Conservatório Brasileiro de Música – Departamento de Alagoas: da excelência ao esquecimento Prof. Msc. Leonardo Stefano F. Diegues de Arecippo Universidade Federal de Alagoas Se encontrar seus pais na cidade de Hamburgo ou em qualquer outro lugar / Passe por eles como um estranho, vire na esquina, não os reconheça / Abaixe sobre o rosto o chapéu que eles lhe deram / Não, oh, não mostre seu rosto / Mas sim / Apague as pegadas! BRECHT apud. GAGNEBIN, 1994, p. 69-70 Resumo: Alagoas teve, nos anos 1950, 1960 e 1970, um conservatório em cujo período cuidou do ensino regular de música no Estado. Com o seu fechamento, apenas nos anos 1980 esse ensino pôde ser retomado, através do surgimento de cursos de música no Centro de Belas Artes e na UFAL. Tão penoso, porém, quanto o fechamento do Conservatório, parece ser a constatação de que todo aquele trabalho resulta esquecido por políticos, por parte da imprensa e pela comunidade alagoana, sem a contrapartida de uma adequada política cultural por parte do Estado, da mídia local e da sociedade civil alagoana. Palavraschave: Conservatório, excelência, perseverança, fechamento, esquecimento. Abstract: Alagoas had, in the years 1950, 1960 and 1970, a conservatory in which time looked after the regular teaching of music in the state. With its closing, only in the 1980s that education could be undertaken by the emergence of music courses at the Center for Fine Arts and the UFAL. So painful, however, about the closing of the Conservatoire, seems to be the realization that all that work results forgotten by politicians, the press and the community in Alagoas, without adequate consideration of cultural policy by the State, local media and civil society Alagoas. Keywords: Conservatory, excellence, perseverance, closing oblivion. Apresentação A inauguração de um conservatório de música na cidade de Piranhas, Alagoas, apresenta-nos duas faces de um mesmo fenômeno: por um lado, existe uma nova opção para o ensino-aprendizado de música no Estado. Por outro lado, evidencia-se um velho estigma da população e do poder público no Brasil: amnésia cultural. Datada de 19 de outubro de 2009 e com os dizeres Alagoas ganha seu primeiro conservatório de música, uma manchete do jornal Gazeta de Alagoas traduz essa amnésia cultural, nesse caso referente ao Conservatório Brasileiro de Música-Departamento de Alagoas (CBM-DA), que funcionou de 1956 a 1973. Esse, sim, foi o primeiro conservatório a ser criado no Estado de Alagoas. Através deste artigo, busco apresentar quatro dimensões do CBM-DA: (1) excelência, atrelada a uma estrutura acentuadamente acima dos padrões da época, (2) perseverança, expressa pela abnegação e otimismo de sua fundadora e diretora, Venúzia de Barros Melo (1927), (3) fechamento, proporcionado pelo 17 descaso de autoridades e omissão de setores que poderiam intervir favoravelmente para a sobrevivência da Instituição, e (4) esquecimento, manifestado pela população e até por setores da imprensa local. 1. Conservatórios no Brasil No Brasil, os Conservatórios, em sua maioria, estabelecem um programa, normalmente baseado em música estrangeira ocidental, onde os métodos de ensino tolhem a individualidade e, principalmente, a criatividade. Por essa razão, os críticos, normalmente poucos simpáticos à proposta dos Conservatórios, baseiam-se no fato de que geralmente essas escolas não falam a linguagem do povo, pouco aproveitando o seu vasto material folclórico para um estudo sistemático. A Escola de Música da UFRJ já seguia regulamentos, aprovados entre 1890 e 1911, cujos padrões adotavam modelos europeus. Subsidiado pelo Ministro da Justiça (Sic) Leopoldo Miguez, então Diretor do Conservatório, visitou e estudou a organização dessas Instituições na Europa. Nesse estudo, ele comparou o ensino do Conservatório de Paris, França, com o ensino em Conservatórios alemães e italianos, concluindo pela superioridade dos estabelecimentos germânicos sobre os demais. (SIQUEIRA. 1972. P.32). A opção por modelos pedagógicos europeus também se verifica no Conservatório de Música do Estado de Sergipe, onde “os métodos tradicionalmente utilizados vieram da Europa, particularmente da Itália, Portugal e Alemanha.” (MOREIRA, 2007, p. 47) Tal orientação acadêmica pré-determina valores acerca do que é “bom” ou “ruim” em música. O resultado dessa orientação pode ser traduzido na falta de sintonia do estudante brasileiro com as diversas instituições incluindo as de Ensino Superior. E “ainda hoje, conservatórios sobreviventes espalhados pelo vasto território, repetem ad infinitum disciplinas sem renovação a alunos que encontram na prática musical ou a tentativa da profissão, ou a ascensão do que se rotulou cultura genérica.” (MARTINS, 1993, PP 166-67) O aluno, normalmente músico prático, decepciona-se. E ao fazê-lo, acaba por abandonar a Instituição sem, com isso, interromper suas atividades anteriores. Não raro, os próprios estudantes parecem não identificar e usufruir de um aspecto positivo do conservatório: objetivos mais abrangentes do que meramente aprender a tocar um instrumento. Como conseqüência, a relação da comunidade com essas 18 escolas nem sempre ocorre de forma harmônica. Mário de Andrade (1893-1945) havia percebido esse equívoco ao afirmar: à pergunta que faço sobre o que os meus alunos vieram estudar no Conservatório, todos respondem, um que veio estudar piano, outro canto, outro violino. Há catorze anos faço tal pergunta. Não tive até hoje um só aluno que me respondesse ter vindo estudar música!”(ANDRADE, apud SUZIGAN, 1990, P.34) A pesquisadora Rita de Cássia Fucci Amato (2008), da Faculdade de Música Carlos Gomes, constata essa realidade ao ouvir de uma ex-aluna do Conservatório Musical de São Carlos que ela havia optado pelo estudo do piano unicamente para “tocar para as visitas” (p. 181), seguindo uma antiga tradição social. Constatação que ratifica a observação feita por Marcos Moreira (2007), do Conservatório de Música de Sergipe. Moreira detectou, no estudante daquele conservatório, falta de compromisso com a carreira profissional. Ao invés disso e buscando na música apenas um “hobby”, esse estudante abandona-a diante da primeira adversidade (pp. 49-50) Talvez devido a essa pouca sintonia entre aspirações do estudante e propostas de conservatórios, apenas três Estados nordestinos, em 2009, mantêm esses centros de ensino: Ceará, (Conservatório de Música Alberto Nepomuceno), Sergipe (Conservatório de Música de Sergipe) e Pernambuco (Conservatório Pernambucano de Música). Os demais Estados, por sua vez, oferecem alternativas àqueles que desejam estudar ou lecionar música, normalmente vinculadas a Universidades ou Fundações, como a Escola de Música de Teresina, da Fundação Cultural do Piauí (Fundac), a Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo ou o Departamento de Música da UFPB, na Paraíba. A tradição de conservatórios faz-se mais presente em Estados das Regiões Sudeste e Sul do que em Estados das regiões Norte e Nordeste. Para se ter uma idéia, Minas Gerais, que pertence ao Sudeste e possui forte ligação com a era da mineração dos tempos coloniais, oferece à sua comunidade nada menos do que quatro1 Instituições do gênero, número superior ao total encontrado no Nordeste. 3. Conservatórios em Alagoas 1 Conservatório Estadual de Música de Diamantina, Conservatório Estadual de Música Juscelino Kubistchek de Oliveira, Conservatório Estadual de Música Lia Salgado (Leopoldina) e Conservatório Estadual de Música Maestro Marciliano Braga (Varginha). 19 3.1 Piranhas: fabricação de instrumentos Enquanto o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno foi fundado em 26 de maio de 1938 e os Estados vizinhos de Pernambuco e Sergipe tiveram seus conservatórios criados, respectivamente, em 17 de julho de 1930 e 28 de novembro de 1945, o Conservatório de Música Cacilda Damasceno Freitas, da cidade de Piranhas, tem sua data de criação em 18 de outubro de 2009 e inicia suas atividades no ano 2010. Em Piranhas, além de tocar, os alunos são orientados a fabricar “flauta, pífano, violino, violão, pandeiro, rabeca e contrabaixo, [além de receber] aulas teóricas e práticas.” (DIVULGAÇÃO, 2009). É importante que a iniciativa traga importantes frutos para a produção musical e instrumental na região. Para tanto, é de suma importância que ela apresente excelência e perseverança de modo a beneficiar gerações inteiras de sertanejos. É importante, também, que não percamos de vista uma irreversível realidade: O Conservatório de Música de Piranhas não é o primeiro a ser criado em Alagoas. Este lugar cabe ao CBM-DA, de Maceió. 3.2 Maceió: Proposta pioneira. Mais recente do que o conservatório cearense e seus equivalentes dos Estados vizinhos Pernambuco e Sergipe, porém anterior ao de Piranhas, o CBM-AL foi criado em 15 de junho de 1956 e registrado como de utilidade pública em 15 de março de 1957. De acordo com o quadro abaixo, os conservatórios têm seus registros no Nordeste entre os anos 1930 e 2009: FUNDAÇÃO INSTITUIÇÃO 17/07/1930 Conservatório Pernambucano de Música PE 26/05/1938 Conservatório de Música Alberto Nepomuceno CE 28/11/1945 Conservatório de Música de Sergipe SE 15/06/1956 Conservatório Brasileiro de Música – Depto. de AL ESTADO Alagoas 18/10/2009 Conservatório de Música “Cacilda Damasceno Freitas Fig. 1: Conservatórios no Nordeste e suas datas de criação. 20 AL Atendendo a um pedido da Profª. Aida Wucherer Braga, a então presidente do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, Antonieta de Souza, facilitou a abertura do Departamento de Alagoas da escola. Anos depois, esse departamento passaria a chamar-se popularmente Conservatório de Música de Alagoas. Naqueles primeiros anos, a fundadora, diretora e tesoureira D. Venúzia de Barros Melo empunhava a árdua tarefa de dirigir a entidade auxiliada por outras três mulheres: Maria Lúcia Albuquerque, Maria Tereza Wucherer Braga e Maria Augusta Monteiro, e uma das marcas mais características da entidade dirigida por aquele quarteto feminino parece ter sido a excelência. Dona Venúzia trazia a experiência de ter criado e dirigido, em 1940, uma academia de música em Maceió, com pouco menos de treze anos de idade: Comecei a lecionar e fundei em fevereiro de 1940, uma pequena Academia de Música [...] o número de alunos foi crescendo. Em 1942, reuni os seus pais e apresentei-os em sua primeira audição em ambiente fechado [...] no dia 24 de novembro de 1946 foi a primeira audição pública, para o encerramento do ano letivo [...] no auditório do Colégio Diocesano. (MELO, 1994, p.. 28) Maceió, em 1940, possuía apenas 90. 253 habitantes2; Alagoas, 286.379, e o país, 41.236.315 11. Naquele ano, o planeta vivia o horror da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Além do mais, uma crise financeira iniciada em 1930 e que se estenderia até o pós-guerra tornava difícil exportar e importar. Tal dificuldade incluía a aquisição de instrumentos musicais. Mesmo assim, a pequena academia da jovem Venúzia funcionou de 1940 a 1956, data em que foi criado o Conservatório. E este primou, desde o início, pela excelência em seu fazer artístico. 3.2.1 Excelência. O trabalho intensivo na formação de jovens instrumentistas e cantores pelo CBM-DA, entre 1961 a 1993, renderam a D. Venúzia de Barros Melo medalhas, condecorações e homenagens em pelo menos dezesseis ocasiões3. Os reconhecimentos incluíam medalha de honra ao mérito, homenagens em livros, passando por placas de prata e comendas, tais como “Ana Coelho Palmeira” e “Graciliano Ramos”, oferecidas pela Câmara de Vereadores de Maceió. 2 Em julho de 2009, Maceió aparece como a 17ª cidade mais populosa do Brasil 936.314 (julho de 2009), à frente, por exemplo, de Natal, RN (21ª com 806.203). 3 MELO, 1994, P. 124 21 As razões para tantas condecorações podem estar ligadas a um costume de época, o de promover recitais. Através do Conservatório, D. Venúzia promoveu 62 audições de piano, 16 de acordeão, 06 de violino, 422 do coral Villa-Lobos, etc. Podemos ter uma idéia da magnitude desse trabalho numa cidade como Maceió se levarmos em conta que o IBGE registrava, em 10/09/1970, uma população de 269.415 habitantes. A própria Universidade dispunha, na época, de apenas 20 cursos, e o número total de Professores era de 239. Desses Professores, apenas 30 (12,55%) pertenciam ao sexo feminino. O curso de música ainda não existia. Poucas escolas de música em Maceió, mesmo no início do século XXI, possuíam a excelência apresentada pelo CBM-DA. Sua oferta acadêmica, elaborada ainda nos anos 1950, incluía: iniciação musical, teoria musical, história da música (simultaneamente a história da arte), pedagogia aplicada à música, acústica e biologia aplicada à música, balé, declamação, impostação vocal, canto lírico, piano, acordeão, violão, violino, canto coral e bandinha rítmica. Quanto ao corpo docente, prevalecia uma atividade praticamente inexistente no século XXI: quase todos os professores do conservatório exerciam o oficio gratuitamente. As despesas, porém, existiam. Funcionando como uma franquia da matriz carioca, com diplomas registrados no Rio de Janeiro, o CBM-DA pagava mensalidades para receber orientações técnico-administrativas e acadêmicas. A verba anual que a escola recebia não era suficiente. O complemento era fornecido principalmente pelo Sr. Jacy Epaminondas de Melo, marido da Profª. Venúzia Mello, hoje falecido. Ele também cobria despesas de água, luz, telefone, fardamentos dos professores e dos corais, decoração dos espetáculos, etc. O CBM-DA também precisava arcar com a vinda de professores direto do Rio de Janeiro, dado que, com uma população de 120.980 habitantes e sem escolas formadoras de professores de música, Maceió ainda não oferecia as condições ideais para um conservatório de música. Mesmo com essas dificuldades, D. Venúzia promovia festivais abertos ao público, “para que toda a classe social pudesse comparecer aos espetáculos” (MELO, 1994, p. 28). Não havia retorno financeiro nesses eventos, até porque [...] todos os movimentos das semanas musicais e culturais, audições e apresentações públicas eram gratuitas, e nunca [o Conservatório] cobrou ingressos nem recebeu ajuda pelos trabalhos prestados à sociedade e ao Estado (idem, p. 35) 22 Por um lado, os alunos do Conservatório estudavam por turnos inteiros. A permanência do aluno na escola - média de 25h semanais – preparava-o, ao final de seis anos, para graduar-se, adquirindo conhecimentos que eram considerados, pela própria Instituição, suficientes para lecionar música após essa formação, incluindo aquele que fosse beneficiado com bolsa de estudo. Por outro lado, esses benefícios existiam devido à condição de órgão de utilidade pública que isentava o conservatório de diversos encargos sociais e impostos, porém o obrigava a aceitar todos os candidatos a freqüentarem as suas salas, pudessem ou não pagar. Na ausência do Estado a cuidar adequadamente da política cultural, ou da mídia local a exigi-la, coube ao CBM-DA a responsabilidade de desempenhar essa árdua missão entre 1956 e 1973. 3.2.2 Perseverança. O crescimento das despesas e a baixa receita do CBM-DA levaram ao estabelecimento de uma crise financeira que colocou em risco a própria existência da Instituição. Outros conservatórios no Brasil também viviam crise semelhante. O Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, e.g., construído em 1895 e fundado como escola em 1906, tentou em vão sua federalização a partir de 1960. Naquele ano, o compositor Camargo Guarnieri (1907-1993) deu inicio a um movimento pela sua federalização. O projeto, porém, foi vetado em 1964 pelo Presidente da República, e a Instituição, que formava cerca de 2.000 músicos por ano na primeira metade do século 20, hoje em dia se dedica exclusivamente à educação musical. Ex-aluno do conservatório, o professor e maestro Eduardo Ostergren, enxerga no Governo Militar as razões para o veto. Para ele, "os militares não sabiam o que fazer com as artes e as ciências humanas, [por isso] priorizaram as exatas [, e sequer] respeitaram o fato de o conservatório [...] ser tão conceituado" (EQUIPE DE TREINAMENTO, 2006). A crise do CBM-DA, por sua vez, parecia aprofundar-se no início da década de 1970. No entanto, D. Venúzia, perseverante e otimista, acreditava em que pelo menos dois caminhos representassem uma alternativa para sair dessa crise: 23 (1) que o Governo do Estado, representado à época, por Divaldo Suruagy4 poderia retomar o projeto e incorporá-lo à Secretaria de Educação. Mas era uma retomada que insistia em não vir. Em matérias publicadas no jornal Gazeta de Alagoas de 27 e 29 de maio de 1973, D. Venúzia anunciava que, desde 1971, o Conservatório iniciara o seu processo de fechamento, resistindo apenas por conta da perseverança de seus diretores e professores. Ela ainda acreditava que “o nosso Estado, [à época, era] dirigido por homens de visão mais larga” (idem), referindo-se ao governador Divaldo Suruagy e apostava em que o Governo poderia retomar o projeto e incorporá-lo à Secretaria de Educação. A retomada jamais aconteceu. (2) que a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), através do Reitor Nabuco Lopes, general do exército, realizasse a encampação do Conservatório e, atendendo à sugestão de D. Venúzia, criasse um Departamento de Música. O Gen. Lopes, justificando que até pretendia fazê-lo, complementou com um lacônico “mas não agora” 5 Persistente, D. Venúzia ofereceu mais uma contrapartida: em entrevista concedida a Silvana Valença, de "O JORNAL", em 21/03/1995, ela declarou ter oferecido todos os instrumentos musicais e todos os livros da biblioteca da Instituição caso houvesse interesse de algum desses setores – Secretaria de Educação do Estado ou Universidade Federal - em solucionar o problema. Diante de um Estado indiferente a políticas culturais, o resultado não poderia ter sido outro que não a recusa das ofertas e dos apelos de D. Venúzia. 3.2.3 Fechamento. O Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro sobreviveu ao seu Departamento de Alagoas devido a algumas condições históricas e sociais. Criado pela Sociedade Musical do Rio de Janeiro, quando foi dirigido por Francisco Manuel da Silva (1795 - 1865) o CBM-RJ foi financiado durante oito anos pela renda de duas loterias anuais. Os juros das apólices da dívida pública, as quais eram financiadas pela loteria, cobriam as despesas do estabelecimento. Ao contrário do Conservatório de Alagoas, que funcionou por 15 anos na Av. Moreira Lima, 326, Centro6, o CBM-RJ mudou várias vezes de endereço. O primeiro foi numa sala do Museu Nacional (Praça. da República), para alunos do sexo 4 Divaldo Suruagy governou Alagoas em três ocasiões: (1) entre 1975 e 1978; (2) entre 1983 e 1986 e (3) entre 1995 e 1997 5 Jornal Gazeta de Alagoas, 27.05.1973 6 Edifício Tupy; possui dois andares e é conhecido popularmente por Galeria Tupy. Nesse local funciona a Casa Vieira. 24 masculino. O feminino foi criado em 10/11/1853, no Colégio Sta. Tereza. O segundo endereço foi obtido em 23/09/1854. Naquela data, o Conservatório foi anexado à Academia de Belas Artes. A partir de 1857, com a extração da quinta loteria, três casas de numeração contínua representavam o terceiro endereço. Elas foram adquiridas perto da Academia de Belas Artes para servir de sede da Instituição, na atual Rua Luís de Camões. Após um período sem recursos, a sede foi inaugurada em 1872. O Governo Republicano extinguiu o CBM e criou em seu lugar o Instituto Nacional de Música (INM), que herdou o patrimônio. A partir daquele momento, as mudanças passaram a existir nos nomes e nos regulamentos internos da escola. Em 1937, passou a chamar-se Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, quando foi incorporado ao Curso Superior. Em 05/11/1965, através das leis 4.759/65 e 4.831/65, a Universidade do Brasil passou a chamar-se UFRJ, e, a ENMUFRJ, Escola de Música da UFRJ. Por sua vez, o Conservatório alagoano, cuja estrutura chegara a comportar 480 alunos matriculados e 37 professores lecionando, continuou sem receber recursos externos e o decisivo apoio institucional para sua sobrevivência. Não havendo alternativa, acabou por cerrar suas portas, pois “se tornava difícil financeiramente uma família sustentar a cultura musical do nosso Estado” (TENÓRIO, 1976), e nesse processo de fechamento, de nada valeram as homenagens e condecorações citadas no subitem 2.2.1. Mesmo assim, algum tipo de intervenção poderia ter ocorrido. O Conservatório, entre 1971 e 1973, iniciara esse processo de fechamento o qual teria sido interrompido caso tivesse havido a intervenção da Secretaria de Educação ou da Universidade, e, nesse sentido, apelos não faltaram Na época, o Estado de Alagoas era governado por Afrânio Salgado Lages, o mesmo que autorizou a demolição da Cadeia Pública, alegando que era feia e incômoda para a cidade. Ignorando protesto de artistas e intelectuais que se puseram à frente do prédio tentando impedir a derrubada, utilizou o poder persuasivo e lacrimogêneo da polícia para atingir o seu objetivo. Em Recife, ao contrário, a antiga cadeia foi transformada numa importante casa de cultura: destinos diferentes para velhos presídios. O problema de fechamento de conservatórios no Brasil aponta para caminho inverso daquele trilhado pelas Universidades, pois “ao declínio [daqueles], estabelece-se a aceleração, nas últimas décadas, dos cursos superiores de música 25 nas Universidades.” (MARTINS, 1993, p. 168) Rita de Cássia Fucci Amato (2008) atesta essa realidade como tendo ocorrido em fins dos anos1970 e até identifica uma das origens do problema na “baixa demanda e [no] pouco interesse pela aprendizagem pianística.” (p. 189) 3.2.4 Esquecimento. Matérias publicadas pela imprensa alagoana entre 2009 e 20107 anunciam a fundação daquele que está sendo considerado o “primeiro conservatório de música” do nosso Estado. Trata-se do Conservatório Municipal Cacilda Damasceno Freitas, da cidade de Piranhas, AL, onde está programado o ensino de confecção e execução de instrumentos musicais, dentre eles flauta, pífano, violino, violão, pandeiro, rabeca e contrabaixo. (DIVULGAÇÃO, 2009) A iniciativa deverá facilitar o acesso da população ribeirinha ao universo da música, e a presença de um conservatório, sobretudo naquela região, é motivo de otimismo. Mas a verdade precisa ser estabelecida. Veiculada por uma imprensa constituída por jornalistas relativamente jovens e trabalhos de pesquisa relativamente modestos, a notícia da fundação do conservatório da cidade de Piranhas parece jogar num enorme baú de esquecimento o CBM-DA e todos aqueles anos de excelência. O fato leva-nos a lembrar o esquecimento no qual também estiveram mergulhados importantes compositores ocidentais. J. S. Bach (1685 – 1750), e.g., transformou-se num quase completo estranho aos ouvidos dos próprios alemães entre o período que transcorreu após a sua morte (1750) e o seu “renascimento” através de pesquisas e da subseqüente execução de suas obras pelo maestro-compositor alemão J. L. Felix Mendelssohn Bartholdy (1809 – 1847) em 1829. W. A. Mozart (1756-1791) também fora “ressuscitado” por Mendelssohn no que concerne aos seus concertos para piano (MASSIN, 1997, p. 716) e à sua própria imagem, caluniada e hostilizada por uma legião de invejosos (LANDON, 1990, pp. 185-186) mesmo após a sua morte. Mendelssohn não tornou mais conhecidos do apreciador musical apenas Bach e Mozart: ele resgatou de iminente esquecimento obras de outros compositores, como C. M. Von Weber (1786-1826), J. Haydn (1732-189) ou L. Van Beethoven (1770-1827). 7 Sala de Imprensa do Gabinete Civil do Estado de Alagoas, em 19 de outubro de 2009; Engenho de notícias www.engenhodenoticias.blogspot.com - em 22 de outubro de 2009; Alagoas em tempo real www.alagoasemtemporeal.com.br – em 12 de fevereiro de 2010; Primeira edição - www.primeiraedicao.com.br em 19 de outubro de 2009. 26 Guardadas as devidas proporções e malgrado o esquecimento vivenciado pelo seu conservatório por parte da imprensa, D. Venúzia pode ter sentido um lampejo de reconhecimento ao seu trabalho à frente do CBM-DA no dia 17 de dezembro de 2009. Naquela ocasião, a orquestra da UFAL executou o VII Concerto de Natal na catedral Metropolitana de Maceió e homenageou a musicista por conta dos “relevantes serviços prestados à música alagoana” (DABASI), executando sua valsa Os meus 14 anos. Da mesma forma que aconteceu com Bach e com Mozart, além de Haydn, Weber e Beethoven, muitos artistas e suas criações não raro vêem-se punidos com o implacável estigma do esquecimento. Com D. Venúzia não foi diferente: se, por um lado, foi graças à sua iniciativa privada que “algo pôde ser feito pelo ensino regular da música no Estado, fato que só voltaria a ocorrer nos anos 80 com a criação do Curso de Música do Centro de Belas Artes ligado à antiga Fundação Teatro Deodoro e aos Cursos de Música da UFAL, (2009) por outro lado, essa iniciativa e toda a sua excelência parecem ter desaparecido da memória de importantes segmentos do nosso Estado e sua quase total ausência de políticas culturais, com especial destaque para a imprensa. Mas os fatos não podem ser ignorados ou negados. Existiu, com toda magnitude, um importante conservatório de música na Maceió nos idos de 1950, 1960 e 1970, e ele foi o primeiro em nossa história. Que outros venham, aliando-se ao trabalho realizado pelos atuais Cursos de Música da UFAL e seu empenho em cultivar as artes. Mas que não permitamos que esta se torne mais uma sociedade amnésica, negando um importante capítulo de sua vida cultural e apagando as pegadas daquilo que existiu de forma pioneira. 27 BIBLIOGRAFIA Alagoas ganha seu primeiro conservatório de música. Maceió, AL: Gabinete Civil do Estado de Alagoas, Sala de Imprensa, Notícias, 19 de outubro de 2009. Disponível em: < http://www.gabinetecivil.al.gov.br/sala-deimprensa/noticias/alagoas-ganha-seu-primeiro-conservatorio-de-musica> Acesso em 1º de janeiro de 2009. AMATO, Rita de Cássia Fucci. Funções, representações e valorações do piano no Brasil: um itinerário sócio-histórico. Pelotas, Revista do Conservatório de Música da UFPel, Nº 1, PP. 166-194, 2008. ANDRADE, Mário de. Pequena História da Música. 9a edição, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia LIDA. 1987. DABASI, Daniel. VII Concerto de Natal marca comemoração natalina da UFAL. Maceió, UFAL, 16/12/2009. Disponível em http://www.ufal.edu.br/ufal/noticias/2009/12. DANZIGER, Leila. 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