UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL JOSÉ ADAIR XAVIER CHAVES A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 NA EDUCAÇÃO: A DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO E DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA Ijuí − RS 2010 JOSÉ ADAIR XAVIER CHAVES A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 NA EDUCAÇÃO: A DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO E DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (RS), como requisito parcial para a obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS. Orientador: Dr. Paulo Afonso Zarth Ijuí − RS 2010 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL A banca examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação: A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 NA EDUCAÇÃO: A DESCONSTRUÇÃO DO PRECONCEITO E DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA elaborada por JOSÉ ADAIR XAVIER CHAVES como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências. Banca Examinadora: Prof. Dr. Paulo Afonso Zarth (UNIJUÍ): ________________________________________ Prof. Dr. Walter Frantz (UNIJUÍ): ____________________________________________ Profª. Drª. Arisa Araújo da Luz (UERGS): ______________________________________ Profª. Drª. Noeli Valentina Weschenfelder (UNIJUÍ): ______________________________ Ijuí – RS 2010 Deus é negro Trago no sangue uma África. O reboar de tambores, a ponta afiada de lanças, os riscos coloridos realçando a pele e, na boca, o gosto atávico dos frutos do Jardim do Éden. Na alma, as cicatrizes abertas de tantos açoites, o grito imperial dos caçadores de gente, o balanço agônico da travessia do Atlântico e, nos porões, a morte ceifando corpos engolidos pelo mar e triturados pelos dentes afiados dos peixes. Sou filho de Ogun e Oxalá, devoto de Iemanjá, a quem elevo as oferendas de todas as dores e cores, lágrimas e sabores, o choro inconsolável das senzalas, a carne lanhada de cordas, os pulsos e os tornozelos a ferros, a solidão da raça. Sou escravo e, no entanto, senhor de mim mesmo, pois não há ferrolho que me tranque a consciência nem moralismo que me faça encarar o corpo com os olhos da vergonha. Tão povoado é o céu de minhas crenças, que não rejeito nem mesmo a santeria do clero. Antes, reverencio o cavalo de São Jorge, transfiro aos altares a devoção aos meus Orixás, lanço ao rio a Virgem Negra na fé de que, entre tantas brancas, trazidas no andor do senhor de escravos, chegará o tempo em que a minha será Aparecida e, a seus pés, também os joelhos dos brancos haverão de se dobrar. Sou liberto e, no fundo das matas recrio um espaço de liberdade, defendendo com espírito guerreiro o meu reduto de paz. No quilombo, volto à África, resgato a força mistérica do meu idioma, celebro reisados e congadas. Cidadão Brasileiro que ainda luta por alforria, empenhado em abolir preconceitos e discriminações, grilhões forjados na inconsistência e inconsciência dos que insistem em fazer da diferença divergência e ignoram que DEUS é também negro. Frei Beto “Enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao conhecimento da história de si próprio, a escravidão cultural se manterá no País”. (João José Reis, 1993, p. 189). AGRADECIMENTOS Meus sinceros agradecimentos: Aos colegas de curso de Mestrado da turma de 2008 pela interação, pelo empréstimo do saber em sala de aula, aos professores do programa por instigarem a busca pelo conhecimento à secretaria do mestrado Ao professor Paulo Zarth, por ter acompanhado e contribuído de forma significativa para os rumos tomados no transcorrer da pesquisa. Àquelas pessoas a quem o agradecimento não poderia bastar: A meus pais, que já se foram há décadas, mas me deram a vida e espiritualmente sempre estiveram e estão comigo, aos meus filhos que sempre se orgulharam pela minha determinação e esforço, a minha esposa Ineida, companheira há trinta anos, que suportou minha ausência nos dias de aula, angústia, nervosismo e porque não dizer da solidão que muitas vezes a pesquisa me impunha. A Deus, pela saúde e paz que me permitiu chegar até aqui. RESUMO Esta pesquisa apresenta a questão da educação étnico-cultural/racial, com objetivo de ressaltar a importância e a necessidade da desconstrução social do preconceito e da discriminação racial que são atribuídos à população negra. Procura também suscitar reflexões sobre as representações sociais negativas colocadas a essa população através da abordagem da questão educação étnico-racial no espaço escolar, a partir da Lei Federal Nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96, que trata sobre a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio no Brasil. A pesquisa foi desenvolvida em algumas escolas do município de São Luiz Gonzaga – RS, e se propõe elencar as ações que já foram efetuadas, bem como o planejamento para a implementação desta lei. Procura-se discutir também as concepções de alguns educadores que em função da inclusão dessa nova disciplina no currículo escolar, tiveram que repensar sobre como são as relações étnico raciais, sociais, pedagógicas e os procedimentos de ensino, condições oferecidas para a aprendizagem, objetivo da educação oferecida até então pelas escolas. Observou-se também, através desta pesquisa, que Lei 10.639/03 propõe o restabelecimento do diálogo, rompendo-se o monólogo até então instituído, que trazia por referência o falar e o fazer escolar com base em um único valor civilizatório. Com isto rompe-se conseqüentemente com a idéia de subordinação racial no campo das idéias e das práticas educacionais, propõe reconceituar-se pela escola, o negro, seus valores e as relações raciais na educação e na sociedade brasileira. Embora saibamos da importância atribuída a esta inclusão curricular, alguns educadores questionaram a faltam de orientação didática, pois declararam não ter recebido qualquer tipo de orientação pedagógica sobre a questão racial no Brasil por ocasião dos seus cursos de formação profissional ou nas escolas onde lecionam ou lecionaram. Outros educadores reconhecem a existência do preconceito racial na escola, seja entre alunos, de professores em relação aos alunos, ou até do corpo administrativo para com os alunos, porém por questões éticas acaba sendo omitido e veladas as situações. Outro fator apontado pela pesquisa trata-se da falta de materiais didáticos relacionados com a cultura africana o que facilitaria a introdução do tema. Além disso, constatou-se algumas opiniões contrárias à inclusão de uma educação cidadã, que destaque raça, uma vez que isso levanta o problema não existente, ou é função da família. Portanto a implementação da lei, parte da concepção do veto ao negro; percorre os caminhos da articulação de consciência dos seus direitos; ressignifica a função social da escola e recupera os movimentos, no sentido de organizar experiências educativas e escrever uma história social de sua educação revelando imagens que não conhecemos, embora os indicadores sociais e educacionais nos dêem muitas pistas sobre a realidade das questões raciais em nosso País. Palavras-chave: Educação - Lei 10639/03 – População negra – Discriminação racial ABSTRACT This work presents the ethnic-cultural/racial education question, aiming to highlight the importance and necessity of the social prejudice and discrimination deconstruction, assigned to the black population. It also raises thoughts on the negative social representations put to this population by addressing the issue of ethnicracial education in school from the Federal Law No. 10.639 of 09.01.2003, which changed the Law of Directives and Bases of National Education (9.394/96), which deals about the compulsory teaching of Afro-Brazilian History and Culture in Elementary and High School in Brazil. The research was developed in some schools in São Luiz Gonzaga - RS, and intends to list the actions that have already been made, as well as planning for the implementation of this law. It discusses also the conceptions of some educators who had to rethink how were their ethnic, racial, social, educational relationships, teaching procedures, conditions offered for the learning objective education offered by schools until the inclusion of this new subject in the school curriculum. Another relevant aspect observed through this research is that the Law 10.639/03 proposes the resumption of dialogue, breaking up the monologue that was before, when the school was based on a single value of civilization. Therefore, breaks up the idea of racial subordination in the field of ideas and educational practices, and proposes to conceptualize again, through the school, blackness, its values and race relations in education and in Brazilian society. Although the knowledge of the importance of this inclusion, some educators questioned the lack of guidance teaching, because they had not received any tutoring about race in Brazil during its training courses or schools where they teach or taught; other educators recognize the existence of racial prejudice at the school or between students, teachers to students, or until the school administration with the students, but ethical issues omitted and covert these situations. According to the research, the main question that was asked was the lack of teaching materials related to African culture which would facilitate the introduction to the theme. Moreover, the results of the work show opinions against the inclusion of a citizenship education that emphasize race, because it could raise a nonexistent problem or that this subject must be a function of the family. We can, therefore, conclude that the history of education of the black people is the history of a set of phenomena. It comes from the design of the veto to black people, followed the path of conscious articulation of their rights, reframes the social function of schools and retrieves the movement, in order to organize educational experiences and write a social history of their education, showing images that we don’t know, although social and educational indicators give us many clues about the reality of racial issues in our country. Key-words: Slavery – Education - Law 10639/03 – Black Population - Racial Discrimination LISTA DE FIGURAS Figura 1: Diagrama dos valores civilizatórios do projeto a cor da cultura..............................60 Figura 2: Sala de encontros do Instituto Histórico e Geográfico de SLG ................................64 Figura 3: Estudo do continente africano no Curso sobre a Cultura Afro-brasileira do Instituto Histórico e Geográfico de SLG, pelos professores participantes. (Professora Ms Maria Py).. 65 Figura 4: Professores participantes do Curso sobre a Cultura Afro-brasileira no Instituto Histórico e Geográfico de SLG ................................................................................................ 66 Figura 5: Portão central de acesso a Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch...... 67 Figura 6: Quadra de esportes e Salas de aula da Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch..................................................................................................................................... 69 Figura 7: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe .......................................... 72 Figura 8: Acesso principal da Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga.......... 74 Figura 9: Representação do texto trabalhado na escola “Menina Bonita do laço de fita” ....... 76 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Distribuição da população residente segundo as grandes regiões..........................26 Gráfico 2: Distribuição da população com 10 anos ou mais .................................................... 26 Gráfico 3: Distribuição de pretos/pardos e brancos nas sete regiões apuradas ........................ 27 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Rendimento/hora e rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho principal segundo a cor ou raça ................................................................................................ 27 Tabela 2: Escolaridade média segundo a cor ou raça - setembro de 2006 ............................... 28 Tabela 3: Rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho principal segundo a cor ou raça e anos de estudo ........................................................................................................... 29 LISTA DE ANEXOS Anexo 1: Recorte do Jornal A Notícia de São Luiz Gonzaga I...............................................90 Anexo 2: Recorte do Jornal A Noticia de São Luiz Gonzaga II..............................................91 Anexo 3: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Secretaria de Educação de Ijuí ...........................92 Anexo 4: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Escola Estadual de Bozano - RS ........................93 Anexo 5: Ações do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais .................................................................................................................................94 SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................................... VI ABSTRACT .........................................................................................................................VII LISTA DE FIGURAS........................................................................................................ VIII LISTA DE GRÁFICOS ....................................................................................................... IX LISTA DE TABELAS............................................................................................................ X LISTA DE ANEXOS............................................................................................................ XI INTRODUÇÃO .....................................................................................................................14 1 DA ESCRAVIDÃO AO DESENVOLVIMENTO DAS DESIGUALDADES RACIAIS ................................................................................................................................19 1.1 ESCRAVIDÃO NO BRASIL .........................................................................................19 1.2 O QUE É O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL .....................................................21 1.3 O QUE É A DESIGUALDADE RACIAL – ALGUNS INDICADORES...................25 1.4 A ORIGEM DA DESIGUALDADE NO BRASIL .......................................................29 2 A EDUCAÇÃO ÉTNICO-CULTURAL/RACIAL – REFLEXÕES PARA NOVOS RUMOS NO ENSINO ESCOLAR.......................................................................................33 2.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E SEU PAPEL SOCIAL.................................................33 2.2 QUESTÕES ÉTNICAS E CULTURAIS NO CURRICULO: UMA HISTÓRIA DE AUSÊNCIA ............................................................................................................................35 2.3 AS CARACTERÍSTICAS DO RACISMO BRASILEIRO COM REPERCUSSÃO NA ESCOLA..........................................................................................................................39 2.4 MOVIMENTO NEGRO E SEU COMPROMETIMENTO COM A EDUCAÇÃO.43 3 A VISIBILIDADE DO NEGRO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO.....................................50 3.1 PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 - OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA..50 3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ...................................................................57 3.2.1 Breve Histórico do Município de São Luiz Gonzaga - RS ........................................57 3.3 CONCEITOS E VALORES ÉTNICOS APLICADOS................................................58 3.3.1 “Crioulo” .......................................................................................................................59 3.3.2 “Escravo Ou Escravizado” ..........................................................................................59 xiii 3.3.3 Valores ...........................................................................................................................60 3.3.4 Circularidade ................................................................................................................60 3.3.5 Oralidade.......................................................................................................................61 3.3.6 Energia Vital (AXÉ) .....................................................................................................61 3.3.7 Corporeidade ................................................................................................................61 3.3.8 Musicalidade .................................................................................................................62 3.3.9 Ludicidade.....................................................................................................................62 3.3.10 Cooperatividade/Comunitarismo..............................................................................62 3.3.11 Memória ......................................................................................................................62 3.3.12 Religiosidade ...............................................................................................................63 3.3.13 Ancestralidade ............................................................................................................63 3.3.14 Afetividade ..................................................................................................................63 3.4.1 Curso sobre cultura afro-brasileira. IHGSLG – Instituto Histórico Geográfico de São Luiz Gonzaga ..................................................................................................................64 3.4.2 Breve histórico da Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo LangschPolivalente ..............................................................................................................................67 3.4.3 Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe .........................................71 3.4.4 Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga...........................................74 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................78 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................83 ANEXOS ................................................................................................................................89 INTRODUÇÃO Desde o início do século passado, a construção de uma identidade nacional tem inquietado a mente dos intelectuais brasileiros. A busca constante pela unidade da nação marcou o Brasil com um sinal indelével até hoje: o mito da democracia racial. Isto é, a idéia de que o índio, o negro e branco se unem harmonicamente para construir o país passou a ser difundida à exaustão. Entretanto, essa não é, e nunca foi a realidade. Crescemos ouvindo falar que no Brasil não existe mais discriminação e preconceito racial. Porém não ser racista é mais do que ter amigos negros e aceitar sua cultura. Ser livre de preconceitos é acreditar que todos devem ter oportunidades iguais, independentes de cor, raça, sexo ou etnia. “Todo mundo é igual diante da lei” (BRASIL, 2010). Esta afirmação está na nossa Constituição, como afirmação do nosso desejo que um dia o Brasil seja assim. É importante, no entanto, que saibamos que a realidade do nosso país é totalmente outra, o que torna contraditória essa igualdade afirmada na lei. É oportuno registrar que, hoje, com quase meio século vivido, começo a entender e analisar a minha trajetória de vida, como brasileiro, cidadão negro, que cumpri com suas obrigações e deveres, e que ao longo desse período encontrou barreiras sociais e falta de oportunidades que começaram desde a escola básica até ao acesso do ensino superior. Nasci numa cidade do interior, oriundo de uma família negra com cinco irmãos que já se foram dessa vida sem ter a oportunidade de passar pelo ensino superior, e de um pai carroceiro com o quinto ano primário e uma mãe que também nos deixou sem saber ler e escrever. Talvez esta condição familiar se transformou em estímulo para continuar com os estudos buscando respostas para questionamentos que até então eram naturais, mas que se mostraram diferentes a partir do momento em que tive o conhecimento mais profundo da realidade social brasileira, bem como da condição social do negro em nosso país. Esta pesquisa vem mostrar algumas ações que trazem a possibilidade de transformar nossa sociedade focando a população negra 15 que corresponde 50,6% dos brasileiros. Nosso cotidiano nos mostra que o fim da escravidão não resolveu a questão do negro brasileiro, retirado de sua terra natal, agora, sem a condição da volta, se deparara com uma nação construída com o seu trabalho, que não o aceita. Assim, com o advento do trabalho livre, e com a chegada do novo trabalhador imigrante, o negro é jogado à própria sorte, em um modo de organização social que traz em seu cerne a produção das desigualdades sociais. Todo esse fenômeno passou despercebido pela sociedade nacional. Tudo parece ser muito natural. A falta de uma reflexão sobre o momento histórico da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre pela sociedade brasileira fez com que avançassem as idéias de inferioridade do negro. Desta forma, as desigualdades raciais poderiam ser justificadas uma vez que na época supunha-se ou era atribuído ao negro, que este, apresentava características inferiores ao homem branco que aqui chegara. Até os dias atuais, há indícios que esta concepção possa ainda perdurar no pensamento de alguns brasileiros, inclusive de que o negro seja menos disposto ao trabalho do que o homem branco. Esse quadro foi responsável pela constituição de uma das grandes chagas do racismo brasileiro, a naturalização da problemática do negro, e da desigualdade racial. Essa chaga alcançou os diversos setores da vida nacional, onde o fenômeno ideológico da naturalização chega ao seu auge com o mito da democracia racial. De acordo com esse contexto, esta pesquisa traz um caráter investigativo que o tema contempla, pois a implementação da Lei 10.639/03, que visa o ensino da História da África e dos afro-descendentes nas Escolas de Ensino Médio e Fundamental, traz no seu cerne, a busca do diálogo, rompendo o monólogo até então instituído, que trazia por referência o falar e o fazer escolar com base em um único valor civilizatório. A lei, portanto, rompe com a idéia de subordinação racial no campo das idéias e das práticas educacionais, e propõe reconceituar, pela escola, o negro, seus valores e as relações raciais na educação e na sociedade brasileira. Vale ressaltar que após cinco anos da implementação da lei exposta acima, foi sancionada em 10 de março de 2008 a Lei 11.645/08, que acrescenta na anterior a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena, além de suprimir o artigo 79-B, que inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro, como Dia Nacional da Consciência Negra. Para fins jurídicos como houve uma revogação da Lei anterior, seria mais correta a referência à Lei n° 11645/08, porém nesta pesquisa o foco de interesse são as ações e iniciativas em relação à implementação do estudo de História da África e cultura afro-brasileira e não propriamente a lei formal. Por essas razões, será usada a referência à norma primeira, ou seja, 16 a Lei 10.639/2003. Mas fica a preocupação de que a lei que torna obrigatório o ensino da temática História e Cultura Indígena venha enfrentar dificuldades semelhantes ao ensino de história e cultura afro-brasileira. Baseado na complexidade deste tema, esta investigação científica utiliza alguns conceitos inerentes ao ato de pesquisar. Para isto utilizo as considerações de Gil (2002), que define a pesquisa como um método sistêmico e pautado na lógica que visa proporcionar respostas a questões levantadas, coloca ainda que a pesquisa é necessária quando não se tem conhecimento suficiente do objeto, não se dispondo de informação suficiente para que se obtenha uma resposta para o problema, ou quando a informação já disponível está desorganizada, não podendo, assim, ser relacionada ao problema. Conforme Demo, a pesquisa é como atividade cotidiana, considerando-a como uma atitude, um “questionamento sistemático crítico e criativo, mais a intervenção competente na realidade, ou o diálogo crítico permanente com a realidade em sentido teórico e prático” (1996, p. 34). Para Vergara (2004) a pesquisa é um instrumento que visa captar ou manipular a realidade, diferentemente de Marconi e Lakatos (1992) que consideram a pesquisa um processo formal, que serve para a descoberta de respostas para questões anteriormente propostas, por meio de métodos científicos. Reportamos-nos a Gil novamente, que afirma que a pesquisa tem um caráter pragmático, é um “processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos” (1999, p. 42). O ato de pesquisar significa, de forma bem simples, procurar respostas para indagações propostas, exigindo desta forma uma metodologia que nos oriente nas busca dos objetivos. Os diferentes métodos de pesquisa são necessários e importantes para atender e possibilitar a realização de investigações em diversas áreas do conhecimento. Os métodos não competem entre si, mas a natureza do estudo é que determina qual é o método mais indicado. Para desvelar como tem se desenvolvido a implantação da Lei 10.639/03, com suas dificuldades, resistências, ações e atitudes, utilizamos anotações de campo que possibilitaram o registro de dados e a sistematização das observações, assim como os diálogos e entrevistas ocorridas durante esta pesquisa. Dentro deste contexto, o desenvolvimento da presente pesquisa compreendeu as visitas exploratórias à Secretaria Municipal de Educação de São Luiz Gonzaga e logo após às escolas elencadas em função das atividades com maior 17 representatividade relacionadas com a Lei 10639/03. De maio a setembro de 2009, essas instituições foram visitadas com o objetivo de fazer um primeiro contato de apresentação, providenciar medidas burocráticas para acessar as escolas, coletar informações e documentos que auxiliariam no planejamento, na definição do grupo investigado e, a partir disso, delineamento das estratégias para o enfrentamento do problema de pesquisa. A periodicidade em que foram realizadas as observações não foi rígida, mas procurou-se coincidir com os dias em que os alunos participavam de alguma atividade que expressasse consonância com o objetivo deste trabalho. Embora os momentos de observação tenham sido realizados no ambiente em que aconteciam as atividades, houve o cuidado de provocar a menor interferência possível nas ações, na tentativa de apreender as situações com maior proximidade da realidade. O cotidiano do funcionamento da escola em geral também foi observado, como o recreio, o refeitório, a rotina dos setores administrativos como a secretaria, algumas atividades em sala de aula e eventos especiais. Os contatos com alunos e professores foram em forma de conversas mais informais, pois a entrada do pesquisador no campo em estudo já havia acontecido e a comunidade escolar tinha conhecimento da realização da investigação e estava mais familiarizada com essa presença na instituição. As conversas aconteciam enquanto os professores e alunos desenvolviam suas atividades cotidianas, não havendo um momento reservado especificamente para esse fim. Os resultados desta pesquisa estão organizados em três capítulos, ressaltando o desenvolvimento das desigualdades raciais, descrevendo tópicos que caracterizaram a escravidão no Brasil, o mito da democracia racial, o esclarecimento sobre a desigualdade racial e alguns indicadores. No primeiro capítulo, há a exposição da origem da desigualdade e suas consequências na sociedade em relação ao grupo afro-brasileiro. O segundo capítulo traz uma abordagem relacionada com o ambiente escolar, abordando o papel da educação escolar como um aspecto fundamental para construção da cidadania, e posteriormente expondo dois tópicos relevantes para o entendimento das questões raciais, mostrando algumas características do racismo brasileiro o qual interfere diretamente na vida escolar. Por último, aborda-se todo o envolvimento do Movimento Negro com a educação na busca da visibilidade racial para desmitificar a inferioridade do negro neste país e conceituá-lo através da educação. Já no terceiro capítulo, ressalta-se o processo de aplicação da Lei 10639/03 trazendo os objetivos, alguns tópicos de maior relevância e o parecer sobre sua implementação. Na seqüência são abordados os conceitos e valores atribuídos aos afro-descendentes, finalizando 18 nas etapas e atuações de algumas Escolas de São Luiz Gonzaga que aplicam a Lei 10639/03 e tiveram ações mais significativas minimizando as diferenças raciais e conscientizando sobre as desigualdades e práticas do racismo no contexto escolar. 1 DA ESCRAVIDÃO AO DESENVOLVIMENTO DAS DESIGUALDADES RACIAIS 1.1 ESCRAVIDÃO NO BRASIL Conforme a literatura brasileira, nosso país foi um dos primeiros países a conhecer a escravidão e o ultimo a aboli-la. Até 1888, o escravismo foi o coração do Brasil. De acordo com Maestri (1994) “pouco compreenderemos da história brasileira se desconhecemos o nosso passado escravista”. Durante mais de trezentos anos, homens e mulheres africanos capturados de diversas partes da África foram a principal força de trabalho brasileira. De acordo com Lopes (2006), é provável que mais de cinco milhões de indivíduos tenham aportado no país, provenientes dos diversos mercados. Alguns dos principais pontos de desembarque de africanos escravizados para as Américas eram “Gorée, no Senegal; Cacheu, na atual Guiné-Bissau; Ajuda, no atual Benin; Old Calabar, na Nigéria; Loango e Luanda, em Angola” (LOPES, 2006, p.7). No caso específico do Brasil, a probabilidade é que os africanos trazidos sejam oriundos das “áreas de influência portuguesa, como as ilhas de Cabo Verde e São Tomé, as fortalezas e os entrepostos de Argüim (de onde certamente vieram mandingas, uolofes, fulânis etc.), São Jorge da Mina e Ajuda (axantis, fantis, iorubas, ewes, fons etc.); além de Cabinda, Luanda, Benguela e Moçambique, de onde proveio a massa de escravos bantos predominantemente em boa parte do território nacional” (LOPES, 2006, p.7). Os negros dos diversos locais da África que aqui chegavam eram levados imediatamente ao mercado de escravos, onde eram vendidos para aqueles que fizessem a maior oferta. Desse modo, membros de uma mesma família ou de uma mesma tribo se separavam, aumentando ainda mais sua revolta. Os movimentos dos cativos contra o sistema escravocrata eram constantes. Suicídios, inclusive os coletivos, privando o senhor de seu investimento; homicídios praticados contra os brancos e as fugas eram maneiras de demonstrar sua rebeldia. Os quilombos, refúgios de escravos fugidos, 20 instaladas em locais de difícil acesso, também foram uma alternativa para se livrarem da opressão dos senhores brancos (ZAHER, 2010). Estas situações faziam com que as revoltas contra o sistema escravocrata fossem crescentes. Os cativos sempre resistiram à dominação e expressavam sua rebeldia com suicídios, inclusive os coletivos, privando o senhor de seu investimento; homicídios praticados contra os brancos e fugas. Um dos movimentos de resistência mais significativos dos escravos foi a organização dos quilombos. Tratava-se de refúgios instalados em locais de difícil acesso onde se abrigavam negros fugidos, índios e até brancos pobres, que viviam em comunidade e distantes da opressão. Segundo Maestri (1979) a diversidade de origem do africano escravizado (e, portanto, de língua, cultura, civilização, etc) não era o único elemento a dificultar a organização coletiva de escravos. A relativa dispersão geográfica das concentrações de mão de obra escrava, a vigilância do senhor de escravo, de sua polícia, de seu exército, a denúncia, o controle ideológico da Igreja eram também sérios empecilhos para operação de fuga. Mesmo assim, esses espaços se multiplicaram por todo o Brasil, entretanto um deles se tornou referência quando se fala em organização de resistência dos negros contra a escravidão. Liderado por Zumbi, o Quilombo de Palmares, localizado na Serra da Barriga no Estado de Alagoas, no século XVII, é considerado o símbolo da luta pela liberdade. Os moradores de Palmares ficaram conhecidos pela sua astuciosa organização e força de combate, que lhes deram a vitória em diversas batalhas contra as inúmeras invasões e tentativas de destruição do Quilombo. Durante a segunda metade do século XIX ganham cada vez mais força e se proliferam os movimentos abolicionistas, que passam a pressionar com intensidade o Estado para extinguir a escravidão. Os negros também organizam movimentos e passam a se rebelar constantemente. As pressões externas vindas, principalmente, da Grã-Bretanha (Inglaterra), existentes desde o início do século XIX, continuam e acabam obrigando o Brasil a cumprir as leis e tratados internacionais que estabelecem o fim dessas importações (LOPES, 2006, p.8). Uma série de processos conjunturais, estruturais e gradativos levou o Brasil a abolir a escravidão em 13 de maio de 1888, sendo a última nação das Américas a dar esse passo (FERREIRA, 2004, p.39). Depois de mais de trezentos anos de regime escravocrata é assinada a Lei Áurea, pela princesa Isabel, filha do Imperador Dom Pedro II. Ao término da escravidão não houve qualquer política reparatória por parte do Estado brasileiro. Os negros, 21 agora “livres”, não tiveram acesso às terras em que haviam trabalhado durante anos, nem receberam nenhum outro meio de sustento. A consequência foi o avanço da miserabilidade dessa camada da população brasileira. Portanto, mesmo que nenhuma forma oficial de segregação tenha sido implantada depois de abolida a escravidão, os negros, em sua grande maioria, não tiveram chances de se integrar ao sistema econômico vigente. Quadro que foi agravado pela política de imigração adotada em meados do século XIX pelo governo brasileiro. Conforme dados do Relatório de Desenvolvimento Humano – PNUD/2005 “A contribuição decisiva dos escravos e das escravas na produção econômica e cultural do Brasil não foi compensada na fase posterior à Abolição e à instauração da República, em 1889. O governo republicano não teve o propósito de promover a cidadania dos ex-escravos e de seus descendentes nem de reverter a intolerância étnica, o racismo e as desigualdades raciais herdadas do sistema escravista. Ao contrário, no final do século 19, o Estado brasileiro, em meio aos esforços de construção de uma identidade nacional, incorporou mecanismos informais e simbólicos de discriminação, fundados nas teses de racismo científico e de inferioridade biológica dos africanos, e concretizados em políticas de atração de imigrantes europeus e em barreiras aos negros no nascente mercado de trabalho urbano”. Maestri (1979) aponta que a “forma mais característica de resistência ao escravismo foi, sem duvida, a fuga e a posterior constituição desses “mocambos” ou “quilombos” pois são esses dois nomes que designarão sucessivamente, antes e depois do século XVII, as concentrações habitacionais dos escravos fugidos que procuravam assim constituir uma sociedade “paralela” ( e contraditória) á sociedade “oficial”. 1.2 O QUE É O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL Como parâmetro para o entendimento da democracia racial brasileira utilizei os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano – PNUD/2005 o qual mostra que a partir da terceira década do século 20, os paradigmas do racismo científico foram renegados pelo pensamento hegemônico nacional. Era o contexto de importantes mudanças políticas e sociais no país, cujas crenças no campo racial caminhavam no sentido de abandonar os pressupostos deterministas sobre raças superiores e inferiores e, principalmente, de afirmar a existência de uma democracia racial no Brasil. Se os paradigmas do racismo 22 científico foram importados pela intelectualidade brasileira nos anos de 1870, no segundo caso, a partir de 1930, as teses da democracia racial constituíram-se em uma invenção genuinamente nacional, que perdurou no discurso oficial até as décadas finais do século 20 (PNUD, 2005, p.36). É válido explicitar as idéias de alguns pensadores brasileiros e influentes na sociedade da época, sobre assuntos relacionados com a participação do negro na sociedade e sua situação no Brasil. Destaca-se, nesse sentido, a miscigenação descrita em “Casa Grande e Senzala”, pelo historiador e sociólogo Gilberto Freyre, revelando que esta se tratava de um mecanismo para um processo que teve como fim a democracia racial. Porém, a miscigenação de raças no Brasil na realidade nunca foi tratada e nunca existiu “como um processo livre, espontâneo, e, portanto, natural, de união entre dois povos” (HASENBALG, 1979, p. 210). Gilberto Freyre (1998) caracterizou a escravidão no Brasil como composta de senhores bons e escravos submissos. O mito do bom senhor de Freyre é uma tentativa de interpretar as contradições do escravismo como simples episódio sem importância, e que não teria o poder de desfazer a harmonia entre exploradores e explorados durante aquele período. A miscigenação seria um processo de enriquecimento racial e cultural dos povos, capaz de gerar civilizações, e que ocorre de forma livre e democrática. O mito da democracia racial brasileira, depois de denunciada como mito por vários sociólogos e transformada, nos anos de 1980, no principal alvo dos ataques do movimento negro, como sendo uma ideologia racista, a “democracia racial” passou na última década a ser objeto de investigação mais sistemática de cientistas sociais e historiadores. A princípio, prevaleceu a compreensão de que se tratava realmente de um mito fundador da nacionalidade. Afinal, o Brasil teria sido percebido historicamente como um país onde os brancos tinham uma fraca, ou quase nenhuma, consciência de raça, conforme explicitavam alguns pensadores e também a miscigenação era, desde o período colonial, disseminada e moralmente consentida; onde os mestiços, desde que bem-educados, seriam regularmente incorporados às elites. O racismo no Brasil foi implantado através do mito da democracia racial (GUIMARÃES, 2006). Esta modalidade de racismo, mascarado de status liberal e democrático, conseguiu efetivar-se com grande eficácia, alcançando, através de sua dissimulação, prestígio interno e externo. Nesse sentido, Hasenbalg afirma que: [...] desde o final do Segundo Império e início da República já se acreditava que o Brasil teria escapado do problema do preconceito racial. Explica que tal concepção tem origem na comparação feita com a situação racial observada no Estados Unidos 23 da América daquela época. Hasenbalg, salienta que “conclusões semelhantes eram tomadas pelas elites de outros países da América Latina, quando comparavam suas realidades com a estadunidense. Entretanto, diferentemente dos padrões raciais encontrados nos Estados Unidos, no Brasil e em outros países latino-americanos, estas parecem possuir dois pontos centrais: O primeiro deles é o embranquecimento, ou ideal do branqueamento, entendido como um projeto nacional implementado por meio da miscigenação seletiva e políticas de povoamento e imigração européia, e o segundo é a concepção desenvolvida por elites políticas e intelectuais a respeito de seus próprios países, supostamente caracterizados pela harmonia e tolerância racial e a ausência de preconceito e discriminação racial (HASENBALG, 1979, p. 215). A chamada “escola paulista de sociologia” desenvolveu um tipo de argumentação diferente, entendendo que, existem áreas tradicionais, como a Bahia, Pernambuco, onde isso pode ser verdade, onde não existiria preconceito porque não haveria ordem competitiva, igualitária. Mas, nas áreas de desenvolvimento capitalista, em São Paulo, onde se organiza uma sociedade de classes, à medida que aumenta a competição social, aparece o preconceito, ou seja, a ameaça do negro tomar o lugar do branco torna-se real. Em contraposição, os críticos da escola paulista interpretavam tal preconceito como cultura de importação, nutrida principalmente por certos grupos imigrantes pouco adaptados ainda à vida nacional. A escola paulista, ao contrário, buscava explicações estruturais, ou seja, remetia-se à estrutura social em mutação, o capitalismo industrial, em gestação no país, estaria também deslanchando o fenômeno do preconceito racial (GUIMARÃES, 2002). A idéia de democracia racial tem suas origens nas teorias de Gilberto Freyre de que a cultura luso-brasileira, o “mundo que o português criou”, teria desenvolvido uma “democracia social” mais profunda e pujante que a “democracia política” dos anglo-saxões e franceses. Essa democracia social seria basicamente um modo diferente de colonizar que significou miscigenar-se, igualar-se, integrar os culturalmente inferiores, absorver sua cultura, dar-lhes chances reais de mobilidade social no mundo branco. Freyre fala depois em “democracia étnica” para dizer que, no Brasil, apesar de uma estrutura política muito aristocrática, desenvolvem-se, no plano das relações raciais, relações democráticas. São essas idéias que foram traduzidas como “democracia racial” e ganharam, por um bom tempo, pelo menos dos anos 1940 até os 1960, a conotação de um ideal político de convivência igualitária entre brancos e negros (GUIMARÃES, 2002, p.149). Vale lembrar que, segundo Guimarães, já na década de 60 fala-se em mito da democracia racial, ressaltando: Democracia racial seria apenas um discurso de dominação política, não expressava mais nem um ideal, nem algo que existisse efetivamente, seria usado apenas para desmobilizar a comunidade negra; como um discurso de dominação, 24 seria puramente simbólico, sua outra face seria justamente o preconceito racial e a discriminação sistemática dos negros (2002, p.150). O termo “democracia racial” passa, portanto, a carregar e sintetizar certa constelação de significados. Nela, raças não existem e a cor é um acidente, algo totalmente natural, mas não importante, pois o que prevalece é o Brasil como Estado e como nação; um Brasil em que praticamente não existem etnias, salvo alguns quistos de imigrantes estrangeiros. Inventa-se, portanto, um povo para o Brasil, que passa a ter samba, passa a ter um pouco da cultura negra, que até aqui não existia. Isso porque, no Império, predominou a mística do índio e na República, a mística do imigrante europeu, somente na Segunda República o negro vai dar coloração à nação, à idéia de uma nação mestiça (GUIMARÃES, 2006). Portanto, é interessante reportar-se à citação: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. Este é o artigo 1º da lei que colocou, no dia 13 de abril de 1888, milhares de negros em liberdade no país. Hoje, 116 anos depois, eles somam 50,6% da população brasileira, que vivem, como muitos historiadores costumam afirmar, sob o mito da democracia racial. O mito da democracia racial é contestado nas cifras, muitas delas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): a maioria dos desempregados são negros, o mercado de trabalho é ocupado estrita e massivamente por brancos, também são os brancos que têm mais possibilidades de acesso às universidades. No próximo item será ressaltado que é a desigualdade no Brasil utilizando como referência o Relatório do Desenvolvimento Humano PNUD/2005 – Racismo, Pobreza e Violência que revela a situação dos negros brasileiros, onde estes, “aparecem sobrerepresentados nos nichos de mercado menos valorizados como, construção civil, comércio ambulante e setor de serviço que envolvem trabalhos manuais e pesados. Dentro dessa questão o relatório nos mostra ainda que os negros estão sub-representados em todas as posições de poder do Estado. A principal decorrência dessa pobreza política é sua preterição sistemática dos processos de decisão sobre os destinos dos recursos coletivos. Na esfera do Estado, é visível que os negros não conseguem fazer prevalecer suas necessidades em muitas políticas públicas, fatores que poderiam auxiliá-los a se livrar do confinamento nos escalões inferiores da sociedade. Nota-se que mesmo atingindo 50,6% da população brasileira os negros são sub-representados em âmbito federal trazendo maiores conseqüências, pois nessa esfera são tomadas as grandes decisões sobre a administração dos recursos coletivos e é definida a agenda das políticas públicas (PNUD, 2005, p.47). 25 1.3 O QUE É A DESIGUALDADE RACIAL – ALGUNS INDICADORES Além do peculiar tipo de racismo, o sistema escravocrata trouxe conseqüências profundas à organização social brasileira. As precárias condições em que ficaram os escravos libertos após a abolição criaram, automaticamente, classes sociais bastante distantes no que diz respeito à situação socioeconômica. Tal quadro se estende até os dias atuais, mantendo negros em posição de desvantagem em relação aos brancos em diversos setores da sociedade. Conforme aponta Zarth: [...] o tema étnico-racial readquire força e intensidade no ensino de história, por conta das políticas educacionais recentes e dos movimentos sociais com bases étnicas – o movimento negro e o movimento indígena. Não é uma simples volta metodológica ao passado e sim uma tentativa de reconsiderar, numa perspectiva crítica, as condições históricas dos diferentes grupos étnico-culturais na constituição da sociedade nacional, marcada por inequívocas desigualdades com características étnicas (2008, p. 20). Recentes dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, coletados no ano de 2007, durante a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD, atestaram que a população brasileira, no que se refere a cor ou a raça, era composta por 49,4% de brancos, 7,4% de pretos, 42,3% de pardos. Em comparação com o ano anterior, há um pequeno aumento nos autodeclarados pretos em todas as regiões do país (0,5 ponto percentual), exceto na região Norte, que registrou uma queda de 0,7 ponto percentual. Apesar da diminuição do índice, essa região se mantém como a de maior concentração de pretos e pardos, seguida pelo Nordeste do país. Já a população branca tem maior concentração nas regiões Sul e Sudeste, que apresentam 78,7% e 58,4%, respectivamente, como é possível verificar no gráfico do IBGE abaixo: 26 Gráfico 1: Distribuição da população residente segundo as Grandes Regiões Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set. 2008. A partir desses índices é possível depreender que a população de cor preta e parda (negros) representa uma parcela significativa da sociedade e participa ativamente dela, tanto econômica como socialmente. Entretanto, nota-se que há uma lacuna quando se analisam as diferenças, principalmente econômicas e de ensino, entre brancos e pretos/pardos. Dados da Pesquisa Mensal de Emprego, PME, realizada em setembro de 2006 pelo IBGE, afirmam que a população preta ou parda representava 42,8% das 39,8 milhões de pessoas com 10 anos ou mais de idade nas seis regiões metropolitanas investigadas1 pelo instituto, como aponta o gráfico a seguir: Gráfico 2: Distribuição da população com 10 anos ou mais Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - 2006 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set. 2008. 1 A PME abrange São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife. 27 Desses 42,8% de pretos e pardos, a maior concentração ocorre em Salvador enquanto que Porto Alegre apresenta o menor percentual entre as regiões metropolitanas apuradas, corroborando os dados da PNAD 2007, conforme o gráfico abaixo: Gráfico 3: Distribuição de pretos/pardos e brancos nas sete regiões apuradas Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set. 2008. De acordo com os dados, onde os pretos e pardos são maioria absoluta, como no caso de Salvador, verifica-se uma grande discrepância de rendimentos quando comparados aos brancos. Estes possuem rendimentos que chegam ao dobro do que recebem os pretos e pardos, considerando-se iguais condições para avaliação (mesmo nível de escolaridade e idade). Cabe ressaltar que a Pesquisa Mensal de Emprego ocorre desde 1980 e que apenas em 2002 teve implantada no questionário o quesito raça/cor. Desde então essa diferença entre os rendimentos dos pretos/pardos e brancos manteve-se constante. Tabela 1: Rendimento/hora e rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho principal segundo a cor ou raça Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set. 2008. Esses índices também são notados quando se abordam os números relativos ao 28 acesso ao ensino. Existe uma grande diferença entre o percentual de pretos e pardos que chegam à universidade ou estão no ensino médio e os brancos que habitam esta mesma esfera. O IBGE (2006) aponta que, dos pretos e pardos na faixa etária dos 10 aos 17 anos, 6,7% não freqüentavam a escola, contra 4,7% dos brancos. Quanto ao acesso ao ensino superior, as diferenças acentuam-se ainda mais. Enquanto 25,5% dos brancos com mais de 18 anos freqüentavam, ou haviam freqüentado, a universidade, nos pretos e pardos este percentual cai para apenas 8,2%. Em Salvador, onde a concentração de pretos e pardos é maior e foram apuradas as maiores médias de anos de estudo entre esta parcela da sociedade, observou-se o maior diferencial. Em média, são 2,4 anos de estudo a mais para os brancos e eles, geralmente, chegam ao Ensino Médio. No caso dos pretos e pardos, a maioria não conclui, sequer, o ensino fundamental. Tabela 2: Escolaridade média segundo a cor ou raça - setembro de 2006 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set. 2008. Essa realidade do ensino dos pretos e pardos interfere diretamente no valor dos rendimentos, ou seja, quanto menos acesso ao estudo se tem, menores são as oportunidades de emprego e os salários. O IBGE ainda compara os índices de acesso ao ensino superior registrados nos anos de 1997 e 2007, mapeando as ocorrências nesse período de 10 anos entre as pesquisas. Em 2007, a taxa de frequência a curso universitário para estudantes entre 18 e 25 anos de idade na população branca (19,4%) era quase o triplo da registrada entre pretos e pardos (6,8%). Quadro que se repetia, com pouca variação, em todas as regiões. Nesse nível de ensino, em todas as idades entre 18 e 25 anos, os estudantes pretos e pardos não conseguiram alcançar em 2007 a taxa de freqüência que os brancos tinham dez anos antes. Nesse intervalo de tempo, a diferença a favor dos brancos, em vez de diminuir, aumentou, passando, por exemplo, de 9,6 pontos percentuais, aos 21 anos de idade, em 1997, para 15,8 pontos percentuais em 2007 (IBGE, 2008, [s.p]). Quando a relação é entre o nível de escolaridade e os rendimentos financeiros, é 29 possível verificar que um setor influencia imediatamente o outro. Além desse fator, há também uma discrepância nos valores dos rendimentos, que pode chegar até 250%, quando se comparam indivíduos de igual escolaridade, do mesmo local, porém de raças diferentes. Percebe-se que o trabalho do branco é mais valorizado, conforme explicita a tabela seguinte: Tabela 3: Rendimento médio real habitualmente recebido no trabalho principal segundo a cor ou raça e anos de estudo Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007 2007http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233>. Acesso em: 29 set. 2008. Os indicadores sociais, geográficos e econômicos demonstram concretamente a situação do afro-descendente no Brasil. As desigualdades sociais têm diversas raízes, mas sua problemática principal é o longo período pelo qual têm se mantido constantes. Essa permanência faz com que as discrepâncias sejam encaradas como naturais. Os dados comprovam que é necessária a coesão da sociedade brasileira e de órgãos públicos, estaduais e federais, para minimizar e alterar os números expostos. Portanto essa é a configuração do negro nesse país, provando que as desigualdades continuam fazendo parte do nosso cotidiano, abrindo seqüelas em gerações futuras e desenhando, dessa forma, um quadro de miséria e desesperança. Somente a mobilização da sociedade e a conscientização, poderão fazer a reversão desse estigma que nos assombra. Hasenbalg nos mostra que: Nascer negro ou mulato no Brasil normalmente significa nascer em famílias de baixo status. As probabilidades de fugir às limitações ligadas a uma posição social baixa são consideravelmente menores para os não-brancos que para os brancos de mesma origem social (1979, p.220). 30 É importante ressaltar que vivemos uma intensa desigualdade racial brasileira, que associada a formas usualmente sutis de discriminação racial, impede o desenvolvimento das potencialidades e o progresso social da população negra. O entendimento dos contornos econômicos e sociais da desigualdade entre brasileiros brancos e brasileiros afro-descendentes apresenta-se como elemento central para se construir uma sociedade democrática, socialmente justa e economicamente eficiente. Essa investigação assume maior pertinência quando reconhecemos que os termos da naturalização do convívio com a desigualdade no Brasil são ainda mais categóricos no fictício mundo da “democracia racial” ditado há mais de 60 anos por Gilberto Freyre, mas ainda verdadeiro para muitos brasileiros. Esta configuração coloca o Brasil distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário mundial, como razoável em termos de justiça distributiva. As origens históricas e institucionais da desigualdade brasileira são múltiplas, mas sua longa estabilidade faz com que o convívio cotidiano com ela passe a ser encarado, pela sociedade, como algo natural. A desigualdade tornada uma experiência natural não se apresenta aos olhos de nossa sociedade como um artifício. No entanto, resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania para todos: a dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, também são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes. Na visão de Hasenbalg: A noção de desigualdade racial remonta à mensuração das diferenças entre negros e brancos, entendendo que para atingir uma situação de igualdade racial completa, é necessário que os dois grupos raciais (brancos e não-brancos) se distribuam igualmente na hierarquia social e econômica (1988, p.140). 1.4 A ORIGEM DA DESIGUALDADE NO BRASIL Embora nenhuma forma de segregação tenha sido imposta após a abolição, os exescravos tornaram-se, de maneira geral, marginalizados em relação ao sistema econômico vigente. Além disso, o governo brasileiro iniciou, na segunda metade do século XIX, o estímulo à imigração européia, numa tentativa explícita de “branquear” a população nacional. Milhões de imigrantes europeus entraram no país durante as últimas décadas do século XIX e no início do século XX. Essa força de trabalho foi contratada preferencialmente tanto na agricultura como na indústria que estava sendo implantada nas principais cidades. Vale ressaltar aqui o que afirma o pesquisador Henriques: 31 A naturalização da desigualdade, por sua vez, engendra no seio da sociedade civil resistências teóricas, ideológicas e políticas para identificar o combate à desigualdade como prioridade das políticas públicas. Procurar desconstruir essa naturalização da desigualdade encontra-se, portanto, no eixo estratégico de redifinição dos parâmetros de uma sociedade mais justa e democrática (HENRIQUES, 2001, p.01). Para analisarmos a origem das desigualdades no Brasil, vale nos remetermos também à obra “A integração do negro na sociedade de classes” (FERNANDES, 1965). Nela, o autor mostra como no Brasil se fomentou uma sociedade de classes em que os negros e os mulatos jamais conseguiram se integrar plenamente, pois sofreram processos de exclusão de diferentes ordens ao longo da história, que lhes imputou uma melhor acomodação do ponto de vista sócio-econômico dentro das estruturas relacionais adjacentes à nossa sociedade de classes. Além disso, Fernandes ressalta que em certo sentido, tais populações tiveram de aceitar a ordem social vigente, deixando debates de natureza ideológicos e utópicos mais amplos para outras esferas sociais. Tal perspectiva se mostra particularmente atual, pois todos estes grupos sofreram e sofrem com uma espécie de mito da democracia racial que se criou por aqui (e que teve em obras como as de Freyre uma importante contribuição, conforme escrito no capítulo primeiro). “A ascensão plena como homens livres” (a expressão de Florestan Fernandes) dos negros, mulatos, índios e outras tantas “minorias” consiste em um dentre tantos elementos pertencentes a este mito. Conceber o Brasil como um “mosaico de raças integradas” consiste em um falso idealismo, que serve apenas para evitar que um debate mais realista se promova na opinião pública e para reafirmar e garantir a hegemonia de certos grupos sociais determinados. Conforme ressaltava Florestan em 1960, as situações de miséria e de exclusão provocaram “um doloroso processo de auto-afirmação e de protesto, que projetará o ‘homem de cor’ no cenário histórico, como agente de reivindicações econômicas, sociais e políticas próprias” (FERNANDES, 1965, p. 3). A valorização da “negritude”, como se convencionou denominar certos processos de auto-afirmação e de auto-valorização de negros que lutam pela causa da integração plena dessas populações dentro do cenário nacional, consiste em um dentre tantos expedientes que se erguem como bandeira de luta desses grupos. Para desvendar a origem da desigualdade no Brasil, basta lembrar que sempre nos foi dito que negro é considerado cidadão com os mesmos direitos e deveres dos demais. No entanto, o que aconteceu historicamente desmente este mito. Trazido como escravos foi lhe 32 tirado de forma definitiva a territorialidade, frustrando completamente a sua personalidade, fizeram-no falar outra língua, esquecer as suas linhagens, sua família foi fragmentada e/ou dissolvida, os seus rituais religiosos e tribais se desarticularam, o seu sistema de parentesco completamente impedido de ser exercido, e, com isto, fizeram-no perder, total ou parcial, mas de qualquer forma significativamente, a sua ancestralidade. Por isso, é importante ressalta trechos da Declaração em Durban, em que se declara que: [...] o colonialismo levou ao racismo, à discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, e que os africanos e afro-descendentes, os povos de origem asiática e os povos indígenas foram vítimas do colonialismo e continuam a ser vítimas de suas conseqüências [...] (Trecho extraído da Declaração de Durban em setembro de 2001. África do Sul). Após 13 de Maio de 1888 e o sistema de marginalização social que se seguiu, colocaram o negro como igual perante a lei, como se o seu cotidiano da sociedade competitiva (capitalismo dependente), em que se criou esse princípio ou norma, não passasse de um mito protetor para esconder as desigualdades sociais, econômicas e étnicas. Vê-se que o negro foi obrigado a disputar a sobrevivência social, cultural e mesmo biológica em uma sociedade racista e colocado, desde o princípio, em condições desiguais em comparação a outros grupos sociais, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural e política e étnica são feitas para que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradoras e subalternizadas. Podemos dizer que os problemas da raça e classe se imbricam nesse processo de competição do negro, pois nos parece que o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado. 2 A EDUCAÇÃO ÉTNICO-CULTURAL/RACIAL – REFLEXÕES PARA NOVOS RUMOS NO ENSINO ESCOLAR 2.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E SEU PAPEL SOCIAL Começo este capítulo expondo parte da introdução do texto elaborado por Zarth (2008) “A Babel do Novo Mundo”, onde salienta que “A abordagem étnico-cultural está na origem da construção da historiografia brasileira desde a conhecida fórmula das três raças, sugerida por Friedrich Von Martins ao Instituto histórico e Geográfico Brasileiro em meados do século 19 para explicar a formação do povo brasileiro a partir de brancos, negros e indígenas. Esta orientação tinha como objetivo estabelecer as diretrizes para a construção de uma identidade nacional, que é uma das tarefas fundamentais do ensino de história ainda hoje de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais”. A importância da escola como instituição formadora não só de saberes escolares como, também, sociais e culturais tornou-se um debate presente no setor educacional brasileiro. Alguns estudiosos do campo da educação e da cultura têm destacado o peso da cultura escolar no processo de construção das identidades sociais, enfatizando a escola como mais um espaço presente na construção do complexo processo de humanização (ARROYO, 2000; BRUNER, 2001). Por essa perspectiva, a instituição escolar é vista como um espaço em que aprendemos e compartilhamos não só conteúdos e saberes escolares, mas também valores, crenças, hábitos e preconceitos raciais, de gênero, de classe e de idade. Conforme aponta Munanga: Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. No entanto, cremos que a 34 educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados (2005, p.17). Parsons (1971) afirma que a educação escolar desempenha um papel de “sociabilização”, contribuindo para a interiorização pelo indivíduo dos valores da sociedade e simultaneamente, de diferenciação seletiva. Diante deste contexto, pode-se apontar que a escola brasileira encontra-se diante de um grande desafio: garantir educação de qualidade a todos os brasileiros, considerando, obrigatoriamente, dentre os quesitos de qualidade a educação das relações étnico-raciais e os conteúdos de história e cultura afro-brasileiras e africanas. Isto significa, na Educação Básica, criar condições favoráveis para que todas as crianças e adolescentes sejam respeitadas em suas especificidades e histórias de vida e venham a obter êxito em seus estudos escolares. O historiador Zarth(2008) aponta que “ atualmente o tema étnico-racial readquire força e intensidade no ensino de história por conta das políticas educacionais recentes e dos movimentos sociais com bases étnicas – o movimento negro e o movimento indígena. Portanto a obrigatoriedade da lei em pesquisa, volta-se especialmente, para negros e indígenas que, dentre os grupos marginalizados e desconsiderados socialmente, são os mais prejudicados por um modelo de escola que tem no aluno branco os seus parâmetros de qualidade. Uma escola de qualidade deve constituir-se em espaço de inclusão, onde são reconhecidas e combatidas as relações preconceituosas e discriminadoras, além de outras formas de exclusão; onde deve ocorrer a apropriação, por parte de todos os integrantes do grupo social, dos saberes dos até então marginalizados, o que significa a desconstrução das hierarquias entre as culturas, os povos, as nações e as pessoas; em que se afirma o caráter pluriétnico da sociedade brasileira e se reconhece a diversidade cultural da população, tendo por meta: promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação democrática (Parecer CNE/CP/ 003/ 04); onde se resgatam a história e cultura afro-brasileiras e africanas e se pratica a educação das relações étnicas raciais. Nesse sentido, conforme Rocha: A grande tarefa no campo da educação “há de ser o de busca de” caminho e métodos para rever o que se ensina e como se ensina nas escolas públicas e privadas, às questões que dizem respeito do mundo da comunidade negra. A 35 educação é um campo com seqüelas profundas de racismo para não dizer, o veículo de comunidade de ideologia branca (1998, p.56). O contexto atual nos mostra que é de fundamental importância a inclusão do ensino de história da África no currículo da educação básica, por saber que a instituição escolar tem um papel fundamental no combate ao preconceito e à discriminação, porque participa na formulação de atitudes e valores essenciais à formação da cidadania dos educandos. O conhecimento da história da África e do negro poderá contribuir para se desfazer os preconceitos e estereótipos ligados ao segmento afro-brasileiro, além de contribuir para o resgate da auto-estima de milhares de crianças e jovens que se vêem marginalizados por uma escola de padrões eurocêntricos, que nega a pluralidade étnico-cultural de nossa formação. 2.2 QUESTÕES ÉTNICAS E CULTURAIS NO CURRICULO: UMA HISTÓRIA DE AUSÊNCIA Conforme consta na Lei de Diretrizes e Bases, a educação brasileira organiza-se por níveis e modalidades de ensino. Os níveis compreendem educação básica, composto por educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, educação superior. Para qualquer nível de ensino, os dados revelam significativas diferenças de acesso e permanência quando analisados sob o aspecto das distinções entre brancos e negros. O espírito da Lei 10639/2003, tem por objetivo explicitar a preocupação com o acesso e o sucesso escolar da população negra, a Resolução CNE/CP nº 01/2004 dispôs, em seu Art. 5º, que “os sistemas de ensino tomarão providências no sentido de garantir o direito de alunos afrodescendentes de freqüentarem estabelecimentos de ensino de qualidade, que contenham instalações e equipamentos sólidos e atualizados, em cursos ministrados por professores competentes no domínio de conteúdos de ensino e comprometidos com a educação de negros e não negros, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito e discriminação”. A constante busca pela visibilidade positiva do afrodescendente tem raiz na idéia de que tornar visível e disponível a história de um povo e resgatar sua memória, dando voz aos seus representantes, é fornecer as ferramentas necessárias para a edificação da sua identidade e autoestima, as quais são fundamentais no processo de definição das formas de ser e estar no mundo. No caso do Brasil, a trajetória e a contribuição dos africanos e seus descendentes para 36 a sociedade foi ocultada para fins de controle social, e a questão racial foi velada em nome da ideologia do branqueamento, a qual se acreditava ser a solução dos problemas e atraso no desenvolvimento do país (MUNANGA, 2005, p.20). Além da busca dessa visibilidade, existem outros obstáculos criados pelo sistema ao desempenho da população negra na sociedade brasileira, ressalto a inferiorização desta no ensino. Primeiro, são os livros didáticos, que até recentemente ignoravam o negro brasileiro e o povo africano como agentes ativos da formação territorial e histórica. Em seguida, a escola algumas vezes, tem funcionado como uma espécie de segregadora informal. A ideologia subjacente a essa prática de ocultação e distorção das comunidades afro-descendentes e seus valores tem como objetivo não oferecer modelos relevantes que ajudem a construir uma autoimagem positiva, nem dar referência a sua verdadeira territorialidade e sua história, aqui, e, sobretudo na África. É possível ressaltar que todo o quadro de invisibilidade relacionada aos negros deste país nos remete a herança deixada pelo regime escravocrata onde “os africanos escravizados, considerados objetos de uso antes de seres humanos, foi praticamente vedada a possibilidade de acesso à aprendizagem do ler e escrever” (SILVA, 2004, p. 41). É oportuno lembrar que em um determinado período na história do Brasil os negros escravizados eram proibidos de freqüentar a escola. Havia o impedimento, na forma de lei, que proibia que os negros/ escravos estudassem. Romão (2000), citando Cunha (1999, p.87), observa que o acesso à educação dos escravizados e dos africanos era proibido pela Lei número 01, de 04 de janeiro de 1837, que assim determinava no seu artigo terceiro: São proibidos de freqüentar as escolas públicas: § 1º Todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas § 2º Os escravos e os pretos africanos ainda que sejam livres ou libertos. A existência dessas questões implica rever o rumo assumido pelas concepções educacionais brasileiras adotadas, exigindo que estas sejam transformadas de modo que se caracterizem pela busca de alternativas e práticas necessárias que possam possibilitar o avanço no debate, e na compreensão das contradições e das pressões das mais diferentes ordens que remete os seres humanos para além da desigualdade e da exclusão social. Por tudo isso, é possível acreditar que as possibilidades e perspectivas emanadas por meio da Lei 10639/03 podem estabelecer novos marcos de reflexão na educação escolar brasileira. A educação voltada para as relações étnico-raciais e para o ensino de história e 37 cultura afro-brasileira e africana pode promover a igualdade étnico-racial/social e a não discriminação das pessoas negras. Assim, num futuro próximo, os negros poderão participar de forma efetiva em condições de direito e em condições de igualdade com as outras pessoas, no acesso às universidades, a cargos e funções em todos os setores na sociedade. Para tratar das questões da diversidade étnico-cultural/racial, é pertinente destacar que a escravidão sofrida pelos negros no Brasil foi uma ação criminosa, indesculpável e injustificável. Muitas vezes, como nos lembra Valente (1987), ainda nos deparamos com argumentos equivocados, que procuram dar justificativas de natureza e razões econômicas e de colonização, para o terrível processo de escravização imposta ao povo negro, durante mais de três séculos. Ademais, as concepções e informações de caráter preconceituoso, não podem dificultar ou impedir que sejam colocados na história da humanidade, novos conhecimentos e descobrimentos sobre o continente africano. Segundo o Plano Nacional de Implementação das DCNs da Educação para as Relações Etnicorraciais, está dirigido formalmente para que, os sistemas e instituições de ensino cumpram o estabelecido nas leis 10639/03 e 11645/08. Assim, as instituições devem realizar revisão curricular para a implantação da temática, quer nas gestões dos Projetos Políticos Pedagógicos, quer nas Coordenações pedagógicas e colegiados, uma vez que possuem a liberdade para ajustar seus conteúdos e contribuir no necessário processo de democratização da escola, da ampliação do direito de todos e todas à educação, e do reconhecimento de outras matrizes de saberes da sociedade brasileira. É necessário lembrar que mesmo sendo tomadas medidas como a explicitada a cima alguns estudos recentes baseados em pesquisas de amplitude nacional ainda apontam que o sistema educacional pode perpetuar o racismo, já que a instituição escolar legitima com freqüência a ideologia dominante reproduzindo as desigualdades quando compactua com a visão de que a cultura baseada no eurocentrismo e na idéia do branqueamento é a oficial, a “normal” e, por esse motivo, a mais bem aceita socialmente. Uma das implicações dessa situação em sala de aula é a discriminação dos alunos que não se enquadram nesse perfil de sujeito branco idealizado pela sociedade e ratificado muitas vezes por algumas escolas, mesmo que de maneira oculta. Baseado em estudos realizados em instituições do país e confirmados também através desta pesquisa no município em estudo (São Luiz Gonzaga - RS), vale destacar alguns dos principais pontos considerados para a necessidade da elaboração de ações de combate ao preconceito racial contra o negro no âmbito educacional brasileiro. Hoje, apesar dos debates e 38 a obrigatoriedade da Lei 10639/2003 ainda podemos constatar um silêncio em torno das discussões étnicas, levando-se em conta alguns levantamentos divulgados recentemente, grande parte das instituições educacionais no Brasil o tema das relações étnicas não é contemplado, os argumentos justificando a situação são diversos. Muitas vezes o tema é visto como secundário, ou menos importante. Este assunto e todas as discussões que ele suscita são ignorados ou recebem uma atenção ínfima resultando em lacunas na compreensão dos alunos, ou até visões deturpadas a respeito desta importante questão. O material didático pedagógico, embora existam muitos investimentos por parte do governo às vezes o material não chega até as escolas. Ainda existe a constatação do uso de expressões pejorativas que muitas vezes tornam-se normais no meio escolar, tratamento entre alunos ou até de professores com termos ou apelidos que possuem uma carga semântica negativa, ou preconceituosa, mas que muitas vezes são supostamente consideradas positivas e acabam encobrindo e cristalizando o racismo, atitudes discriminatórias e a inferiorização dos afro-brasileiros. A falta de profissionais afro-descendentes no grupo de trabalho da instituição e também nas parcerias que poderiam ministrar cursos e palestras deixa de fornecer aos estudantes referências positivas próximas dificultando o processo de desconstrução de pensamentos preconceituosos. Naturalizar as situações de discriminação racial na relação entre alunos e entre professores e alunos reduzindo-as a problemas comuns da convivência humana faz com que o conflito étnico seja relegado a segundo plano. Com essa atitude são encobertos os conseqüentes danos à construção da identidade e da auto-estima do estudante, o que pode ocasionar prejuízos inclusive para seu rendimento escolar e desenvolvimento integral. A reversão dessa situação se inicia com o (re)conhecimento da existência dos seculares conflitos étnicos, desde as relações mais íntimas até esferas institucionais, além da admissão de que tais embates não são puramente questões de fundo socioeconômico. Essa afirmativa é apontada, por Munanga, que ressalta: A primeira atitude corajosa que devemos tomar é a confissão de que nossa sociedade, a despeito das diferenças com outras sociedades ideologicamente apontadas como as mais racistas (por exemplo, Estados Unidos e África do Sul), é também racista. Ou seja, despojarmo-nos do medo de sermos preconceituosos e racistas. Uma vez cumprida esta condição primordial, que no fundo exige uma transformação radical de nossa estrutura mental herdada do mito de democracia racial, mito segundo o qual no Brasil não existe preconceito étnico-racial e, 39 conseqüentemente, não existem barreiras sociais baseadas na existência da nossa diversidade étnica e racial, podemos então enfrentar o segundo desafio de como inventar as estratégias educativas e pedagógicas de combate ao racismo (2005, p.18). Portanto, a tarefa de levar o tema racial para o ambiente escolar não é simples de ser cumprida. A primeira dificuldade que se apresenta é a de inserir novos modos de lecionar, os quais tenham a capacidade de abranger diferentes visões e lógicas de tratamento dos conteúdos ao sistema que está posto. Outra questão é a certeza de que uma das portas de entrada no mundo educacional é a concepção do currículo escolar, que é o planejamento das práticas didáticas. Trata-se de um documento que deve especificar os conteúdos a serem trabalhados em aula, com base em amplas reflexões a respeito dos objetivos e da filosofia da escola. Mas não deve ser pensado apenas como uma simples enumeração de tarefas a serem implementadas no próximo ano letivo. Desse modo, é oportuno o que afirma Sacristan: O currículo tem que ser entendido como a cultura real que surge de uma série de processos, mais que como um objeto delimitado e estático que se pode planejar e depois implantar; aquilo que é, na realidade, a cultura nas salas de aula, fica configurado em uma série de processos: as decisões prévias acerca do que se vai fazer no ensino, as tarefas acadêmicas reais que são desenvolvidas, a forma como a vida interna das salas de aula e os conteúdos de ensino se vinculam com o mundo exterior, as relações grupais, o uso e o aproveitamento de materiais, as práticas de avaliação, etc (1995, p.87). Entretanto, o currículo que rege o ensino nas escolas está algumas vezes, distante do ideal, o qual deveria privilegiar também a vivência adquirida pelo aluno no exterior do ambiente escolar, a diversidade social, além de considerar as limitações e avanços das relações em sala de aula, enfim, que atenda os interesses e anseios da totalidade de alunos contendo elementos representativos dos múltiplos universos presentes na cultura da sociedade na qual emerge o sistema educacional. Este é momento crucial em que é feita a pergunta “o que deve ser ensinado?”, como menciona Silva (1999) em suas teorizações a respeito do currículo. “O questionamento tem o objetivo de fazer uma reflexão e justificar os conhecimentos selecionados, porém a interrogação conduz o debate para um campo ainda mais profundo, que diz respeito à indagação sobre “qual tipo de sujeito uma sociedade deseja construir?”. Esta questão poderia também anteceder a anterior, já que o objetivo do currículo é criar diretrizes que vão participar da formação dos indivíduos através da escola”. A partir deste entendimento é possível perceber a importância da Lei 10.639/03, a qual estabelece uma expressiva modificação nessa diretriz que rege o sistema educacional no 40 país. O decreto pode ser visto como o início da mudança de posicionamento do governo sobre a questão das relações étnicas no Brasil e do reconhecimento à contribuição dos africanos e afro-descendentes para a história brasileira. 2.3 AS CARACTERÍSTICAS DO RACISMO BRASILEIRO COM REPERCUSSÃO NA ESCOLA Ao iniciar este sub-item farei algumas considerações e definições sobre o racismo onde este, “é uma ideologia que postula a existência de hierarquia entre os grupos humanos” (Programa Nacional de Direitos Humanos, 1998, p.12). Mas pode ser definido também como: A teoria ou idéia de que existe uma relação de causa e efeito entre características físicas herdadas por uma pessoa e certos traços de sua personalidade, inteligência ou cultura. E, somados a isso, a noção de que certas raças são naturalmente inferiores ou superiores a outras (BEATO, 1998, P.1). Já o professor José Rufino conceitua o racismo como: A suposição de que raças e, em seguida, a caracterização biogenética de fenômenos puramente sociais e culturais. E também uma modalidade de dominação, ou antes, uma maneira de justificar a dominação de um grupo sobre outro, inspirada nas diferenças fenotípicas da nossa espécie. Ignorância e interesses combinados, como se vê (SANTOS, 1990, p.12). No Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005 racismo, pobreza e violência, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD Brasil revela que o Racismo, “engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas nos preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que resultam em desigualdade racial, assim como a noção falaciosa de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificáveis, conforme descrito na Declaração da Unesco sobre Raça e Preconceito Racial, de 27 de novembro de 1978”. Segundo a declaração, “o racismo se manifesta por meio de disposições legais ou regimentais e por práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos antisociais; impede o desenvolvimento de suas vítimas, perverte quem o pratica, divide as nações internamente, constitui um obstáculo para a cooperação internacional e cria tensões políticas 41 entre os povos; é contrário aos princípios fundamentais do direito internacional e, por conseguinte, perturba seriamente a paz e a segurança internacionais”. Com relação ao Racismo Institucional o relatório define como um “fracasso coletivo de uma organização em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em razão de seu fenótipo, cultura ou origem étnica. Ele se manifesta em processos, atitudes ou comportamentos que denotam discriminação resultante de preconceito inconsciente, ignorância, falta de atenção, ou de estereótipos racistas que põem minorias étnicas em desvantagem. Sua conseqüência é a inércia das instituições e organizações frente às evidências das desigualdades raciais”. O historiador Paulo Zarth, ressalta em seu texto “A Babel do Novo Mundo” que no Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005 racismo, pobreza e violência, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD Brasil traz uma série de dados revelando que os índices de desenvolvimento humano tem correlação forte entre renda e grupo étnico no Brasil, revelando o racismo velado ainda existente na sociedade e dando origem a uma convivência tensa, entre a cultura afro-brasileira e os demais grupos dominantes de origem européia. No Brasil, o racismo desenvolveu-se e esta presente nas práticas sociais nos discursos um racismo de atitudes, mas sem ser reconhecido pelo sistema jurídico e sendo negado pelo discurso não-racialista da nacionalidade. Baseado nisso, o sistema escolar brasileiro não poderia ficar imune, pois é na escola que construímos os cidadãos do futuro e que compõe a população deste país. O professor Kabengele Munanga na apresentação do seu livro “Superando o Racismo na Escola”, questiona “como, reverter esse quadro preconceituoso que prejudica na formação do verdadeiro cidadão e a educação de todos, em especial os membros dos grupos étnicos vítimas do preconceito e da discriminação racial?”. Munanga ainda afirma que “não existem leis no mundo capaz de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas, no entanto cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos introjetados pela cultura racista na qual foram socializados” (MUNANGA, 2008, p.13). Esta forma de se classificar racialmente mantém intacta a estereotipia negativa dos negros, mas elimina desta categoria a maior parte dos mestiços que, justamente por isso, 42 continuam a ter a auto-estima perseguida por estes estereótipos. No mercado de trabalho, principalmente, estes estereótipos raciais se misturam aos estereótipos de classe para gerar o mecanismo de seleção conhecido como “boa aparência” (DAMASCENO, 1998) responsável pela reprodução de boa parte das desigualdades raciais de ocupação e renda. [...] reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo são crimes contra a humanidade e assim devem ser considerados, especialmente o tráfico de escravos transatlântico, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. [...] (Trechos extraídos da Declaração de Durban, setembro de 2001. África do Sul). O racismo brasileiro, como vemos, na sua estratégia e nas suas táticas, age sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, mas altamente eficiente nos seus objetivos. Baseado nisso, como poderemos ter democracia racial em um país que não se tem plena e completa democracia social, política, econômica e cultural? Um país que tem na sua estrutura social vestígios do sistema escravista, com uma concentração fundiária e de renda das maiores do mundo; governado por oligarquias regionais, um país no qual a concentração de renda exclui total ou parcialmente 80% da sua população da possibilidade de usufruir um padrão de vida decente; que tem 30 milhões de menores abandonados, carentes ou criminalizados? Em geral, o racismo , quando publicamente expresso, é por meio de um discurso sobre a inferioridade cultural dos povos africanos e o baixo nível cultural das suas tradições e de seus descendentes. Constata-se que racismo atravessou duas grandes fases: a da discriminação racial aberta, mas informal e secundada pela discriminação de classe e de sexo, que gerava uma segregação de fato dos espaços públicos e privados (praças e ruas, clubes sociais, bares e restaurantes etc.) e a fase atual, quando, com a discriminação e a segregação raciais sob fogo, apenas os mecanismos estritos de mercado (discriminação de indivíduos e não de grupos) ou psicológicos de inferiorização de características individuais (ou autodiscriminação) permitem a reprodução das desigualdades raciais. Vale expor aqui o que declara Hasenbalg: Os intelectuais e estudiosos das relações raciais de persuasão liberal e conservadora vêm enfatizando, há várias décadas, o caráter único e harmonioso das relações raciais no Brasil. Comparando com outras sociedades multi-raciais, o Brasil ofereceria ao resto do mundo o exemplo de uma “democracia racial”, já 43 realizada, onde negros e mulatos usufruindo de igualdade de oportunidades, são integrados na cultura e comunidade nacionais. Esta visão otimista da singuralidade da situação racial Brasileira contém uma meia verdade. Quando são feitas comparações internacionais, o Brasil distingue-se pela ausência de formas extremas e virulentas de racismo. Não obstante em termos de dominação do branco e subordinação do negro, o Brasil trilhou caminhos não muito diferentes dos de outras sociedades multi-raciais ainda que sem recursos a altos níveis de coerção (1979, p.154). Diante desse quadro ressalta-se, entre os inúmeros problemas que assolam a sociedade brasileira, não apenas a má distribuição de renda, mas também a concentração racial de renda que, entre outros fatores, impede a integração plena do negro no Brasil. É preciso desenvolver uma estrutura social que estabeleça prestígio social, poder, equidades econômicas, sociais e culturais entre os diferentes grupos existentes no país que incida inclusive sobre o imaginário da população em geral. Desta forma, populações segregadas, como os negros, poderão se equiparar econômica, social e politicamente diante dos brancos, deixando de permanecer em uma condição social pautada pela dependência, desconfiança, descrédito, piedade e assistencialismo. Fica sem dúvidas a pergunta de como vamos viver um sistema escolar sem este estigma da escravidão e da inferioridade exposta e imposta por longas datas. Esta pesquisa traz este viés do esclarecimento e foi desenvolvido sob a luz da realidade em busca de mudanças. 2.4 MOVIMENTO NEGRO E SEU COMPROMETIMENTO COM A EDUCAÇÃO Na história dos movimentos sociais os primeiros grupos que se organizaram foram de trabalhadores e, no século XX, registra-se em São Paulo o surgimento de jornais escritos por afro-brasileiros, que utilizavam esse meio de comunicação para denúncia do racismo e da violência policial. Essa ação contribuiu para a constituição da Frente Negra Brasileira (FNB), movimento político que acabou se transformando em partido em 1936, sendo extinto no ano seguinte pelo governo Vargas. “A FNB não se ocupou apenas das questões políticas, também fundou uma escola de educação primária com o objetivo de preencher a lacuna que a escola oficial deixava” (LIMA, 2001, p. 3). O movimento negro sempre agiu tentando mudar o triste quadro em que o negro se encontra no plano educacional e social através de uma ação consistente no campo da educação, seja empenhando-se para que a população negra se instrua, seja tomando medidas 44 necessárias para que isso se concretize. Os movimentos negros foram entendidos como movimentos sociais, capazes de possibilitar, desde o final da década de 70, a emergência do diálogo com o Estado. A complexidade das relações estabelecidas, das alianças que esses movimentos deveriam fazer na perspectiva da conquista da hegemonia, colocava-lhes a necessidade da busca de eficácia e eficiência, não bastando somente entender a sociedade capitalista, fazendo-se, então, necessário interagir com ela na perspectiva dos projetos de interesse das classes populares. De acordo com dados levantados pelo Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005 racismo, pobreza e violência, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD Brasil, este, revela que em 1978, foi fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), que representou uma ruptura com o tipo de organização e de discurso anti-racista até então vigente. Como articulador de entidades negras, inaugurou uma postura explicitamente política, voltada à contestação e ao enfrentamento da discriminação, da desigualdade racial e do próprio regime militar. Organizada em centros de luta, a entidade estabeleceu-se em praticamente todo o país, embora não tenha, ao longo do tempo, atingido o objetivo a que se propôs: a unificação do movimento (PNUD, 2005, p. 104). O Relatório aponta ainda que as maiores conquistas aconteceram no campo das políticas de identidade e de reconhecimento. O estabelecimento do 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares, é o maior exemplo. Em razão das pressões do movimento negro, Zumbi foi reconhecido oficialmente como herói nacional, tendo seu nome inscrito no Panteão dos Heróis da Pátria, até então ocupado solitariamente por Tiradentes. Além disso, a história de Palmares e de Zumbi passou a ser narrada em livros didáticos e rememorada nas escolas. Também o 13 de maio, data da abolição da escravatura, foi transformado pelo movimento negro em Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo (PNUD, 2005, p. 108). Assim, dessa forma, os movimentos negros são compreendidos como um dos introdutores da questão relativa à valorização da diversidade étnico-cultural no sistema educacional brasileiro, no qual desponta a inserção de temáticas e conteúdos programáticos sobre a história da África e do negro em nosso país. As propostas pedagógicas desenvolvidas pelo Movimento Negro, no início da retomada de organização dos movimentos populares em 45 1970, colocam-se como estratégias de continuidade de uma trajetória de luta e de resistência do povo negro que remonta desde as suas primeiras referencias nas civilizações africanas anteriores a colonização européia, nos quilombos, nos terreiros, das irmandades, aos grupos, associações, imprensa negra, até as organizações atuais do Movimento Negro (MN) (LIMA, 2001). Durante a trajetória de atuação do Movimento Negro é possível pontuar pelo menos cinco áreas sociais em que os grupos afrodescendentes organizados têm direcionado um olhar crítico a partir do ponto de vista racial e levado para apreciação pública, além de estabelecer ações concretas na busca de melhorias. Os eixos principais para os quais estão mais voltados os olhares dessas instituições são: trabalho, educação, direitos humanos, organização social e meios de comunicação. Ainda juntam-se a esse grupo questões da ordem da política, da visibilidade e da preservação do patrimônio histórico-cultural. Elas são referentes às denúncias dos casos de discriminação racial, ao reconhecimento e legalização das comunidades quilombolas e ao respeito à religiosidade de matriz africana. Conforme explicitado no Relatório de Desenvolvimento Humano – Brasil 2005 racismo, pobreza e violência, No balanço das conquistas do movimento negro, pode ser incluído o fato de que segmentos da sociedade brasileira e do Estado começaram a adotar uma nova visão sobre as relações raciais e as condições socioeconômicas da população negra. A democracia racial, tão arraigada no imaginário coletivo, já não goza da mesma legitimidade em razão do trabalho de desconstrução realizado pela intelectualidade e pelo movimento negro. Outro fator que merece destaque é a produção realizada com desagregação racial em áreas que antes não eram abordadas pelo prisma racial (educação e saúde, por exemplo) (PNUD, 2005, p.110). O Relatório expõe também que como resultado do exposto a cima, formou-se uma massa crítica que vem sendo incorporada por órgãos públicos, fundações e agências estrangeiras. Também foram constatados avanços no diálogo do movimento negro com o Estado, que passou a ser visto como arena privilegiada de luta por direitos. Construído a partir do final da década de 1980, esse diálogo ganhou impulso durante a preparação do Brasil para a III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, que se realizaria em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001(PNUD, 2005, p.110). 46 Na oportunidade, ocorreu a I Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância, no Rio de Janeiro, que contou com a participação de cerca de 1.700 delegados procedentes das mais diversas regiões do país. Após a Conferência de Durban, foi criado, por decreto presidencial, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), cujos objetivos principais são incentivar a criação de políticas públicas de promoção da igualdade e proteger os direitos de pessoas e grupos afetados por discriminação racial e outras formas de intolerância (PNUD, 2005, p. 110). Portanto, a mobilização no Movimento Negro na busca da visibilidade do negro brasileiro, tornou-se latente no país objetivando que as desigualdades sociais venham a diminuir no cenário do país, obrigando desta forma alguns políticos a defenderem esta grande causa e venham a militar com todas as suas forças em prol das pessoas menos favorecidas. Diante do exposto, vale ressaltar uma grande conquista para população negra brasileira que foi a aprovação pela câmara dos deputados em 9 de setembro de 2009 do Estatuto da Igualdade Racial -Projeto de Lei 6264/05 no seu artigo primeiro, prescreve: “Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, para combater a discriminação racial e as desigualdades estruturais e de gênero que atingem os afro-brasileiros, incluindo a dimensão racial nas políticas públicas e outras ações desenvolvidas pelo Estado”. Vale destacar alguns tópicos importantes que fazem parte do conjunto de 85 artigos que formam o Estatuto de Igualdade Racial, o qual foi elaborado pelo Senador Paulo Paim, conforme o site oficial: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/seppir/noticias/ultimas_noticias/resumo_ estatutoaprovado/ Comunidades quilombolas – O texto aprovado reafirma o princípio constitucional de que os moradores das comunidades remanescentes de quilombos têm direito à propriedade definitiva das terras. O Estatuto, assim, fortalece o decreto n º 4.887/2003, que regulamenta o artigo 68 da Constituição Federal, que trata da demarcação de terras quilombolas. Os direitos dessas comunidades estão garantidos ao longo de todo o texto aprovado, de forma transversal. Um dos itens do Estatuto prevê, por exemplo, que para fins de política agrícola, os remanescentes receberão tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público destinados à realização de atividades produtivas e de infraestrutura. Cultura - O Poder Público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, 47 clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio cultural. A capoeira, por exemplo, passa a ser reconhecida como desporto nacional ao ter a garantia de registro e proteção, em todas as suas modalidades. Descentralização das políticas públicas – O texto institucionaliza o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR), coordenado pela Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Dentre os estados e municípios, mais de 500 já aderiram ao Fórum. A adesão implica na criação de órgãos locais para cuidar exclusivamente da igualdade racial. Assim, o Fórum estimula a disseminação de políticas de igualdade racial por todo o país. Estados e municípios participantes do FIPIR têm prioridade no recebimento de recursos de programas desenvolvidos pela SEPPIR e ministérios parceiros. Direitos políticos – Cada partido político ou coligação deverá reservar o mínimo de 10% de vagas para candidaturas de representantes da população negra. Educação – O Estatuto estabelece parâmetros para a aplicação de ações afirmativas voltadas à população negra, como o sistema de cotas raciais para o acesso ao ensino público. Independentemente do Estatuto, há um projeto de lei tramitando no Senado (PLC 180/2008) que trata especificamente sobre a instituição de cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas. Mesmo sem ter sido aprovado ainda, 79 universidades já criaram políticas de ações afirmativas. Dessas, 59 possuem cotas raciais, conforme dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Financiamento – O Estatuto prevê fontes de financiamento para programas e ações que visem à promoção da igualdade racial. Os orçamentos anuais da União, por exemplo, deverão contemplar as políticas de ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades raciais nas áreas da educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, meios de comunicação de massa, moradia, acesso à terra, segurança, acesso à justiça, financiamentos públicos e outros. Outro destaque é que o Poder Público priorizará o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos no Estatuto aos estados, Distrito Federal e municípios que tenham criado conselhos de igualdade racial. Justiça e segurança – O Poder Público Federal instituirá, na forma da lei, e no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo, ouvidorias permanentes em defesa da igualdade racial. O texto prevê ainda atenção às mulheres negras em situação de vulnerabilidade, garantindo assistência física, psíquica, social e jurídica. Para a juventude, prevê que o Estado 48 implementará ações de ressocialização e proteção de jovens negros em conflito com a lei e expostos a experiências de exclusão social. Meios de comunicação - Na produção de filmes, peças publicitárias e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, racial e artística. Além disso, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário. Moradia – O Poder Público garantirá a implementação de políticas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive nas favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas ou em processo de degradação. Esse direito inclui, por exemplo, a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários e a assistência técnica e jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação. Além disso, os programas, projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela lei nº 11.124/2005, devem considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra. Os estados, o Distrito Federal e os municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Religião – Garante a liberdade para a prática de religiões de matrizes africanas. Além disso, assegura a assistência religiosa aos praticantes internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive os submetidos a pena de privação de liberdade. Saúde – Cria os marcos legais para a implantação de políticas de saúde voltadas às especificidades da população negra, e para a garantia do acesso igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta fixa ainda as diretrizes da política nacional de saúde integral da população negra. SINAPIR – O texto institui o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) como forma de organização e articulação voltadas às implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as iniquidades raciais existentes no país, prestadas 49 pelo Poder Público Federal. Os estados, DF e municípios poderão participar do SINAPIR mediante adesão. O Poder Público Federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do SINAPIR. Terra – Serão assegurados à população negra o acesso à terra, assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção. Aos remanescentes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos. Para os fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial e diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura. Trabalho – Pelo texto aprovado, o Estado vai investir fortemente para inserir o negro no mercado de trabalho, seja no setor público ou privado, por meio de ações afirmativas. Entre as políticas de inclusão, poderá oferecer incentivos a empresas com mais de 20 empregados que contratarem pelo menos 20% de negros. O Estatuto prevê ainda que o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento. 3 A VISIBILIDADE DO NEGRO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO 3.1 PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10639/03 - OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA Neste capítulo serão explicitados alguns momentos relevantes que pautaram o desenvolvimento da Lei 10639/03 bem como o conhecimento do seu conteúdo na íntegra: LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro- Brasileira", e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A 79-A e 79-B: "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. "Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’." Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque Após esta aprovação e passados cinco anos a discussão sobre as questões sociais 51 afloram novamente e o Governo Federal em 10 de março de 2008, sanciona a Lei 11645/08 que acrescenta à anterior a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena, conforme já explicitado anteriormente nesta pesquisa, além de suprimir o artigo 79-B, que inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro, como Dia Nacional da Consciência Negra, nos seguintes termos: LEI Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afrobrasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (NR) Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Fernando Haddad Nota-se que a evidência das discussões sobre as questões raciais, culminou com o surgimento de Ações Afirmativas que se originaram das Políticas de Reparação, de reconhecimento e valorização do negro brasileiro, levando a implementação da Lei 10.639/03 e posteriormente a 11645/08, objeto de estudo desta pesquisa. É consistente expor que estas ações são frutos das propostas pedagógicas do Movimento Negro na perspectiva de discutir e repensar a educação e as relações entre esse setor tão importante e a complexa sociedade brasileira, essa Ação Afirmativa altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, referente às diretrizes e bases da educação nacional, para estabelecer a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a temática: “História e Cultura Afro-Brasileira e indígena”. 52 Conforme já foi explicitado, o Movimento Negro tem a educação como um de seus mais importantes eixos de luta. Essas organizações e seus militantes vêm através de sua longa trajetória denunciando as dificuldades educacionais por que passam os afro-descendentes. Os principais aspectos onde são ressaltados os problemas se referem ao acesso, permanência e conteúdo: Acesso como crítica à precária disponibilidade e qualidade dos serviços de educação públicos oferecidos às camadas populares – seu principal cliente. Permanência como observação cautelosa às frágeis ou, até pouco tempo, inexistentes políticas de manutenção dos alunos em salas de aula ou apoio sistemático à superação das dificuldades enfrentadas por suas famílias em mantêlos nos bancos escolares. Conteúdo como denúncia às interpretações preconceituosas sobre a contribuição dos afro-descendentes à sociedade brasileira (na economia, na história, na política, na cultura, entre outras áreas) e sobre os valores e história do continente africano. (SANT’ANNA, 2005, p. 24) Baseado neste envolvimento com a educação, o movimento negro empenha-se na criação de um ministério, ou de outra estrutura específica, com o objetivo de desenvolver políticas públicas de enfrentamento à exclusão racial no Brasil. Dado ao surgimento da lei n° 10639/03, que altera Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que na íntegra estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências, passando a vigorar acrescida dos artigos 26-A, 79-A e 79-B, expõe-se que nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, públicos e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, ensino que incluirá o estudo da luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil, sendo desenvolvido no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. A nova legislação acrescentou dois Artigos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que estão transcritos abaixo: Art.26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira e indígena. Parágrafo Primeiro – O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à 53 História do Brasil. Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial, nas áreas Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras. Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra. Após a eliminação de alguns obstáculos que pautaram a aprovação da Lei 10639/03, um detalhado parecer, tratando de política curricular embasada em aspectos históricos, antropológicos e sociais brasileiros para o embate contra o racismo e a discriminação que atinge especificamente os negros, foi elaborado pela relatora, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, com o objetivo de servir de subsídio para a implantação da ação. Ela é autora do documento que também apresenta diversas disposições e exigências da Lei. No dia 10 de março de 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer 03/04, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicoraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O Parecer, que tem como um dos objetivos a regulamentação da Lei 10.639/03, fundamenta-se nos dispositivos da Constituição Federal (Artigos 5, 210, 206, 242, 215,216) e nos Artigos 26, 26A e 79B, da Lei 9394/96, que tratam do direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, do direito às histórias e às culturas que compõem a nação brasileira na escola, e do direito ao acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros. O Parecer 03/04 está anexado a esta pesquisa, o qual destaca a importância da valorização da história e da cultura dos afro-brasileiros e dos africanos e o compromisso com a educação de relações étnico-raciais. Salienta a relação entre a nova legislação com a reivindicação de políticas afirmativas na área da educação. “Trata-se de política curricular fundada em dimensões históricas, sociais e antropológicas, oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo, e as discriminações que atingem particularmente os negros” (CNE, 2004). Além de levantar uma série de princípios a respeito da questão racial e educação, apresenta um conjunto de indicações de conteúdos a serem abrangidos pelo currículo nas diferentes áreas do conhecimento, também indica ações a serem tomadas pelo poder público das três esferas, para a implementação da Lei; entre elas, a necessidade de investimento na formação dos professores, o mapeamento e divulgação das experiências pedagógicas das escolas, a articulação entre os sistemas de ensino e a confecção de livros e materiais didáticos que abordem a questão étnica e racial da Nação Brasileira. Orienta também que os Conselhos 54 Estaduais de Educação façam a adequação do Parecer à realidade de cada sistema de ensino. De acordo com o parecer, um dos principais argumentos está relacionado à necessidade da instituição de ações, por parte do Estado e da sociedade, que visem a reparar os danos sofridos pelos afro-descendentes brasileiros em virtude da escravidão: A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir, os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004). O cumprimento do Artigo 205 da Constituição Federal do Brasil é mais um dos argumentos que o Parecer apresenta: Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que cumpre ao disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004). Percebe-se, que uma das principais justificativas à necessidade da nova legislação educacional, segundo o Parecer, é a necessidade de reconhecimento e valorização da história, da cultura e da contribuição dos negros na sociedade brasileira, visando desconstruir o mito da democracia racial brasileira: Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004) Outro fator relevante apresentado no Parecer é o que, reconhece a escola como um espaço privilegiado para a superação do racismo, e faz um alerta que a luta pela superação do racismo deve envolver todos os educadores. 55 Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004) Segundo o Parecer 03/04, não só para os negros o conhecimento da História da África e Cultura Afro-Brasileira são importantes, mas para todos os brasileiros, tendo em vista a composição étnico-racial da sociedade: A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004). A valorização da identidade é um dos principais argumentos utilizados pelo Parecer e presente na Resolução que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A Resolução 01/04, em seu Artigo 3º, dispõe: §1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto ao seu pertencimento étnico-racial - descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, ter igualmente respeitados seus direitos, valorizada sua identidade e assim participem da consolidação da democracia brasileira. §2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais, tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO,b, 2004). Percebe-se também que a Lei dá autonomia aos estabelecimentos de ensino para planejar e preparar os conteúdos pedagógicos, projetos, unidades de estudos e programas que vão abranger os temas, que agora têm obrigatoriedade de serem tratados no ambiente escolar. Os mantenedores e administradores dos sistemas de ensino, por sua vez, têm o dever de fornecer materiais didáticos, formação aos professores e acompanhar o trabalho realizado nas 56 escolas com o intuito de auxiliar e verificar se as questões estão sendo abordadas de maneira adequada. Vale ressaltar alguns argumentos de especialistas, intelectuais envolvidos, sobre a importância da nova legislação. Grossi, autora da Lei, utiliza como argumento o fato de a história ser um elemento fundamental para a constituição da identidade do indivíduo e importante para a constituição da nacionalidade: Reprimir ou negar certas partes significativas do nosso passado nos faz enfermos ou menos gente. Ora, ignorar a profunda e ampla presença do negro na nossa constituição como sujeitos é certamente produção da doença nacional [...] A sanção da Lei 10.639, de minha autoria, a primeira do mandato de Luis Inácio Lula da Silva, publicada em 9 de janeiro de 2003, e a sua regulamentação podem ajudar a abrir mais e mais as portas para nossas lembranças com origem na África, curando-nos do empobrecimento que nos impõe a injusta ausência da riqueza do aporte que indiscutivelmente, nos brindou e nos brinda a parte negra de nossa nacionalidade. (GROSSI, 2004, p. 67). O ex-deputado Ben-Hur Ferreira, co-autor da Lei, entende que o sistema de ensino contribui com a sustentação do racismo no Brasil. Ele afirma que: O que se vê, porém, é que o sistema oficial de ensino, cada vez mais, apresenta-se como um dos principais veículos de sustentação do racismo, distorcendo o passado cultural e histórico do povo negro. Assim, torna-se imperioso e de fundamental importância que se resgate a história do povo negro, reformulando o currículo escolar nas suas deformações mais evidentes, que impedem o negro da sua identidade étnica (FERREIRA, 2004, p. 69) A necessidade de conhecer a História da África e dos afro-descendentes brasileiros para melhor compreender a História do Brasil é um dos argumentos utilizados por diversos teóricos em História da África. Entre eles, o Doutor em História da África Henrique CUNHA: O argumento principal para o ensino da História Africana está no fato da impossibilidade de uma boa compreensão da história brasileira sem o conhecimento das histórias dos atores africanos, indígenas e europeus. As relações trabalhocapital realizadas no escravismo brasileiro são antes de tudo, relações entre africanos e europeus. A exclusão da História Africana é uma dentre as várias demonstrações do racismo brasileiro (CUNHA, 1997, p.67). Finalizando este sucinto desenvolvimento histórico da Lei 10639/03, objeto de estudo dessa pesquisa, espera-se que as escolas busquem colaboração e estabeleçam parcerias 57 com as comunidades em que estão inseridas e com as diversas organizações e estudiosos do Movimento Negro. O objetivo é que haja a troca de experiências e aprendizagens entre professores, alunos, pais, e comunidade como um todo. Mas, entre múltiplos fatores, uma das condições mais importantes para o sucesso dessa Ação Afirmativa é que a escola e os professores estejam bem preparados para executá-la. Não há espaço para o improviso, é necessária a edificação de uma base de conhecimentos sólida para ultrapassar as barreiras do etnocentrismo europeu, arraigado na cultura brasileira, criar uma grade pedagógica curricular crítica e consciente, e começar a percorrer o caminho para rearranjar as relações étnicas e sociais no Brasil. 3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA 3.2.1 Breve histórico do município de São Luiz Gonzaga - RS Esta pesquisa foi desenvolvida no município de São Luiz Gonzaga – RS, localizado a noroeste do Estado no chamado território das Missões, criadas em decorrência da ação dos jesuítas para a catequese dos índios guaranis, habitantes daquela área. As missões jesuíticas se desenvolveram por largo território que atingia Argentina e Paraguai, além do Brasil, criando uma florescente civilização de construtores, escultores, entalhadores, pintores, músicos e outros artesãos, os quais deixaram marcas que até hoje perduram nas ruínas da região missioneira. O município além de trazer um acervo histórico relevante para o estado do Rio Grande do Sul, bem como para o país, foi nele que meus filhos obtiveram parte de sua educação escolar, fazendo com que isto, me instigasse a estudar as questões relacionadas à inclusão do negro na sociedade. Sobre o aspecto das questões raciais relacionadas ao negro na região das Missões, é pertinente nos reportarmos ao Historiador Paulo Zarth (2002), em seu livro “Do Arcaico ao Moderno” onde aponta: Um exemplo importante da presença de escravos nas estâncias é o caso da região missioneira, zona apontada como livre de escravos negros. Nessa região da fronteira com Argentina e Uruguai, Fernando Henrique Cardoso aponta para a inexistência de negros cativos, baseado numa descrição de Saint-Hilare. Indígenas remanescentes das reduções jesuíticas forneceriam a mão de obra necessária, sob a forma 58 assalariada ou sob a forma de escravidão dissimulada. A partir destas observações do naturalista francês do século XIX, difundiu-se a idéia da ausência de escravos no território das Missões. Jacob Gorender (1985, p.437) como exemplo desse fenômeno, divulga também essa visão transcrevendo as observações de Fernando H. Cardoso (ZARTH, 2002, p.116). Conforme Zarth, a origem destas afirmações está nesta passagem da obra de Auguste de Saint-Hilarie: “Os estancieiros dessa região, não tendo escravos, aproveitam a imigração dos índios para conseguir alguns que possam servir de peões” (1974, p.209). Porém Zarth afirma que “a verdade, não há motivos para supor que os estancieiros da região missioneira não utilizassem cativos. Estâncias pastoris, como quaisquer outras, faziam parte de uma sociedade que adotava um modelo produtivo no qual o uso de escravos era algo comum. Seria muito estranho que, numa mesma província, numa mesma atividade econômica, ocorressem dois sistemas distintos de relações de trabalho. Ao contrário, as fontes levantadas revelaram a presença regular de escravos nos estabelecimentos da região (ZARTH, 2002, p.116)”. A intenção em explicitar estas observações elencados, é que, estas venham a servir de reflexão para pesquisar com profundidade as ações relacionadas às questões raciais nessa região, a qual traz em sua história não só a população negra, mas também a indígena como protagonista dessa região. 3.3 CONCEITOS E VALORES ÉTNICOS APLICADOS Para analisar e buscar as atividades mais representativas no âmbito escolar usou-se, como balizamento, o “Projeto a Cor da cultura” elaborado e promovido pelo Canal Futura em parceria com órgãos governo e da sociedade civil, com o intuito de valorizar, preservar e reconhecer o patrimônio cultural e histórico africano e afro-brasileiro, dar visibilidade a ações afirmativas já implantadas pela sociedade, além de propor práticas pedagógicas inclusivas e livres de preconceitos. Nos próximos itens será explicitado alguns termos significativos para as questões raciais, tais como o crioulo, o escravo ou escravizado e na sequência um diagrama dos valores civilizatórios que norteiam as ações e atividades que expressam a implementação da LEI 10639/03 trazendo para realidade a representação social e a valorização do negro em nossa sociedade. 59 3.3.1 “Crioulo” O termo, “crioulo” ou “crioula”, foi empregado inicialmente para designar os filhos de espanhóis, brancos ou mestiços, nascidos em continente americano. Essa idéia também foi retomada para fazer referência a sociedades nascidas a partir da mistura entre culturas européias e africanas em áreas da América de colonização inglesa e francesa. Ainda é abordado o fenômeno da “crioulidade”, que se refere à mescla entre práticas culturais locais e influências estrangeiras, vinculadas ou não à miscigenação. No Brasil o significado da palavra “crioulo” sofreu diversas modificações ao longo da história. Primeiramente, a palavra designava os descendentes de africanos escravizados nascidos no país. Durante o regime escravocrata esses afro-brasileiros eram considerados mais habilitados para conviver com a sociedade livre por terem nascido e se socializado nessa posição dita subalterna. Com o fim do tráfico negreiro e após a abolição da escravatura, gradativamente o termo passou a se referir aos negros em geral, cativos ou libertos, que em algum momento haviam vivido a escravidão. A discriminação decorrente desse sistema fez com que, ao longo do século XX, o termo adquirisse uma carga pejorativa de se dirigir ou se referir a uma pessoa afro-descendente. Recentemente, aos poucos, a palavra está assumindo uma conotação diferente e foi incorporada à linguagem dos militantes e das manifestações contra o preconceito racial como representação do orgulho das origens. 3.3.2 “Escravo ou escravizado” O terceiro conceito ressaltado é a carga semântica da palavra “escravo”. A discussão gira em torno da escolha entre essa nomenclatura e a expressão “escravizada”, que, de acordo com alguns intelectuais, seria mais adequada por exprimir uma condição e não uma característica inerente. Já as críticas quanto à primeira opção, “escravo”, argumentam que essa terminologia estaria ligada à coisificação dos indivíduos, à perda da identidade e às demais mazelas desse sistema. “Como contraponto se apresentaria o registro das atitudes e estratégias de resistência e da busca pela formação e manutenção de vínculos identitários e solidários, os quais permitiram às gerações mais recentes o contato com a cultura vinda com os africanos”. (BRANDÃO, 2006, p.25). 60 3.3.3 Valores A partir da observação e constatação dos elementos mais significativos das tradições africanas e afro-brasileira, foram estabelecidos dez valores civilizatórios, considerados “pequenas bússolas”, as quais norteiam esta questão : Circularidade, Religiosidade, Corporeidade, Musicalidade, Ancestralidade, Memória, Cooperativismo/Comunitarismo, Ludicidade, Energia Vital (Axé) e Oralidade. Eles se articulam e se imbricam através de conexões e fluxos de diversas formas e direções, como mostra o diagrama abaixo: Figura 1: Diagrama dos Valores Civilizatórios do projeto A Cor da Cultura Fonte: www.acordacultura.org.br – acesso em 28 de outubro de 2009. A seguir, a definição de cada um dos Valores: 3.3.4 Circularidade Reunir-se em círculo, em roda, é uma tradição que permeia diversas práticas culturais afro-brasileiras. Seja na roda de samba, na roda de capoeira ou na roda dos cultos religiosos de matriz africana, esse valor está presente. “A lógica do círculo possibilita que 61 começo e fim não tenham lugares definidos, assim como as hierarquias, e ainda permite que a energia se transfira, movimente e gire, em um “círculo de poder e saber” (BRANDÃO, 2006, v. 2, p.97). 3.3.5 Oralidade É através da fala que na cultura afro-brasileira são transmitidos, compartilhados e legitimados os ensinamentos, os anseios e a herança ancestral. Esse ato no qual são perpetuados os valores africanos e afro-brasileiros envolve, conseqüentemente, a escolha sábia dos momentos de silenciar e ouvir, ocasiões muito valorizadas por essa cultura. A oralidade assume a função de mantenedora da história da trajetória dos africanos e seus descendentes brasileiros. Assim, “a palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva” (BRANDÃO, 2006, v.1, p.97). 3.3.6 Energia vital (AXÉ) Esse valor civilizatório faz referência à circularidade e refletividade da vida, isto é, na cultura afro-brasileira, todos os elementos naturais têm uma “energia vital” e por essa razão são sagrados e estão em interação. “Todos os elementos se relacionam entre si e sofrem influência uns dos outros” (BRANDÃO, 2006, v.1, p.97). Está implícito nesse valor o respeito mútuo entre as diversas formas de vida. 3.3.7 Corporeidade Compreendido como fonte de vida, movimento, e trajetória de existência, o corpo tem grande importância para a cultura afro-brasileira. Com todos os seus traços característicos, é considerado uma das heranças mais marcantes deixadas pelos ancestrais vindos da África, pois, por si só, “traz uma história individual e coletiva, uma memória a ser preservada, inscrita e compartilhada” (BRANDÃO, 2006, v.1, p.97). 62 3.3.8 Musicalidade Em diversos momentos da história dos africanos e afro-brasileiros a música foi um dos mais importantes canais de expressão de alegria nas festividades, de devoção nas celebrações religiosas, de força e resistência diante do sofrimento. Portanto, esse valor permeia e é inerente à cultura africana e afro-descendente, influenciando e constituindo as bases da musicalidade brasileira (BRANDÃO, 2006). 3.3.9 Ludicidade A capacidade dos africanos e afro-descendentes de jogar, brincar e dançar, mesmo diante das adversidades do sistema escravocrata, marcou a cultura brasileira. O lúdico assume assim o caráter de luta pela sobrevivência, de esperança de uma vida melhor e de postura otimista diante do contexto da época (BRANDÃO, 2006). 3.3.10 Cooperatividade/Comunitarismo Esse valor ressalta a coletividade que perpassa todas as manifestações da cultura afro-brasileira. A organização e acontecimento da festa, do jogo, das celebrações religiosas africanas estão atrelados à cooperação, valor que esteve presente na trajetória dos africanos e afro-descendentes, sendo um importante meio de sobrevivência desse grupo no período escravocrata desde as penosas viagens nos navios negreiros até as fugas e movimentos de resistência contra o sistema, como a organização dos quilombos (BRANDÃO, 2006). 3.3.11 Memória A história dos africanos e afro-descendentes, que foi encoberta pela escravidão e pelo racismo, vem à tona através da investigação e exposição da memória, importante também como fator de preservação cultural, respeito aos mais velhos, os detentores desse patrimônio 63 transmitido principalmente pela oralidade. Por essa razão, esse valor é tão significativo nesse Projeto (BRANDÃO, 2006). 3.3.12 Religiosidade Para a cultura africana o sagrado emana em todos os elementos. Todos os seres animados e inanimados, o bem e o mal, enfim, tudo é sagrado e, através da energia vital (AXÉ), vive em simbiose, assumindo um caráter reflexivo. Nesse sentido a religiosidade não se remete apenas à celebração relacionada à religião propriamente dita, mas também ao respeito e valorização de todas as criaturas em função da divindade que habita cada uma delas, seja qual for o papel que desempenham em sua existência (BRANDÃO, 2006). 3.3.13 Ancestralidade Esse valor representa a carga do legado africano que está presente no discurso, no corpo e nas atitudes dos mais velhos, os potenciais fontes de consulta sobre a trajetória e o espólio cultural dessa importante passagem da história do Brasil. A ancestralidade também evoca o sentimento de pertencimento ao grupo nos mais novos, já que também é uma forma de assumir suas origens. 3.3.14 Afetividade A afetividade é concebida como a força que confere humanidade aos indivíduos e está relacionada ao encontro, ao possibilitar, potencializar, influenciar e ser influenciado. É conceituada ainda como uma manifestação corporal que expressa desejos, emoções, sentimentos e pensamentos individuais e coletivos. Portanto, é uma maneira de ser e estar no mundo que afeta o grupo, é reflexiva, sendo um importante fator para a compreensão integral do ser humano. Levando-se em consideração a complexidade das relações humanas, as quais acontecem em fluxos, redes e conexões entre as pessoas e o contexto em que vivem, os problemas de afetividade que o racismo causa atinge a sociedade como um todo (BRANDÃO, 64 2006). 3.4.1 AÇÕES E LUGARES/ESPAÇOS PRÓ NEGRITUDE EM SÃO LUIZ GONZAGA 3.4.2 Curso sobre cultura afro ministrado pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Luiz Gonzaga. Esta Instituição tem como objetivo estudar, pesquisar, difundir e preservar história e cultura em São Luiz Gonzaga. Estudar a História e Geografia, principalmente no que se refere à região missioneira; estudar o folclore regional, a língua e os falares do Brasil, especialmente dos povos que habitaram o território missioneiro; manter vivo o culto às tradições do Rio Grande do Sul; manter e cultivar o intercâmbio com as instituições culturais do país e do estrangeiro. Porém, dada a importância que a questão racial tem no país, foi ministrado em curso sobre a realidade racial brasileira. Figura 2: Sala de encontros do Instituto Histórico e Geográfico de SLG Fonte: CHAVES, 2009. No mês de maio de 2009, como partida para as investigações e ações referente à Lei 10639/03 participei deste curso para formação de professores, cujo conteúdo teve por objetivo 65 instrumentalizar professores da rede estadual e municipal sobre a importância da Lei, bem como facilitar uma abordagem metodológica sobre o assunto. Como palestrantes estiveram presentes nesse encontro os professores Almir Pedroso, Dr. Julio Quevedo, Ms Maria Rita Py Dutra, todos da Universidade Federal de Santa Maria. No decorrer do curso foi possível fazer anotações em meu diário de campo onde os palestrantes ressaltaram que a diversidade cultural da África refletiu-se na diversidade dos escravos, pertencentes a diversas etnias que falavam idiomas diferentes e trouxeram tradições distintas. Em meus apontamentos no diário de campo fiz uma síntese da fala do professor Dr. Julio Quevedo o qual afirmava que “os africanos trazidos ao Brasil incluíram bantos, nagôs e jejes, cujas crenças religiosas deram origem às religiões afro-brasileiras, malês, de religião islâmica e alfabetizada em árabe. Assim como a indígena, a cultura africana foi geralmente suprimida pelos colonizadores. Na colônia, os escravos aprendiam o português, eram batizados com nomes portugueses e obrigados a se converter ao catolicismo”. Figura 3: Estudo do continente africano no Curso sobre a Cultura Afro-brasileira do Instituto Histórico e Geográfico de SLG, pelos professores participantes. (Professora Ms Maria Py) Fonte: CHAVES, 2009. Sobre o pilar da religiosidade, a professora Ms Maria Py ressaltou que os bantos, nagôs e jejes no Brasil colonial criaram o candomblé, religião afro-brasileira baseada no culto aos orixás praticada atualmente em todo o território. Largamente difundida também é a umbanda, uma religião sincrética que mistura elementos africanos com o catolicismo e o 66 espiritismo, incluindo a associação de santos católicos com os orixás. A influência da cultura africana é também evidente na culinária regional, especialmente na Bahia, onde foi introduzido o dendezeiro, uma palmeira africana da qual se extrai o azeite-de-dendê. Este azeite é utilizado em vários pratos de influência africana como o vatapá, o caruru e o acarajé. A participação neste curso no início da pesquisa possibilitou a obtenção de subsídios teóricos e metodológicos que visaram habilitar, planejar e desenvolver estudos relativos à história e cultura da África e dos afro-descendentes no Brasil, atendendo, assim, a atual demanda de inserção dessas temáticas nos currículos escolares, pois promoveu reflexões sobre o lugar dos afro-descendentes na sociedade brasileira, identificando formas de exclusão e discriminação vivenciadas por estes grupos, ao longo da história brasileira, uma vez que possibilitou um maior aprofundamento do tema, a partir de questões centrais, como conceitos e dados histórico que permitiram suprir algumas lacunas historicamente presentes nos currículos escolares e nos cursos de formação de professores. Percebeu-se, no desenvolvimento do curso, a importância de incluir a temática africana e afro-descendente nos currículos, não somente pela necessidade de cumprir uma lei, mas como estratégia para a construção de uma sociedade mais igualitária e democrática. Figura 4: Professores participantes do Curso sobre a Cultura Afro-brasileira no Instituto Histórico e Geográfico de SLG Fonte: CHAVES, 2009. Em outro momento do curso foram abordados os pilares da influência cultural descrevendo sobre dança, música, religião, culinária e idioma. Essa influência se faz notar em grande parte do país; em certos estados como Bahia, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Minas 67 Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul a cultura afro-brasileira é particularmente destacada em virtude da migração dos escravos. Através da participação no curso, também se obteve subsídios que possibilitaram o desenvolvimento da pesquisa escolar, pois os assuntos abordados em função de sua diversidade explicitaram pilares importantes a serem investigados. Entre eles, vale ressaltar o desenvolvimento de estratégias de ensino que podem ser transpostas para a situação de sala de aula, construindo algumas opções didático-pedagógicas relativas à temática, uma vez que mostrou tarefas relativas ao ensino de História e Geografia nas séries iniciais com o reconhecimento do continente africano através de mapas e de acessórios da cultura africana que muitas vezes temos familiaridade, mas não sabemos sua origem. Nos próximos itens descrevo um breve histórico das Escolas e suas atividades relevantes relacionadas com a implementação da lei 10639/03 que visa à obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira nos currículos escolares no Ensino Fundamental e Médio no Brasil. Vale salientar que outras Escolas do município também trabalham a implementação desta Lei com muito êxito, porém nossa pesquisa elencou duas Instituições com uma população significativa de alunos e outra por tratar-se do ensino em Séries Iniciais. 3.4.3 Breve Histórico da Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch-Polivalente Figura 5: Portão central de acesso a Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch Fonte: CHAVES, 2009. 68 Vale ressaltar que a escolha desta escola para aplicação na pesquisa deve-se a sua importância para a região, pois as Escolas Polivalentes começaram a ser construídas no período da Ditadura Militar no Brasil, após a assinatura de acordos com o MEC por meio dos quais foram disponibilizados recursos financeiros, oriundos dos Estados Unidos, destinados à educação brasileira. O projeto de escolas Polivalentes foi idealizado inicialmente como ginásio orientado para o trabalho, mas foi atualizado a partir da reforma de ensino que unificou os antigos centros, cursos primário e ginasial em oito anos de ensino fundamental (GERMANO, 2005, p.3). A maioria das novas escolas foram instaladas nos estados de Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, para posteriormente serem expandidas para outros Estados. O critério para distribuição foi o de centralizar esforços em cidades que se constituíam pólos de desenvolvimento, “irradiando sua influência renovadora a toda a rede escolar” (GERMANO, 2005, p.4). Conforme relato da direção, e registrado em diário de campo, a Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch-Polivalente, situada na Rua Hipólito Ribeiro nº 2850, no Bairro Raimundo Gomes Neto, na cidade de São Luiz Gonzaga-RS foi criada através de um convênio estabelecido entre o estado do Rio Grande do Sul e o Ministério da Educação e Cultura para a execução do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio, que definiu a instalação de escolas polivalente em algumas cidades gaúchas. Esta decisão foi tomada pelo Conselho Estadual de Educação, através do Parecer 122/70 de 26/08/70. A escola de área Polivalente iniciou suas atividades no dia 19/03/73, com seis turmas de 5ª séries com 226 alunos, cinco turmas de 6ª séries, com 190 alunos e duas turmas de 7ª séries com 68 alunos, perfazendo um total de 484 alunos. 69 Figura 6: Quadra de esportes e Salas de aula da Escola Estadual de Ensino Médio Gustavo Langsch Fonte: CHAVES, 2009. Hoje, conforme dados coletados com direção escolar, este estabelecimento de ensino atende alunos da 1ª série do Ensino Fundamental, até a 3º série do Ensino Médio Regular e EJA (Educação de Jovens e Adultos), nos turnos da manhã, tarde e noite. Há uma Sala de Recursos de Deficientes Visuais, a qual atende cinco alunos com visão subnormal e três alunos com cegueira total. Conta também com uma Classe Especial, em que estudam sete alunos deficientes auditivos. A filosofia da escola é: “Educando para a cidadania, buscando a emancipação do indivíduo e a transformação da realidade”. A escola possui 750 alunos com um efetivo de 47 professores e 12 funcionários. No dia vinte de outubro de 2009, foi promovido pela direção da Escola o 11° edição do LITERARTE, evento que abordou o tema referente à cultura Afro, fazendo uma sistematização de tudo que foi aplicado interdisciplinarmente durante no ano letivo através do projeto “Uma nova história a ser contada”. A programação do evento ressaltou a participação do negro no cenário brasileiro trazendo música, poesias e teatro, além de contar a história do negro brasileiro e sua atuação na sociedade. Esta atividade é consagrada no município, pois trata-se de uma tradição que envolve manifestações artísticas na busca da preservação da identidade e da literatura. A seguir alguns trechos da abertura do evento realizado em 20/11/2009, os quais constam na programação de eventos desta Escola, e repassados para meu diário de campo: 70 “BOA NOITE A TODOS AQUI PRESENTE E EM ESPECIAL A NOSSA HOMENAGEADA A POETISA E PROFESSORA GUIOMAR TERRA BATU DOS SANTOS ESTE XI LITERARTE que tem como tema “CULTURA AFROBRASILEIRA contempla a lei federal nº 10.639 de 2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino da cultura africana e afro-brasileira em todas as escolas brasileiras. Trabalho este que pretende mostrar a diversidade que engloba as diferenças culturais que existe entre os grupos étnicos valorizando a linguagem, as danças, as vestimentas e as tradições, bem como a forma com que as pessoas se organizam. E PARA FALAR, DECLAMAR, CANTAR E DRAMATIZAR sobre a cultura desta raça, nós temos que estar livres de preconceitos, diferenças e de qualquer tipo de discriminação. Por isso, os alunos da Escola Polivalente irão passar uma mensagem através da música, da poesia, da dança e do teatro. Passaremos às apresentações artístico –culturais do XI LITERARTE.” A abertura oficial está a cargo do Grupo de Capoeirê. Compõe o efetivo da Escola sempre enfatizando também as ações da cultura Afro regional: [...] Mas na região das Missões na Vila 13 – também havia um Quilombo dito na musica “QUILOMBO DAS LUZIA” DE PEDRO ORTAÇA que será interpretada pelos alunos 1°NA – ANDERSON E LUIZ MACIEL. Acompanhado na gaita pelo aluno Moises. [...] Convidamos os alunas Maria Carolina e Greice da 8° 2 para apresentar a poesia “ ZUMBI”; Agora na seqüência das poesias as alunas Taiane e Samanta da 8° 2 para declamar a poesia Os zumbi. [...] Chamamos ao palco agora aluna ALESSANDRA do 1° C para declamar a poesia TIA ANASTÁCIA de Jaime Caetano Braun . [...] Apresentarão os alunos 7 ° serie -Willian e Renan – A musica “ Trabalho Escravo” [...] As alunas do 2 °A vão apresentar a peça “ Racismo e Discriminação” autora a aluna Jocelaine Morais. Outro momento, os alunos da 5ª e 8ª séries apresentaram a peça “ A contribuição do negro na formação do povo brasileiro” . Essa peça mostrou a chegada dos africanos que foram trazidos para o Brasil, a partir de 1500 para trabalhar nas lavouras, nos engenhos e nas mais variadas atividades que exigiam a mão-de-obra escrava. Com eles, veio a sua cultura que influenciou na formação do povo brasileiro. Foi bastante ressaltado pelos professores, que hoje essa influência pode ser percebidas em várias manifestações culturais como, por exemplo, na culinária, na religiosidade nos ritmos musicais, em danças como a capoeira e o samba. Os negros que entravam vindos da costa africana eram trazidos por navios mercadores portugueses. Na seqüência as alunas da 8ª série apresentaram uma coreografia da música Romance na Tafona, de Luiz Carlos Borges, músico nativista da região, na sequencia os professores fazem referência ao poeta Castro Alves com sua poesia direcionada a luta 71 abolicionista: “[...] Na poesia destacamos Castro Alves que nasceu em Muritiba (BA) em 1847, e faleceu em Salvador em 1871. Aderiu publicamente a luta abolicionista, publicando o poema “ a canção do africano” , luta que se tornou uma constante e lhe rendeu o epiteto de “O poeta dos Escravos”. Os alunos do 2° B declamarão o poema O NAVIO NEGREIRO” neste poema ele expõe toda a sua revolta perante os donos de fazendas que importavam os negros da África. Vinham apertados em porões imundos de navios, onde muitos morriam de fome e de doença.Seguindo a linha deste nosso ilustre Poeta Castro Alves chamaremos os alunos 1° A para recitar a poesia BANDIDO NEGRO”. 3.4.4 Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe Entre as escolas pesquisadas com atuação também relevante, relacionada com a implementação da Lei 10639/03 destaco o Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe, o qual iniciou sua trajetória em 09 de abril de 1964 através do Decreto de Criação n.º 16.550 com o nome: Ginásio Estadual de São Luiz Gonzaga. Em 13 de março 1971, passou a ser designada Escola Estadual Professor Leovegildo Paiva - 6ª a 8ª séries, através do Decreto de Denominação nº21076, Diário Oficial de 15 de março de 1971. De acordo com a resolução nº111/74 - CEE foi reorganizada, conforme Portaria nº19838 de 18 de setembro de 1979 - Diário Oficial de 27 de setembro de 1979, passando a denominar-se Escola Estadual Leovegildo Paiva - 6ª a 8ª série. Em 1993, foi criado o Curso Habilitação Magistério que constituiu mais uma modalidade de Ensino Médio na Escola. Em 1995, recebeu ampliação da parte física (Laboratório, Biblioteca, Sala dos Professores, bem como construção de mais uma quadra poliesportiva, pista de Atletismo e ajardinamento da Escola. Em 2000, através da Portaria de designação nº244 de 18.09.2000, a escola passou a designar-se Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe. A instituição possui atualmente 900 alunos, 61 professores e 15 funcionários. 72 Figura 7: Instituto Estadual de Educação Professor Osmar Poppe Fonte: CHAVES, 2009. Nesta instituição vale ressaltar o trabalho da professora de artes Ferreira (2009), que implantou um projeto com objetivo de possibilitar aos alunos situações de aprendizagem, reflexão e estudo referente a cultura afro-brasileira, na dimensão das Artes, para que o mesmo possa conhecer a história da África e do Brasil africano valorizando e reconhecendo a importância da diversidade étnica e cultural existente no país buscando ainda, perceber que a cidadania se constrói através da diferença e ao respeito ao outro, no tempo e no espaço em que se vive. Segundo a professora Ferreira (2009) este trabalho mostrou consonância com a Lei 10639/03, uma vez que traz como objetivos específicos alguns pilares muito relevantes para o reconhecimento da cultura afro, pois permitiu aos alunos, através da arte, conhecer a história da África e as contribuições do africano na formação da cultura afro-brasileira; reflexão sobre a contribuição da cultura africana na formação da cultura afro-brasileira valorizando a diversidade étnica existente no país; conhecer artistas que tratam da cultura afro em sua arte, bem como artistas afros contemporâneos; destacar a influência e as principais características da arte afro-brasileira; diferenciar objetos de objeto-arte, arte popular de arte erudita e artesanato, articular com autonomia os elementos visuais das diferentes linguagens artísticas e a contribuição das principais etnias que compõem nossa cultura. Afirma a professora Ferreira (2009), que o projeto serve para “ampliar os referenciais pessoais e culturais dos alunos, exercitando a organização do pensamento, a sistematização e a apropriação do 73 conhecimento”. Para realização desta atividade foi utilizado como recurso didático imagens africanas; textos; aparelho de som, poesias, livros, DVDs, Data show, tintas, cola, tesoura, papéis, materiais alternativos (sucata), objeto Arte, pinceis, livros de História da Arte, catálogos de imagens artísticas. Outro momento significativo das atividades direcionadas a cultura afro foi a amostragem dos quadros Negra Tatuada Vendendo Caju, de Jean Baptista Debret, A Negra, de Tarsila do Amaral, O Grande Pato, de Mestre Didi. A seguir exponho um trecho do que foi relatado e registrado em diário de campo pela professora Ferreira: “[...] Pretende-se ainda por meio da alfabetização artística e estética, desenvolver os aspectos cognitivo, perceptivo, criativo e expressivo nas linguagens corporais, visuais entre outras, por intermédio do fazer e da leitura desse fazer. Capacitar o aluno à compreensão e à utilização dos códigos específicos de cada linguagem artística, suas diversas maneiras de composição e contextualização, para realizar com eficiência o diálogo com o mundo do ler, compreender, do expressar e do fazer. Com isso acredita-se que o aluno será capaz de perceber as noções e experimentar os materiais necessários com autonomia à materialização da sua idéia, pela valorização do processo de criação para chegar à arte final”. Dentro do programa estabelecido, houve abordagens teóricas-práticas, com aulas expositivas, interativas, comparativas, práticas investigativas e de criação, de apreciação, sobre a cultura afro-brasileira, para que o educando tivesse a oportunidade de ampliar seus conhecimentos referentes à contribuição étnica africana na formação de nossa cultura, desenvolvendo seu saber sensível e estético, podendo perceber a presença dos elementos visuais artísticos e estéticos na arte, no cotidiano, na natureza, na história cultural da humanidade. Vale ressaltar nesse trabalho teatral, o empenho e comprometimento de todos os alunos que se mostraram desenvoltos nas cenas apresentadas, bem como o conhecimento adquirido através da pesquisa para obter dados históricos e acontecimentos relacionados com o período escravocrata brasileiro, trazendo para o debate as questões raciais e o posicionamento do negro de outrora e na sociedade atual. 74 3.4.5 Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga Figura 8: Acesso principal da Escola Municipal Boa Esperança de São Luiz Gonzaga. Fonte: CHAVES, 2009. Tomando como base que o papel da educação infantil é significativo para o desenvolvimento humano, a formação da personalidade, a construção da inteligência e a aprendizagem, procurou-se também pesquisar sobre como os espaços coletivos educacionais, nos primeiros anos de vida, são espaços privilegiados para promover a eliminação de qualquer forma de preconceito, racismo e discriminação, fazendo com que as crianças, desde muito pequenas, compreendam e se envolvam conscientemente em ações que conheçam, reconheçam e valorizem a importância dos diferentes grupos etnicorraciais para a história e a cultura brasileiras. Neste contexto, outra instituição que trabalha a questão da Lei 10639/03 é a Escola Municipal Boa Esperança, destinada à educação infantil, localizada em um bairro de baixa renda do município, que através da união dos moradores da comunidade local e auxílio da Prefeitura Municipal, construiu uma sala de aula que entrou em funcionamento no dia 06 de maio de 1954. A Escola foi criada através do decreto Lei n° 27 de 1965 e teve como denominação BOA ESPERANÇA, devido à propriedade rural de Augusto Ramborger, a qual deu origem ao nome da Instituição, o proprietário foi um grande colaborador da escola situada na comunidade denominada Vila Trinta em São Luiz Gonzaga – RS. O primeiro ano de funcionamento contou com 13 alunos que freqüentavam a 1ª, 2ª e 3ª séries. Já em 1967, houve 75 a necessidade de ampliação da escola em função da demanda, que hoje atende 275 alunos da educação infantil à 8ª série do Ensino Fundamental. De acordo com a diretora Maria Alceri, a missão da instituição é “oportunizar ao aluno condições para desenvolver o senso crítico participativo, com responsabilidade, tornando-o um cidadão atuante na sociedade”. Através de visitas a Escolas e entrevistas com a professora Geane Noro, foi possível observar o trabalho realizado por ela, a qual utilizou o livro de Ana Maria Machado, denominado “Menina bonita do laço de fita” para reflexão e inserção das atividades relacionadas com a implementação da Lei 10639/03. Para a professora Geane Noro, desenvolver o tema da diversidade não somente tem por objetivo de mostrar aos alunos a riqueza étnico-cultural brasileira, como também para que as crianças se apropriem de valores como o respeito a si próprias e ao outro, elevando a auto-estima de alunos negros em sala de aula, amenizando as diferenças e buscando a igualdade entre coleguinhas desde as series iniciais. O texto do livro da escritora Ana Maria Machado expõe que: [...] uma menina linda, linda. Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos enroladinhos e bem negros. A pele era escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra na chuva. Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laços de fita coloridas. Ela ficava parecendo uma princesa das terras da África, ou uma fada do Reino do Luar. E, havia um coelho bem branquinho, com olhos vermelhos e focinho nervoso sempre tremelicando. O coelho achava à menina a pessoa mais linda que ele tinha visto na vida. E pensava:- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que nem ela... Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:- Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha? As atividades são planejadas apresentando num primeiro momento à história à classe, contada sem mostrar o livro e solicitando as crianças que dêem o titulo para história ouvida, logo após falando sobre a escritora e sua produção na literatura brasileira. Na seqüência, são expostos os diversos títulos atribuídos ao texto, mostrando aos alunos que existem opiniões diferentes sobre uma mesma questão o que conduz e direciona as atenções para as questões raciais. 76 Figura 9: Representação do texto trabalhado na escola “Menina Bonita do laço de fita” Fonte: CHAVES, 2009. A utilização deste texto com os alunos das classes iniciais tem sua riqueza nas questões etnicorraciais, pois se trata de um enredo envolvente, onde o negro discriminado pela escravidão passa a ser valorizado, como um cidadão que pode e deve causar admiração, não mais preso a estereótipos. Esta inversão causada pela autora contribui na formação da personalidade, sem deixar de satisfazer a necessidade de ficção e fantasia. Isso porque a autora se utiliza de um texto narrativo ora direto, ora indireto, com descrição bastante poética, rico em figuras de linguagem: metáforas e comparações, além de rimas e repetições, capaz de prender a atenção do público infantil, através da descontração da linguagem. Em uma das visitas a Instituição e de acordo com relato da professora Geane, e registrado no diário de campo, foi possível constatar que ao final de cada aula, os alunos sempre se manifestavam dando sua contribuição para o entendimento do texto. É importante expor as falas de alguns alunos sobre a aula: ALUNO A: “O coelho precisa saber que ele também é bonito”. ALUNO B: “É, ele não precisa ser negro pra ser bonito, todo mundo é bonito”. ALUNO C: “Deus gosta de nós o mesmo tanto”. ALUNO D: “Que história bonita, eu queria ser a menina bonita dela”. ALUNO E: “Olha! A Mariazinha parece a Menina bonita da história”. ALUNO F: “Eu queria ser o coelho, aí ele não ia fazer todas essas coisas pra ficar preto, porque eu ia saber que não dá certo”. ALUNO G: “Será que o coelho ia se enche de feijoada também?”. Por se tratar de uma linguagem simples, clara e objetiva os professores que trabalham este texto falam diretamente com a criança, pois desde o título MENINA BONITA 77 DO LAÇO DE FITA, a autora Ana Maria Machado procura dialogar com a criança negra que muitas vezes é discriminada e não se aceita, como também dialoga com as outras, envolvendo-as de tal forma, que elas compreendem as diferenças que cada ser possui e partilham do respeito mútuo, pois cada ser é especial indiferente da cor, credo, religião, com isso, a autora fortalece a auto-estima e a valorização da pessoa humana. Sem utilizar uma linguagem discriminatória, ou punições; pelo contrário, mostra o mundo pelos olhos de dois personagens que pouco a pouco compreendem um pouquinho de sua história. CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado em estudos realizados durante minha trajetória acadêmica direcionada a inclusão do negro no sistema educacional brasileiro, foi possível perceber através desta análise da implementação da Lei 10639/03, fruto desta pesquisa, que no Brasil abordar as questões raciais, discriminação e preconceito torna-se sempre complexo, considerando que a crença no mito da democracia racial, ainda está presente na mentalidade de muitos brasileiros. Quando falamos sobre as praticas racistas na escola, a complexidade surge com maior intensidade, pois o tema obriga a um olhar interiorizado de cada agente educativo que precisa assumir suas limitações e dificuldades no relacionamento com a diferença. A Lei 10639/03, de 9 de janeiro, estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas Escolas de Ensino Fundamental e Médio, surgindo como medida que favorece a implementação de ações educativas voltadas ao estudo e valorização desta cultura, que teve participação relevante nas questões socioeconômicas e políticas deste país, construindo uma visão da África negra com base na desconstrução da visão eurocêntrica, de uma África selvagem, ingênua até então expostas em nossas leituras e formação educacional. No desenvolver desta pesquisa, constatou-se que tratar o tema da diferença na escola é um desafio para todo educador, pois isso é muito mais que uma apropriação teórica, é trabalhar em sala de aula de modo a colocar em movimento idéias e práticas que estimulem a aproximação entre diferentes, o que requer dedicação e empenho. Lidar com as diferenças também implica uma predisposição interna para repensarmos os nossos valores e possíveis preconceitos, refletirmos sobre a especificidade das relações entre brancos e negros sobre as dificuldades de aproximação entre professores e alunos negros. 79 Esta sintetização focada na dificuldade em tratar do tema relacionado à Lei 10639/03 e paralelamente as diferenças dentro da escola, foi obtida através das entrevistas e conversas com educadores que se mostraram em determinados momentos angustiados com a responsabilidade de ministrar o tema, por outro lado conscientes de que a implementação da Lei e os debates em torno dela proporcionarão subsídios para resgatar e contar a trajetória dos povos africanos e seus descendentes brasileiros, numa perspectiva pedagógica diferente da tradicional eurocêntrica, mostrando a participação positiva do povo negro, que se estende aos diversos setores da sociedade, como a política, economia, as ciências naturais e sociais, as artes, enfim, a construção histórica do Brasil. Em relação às visitas escolares e entrevistas com alguns educadores ao longo da pesquisa, ressalto que uma das dificuldades elencadas para implantação da Lei é que a escola precisa considerar outras imagens que se mostrem diferentes das imagens históricas e habituais que sempre foram atribuídas aos negros, através das representações destes, como meros seres humanos marcado pela inferioridade, miserabilidade e doenças no continente africano. Foi possível notar que embora essa constatação seja evidente, alguns educadores não sentem a vontade para fazer essas críticas em relação à escola que trabalham, argumentando muitas vezes que não há espaços para exposição da realidade. Neste sentido, os educadores questionam a falta de orientação didática que possibilite esse novo olhar, pois alguns declararam não ter recebido qualquer tipo de orientação pedagógica sobre a questão racial no Brasil por ocasião dos seus cursos de formação profissional ou nas escolas onde lecionam ou lecionaram. Ou seja, os cursos de complementação pedagógica (nos casos de professores com nível de escolaridade superior) ou os cursos de formação de professores (equivalente ao ensino médio) não dedicam qualquer ênfase, ou melhor, ainda desconhecem a especificidade da questão racial brasileira. Dessa maneira, alguns professores assumem a direção de uma sala de aula sem ter noção dos problemas que irão enfrentar; na maioria das vezes as soluções para os conflitos emergentes são buscadas no bom senso, na prática cotidiana, independentemente de qualquer preparação pedagógica. Através desta pesquisa foi possível constatar que para trabalhar as questões raciais na escola, algumas vezes foi necessário convocar alunos como, por exemplo, para representação principalmente de peças teatrais relacionadas com as questões raciais e algumas vezes foi negada a participação em função do tema. Neste sentido, nota-se o surgimento de 80 um preconceito omisso em função da percepção negativa atribuídas ao negro. Conforme entrevistas, realizadas muitas vezes fora do período escolar (na casa do educador) alguns, reconhecem a existência do preconceito racial na escola, seja entre alunos, de professores em relação aos alunos, ou até do corpo administrativo para com os alunos. Foi relatado que o preconceito manifesta-se em brincadeiras ou apelidos alusivos à cor, na seleção racial do colega de estudo ou do banco escolar e na própria expectativa do professor quanto ao rendimento do aluno negro quando comparado ao branco. Porém, toda essa realidade ocorre sem muita transparência, pois nega-se a questão racial baseado na nossa concepção sobre o racismo no Brasil, o qual é desconfigurado em função do mito da democracia racial que pautou a formação de muitos educadores em nosso país. Com relação aos questionamentos dos educadores sobre a necessidade de subsídios teóricos e didáticos para implementação da Lei 10639/03, vale ressaltar que o Ministério da Educação tem divulgado através de seus canais de operações, várias ações para facilitação do acesso à Lei. No entanto, percebemos que algumas escolas analisadas neste município, desconhecem os materiais, fazendo com que seus educadores pesquisem por si só, e busquem isoladamente dados e materiais didáticos para complementação de seus conteúdos visando às aulas focadas nas questões raciais. Embora existam questionamentos relacionados à falta de material pedagógicos, sabemos que ele existe, porém não chega em algumas escolas, muitas vezes até pelo desinteresse do corpo diretivo, que transfere para o educador a obrigação em pesquisar sobre o tema. Para maiores esclarecimentos das ações que o Estado tem elaborado para o êxito da implementação da Lei 10639/03, no final desta pesquisa existe um anexo destas ações organizadas pelo Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicoraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Percebe-se que a inclusão da temática de história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares se dá no sentido de ampliar a discussão da diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira, uma vez que a inserção das temáticas relativas a Lei 10.639/03 diz respeito à desconstrução da história tradicional de constituição da sociedade brasileira, alicerçada no “mito da democracia racial”, contribuindo assim para combater o racismo. O desenvolvimento desta pesquisa teve um caráter investigativo de como a lei 81 10639/03 está sendo implementada em algumas escolas do município de São Luiz Gonzaga, pois a ausência da História e Cultura Africana é uma das lacunas de grande importância nos currículos educacionais. Percebe-se que o município, apesar dos obstáculos explicitados ao longo desta pesquisa, como por exemplo a perda de materiais e registros relacionados com todo acervo das questões raciais apresentadas na escola no ano de 2003, ou até mesmo o desconhecimento total sobre a Lei 10639/03 de alguns professores de História, e vários de educação física e matemática e até de língua portuguesa. Mesmo apesar do exposto, outras escolas trabalham o tema durante todo o ano letivo por considerarem que é importante a superação do mito da democracia racial e a minimização das diferenças dentro da escola. Nota-se, que embora tenha existido tais dificuldades o sistema escolar pesquisado, efetuou ações e planejou atividades que estão em consonância com os objetivos previstos na lei 10639/03, contribuindo desta forma para a desconstrução da visão ideológica negativa com que são vistos os africanos e seus descendentes e que foi construída ao longo desses cinco séculos no Brasil, além de ressaltar positivamente a efetiva participação do povo negro no processo histórico brasileiro, enaltecendo a imprescindível sabedoria cultural africana, e o seu legado histórico para a humanidade. Portanto, diante deste contexto, vale ressaltar que a Lei 10639/03 quando implementada traz muitos resultados positivos, entre eles as inúmeras possibilidades de ações e modificações de algumas práticas escolares, nos levando as reflexões relacionadas com os distanciamentos e muitas vezes a falta de ligação entre alunos e professores com os conteúdos ministrados nas escolas. Ela nos possibilita pensar em um ensino significativo que visa à inclusão de uma camada da sociedade que muito representa para o país. Outra condição positiva que podemos atribuir a esta Lei é que traz a questão racial para o debate colocando o tema na agenda nacional, fazendo com que todos reconheçam que é preciso fazer algo para diminuir a desigualdade na educação de ricos e pobres ou negros e brancos. Vale destacar que pelo viés histórico todas estas questões raciais, debates e ações relacionadas aos negros brasileiros, visam também uma reparação, não como retaliação, revanche, mas como conquista de direitos historicamente negados, restituindo, mesmo que não completamente, algo do que foi perdido em função da negação de direitos. Negação sofrida por gerações e gerações de negros/negras no país. Isso significa uma correção de algo vivido no passado e com repercussão nos dias atuais. Esta reparação também é vista pelo viés 82 da perda histórica de acesso da população negra aos direitos humanos, é tomar medidas no presente que compensem essas perdas, a fim de promover a igualdade. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre. Petrópolis: Vozes, 2000. BRANDÃO, Ana Paula (coord.). A Cor da Cultura - Saberes e Fazeres – Modos de Ver. v. 1. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. ____. A Cor da Cultura - Saberes e Fazeres – Modos de Sentir. v 2. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. ____. A Cor da Cultura - Saberes e Fazeres – Modos de Interagir. V. 3. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. BEATO, Joaquim. Um novo milênio sem racismo na Igreja e na sociedade, CENACORA, 1998. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 22. mar. 2010. ____. LEI nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003. 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A Revista Espaço Escola/universidade de Ijuí – Vol.4, n.18 (out/dez.) 1995. 88 ____. A. Do arcaico ao moderno. Ijuí: Unijuí editora, 2002. ANEXOS Anexo 1: Recorte do Jornal A Noticia de São Luiz Gonzaga I Anexo 2: Recorte do Jornal A Noticia de São Luiz Gonzaga II Anexo 3: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Secretaria de Educação de Ijuí Publico alvo professores e coordenadores da rede municipal de Ijuí Anexo 4: Palestra sobre a Lei 10639/03 na Escola Estadual de Bozano - RS Publico alvo alunos do Ensino Fundamental e Médio de Bozano Professores, secretário da educação e diretora da Escola. Anexo 5: Ações do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais É oportuno ressaltar algumas ações divulgadas pelo Ministério da Educação que mostram a mobililazação do governo para a implementação da Lei 10639/03. Conforme dados extraídos do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorraciais para o Ensino de Historia e Cultura Afro-brasileira e Africana, foi elaborado em 2005, um milhão de exemplares da cartilha das DCN´s da Educação das Relações Etnicorraciais foram publicados e distribuídos pelo MEC a todos os sistemas de ensino no território nacional. Outra ação desenvolvida pelo Programa, as oficinas de Cartografia sobre Geografia Afro-brasileira e Africana, beneficiou 4.000 educadores, em 7 Estados da Federação, 214 alunos de universidades estaduais e federais e 10.647 professores até 2006. Em 2004/2005, foram realizados eventos regionais e estaduais com a proposta de manter um diálogo entre o poder público e a sociedade civil, com o objetivo de divulgar e discutir as DCN’s para a Educação das Relações Etnicorraciais, resultando na criação de 16 (dezesseis) Fóruns Estaduais de Educação e Diversidade Etnicorracial. Em parceria com Fundação Roberto Marinho, houve a produção de 1000 kits do material A Cor da Cultura (2005), capacitando 3.000 educadores. Em 2009, 18750 kits serão reproduzidos e distribuídos a todas as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação no Brasil. Em dezembro de 2007, a SECAD/MEC descentralizou recursos para a tradução e atualização dos 8 volumes da coleção História Geral da África, produzida pela UNESCO, e que possuía apenas 4 volumes traduzidos no Brasil, na década de 1980. O Programa UNIAFRO de 2005 a 2008 recebeu investimento do MEC de mais de R$ 5 milhões, e também desenvolveu ações de pesquisa, seminários e publicações acadêmicas, cerca de 90 títulos, voltadas para a Lei 10639. 95 Nos anos de 2006 e 2007, a formação continuada de professores à distância foi realizada no curso Educação-Africanidades-Brasil, desenvolvido pela UNB, e História da Cultura Afro-brasileira e Africana, executado pela Ágere, beneficiando mais de 10.000 professores da rede pública. A partir do ano de 2008, a formação à distância para a temática está a cargo da Rede de Educação para a Diversidade, que funciona dentro da rede Universidade Aberta do Brasil (UAB/MEC), cujo oferecimento de vagas chegou próximo a 3000, na sua primeira edição. Os livros Orientações e Ações para a implementação da Educação das Relações Etnicorraciais, 54.000 exemplares, e “Superando o Racismo na Escola”, 10.000 exemplares, organizado pelo Professor Kabenguele Munanga, foram distribuídos para as Secretarias de Educação e em cursos de formação continuada para a Lei 10639, para os professores, público ao qual se dirigem as obras. Através destas ações, pode-se perceber que o governo mobilizouse, porém estes subsídios que facilitariam a implementação desta Lei, muitas vezes não chegam completos aos bancos escolares, gerando o descontentamento dos educadores, que são obrigados a pesquisarem através de seus próprios recursos materiais relacionados com a lei, para que possam complementar seus planos de aulas com os conteúdos necessários para a implementação da lei referente ao ensino africano.