece o esterco para fertilizar o solo de qualquer cultura.
163
interior da unidade de produção camponesa para não dá tanto custo à família. Da mesma
forma encontramos a criação de porcos, patos e galinhas articulada ao cultivo do milho e a
criação de coelhos e preás articulada a fruticultura e ao capim (Figs. 19, 20, 21 e 22).
Através da pesquisa de campo em Nova Floresta, identificamos a criação de gado9 em
23 unidades de produção camponesas, o que representa 56% do total das 41 que foram
visitadas. Em Teixeira das 35 famílias, nenhuma delas cria gado, fato que chamou nossa
atenção, pois do ponto de vista financeiro, se a presença de uma vaca leiteira, de um boi ou de
um bezerro indica uma recriação mais equilibrada da família, então, os camponeses de Nova
Floresta estão se recriando em situação mais propícia. Até mesmo na criação de aves as
unidades de produção camponesas de Nova Floresta se destacam com 13 delas criando,
enquanto que em Teixeira identificamos apenas 5 unidades de produção.
Figuras 19 e 20
Coelhos e preás se alimentando do capim e de restos de frutas e galinhas se alimentando do
milho. Teixeira-PB. Arquivo: Yasmin Costa Correia. 12/01/2011.
9
Encontramos um número reduzido de cabeças de gado entre: boi, vaca leiteira e garrote (bezerro).
164
Figuras 21 e 22
Porcos se alimentando de restos de culturas e patos procurando frutas caídas no chão. Nova
Floresta. Silvana Cristina Costa Correia. 09/02/2011.
Embora o limite da produção camponesa dos municípios analisados dependa de fato
do tamanho da propriedade, e mesmo sabendo que tanto em Nova Floresta como em Teixeira
a maioria das unidades de produção visitadas não possuem nem mesmo 50 hectares, mesmo
assim constatamos uma diversificação de culturas e de animais de criação que são
organizados nas unidades de produção camponesas de forma a possibilitar a recriação das
famílias. Por essa razão, apresentaremos a seguir o processo de produção das culturas que
mais se destacam no campesinato dos dois municípios a fim de mostrar mais detalhadamente
as formas de resistência que viabilizam a recriação das famílias camponesas.
4.2.1.1 O calendário agrícola e as etapas do processo produtivo
O calendário agrícola da microrregião do Curimataú Ocidental bem como da
microrregião da Serra do Teixeira está correlacionado às condições climáticas (Quadro 1).
Estas se caracterizam por apresentar basicamente duas estações: uma chuvosa, que
corresponde ao inverno e se estende de março a agosto e outra seca que corresponde ao verão,
e se estende de setembro a fevereiro. Os municípios de Nova Floresta e de Teixeira como
partes integrantes destas microrregiões, refletem o mesmo quadro climático. Nos dois
165
municípios, conforme os depoimentos dos camponeses entrevistados é comum ocorrer
algumas chuvas esparsas no período do verão.
Ainda de acordo com os mesmos, existem nos municípios, diferenças entre o que se
planta no período das chuvas que precedem o inverno e o que é plantado no inverno
propriamente dito quando as chuvas caem constantemente. Ou seja, quando eles plantam logo
nas primeiras chuvas do ano, nos meses de janeiro e fevereiro, corre o risco de ter prejuízo,
pois o inverno pode atrasar ou mesmo não se concretizar, como afirma um dos camponeses
entrevistados:
Aqui em Teixeira a maioria dos agricultor deixa pra plantar mais depois de
março, e ainda corremo o risco de perder as lavoura. O ano passado eu perdi
dois hectare da lavoura do milho consorciado com o feijão. Pra num dizer
que perdi tudo, ainda conseguí colher um saco de cada, mas só deu pra tirar a
semente pro plantio desse ano. (...) tô só esperando a chuva cair de verdades,
(...) essa chuvinha que tá caindo agora eu num confio não, porque já me dei
mal. Eu já plantei, num vou mentir, mais a experiência foi ruim porque deu
aquela chuva no mês de janeiro, como essa agora que a senhora tá vendo, aí
eu fui e plantei e depois a chuva parou e demorou demais a cair de novo, só
veio de novo entre março e abril, aí a minha lavoura nova já tava morta.
Mas também, eu só fiz isso porque uma vez deu certo, mas dessa vez não
deu, então só planto quando o inverno chega. O meu terreno já tá preparado
esperando só o momento certo pra plantar. (Depoimento do camponês José
Alves da Comunidade de Flores. Teixeira-PB. 13/01/2011).
A partir do exposto, nota-se que os cultivos agrícolas são praticados em regime de
sequeiro, os quais dependem da estação do inverno para iniciar o ciclo produtivo. Por essa
razão, eles estão sujeitos a grandes riscos devido à ocorrência de estiagens na estação
chuvosa. Garcia Júnior (1989), ao estudar o calendário agrícola dos camponeses das regiões
do Brejo-Agreste paraibano, percebeu que os camponeses desta região chamam as chuvas de
janeiro a fevereiro de “inverno que não se confia” e as chuvas de março e abril de “inverno
que se confia”.
Levando em conta esses aspectos pode-se concordar que no caso dos camponeses de
Teixeira e de Nova Floresta ocorre o mesmo que foi identificado por Garcia Júnior no Brejo e
Agreste paraibano, ou seja, que a dualidade inverno-verão acaba por comandar o ritmo do
trabalho agrícola bem como o período de fartura e escassez dos produtos. Isto à exceção dos
produtos irrigados cujo ciclo produtivo independe dos fatores da natureza. Contudo, tendo em
vista que a agricultura desenvolvida no sistema de sequeiro não obedece a um calendário
agrícola regularmente programado, devido à má distribuição das chuvas durante o ano todo,
166
todavia, achamos por bem, em elaborar um calendário agrícola para os dois municípios com
base na experiência dos camponeses relatada para nós durante a pesquisa de campo.
No que se refere às etapas do processo produtivo os camponeses de Teixeira e de
Nova Floresta realizam as seguintes:
a) o preparo do solo para o plantio;
b) o plantio;
c) os tratos culturais;
d) a colheita;
e) o beneficiamento de algumas culturas;
e) a comercialização dos produtos. (Organograma 01).
Todas são determinadas não somente pela natureza, mas também pelo mercado e pelo
Estado como bem nos lembra Shanin (1983):
La unidad doméstica campesina funciona como uma pequeña unidad de
producción de recursos muy limitados, estando sujeta em gran manera a lãs
poderosas fuerzas de la naturaleza, el mercado y el Estado (apud
BOMBARDI, 2004, p. 240).
Quadro 01 – Calendário agrícola das principais culturas de Nova Floresta e Teixeira
Culturas
Feijão
Jan.
*
Pa
Fev.
*
Pa
Fava
Pa
Pa
Mandioca
PS
PL
Milho
Pa
Pa
Macaxeira
PS
Batata-doce
PS
Manga
CFE
L
Pa
Maracujá
Caju
Pinha
Graviola
Goiaba
Jaca
Mar
**
PL
L
PL
L
PL
Abr.
**
PL
L
PL
L
L
Mai.
**
C
B
L
PL
L
PL
L
OS
PL
L
PL
OS
PL
PL
Pa
PL
L
CFE
L
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
PL
L
Jun.
**
C
B
C
B
L
Jul.
**
Ago.
**
C
B
L
C
B
L
L
C
B
L
C
B
L
L
C
C
C
L
L
L
L
C
C
C
F
L
L
F
L
L
L
L
C
CFE
L
C
CFE
L
OS
F
L
CFE
L
F
L
F
L
CFE
L
F
L
CFE
L
F
L
CFE
L
L
L
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
Set.
*
L
L
F
L
F
L
F
L
F
L
F
L
Out.
*
C
F
L
Nov.
*
OS
Dez
*
PS
OS
OS
C
PS
OS
OS
167
Seriguela
CFE
L
CFE
L
F
L
F
L
Acerola
Abóbora
CFE
L
OS
CFE
L
PL
PL
Melancia
OS
PL
PL
Limão
CFE
L
Cajá
F
Umbu
Palma
CFE
L
CFE
L
PS
CFE
L
OS
Capim
PS
OS
Abacate
F
L
C
L
C
L
CFE
L
F
L
C
L
C
L
F
L
C
L
C
L
CFE
L
F
L
CFE
L
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
F
F
L
CFE
L
PL
Cd1
PL
F
L
F
L
F
L
F
L
F
L
CFE
L
F
L
L
PpP
Fonte: Pesquisa de campo
Organização: Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
Notas:
* Verão
** Inverno
PS - Preparo do Solo; PL - Plantio;
L - Limpa;
F - Florescimento; C - Colheita; CFE – Colheita de Frutas de Estação; CD1 - Colheita depois
de 1 ano de plantio; B – Beneficiamento da Cultura; PpP – Pronto para o Pasto
168
Organograma 1 – Esquema das tarefas agrícolas nas unidades de produção camponesas de
Teixeira e Nova Floresta-PB
Preparo do solo
Cortar o
Fazer a
gradagem da
terra
mato
Destocar
(Eliminar
tocos)
Plantio
Abrir o buraco
na cova
Plantar
(colocar a semente) Limpas
(Tratos culturais)
Colheita
Beneficiamento
Comercialização
Tarefas agrícolas
Tarefas integrantes
Fonte: Pesquisa de campo
Organização: Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
169
Sendo assim, ao longo deste capítulo, analisaremos o processo de produção realizado
nas unidades de produção camponesas dos mencionados municípios a partir dos dois fatores
indicados por Shanin: natureza (calendário agrícola) e mercado (comercialização da produção
somados aos fatores relacionados a estrutura familiar10) conforme assinalou Chayanov (1974),
que se dá através da combinação do número dos membros da família e a idade produtiva de
cada um deles para saber o quanto se deve produzir. O Estado (políticas públicas), também
assinalado por Shanin será objeto de análise no próximo capítulo. Trataremos agora das fases
do processo produtivo.
Conforme os depoimentos fornecidos pelos camponeses dos dois municípios durante a
pesquisa de campo realizada, sucessivamente, em 2006, 2007, 2008 e 2011, foi possível
construir um quadro expondo o esquema de seqüência das atividades agrícolas das principais
culturas dos municípios de acordo com os meses do ano. O preparo do solo inicia regra geral,
com o corte do mato efetuado pelos homens entre os meses de novembro a dezembro, se
estendendo entre os meses de janeiro a fevereiro. Então, como a maioria dos camponeses
entrevistados são proprietários de suas próprias terras, significa que eles têm liberdade e
autonomia total na escolha do mês que deseja iniciar o processo de trabalho. Nesta operação
os camponeses utilizam como instrumento agrícola a foice e o enxadeco para cortar “os pés de
pau” existentes em seu roçado, e a capinadeira (também denominada de cultivador), o boi, e
os instrumentos de trabalho menores que regra geral os pertencem.
Em seguida, existem duas variáveis de atividades cujas práticas vão depender do tipo
de roçado que os camponeses desejam montar. Referem-se, justamente, as operações
chamadas por eles de gradagem da terra e coivara que neste trabalho merecem ser bem
explicadas:
Aqui é só destocá a terra, é a mesma coisa de desbrocá, a gente derruba o
mato com a foice ou com um enxadeco, e depois manda passar o tratô por
cima com a grade de disco. A gente nem sempre faz a coivara, é muito
difícil, porque o tratô passa por cima dos pau mais resistente. Agora tem vez,
que a gente vê muito pau grosso como a jurubeba, que é um mato muito
grosso, sabe? Aí é o jeito queimar, porque o mato grosso o tratô não
consegue derrubar, aí faz a coivara antes de alugar o tratô pra fazê a
gradagem da terra. A gente faz uma arruma dos mato, juntando tudinho com
um gancho de pau, a chibanca, o enxadeco e depois queima. Mas, aqui na
região, a gente só faz a coivara uma vez quando se vai montar um roçado, dá
um trabalho danado porque se encoivara até duas ou três vez pra poder o
terreno ficar limpo (Depoimento do camponês Francinaldo da Silva. Nova
Floresta. Julho de 2007).
10
Essa relação entre consumidores e trabalhadores será apresentada no item que trata da organização do
trabalho.
170
Na maioria dos roçados de Teixeira e Nova Floresta, por se tratar de terrenos que já
vêm sendo cultivados anualmente e por isso não possuem vegetação arbustiva, é necessário
fazer apenas a gradagem da terra. De acordo com Ormond11 (2006), esta é uma técnica de
limpeza de terreno efetuado por um implemento agrícola chamado grade que consiste em
cortar e enterrar a vegetação com o objetivo de promover a mobilização do solo e incorporar
os restos culturais existentes. Neste município, a gradagem é realizada com o uso da grade de
disco através do aluguel do trator a um camponês vizinho que cobra entre R$60,00 e R$65,00
pelo uso de uma hora. É importante acrescentar também, sobre a ajuda de uma hora de
gradagem grátis fornecida pela Prefeitura local aos camponeses no momento do preparo do
solo para iniciar o ano agrícola. Esta ajuda é bem aceita por todos, mas é julgada insuficiente
pelo pouco tempo de disponibilização do trator.
A prática da coivara não é freqüente entre os camponeses de ambos os municípios,
sendo realizada apenas uma vez ou periodicamente em situações completamente diferentes,
como: no início de montagem de um roçado em área de vegetação nativa ou secundária ou em
terreno que foi cultivado com o sisal ou quando se trata de um roçado que tenha muitos galhos
grossos que o trator no ato da gradagem não consegue derrubar. Nestas situações, a coivara,
que são os “restos de capina ou montinhos de gravetos a que se põe fogo para limpar terreno
de cultura” (ORMOND, 2006, p. 76) provavelmente será repetida tantas vezes quanto for
suficiente para deixar o terreno limpo. Depois da coivara ficam os restos de tocos e raízes que
não foram queimados completamente e serão removidos na destoca para serem encoivarados
e queimados de novo. É este processo de encoivarar, que corresponde ao “ato de empilhar (os
troncos e galhos não queimados de todo), para de novo lançar-lhes fogo (...)” (ORMOND,
2006, p. 77) que exige um maior esforço do camponês que tem o objetivo de deixar o terreno
limpo e já preparado para o plantio.
Mas como já foi dito, a coivara não é muito usada nas unidades de produção
camponesas de Nova Floresta e de Teixeira, os camponeses acham que se trata de uma técnica
agrícola extremamente rudimentar e que leva ao rápido esgotamento do solo, fazendo com
que as terras precisem ficar em descanso por um longo tempo. Então, por possuírem poucos
hectares de terra dão preferência à técnica da gradagem que além de cortar os paus mais
resistentes ainda complementa a adubação do solo incorporando os restos culturais existentes.
11
José Geraldo Pacheco Ormond, é técnico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –
BNDES. Ele elaborou um glossário reunindo conceitos e explicações de verbetes, termos e expressões bastante
usados em atividades da agricultura, da pecuária, da economia, do manejo florestal e das ciências do meio
ambiente, com o objetivo de auxiliar profissionais que desempenham trabalhos nestas áreas.
171
Esse fato é muito importante para efeito deste trabalho, uma vez que deixa nítida nesta
operação agrícola a liberdade e a autonomia que os camponeses têm na escolha de suas
técnicas a serem utilizadas de forma mais ou menos equilibrada com a natureza (solo).
Depois da gradagem se faz a “risca”, utilizando tração animal (usam muito o trabalho
do boi), para “alinhar” o solo, facilitando o trabalho do camponês, que encontra a terra
“preparada”, economizando seu tempo para o cultivo (Fig. 23).
Figura 23
Preparo do solo feito a tração animal. Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/03/2008.
O plantio é uma operação na qual as sementes ou as mudas das plantas são colocadas
no solo depois do mesmo ser revolvido com a gradagem. É justamente nesta etapa que existe
a participação da força-de-trabalho12 de todos os membros da família, inclusive, das mulheres
e das crianças.
O chefe da família vai na frente abrindo o buraco na cova, vai
coviando, com o enxadeco, e a mulher e os filhos vai atrás jogando as
sementes no buraco, e depois vai entupindo o buraco com a terra. Com
a mesma terra que foi tirada do buraco, a gente entope com o pé.
Agora, quem tem a matraca uma pessoa só resolve (depoimento da
camponesa Josineide e Silva Araújo, residente na região semi-árida de
Nova Floresta-PB. 28/07/2007).
12
O trabalho familiar será mais detalhado no item que trata da organização do trabalho.
172
Conforme a fala da camponesa acima, nota-se que existem duas práticas de plantio,
uma é realizada com a ajuda de todos os membros da família quando o pai vai abrindo a cova
e a mãe e os filhos vão em seguida colocando as sementes dentro e cobrindo imediatamente
com a terra que já foi tirada, o que geralmente é feito com os pés. A outra é efetuada com o
uso do instrumento chamado por eles de “matraca”, uma espécie de plantadeira manual que
cava e solta às sementes ao mesmo tempo e seu manuseio é feito somente por uma pessoa.
Observou-se no campo dos dois municípios, que as covas de todos os roçados são
cavadas de maneira que formam carreiras e as distâncias existentes entre os buracos e as
carreiras variam de acordo com o tipo de cultura. As sementes que são utilizadas podem ser
compradas ou estar guardadas desde a colheita anterior, ou seja, quando se dispõe de
depósitos apropriados como o silo ou outros (Fig. 24). Quando não estocam as sementes,
recorrem à compra, insatisfeitos porque preferem a utilização das sementes provenientes dos
seus roçados, não somente pela economia, mas pela certeza de ter existido uma seleção
cuidadosa das melhores. Neste caso, eles têm autonomia na escolha da semente certa para o
plantio de suas culturas.
Apesar do armazenamento de sementes ser uma tradição camponesa que atualmente
está ameaçada devido aos efeitos das novas técnicas provenientes da modernização da
agricultura que lançou no mercado as sementes híbridas ou sementes melhoradas, ainda
encontramos camponeses, como mostra a figura acima, que dão preferência pelas sementes
por eles selecionadas, como forma de garantir o plantio na hora certa bem como reserva de
alimentos em períodos de estiagens. Todos os 76 camponeses entrevistados em Teixeira e
Nova Floresta, afirmaram dar à preferência a estocagem de sementes, o que nos permite
compreendê-la conforme as interpretações de Moreira (2010), isto é, como uma forma de
resistência camponesa ao avanço da modernização da agricultura imposta pelo capital
industrial e financeiro.
173
Figura 24
Camponesa com as sementes selecionadas por ela em sua propriedade. Teixeira-PB. Arquivo:
Silvana Cristina Costa Correia. 11/01/2011.
As limpas e as colheitas variam conforme o ciclo vegetativo de cada cultura (Quadro
1), o que significa que a própria natureza influencia o ritmo de trabalho nas unidades de
produção camponesas. O beneficiamento pode ser manual ou através do uso da máquina
mecânica13 que é restrito somente as culturas do feijão, e do milho.
A produção do feijão, da fava, do milho, da macaxeira, da mandioca e da batata-doce é
destinada em sua maior parte para o consumo da família e quando há excedente é destinada à
comercialização. Um fato nos chamou a atenção em Teixeira, pois dos 35 camponeses que
responderam aos questionários 30 (85,7%) declararam não comercializar tais produtos devido
nunca haver excedente. Isto os distingue dos camponeses de Nova Floresta, pois do total de
41 camponeses, 37 (90,2%) declararam comercializar o excedente dos produtos acima
citados, principalmente o feijão macaçar14 produzido na região semiárida. Em ambos os
municípios, o milho é em sua maior parte destinado a ração animal, a mandioca é beneficiada
e a farinha é quase toda destinada ao consumo. Tanto em Teixeira como em Nova Floresta, os
animais de pequeno porte e a produção de ovos são usados para o consumo da família. Alguns
vendem ovos e outros também comercializam o leite. Os produtos provenientes da
13
Maiores informações sobre a debulhadeira mecânica será exposta no item que faz a descrição das culturas que
são beneficiadas com o uso desta máquina.
14
As duas variedades de feijão: o mulatinho e o macáça são comercializados quando há sobra do produto, pois
na mioria das vezes são guardados para o plantio da próxima safra e para o consumo da família.
174
horticultura e da fruticultura têm como principal finalidade a comercialização, os camponeses
consomem apenas uma pequena parte deixando a maior parte para a venda no intuito de obter
recursos financeiros para adquirir outros produtos que não produzem em seus roçados e para
investir na produção do ano seguinte.
Na pesquisa de campo observamos que o feijão macaçar produzido na região
semiárida e o maracujá produzido na região subúmida são as principais fontes de renda
monetária dos camponeses de Nova Floresta. Enquanto que em Teixeira15, apenas as frutas
tem como finalidade a comercialização e mesmo assim não se compara com o volume da
produção e da comercialização do maracujá no outro município.
A comercialização, via de regra, é efetuada diretamente na unidade camponesa através
dos atravessadores do próprio município ou de municípios vizinhos sendo os mesmos quem
determina o preço. A ausência de uma intermediação do Estado no sentido de possibilitar a
venda direta dos produtos ao consumidor justifica o fato dos camponeses não terem um maior
poder de preço junto aos atravessadores.
A tentativa de vender a produção diretamente à Ceasa não tem dado certo nos dias
atuais, uma vez que já existem atravessadores que vendem o produto em grande quantidade e
com regularidade, o que não é possível para os camponeses que dependem das condições
meteorológicas e de outros fatores que as vezes interferem no volume dos produtos e na
regularidade da comercialização.
Além disso, depois de pago o frete para o transporte da mercadoria, quando os
camponeses chegam na Ceasa o preço que conseguem acaba sendo o mesmo ou mais baixo do
que aquele que normalmente obtém na venda do produto ao atravessador. Então, de fato,
concordamos com Shanin (1983) quando o mesmo afirma que os camponeses não estão
apenas sujeitos às condições da natureza, mas também às determinações do mercado e o apoio
ou não do Estado. Com efeito, observamos que esses três fatores imbricados entre si definem
a forma como se dá a recriação do campesinato de Teixeira e de Nova Floresta (Organograma
2) .
A relação que os camponeses mantêm com o mercado se faz de forma subordinada ao
capital comercial, industrial e financeiro. Podemos citar como exemplo a produção do
maracujá em Nova Floresta cuja renda da terra é apropriada na maioria das vezes pelo capital
industrial e comercial. Vejamos: a primeira apropriação ocorre logo no início do processo
15
De fato, este município tem uma boa vocação para a horticultura e fruticultura irrigada, porém a maioria dos
camponeses analisados não possui recursos financeiros para investir na produção.
175
produtivo através da compra de insumos (fertilizantes químicos), equipamentos para a
irrigação e alguns instrumentos de trabalho que sejam necessários para viabilizar a produção.
Aqui a renda da terra é apropriada pelo capital industrial, haja vista que a compra de insumos
e ferramentas de trabalho não se faz em grandes quantidades e não tem muita freqüência.
Organograma 2 Fatores externos que (re)definem a forma de recriação do campesinato.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 09/06/2011.
A segunda apropriação acontece pela relação estabelecida entre os camponeses e os
atravessadores na comercialização do maracujá. Aqui a apropriação da renda da terra
camponesa se dá pelo capital comercial que subordina a produção. Aliás, esta é uma forma de
monopolização do capital na circulação do maracujá que os camponeses não conseguem
evitar.
Quando os mesmos vendem o maracujá para os atravessadores que o revende para as
Ceasas que imediatamente o revende para outros setores antes de chegar ao consumidor, nesta
movimentação ambos adicionam uma margem de lucro ao maracujá antes do produto final
chegar à sociedade. Neste caso, a renda da terra que foi gerada pelo trabalho familiar dos
camponeses de Nova Floresta está contida no maracujá que ao ser lançado ao mercado foi
apropriado pelos atravessadores e os demais segmentos que não pagaram aos camponeses
pelo seu trabalho efetuado durante a produção do maracujá, mas que ao comprá-lo o
transforma em mercadoria que ao ser vendido é convertido em dinheiro. Esse é o processo
que Oliveira (2002) denomina de produção de capital feito por meio do trabalho camponês.
Não se trata da subordinação do trabalho ao capital, mas da subordinação da produção ao
176
capital durante a sua circulação. Não é o trabalho do camponês, mas o maracujá que gera taxa
de lucro (a mais-valia) aos atravessadores e aos demais segmentos na circulação.
Em suma, este foi um exemplo no qual a renda da terra camponesa foi apropriada
somente pelo capital industrial e comercial, porém existem casos em que os camponeses se
endividam com o banco por meio de políticas de crédito agrícola e transferem a renda da terra
também ao capital financeiro16.
É importante destacar que é somente na circulação do produto (maracujá ou outros
produtos) que acontece a metamorfose da renda da terra em capital, pois durante o processo
de produção os camponeses se recriam com autonomia controlando o seu próprio trabalho e
os meios de produção. O que significa que eles mantém a territorialização camponesa através
de diferentes formas de resistência que minimiza a subordinação da renda da terra ao capital.
Podemos destacar algumas já apresentadas até então, como: a) a diversificação da produção
evitando a penetração de monoculturas; b) a preferência em cultivar produtos conforme a
aptidão dos solos existentes; c) a criação de animais como complemento da renda familiar e
articulada a alguma cultura como forma de evitar maiores gastos; d) a migração temporária
como forma de manter-se enquanto camponês; e) a autonomia camponesa no processo de
trabalho. Todos esses elementos são materializados nas unidades de produção camponesas.
4.2.1.2 As principais culturas agrícolas, seus ciclos e seu processo de produção e
comercialização
Em virtude da grande diversidade dos produtos agrícolas produzidos pelos
camponeses dos municípios analisados, optamos neste item em fazer somente à descrição dos
produtos agrícolas que são destinados em maior parte ao consumo familiar, como o feijão, o
milho, a fava, a mandioca, a macaxeira e a batata-doce, bem como das frutas que são
destinadas à comercialização, como o maracujá, o caju, a pinha e a manga. É importante
ressaltar, que as descrições foram baseadas nos relatos dos próprios camponeses
complementados sucintamente por alguma leitura pertinente a cada cultura.
16
No item que trata do papel do Estado e as políticas públicas será abordado alguns exemplos que mostra a
transferência da renda da terra camponesa ao capital, industrial, comercial e financeiro.
177
a) Cultura do feijão
As unidades de produção camponesas de Teixeira e de Nova Floresta produzem
geralmente três variedades de feijão, quais sejam: o mulatinho; o macaçar e a fava. Eles são
semeados no início do inverno entre os meses de março a abril ou nos meses que precedem o
inverno: janeiro e fevereiro. Do total dos 76 camponeses entrevistados nos dois municípios
apenas 1 não cultiva feijão em sua propriedade17, e os demais cultivam e o considera como
sendo o produto mais importante na alimentação da família.
O feijão macaçar também é chamando pelos camponeses de feijão de corda pela forma
de sua vargem ser bastante comprida e semelhante a uma corda. De acordo com Oliveira18
(2000), seu nome científico é “Vigna Unguiculata” da família das leguminosas “Fabáceas”.
Ele tem uma boa adaptação ao clima semiárido e a diferentes tipos de solos em função das
suas raízes poderem atingir até dois metros de profundidade o que facilita a captação de
umidade no subsolo. Talvez seja por apresentar esses aspectos que o feijão macaçar consegue
se adequar às condições adversas como a seca, a carência de água, a falta de irrigação, a falta
de nutrientes dos solos (Regossolo e Bruno não-cálcico) da região semiárida em Nova
Floresta. Foi justamente nesta região que os dados coletados em campo comprovaram o seu
cultivo em todas as unidades de produção camponesas.
Conforme os depoimentos dos camponeses da região semiárida de Nova Floresta bem
como os do município de Teixeira, o feijão macaçar tem um ciclo vegetativo de 70 a 90 dias e
o seu plantio é feito exclusivamente por sementes após a gradagem do terreno. Durante seu
crescimento são realizadas três limpas com a utilização da enxada e do cultivador manual.
Porém, nas entrevistas observamos que a relação que os camponeses têm com o tempo
durante o ciclo biológico das culturas é muito peculiar. Todos afirmaram que os tratos
culturais são realizados quantas vezes são necessárias para evitar o crescimento de ervas
daninhas. Neste caso, o tempo de trabalho é determinado por dois fatores fundamentais: a
necessidade da reprodução da família e a força da natureza pelas condições climáticas
existentes ou que seja pelo ciclo vegetativo das culturas.
Assim, os camponeses têm tempo livre determinado pelo ciclo do cultivo e pelo fato
de não ter patrão. Recordamos que no primeiro trabalho de campo realizado em maio de 2006
chegamos numa comunidade, a Boi Morto, em plena fase do beneficiamento do feijão
17
Trata-se da propriedade localizada na sede do município de Nova Floresta a qual se dedica somente a
horticultura.
18
Professor Dr. do Centro de Ciências Agrárias da UFPB - Areia.
178
macaçar. Então, a primeira vista resolvemos não aplicar os questionários, mas apenas
observar para não atrapalhar o trabalho deles. Mas, quando os camponeses notaram a nossa
presença, deram as boas vindas e ficaram a nossa disposição sem que tivéssemos pedido que
deixassem o trabalho. Então, tivemos uma conversa informal e comunicamos que voltaríamos
no outro dia para aplicar os questionários conforme o horário mais conveniente para eles.
Então, o que vimos é que eles têm autonomia para determinar o seu tempo, embora o
beneficiamento do feijão seja uma etapa cujas paradas tenham que ser mais restritas devido ao
pagamento pelo uso da máquina debulhadeira, mas se houver necessidade de interromper o
trabalho se faz sem pedir autorização a nenhum patrão. O que significa que não há separação
entre o trabalho e a vida camponesa.
Conforme afirma Bombardi (2004):
Ao contrário dos trabalhadores urbanos, que atribuem aos finais de semana o
tempo de “vida”, ou seja, aquele em que eles podem ser eles mesmos, no
meio camponês não é desta forma, a própria família tem maleabialidade para
impremir a si mesma um determinado ritmo de trabalho em função dos
cultivos que escolhe e da capacidade de trabalho que possui (p. 206).
Na época da colheita do feijão macaçar o ritmo de trabalho é maior, pois é realizada
manualmente podendo ser feita em duas fases do crescimento dos grãos: quando as vargens
ainda estão com os grãos verdes19 e quando as vargens já estão com os grãos secos. Em
ambos os municípios os camponeses dão preferência a colheita dos grãos secos que acontece
entre os meses de maio a junho. Depois de colhido o feijão macaçar passa pelo processo de
beneficiamento (separação do grão da casca) que tradicionalmente era feito de forma manual
e atualmente é mais realizado com a utilização da máquina debulhadeira (Fig. 25).
A máquina debulhadeira20 é acoplada ao trator, possibilitando o seu transporte para
todas as unidades de produção. Nesse caso, o feijão em vargem é inserido na máquina que
possui um sistema de dentes para quebrá-la deixando o feijão solto. A vargem quebrada é
lançada fora através de um sistema de ventilação e o feijão desce limpo por um conduto para
ser depositado em recipientes (latas, baldes), que depois é colocado em saco e pesado para ser
vendido.
19
Quando os grãos estão já desenvolvidos mas apresentam ainda a cor verde, sendo tradicionalmente
denominado no Nordeste de feijão verde.
20
São poucos os camponeses que tem instrumentos de trabalho mais robustos como o trator e a debulhadeira,
constatamos apenas dois em cada município, o que cria uma relação de dependência entre camponeses que não
tem recursos financeiros para comprá-los em relação aos que já compraram.
179
Figura 25
Processo de beneficiamento do feijão com o uso da debulhadeira. Nova Floresta-PB. Arquivo:
Silvana Cristina Costa Correia. 13/05/2006.
Constatamos na pesquisa de campo que os camponeses aproveitam uma parte da
vargem quebrada para a alimentação dos animais e a outra parte mais fina é misturada ao solo
servindo de adubação natural, o que nos revela mais uma forma de resistência ao capital
industrial ao evitar a adubação química em seus cultivos.
A debulhadeira mecânica é alugada no sistema de “conga” no qual de cada 100kg de
feijão debulhado 10 kg (10%) é pago ao proprietário da máquina. Este sistema de pagamento
é antigo, é tanto que o mesmo já foi descrito por Heredia em 1979 quando estudou a forma de
organização interna de algumas unidades de produção camponesa na Zona da Mata de
Pernambuco. A conga descrita por ela funcionava como pagamento em troca do uso da casa
de farinha pelos camponeses. E, esse pagamento poderia ser feito em farinha de mandioca, em
180
dinheiro ou conforme a imposição do dono. Conforme a autora, regra geral, “(...) o preço
estabelecido é uma cuia de farinha para cada dez cuias que se produzam ou, se é pago em
dinheiro, corresponde a um cruzeiro para dez cuias” (HEREDIA. 1979. p. 63).
No debulhamento através do sistema manual21, os camponeses batem com uma vara
na vargem e depois passa o feijão de um recipiente (balde, lata, etc.) para o outro criando um
sistema natural de ventilação. Esse processo manual é pouco utilizado pelos camponeses,
devido à demora na separação dos grãos da vargem.
Em Teixeira, a produção do feijão macaçar22 é destinada principalmente ao consumo
da família camponesa, pois do total das 35 unidades de produção visitadas somente 5
comercializam o excedente da produção. Enquanto que em Nova Floresta o excedente é
comercializado nas próprias unidades de produção com os atravessadores (Figs. 26 e 27) no
valor que varia de R$80,00 a R$150,00 reais o saco de 60 kg23.
Figura 26
Escoamento do feijão macaçar pelos atravessadores.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia, 14/05/2006.
21
Duas famílias camponesas do município de Teixeira ainda preferem o sistema manual para debulhar o feijão.
Somente 5 famílias declaram comercializar o feijão macáça e as outras variedades de feijão aos atravessadores
ao preço de R$ 90,00 a R$ 130,00 o saca de 60kg. Conforme os camponeses, normalmente são vendidos entre 1
a 3 sacos do excedente que é escoado para a feira livre de Patos-PB.
23
Valores de fevereiro de 2011.
22
181
Figura 27
Atravessador negociando à produção do feijão macaçar.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/05/2006.
A autonomia dos camponeses é observada até a fase do beneficiamento do feijão
macaçar (ou de qualquer produto que é lançado ao mercado), já que na comercialização são os
atravessadores quem estabelecem o preço e iniciam o processo de apropriação da renda da
terra que será continuada na circulação do produto até o destino final (Organograma 3).
Organograma 3
Unidade de
produção
camponesa
Feira livre
Nova
Floresta-PB
Atravessador
Feira livre
Jaçanã-RN
Consumidor
Feira livre
Cuité-PB
Circulação do feijão macaçar e de outras variedades de feijão até o seu destino final.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
182
Em cada propriedade camponesa é comum os atravessadores adquirir entre 4 a 6 sacos
(60 kg) da produção excedente do feijão macaçar ao valor determinado por eles que varia
entre R$ 80,00 a R$ 150,00 reais cada saco. Este valor será reajustado quando o produto for
distribuído para os comerciantes das feiras livres de Nova Floresta, de Cuité e de Jaçanã-RN,
bem como quando for revendido para o consumidor final. Então, mesmo diante da
transferência da renda da terra para o capital comercial (atravessadores e comerciantes), o
feijão macaçar proporciona aos camponeses uma renda média anual de R$ 320,00 a R$
600,00 reais. O que revela que a agricultura camponesa que analisamos é regida por
princípios opostos ao da agricultura capitalista e está inserida na lógica de produção simples
de mercadoria, na qual os camponeses não visam fundamentalmente o lucro, mas apenas
comercializam o excedente da produção para comprar outros produtos que são considerados
necessários para a recriação da família e o que os mesmos não produzem.
Outra variedade do feijão bastante cultivada em Teixeira e Nova Floresta é o
mulatinho, que segundo Oliveira (2000) faz parte da mesma família das leguminosas
“fabáceas”, porém seu nome científico é “Phaseolus Vulgares”. Trata-se de um tipo de
feijão completamente diferente do feijão macaçar, pois necessita de uma maior quantidade de
água para se desenvolver devido suas raízes serem superficiais. Por isso, que durante as
entrevistas a maioria dos camponeses da região semiárida declararam não cultivá-lo devido o
solo não ser muito apto para o seu cultivo. Constatamos a sua produção em 25 unidades de
produção camponesas de Nova Floresta localizadas nas comunidades rurais da região
subúmida. Em Teixeira somente as 35 unidades de produção camponesas que visitamos
produzem o feijão mulatinho e seu destino é quase que totalmente para o consumo familiar.
Conforme os relatos dos camponeses de ambos os municípios, o feijão mulatinho
cresce em forma de pequenos arbustos e durante seu crescimento são realizadas de duas a três
limpas. O seu ciclo é igual ao do feijão macaçar entre 70 a 90 dias e o seu plantio também é
realizado nos meses de março e abril ou conforme os meses que precedem o inverno. Porém,
existem duas características específicas que o diferencia completamente do feijão macaçar,
quais sejam: a forma de colher e o seu amadurecimento uniforme. A colheita é realizada de
uma só vez arrancando-se toda a planta pelo pé. Por isso, que localmente ele é denominado de
“feijão de arranca” como afirma a camponesa Dona das Dores:
A colheita do feijão mulatinho é arrancando pé por pé com as mãos. A gente
arranca fazendo uma ruma, um paió, sabe? E depois agente coloca tudo junto
pra secar pra depois debulhar com a máquina. Já o feijão macaçar, a gente
apanha baje por baje com as mãos, é mais trabalhoso do quê o outro.
183
(Depoimentos da camponesa Maria das Dores da Silva. Nova Floresta-PB,
29/07/2007).
A média do excedente que se vende em cada propriedade camponesa é entre 3 a 5
sacos no valor que varia entre R$ 80,00 a R$ 100,00 reais o saco pesando 60 kg,
proporcionando uma renda média anual de R$ 240,00 a R$ 400,00. O sistema de
comercialização e escoamento é o mesmo do feijão macaçar, o atravessador compra o feijão e
depois revende para os comerciantes das feiras livres dos municípios vizinhos.
A fava também é cultivada nos dois municípios, é caracterizada pelos camponeses
como sendo uma leguminosa que produz vargens grandes e seus grãos são completamente
diferentes das outras variedades de feijão: são grossos, ovulados e achatados. O seu plantio
inicia-se na mesma época do feijão macaçar e do feijão mulatinho, entre os meses de março a
abril. O seu ciclo vegetativo é de 90 dias, precisando de três limpas durante o seu crescimento.
A colheita é realizada da mesma forma que o feijão mulatinho: arrancando-se o pé completo
da planta.
A comercialização do excedente não ultrapassa de dois sacos vendidos mais caro do
que as outras variedades, custa em média de R$ 100,00 a R$ 150,00 reais o saco de 60 kg. O
escoamento da produção se faz conforme o organograma 3, o qual mostra a circulação das
variedades de feijão cultivada em Nova Floresta. Em Teixeira a comercialização do excedente
do feijão macaçar, do feijão mulatinho e da fava é muito baixa, somente 5 unidades de
produção comercializam com os atravessadores que escoam a produção para o município de
Patos-PB.
Entretanto, na pesquisa de campo foi notória a diferença no que se refere ao percentual
das unidades de produção camponesas de Nova Floresta e Teixeira que comercializam o
excedente das variedades de feijão. Em nova Floresta, por exemplo, das 41 unidades de
produção camponesas que visitamos 37 (90%) delas consomem e comercializam o excedente
(Gráfico 9). Enquanto que em Teixeira do total de 35 unidades de produção somente 5 (14%)
consomem e comercializam, as demais produzem apenas para o consumo direto da família
(Gráfico 10).
184
Gráfico 9
Fonte: Pesquisa de campo.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
Gráfico 10
Fonte: Pesquisa de campo.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
A comercialização do excedente das variedades de feijão proporciona uma renda
média anual aos camponeses de R$ 760,00 a R$ 1.300,00.
185
b) Culturas do milho, da mandioca e da batata-doce
O milho nos municípios estudados é produzido em consórcio com a cultura do feijão
(Fig. 28). O seu plantio ocorre no início do inverno entre os meses de março e abril e seu ciclo
produtivo dura aproximadamente três meses.
Figura 28
Produção consorciada de milho e feijão. Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/02/2011.
A colheita do milho é feita manualmente retirando-se espiga por espiga e apresenta
semelhança com a colheita do feijão macácar porque pode ser realizada em duas fases do
crescimento das espigas: ou ainda verde ou quando estiver seca. Conforme as observações e
entrevistas realizadas durante os trabalhos de campo, constatamos a preferência pela colheita
do milho verde, devido seu consumo in natura ser maior, sobretudo nos meses de junho e
julho que coincide com as festas juninas. A outra parte das espigas que são colhidas secas
quebra-se o talo de sua planta e deixa no roçado por mais três meses. Em seguida, o milho
seco é colhido e beneficiado igual ao feijão através do aluguel da máquina debulhadeira. A
produção do milho em Teixeira é totalmente destinada ao consumo da família e dos animais
de criação de pequeno porte. Enquanto que em Nova Floreste 9 (22%) camponeses
declararam vender o excedente do milho para os atravessadores (Gráfico 11) no valor de R$
50,00 o saco de 60 kg. Geralmente são vendidos de 3 a 4 sacos que proporciona uma renda
anual de R$ 150,00 a R$ 200,00.
186
O predomínio das unidades de produção que não comercializam o excedente do milho
é explicado entre outras razões pelo fato delas possuírem animais de criação, como: gado,
porcos, aves e outros que se alimentam do milho ou de derivados provenientes dele.
Outra cultura cuja produção é destinada quase que exclusivamente ao consumo
familiar é a mandioca. Em ambos os municípios se cultiva duas variedades: a mandioca
amarga e a mandioca mansa conhecida como macaxeira.
Gráfico 11
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
De acordo com Heredia (1979):
Ambas são semelhantes tanto no seu aspecto como por possuírem um
mesmo ciclo agrícola. A diferença consiste em que a mandioca amarga deve
passar por um processo que extrai dela a substância tóxica, sendo consumida
como farinha depois de moída, enquanto a macaxeira pode ser aproveitada
sem que seja necessária essa transformação (HEREDIA, 1979.p. 61).
Conforme os depoimentos dos camponeses o plantio da mandioca é iniciado logo após
o início da chuva, no período compreendido entre janeiro e fevereiro, e ainda se estende até o
mês de julho. O desenvolvimento vegetativo da planta apresenta uma variação de 12 a 18
meses a depender de vários fatores, tais como: a) o tipo de solo; b) a freqüência de chuva; c)
os adubos utilizados no solo; d) o cultivo consorciado de outras culturas. Durante o
crescimento da mandioca são realizadas até cinco limpas logo após cada chuva. A sua colheita
se dá a partir de sua maturação. Porém, no decorrer dos relatos, verificamos uma
187
particularidade no processo de produção da mandioca denominado pelos camponeses de
“esgotar a mandioca”. “Esgota-se a mandioca” quebrando-se o seu talo caso ela não seja
colhida quando estiver madura. Essa operação foi encontrada entre os camponeses estudados
por Heredia (1979) a qual foi explicada da seguinte forma:
Se a mandioca não vai ser colhida quando madura, logo após alguma chuva
arranca-se o talo (maniva), deixando o bulbo enterrado, esta operação é
chamada de “esgotar a mandioca”. Neste caso, o esgotamento favorece o
crescimento da raiz enquanto os talos cortados são utilizados como sementes
para novas plantas. (...) após algumas limpezas, dentro de quatro ou cinco
meses, a planta já apresenta novas folhas e então o tubérculo estará
novamente em condições de ser colhido (HEREDIA. 1979. p.61-62).
Assim, a semente da mandioca é proveniente do pedaço do talo arrancado,
denominado de maniva. De acordo com Heredia existem duas formas de obtê-la na colheita:
a) uma é quando se arranca toda a planta cortando-se os talos que serão guardados e
conservados até no máximo quatro meses para serem plantados; b) a outra consiste no ato de
cortar os talos deixando-os enterrados no roçado sendo essa forma a que assegura um maior
rendimento à nova planta.
A colheita da mandioca em Nova Floresta e em Teixeira é realizada pelos chefes de
famílias de duas maneiras: uma manualmente e a outra através do uso da matraca (picareta).
Porém, a forma manual é a mais utilizada entre eles, através do arranquio das raízes da planta.
Após ser colhida é beneficiada na casa de farinha. Em Teixeira a comunidade Fava de Cheiro
se destaca na produção de mandioca. Segundo os camponeses o tipo de solo (Regossolo)
existente é apto ao cultivo desta cultura, por isso que eles dedicam a maior parte de seu
roçado ao seu plantio.
A maior parte da produção é destinada ao consumo da família em forma de farinha, a
qual também é vendida aos camponeses de comunidades próximas. Nas primeiras semanas de
cada mês alguns camponeses desta comunidade organizam a festa “Saberes e Sabores da
Mandioca” em que os produtos derivados desta cultura são comercializados localmente,
como: a farinha, a goma para fazer tapioca, o polvilho, o beju, o bolo de mandioca, além de
outros produtos que proporciona uma pequena renda monetária que ajuda na reprodução da
família.
A casa de farinha desta comunidade é utilizada pelas famílias que contribuem
mensalmente com um valor de R$ 3,00 reais à Associação dos Pequenos Agricultores da
Comunidade de Fava de Cheiro. Das 4 unidades de produção que visitamos todas produzem
188
a mandioca e comercializam o excedente ao valor de R$ 1,50 reais o saco de 1 kg. Os
camponeses não souberam informar quantos sacos são vendidos por safra, por isso não
sabemos informar o valor da renda média anual que este produto proporciona a cada família.
Em Nova Floresta das 41 famílias, 20 produzem a mandioca, mas somente duas
possuem casa de farinha onde os vizinhos produzem farinha em troca do pagamento de uma
conga equivalente à terça parte da produção do produto beneficiado. A produção é totalmente
voltada para a alimentação da família e dos animais de criação.
Em ambos os municípios também se cultiva a macaxeira (Figs. 29 e 30) que tem o
mesmo ciclo vegetativo da mandioca e as etapas do processo produtivo são iguais. A sua
importância nos roçados está relacionada ao consumo direto da raiz sem que seja beneficiada.
Figuras 29 e 30
Cultivo de macaxeira e macaxeira após ser colhida manualmente pelo camponês.
Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
Na pesquisa de campo observamos que nas mesmas unidades de produção em que se
produz a mandioca também se cultiva a macaxeira. Em Nova Floresta as 20 famílias que
declararam cultivar a mandioca também produzem a macaxeira, enquanto que em Teixeira o
seu cultivo se faz presente na comunidade Fava de Cheiro na qual entrevistamos 4 famílias
189
que afirmaram cultivá-la em seus roçados. A concentração da produção de mandioca numa
única comunidade é explicada pela preferência dos camponeses das outras comunidades pelo
cultivo da batata-doce. O seu plantio ocorre no início das chuvas entre os meses de março a
abril e consiste na etapa de enterrar manualmente uma parte da rama (muda) no solo (Fig. 31).
Normalmente são realizadas de 3 a 5 limpas até a colheita que ocorre entre 110 a 150 dias
após o plantio. Entre as unidades de produção camponesas que visitamos em Nova Floresta
não identificamos o cultivo da batata-doce. A sua produção nas unidades de produção que
visitamos no outro município é totalmente voltada para o consumo direto da família.
Figura 31
Plantio da batata-doce no Assentamento Poços de Baixo em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2011.
Em suma, das culturas alimentares que foram descritas até então, verifica-se que
somente o excedente das variedades de feijão cultivadas em Nova Floresta proporciona uma
pequena renda monetária as famílias que comercializam o excedente dos produtos. As demais
culturas, via de regra, são destinadas ao consumo das famílias e dos animais de criação. Em
Teixeira identificamos um campesinato quase sem relação mercantil, pois com exceção da
venda do excedente da farinha de mandioca e de seus derivados na Comunidade de Fava de
Cheiro e do excedente das variedades de feijão que identificamos em 5 unidades de produção,
os demais produtos não são comercializados. Os camponeses preferem comercializar algumas
frutas como veremos a seguir.
190
c) Cultura do maracujá
Na pesquisa de campo não identificamos o cultivo de maracujá no município de
Teixeira, mas apenas no município de Nova Floresta. Neste município, do total dos
camponeses entrevistados 28 cultivam o maracujá em suas terras, sendo que 22 fazem o
cultivo na região subúmida e somente 6 cultivam na região semiárida (Gráfico 12).
Gráfico 12
Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
Dos 28 que cultivam o maracujá, 20 utilizam a irrigação na região subúmida e
somente 2 fazem o cultivo de sequeiro nesta mesma região. Dos 6 que cultivam na outra
região todos produzem no sistema de sequeiro por não terem recursos financeiros para investir
no sistema de irrigação que exige equipamentos modernos e mão-de-obra contratada. O
método de irrigação utilizado no cultivo do maracujá na região subúmida é denominado de
“xique-xique”. Utiliza-se uma mangueira que acompanha a fileira de plantas e que tem
pequenos orifícios por onde a água passa e cai em forma de gotejamento. Os camponeses por
questão de economia fazem apenas duas ou três irrigações semanais para a planta ficar sempre
molhada.
O plantio do maracujá de forma irrigada pode ser feito em qualquer época do ano, mas
se for ao sistema de sequeiro as mudas devem ser plantadas logo no início das primeiras
chuvas (Quadro 1). Conforme os camponeses, o plantio é realizado por meio de sementes que
podem ser compradas ou retiradas da própria fruta. Para fazer as mudas os camponeses usam
sacos plásticos para colocar a mistura da terra com o esterco do gado do próprio curral. Em
191
seguida, coloca-se a semente dentro do saco e depois de 30 a 45 dias quando estiverem com
15 a 25 centímetros de altura estarão prontas para serem transplantadas.
Os camponeses
colocam o adubo numa cova medindo 40 cm de largura por 40 cm de comprimento. A muda
do maracujá só é plantada a partir de 15 a 20 dias devido ao risco de amarelar ou da planta
morrer devido à fermentação do solo. Após o plantio com aproximadamente 30 dias a planta
começa a se desenvolver. São realizadas três limpas até o período de colheita.
Dito de outra forma:
No plantio do maracujá a gente faz as mudas, compra as sacolinhas pra
botar o adubo de esterco do gado (...). Depois a semente é colocada dentro e
depois de uns 45 dias a muda já tá com uns 15 ou 25 centrímetro de
tamanho, e, aí se faz o transplante. A gente coloca lá dentro da cova que já
tá feita e adubada. A gente prepara a cova e vai colocando o adubo orgânico,
sabe? Do mesmo jeito que se fez na sacola. Sempre preparo a cova por 40
cm de largura e 40cm de comprimento, essa cova é onde planta a muda.
Assim, a gente prepara o terreno, limpa ele e cava e bota o esterco e só
depois de uns 15 dias que a gente bota a muda, porque se plantar logo a
muda amarela e morre. Os técnicos explicou pra gente que é devido a
fermentação, sabe? Aí a planta vai crescer, e se precisar de mais adubo a
gente bota. Depois de seis mês é que tá bom (depoimento do camponês
Genário Francisco dos Santos. Nova Floresta-PB, 14 de maio de 2006).
De acordo com os camponeses, quando o maracujá se encontra maduro ele cai
espontaneamente do pé e é colhido no chão. A produção tem duas safras por ano sendo
realizadas duas colheitas anualmente. O destino da produção é puramente comercial, os
camponeses consumem apenas o excedente caso a produção não seja comercializada
totalmente.
A comercialização, via de regra, é realizada através dos atravessadores24 que adquirem
a produção dos camponeses em suas unidades de produção para revender na CEASA de Natal
– RN, na EMPASA de Campina Grande-PB, nas feiras livres de Caicó-RN, Acarí- RN, e
numa indústria de polpa de fruta localizada no município de Jaçanã - RN (Organograma 4). O
preço do quilo do maracujá varia entre R$ 0,90 a R$ 1,50 reais. Neste caso, de acordo com os
técnicos da EMATER, um camponês que destina 2 hectares de terra para a produção do
maracujá poderá ter uma produtividade de 15 toneladas do produto. O que proporciona uma
renda média anual de R$ 13.500,00 a R$ 22.500,00 reais.
24
Conforme já foi dito anteriormente, a produção do maracujá passa de mãos em mãos até chegar ao consumidor
final, o que explica que vários segmentos da sociedade se apropriam da renda da terra contida no produto feito
pelo trabalho dos camponeses.
192
Do ponto de vista econômico os camponeses que cultivam o maracujá na região
serrana de Nova Floresta por estarem mais vinculados ao mercado diferem dos camponeses da
região semiárida e dos camponeses de Teixeira que vivem num sistema econômico mais
voltado para a produção de culturas tradicionais para atender as necessidades básicas das
famílias. Todavia, os camponeses maracujazeiros de Nova Floresta estão mais subordinados
ao capital industrial e comercial do que os camponeses da região semiárida e de Teixeira. Em
contrapartida estes estão com mais autonomia no processo produtivo do que aqueles, dado
que ao se conformar com a realidade econômica existente ficam quase livres da sujeição do
capital industrial, comercial e financeiro. Por isso que para efeito deste trabalho não achamos
oposição entre conformismo e resistência, ao contrário, são dimensões imbricadas num
mesmo processo. Afirmamos isso porque encontramos uma maior diversificação de culturas e
maior presença da força de trabalho familiar nas unidades de produção que não produzem o
maracujá.
Não queremos dizer que os camponeses maracujazeiros estão em processo de
enriquecimento e que vão se transformar em capitalistas conforme os prognósticos da
diferenciação social defendida por Lênin (1982), pois acreditamos que o destino final da
produção não é capaz de defini-los como camponês ou não, mas a presença do trabalho
familiar, a pequena utilização da mão-de-obra contratada e autonomia no processo de
produção é que são elementos determinantes para caracterizá-los como camponeses. O que
estamos evidenciando é que os camponeses de Teixeira estão se recriando sem que haja a
sujeição da renda da terra ao capital por resistirem ao se conformar com a situação econômica
que o circunda desde tempos remotos.
O maracujá cultivado pelos camponeses de Nova Floresta é o da espécie amarela, o
preferido na fabricação de sucos, de polpas e remédios naturais. É por isso que ele tem uma
boa aceitação no mercado, geralmente os atravessadores passam duas vezes por semana nas
unidades de produção camponesas para comprá-los.
193 Organograma 4
CEASA
RECIFE-PE
Unidade de
produção
camponesa
EMPASA
Campina Grande
PB
Atravessador
Consumidor
CEASA Natal
RN
Indústria de
polpa de fruta
Jaçanã - RN
Supermercados
Mercadinhos
Feiras livres:
 Caicó-RN  Acarí-RN Circulação da produção do maracujá de Nova Floresta-PB. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
194
d) Culturas do caju, da pinha e da manga
O caju também ocupa lugar de destaque dentre as plantas frutíferas dos municípios
analisados. Conforme os questionários aplicados na pesquisa de campo, identificamos a
produção do caju em regime de sequeiro em 29 unidades de produção camponesas em Nova
Floresta (contendo em média de 3 a 5 pés por unidades de produção), sendo 20 localizadas na
região semiárida, 9 na região serrana e 23 no município de Teixeira. Segundo os camponeses
de ambos os municípios os cajueiros foram germinados por sementes e passaram em média
três anos para começar a produzir. A cada ano tem uma safra, com exceção do cajueiro anãoprecoce cultivado em Nova Floresta que tem duas safras anualmente. Como se trata de uma
cultura permanente, os tratos culturais são realizados depois do florescimento da planta que
consiste: na retirada de ervas daninhas; na adubação com o esterco do gado e no coroamento
nas proximidades da base das plantas.
Em Teixeira a produção do caju é destinado para fins comerciais, a colheita é feita
manualmente após 4 meses do florescimento (Quadro 1). A fruta é colhida no chão (Fig. 32) e
vendida aos atravessadores que vão até as unidades de produção camponesas para comprar a
fruta in natura e a castanha para revendê-las nas feiras livres dos municípios paraibanos de
Patos e Maturéia, na Paraíba e São José do Egito em Pernambuco.
Figura 32
Colheita do caju numa unidade de produção camponesa de Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 12/01/2011.
Na pesquisa de campo os camponeses declararam comercializar o quilo da castanha do
caju ao preço de R$ 1,00 real, assim o saco de 60 kg custa R$ 60,00 reais. Então se eles
195
vendem entre 10 a 15 sacos por ano como afirmaram, pressupõe-se que obtêm uma renda
média anual entre R$ 600,00 a R$ 900,00 reais. O pedúnculo comestível é vendido ao preço
de RS 2,00 reais cada caixa de 20 kg. Normalmente, são vendidas entre 15 a 20 caixas, o que
proporciona uma renda anual de R$ 30,00 a R$ 40,00 reais.
Em Nova Floresta o caju é um produto totalmente comercial, sua produção se faz
presente nas duas regiões naturais com destaque para o cultivo na região semiárida. A colheita
é feita da mesma forma do município de Teixeira, os camponeses colhem os frutos caídos no
chão. A comercialização, via de regra, também é realizada através dos atravessadores que
compram a castanha ao preço de R$ 78,00 o saco de 60 kg. Os camponeses declararam vender
de 15 a 20 sacos de castanha, o que lhes rende em média anual de R$ 1.170,00 a R$ 1.560,00
reais. A castanha é escoada para as feiras livres dos municípios vizinhos do Rio Grande do
Norte, quais sejam: Caicó, Acarí, e Parnamirim. Já o pendúculo é vendido a R$ 2,20 a caixa
de 20 kg. Eles vendem em média de 10 a 20 caixas que proporciona uma simbólica renda de
R$ 22,00 a R$ 44,00. O pendúculo é escoado para uma fábrica de polpa de fruta localizada no
município de Jaçanã no Rio Grande do Norte denominada de “Incaju”.
Outra fruta que se destaca nas unidades de produção camponesas dos dois municípios
é a pinha, sobretudo na região semiárida do município de Nova Floresta, onde vem sendo
cultivada em substituição ao cultivo de maracujá de sequeiro. De acordo com a pesquisa de
campo, a produção de pinha se faz presente em apenas 15 unidades de produção camponesas
em Nova Floresta, sendo 11 na região semiárida e somente 4 na região serrana. Em Teixeira
esse número baixa para apenas 9 unidades de produção. Em ambos os municípios são em
média de 2 a 3 pés plantados por propriedade. A propagação foi feita de forma extensiva (sem
nenhum uso de tecnologias) e em áreas esparsas nos quintais ou nos arredores das casas.
Segundo os camponeses entrevistados, a pinha é germinada por sementes e demora 3 anos
para produzir. A fruta amadurecida é apanhada manualmente no pé da planta e destinada ao
consumo da fruta in natura pela própria família camponesa em Teixeira e comercializada em
Nova Floresta. A venda é feita diretamente ao atravessador que escoa a produção para o
estado do Rio Grande do Norte. As pinhas são vendidas ao preço de R$13,00 a caixa com 80
pinhas grandes, e a R$ 8,00 a caixa com 200 pinhas pequenas. As mesmas proporcionam uma
renda anual aos camponeses de R$ 120,00 a R$ 221,00 reais, já que são comercializadas em
média de 15 a 17 caixas. Como se trata de uma lavoura permanente, a colheita inicia-se 4
meses depois do florescimento (Quadro 1) e depois que as folhas caem, os camponeses se
dedicam aos tratos culturais com a retirada de alguns matos, a adubação (feita uma vez por
ano utilizando o esterco do curral) e após a colheita procede-se a poda de limpeza.
196
Da mesma forma que a pinha, a manga também é pouco produzida pelos camponeses
de Nova Floresta e de Teixeira. Conforme a pesquisa de campo, a mesma se encontra em
áreas esparsas nas unidades de produção camponesas de ambos os municípios. Em Nova
Floresta identificamos a mangueira em apenas 9 unidades de produção, sendo 3 na região
semiárida e 6 na região serrana. Já em Teixeira observou-se a presença de um número maior
de mangueira (encontramos em 12 unidades de produção as quais não comercializam a fruta).
Nas unidades de produção camponesas de ambos os municípios encontramos em média de 1 a
2 pés de mangueira.
Segundo os camponeses, o plantio foi realizado através de mudas das variedades
espada e rosa. Geralmente, a primeira colheita ocorre a partir do segundo ano depois do
plantio e se prolonga por dois meses. Os tratos culturais são realizados depois do
florescimento e da colheita e compreende as seguintes tarefas: a) a retirada de ervas daninhas;
b) a adubação com o esterco do gado; c) a poda de limpeza. É comum em Nova Floresta os
camponeses venderem de 4 a 5 sacos de mangas ao preço de R$ 70,00 reais o saco de 60 kg.
Neste caso a produção desta fruta proporciona uma renda média anual de R$ 280,00 a R$
350,00 reais. A fruta é consumida in natura e comercializada através da mediação dos
atravessadores que escoa para as feiras livres de Cuité-PB, Jaçanã-RN e Picuí-PB.
A comercialização é entendida neste trabalho como necessária para a recriação dos
camponeses, uma vez que os produtos provenientes do roçado não cobrem todo o conjunto de
bens reconhecidos socialmente como necessários ao consumo da família, isto é, existem bens
que se consomem, mas que não são produzidos por eles, como o café, a carne, o açúcar, o sal,
além das roupas, dos calçados, dos materiais escolares entre outros. Portanto, para a aquisição
destes produtos é necessária a venda do excedente da produção e das frutas que são
produzidas com esta finalidade. Os camponeses analisados estão inseridos na lógica de
produção simples de mercadoria, os quais comercializam parcialmente os seus produtos para
adquirir bens que são necessários à recriação da família.
A organização da produção nas unidades de produção camponesas de Nova Floresta e
de Teixeira expressa formas de resistência e de recriação camponesa contraditórias à lógica
capitalista de produção, como: a) o aproveitamento das vargens quebradas do feijão macaçar
na alimentação dos animais e na adubação do solo; b) o pagamento pelo uso da debulhadeira
mecânica através do sistema de conga que possibilita aos camponeses beneficiarem o feijão e
pagar com o próprio produto beneficiado, c) a comercialização do excedente do feijão
macaçar, do feijão mulatinho, da fava, da mandioca, do maracujá, do caju, da pinha e da
manga, d) o aproveitamento da produção do milho na alimentação dos animais de criação de
197
pequeno porte, e) o cultivo no sistema de sequeiro. Todos esses elementos são materializados
na organização interna das unidades de produção camponesas.
A partir dessas breves considerações sobre os principais produtos agrícolas cultivados
pelos camponeses nos mencionados municípios, concluímos que a diversificação de culturas é
uma das principais formas de recriação camponesa porque assegura colheitas em épocas
diferentes entre si. Por exemplo, o cultivo das frutas no sistema de sequeiro garante colheitas
em épocas diferentes das colheitas do feijão macaçar, do feijão mulatinho, da fava, do milho,
da macaxeira, da mandioca e da batata-doce (Quadro 1).
Na pesquisa de campo, conforme mostra a foto abaixo, identificamos um modelo de
ordenamento territorial numa propriedade camponesa de Nova Floresta que mostra a
versatilidade na diversificação das culturas. Nesta propriedade encontramos o chefe da família
no período da tarde colhendo a macaxeira de seu roçado após ter passado o período da manhã
preparando o solo para o plantio do milho consorciado com o feijão. O solo preparado
aguardando a chuva cair para ser plantado o feijão e o milho está localizado entre as lavouras
da macaxeira e do maracujá irrigado. Este garante colheitas em épocas que as demais culturas
não estão sendo cultivadas ou não estão em fase de colheita. Perto do maracujá, no lado
direito da figura 33, está localizado o cultivo de palma forrageira destinada a alimentação de
três cabeças de gado existentes na propriedade: um boi, uma vaca e um bezerro. Ao lado do
curral25 dos animais encontra-se o cultivo de capim elefante também destinado para o pasto
dos animais de criação. As frutas encontram-se espalhadas ao redor da casa e no quintal.
25
O curral dos animais de criação, as frutas e as aves não está visível na fig. 30, mas será apresentada em forma
de croqui posteriormente.
198 Figura 33
Maracujá irrigado
Palma forrageira
Solo preparado para o
plantio do milho
consorciado com o
feijão
Macaxeira
Ordenamento territorial de uma unidade de produção camponesa da região serrana de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
199
A forma de organização interna das unidades de produção camponesas de Nova
Floresta e de Teixeira foi recuperada através de uns croquis que mostram a diversificação de
culturas como uma forma de resistência ao capital que permite a recriação do campesinato
analisado. (Croquis 1, 2, 3).
200 Croqui 1
LEGENDA
Macaxeira
Maracujá irrigado
Poço
Cajueiro
Banheiro
Palma forrageira
Mangueira
Casa
Cisterna
Solo preparado para o
milho consorciado com
feijão mulatinho
Solo preparado para o
milho consorciado com
fava
Cultivo de capim elefante
Galinheiro
Depósito
Curral
Croqui sem escala
ESTRADA
Org. por:
Silvana Cristina Costa Correia
Richarde Marques da Silva
Agosto de 2011
Exemplo da ordenação territorial de uma unidade de produção camponesa localizada na Comunidade Montevideu na região subúmida/serrana de
Nova Floresta-PB.
201 Croqui 2
LEGENDA
Poço
Macaxeira
Mandioca
Casa
Cajueiro
Graviola
Cisterna
Pinha
Palma forrageira
Cultivo de milho consorciado
com feijão macaçar
Galinheiro
Lajedo
Curral
Cultivo de capim elefante
Maracujá de sequeiros
Croqui sem escala
ESTRADA
Org. por:
Silvana Cristina Costa Correia
Richarde Marques da Silva
Agosto de 2011
Exemplo da ordenação territorial de uma unidade de produção camponesa localizada na Comunidade de Boi Morto na região semiárida/caatinga de
Nova Floresta-PB.
202 Croqui 3
LEGENDA
Macaxeira
Galinheiro
Cajueiro
Jaqueira
Mangueira
Poço
Milho
Casa
Cisterna
Milho consorciado com
feijão mulatinho
Feijão Macaça
Batata-doce
Lajedo
Depósito
Croqui sem escala
ESTRADA
Org. por:
Silvana Cristina Costa Correia
Richarde Marques da Silva
Agosto de 2011
Exemplo da ordenação territorial de uma unidade de produção camponesa localizada na Comunidade de Sabonete em Teixeira-PB.
203
Alguns fatores são fundamentais na escolha das culturas a serem inseridas nas
unidades de produção camponesas, quais sejam: a) os conhecimentos adquiridos ao longo do
tempo; b) a troca de experiência entre os vizinhos; c) o tamanho das unidades de produção; d)
a disponibilidade de recursos financeiros das famílias; e) os recursos naturais existentes na
propriedade, entre outros.
Com base no exposto confirma-se que a resistência e a recriação camponesa em
Teixeira e Nova Floresta pelo viés da organização da produção é algo concreto e bastante
singular. Dessa forma pode-se desde já afirmar a tese de que o campesinato nos municípios
estudados não desapareceu, bem ao contrário, vem se transformando ao longo do tempo e se
adequando às novas dinâmicas territoriais e aos limites e potencialidades do meio.
Além da organização da produção, outros fatores como a organização do trabalho, a
ação de agentes externos e os aspectos culturais também são determinantes dessa resistência e
recriação como será visto no capítulo seguinte.
CAPÍTULO V
RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA: A
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, A AÇÃO DE
AGENTES EXTERNOS, OS COSTUMES E
VALORES CAMPONESES
205
5 RESISTÊNCIA
E
RECRIAÇÃO
CAMPONESA:
A
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, A AÇÃO DE AGENTES
EXTERNOS, OS COSTUMES E VALORES CAMPONESES
Os camponeses também se recriam a partir de diversas formas de trabalho. Além
disso, para poderem dar conta de algumas etapas do processo produtivo eles também
contratam trabalhadores. O papel do Estado nesse processo se dá através de políticas públicas
e da ação de seus organismos e instituições. ONGs também têm atuado no sentido de
contribuir e possibilitar novas formas de resistência e recriação camponesa. Além disso, as
formas de recriação e resistência camponesa não podem ser reduzidas apenas à dimensão
econômica, uma vez que também estão vinculadas às dimensões culturais, sociais, políticas e
ideológicas. São estes aspectos que serão abordados neste capítulo.
5.1. A organização do trabalho
Em Teixeira, do total dos camponeses entrevistados 25 são proprietários de suas terras
e os demais trabalham nas condições de parceiro e de produtor em terra cedida por parentes
(Gráfico 13). Em Nova Floresta, 27 camponeses são proprietários e os demais são parceiros
ou trabalham em terra cedida por parentes (Gráfico 14).
206
Gráfico 13
Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 20/06/2011.
Gráfico 14
Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 20/06/2011.
Observamos no interior das unidades de produção camponesas uma pluralidade e uma
combinação de várias formas de trabalho que vão desde o trabalho familiar, ao sistema de
parceria, ao trabalho assalariado temporário, ao trabalho “acessório”, e ainda a combinação do
trabalho na terra com outras atividades não agrícolas como o pequeno comércio, o serviço
público e a docência em escola pública. Essas diversas formas de trabalho são bastante
valorizadas nas unidades de produção camponesas porque é por meio delas que as famílias se
recriam. Neste caso, elas surgem como forças locais materializadas nas unidades de produção
207
que expressam resistências a forma de trabalho assalariada tipicamente capitalista como
veremos a seguir.
5.1.1 O trabalho familiar
Nos dois municípios estudados o trabalho familiar é predominante e caracteriza-se
pela utilização da força-de-trabalho dos membros da família (pai, mãe, filhos e outros
parentes) tendo por finalidade a garantia da sobrevivência familiar. Das 41 unidades
produtivas camponesas que visitamos em Nova Floresta 30 (73% do total) não contratam
trabalhadores assalariados e se mantém produzindo apenas com a força-de-trabalho familiar, e
11 (27% do total) contratam trabalhadores temporários somente em determinadas etapas do
processo produtivo como ajuda complementar à mão-de-obra familiar (Gráfico 15). Em
Teixeira, das 35 unidades de produção pesquisadas 20 (57% do total) não contratam mão-deobra assalariada e 15 (43% do total) contratam também como complemento ao trabalho
familiar (Gráfico 16).
Gráfico 15
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 20/06/2011.
208
Gráfico 16
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 20/06/2011.
O fato das unidades de produção camponesas de Teixeira e de Nova Floresta recorrer à
mão-de-obra contratada se explica entre outras razões pela estrutura familiar das mesmas. De
acordo com Chayanov (1974), o volume da produção em cada propriedade camponesa variará
de acordo com a estrutura da família, ou seja, pelo equilíbrio entre o número de trabalhadores
e o número de consumidores, que de acordo com as suas idades determinam o volume da
produção necessária para a recriação da família. Em outras palavras, no caso de uma família
cujos filhos ainda não estão em idade de trabalhar, a carga de trabalho sobre o pai e a mãe é
muito grande, uma vez que o casal precisa produzir o suficiente para sustentar toda a família.
E, mesmo assim, a produção fica reduzida e só aumentará na medida em que os filhos
atingem a idade de trabalhar. Então, na busca de aumentar a produtividade para atender as
necessidades de consumo da família, recorrem à mão-de-obra contratada. E, no caso inverso,
quando uma família possui membros da família em idade de trabalhar e consegue estabelecer
o equilíbrio entre consumidores e trabalhadores, a mão-de-obra contratada é dispensada.
(...) Puesto que em la unidad econômica familiar que no recuerre a fuerza de
trabajo contratada, la composición y el tamaño de la família determinan
integralmente el monto de fuerza de trabajo, su composición y el grado de
actividad, debemos aceptar que el caráter de la família es uno de los factores
principales em la organización de la unidad económica campesina
(CHAYANOV, 1974, p. 47).
209
Com base no processo de diferenciação interna do campesinato de Chayanov (1974),
constatamos que as unidades de produção camponesas de Nova Floresta estão buscando o
equilíbrio interno, ou seja, o ajuste entre o número de consumidores e o número de
trabalhadores. Das 41 propriedades que visitamos 26 (63%) possuem uma estrutura familiar
cujos filhos ainda não estão em idade de trabalhar, sendo necessária a contratação da força de
trabalho assalariada para complementar o trabalho dos pais no roçado. Somente 15 famílias
possuem o equilíbrio entre o número de bocas para comer e o número de mãos para trabalhar
(Organograma 5).
Organograma 5
Relação entre consumidores e trabalhadores nas unidades de produção camponesas de Nova
Floresta-PB. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 20/06/2011.
Em Teixeira a relação entre consumidores e trabalhadores é mais equilibrada. Dos 35
estabelecimentos agrícolas que visitamos 17 (51,4%) têm uma estrutura familiar cujos
membros das famílias já estão em idade de trabalhar e em 18 os filhos ainda não atingiram a
idade produtiva de trabalho (Organograma 6).
Observamos que mesmo no caso em que as famílias mantêm o equilíbrio entre o
número de bocas para comer e o número de braços para trabalhar, há uma diferenciação
interna porque nem sempre os filhos em idade produtiva de trabalho estão dispostos a
ajudarem seus pais no roçado.
210
Organograma 6
Relação entre consumidores e trabalhadores nas unidades de produção camponesas de TeixeiraPB. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 20/06/2011.
Como afirma seu Fernando, camponês do município de Teixeira:
Antigamente os jovens tinha mais disposição prá trabalhar e ajudar os pais
no roçado, mas hoje em dia tá tudo diferente. Tenho três filhos, mas desse
três somente um me ajuda de verdade, os outros dois só faz enrolar e se
encostar na gente. (...) esse que me ajuda muito tem 21 anos e os outros dois
tem 19 e 17 anos. A senhora acredita que eu com três filho ainda tenho que
contratar gente prá trabalhar prá mim na colheita e às vezes prá deixar o
roçado preparado pro plantio (...). Mas mesmo assim eu agradeço a Deus
pelos filho que eu tenho, porque pior se eles fossem se envolver com drogas
na cidade ou com outras coisa que não presta (Depoimento do camponês
Fernando Deodato de Sousa do município de Teixeira-PB).
A fala do camponês acima mostra a sua insatisfação em ter que contratar trabalhadores
mesmo tendo filhos em casa em idade de trabalhar. Neste caso, o chefe da família buscando
ajustar o tamanho de sua família às necessidades de sua base material, contrata trabalhadores
para complementar o seu trabalho e o trabalho do filho mais velho para alcançar o equilíbrio
interno1.
Chayanov (1974) utiliza como critério o número de anos da formação da família para
estabelecer a relação consumidor/trabalhador:
1
Para saber o grau de equilíbrio interno das propriedades camponesas dos municípios analisados, levamos em
consideração o número dos membros das famílias e as idades dos filhos. Os filhos entre 0 e 17 anos não estão na
idade produtiva de trabalho. Os idosos acima de 60 anos foram considerados consumidores. Todavia, há casos
isolados em que esses critérios foram alterados devidos algumas famílias possuírem membros com menos de 17
anos que já desempenham o mesmo trabalho dos pais no roçado. Da mesma forma encontramos idosos entre 60 a
65 anos com boa aptidão de trabalho em seus roçados. Também foram considerados como consumidores alguns
membros das famílias que já são adultos, mas que não trabalham por motivo de doença.
211
(...) en los primeros años, al ir creciendo, la família se va cargando de hijos
que aún no pueden trabajar, y notamos rápido aumento em la proporción de
consumidores en relación con los trabajadores. En el decimocuarto año de
xistencia de la família esta proporcíon alcanza su posto más alto, 1.91. Pero
en el decimoquinto el primer hijo comienza a ayudar a los padres AL
alcanzar la edad semilaboral y relacíon consumidor-trabajador baja
inmediatamente a 1,64. Em la realidad no se da, por supuesto, um salto tan
marcado, porque la transicíon del niño que aún no trabaja AL trabajador de
media jornada se produce de modo gradual. Pero no deja de ser cierto que
para esta época, se aligera la carga de los consumidores sobre los
trabajadores de la família, porque cada año los hijos van tomando mayor
parte em el trabajo. En el vegésimo sexto año de existência de la família, la
relacón baja a 1,32 (p. 55).
Pelo exposto percebemos que há uma redução do peso dos consumidores sobre os
trabalhadores depois de 15 anos da formação da família, o que mostra que cada família
camponesa possui uma dinâmica demográfica específica construída pelo número de
consumidores e de trabalhadores que de acordo com as suas idades determinam a variação no
volume do trabalho e do consumo necessário para a recriação familiar.
O trabalho familiar é o elemento que determina a recriação da família camponesa.
Conforme os gráficos 17 e 18, tanto em Nova Floresta como em Teixeira ele é predominante.
A participação dos membros da família nas tarefas agrícolas é muito valorizada nas
unidades de produção camponesas. De acordo com Heredia (1979), a divisão social do
trabalho se ajusta à idade e ao sexo da família e determina a posição de cada membro nas
etapas do processo de trabalho e nas relações de poder de uns sobre os outros.
Geralmente, cabem aos homens e aos mais jovens as tarefas mais pesadas realizada no
roçado, como o corte do mato, o encoivaramento, a destoca e a colheita (Figs. 34, 35 e 36). As
mulheres e os filhos que ainda não estão em idade de executar trabalho pesado cuidam das
tarefas domésticas e de trabalhos maneiros tais como: cuidar das crianças pequenas; cuidar
dos animais de pequeno porte; limpar a casa e o terreiro; lavar as roupas; preparar a
alimentação da família, além de outros.
212
Figura 34
Pai e filho trabalhando no plantio da batata-doce no Assentamento Poços de Baixo em TeixeiraPB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/03/2008.
Figura 35
Jovem
camponesa
trabalhando
no
beneficiamento do feijão macáça em Nova
Floresta-PB. Arquivo: Silvana Correia.
13/05/2006.
Figura 36
Camponês
idoso
trabalhando
no
beneficiamento do feijão macáça em Nova
Floresta-PB. Arquivo: Silvana Correia.
13/05/2006.
213
No inverno o trabalho das mulheres não se limita apenas ao espaço da casa e se
estende ao espaço dos homens que é o roçado. O que mostra que o seu trabalho é tão
necessário quanto o trabalho dos homens, dado que o produto proveniente do roçado é “o
resultado do esforço conjunto dos seus integrantes e é dividido entre seus membros somente
no momento do consumo” (HEREDIA, 1979, p. 105).
A divisão do trabalho entre homens e mulheres, segundo Heredia (1979), vai além de
uma simples divisão de atividades, uma vez que expressa a oposição entre casa e roçado. Para
a autora, essa oposição define a área do que é trabalho e do não trabalho. Por exemplo, como
os produtos fornecidos pelo roçado asseguram o abastecimento necessário para o consumo da
família, é “o roçado que dá condições de existência a casa como local de consumo”
(HEREDIA. 1979.p.78). Assim, as tarefas desenvolvidas pelos homens no roçado são
consideradas trabalho, enquanto que as tarefas desenvolvidas pelas mulheres na casa não são
consideradas trabalho.
Antonello (1996) também analisou a oposição entre homens e mulheres nas unidades
de produção camponesas de Sergipe. Para esta autora, os espaços da casa e do roçado não se
constituem em espaços antagônicos, mas complementares.
Com base nos pressupostos de Heredia e Antonello o que verificamos no campesinato
de Teixeira e de Nova Floresta?
Constatamos através da pesquisa de campo que a casa dos camponeses além de ser a
residência e o local de consumo da família é também um espaço de produção. Conforme o
depoimento das mulheres camponesas, além dos afazeres domésticos e da criação dos
animais, as mesmas se dedicam também as tarefas agrícolas no período do inverno bem como
as atividades artesanais como a costura e o bordado em ponto de cruz (Fig. 37).
Dessa forma concordamos com Antonello (1966) quando ela afirma que:
O espaço da casa também é um espaço de produção. No entanto, é onde o
grupo familiar materializa-se como unidade de consumo, com a distribuição
entre os integrantes da família do resultado da produção camponesa obtida
no espaço-campo, mostrando que esses espaços não são antagônicos, mas
complementares (1996, p. 35).
O espaço da casa e o espaço do roçado por serem complementares buscam alcançar o
equilíbrio interno da família. Quando existe uma diferenciação interna entre o número de
consumidores e o número de trabalhadores, as famílias ingressam no trabalho acessório para
obter esse equilíbrio interno de forma mais rápida.
214
Figura 37
Mulheres camponesas trabalhando no beneficiamento do feijão macáça em Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/05/2006.
5.1.2 O trabalho acessório
Nos trabalhos de Kautsky (1986) e Chayanov (1974) aparecem as primeiras
referências ao “trabalho rural acessório” e a “outras atividades não-agrícolas”, entendidas por
eles como formas complementares de obtenção de renda que ajuda na recriação familiar.
O ingresso nas atividades acessórias é explicado entre outras razões pela autonomia
que o camponês tem sobre o controle do seu próprio tempo. Ele organiza o seu tempo de
acordo com as estações do inverno e do verão e conforme o ciclo vegetativo das culturas
plantadas em sua propriedade. É comum no verão o camponês se assalariar em busca de uma
renda complementar.
De acordo com Oliveira (1990, p. 57):
Através do trabalho acessório o camponês pode se transformar
periodicamente em trabalhador assalariado, recebendo salário por período de
trabalho. Essa transformação periódica constitui-se em fonte de renda
monetária que suplementa o rendimento com as culturas em suas
propriedades.
O trabalho acessório somente ocorre se as famílias camponesas possuírem membros
suficientes para atender as necessidades do trabalho agrícola em suas próprias propriedades.
Se a família for reduzida não existe a possibilidade do camponês se assalariar. Neste caso, a
215
decisão da ocupação acessória é determinada pela variação do ciclo demográfico familiar
como afirmou Chayanov (1974). Ou seja, só ocorrerá em situações de sobras dos membros da
família que vão se ocupar em outras atividades fora de sua propriedade para garantir o
equilíbrio interno e a recriação familiar.
As ocupações acessórias desenvolvidas pelos camponeses de Nova Floresta e de
Teixeira são: o assalariamento temporário; a parceria, o arrendamento e a combinação do
trabalho na terra com as atividades não agrícolas.
a) O trabalho assalariado enquanto trabalho acessório
O trabalho assalariado que encontramos nas propriedades camponesas de ambos os
municípios é aquele em que o camponês além de trabalhar em sua terra, complementa a renda
familiar se assalariando temporariamente em outras unidades de produção também
camponesas.
A contratação do trabalho assalariado nas explorações agrícolas camponesas dos
municípios estudados se deve a estrutura familiar. Ou seja, ela ocorre quando os membros da
família em idade de trabalhar não são suficientes para desenvolver as atividades agrícolas no
roçado ou quando a família é reduzida por motivo de migração ou casamento.
Segundo Tavares dos Santos (1984), é necessário analisar essa forma de trabalho a
partir da relação social entre as partes envolvidas:
Da parte do camponês que utiliza trabalho assalariado, a finalidade de sua
produção é vender um produto para comprár outros que satisfaçam as
necessidades de sua família. Em conseqüência, a soma de dinheiro que
obtém com a venda de seu produto não se capitaliza, pois o produto
excedente não é consumido produtivamente, mas destina-se ao consumo
individual da família camponesa. Resulta desse processo que a unidade
produtiva camponesa não se constitui o capital que depende da mais-valia
gerada pela força de trabalho assalariada para se reproduzir em escala
ampliada. Em outros termos, não se verifica o desenvolvimento do capital
enquanto relação social entre as pessoas envolvidas no processo de trabalho
camponês. Ao contrário, a forma salário ocorre no interior da produção
camponesa em função do ciclo de existência da família (SANTOS, 1984, p.
43).
O sistema de assalariamento que verificamos nas unidades de produção
camponesas de Teixeira e de Nova Floresta é diferente do assalariamento da agricultura
capitalista. Pois não existe uma relação de oposição entre empregado e empregador, uma vez
que “o camponês não desenvolve uma relação de oposição ao trabalhador na medida em que
216
este outro, na realidade, é ele mesmo” (SANTOS, 1984, p.44). Ou seja, não se trata de
relações opostas, pois ao mesmo tempo em que o camponês-patrão, os demais membros da
família e o camponês assalariado estão juntos trabalhando nas mesmas tarefas agrícolas, estão
se materializando no mesmo processo de trabalho e se recriando ao mesmo tempo. Por isso,
não se deve diferenciar posição social entre sujeitos que efetivamente são iguais, dado que o
camponês-patrão de hoje poderá ser o camponês assalariado de amanhã.
Verificamos ainda que não se tratam de trabalhadores assalariados expropriados de
seus meios de produção e que só têm de seu a força de trabalho para vender. Ao contrário,
trata-se de camponeses proprietários de seus meios de produção e que vivem a condição de
trabalho acessório nos momentos em que as tarefas agrícolas exigem aumento da mão-de-obra
não disponível nas propriedades camponesas.
Do total dos camponeses entrevistados em Nova Floresta somente 8 (20%)
complementam sua renda com o trabalho assalariado temporário (Gráfico 17). Enquanto que
em Teixeira são 11 (31%) camponeses que recorrem ao assalariamento (Gráfico 18).
Gráfico 17
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Correia. 22/06/2011.
217
Gráfico 18
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Correia. 22/06/2011.
Os camponeses contratam por diária cujo valor varia de R$20,00 a R$ 25,00 segundo
o tipo da atividade agrícola. As contratações baseiam-se em acordos verbais não sendo
comum o trabalho com carteira assinada.
É necessário ressaltar que as propriedades
camponesas utilizam poucos trabalhadores temporários, entre dois a três em média, sobretudo,
em razão da pequena dimensão da área cultivada.
b) A parceria como trabalho acessório
Estudos realizados em diversas partes do mundo e mesmo no Brasil – no
sentido de compreender o que está acontecendo no campo, vem
demonstrando o lado contraditório deste “desenvolvimento” do capitalismo
ocorrido nas últimas décadas, que se expressa – na difusão de um processo
de industrialização que se espalha para o campo – na busca desenfreada para
desenvolvê-lo, mas também na permanência de outras formas de relações
sociais no campo e a existência de relações de produção não necessariamente
capitalistas ou assalariadas, baseadas na renda trabalho, na renda em
produtos e na renda em dinheiro (SOUZA, 2008, p. 179).
Na pesquisa de campo verificamos em ambos os municípios a presença de relações de
produção não capitalistas baseadas tanto na renda em produto como na renda em dinheiro.
Sua presença é justificada em virtude do tamanho pequeno da terra para garantir o sustento da
família o que leva o camponês a trabalhar noutra terra pagando uma determinada renda. Ou ao
fato de que o camponês não tendo condições financeiras para contratar trabalhadores
assalariados e nem para ampliar sua área de cultivo, cede a terra através do sistema de
parceria para dividir os custos e garantir uma maior produção.
218
Segundo Souza (2008), a renda em produto “consiste no mais-produto que o produtor
direto deve entregar ao proprietário, já que a terra enquanto condição indispensável do
trabalho encontra-se em propriedade alheia – personificada no proprietário da terra” (p. 177).
De acordo com Oliveira (1997), a “prática da parceria como relação de produção no
campo, é uma das formas mais antigas de relação de exploração da terra, pode, portanto, ser
encontrada em vários modos de produção na história da humanidade” (p, 70). Para o autor o
desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro não foi intenso o suficiente para
provocar o desaparecimento da parceria. De fato, em Nova Floresta, por exemplo,
identificamos além dos produtores parceiros anteriormente mencionados, 10 outros que além
de trabalharem em suas unidades produtivas alugam terras de terceiros pagando a renda com
parte da produção (Gráfico 19). Em Teixeira identificamos 6 camponeses que além de
proprietários são também parceiros numa outra terra (Gráfico 20). Tanto em Nova Floresta
como em Teixeira é muito comum a parceria com base no sistema de “meia” e “terça”. O
sistema de “meia” funciona da seguinte maneira: o camponês proprietário entrega a terra com
o solo preparado a um camponês e lhe fornece as sementes e o “meeiro” paga um aluguel da
terra com a metade da sua produção. O sistema de “terça” é aquele em que o proprietário
entrega a terra sem o preparo ao camponês para ele arcar sozinho com os custos da produção e
paga a renda da terra com a terça parte da produção.
Gráfico 19
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Correia. 25/06/2011.
219
Gráfico 20
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Correia. 25/06/2011.
c) O arrendamento como ocupação acessória
A renda em dinheiro para Souza (2008) significa que o pagamento pelo uso da terra
em forma de produto não é interessante para o proprietário da terra, por isso é preciso
convertê-lo “(...) em forma-dinheiro, ou seja, parte de seu produto precisa servir como meio
de reprodução (para o proprietário) e parte como meio de subsistência (para o produtor
direto)” (p. 178). Os camponeses arrendatários diferem dos arrendatários capitalistas porque
aqueles arrendam uma pequena parcela de terra para assegurar a reprodução da família
Nas palavras de Souza (2008):
(...) a existência de arrendamentos, cujos contratos nem sempre ocorrem a
partir de um arrendatário capitalista com fins a grandes investimentos que
lhe aufira consideráveis lucros; mas também “pequenos arrendatários” que
arrendam pequenos pedaços de terra como condição à reprodução da família,
para cultivar algo ou algumas cabeças de gado; não sendo possível, até
porque não dispõem de recursos suficientes, caracterizá-los como
arrendatários-capitalistas (...) (p. 179).
Identificamos em Teixeira dois camponeses que além de trabalharem em suas
unidades de produção ainda alugam parcela de terra a terceiros pagando uma renda em
dinheiro. Nessa terra arrendada eles produzem hortaliças.
A permanência da parceria e do arrendamento nas unidades de produção camponesas
de Nova Floresta e de Teixeira revela que o desenvolvimento desigual e contraditório do
capitalismo no Brasil tem dado condições para o campesinato se recriar por meio de relações
não capitalistas baseadas nas rendas em produto e em dinheiro. Décadas atrás, essas formas de
220
produção no campo brasileiro foram concebidas de maneira equivocada por Guimarães (2005)
e Prado Júnior (1979). O primeiro foi capaz de compreender a parceria como sendo uma
forma de produção pré-capitalista proveniente da economia feudal, mas não acreditou na sua
coexistência ao lado do modo de produção capitalista. O segundo defendeu a tese de que a
parceria não passava de uma relação de trabalho puramente capitalista, na qual prevalece
formas de pagamentos ajustadas, em que o dinheiro é substituído por formas não monetárias.
Acreditamos que a permanência da parceria e do arrendamento nos municípios
estudados nega as teses defendidas por Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior e dá
sustentação à tese da resistência às relações de trabalho tipicamente capitalistas.
d) A combinação do trabalho na terra com as atividades não agrícolas
Cabe considerar que o desenvolvimento de atividades não agrícolas, ao
passo que podem auxiliar na reprodução da família camponesa, demonstra,
por outro lado, as reais dificuldades das famílias sobreviverem do trabalho
familiar, o que certamente tem a ver com as condições objetivas muito
precárias destas famílias, ou mesmo o não acesso a terra ou pouca terra,
insuficiente para gerar a reprodução familiar (SOUZA, 2008, p. 309).
Em situações em que a família camponesa vê que o tamanho da terra que possui não é
suficiente para atender as necessidades básicas da família, ela procura se manter na terra
combinando o trabalho agrícola com outras atividades não agrícolas.
Em Teixeira apenas em quatro famílias identificamos a combinação do trabalho na
terra com outras atividades. Em uma das famílias, o camponês tem como ocupação principal o
trabalho agrícola e como ocupação secundária a atividade de “atravessador”. Ele adquire a
produção de vizinhos ou de outras Comunidades e revende (Fig. 38). Essa combinação só foi
possível pela disponibilidade de um veículo de transporte pesado que facilita a
comercialização direta da produção.
221
Figura 38
Camponês produtor agrícola e atravessador negociando a produção de cenoura em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/3/2008.
Outros dois camponeses chefes de família desempenham ocupações secundárias como
marchante, e pedreiro em obras de construção civil. Numa outra família, a mãe é professora
do ensino fundamental numa escola localizada na sede do município, mas continua morando
no sítio e ajudando o marido no roçado.
Em Nova Floresta dois chefes de família combinam o trabalho agrícola com outras
atividades. Em uma delas verificamos que a atividade agrícola não era considerada a
ocupação principal. É o caso, por exemplo, de uma família cujo chefe é funcionário público e
proprietário de 0,5 hectares onde cultiva mandioca, milho, feijão, mamão e fava para o
consumo e a pinha e o caju para a comercialização. O mesmo ainda possui uma casa de
farinha que foi deixada de herança pelo seu pai e ganha no beneficiamento da mandioca uma
conga equivalente à terça parte da produção da farinha ali produzida. Esse camponês exerce a
profissão de auxiliar de enfermagem no município vizinho de Cuité há 12 anos e para ele esta
é sua ocupação principal. Outra família possui uma pequena bodega ao lado da residência e
tem esse pequeno comércio como ocupação secundária.
222
Gráfico 21
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Correia. 05/07/2011.
Gráfico 22
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Correia. 05/07/2011.
A partir dos depoimentos dos camponeses que se ocupam em atividades não agrícolas,
constatamos que os fatores responsáveis pela sua participação nessas atividades são a falta de
recursos financeiros e o tamanho pequeno das unidades produtivas. As atividades não
agrícolas assim contribuem para assegurar a recriação da família através do equilíbrio interno.
Contudo, é preciso destacar o fato de que a parcela dos camponeses de Nova Floresta e
Teixeira que desenvolve atividades não agrícolas não se configura dentro da perspectiva de
José Graziano da Silva como “part-time”, isto é, como a figura social que se torna a forma
transitória para o que ele considera a inevitável urbanização do campo (SILVA, 1999). O que
verificamos na pesquisa de campo foi justamente o contrário, a combinação do trabalho na
terra com as atividades não agrícolas não descaracteriza a lógica camponesa de produção, mas
contribui fundamentalmente para a permanência das famílias no campo.
223
5.2 A atuação dos agentes externos junto aos camponeses de Nova Floresta e Teixeira
5.2.1. A ação do Estado
Sob o modo de produção capitalista o Estado age, na sua integralidade, para
cumprir os requesitos necessários à reprodução do capital. Essa atuação
pode, em determinadas circunstâncias, ser executada de modo velado ou
deliberado. Isso evidencia que, embora o Estado seja um alto comitê
executivo dos negócios inadiáveis dos capitalistas, precisa, como condição
para a perpetuação de sua hegemonia social assumir uma faceta onde,
aparentemente, demonstre neutralidade racional (LIMA E CONCEIÇÃO,
2009, p.5).
A concepção de Estado contida na citação acima expressa nitidamente que tal
instituição tem a finalidade de garantir a manutenção do sistema capitalista (como
representante das classes dominantes) e ao mesmo tempo de garantir o controle social das
classes dominadas a partir dos interesses das classes dominantes.
Caberia ao Estado, conforme Souza (2008):
(...) “resolver” os conflitos entre os diversos interesses das classes; no
entanto, este mesmo Estado é constituído a partir dos interesses da classe
dominante, criando, através dos tempos, novas possibilidades de atuar
perante os conflitos existentes e garantir a continuidade da exploração de
uma classe sobre outra. É o que pode ser visualizado nos conflitos entre
proprietários e capitalistas versus trabalhadores sem-terra no campo
brasileiro – onde o Estado interfere para “mediar” os conflitos em prol da
manutenção da exploração dos primeiros em relação à classe trabalhadora (p.
82).
No Brasil, após a promulgação da Lei de Terras de 1850, o Estado vem atuando para
garantir a propriedade privada da terra, favorecendo aqueles que dispõem de recursos
financeiros para comprar a terra e se tornar proprietários. De acordo com Souza (2008), o
Estado mascaradamente assumiu um papel de ser representante da sociedade como um todo,
mas se omite em resolver concretamente os conflitos gerados entre as classes sociais. De fato,
isso é visível na ação das políticas de assentamento dos camponeses no campo brasileiro, que
minimiza o problema agrário, mas não resolve as contradições existentes entre as classes
sociais.
Uma definição do Estado foi elaborada por Engels (2004), que explica que esta
instituição é fruto das contradições e dos conflitos entre as classes sociais provenientes do
capitalismo.
224
Nas palavras do autor:
O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de
fora para dentro; tampouco é a realidade da “idéia moral”, nem “a imagem e
a realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade,
quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão
de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição (grifo
nosso) com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que
não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com
interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a
sociedade numa estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente
(grifo nosso) por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a
mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Este poder, nascido da sociedade,
mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS,
2004, apud SOUZA, 2008, p. 82).
O Estado foi criado em função dos interesses da classe dominante. Neste caso, ele,
como um dos principais elementos de produção do espaço agrário brasileiro, o constituiu de
forma a viabilizar a reprodução do capital. Por isso que no campo ele mantém as contradições
entre as classes sociais através das políticas públicas por ele planejadas. Assim, o princípio
que fundamenta as políticas públicas é sem dúvida o da reprodução do capital.
Partindo de tal premissa, não cabe aqui analisar o papel do Estado brasileiro em várias
conjunturas históricas, mas somente destacar de forma sucinta como ocorreu a sua atuação
entre 1920 até os dias atuais.
Araújo (2000) ao tratar das políticas públicas no Brasil diz que o Estado brasileiro é
tradicionalmente centralizador. Um exemplo disso foi o seu caráter desenvolvimentista,
conservador, centralizador e autoritário durante o período de 1920 a 1980. De acordo com
esta autora, o Estado foi o promotor do desenvolvimento e não o transformador das relações
da sociedade. As políticas públicas executadas pelo Estado neste período histórico foram
planejadas para promover o crescimento econômico através da industrialização do país. Sobre
isso Lima e Conceição (2009) acrescentam que “com a insígnia do desenvolvimento o Estado
tornou-se primaz colaborador/indutor da acumulação capitalista, pois difundiu com eficácia a
possibilidade de elevarem-se as condições sociais através do crescimento econômico” (p. 5).
Araújo (2000) afirma que em 1920 viviam no campo 70% da população brasileira e
somente 30% viviam nas cidades. Cinco décadas depois, em 1970, ocorria o inverso com 70%
das pessoas vivendo nas cidades e apenas 30% vivendo no campo. Em 1980 o Brasil ocupou
o 8º PIB2 do mundo.
2
Produto Interno Bruto.
225
Diante do exposto, percebemos que o Estado brasileiro assumiu uma postura de
“fazedor” com o crescimento econômico e deu pouca ênfase ao bem-estar-social. O Estado
regulador, segundo Araújo (2000), requer um diálogo entre governo e sociedade, o que
infelizmente nunca tivemos. O Estado que se fez presente em nossa sociedade foi o
centralizador, a exemplo da ditadura militar entre 1964 e 1984. Essa herança autoritária e
conservadora ainda é muito presente nas políticas públicas do Brasil, as quais são planejadas
de cima para baixo sem levar em consideração a heterogeneidade do país.
No final do século XX, através da constituição de 1988, consolida-se o processo de
descentralização das políticas públicas com a transferência da responsabilidade do Governo
Federal para os Governos estaduais e municipais. Para tanto, a partir de 1990 foram criados os
Conselhos Municipais, cujo objetivo deveria ser:
A formulação e o acompanhamento da execução das políticas. Assim atuaria
na Saúde, na Educação, na Merenda Escolar, na Assistência, na área da
Criança e do Adolescente, nos Programas de Agricultura Familiar, na
Comunidade Solidária e em todos os programas de proteção social que se
tem notícia, com a exceção da Previdência (ANDRADE, 2002, p. 53).
A idéia de organização via conselhos gestores é a democratização no que se refere à
participação da sociedade nas decisões referentes às políticas públicas bem como na
fiscalização das ações governamentais e no controle do uso de recursos públicos. Porém, este
modelo de gestão participativa que ainda está em curso nos dias atuais está longe de se
realizar, sobretudo, no Nordeste devido às heranças deixadas pela história política regional, a
saber:
A grande maioria dos municípios da região convive com formas
conservadoras e autoritárias de poder em nível local e, em algumas áreas, a
violência é uma marca da dinâmica política. Esse poder local, tradicional e
autoritário funciona à base de relações políticas de troca envolvendo
parlamentares e/ou governadores, que lhes facilitam o acesso a recursos
públicos para realização de obras e distribuição de bens, revertidos em apoio
político eleitoral (ANDRADE, 2002, p. 58).
A visão autoritária e conservadora continua ditando a lógica da política eleitoral dos
municípios nordestinos. Desta forma, impede a gestão participativa da sociedade junto aos
conselhos municipais, que ou não funcionam ou têm o seu funcionamento comprometido
pelos prefeitos que mantém o monopólio do poder e não aceitam nenhum tipo de
relacionamento com a sociedade.
226
Na agricultura camponesa a situação ficou crítica a partir de 1990, quando o Governo
Collor de Mello extinguiu a EMBRATER3, desativou o SIBRAER4 e abandonou os serviços
da ATER5 (a exemplo da EMATER 6). O afastamento do Estado reduziu abruptamente os
recursos financeiros que provocou uma forte crise na ATER que atingiu os serviços realizados
pela EMATER em todo o Brasil, inclusive, nos municípios de Nova Floresta e de Teixeira.
A descentralização das políticas públicas e a ausência do apoio do Governo federal aos
serviços da ATER levaram alguns Estados e municípios a reestruturar os serviços deste órgão
público dando-lhe diversas formas institucionais, criando novos mecanismos de
financiamento e apoiando outras entidades emergentes com a finalidade de preencher o vazio
deixado pelo Estado. Em alguns municípios o vazio deixado pelo Estado na área da
assistência técnica ao camponês começou a ser preenchido através da instalação de
Organizações Não-Governamentais, a exemplo do CEPFS7 no município de Teixeira-PB.
Cabe ainda destacar a política agrária promovida entre 1995 e 2002 no Governo de
Fernando Henrique Cardoso. Esta teve como objetivos: a) integrar o meio rural ao circuito
mercantil, b) combater os movimentos sociais rurais, c) mascarar a questão agrária e impedir
a reforma agrária. Como exemplo dessa política, tem-se a criação do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, e do Banco da Terra. Através desta
última política, a reforma agrária passa a ser realizada através de um processo de compra e
venda da terra. É o camponês quem adquire a terra via compra direta facilitada pelo crédito
público do Programa (ALENCAR E MENEZES, 2009).
Diante dos desafios relacionados ao processo de descentralização das políticas
públicas no país, em 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva as políticas públicas
destinadas ao meio rural foram elaboradas pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial –
SDT e pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA. A partir desse mesmo ano
iniciou-se a execução do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios
Rurais – PRONART. Esse programa tem como objetivo principal:
Promover e apoiar iniciativas das institucionalidades representativas dos
territórios rurais que objetivem o incremento sustentável dos níveis de
qualidade de vida da população rural, mediante três eixos estratégicos: 1.
Organização e fortalecimento dos atores sociais; 2. Adoção de princípios a
3
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMBRATER.
Sistema Brasileiro de Extensão Rural – SIBRAER.
5
Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER.
6
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER.
7
Centro de Educação Popular e Formação Sindical – CEPFS.
4
227
práticas da gestão social; 3. Promoção da implementação e integração de
políticas públicas. (ALENCAR E MENEZES, 2009, p. 142).
Uma das políticas públicas de maior expressão no campo é o Programa Bolsa Família
criado em 2003 a partir da unificação dos programas de transferência de renda anteriores,
como: a Bolsa Escola; o Auxílio Gás; a Bolsa Alimentação e o Cartão Alimentação.
O Programa Bolsa Família8 está inserido no Programa Fome Zero e funciona mediante
a transferência de uma renda mínima mensal às famílias em condição de vulnerabilidade
social (SENNA, 2007). Em Nova Floresta 30 famílias camponesas declararam receber este
benefício, enquanto que em Teixeira somente 13 famílias são contempladas. Em ambos os
municípios este programa vem contribuindo com o processo de recriação camponesa ao
possibilitar uma complementação à renda familiar que dá acesso à alimentação, ao material
escolar, ao fardamento e ao lazer. Durante o inverno, algumas famílias relataram que este
benefício se volta totalmente para os gastos no roçado. É óbvio que este benefício não cobre
todas as necessidades das famílias, mas contribui sensivelmente na sua reprodução.
Na pesquisa de campo realizada nos dois municípios, verificamos outro benefício que
vem contribuindo na recriação do campesinato: a aposentadoria.
Em Nova Floresta
verificamos que 10 famílias possuem parentes aposentados em casa, enquanto que em
Teixeira 13 famílias possuem parentes que são contemplados com este benefício.
A aposentadoria tornou-se um importante subsídio na renda familiar dos camponeses a
partir da constituição de 1988 (complementada pelas Leis 8.212 (plano de custeio) e 8.213
(planos de benefícios de 1991) que permitiu o acesso universal à previdência social aos idosos
e inválidos de ambos os sexos do campo. Para os camponeses serem contemplados com este
benefício de transferência de renda mensal, é preciso se encaixar aos critérios de seleção,
quais sejam: eles têm que comprovar a situação de produtor, de parceiro, de arrendatário, de
garimpeiro e de pescador artesanal. Os cônjuges que exercem atividades com base na
produção familiar também são contemplados (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1998. art. 195.
ss 8º).
8
As famílias contempladas com este programa devem cumprir algumas condicionalidades relacionadas às
políticas de saúde, educação e assistência social. “Em relação aos serviços de saúde, o programa determina que
as gestantes, nutrizes e crianças de 0 a 6 anos sejam acompanhadas do ponto de vista nutricional, mantendo o
esquema de vacinação em dia. Gestantes devem participar das consultas de pré e pós-natal e, assim como as
mães de crianças de 0 a 6 anos, devem também participar das atividades educativas sobre saúde e nutrição. No
que tange à educação, exige-se 85% de freqüência escolar das crianças e adolescentes na faixa entre 6 e 15 anos.
O não cumprimento dessas condicionalidades implica no desligamento das famílias beneficiárias do programa”
(SENNA, 2007, p. 89). No atual governo da Presidente Dilma Roussef, o Programa Bolsa Família continua
contribuindo para a melhoria de vida dos camponeses no Brasil.
228
É importante acrescentar, de acordo com Dullius (2006), que a aposentadoria
instituída pelo Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (Funrural) durante o
período do governo militar no Brasil, era equivalente somente a meio salário mínimo. Após a
promulgação da constituição de 1988 em 1991, ela passou a ser de um salário mínimo. Além
da equiparação salarial, as mulheres camponesas que antes não tinham acesso a
aposentadoria, passaram a ter o direito a partir dos 55 anos de idade e também lhes foi
concedido o direito a pensão por falecimento do cônjuge. Quanto aos homens, tiveram uma
redução de idade na concessão da aposentadoria por velhice, passando de 65 para 60 anos. E,
ainda, tiveram direito a pensão em caso de morte da esposa.
A população camponesa dos municípios analisados para terem acesso à aposentadoria
ou a qualquer outro benefício do INSS9 devem solicitar ao Sindicato dos Trabalhadores
Rurais uma declaração que comprove o seu trabalho no campo. Para isso é preciso que os
camponeses sejam associados ao STR pagando uma contribuição mensal que varia entre R$
5,00 a R$ 10,00 reais. Em Nova Floresta, conforme os depoimentos dos camponeses, o STR
cobra uma taxa mensal de R$ 10,00 a cada associado. Já em Teixeira o valor é menor, os
camponeses associados passaram 8 anos pagando R$ 3,00 reais e somente em 2011 a taxa
aumentou para R$ 5,00 reais.
Conforme as informações obtidas na entrevista feita com o Presidente do STR do
município de Teixeira, o Sr. Francisco Pedro, a inadimplência entre os sócios é muito grande,
pois muitos desistem ou até mesmo quando se aposentam deixam de contribuir mensalmente,
o que acarreta várias dificuldades administrativas. Dos 35 chefes de família entrevistados em
Teixeira, apenas 10 são sócios do STR.
Em Nova Floresta os camponeses entrevistados demonstraram insatisfação com o
valor da taxa cobrada pelo STR, uma vez que, segundo os mesmos, é o mais alto da região do
Curimataú. Dos 41 chefes de famílias camponesas que entrevistamos, somente 14 são
associados ao STR do município.
Das vezes que fomos ao STR de Nova Floresta,
encontramos poucos camponeses procurando os serviços que a entidade oferece. Em Teixeira,
ao contrário, a procura pelos serviços prestados pelo STR é muito grande (Figs. 39, 40 e 41).
Em suma, embora seja inviável a recriação camponesa somente por meio dos
programas de transferência de renda como a aposentadoria e o Programa Bolsa Família,
constatamos que eles oferecem as famílias contempladas um suplemento para o pagamento da
9
Instituto Nacional do Seguro Social
229
energia, para as compras da feira semanal, os gastos com medicamentos, as compras de
material de higiene pessoal, os gastos com a produção agrícola.
Figuras 39 e 40
STR situado na sede do município de Teixeira-PB e Presidente do STR em entrevista com a
pesquisadora. Arquivo: Silvana Correia. 12/01/2011.
Figura 41
Camponeses esperando atendimento no STR de Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa
Correia. 12/01/2011.
Tanto no município de Nova Floresta como no município de Teixeira constata-se a
intervenção do Estado através da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
(EMATER) na organização da produção e do trabalho camponês.
A EMATER-PB é vinculada à Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado da
Paraíba e integrante do Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural –
SIBRATER. Foi criada pelo Decreto Estadual número 6.755, de 18 de dezembro de 1975,
tendo como objetivos: a) colaborar com os órgãos competentes da Secretaria da Agricultura e
Abastecimento e do Ministério da Agricultura na formulação e execução das políticas de
assistência técnica e extensão rural no Estado e; b) planejar, coordenar e executar programas
230
de assistência técnica e extensão rural, visando à difusão de conhecimentos de natureza
técnica, econômica e social, para aumento da produção e produtividade agrícola e a melhoria
das condições de vida no meio rural do estado da Paraíba, de acordo com a política de ação do
Governo Federal.
Mas, o que se discute no campo em todo o estado da Paraíba é que as orientações
técnicas nem sempre chegam de forma a contribuir na organização da produção dos
camponeses. De fato, conforme os camponeses de Teixeira, a EMATER neste município
quase não tem visibilidade nas Comunidades rurais e no assentamento de Poços de Baixo. Os
técnicos desta instituição só vão às Comunidades e ao assentamento uma vez ao ano para
cadastrar aqueles camponeses que se interessam em aderir ao Programa Garantia Safra. Em
visita a esta instituição na sede do município, constatamos alguns problemas administrativos
atribuído à falta de apoio do Estado o que justificaria a falta de assistência de qualidade aos
camponeses.
O trabalho da Emater é extensivo, a extensão rural significa que o
extensionista é capacitado para atender as necessidades do campo, se
estendendo a área de saúde até a política. Então, hoje o serviço de extensão é
limitado, porque na medida que o governo foi criando os programas para a
agricultura, a gente ficou sem tempo para ir até os agricultores, se limitando
ao trabalho aqui na EMATER e só atendendo aqueles que querem ser
contemplados com o PRONAF. (...) então, hoje o nosso espaço está menor,
(...) prá mim tomar conta disso aqui é muito deprimente (...) aqui o Governo
do Estado só está custeando o telefone, que está bloqueado há 3 meses, a
água e a energia. Material de limpeza é com a gente; a impressora fomos nós
que compramos; material de expediente é com a gente; esse carro é lavado
quando a gente paga. Mas, nós continuamos fazendo nosso trabalho da
maneira que podemos. É tanto que até a aposentadoria rural, nós estamos
dando apoio com a documentação certa, ajudamos os agricultores na
elaboração dos projetos do PRONAF, damos acompanhamento na
organização de eventos e até na capacitação em aproveitamento de
alimentos. A nossa situação é essa, orientação mesmo, junto aos agricultores
fizemos há cinco anos atrás. Na verdade, nós fazíamos o que hoje os agentes
de saúde fazem, vão até os sítios saber se as famílias dos agricultores estão
bem de saúde (Depoimento da Assistente Social da Emater de Teixeira-PB.
13/01/2011).
Segundo o depoimento acima, no caso da EMATER de Teixeira, o trabalho da
EMATER está mais voltado para o oferecimento das linhas de crédito do PRONAF. Esta
política está assentada na lógica da corrente teórica que defende a viabilidade da agricultura
familiar articulada ao mercado. Para sua implementação, o Estado foi influenciado pelas
idéias de Abramovay (1994) e de outros teóricos que acreditam que a permanência ou o fim
231
do campesinato dependem de mudanças conjunturais determinadas pelo Estado através da
execução de políticas públicas baseadas de incentivo ao progresso técnico.
O PRONAF surge assim, como uma política pública com ações voltadas para o
campo, criada pelo Decreto Presidencial nº 1.946 de 28 de junho de 1996. Foi incorporado ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) a partir de 1999. O seu objetivo é elevar a
capacidade produtiva da agricultura familiar através de duas linhas de crédito: o de custeio e o
de investimento Accioly (2003).
No município de Teixeira, identificamos 10 famílias camponesas que tiveram acesso
às linhas de créditos do PRONAF. Elas, porém não tiveram resultados satisfatórios (Gráfico
23).
Gráfico 23
Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/07/2011.
No município de Nova Floresta, verificamos que as 22 famílias que cultivam o
maracujá na região subúmida já tiveram acesso as linhas de créditos do PRONAF e recebem
assistência técnica da EMATER em suas propriedades. Conforme as entrevistas feitas com os
dois engenheiros agrônomos da EMATER, as visitas são realizadas quando solicitadas.
232
Gráfico 24
Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/07/2011.
Em Nova Floresta, diferentemente de Teixeira, a EMATER tem uma atuação mais
efetiva junto aos camponeses. De acordo com o depoimento de um dos engenheiros da
EMATER local, uma das orientações técnicas fornecidas pelo órgão através de seus técnicos,
está voltada para a correção do PH do solo através do uso de calcário e para o uso mínimo de
agrotóxicos visando evitar maiores agressões ao meio ambiente e os riscos relacionados à
saúde dos camponeses.
De fato, alguns camponeses que recebem assistência técnica afirmaram que são
orientados a combater as pragas no roçado através da utilização de armadilhas naturais com o
uso do suco de frutas condicionado em garrafas de refrigerantes, com furos, onde as pragas
penetram e não conseguem sair.
Para aqueles que insistem na aplicação de agrotóxicos, é recomendado usar chapéu de
abas largas, camisas de manga comprida, que não fumem e se alimentem durante a operação.
Na finalização da operação, eles são orientados a colocar a roupa usada para lavar e a tomar
banho utilizando o sabão em barra. É recomendado ainda que as embalagens secas não sejam
jogadas no meio ambiente. Antes de se desfazerem das mesmas os camponeses são orientados
a fazer uma tríplice lavagem que reduz a menos de 5% o poder residual nas embalagens. O
produto químico mais utilizado é o formicida “Mirex” para o combate às formigas.
É comum os camponeses adquirirem formicidas e medicamentos para os animais em
lojas de produtos agropecuários. Neste caso, a orientação é dada pelos vendedores das lojas
que nem sempre têm conhecimentos teóricos e práticos sobre os venenos.
233
No que se refere à aplicação de recursos do PRONAF em Nova Floresta, a EMATER
através de convênio firmado no ano de 2005 com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e
com a Secretaria de Agricultura Familiar, vem conquistando resultados expressivos na
execução de alguns projetos. Entre os camponeses entrevistados, uma experiência
diferenciada e exitosa chamou a atenção. Trata-se da família que tem um filho graduado no
curso de Agronomia e que resolveu investir na produção horticultora com a sua contribuição
técnica. Ele adquiriu um terreno de 600 metros quadrados na zona urbana e com
financiamento de R$ 6.000,00 do PRONAF (2 mil de custeio e 4 mil de investimento) obtido
em 2005, implantou uma produção estruturada em canteiros de coentro (carro-chefe da
produção), cebolinha, alface, beterraba, cenoura, couve, pimentão, hortelã, rúcula, espinafre e
pimenta de cheiro (Figs. 42, 43 e 44) que abastece atualmente a feira de três municípios
(Nova Floresta e Cuité na Paraiba e Jaçanã no Rio Grande do Norte).
Figuras 42 e 43
Unidade camponesa “Canteiro Cheiro Verde” em Nova Floresta-PB.
Arquivo: Emília Moreira. 28/07/2007.
A comercialização da produção é feita diretamente ao consumidor tanto no próprio
Canteiro como nas feiras livres com a participação dos membros da família e de um aprendiz
que ajuda durante um turno no canteiro. O canteiro sustenta atualmente três famílias (pai,
filhos e genros com seus filhos).
234
Figura 44
Camponeses do Canteiro Cheiro Verde comercializando hortaliças na feira livre de Nova
Floresta-PB. Arquivo: Emília Moreira. 28/07/2007.
As famílias camponesas proprietárias do Canteiro Cheiro Verde têm um perfil
completamente diferente das demais famílias camponesas do município de Nova Floresta.
Elas se recriam produzindo hortaliças10 exclusivamente para a comercialização e não residem
na unidade produtiva, mas em casas na cidade. Em contrapartida, elas têm absoluta autonomia
no processo de trabalho, produzem exclusivamente com o trabalho familiar e não contratam
trabalhadores devido a família ser grande e com membros em idade produtiva. Neste caso,
essas famílias atingiram um grau de equilíbrio interno que possibilita uma recriação
camponesa somente com o trabalho familiar.
São os próprios camponeses membros das famílias que vendem as hortaliças
diretamente ao consumidor no Canteiro e nas feiras livres dos municípios vizinhos. Eles
possuem um transporte que possibilita o escoamento das hortaliças para as feiras livres do
município de Cuité-PB e do município de Jaçanã-RN. Constatamos assim que na circulação
da produção não existe a sujeição da renda da terra ao capital comercial. No que tange ao
capital financeiro, observou-se que as famílias estão renovando os créditos do PRONAF a
cada dois anos e que estão investindo na prática da irrigação adquirindo equipamentos
produzidos pela indústria. Isto é demonstrativo de que essas famílias camponesas estão se
recriando sujeitando a renda da terra ao capital financeiro e ao capital industrial.
Além deste caso bastante singular, visitamos outra família camponesa de Nova
Floresta que aderiu ao PRONAF visando a produção do maracujá e apresenta resultados
10
Eles não produzem gêneros alimentícios, como feijão, milho, mandioca, macaxeira. Com a renda adquirida
com a venda das hortaliças, compram esses produtos nos supermercados do município.
235
exitosos. O chefe dessa família é um jovem camponês de 28 anos de idade que herdou uma
propriedade de 1 hectare dos pais e resolveu investir na produção do maracujá utilizando o
crédito do PRONAF. Com os recursos obtidos com a comercialização da produção ele
comprou mais 2 hectares de terra. Renovou o crédito para continuar investindo neste produto
e com os resultados obtidos com a venda do maracujá depois deste segundo crédito do
PRONAF ele comprou mais 5 hectares de terra e está produzindo agora em 8 hectares. Esse
processo sinaliza uma territorialização camponesa subordinada ao capital financeiro.
Um fato na organização da produção desta família nos chamou a atenção (Figs. 45, 46,
47 e 48). Na pesquisa de campo realizada em 2006, este camponês já cultivava o maracujá
numa pequena área de sua propriedade, uma vez que as culturas de gêneros alimentícios
ocupavam um maior espaço no roçado. Um ano depois, em 2007, quando retornamos ao
campo, o maracujá já ocupava a metade de sua terra e a outra metade estava ocupada com as
culturas alimentares (feijão, milho, macaxeira e fava). Três anos depois, em 2011, as culturas
alimentares foram quase que totalmente substituídas pelas culturas do maracujá e da goiaba
que ocupam mais de 6 hectares. No momento da pesquisa apenas 0,5 hectares estava
preparado para o plantio do milho consorciado com o feijão.
Figuras 45 e 46
Cultivo de maracujá e goiaba na unidade de produção camponesa visitada em Nova FlorestaPB. Arquivo: Silvana Correia. 08/02/2011.
236
Figura 47
Goiaba colhida na unidade de produção pesquisada em Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana
Correia. 08/02/2011.
A força do trabalho do jovem camponês e de sua esposa não é suficiente para dar
conta da demanda de trabalho no campo. Então ele contrata duas vezes por semana
trabalhadores temporários das Comunidades vizinhas para ajudar na produção do maracujá e
da goiaba. Ele paga entre R$ 20,00 a R$ 25,00 reais a diária.
Figura 48
Camponês se assalariando na
produção da goiaba e do
maracujá em Nova FlorestaPB. Arquivo: Silvana Cristina
Costa Correia. 08/02/2011.
A comercialização da produção do maracujá e da goiaba é realizada por meio de
atravessadores que compram toda a produção e depois revendem a outros comerciantes os
quais, por sua vez, revendem aos consumidores finais.
Esse camponês se recria quase que exclusivamente produzindo para vender os
produtos e não necessariamente para sobreviver do consumo deles. Contudo, ainda preserva o
237
trabalho familiar e a autonomia no processo de trabalho, elementos que lhe conferem a
identidade camponesa. Ele se recria transferindo a renda da terra ao capital industrial,
financeiro e comercial. O que explica que o capital monopolista não expropria os camponeses,
mas subordina a sua produção através da apropriação da renda da terra.
Cabe acrescentar, que a política do PRONAF, passou por mudanças significativas
durante o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no que diz respeito às
linhas de crédito já existentes, e também pela criação de novas linhas de crédito, visando
facilitar assim o acesso aos camponeses.
O que verificamos na pesquisa de campo é que o Estado ao estimular a EMATER a
oferecer as linhas de créditos do PRONAF aos camponeses de Teixeira e de Nova Floresta
assegura a acumulação do capital em favor da classe dominante. Isso porque esse programa
penetra no campo com o discurso de que a vinculação da produção agrícola a novas
tecnologias determina o seu desenvolvimento, mas na verdade, este desenvolvimento está
atrelado ao processo de subordinação da agricultura ao capital industrial e financeiro. A
produção dos camponeses insere-se assim ao ciclo do capital, através da dependência
financeira e técnica.
Além do PRONAF, outras políticas públicas também têm visibilidade no campo dos
municípios de Nova Floresta e Teixeira. São elas: Programa Garantia Safra e o Projeto
Cooperar.
A política pública do Cooperar, surgiu no ano de 1997, como parte de um Programa de
Combate a Pobreza Rural (PCPR), desenvolvido através de um convênio com o Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) ou Banco Mundial. O Cooperar
possui como alvo a execução e o controle de ações direcionadas a proporcionar a infraestrutura social e econômica básica às Comunidades rurais (ACCIOLY. 2003).
Na pesquisa de campo foi possível visualizar os resultados da ação do Cooperar em
Nova Floresta e Teixeira. Por exemplo, no que diz respeito à infra-estrutura, verificamos a
disseminação da eletrificação em todas as Comunidades visitadas. Nas propriedades
camponesas foram encontradas cisternas de placas e uma casa de farinha (Fig. 49 e 50)
patrocinadas pelo projeto Cooperar. Em uma das Comunidades visitadas em Nova Floresta, a
Boi Morto, situada na região semiárida, encontramos um sistema de abastecimento de água
construído em lajedo de rocha em janeiro de 2005 pela Associação Comunitária dos
Trabalhadores Unidos (ACOTUN), com o apoio deste Programa.
238
Figuras 49 e 50
Cisterna de placa e casa da farinha: resultado da política do Cooperar em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/01/2011.
O Programa Garantia Safra, conforme as informações concedidas pelo técnico da
EMATER de Nova Floresta é uma política vinculada ao PRONAF voltada para os
camponeses que sofrem perda na produção por motivo de seca ou excesso de chuvas.
Anualmente, os técnicos da EMATER vão até as Comunidades rurais para buscar a adesão
dos camponeses ao programa. Os camponeses que cultivam no sistema de sequeiro e que
sofrem perdas de 50% da produção recebem indenizações diretamente do Governo federal. Analisando criticamente a atuação da EMATER nos municípios estudados,
constatamos que existe uma diferença muito grande no que diz respeito à assistência técnica
prestada. Em Teixeira, a assistência, quando ocorre, se resume à disseminação de um “pacote
tecnológico” que não respeita a forma peculiar da produção camponesa. Em Nova Floresta os
técnicos também oferecem assistência técnica e orientação para obtenção de créditos, mas há
diferença na forma de orientação. Neste município alguns camponeses nos relataram que
nunca aderiram ao crédito do PRONAF porque seguiram as orientações dos técnicos da
EMATER para não se endividar e ter que se sacrificar para pagar o empréstimo. Então, eles
continuam se reproduzindo de modo tradicional, mesmo que seja precariamente, combinando
estrategicamente diversas formas de organização da produção e do trabalho como sempre
fizeram ao longo do tempo.
Em suma, a atuação do Estado através da EMATER nos municípios analisados reforça
a idéia de que o mesmo se faz presente em primeira instância para garantir a manutenção do
capital monopolista em suas diversas formas, para assegurar a apropriação da renda da terra
dos camponeses pela classe capitalista. Com base no exposto verificamos que os camponeses dependem de vários fatores para
se recriarem socialmente: a estrutura familiar (defendida por Chayanov) e os fatores externos,
239
como: a natureza, o mercado e o Estado (levantados por Shanin). Além desses elementos que
determinam a recriação do campesinato identificamos a atuação de ONGs como as que vêm
atuando em Teixeira e Nova Floresta.
5.2.2 A atuação das ONGs
Duas ONGs desenvolvem importantes atividades juntos aos camponeses dos
municípios estudados. Em Teixeira distingue-se o Centro de Educação Popular e Formação
Social (CEPFS) ligado a Articulação do Semi-Árido (ASA) e em Nova Floresta a Agência
Mandalla.
5.2.2.1 A atuação do CEPFS no município de Teixeira
O Centro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS) é uma Organização Não
Governamental (ONG) fundada no município de Teixeira no ano de 1986 por estudantes,
camponeses e profissionais liberais com o objetivo de promover o fortalecimento da
agricultura camponesa na região semiárida da Paraíba. Desde a sua fundação, tem como
principal parceira institucional outra ONG denominada “Cooperação da Irlanda Trócaire”. Em
1993 se tornou membro da Articulação do Semiárido da Paraíba (ASA-PB).
Das 15 Comunidades que visitamos na pesquisa de campo, nove são acompanhadas
pelo CEPFS, são elas: a) Fava de Cheiro; b) Flores; c) Livramento; d) Poços de Baixo;e)
Riacho Verde; f) São Francisco; g) Santo Agostinho; h) Serra Verde e; i) São José de Belém.
As famílias camponesas que moram nestas Comunidades têm acesso aos programas do
CEPFS só se forem sócias do Fundo Rotativo Solidário (FRS). Conforme explica o Assessor
técnico do CEPFS:
Na verdade, é a associação que vai mediar com o CEPFS sobre a construção
de qualquer obra. Então, o primeiro passo é ser sócio do Fundo Rotativo
Solidário da Comunidade que o agricultor mora. Vamos supor que o CEPFS
tenha dez cisternas de placas para construir em 2010 e 2011. Nós não
escolhemos as Comunidades, nós apresentamos ao conselho da associação.
Esse ano nós temos dez cisternas e cinco barragens subterrânea. As
lideranças de cada Comunidade consultam os agricultores das Comunidades,
e depois nos traz as demandas. Às vezes se estabelece prioridade, às vezes
aparecem 20 agricultores querendo, mas só podemos construir 10 cisternas.
Por exemplo: aquela família que já tem e quer outra, será analisada porque a
prioridade é para ainda quem não tem. E, ainda levamos em consideração a
distância do sítio em relação ao local que pegam água. Em caso de
240
semelhanças de situações a gente faz um sorteio (Depoimento concedido
pelo Assessor Técnico José Rego Neto. Teixeira-PB. (12/01/2011).
Na maioria das Comunidades rurais existem Associações Comunitárias dos
camponeses e para mantê-las os sócios dão uma contribuição mensal de R$ 3,00 reais. Nas
Comunidades que adotaram o Fundo Rotativo Solidário (FRS)11 os camponeses contribuem
com mais R$ 3,00 reais a cada mês para garantir a manutenção dos benefícios que esse fundo
proporciona as famílias camponesas.
Constatamos na pesquisa de campo que alguns camponeses são sócios da Associação
Comunitária da Comunidade onde moram, mas não se associaram ao FRS. Neste caso não
têm direito a nenhum projeto oferecido pelo FRS.
Como anteriormente mencionado, o CEPFS desenvolve programas e projetos apenas
nas Comunidades rurais que trabalham com o FRS. Os programas desenvolvidos pelo CEPFS
são os seguintes: a) recursos hídricos; b) associativismo; c) gênero e geração; d) recursos
genéticos e biodiversidade; e) meio ambiente (FOX E SCHWEIGERT, 2006). Alguns desses
programas já constituem experiências exitosas em Teixeira. Abordaremos aqui aqueles com
os quais tivemos contato através da pesquisa de campo.
a) O Programa do Associativismo
Neste programa o CEPFS atua em função do desenvolvimento comunitário (Fig. 51) e
tem como objetivo “promover espaços de reflexão e facilitar a criação de novos
conhecimentos para que assim eles (camponeses) possam desenvolver estratégias para a
convivência com a realidade semiárida” (FOX E SCHWEIGERT, 2006, p. 4).
11
No Estado da Paraíba práticas de Fundos que circulam na comunidade datam de 30 anos atrás “quando
pequenos agricultores apoiados pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) se associavam para disponibilizar
e gerir recursos financeiros visando atender as necessidades imediatas da comunidade que ressarciam tais
recursos trocando produtos entre si (como porcos, cabras, galinhas e sementes) configurando, desde longa data, a
partir das relações de troca, o circuito da dádiva. ( ) Os recursos circulam na própria comunidade e a reposição
desses fundos obedece a uma lógica da solidariedade baseada nas regras tradicionais de reciprocidade, que levam
qualquer agricultor a compartilhar água de beber porque “no sertão, água não se nega” ou ainda criar seus
animais em áreas de pastagens comuns, os fundos de pasto. .A partir de 1993 essas práticas tradicionais foram
ressignificadas como políticas públicas de desenvolvimento local com a denominação de Fundos Rotativos
Solidários” (GONÇALVES, 2010, p.228).
241
Figura 51
Camponeses na reunião ordinária da União das Associações Comunitárias do município de
Teixeira (UNACT). Arquivo: Silvana Correia. 13/02/2011.
Na pesquisa de campo verificamos que das 16 Comunidades rurais que visitamos 11
(75%) possuem Associações Comunitárias, inclusive, o Assentamento de Poços de Baixo. O
carro chefe do Programa é o Fundo Rotativo Solidário (FRS). Todavia, nem todas as
Comunidades que possuem Associações Comunitárias trabalham com o FRS. Em fevereiro de
2011, somente as nove assistidas pelo CEPFS utilizavam o FRS.
O FRS funciona como uma forma alternativa de crédito para os camponeses que não
têm recursos financeiros para investir na infra-estrutura de suas casas, na educação e na saúde.
A administração do FRS é feita pelos próprios camponeses que se organizam voluntariamente
nas Associações Comunitárias de suas Comunidades com o acompanhamento e supervisão de
um parceiro institucional, como o CEPFS.
O CEPFS, como outros atores da rede ASA-PB, organizam a formação de
FRS em acordo com as Comunidades para que assim os beneficiários dos
projetos restituam os custos para assim criarem financiamentos para outras
famílias. De fato, um bem material como a cisterna, que chega para a
Comunidade como parte de um projeto ou programa, uma parte é devolvida
para um fundo que gira dentro da Comunidade, a partir de acordos
estabelecidos pelas próprias famílias participantes dos FRS (FOX E
SCHWEIGERT, 2006, p. 5).
Conforme as informações dadas pelo representante do CEPFS, a devolução dos
recursos do FRS ocorre de acordo com as possibilidades financeiras de cada família
camponesa.
242
O CEPFS investe na Comunidade e não temos o objetivo de ter o recurso de
volta. O que nós queremos é que a Comunidade se desenvolva. O dinheiro
do FRS pode ser investido em outra necessidade, o retorno é para
Comunidade e não para o CEPFS. A gente não tem retorno financeiro do
projeto desenvolvido, o retorno fica no fundo rotativo solidário, ou seja, na
Comunidade. (...) Por exemplo, no caso de uma construção de uma cisterna,
o CEPFS entra com o recurso do material e com o recurso do pedreiro. A
família entra com uma contrapartida de escavação do buraco e do ajudante
do pedreiro, e às vezes com a areia. A gente nunca apóia tudo, porque para a
gente apoiar 100% não é educativo, achamos que é importante a família dar
uma contrapartida (participação). Agora, no caso em que a família não tem
condições de colocar o servente, o fundo rotativo solidário da Comunidade
em que mora paga o servente e o custo do servente entra no custo da
cisterna. Hoje, a cisterna custa R$ 1.200,00 reais. A família devolverá esse
valor ao fundo rotativo que depois, retornará para outros benefícios para a
Comunidade (Depoimento concedido pelo Assessor Técnico do CEPS, José
Rego Neto. Teixeira-PB em 12/01/2011.
De acordo com o CEPFS, o FRS resgata a prática tradicional de reciprocidade que já
existia entre os camponeses, mas que estava esquecida. Neste processo, uma família ao ser
beneficiada com uma cisterna ou qualquer outra obra, devolverá o recurso ao FRS para que
outra família também possa se beneficiar. Essa forma de funcionamento do FRS rompe com
as formas verticais de reciprocidade estabelecida nas relações de poder local.
Se os projetos são “gratuitos” os pobres podem permanecer dependentes.
Esta dependência é promovida pelo “clientelismo” eleitoral de um “um favor
em troca de um voto”, o que constitui um obstáculo para a autonomia da
Comunidade e autodeterminação. O FRS desafia as formas verticais de
reciprocidade e promove as formas horizontais (FOX E SCHWEIGERT,
2006, p. 5).
De acordo com os líderes de algumas Associações Comunitárias que visitamos, a
devolução dos recursos é de quase 100%. Algumas poucas famílias tiveram dificuldades em
devolver o empréstimo, mas com o passar dos anos devolveram.
Das 35 famílias camponesas que visitamos em Teixeira, 18 (51%) já participaram do
FRS e 15 foram contempladas com outros projetos desenvolvidos pelo CEPFS a partir do
FRS. (Gráficos 25 e 26).
243
Gráfico 25
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 25/06/2011
Gráfico 26
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 25/06/2011
O CEPFS vem acompanhando a constituição dos FRS no município de Teixeira desde
o ano de 1993. De início, os fundos foram mais utilizados para a construção de cisternas de
placas, depois algumas Comunidades aprovaram fundos para atividades de geração de renda e
gastos com a saúde e outras necessidades pessoais.
Como já foi mencionado, além do Associativismo o CEPFS desenvolve outros
programs em diversas áreas junto aos camponeses de Teixeira como veremos a seguir.
244
a) O Programa de recursos hídricos, acesso e manejo sustentável
Na área dos recursos hídricos o CEPFS desenvolve projetos voltados para o
armazenamento de água de chuva através da instalação de tecnologias sociais, como: cisternas
de placas; tanques em fendas de rochas; barragens subterrâneas; poços amazonas e tanques de
alvenaria para criação de peixes (Figs. 52, 53, 54 e 55). A construção de cisternas de placas é
o projeto mais aprovado nas Comunidades rurais que trabalham com o FRS. Em seguida vem
a construção de tanques em fendas de rochas e as outras. Na pesquisa de campo foi possível
identificar algumas dessas tecnologias sociais implantadas em algumas unidades de produção
camponesas que visitamos.
Figura 52
Tanque em fenda de rocha na Comunidade de Fava de Cheiro em Teixeira-PB. Arquivo:
Silvana Cristina Costa Correia. 13/01/2011.
245
Figura 53
Obstáculo para
barrar a água
da chuva
Barragem subterrânea na Comunidade de Santo Agostinho em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/01/2011.
Figura 54
Figura 55
Tanque em fenda de rocha e sistema de captação de água através de cisterna na Comunidade
Riacho Verde em Teixeira. Arquivo: Silvana Correia. 14/01/2011.
A introdução dessas tecnologias sociais nas unidades de produção camponesas,
principalmente das cisternas de placas, tem reduzido a incidência de doenças e ainda vem
gerando renda para alguns camponeses que aprenderam a construí-las e vêm temporariamente
trabalhando nas construções delas nas Comunidades vizinhas para complementar a renda
familiar. Todavia, embora a cisterna de placa represente uma grande conquista na captação e
na técnica de armazenamento de água no município de Teixeira, ainda existem famílias que
246
não a possui. De fato, identificamos duas famílias camponesas que ainda utilizam o jumento
para transportar água todos os dias de lugares distantes (Fig. 56).
Figura 56
Jumento transportando água em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Correia. 14/01/2011.
A não participação de algumas famílias camponesas nos projetos de construção de
cisterna de placas pode ser explicado de duas formas: de um lado, porque os projetos do
CEPFS desenvolvidos conjuntamente com o FRS possuem condicionalidades que favorecem
somente aqueles camponeses que dispõem de R$ 3,00 a R$ 6,00 reais a cada mês para manter
a associação e o FRS12; de outro lado, por desinteresse do próprio camponês.
Observamos que as famílias camponesas utilizam a água de chuva armazenada nas
tecnologias sociais para diferentes fins, a saber: a) a água das cisternas é utilizada
exclusivamente para o consumo humano e higiene pessoal; b) a água dos tanques em fendas
de rochas é utilizada para as necessidades domésticas, como lavar roupas e limpeza da casa;
c) a água da barragem subterrânea é utilizada para o cultivo de produtos agrícolas no período
de estiagem; d) a água dos poços amazonas é utilizada para regar as culturas do roçado.
Conforme os relatos das famílias que foram contempladas com os projetos do CEPFS
através do FRS, após a implantação das tecnologias sociais alguns problemas relacionados ao
acesso à água deixaram de existir: a) acabou com os problemas de saúde ocasionados pelo uso
da água contaminada; b) tirou a obrigação das mulheres de irem pegar água todos os dias em
12
Caso o camponês queira se associar apenas ao FRS ele paga somente R$ 3,00 mensais.
247
lugares muito distantes; c) acabou com a dependência do abastecimento de água através do
carro pipa, além de outros.
Com efeito, observamos na pesquisa de campo que a introdução das tecnologias
sociais de captação e armazenamento de água nas unidades de produção de Teixeira
possibilitou o surgimento de formas alternativas de recriação camponesa relacionadas à
convivência com o semiárido e, consequentemente, com a seca.
b) O Programa Recursos Genéticos: seleção de sementes
O Programa “Recursos genéticos: seleção de sementes”, desenvolvido pelo CEPFS
estimula as famílias camponesas a resgatarem antigas práticas de seleção e armazenamento de
sementes crioulas, conhecidas como “sementes da paixão”.
De acordo com Fox e Schweigert (2006):
O armazenamento de sementes que dar suporte ao plantio dos anos
subseqüentes é uma tradição muita antiga e que tipicamente envolve um
banco de semente familiar. O CEPFS apóia e promove a experiência de
Bancos de Semente Comunitários (BSCs), uma estratégia planejada desde o
fórum inicial da ASA para construir resistência, onde os grupos contribuem
com variedades de sementes não-transgênicas para serem usadas pela
Comunidade em futuras plantações (p. 14).
Os Bancos de Sementes Comunitários (BSCs) funcionam de forma semelhante com o
FRS. A forma de empréstimo e devolução foi muito bem explicada pela Presidente da
Associação dos Pequenos Produtores da Comunidade de Fava de Cheiro:
As sementes só são emprestada para os agricultores que são sócio da
Associação Comunitária de Fava de Cheiro e que contribui todo mês com R$
3,00. Aí no caso de falta de semente prá plantar ou prá comer, a associação
empresta através do banco de semente comunitária. O agricultor que toma
emprestado tem que devolver 30% a mais do que pegou. E, aqueles que não
ligam prá se associar ao BSC, pode pegar emprestado, mas devolvendo 60%
a mais do que ele pegou emprestado (Depoimento da camponesa Iolanda
Silva de Teixeira-PB. 13/01/2011).
Em outras palavras, os camponeses que são sócios dos BSCs e tomam sementes
emprestadas para garantir o plantio na hora certa, após a colheita têm que depositar uma 30%
a mais da quantidade de semente que foi tomada emprestada ao BSCs para que outros
camponeses também possam se beneficiar. Alguns exemplos de BSCs podem ser observados
nas figuras 57 e 58.
248
Figuras 57 e 58
Bancos de Semente Comunitários das Comunidades de Riacho Verde e Fava de Cheiro.
Arquivo: Silvana Correia. 14/03/2008
A iniciativa de formar os bancos de sementes surgiu das próprias Comunidades com o
apoio do CEPFS que cedeu de início uma boa quantidade de sementes para serem
armazenadas nas associações que aprovaram o projeto.
Entendemos a experiência do BSC como uma forma de recriação camponesa e uma
forma de resistência ao uso das sementes melhoradas e transgênicas vendidas nas lojas
agropecuárias dos municípios.
c) O Programa de Gênero e Geração
O programa de “Gênero e Geração” do CEPFS atua através de reuniões nas
Comunidades buscando motivar as mulheres na busca da equidade de gênero e geração. Este
programa desenvolve várias ações tais como oficinas sobre: a) gênero e alternativa alimentar,
horta caseira, pomar doméstico, uso e cultivo de plantas medicinais; b) meio ambiente e saúde
da mulher, manejo florestal, manejo e conservação do solo e uso de cactus; c) violência,
discriminação e direitos humanos; d) gênero, geração e leitura.
O desenvolvimento deste programa nas Comunidades rurais, segundo o assessor
técnico do CEPFS, exigiu desde o início paciência e sensibilidade cultural, pois não era
comum a participação de mulheres camponesas nas reuniões e eventos das associações
comunitárias. Os homens tinham o receio de que suas esposas chegassem em casa dando as
ordens invertendo os papéis sociais da família. Mas, no decorrer dos anos as mulheres
249
perceberam que a sua participação nas reuniões das associações comunitárias é muito
importante para o fortalecimento das Comunidades onde moram. Atualmente, é visível o
predomínio das mulheres na liderança das associações comunitárias de Teixeira (Fig. 59).
Figura 59
Camponesas que são presidentes das associações comunitárias na reunião da UNACT no
município de Teixeira. Arquivo: Silvana Correia. 10/02/2011.
Outros resultados no âmbito deste projeto foram visíveis na pesquisa de campo, tais
como: a) o resgate de hortas caseiras pelas mulheres; b) o aproveitamento de receitas com
frutas nativas; c) o retorno ao uso e cultivo de plantas medicinais ao redor das casas ou nos
quintais, além de outras iniciativas que estão sendo resgatadas no âmbito da alimentação
alternativa que foram esquecidas pelas famílias camponesas deixando-as dependente do
mercado. Essas iniciativas são formas de resistência construídas com o apoio do CEPFS para
combater a dependência do mercado capitalista.
A partir deste processo de resgate da alimentação alternativa surgiu a idéia das
mulheres criarem algumas unidades de beneficiamento de frutas nas próprias Comunidades.
Com o apoio do CEPFS através do FRS, entre os anos de 2008 e 2009 foram implantadas
duas unidades de extração de polpa de frutas que funcionam nas Associações Comunitárias
das Comunidades de Fava de Cheiro e de Poços de Baixo. Na Comunidade de Poços de
Baixo, atualmente estão quatro famílias trabalhando no processo de beneficiamento das frutas.
O CEPFS apoiou o projeto fornecendo os instrumentos de trabalho e a infra-estrutura através
do FRS (Figs. 60, 61, 62 e 63). O valor do investimento foi de R$ 29.000,00. Esse alto valor a
primeira vista nos assustou, pois como as quatro famílias iriam conseguir devolver ao FRS?
Nesse sentido o assessor técnico do CEPFS explicou que:
250
Os R$ 29.000,00 volta para a Comunidade. Ou seja, volta para o Fundo
Rotativo Solidário da Comunidade. A gente não sabe quanto tempo vai levar
para pagar (...), pode levar 10 anos ou 15 anos. A gente não quer saber
quanto tempo levará para ser pago, o que a gente quer saber é que aquela
Comunidade, ou seja, as famílias beneficiadas se comprometam em devolver
os R$ 29.000,00 reais ao FRS. Exemplos: as agricultoras que participam (...)
no mês de dezembro de 2010 lucraram R$ 300,00. Então, o que a gente quer
é que desses 300,00 reais elas tirem 50,00 reais e paguem ao fundo rotativo.
A gente sabe que vai demorar muito até devolver tudo, mas o tempo não nos
interessa, o importante é que a família devolva o que puder por mês. Isso é
um projeto educativo, de mudança de hábitos. Já aconteceu de não
devolverem, mas enquanto uma família não devolve outras dezenas
devolvem. E, às vezes, acontece daquelas que não devolvem, depois se
arrependem e voltam a devolver. É muito comum as famílias pagarem com o
dinheiro do bolsa família e da aposentadoria. Tem caso em que a família
chega prá gente e fala que não vão devolver mensal porque não têm
condições. Então eles pegam o dinheiro da aposentadoria e compram um
porco novinho e deixa ele crescer para depois vender e pagar ao fundo
rotativo. Um porco grande vale uns 300,00 ou 400,00 reais. Eles pegam esse
dinheiro e pagam de uma vez. Na verdade eles utilizam diversas formas para
devolver o dinheiro ao fundo, às vezes pagam em forma de trabalho a
Comunidade. Se esta forma é sustentável não sabemos, mas até agora está
dando certo. O resultado pode ser visto se você comparar uma Comunidade
que tem fundo rotativo solidário com outra que não tem (Depoimento
concedido pelo Assessor Técnico do CEPFS, José Rego Neto. Teixeira-PB
em 13/01/2011).
As polpas de frutas são comercializadas diretamente aos consumidores da cidade de
Teixeira pelas próprias camponesas que saem vendendo de casa em casa todas as sextasfeiras. A prefeitura local também vem apoiando este projeto no sentido de comprar as polpas
para a merenda escolar das escolas públicas do município. Os valores das polpas variam
conforme o peso delas, por exemplos, as de 100g são vendidas ao preço de R$ 0,60 centavos;
as de 500g ao preço de R$ 3,00 reais; e as de 1 kg ao preço de R$ 6,00 reais. Conforme os
relatos das camponesas, elas obtêm em média de R$ 60,00 a R$ 100,00 por semana já tirando
as despesas com os gastos do beneficiamento e dão um retorno ao FRS de R$ 100,00 a R$
200,00 por mês.
251
Figuras 60 e 61
Equipamentos utilizados no beneficiamento das frutas na Comunidade Poços de Baixo em
Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/01/2011
Figuras 62 e 63
Utensílios domésticos organizados na estante e polpas armazenadas num freezer na Comunidade
Poços de Baixo. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/01/2011.
A criação das unidades de extração de polpa de frutas nas Comunidades rurais de
Teixeira expressa uma forma de recriação camponesa apoiada pelo CEPFS e pelo FRS que
possibilita o aproveitamento das frutas que são cultivadas pelas próprias camponesas em suas
unidades de produção agropecuária.
No que se refere ao projeto de geração, o CEPFS vem incentivando os jovens
camponeses a participarem das reuniões e dos eventos promovidos pelas associações
252
comunitárias. O objetivo é motivá-los a se interessarem em dar prosseguimento aos caminhos
dos seus pais na agricultura camponesa. Porém, foi mais fácil incorporar as mulheres para
dentro das associações do que trazer os jovens para dentro delas. Daí o CEPFS já se encontrar
elaborando outro programa voltado exclusivamente aos jovens para tentar mais uma vez
incluí-los na proposta de continuidade da vida no campo.
Verificamos que todos os projetos desenvolvidos pelo CEPFS13 através do FRS fazem
a interface com a questão do meio ambiente. A capacitação é fundamental neste processo e
está presente nas palestras, nos seminários e nos encontros que trabalham com temas que
estão relacionados à questão de gênero, ao manejo ambiental, ao manejo dos recursos hídricos
e ao resgate de práticas de convivência com a realidade semiárida. Em outras palavras, a
atuação de um agente externo como o CEPFS no município de Teixeira constitui mais um
elemento de apoio a resistência camponesa contra as investidas do capital.
Na Paraíba, outras Organizações Não Governamentais vem atuando junto aos
camponeses com a implantação de outras formas alternativas de convivência com o semiárido
a exemplo da Agência Mandalla no município de Nova Floresta.
5.2.2.2 A atuação da Agência Mandalla em Nova Floresta
A Agência Mandalla é uma Organização Não Governamental que foi fundada em
2003 no município de Cuité, na Paraíba, pelo paraibano Willy Pessoa14. O seu objetivo
principal, segundo Albuquerque (2006), é “incentivar processos de desenvolvimento
sustentável facilitando a aplicação e a disseminação de tecnologias sociais” (p. 5). Na Paraíba,
os seus projetos são desenvolvidos nos municípios que possuem recursos hídricos limitados
que não atendem satisfatoriamente as necessidades das atividades agrícolas. A tecnologia
social difundida pela Agência é a “mandalla”.
Conforme Albuquerque (2006):
A mandalla caracteriza-se por ser uma nova alternativa para a agricultura
familiar, onde se utiliza um modelo alternativo de irrigação. Ela tem por um
de seus objetivos resgatar a dignidade de famílias que residem no meio rural,
proporcionando a produção de alimentos orgânicos, sem o uso de
agrotóxicos, que atendam as necessidades de subsistência e propicie um
13
O CEPFS em 2012 não terá a parceria da sua principal colaboradora financeira: a Trócaire da Irlanda. O que
pode comprometer a continuidade de seus trabalhos com as comunidades rurais de Teixeira.
14
Willy Pessoa ocupava o cargo de consultor de desenvolvimento sustentável no SEBRAE quando criou e
patenteou o projeto da mandalla no mercado e fundou a Agência Mandalla DHSA – Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIPE).
253
excedente comercializável que gere renda para as mesmas. Em outras
palavras, essa alternativa tecnológica objetiva a melhoria de vida dos
pequenos produtores, contribuindo para a sua fixação no campo (p. 5). Na Paraíba, as primeiras mandallas foram implantadas em 2001 no Assentamento
Acauã, localizado no município de Aparecida, na Mesorregião do Sertão Paraibano. Nesse
Assentamento foram instaladas 63 mandallas nos quintais de 63 famílias assentadas. Mas,
após os primeiros anos de funcionamento, algumas mandallas foram desativadas devido à
falta de água (ALBUQUERQUE, 2006).
Depois da experiência iniciada no Assentamento Acauã, o projeto foi implantado em
outros municípios paraibanos15 quais sejam: Cruz do Espírito Santo, Caaporã, João Pessoa,
Sapé, Santa Rita, Coxixola, São José do Tigre, Boa Vista, Sossego, Picuí, Cubati, Sousa,
Vieirópolis, Aparecida, Cajazeiras, Cuité, Bananeiras e, mais recentemente, Nova Floresta.
Em Nova Floresta o projeto de instalação de mandallas foi implementado em 2007
com o apoio financeiro da ABN AMRO Foundation16 da Holanda que atua apoiando
iniciativas de desenvolvimento econômico e social sustentáveis. Das 41 famílias camponesas
que visitamos na pesquisa de campo, duas17 aderiram ao projeto e tiveram apoio da Agência
Mandalla através de cursos de capacitação que abordaram os seguintes temas: a) instalação e
manutenção do sistema mandalla; b) técnicas de plantio; c) defensivos naturais; d) adubação
orgânica; e) técnicas alternativas; f) tecnologias apropriadas; g) alimentação alternativa; h)
práticas de higiene; i) colheita e beneficiamento dos produtos18.
Conforme os relatos dos camponeses de Nova Floresta, antes de implantar as
mandallas em suas propriedades, os técnicos da Agência Mandalla realizaram um
mapeamento da área para identificar o melhor local para construí-las.
De acordo com Tavares (2006):
A área necessária para a construção de uma mandalla é de ¼ de hectare. Essa
área deve estar preferencialmente localizada nas proximidades da casa,
muitas vezes correspondendo ao quintal da mesma, facilitando o trabalho da
família. Após, marcam-se o centro e as circunferências, com a utilização de
15
Alguns municípios das regiões Nordeste e Sul aderiram ao Projeto Mandalla no decorrer de 7 anos de
funcionamento da Agência Mandalla.
16
Atualmente a Agência Mandalla tem como principal parceira (financeira) a Bayers CropScience. Além de
outras como: a ASHOCA; O Programa Crescer; o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); a FIES –
Fundo Itaú de Excelência Social; o Ministério da Integração Nacional; o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento; o SEBRAE; a EARTH; o Instituto ETHOS; a OI Futuro e a ABN AMRO Foundation.
17
As duas famílias camponesas não tiveram nenhum custo com a implantação das mandallas. A Agência
Mandalla em parceria com a ABN AMRO Foundation forneceu os materiais necessários para as instalações.
18
Informações obtidas através das entrevistas realizadas com os camponeses de Nova Floresta e pelo site da
Agência Mandalla disponível em: www.agenciamandalla.org.br.
254
bastões e barbantes, para só depois iniciar a escavação de um buraco, que
dará origem ao tanque onde se armazenará água para irrigação. O buraco
deve ser cavado em forma de funil, com 1,8m de profundidade (p. 8).
As mandallas construídas em Nova Floresta seguem o padrão da Agência Mandalla.
Ou seja, foram montadas em círculos concêntricos e têm no centro um tanque de água (com
um diâmetro de 6 metros) de onde parte o sistema de irrigação. O tanque19, denominado de
coração da mandalla (Fig. 64), foi cavado na forma de funil com uma profundidade de 1,80m.
Após o escavamento, o revestimento e o abastecimento do tanque com água, iniciou-se a
formação dos canteiros.
Figura 64
Camponês e sua mandalla na Comunidade Montevidéu em Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana
Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
A mandalla é estruturada semelhante ao sistema solar com nove canteiros circulares
em torno do tanque central. A distância de um canteiro para outro é de aproximadamente 1,20
m para facilitar a colheita das hortaliças sem o pisoteio do solo. De acordo com os
camponeses entrevistados, os noves círculos de canteiros possuem a seguinte classificação: os
três primeiros canteiros (Fig. 65) que ficam mais próximos do reservatório de água (o tanque
central) representam o círculo da vida. Neles, são cultivadas as hortaliças destinadas ao
consumo da família. Os cinco círculos subseqüentes representam os cultivos de culturas
comerciais. O último círculo representa o equilíbrio ambiental, é cultivado com árvores
frutíferas para formar cercas vivas e evitar os ventos fortes na mandalla.
19
Os tanques das mandallas de Nova Floresta não são circundados por grades de arames.
255
Figura 65
Círculos de canteiros de hortaliças em torno do tanque central da mandalla em Nova FlorestaPB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
O sistema de irrigação instalado é o de micro-aspersores construídos com mangueiras
e hastes de contonetes de ouvidos. Na propriedade visitada, a água que vai para a mandalla
vem de um poço artesiano. O transporte da água do poço para a mandalla é feito através de
bombas movidas à eletricidade que ficam localizadas no tanque central. Dentro ou em torno
do reservatório de água são criados peixes, galinhas, patos e marrecos que formam um
sistema interativo onde as necessidades de um podem ser supridas pela produção do outro. Ou
seja, segundo Albuquerque (2006), os animais criados dentro ou soltos ao redor do tanque
acabam depositando as suas fezes dentro dele o que enriquece a água com potássio e
nitrogênio. A água enriquecida é levada para os canteiros e servirá de fertilizante natural para
as culturas cultivadas. A irrigação é realizada de acordo com as estações do ano, sendo as
aguações feitas duas vezes por dia no verão e apenas uma vez por dia no inverno.
Os camponeses organizam a produção de forma diversificada, consorciada e sem o uso
de agrotóxicos. Plantam nos canteiros da mandalla: hortaliças, verduras, frutas, e gêneros
alimentícios, plantas medicinais e plantas repelentes de pragas.
256
Figura 66
Horticultura, plantas frutíferas e medicinais na mandalla de uma propriedade camponesa de
Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
Os produtos irrigados nos canteiros são: alface, coentro, cebolinha, pimentão, tomate,
feijão verde, rúcula, cenoura, beterraba, batata-doce, maxixe, milho e melancia.
O trabalho na mandalla é realizado totalmente pela família. Constatou-se uma divisão
de tarefas: os chefes das famílias preparam a adubação do solo com o esterco do gado e as
mulheres fazem o transplante das mudas para os canteiros. Os tratos culturais, a colheita e o
beneficiamento dos produtos são realizados por todos os membros da família para viabilizar o
mais rápido possível a comercialização dos produtos que não podem ficar armazenados
durante muito tempo.
A produção da mandalla é destinada quase que exclusivamente para a
comercialização, ficando o excedente para o consumo da família. Os produtos são
comercializados pelos próprios camponeses na feira agroecológica do município de Cuité-PB
(realizada nas sextas-feiras) e na feira livre de Nova Floresta realizada aos domingos. De
acordo com os camponeses, os produtos comercializados geram uma renda mensal em torno
de R$ 450,00 reais20. Os mesmos afirmaram que este valor não é o suficiente para suprir as
necessidades das famílias, mas complementa a outra renda proveniente da venda do excedente
da produção do roçado.
Observações feitas nas propriedades camponesas que estão utilizando o sistema de
mandalla, nos levaram a acreditar que essa forma alternativa de produção agrícola se adéqua à
20
Segundo a Agência Mandalla, a meta esperada é que cheguem a ganhar um salário mínimo por mês.
257
realidade da região semiárida, porém apresenta algumas limitações tais como: a) exige a
presença de recursos hídricos na unidade de produção. Em Nova Floresta, a sua implantação
se restringiu às propriedades camponesas situadas na região serrana pela maior
disponibilidade de água nessa área21. Na outra região natural do município, a semiárida, não
localizamos nenhuma mandalla; b) os gastos com a energia elétrica ou com o diesel são
elevados o que pode inviabilizar o projeto para muitos camponeses; c) há a necessidade de
assistência técnica da Agência Mandalla sobretudo no início da produção no sistema. Os
camponeses que implantaram mandallas em Nova Floresta e que foram por nós entrevistados
relataram que no início da implantação a assistência foi muito grande e fundamental, mas com
o passar do tempo foi diminuindo para que eles não ficassem dependentes da Agência
Mandalla e de outros órgãos para produzir.
A partir dessas breves considerações sobre a implantação e o funcionamento das
mandallas em duas propriedades camponesas que visitamos em Nova Floresta, constatamos
que as famílias envolvidas com esse sistema alternativo de irrigação estão se recriando de
forma mais harmoniosa com a natureza ao produzirem alimentos orgânicos e sem agrotóxicos.
A maior parte da produção é comercializada diretamente com os consumidores nas feiras
agroecológicas e feiras livres convencionais, o que livra os camponeses da apropriação da
renda da terra pelo capital comercial. Todavia, fica evidente que os camponeses não teriam
condições de ter implementado as mandallas sem o apoio da Agência Mandalla e dos seus
parceiros colaboradores. Isso revela a importância do Estado de criar e implementar políticas
agrícolas que garantam a recriação camponesa a partir de formas alternativas de produção.
Além dessas formas de resistência e de recriação camponesa de caráter mais
econômico e social destacamos ainda os costumes e valores localmente construídos no
território camponês.
5.3 Costumes e valores como formas de resistência e recriação camponesa
Para compreender todo o processo de recriação camponesa sob a égide do modo de
produção capitalista, é necessário analisar um conjunto de costumes e valores que são
construídos a partir de forças locais assentadas no território, que faz com que os camponeses
21
Mesmo sendo instalada na região subúmida, verificamos que a existência de somente um poço não atende as
necessidades da mandalla. Inclusive, em uma das propriedades visitadas, a mandalla estava funcionando somente
com cinco canteiros devido a insuficiência de vazão do único poço existente.
258
resistam e se firmem enquanto classe social no capitalismo. Para tanto, abordaremos aqui o
que Bombardi22 (2003), com base nos trabalhos efetuados por Thompson (1998), denomina
de ordem moral camponesa, o conjunto de valores estabelecidos pelos camponeses que se
perpetuam ao longo do tempo histórico. Marques (2004) relaciona a ordem moral ao modo de
vida camponês o qual é entendido como:
um conjunto de práticas e valores que remetem a uma ordem moral que tem
como valores nucleantes a família, o trabalho e a terra. Trata-se de um modo
de vida tradicional, constituído a partir de relações pessoais e imediatas,
estruturadas em torno da família e de vínculos de solidariedade, informados
pela linguagem de parentesco, tendo como unidade social básica a
Comunidade (p. 145).
Na pesquisa de campo identificamos entre os camponeses de Teixeira e de Nova
Floresta algumas formas de resistência de base territorial local que vão além da dimensão
econômica (do processo de trabalho), e se materializam através da cultura camponesa, como:
as relações de vizinhança, as ações comunitárias, a religiosidade e as festas populares. Estas
serão tratadas a seguir, mas antes é preciso abordar o conceito de cultura camponesa que
norteia este trabalho.
Adotamos o conceito de cultura camponesa utilizado por Marques (2004), que
corresponde a “(...) um conjunto de práticas, valores e significados definidos em seu
movimento de reprodução, o qual enfrenta oposição de outros grupos ou classes sociais,
sendo o modo de vida a maneira do grupo social manifestar sua cultura” (p. 153).
As famílias camponesas que estudamos estão organizadas em Comunidades e
assentamentos rurais. As casas nas Comunidades estão localizadas distantes umas das outras,
enquanto que nos assentamentos foram construídas em agrovilas, formando espécie de ruas.
Tanto nas Comunidades como nos assentamentos dos municípios estudados, as relações de
vizinhança caracterizam a dimensão local do modo de vida das famílias camponesas, o que
permite, segundo Fabrini (2008):
(...) uma sociabilidade forjada num pequeno círculo de famílias que vivem
próximas uma às outras, pois as pessoas se identificam com um pequeno
grupo. Esta relação entre vizinhos também aponta para uma socialização
forjada na esfera local e que se desdobra na produção agrícola (...) (p. 265).
22
Para a autora existem três fatores que são fundamentais na compreensão do campesinato, quais sejam: o plano
econômico, o plano político e o plano moral. No plano econômico cabe o entendimento do campesinato
enquanto classe social.
259
Nos assentamentos rurais as relações de vizinhança são mais presentes devido ao fato
dos assentados morarem próximos um dos outros.
Durante o período da pesquisa de campo, vários fatos nos chamaram a atenção. Um
deles aconteceu quando estava entrevistando uma camponesa assentada23 e depois de alguns
minutos chegaram duas vizinhas para ver com quem ela estava conversando e sobre qual
assunto tratava. Para disfarçar a curiosidade, uma delas ofereceu a entrevistada frutas colhidas
do seu quintal para a mesma aproveitá-las no beneficiamento de polpas de frutas. As duas
vizinhas entraram, sentaram no sofá e só saíram no término da entrevista. Em outras idas ao
mesmo assentamento presenciamos o empréstimo entre as mulheres de materiais e alimentos
de cozinha como: panelas, açúcar, gelo, canjica, além de outros materiais que fazem parte do
cotidiano delas.
Já nas Comunidades rurais, as relações de vizinhança entre as mulheres não se dão
com muita freqüência pelo fato de morarem distantes uma das outras. Observamos que as
visitas acontecem mais aos domingos e feriados. Colhemos uma fala na qual a mãe falou para
filha: “vista a roupa do domingo (...), vamos visitar a sua madrinha lá em Flores”. Ou seja, a
distância entre as casas motiva passeios de final de tarde.
Um traço comum entre as casas das Comunidades dos dois municípios é que a maioria
delas possui uma porta na frente com uma divisão horizontal em duas partes para permitir o
uso da parte superior como janela (Fig. 67). Da janela os camponeses observam a rua e o
movimento das pessoas na Comunidade.
Figura 67
Camponesa olhando a rua da janela da sua porta. Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Correia. 07/02/2011.
23
Essa entrevista aconteceu no Assentamento de Poços de Baixo no município de Teixeira-PB.
260
Da relação entre vizinhos surge a ajuda mútua como forma de resistência à contratação
de mão-de-obra. Foi o que verificamos nas Comunidades de Rio de Janeiro e de Flores no
município de Teixeira, nas quais alguns camponeses trocam dias de serviços entre eles e ainda
partilham produtos e equipamentos que são utilizados nas atividades agrícolas, como:
sementes, carro de mão, foice, enxadeco entre outros que estejam disponíveis no momento.
Enfim, travam diversos tipos de trocas que não são reguladas por relações mercadológicas,
mas por laços de vizinhança.
Outras formas de resistência que vêm se firmando no território camponês de Teixeira
são as ações comunitárias, que segundo Fabrini (2008), são caracterizadas mais “(...) por
vínculos de solidariedade entre as pessoas do que por revelações políticas e ideológicas” (p.
267). De fato, o mutirão realizado pelos camponeses de Teixeira funciona mais pela
solidariedade do que pelo sentimento político de transformação estrutural da sociedade.
Conforme Fabrini (2008):
As ações comunitárias ainda se manifestam na solidariedade entre as
famílias e vizinhos como na troca de dias de serviços, mutirões para
plantação, cuidado com as lavouras, colheitas etc. Outras atividades podem
indicar o “espírito” comunitário, como o lazer e as festividades, visitas aos
vizinhos em finais de semana, reuniões religiosas, seja na sede da
Comunidade onde está a capela, seja nas residências (p. 267).
As festividades (festas juninas e outras) e as reuniões religiosas como as missas
realizadas nas igrejas católicas e os cultos realizados nas igrejas protestantes (evangélicas)
evidenciam uma relação local caracterizada pela socialização entre os participantes que se
materializam como ponto de encontro semanal.
Nos dois municípios estudados a religião católica é predominante. Encontramos em
algumas casas que visitamos as imagens de santos penduradas em paredes juntas com as
fotografias dos parentes mais próximos, como filhos na infância e avós idosos que já
faleceram. Na Associação Comunitária dos Pequenos Produtores da Comunidade de Riacho
Verde em Teixeira, a expressão da religiosidade camponesa se faz presente representada por
um santuário embutido na parede com a imagem de Nossa Senhora e fotos de Santos ornados
com pequenos jarros de flores (Fig. 68).
Enfim, as relações comunitárias que encontramos em Teixeira e Nova Floresta são
caracterizadas mais pela diversão e pelo prazer das conversas do que pela “deliberação de
ações sistematizadas de lutas e reivindicações” (FABRINI, 2008, p. 267).
261
Figura 68
Santuário na Associação Comunitária dos Pequenos Produtores da Comunidade de Riacho
Verde. Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Correia. 10/02/2011.
Ou seja, são diferentes das ações coletivas, caracterizadas por:
(...) um conteúdo de classe social, as ações coletivas são motivadas por uma
identidade política/ideológica construída no processo de luta pela terra (ou
na terra) e possuem perspectivas de questionamento do poder e
transformação da estrutura da sociedade. Mas, o coletivo entre os
camponeses não é forjado na esfera da produção (coletivização da terra,
meios de produção, trabalho etc.) e sim na esfera política por meio de lutas e
enfrentamentos (FABRINI, 2008, p. 268).
Mas, de acordo com Fabrini (2008), as ações comunitárias podem até chegar ao ponto
de contribuir na construção da consciência política e de ações coletivas se forem feitas
“revelações políticas de compreensão da desigualdade social e dos diferentes interesses que
marcam a sociedade capitalista” (p. 268). Mas, mesmo que as ações comunitárias dos
camponeses não se potencializem e se transformem em ações coletivas, elas têm valores
completamente divergentes da lógica do sistema capitalista. Ou seja, é um modo de vida
contrastante com a cultura da sociedade moderna/capitalista, uma vez que a terra, a família e o
trabalho são elementos indissociáveis no modo de vida camponês.
Para Marques (2008):
O modo de vida tradicional se realiza por meio da transmissão e reprodução
entre gerações de práticas e valores, apresentando mudanças num ritmo mais
lento que a modernidade. A tradição é uma forma social típica entre os
262
camponeses, que, diante da sociedade moderna, se afirma em oposição à sua
lógica dominante (p. 153).
Mas, é preciso ressaltar que mesmo mantendo muitas características do modo de vida
tradicional, o campesinato de Nova Floresta e de Teixeira teve a sua cultura alterada24 nas
últimas décadas com a chegada da modernização no campo.
Sobre isso Moreira (2011) afirma:
É preciso observar que antes da chegada da modernização no sertão
paraibano, os camponeses já possuíam algumas características próprias
desenvolvidas a partir das longas experiências e vivências no semiárido. Por
mais que a situação fosse de pobreza e de subordinação aos grandes
fazendeiros, os sertanejos se adaptaram e aprenderam a conviver com as
limitações edafoclimáticas e alimentares a qual estavam subjugados. (...)
mesmo nos períodos de seca era possível garantir a alimentação através de
pequenas caças como as rolinhas, as arribações, os preás, os pebas, as
codornizes e os animais pequenos criados nos terreiros de casa, como as
galinhas, os bodes, os porcos, entre outros. (...) Mas esse meio de adquirir
seu alimento através da caça e do trabalho manual foi sendo substituído por
novas formas de se alimentar, de como se alimentar e de onde adquirir o
alimento. A modernização chegou ao semiárido de forma tímida e não fez
grandes mudanças como no Centro-Sul do país, mas causou graves
problemas porque incidiu na cultura e na tradição alimentar camponesa que
vinham sendo transmitidas de pai para filho durante séculos (p. 91-92).
Em outras palavras, conforme o autor, a tradição que os camponeses sertanejos tinham
em buscar na natureza o necessário para as suas famílias sobreviverem e permanecerem na
região semiárida, foi aos poucos sendo modificada. Por exemplo, antigamente os camponeses
plantavam o milho com a finalidade de consumi-lo in natura e também de aproveitá-lo para
fazer a farinha do milho (o cuscuz) e o xerém. De um tempo para cá, eles passaram a comprar
os derivados de milho em supermercados induzidos pela modernização. Ou seja, alguns
alimentos tradicionais foram sendo substituídos pelos industrializados a exemplo do pão de
milho que foi substituído pelo feito de trigo e o leite de vaca que passou a ser adquirido em
supermercados e mercadinhos (MOREIRA, 2011). Mas a troca do tradicional pelo moderno
não se restringiu somente aos alimentos, atingiu os objetos de casa fabricados muitas vezes de
madeira e de couro pelos próprios camponeses.
24
Mesmo que seja de forma atenuada, a modernização chegou ao campo paraibano alterando os costumes e
valores dos camponeses que vinham sendo transmitidos de geração em geração. Porém, essas mudanças não
podem ser comparadas com as do Centro-Sul do país onde o processo modernizador se deu de modo mais
intenso.
263
Nas casas camponesas que visitamos em Teixeira e Nova Floresta, identificamos
alguns objetos modernos como: a televisão, o som, o DVD, a geladeira, o fogão a gás e as
antenas parabólicas vistas nos parapeitos de muitas casas simples (Figs. 69 e 70).
Figuras 69 e 70
Casa rústica com antenas parabólicas e eletrodomésticos de camponeses de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 12/05/2006. A cultura moderna embora tenha alterado a cultura tradicional dos camponeses
redefinindo os seus costumes e seus valores, não extinguiu completamente o modo de vida
camponês, Além dos aspectos relativos às relações de vizinhanças, à religiosidade, a ajuda
mútua, a solidariedade, outros pequenos aspectos também corroboram a resistência à
modernidade. Um exemplo é a preferência das mulheres em cozinhar no fogão à lenha,
costume tipicamente camponês (Fig. 71).
Figura 71
Fogão à lenha numa unidade de produção camponesa de Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 10/02/2011.
264
É assim, na combinação do tradicional com o moderno que o campesinato de Teixeira
e Nova Floresta resiste, se recria e se redefine de diferentes maneiras ao longo do tempo. Pois,
o modo de produção capitalista com o seu desenvolvimento desigual e contraditório não o
destruiu, ao contrário, ao monopolizar a produção camponesa sob diversas formas, permite
que as relações tipicamente camponesas se reproduzam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
266
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo sobre o campesinato em pleno século XXI nos municípios paraibanos de
Nova Floresta e Teixeira indicam que as previsões de Marx, Kautsky e Lênin feitas no século
XIX, de que o campesinato estaria fadado ao desaparecimento com a expansão do capitalismo
no campo não se confirmaram em sua plenitude pela história. Afirmamos tal premissa uma
vez que o campesinato analisado em ambos os municípios dá sustentação à tese da resistência
e da recriação camponesa como síntese contraditória do desenvolvimento desigual do
capitalismo no Brasil. Mas, temos que levar em consideração que nas obras do próprio Marx,
de Kautsky e de Lênin, há elementos que sinalizam para a permanência do campesinato no
modo de produção capitalista.
Marx, após analisar a questão agrária da Rússia, no século XIX, deixou registrado em
alguns de seus manuscritos que ficaram obscurecidos durante a sua vida, que o modo de
produção capitalista só poderia se desenvolver de acordo com as especificidades daquele país.
Nesta afirmação ele recusou qualquer compreensão fatalista e evolucionista da história da
sociedade, com base na qual surgiu a hipótese do desaparecimento do campesinato na
sucessão dos modos de produção em qualquer país do mundo. Ele ainda explicou, na cartaresposta à Vera Zasulitch que, de fato, o que está escrito no capítulo XXIV do “Capital” - “A
Chamada Acumulação Primitiva” - é que o processo histórico de desenvolvimento do
capitalismo na Europa Ocidental, especialmente na Inglaterra, constituiu o principal elemento
da separação entre o trabalhador e os meios de produção. E, a partir de suas análises na
Inglaterra, pressupôs que o desenvolvimento do capitalismo no campo subentenderia o
desaparecimento do campesinato em alguns países da Europa Ocidental, mas não em todos os
países. Esse diálogo de Marx com Vera Zasulitch demonstra que o mesmo reconheceu a
multilinearidade da história da sociedade humana e pôs fim ao equívoco da teoria geral da
história.
É importante destacar também que os últimos escritos de Marx (os rascunhos e a carta
a Vera Zasulitch) foram engavetados e somente publicados em 1924. Então, provavelmente,
nem Kautsky nem Lênin tiveram acesso aos mesmos, dado que os próprios teóricos marxistas
recusaram a compreensão da multilinearidade da história dada por Marx sobre a questão da
Rússia. Até mesmo Engels, principal referência de Marx para os grupos marxistas que
267
estavam se organizando na Rússia, divulgou o contrário, enfatizando a objetividade das leis de
desenvolvimento do capitalismo para todos os países do mundo, sem levar em conta as
particularidades históricas de cada país e sem considerar os rascunhos de Marx que originou
os “Grundisses”, onde o autor deixou bem claro que para atender ao processo de acumulação,
o capital é capaz de criar e recriar relações sociais de produção não-capitalistas.
Após o falecimento de Marx, segundo Gusmán e Molina (2005), o que imperou entre
os teóricos adeptos da corrente marxista ortodoxa agrária foi a tese da evolução geral da
história para todas as sociedades. Acreditavam esses teóricos, que as transformações no
campo se processam segundo uma seqüência de modos de produção: do feudalismo para o
capitalismo e deste para o socialismo e por último para o comunismo. A tese de Kautsky e
Lênin sobre a desintegração do campesinato no modo de produção capitalista segue as
orientações desta corrente marxista que era a predominante no período em que ambos
escreveram as suas obras. Mas também, encontramos nas obras desses dois autores elementos
que se aproximam das orientações da corrente marxista heterodoxa que pressupõe a
resistência camponesa no capitalismo.
Kautsky (1972), na sua obra “A Questão Agrária”, contribui para a discussão sobre a
resistência da agricultura camponesa ao apontar algumas possibilidades de recriação, quais
sejam: a) a opção pelo trabalho acessório; b) a associação em cooperativas com o apoio do
Estado; c) o funcionalismo complementar da grande exploração com a agricultura camponesa
onde uma torna-se o sustentáculo da outra, uma vez que a grande exploração dá oportunidade
de emprego para os camponeses e estes fornecem matéria-prima e disponibilizam a sua força
de trabalho à grande exploração; d) o reconhecimento de que o capitalismo é o modo de
produção dominante na sociedade daquele momento histórico, mas que não é a única forma
de produção existente, pois ao lado da grande exploração agrícola existem resquícios de
modos de produção pré-capitalistas.
Lênin apesar de afirmar que o emprego da mão-de-obra assalariada é o indicador da
expansão do capitalismo no campo, também apresentou uma visão multilinear da sociedade
ao compreender que o capital pode criar diferentes formas de propriedades na agricultura
(como a medieval, a clã e a comunal) e passou a aceitar a permanência de traços camponeses.
Então, embora ele se autodenominasse um marxista ortodoxo, deixou brechas em suas
análises sobre a resistência do campesinato no modo de produção capitalista.
Tanto a compreensão de Kautsky como a de Lênin sobre a resistência camponesa no
desenvolvimento do capitalismo no campo foram ignoradas pela postura dogmática do
marxismo ortodoxo que pressupunha somente a existência das classes da burguesia e do
268
proletariado no capitalismo, devido à compreensão do progresso histórico da sociedade na
seqüência unilinear dos modos de produção.
Muitos autores brasileiros que estudaram ou ainda estudam o campesinato foram ou
ainda são influenciados pela postura dogmática do marxismo ortodoxo, sobretudo, após a
instalação dos partidos comunistas nos países periféricos, como o Brasil, os quais
reproduziram a tese da evolução histórica dos modos de produção.
Alberto Passos Guimarães e Caio Prado Júnior são exemplos da influência do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) em suas análises referente à questão agrária do Brasil. Guimarães
(2005), influenciado pela concepção leninista, defendeu a hipótese da existência de uma
economia colonial feudal no país com formas arcaicas de produção e apostou no
desaparecimento do campesinato devido este representar obstáculos ao desenvolvimento do
capitalismo. Caio Prado Júnior (1979), ao contrário de Guimarães (2005), defende a
existência de uma economia colonial capitalista no Brasil e pressupõe a industrialização do
campo pelo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Este autor partiu da
concepção unilinear do processo histórico e entendeu que no Brasil nunca houve camponeses,
uma vez que a sociedade brasileira já havia sido formada sob o modo de produção capitalista,
o que inviabiliza qualquer compreensão sobre a existência camponesa devido a sua existência
depender da transição do feudalismo para o capitalismo. Para ele o Brasil teria passado
diretamente das relações escravistas para o trabalho assalariado. A parceria, nas décadas de
1950 e 1960, foi interpretada por ele como uma relação de trabalho tipicamente capitalista,
onde as formas de pagamento eram ajustadas, substituindo o dinheiro por formas não
monetárias de pagamento.
Mas, se os parceiros na visão de Prado Júnior (1979) na década de 1950 e 1960 foram
considerados como proletários do campo, como explicar a sua presença até hoje nos
municípios de Nova Floresta e Teixeira?
A existência ou persistência do campesinato em pleno século XXI, nas diversas
formas por ele assumidas contraria as teses de Guimarães (2005) e de Prado Júnior (1979). O
sistema de parceria encontrado em Nova Floresta e Teixeira não é uma forma de relação de
trabalho capitalista e não é um resquício de formas de relações de trabalho feudal, e sim uma
forma de resistência dos camponeses para assegurarem a recriação familiar.
Dessa maneira, a compreensão de Alberto Passos Guimarães e de Caio Prado Júnior
sobre o campesinato brasileiro não explica a existência do campesinato de Nova Floresta e
Teixeira, a começar pelo fato de que no Brasil não houve a implantação do feudalismo e sua
transição para o capitalismo. O processo de colonização do espaço brasileiro se iniciou no
269
momento em que já predominava o capitalismo na sua fase comercial de expansão. Porém, o
desenvolvimento do capitalismo no Brasil e na Paraíba se deu de forma desigual e
contraditória, possibilitando a resistência e a recriação camponesa como as observadas em
pleno século XXI nos municípios estudados.
As formas de resistência e de recriação camponesa que identificamos no campesinato
de Nova Floresta e Teixeira são materializadas em escala local do território camponês,
através:
a)
da autonomia no processo produtivo dada pelo controle do próprio tempo e do
próprio espaço. Essa autonomia não significa que os camponeses de Nova Floresta e Teixeira
não apresentem formas de subordinação ao capital, mas que eles têm a liberdade e o controle
sobre os processos produtivos por eles geridos. Essa particularidade não corresponde à tese de
resistência e de recriação camponesa de Rosa Luxemburgo (1985), uma vez que para esta
autora o campesinato resiste e se recria diante do desenvolvimento do capitalismo no campo
por ser ele responsável pela realização da mais-valia, portanto, os camponeses neste processo
nada mais são do que meros trabalhadores para o capital;
b)
da organização da produção de forma diversificada de acordo com a realidade
climática e edáfica existente nos dois municípios. Além de evitar a introdução de
monocultoras nas unidades produtivas camponesas, ainda permite a colheita das lavouras em
épocas diferentes;
c)
da preferência em cultivar produtos conforme a aptidão dos solos existentes;
d)
da criação de animais de grandes e pequenos portes, como: boi, vaca, bezerro,
porco, coelho, preá, abelhas, galinha, galo além de outros, como garantia de recursos
financeiros caso tenham algum prejuízo com a agricultura durante o ano;
e)
da criação de animais como complemento da renda familiar e articulada a
alguma cultura como forma de evitar maiores gastos, como: a criação de porcos, patos e
galinhas articulada ao cultivo do milho; a criação de coelhos e preás articulada a fruticultura e
ao capim; a criação de vaca, boi e bezerro articulada ao cultivo da palma forrageira e do sisal;
f)
da estocagem de sementes pela própria família;
g)
do aproveitamento das vagens quebradas do feijão macaçar na alimentação dos
animais e na adubação do solo;
h)
da produção agrícola voltada para o autoconsumo da família e para a
comercialização;
270
i)
do pagamento pelo uso da debulhadeira mecânica através do sistema de conga
que possibilita aos camponeses beneficiarem o feijão e pagar o beneficiamento com o próprio
produto;
j)
da comercialização do excedente do feijão macaçar, do feijão mulatinho, da
fava, da mandioca, do maracujá, do caju, da pinha e da manga;
Outros fatores correlacionados à organização do trabalho, à ação dos agentes externos,
e aos aspectos culturais, também são determinantes no processo de resistência e recriação
camponesa dos municípios estudados, quais sejam:
a)
o trabalho familiar, como o elemento fundante da recriação da família
camponesa;
b)
a combinação de várias formas de trabalho que vão desde o trabalho familiar,
ao sistema de parceria, ao trabalho assalariado temporário, ao trabalho “acessório”, e ainda à
combinação do trabalho na terra com outras atividades não agrícolas como o pequeno
comércio, o serviço público e a docência em escola pública. Essas diversas formas de relações
de trabalho surgem como resistência à forma de trabalho assalariada tipicamente capitalista;
c)
a migração temporária como forma de manter-se enquanto camponês;
d)
o programa Bolsa Família, a aposentadoria, o Programa Garantia Safra, são
elementos que complementam a renda familiar camponesa permitindo a sua recriação;
e)
a atuação de ONGs como o CEPFS em Teixeira e a Agência Mandalla em
Nova Floresta vêm contribuindo para o processo de resistência e de recriação camponesa
mesmo que de forma diferenciada. Em Teixeira, esta contribuição se dá através do
desenvolvimento de programas voltados: para a ampliação dos laços de solidariedade entre os
camponeses; para a valorização das relações de gênero e geração; para o aprimoramento das
técnicas de cultivo possibilitando uma relação mais harmoniosa com a natureza; para a
utilização de tecnologias de acesso e manejo sustentável da água possibilitando mudanças nos
costumes e permitindo uma melhor convivência dos camponeses com a semi-aridez. Em Nova
Floresta a contribuição se dá através da implantação da prática de irrigação segundo o sistema
de mandalla em algumas unidades de produção agrícola camponesas;
f)
os costumes e valores dos camponeses de ambos os municípios que se expressam
como formas de resistência através das relações de vizinhança, das ações comunitárias, da
religiosidade e das festas populares.
Em suma, todos esses elementos que dão sustentação à tese da resistência e da
recriação camponesa nos municípios estudados foram encontrados no âmbito da organização
da produção e do trabalho, da atuação dos agentes externos e dos costumes e valores dos
271
camponeses. São por meio deles que as famílias camponesas resistem e se recriam no modo
de produção capitalista. Embora o campesinato de ambos os municípios tenham semelhanças
na organização do trabalho e nos aspectos culturais, verificamos diferenças no que se refere à
organização da produção.
Em Nova Floresta, os camponeses que se recriam por meio do cultivo do maracujá
irrigado, da criação de animais, da diversificação dos grãos e das frutas, são os que têm uma
reprodução social mais equilibrada, mesmo sendo subordinados ao capital comercial na venda
do maracujá. Os camponeses da região semiárida/caatinga que cultivam o maracujá de
sequeiro, criam animais e organizam a produção de forma diversificada, se recriam de forma
menos equilibrada. Nesse caso a subordinação ao capital comercial é mínima devido a pouca
quantidade da produção do maracujá e da pouca quantidade de excedente dos outros produtos
por eles cultivados. Esses camponeses só comercializam as frutas, o feijão macaçar e o milho
caso haja excedente. Nas duas regiões de Nova Floresta ainda são encontrados camponeses
que cultivam apenas o feijão, o milho, a mandioca, a macaxeira e algumas frutas como, a
pinha, a manga, o caju, e a graviola. Eles não cultivam o maracujá e não criam animais, se
recriam de forma mais tradicional e conservadora, porém, não são subordinados ao capital
comercial, uma vez que só comercializam a castanha de caju nas feiras livres e na vizinhança.
Em Teixeira, os camponeses que são sócios das Associações Comunitárias das
comunidades em que residem, que também são sócios do FRS e do BSCs e que aderem aos
projetos oferecidos pelos CEPFS se recriam de forma mais equilibrada. Aqueles que são
apenas sócios das Associações Comunitárias, mas não são associados ao FRS, não podem
aderir a nenhum projeto oferecido pelo CEPFS, por isso, se recriam de forma menos
equilibrada. Entre esses dois tipos de camponeses, existem aqueles que são fortemente
tradicionais e conservadores, pois resistem a participar da Associação nas comunidades e não
se interessam por nenhum projeto oferecido pelo CEPFS.
Essa diferenciação social encontrada nos municípios analisados, nada tem a ver com a
diferenciação social defendida por Lênin, que levaria à desintegração do campesinato.
Utilizamos como critérios de análise para diferenciar o campesinato de Nova Floresta, o
cultivo do maracujá (principal produto agrícola da região que confere uma maior
rentabilidade econômica para os camponeses) e a criação de animais, que segundo os próprios
camponeses, constitui uma reserva monetária para eles. Em Teixeira, levamos em
consideração para diferenciar o campesinato, o grau de inserção dos camponeses nas
Associações Comunitárias, nos FRS e a adesão aos projetos oferecidos pelo CEPFS.
272
Outro fato que merece chamar a atenção, é que mesmo ciente de que o termo
camponês não é utilizado pelos próprios camponeses dos municípios investigados, ele não
perde a sua validade. No Brasil o termo surgiu como expressão política e em substituição a
outros como já mencionamos neste trabalho. No entanto, não podemos esquecer que o uso
desse conceito nos permite vislumbrar a unidade de classe que se manifesta nas singularidades
da reprodução social camponesa, baseada no controle sobre o trabalho, os meios de produção
e, principalmente, do tempo e do espaço, de modo contrastante com a lógica capitalista.
A agricultura camponesa de Nova Floresta e Teixeira dá sustentação à tese da
resistência e da recriação do campesinato. Afirmamos essa resistência e recriação uma vez
que os elementos básicos da agricultura camponesa estão aí presentes, quais sejam: a) a
família constitui-se tanto uma unidade de consumo como de produção; b) predomina o
trabalho familiar; c) a organização da produção não visa fundamentalmente à obtenção do
lucro, tal como na empresa capitalista, mas a garantia de sobrevivência da família.
Enfim, o modo de produção capitalista com o seu desenvolvimento desigual e
contraditório não destruiu o campesinato dos municípios estudados, ao contrário, ao
monopolizar a produção sob diversas formas, por meio do capital industrial, financeiro e
comercial, permite que as relações tipicamente camponesas se reproduzam.
Considerando que o processo de produção do espaço e do espaço agrário como um dos
seus segmentos acha-se intrinsecamente relacionado ao modo através do qual os homens
produzem ao longo do tempo histórico as condições materiais e culturais necessárias à sua
existência, entendemos que cada espaço assume os caracteres do modo de produção que lhe
deu origem (MOREIRA, 2003). Assim sendo, o espaço agrário dos municípios de Teixeira e
Nova Floresta reproduz a lógica do desenvolvimento desigual e contraditório assumida pelo
capital no campo brasileiro.
Ao se organizar, o espaço, reproduzindo as características do modo de produção que lhe
originou, gera formas espaciais que se inscrevem na paisagem e refletem as relações técnicas e
sociais de produção que comandaram um determinado momento da produção humana
(SANTOS, 1980, p.3). Visto por este prisma, a resistência e a recriação camponesa no espaço
agrário de Teixeira e Nova Floresta se exprimem na paisagem rural através das formas de
organização da produção e do trabalho, das condições de moradia, da diversidade produtiva
condicionada pelos limites ou potencialidades do meio natural, pelo nível técnico incorporado à
atividade produtiva, pela introdução de novas práticas e também pelos costumes e valores
tradicionais ou novos que se materializam através de formas espaciais construídas na paisagem
a exemplo de igrejas, Associações Comunitárias, cisternas de placas, oratórios, etc.
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ANEXOS
ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADA AOS AGRICULTORES QUE FORAM VISITADOS NO CAMPO
MUNICÍPIO:
DATA:___/____/2011
ENTREVISTADOR: ___________________________________________________________________________
AGRICULTOR(A) ENTREVISTADO(A): _________________________________________________________
LUGAR DE MORADA: SITIO ISOLADO ( ) COMUNIDADE ( ) CIDADE ( ) ASSENTAMENTO ( )
I – DADOS DO ENTREVISTADO
1. Nome: ______________________________________________________________________________________
2. Em que ano nasceu ou quantos anos tem? _____________
3. Onde nasceu: _____________________
4. Toda vida morou aqui? :  Sim  Não
5. Se não, onde morava antes de vir morar aqui e em que trabalhava? _____________________________________
6.Se trabalhava na agricultura, trabalhava em que condição? (parceiro, arrendatário, assalariado, pequeno
proprietário, posseiro, agregado, outro) _____________________________________________________________
7. O entrevistado estudou:  Sim  Não
5.1 Se sim, até que série: ___________________
II – CARACTERIZAÇÃO DA FAMÍLIA DO AGRICULTOR ENTREVISTADO
1. Quantos filhos teve ? _________
2. Quantos filhos estão vivos?__________
3. Todos os seus filhos moram aqui com o(a) senhor(a)?  Sim  Não
4. Filhos que moram na casa por idade e sexo:
Nome
Idade
Sexo
1-____________________________ ______
______
2-____________________________ ______
______
3-____________________________ ______
______
4-____________________________ ______
______
5-____________________________ ______
______
6-____________________________ ______
______
7-____________________________ ______
______
8-____________________________ ______
______
9-____________________________ ______
______
10-____________________________ ______
______
4. Se algum(a) filho(a) saiu de casa por que saiu? ___________________________________________
______________________________________________________________________________________________
5.Com que idade saiu ou saíram de casa seu (s) filhos(s): ____________________
6. Para onde foi ou foram (estado, cidade): ___________ _______________________________________________
______________________________________________________________________________________________
7. Onde se encontra(m) agora? ______________________________________________
5.4 A saída do(a) filho(a) prejudicou o andamento dos trabalhos na atividade agrícola ou na terra:  Sim  Não
5.5Se prejudicou, porque prejudicou?
______________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________
6. Quantas pessoas moram na casa do entrevistado: ____________________________________________________
III - CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE PRODUTIVA (Observar os elementos da recriação camponesa)
1. A terra é:  própria  cedida  arrendada  de terceiro que cultiva no sistema de parceria outra condição
1.1 Se for arrendada, quanto paga de aluguel ou foro por hectare e no total (ver no ano passado o valor da renda
paga): _________________________________________
1.2 Se é dada em parceria, como é o sistema: __________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
1.3 Se tem outro sistema de relação de trabalho procurar todas as explicações: _______________________________
______________________________________________________________________________________________
2. Se a terra é própria, como foi que conseguiu:  através de compra  de herança  cedida por algum parente
3. Se é própria e foi adquirida através de compra, comprou com recursos de: poupança própria  venda de algum
bem  recebimento de algum financiamento  Outro :__________________________________________________
4. Quantos hectares tem a terra? ___________________________________________________________________
4.1 A terra sempre foi do mesmo tamanho?___________________________________________________________
5. Como é o tipo de solo? ___________________ ( ver se é bom ou ruim para a agricultura e porque)
______________________________________________________________________________________
5.1 Tem área sem solo só com rocha exposta:  Sim  Não 5.3 Onde ficam os melhores tipos de solo: _________
6. Como é a topografia da área:  toda plana ondulada  tem área de baixio  área de várzea cortada por riacho
ou rio? Outro__________________________________________________________________________________
*7. Procurar identificar se as diferenças de solo e topografia maior ou menor presença de água interferem no tipo de
produção, na forma de organização da produção:_______________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
*8. Ordenamento territorial da unidade produtiva: levantar as benfeitorias existentes: cocheira galinheiro
 barreiro barragem subterrânea  depósito  pocilga cerca silo curral açude eletricidade  poço
cisterna cacimba
 Outros: _____________________________________________________________________________________
9. Existe alguma parte da terra que não pode ser aproveitada? ___________________________________________
9.1 Por que não pode ser aproveitada? ______________________________________________________________
10. O que a terra significa para o entrevistado? ________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
IV – A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO (identificar as formas de recriação camponesa)
1. Hectares da terra destinados ao cultivo de lavouras:___________
2.Hectares destinados à criação: ___________
3. Quais as lavouras que cultiva:____________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
4. Qual a mais importante:_____________________ 4.1 Por quê?_______________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
6. Em qual período do ano o(a) sr.(a) prepara a terra para o plantio? ______________________________________
7. Quantos hectares plantou com lavoura o ano passado? _______________________________________________
8. Quantos hectares plantou com cada tipo de lavoura:__________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
9. Quanto colheu de cada lavoura:___________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
10. Teve alguma perda em alguma lavoura na safra do ano passado?  Sim  Não
10.1 Se positivo, em que produto e qual a causa:_______________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
11. Como é feita a preparação do solo para o plantio (em que consiste - etapas):
 Broca e derrubada  queimada (coivara)  destocamento  gradagem  marcação do terreno e piqueteamento
 enterrio das estações e preparo de covas  plantio das mudas no campo  outro:__________________________
______________________________________________________________________________________________
11.1 Verificar o tipo de instrumento usado:  próprio  alugado.
11.2 Instrumentos usados:  enxada  grade  semeadeira/plantadeira  cultivador  trator  outros:__________
______________________________________________________________________________________________
11.3 Se o trator ou qualquer instrumento é alugado:  Sim  Não
11.4 procurar saber a quem aluga:___________________________________________________________________
11.5 Como aluga:________________________________________________________________________________
11.6 Quanto paga pela hora:_______________________________________________________________________
12. Qual o destino da produção do ano passado:  toda para o consumo  parte para o consumo e parte para venda
 toda para a venda
12.1 Procurar saber a quantidade de cada produto produzido que se destina ao consumo: _______________________
______________________________________________________________________________________________
13. Qual o sistema de comercialização:  vende diretamente ao consumidor na feira  vende ao atravessador
14. O senhor beneficiou algum produto em 2010:  Sim  Não 14.1 Se positivo, qual(is) o(s) produto(s)
beneficiado(s): _________________________________________________________________________________
14.2 Verificar se para o beneficiamento alugou algum equipamento ou pagou alguma percentagem pelo uso de
algum equipamento para o beneficiamento:  Sim  Não_______________________________________________
15.2 O clima foi favorável à agricultura em 2010:  Sim  Não 15.3 Se não, se teve prejuízo e como expressa este
prejuízo:_______________________________________________________________________________________
16. Tem assistência técnica:  Sim  Não 16.1 Se tem, de quem:_________________________________________
16.2 Como é:  permanente  esporádica 16.3 Se esporádica, como e quando ocorre: ________________________
______________________________________________________________________________________________
16.4 Qual a importância ou os problemas da assistência técnica:___________________________________________
______________________________________________________________________________________________
17. Procurar saber se cria: gado,  cabra,  bode,  ovelhas  outros:__________________________________
17.1 Quantas cabeças de cada espécie animal possui:____________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
17.2 Como foram adquiridos os animais:  financiados pelo Pronaf outra fonte de
financiamento:______________________________________,  adquirido com recursos próprios  ajuda de algum
filho  outros recursos:__________________________________________________________________________
18. Qual o destino do criatório:  abate  venda da carne  abate e vende diretamente na feira local
 consumo exclusivo do leite pela família  venda do leite 18.1 A quem vende:_____________________________
______________________________ 18.2 Como vende:_________________________________________________
18.3 A quanto vende o litro:____________________ 18.4 Quantos litros vende por dia: _______________________
19. Que tipo de ração dá aos animais?________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
20. Quais são os problemas principais para a criação:  água  ração  capim  palma  cana forrageira
 Outro: ______________________________________________________________________________________
21. Procurar saber se o produtor já tomou dinheiro emprestado ao banco para a sua agricultura:  Sim  Não
21.1 Se sim, quando tomou emprestado?_____________________________________________________________
21.2 Se sim, em que Banco:_______________________________________________________________________
21.3 Para que finalidade: _________________________________________________________________________
21.4 Teve dificuldade para tomar o empréstimo?  Sim  Não 24.5 Qual foi a dificuldade:____________________
______________________________________________________________________________________________
21.5 Procurar saber se teve dificuldade para pagar:  Sim  Não 24.7 Por quê:______________________________
______________________________________________________________________________________________
22. Que máquinas e equipamentos utiliza no processo de produção agrícola e pecuária? | trator  colheitadeira 
bomba para irrigação  aspersor para irrigação  caminhão  carroça  ensiladeira  triturador
 debulhadeira de feijão  outros:__________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
22.1 Quais destes são próprios e quais são alugados ou emprestados:_______________________________________
______________________________________________________________________________________________
23. Usa algum tipo de adubo quais os tipos:  orgânico  químico 24 Em que usa:_________________________
_________________________ 24.1 Onde compra:_____________________________________________________
24.2 Como compra:___________________________________ 24.3 Quem orienta:___________________________
25. Guarda semente de um ano para outro:  Sim  Não:_______________________________________________
25.1 Se guarda, escolhe as melhores sementes:  Sim  Não 25.2 Já ouviu falar das sementes crioulas e nos Bancos
de Sementes da ASA (Articulação do semi-árido):  Sim  Não 25.3 Se sim, o que acha:_____________________
______________________________________________________________________________________________
25.4 Se compra, como é que compra:________________________________________________________________
25.5 A quem compra:____________________________________________________________________________
25.6 Se recebe, de quem recebe:____________________________________________________________________
25.7 Como se dá o processo, recebe no tempo certo:____________________________________________________
26. Utiliza remédio para os animais?  Sim  Não
26.1 Quem orienta como usar?__________________________________,
26.2 Quem vacina os animais:____________________________ 26.3 Vacinou o ano passado?  Sim  Não
27 Usa veneno para combater as formigas?  Sim  Não 27.1 Se sim, que veneno usa:_______________________
______________________________________________________________________________________________
27.2 Onde compra:_______________________________ 27.3 Quem orienta como usar?______________________
27.4. Usa veneno para combater as pragas?  Sim  Não 27.5 Se sim, que veneno
usa:_________________________
______________________________________________________________________________________________
27.6 Onde compra:_______________________________27.7 Para que tipos de pragas: _______________________
__________________________________ 27.8 Quem orienta como usar?__________________________________
28. Usa herbicida para limpar o mato?  Sim  Não 28.1 Se sim, que herbicida usa:_________________________
______________________________________________________________________________________________
29. Utiliza a prática da irrigação?  Sim  Não 29.1 De que tipo:  aspersão convencional  gotejamento
 inundação  micro-aspersão  sistema mandalla  outro_____________________________________________
______________________________________________________________________________________________
29.2 E em que culturas?___________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
30. O que faz o entrevistado para garantir a sobrevivência dos animais, a agricultura e a sobrevivência da família? Dê
um exemplo de como foi na última seca.______________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________________
V - ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO (identificar as formas de recriação camponesa)
1. Trabalha na terra com a ajuda da família:  Sim  Não 1.1 Se sim, quem são os membros da família que
trabalham na terra: filho  cônjuge  outro parente:_________________________________________________
2. Se trabalha com a ajuda da família, existe divisão de tarefas:  Sim  Não
3. Se trabalha com a ajuda da família, cada um tem seu roçado individual e lucra com ele próprio:  Sim  Não
3.1 Como é a divisão de tarefas:____________________________________________________________________
4. Contrata trabalhadores:  Sim  Não 6.1 Se sim, quando contrata:_____________________________________
4.1 Contrata para fazer que tarefas: __________________________________________________________________
4.2 Contratou o ano passado:  Sim  Não 4.3 Se contratou, quantos trabalhadores contratou: _______________
4.4 Quando:____________________________ 4.5 Para fazer o quê: ______________________________________
4.6 De onde vêm os trabalhadores: __________________________________________________________________
4.7 Como é a forma de pagamento:  por produção  por diária  por empreitada  por tarefa  outro: _________
__________ 4.8 Contratou:  mulheres e homens  só homens  só mulheres
4.9 Qual o valor atual da diária de um trabalhador:_____________________________________________________
5.Participa na comunidade de algum trabalho em grupo (ex.: criação de frango, comercialização, etc.):  Sim  Não
5.1 Se sim, como se dá essa atividade:________________________________________________________________
6. É comum aqui na comunidade as pessoas ajudarem umas às outras no trabalho na agricultura:  Sim  Não
6.1 Se sim, como se dá esse tipo de ajuda:_____________________________________________________________
7. O senhor produz ou cria noutra terra além desta:  Sim  Não 9.1 Se sim, em que condição:  parceiro
 proprietário de outra terra arrendatário  posseiro  terra cedida  trabalhador assalariado  Outro
8. Se cria ou produz noutra terra em qualquer das condições acima, procurar saber o por quê:___________________
______________________________________________________________________________________________
9 O que o leva a trabalhar noutra terra:_____________________________________________________________
9.1 Se assalaria procurar saber, em que atividade se assalaria:_____________________________________________
9.2 Por que se assalaria: _________________________________________________________________________
9.3 Qual a época do ano em que trabalha no alugado: ___________________________________________________
10 Em que lugar (município) trabalha no alugado: _________________________
10.1 Detalhes do local onde trabalha:  em terras de vizinhos mais abastados  em terras de grandes proprietários
 Outros: ______________________________________________________________________________________
11 Alguma outra pessoa da família que mora com o entrevistado também trabalha noutra terra:  Sim  Não
11.1 Se sim, em que condição:  parceiro  proprietário de outra terra arrendatário  posseiro  terra cedida
 trabalhador assalariado  Outro:___________________________
12. Além da atividade agrícola o(a) sr(a) tem outra atividade que não é agrícola:  Sim  Não
12.1 Se sim, qual é essa atividade: ___________________________ 12.2 Por quê tem essa outra atividade:________
_______________________________________________________________________________________________
13. Outra pessoa da família que mora com o entrevistado e trabalha na terra tem outro trabalho:  Sim  Não
13.1 Se sim, procurar saber qual:_______________________________ 13.2 Onde:___________________________
13.3 Quanto ganha por mês:__________________ 13.4 Por quê?__________________________________________
14. O entrevistado troca dias de serviço com outro agricultor?____________________________________
15. Arrenda a sua terra?  Sim  Não, Porquê?__________________________________________
15.1 Arrenda a terra de outros?  Sim  Não, Porquê? _________________________________________________
16. A renda do trabalho na terra permite a sobrevivência da família?  Sim  Não, Se não, o que faz para
complementar a renda?___________________________________________________________________________
V- POLÍTICAS PÚBLICAS (identificar as formas de recriação camponesa)
1. É beneficiado com algum programa social do estado:  bolsa família  programa do leite  programa do pão 
um milhão de cisternas  outro:_____________________________________________
1.2 Se sim procurar saber como se dá o benefício:______________________________________________________
1.3 Para que é utilizado: __________________________________________________________________________
2. Já tirou dinheiro do Pronaf:  Sim  Não 2.1 Se sim, quando:________________________________________
2.2 Para quê:___________________________________________________________________________________
2.3 Quem fez o projeto: __________________________ 2.4 Como funcionou: ______________________________
2.5 Pagou:  normal  não conseguiu 2.6 Se não conseguiu o que aconteceu: ______________________________
______________________________________________________________________________________________
2.10 Se nunca usou recursos do Pronaf, procurar saber os motivos:________________________________________
______________________________________________________________________________________________
3. Atualmente está com alguma linha de crédito? Qual?_________________________________________________
3.1 Já pagou?________________________________________
VI- INTEGRAÇÃO DA FAMILIA NA COMUNIDADE, NO MUNICÍPIO E SOCIABILIDADE
1. Participa de alguma associação:  Sim  Não 1.1 Se sim, qual:________________________________________
2. Gosta de viver aqui e de ser agricultor(a):  Sim  Não 2.1 Por quê?___________________________________
______________________________________________________________________________________________
3. Quais as principais dificuldades que o pequeno agricultor enfrenta no município: ___________________________
______________________________________________________________________________________________
4. Sua família pratica alguma religião: _______________________________________________________________
4.1 Sempre foi a mesma:__________________________________________________________________________
VII – AGENTES EXTERNOS (identificar as formas de recriação camponesa)
1. Utiliza assistência técnica na atividade agropecuária:  Sim  Não
1.1 Se utiliza, quem presta assistência técnica:_________________________________________________________
1.2 Como avalia a assistência técnica:________________________________________________________________
1.2 Se não utiliza, por quê:________________________________________________________________________
2. Como avalia a política do governo Lula para o pequeno agricultor:_______________________________________
______________________________________________________________________________________________
3. A prefeitura municipal tem alguma política voltada para o pequeno agricultor: _____________________________
______________________________________________________________________________________________
4 Existe alguma Associação Municipal dos Pequenos Produtores Rurais:  Sim  Não
4.1 Se existe, o (a) senhor(a) participa dela:  Sim  Não 4.2 Qual sua importância:__________________________
______________________________________________________________________________________________
4.3 Como ela atua:_______________________________________________________________________________
5. O STR do município tem atuado junto aos pequenos produtores rurais:  Sim  Não
5.1 Se atua como e em que atua: ____________________________________________________________________
5.2 Qual a importância do STR para os pequenos produtores rurais do município:_____________________________
______________________________________________________________________________________________
6. Os políticos da região visitam/fazem reunião com os pequenos agricultores ou lhes dão assistência:  Sim  Não
VIII - CONDIÇÕES DE VIDA
1.A casa tem água encanada:  Sim  Não
2. De onde vem a água de beber:_____________________________________________
9 De onde vem a água para outro uso doméstico: _____________________________________________________
10 A casa é ligada a rede de energia elétrica:  Sim  Não 10.1 Tem meio de transporte próprio:  Sim  Não
XI- RENDA (identificar elementos que caracterizam a recriação camponesa)
1. Quanto paga de energia elétrica por mês na casa onde mora:____________________________________________
2. Quanto paga de energia elétrica por mês no sítio:_____________________________________________________
3. Quanto paga de água por mês na casa onde mora:____________________________________________________
4. E no sítio paga água para alguma coisa (através de carro pipa, ou outra forma de abastecimento)?
5. Se tem fogão a gás, quanto tempo passa com um bujão de gás:__________________________________________
6. Se o fogão é a lenha, compra a lenha:  Sim  Não
6.1 Se compra, quantos reais gasta por semana com lenha:_______________________________________________
7. Usa carvão para cozinhar:  Sim  Não
7.1 Se usa quantos reais gasta por semana com a compra de carvão:________________________________________
7.2. Quanto gasta na feira semanal?(ver quanto gastou na semana anterior)__________________________________
8. Quais são outras fontes de renda que o entrevistado tem?  aposentadoria  salário regular  trabalho alugado
 serviço prestado  atividade comercial  remessa de familiar ausente  outras888
Entrevista com o CEPFS
1) Há quantos anos o CEPFS está instalado em Teixeira?
2) Quais são as instituições que fazem parceria com o CEPFS?
3) O CEPFS recebe alguma contribuição do Estado ou prefeitura para o seu
funcionamento?
4) Dá onde vem os recursos financeiros destinados ao CEPFS?
5) Quais os projetos desenvolvidos pelo CEPFS com o apoio financeiro:
a) do MMA?
b) do MDA?
c) de outro órgão do Governo Federal
d) de ONGs nacionais
e) de ONGs internacionais
6) Quais são os programas desenvolvidos pelo CEPFS?
7) Quantas comunidades rurais existem nos municípios de Teixeira e Maturéia?
Quantas fazem parceria com o CEPFS em cada município?
8) Você acha que esses programas desenvolvidos nas comunidades contribuem
para o agricultor a permanecer na terra?
9) O que mudou nas comunidades assistidas pelo CEPFS?
10) Quais as dificuldades enfrentadas pelos agricultores atualmente?
11) Qual a freqüência de visitas do CEPFS nas comunidades rurais?
12) Os agricultores cumprem o que trata a orientação do CEPFS?
13) Até que ponto os projetos desenvolvidos pelo CEPFS junto aos agricultores têm
conbtribuído para melhorar, proteger, recuperar ou preservar o meio ambiente?
14) Quais os principais problemas ambientais idfentificados nas comunidades e
sítios assistidos pelo CEPFS e nos demaios existentes no município?
15) Quais os problemas enfrentados pelos CEPFS e quais as perspectivas de futuro?
16) Quaios as experiências que estão sendo desenvolvidas na área de Experiência do
CEPFS?
(Com seu Tetinha, reconhecer todas as experiências e sua importância para a
agricultura de base familiar no município)
Entrevista com o INTERPA
1) Quantos Assentamentos de Reforma Agrária tem no município?
2) Algum foi resultado de conflito?
3) A quem pertencia a a propriedade que deu origem ao assentamento Poços de
Cima?
4) A terra foi adquirida através de que forma: desapropriação pelo Incra, Programa
Cédula da Terra, Programa Banco da Terra, comprada pelo Estado através do
Interpa, outros....?
5) Qual a data da criação do Assentamento?
6) As famílias moravam e trabalhavam na área anteriormente?
7) Qual era a relação de trabalho mantida entre eles e o latifundiário (patrão) da
época?
8) O que eles plantavam antes do assentamento?
9) O que eles passaram a plantar depois do assentamento?
10) Qual a atuação do INTERPA neste processo?
11) Como foi feita a distribuição dos lotes?
12) De quem foi a decisão por agrovila e não por lotes individuais?
13) Quantas famílias foram assentadas?
14) Atualmente quantas familias residem no assentamento?
15) Existe alguma Associação Comunitária no assentamento?
16) Quais os produtos agrícolas que eram produzidos na propriedade e quais os que
são produzidos hoje no PA?
17) Os produtos agrícolas são irrigados no assentamento?
18) Como se dá a comercialçização da produção do(s) PA(s)?
19) Atualmente há algum conflito por terra em Teixeira?
20) Existe algum acampamento em Teixeira?
21) Qual a importância do Interpa para o(s) Assentamento(s) do município?
Entrevista ao Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
1) Quando foi fundado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Floresta?
2) Qual o objetivo do STR?
3) Quantos trabalhadores rurais são sindicalizados?
4) Do total, quantos são:
a) Assalariados (trabalhadortes de aluguel) ____
b) Pequeno proprietário _________
c) Parceiro _______
d) Arrendatário: ________
e) Posseiro:________
f) Assentado:__________
5) O que o sindicato oferece ao trabalhador rural?
6) Qual a contribuição do trabalhador rural para o sindicato?
7) Quais são as principais reivindicações que os trabalhadores fazem ao sindicato?
8) Em sua opinião a aposentadoria ajuda ao agricultor permanecer na terra?
9) Qual a importância da aposentadoria nos dias atuais para o agricultor e quais as
dificuldades que ela cria?
10) Quais são as formas de pagamento da renda ou aluguel da terra existentes no
município?
11) Quais são os principais problemas dos pequenos agricultores do município?
12) Quais os principais produtos agrícolas produzidos pelos pequenos agricultores
do município?
13) Como o STR vê a atuação da Emater junto aos pequenos agricultores familiares
no município?
14) O que mudou na produção dos pequenos agricultores do município nos últimos
tempos?
15) Qual o papel do STR junto aos pequenos proprietários, aos parceiros e aos
arrendatários?
16) Qual o papel do Sindicato na concessão de linhas de crédito aos agricultores
familiares e quais os bancos e os programas que financiam estes agricultores
17) Qual a importância da agricultura familiar para o município?
Obs: Perguntar sobre as linhas de créditos que são concedidas aos agricultores,
principalmente, os oferecidos pelo BNB.
Entrevista com a EMATER
1) Quantas comunidades e/ou agricultores familiares são acompanhadas pela
EMATER no município?
2) Como se dá a atuação da EMATER nas comunidades rurais de Teixeira?
3) Qual a freqüência de visitas dos técnicos da EMATER nas comunidades rurais?
4) Quais as dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares?
5) Quais as dificuldades encontradas pela Emater para dar assistência técnica aos
agricultures?
6) Os agricultores seguem a orientação da EMATER?
7) Existe alguma linha de crédito para os agricultores? Se existe como se realizam
os empréstimos?
8) A EMATER elabora projetos para os agricultores familiares do município? Se
sim, quais os projetos que elaborou no último ano e quais as comunidades e/ou
produtores beneficiados?
9) Na falta de pagamento dos financiamentos o que acontece com os agricultores
inadimplentes?
10) Em sua opinião os créditos viabilizam a permanência dos agricultores na terra?
11) Quais os principais produtos agrícolas produzidos pelos agricultores familiares
do município?
12) Qual a importância da pecuária para estes agricultores?
13) Qual o produto que se destaca dentro dos principais produzidos pelos
agricultores familiares?
14) Como a Emater vê o papel desempenhado pelo STR e pela CEPFS junto aos
agricultores familiares do município?
15) Do ponto de vista técnico, quais as técnicas de cultivo e de produção pecuária
orientada pelos tyécnicos da Ematger aos pequenos produtores?
16) Cite duas ou mais experiências exitosas de acompanhamento da Emater junto
aos agricultortes familiares dói município e explique o por que?
17) Qual a importância do PRONAF para a agricuiltura familiar do município? Tem
alguma experiência exitosa? Se sim, identifique e explique o por que.
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SILVANA CRISTINA COSTA CORREIA RESISTÊNCIA E FORMAS